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rp mgf mgf revista portuguesa de medicina geral e familiar ISSN 2182-5173 • Publicação Bimestral • Maio/Junho 2020 • Vol 36 • N. o 3 • 10ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR 1. o Encontro Nacional de Internos de MGF – Beja EDITORIAL Médicos e arquitectos: influência e persuasão nas escolhas em saúde Doctors and architects: influence and persuasion on health choices António Faria Vaz ESTUDOS ORIGINAIS Avaliação de conhecimentos sobre exposição solar Assessment of knowledge about solar exposure Rita Meireles Pedro, Catarina Sá Couto, Daniela Almeida Ribeiro Mafalda Oliveira, Raquel Lisboa, Sandra Mimoso Guedes Critérios de qualidade em exames endoscópicos: qual a relevância para os médicos de medicina geral e familiar? Quality criteria in endoscopic exams: relevance for general practitioners Mariana Barreto, Nuno Almeida, Joana Sousa, Rafael Henriques, Rui Grandão, Ana Maria Fagundo, Beatriz Rosendo Silva, Pedro Augusto Simões, Catarina Correia REVISÕES Testes pré-natais não invasivos para rastreio de aneuploidias: revisão baseada na evidência Non-invasive prenatal tests for aneuploidies screening: an evidence-based review Telma Miragaia, Joana Fechado Nunes, André Forjaz de Sampaio, Sofia Feijó Correia Flavonoides no controlo sintomático da patologia hemorroidária: uma revisão baseada na evidência Flavonoids for symptomatic hemorrhoids: an evidence-based review Filipe Fontes Alves, Filipa Martins Guedes, Joana Oliveira Sousa, Carolina Macedo Abreu Suplementação de vitamina D na prevenção de quedas e fraturas em idosos: uma revisão baseada na evidência Supplementation of vitamin D in prevention of falls and fractures in elderly: an evidence-based review Anabela Barreto Silva, Maria João Barbosa Consenso AURORA: risco cardiovascular na pessoa com diabetes mellitus tipo 2 AURORA consensus: cardiovascular risk of type 2 diabetic patients Tiago Maricoto, José Pedro Antunes, Manuel Rodrigues Pereira, Susana Corte-Real, Tiago Taveira-Gomes, João Pedro Nobre RELATOS DE CASO Papiloma escamoso do esófago: qual o papel etiológico do vírus do papiloma humano? Esophageal squamous cell carcinoma: is the human papillomavirus a risk factor? Cláudia Pinho, Rosa de Pinho Hidradenite supurativa: relato de caso Suppurative hidradenitis: case report Ana da Costa Cardoso, Ana Cláudia Carneiro Disreflexia autonómica: um desafio diagnóstico Autonomic dysreflexia: a challenging diagnosis Carolina Martins Moreira, Luís Afonso Vouga, Maria João Andrade Síndroma do túnel cárpico ulcero-mutilante: relato de um caso The ulcerative and mutilating variant of carpal tunnel syndrome: a case report Inês Torrinha Leão, Daniel Kiessling, Fabíola Ferreira Quando o “mal” afinal não é mau! When the “evil” is not evil! Tânia Rebelo, Joana Fiúza, Álvaro Mendes portuguese journal of family medicine and general practice

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rpmgfmgfrevista portuguesa de medicina geral e familiar

ISSN 2182-5173 • Publicação Bimestral • Maio/Junho 2020 • Vol 36 • N.o 3 • 10€

ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESADE MEDICINA GERAL E FAMILIAR

1.o Encontro Nacional de Internos de MGF – Beja

EDITORIAL• Médicos e arquitectos: influência e persuasão nas escolhas emsaúde

Doctors and architects: influence and persuasion on health choices António Faria Vaz

ESTUDOS ORIGINAIS• Avaliação de conhecimentos sobre exposição solar

Assessment of knowledge about solar exposure Rita Meireles Pedro, Catarina Sá Couto, Daniela Almeida Ribeiro

Mafalda Oliveira, Raquel Lisboa, Sandra Mimoso Guedes

• Critérios de qualidade em exames endoscópicos: qual a relevância para os médicos de medicina geral e familiar?Quality criteria in endoscopic exams: relevance for general practitioners

Mariana Barreto, Nuno Almeida, Joana Sousa, Rafael Henriques, Rui Grandão, Ana Maria Fagundo, Beatriz Rosendo Silva, Pedro Augusto Simões, Catarina Correia

REVISÕES• Testes pré-natais não invasivos para rastreio de aneuploidias: revisão baseada na evidênciaNon-invasive prenatal tests for aneuploidies screening: an evidence-based review

Telma Miragaia, Joana Fechado Nunes, André Forjaz de Sampaio, Sofia Feijó Correia

• Flavonoides no controlo sintomático da patologia hemorroidária:uma revisão baseada na evidênciaFlavonoids for symptomatic hemorrhoids: an evidence-based review

Filipe Fontes Alves, Filipa Martins Guedes, Joana Oliveira Sousa,Carolina Macedo Abreu

• Suplementação de vitamina D na prevenção de quedas e fraturas em idosos: uma revisão baseada na evidênciaSupplementation of vitamin D in prevention of falls and fractures in elderly: an evidence-based review

Anabela Barreto Silva, Maria João Barbosa

• Consenso AURORA: risco cardiovascular na pessoa com diabetes mellitus tipo 2

AURORA consensus: cardiovascular risk of type 2 diabetic patients Tiago Maricoto, José Pedro Antunes, Manuel Rodrigues Pereira,

Susana Corte-Real, Tiago Taveira-Gomes, João Pedro Nobre

RELATOS DE CASO• Papiloma escamoso do esófago: qual o papel etiológico do vírusdo papiloma humano?Esophageal squamous cell carcinoma: is the human papillomavirus a risk factor?

Cláudia Pinho, Rosa de Pinho

• Hidradenite supurativa: relato de casoSuppurative hidradenitis: case report

Ana da Costa Cardoso, Ana Cláudia Carneiro

• Disreflexia autonómica: um desafio diagnósticoAutonomic dysreflexia: a challenging diagnosis

Carolina Martins Moreira, Luís Afonso Vouga, Maria João Andrade

• Síndroma do túnel cárpico ulcero-mutilante: relato de um casoThe ulcerative and mutilating variant of carpal tunnel syndrome:a case report

Inês Torrinha Leão, Daniel Kiessling, Fabíola Ferreira

• Quando o “mal” afinal não é mau!When the “evil” is not evil!

Tânia Rebelo, Joana Fiúza, Álvaro Mendes

portuguese journal of family medicine and general practice

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D I R E TO R / D I R E C T O R

Rui Nogueira

Agostinho LoboAlexandre Sousa PintoAndré Rosa BiscaiaAntónio Foz RomãoAntónio Vaz Carneiro

Aranda da SilvaArmando Brito SáArquimínio EliseuBruno HelenoCarlos Martins

Conceição Outeirinho

Cristina GalvãoCristina RibeiroDaniel Pinto

Dolores QuintalGabriela AmaralIsabel JacobIsabel Santos

Jaime Correia SousaJoão Sequeira Carlos

John YapheJosé Alberto Frey Ramos

José Augusto SimõesJosé Falcão TavaresJosé Gaspar CaetanoJosé Luís Biscaia

José Manuel CalheirosJosé Mendes Nunes

Lino MinistroLuís AlvesLuís PiscoLuís Rebelo

Manuela Peleteiro

Maria Luz LoureiroMaria Mora

Mário Silva MouraNelson RodriguesPaula Broeiro

Pedro Lopes FerreiraRaquel Braga

Ricardina BarrosoTorcato SantosVasco MariaVictor Ramos

Administração, Direção Comercial e Serviços de PublicidadeMedfarma – Edições Médicas, LdaAlameda António Sérgio, 22, 4.o BMiraflores – 1495-132 AlgésTel: 214 121 142 • Fax: 214 121 146E-mail: [email protected]

Coordenação da Produção e da PublicidadeManuel Magalhã[email protected]

Produção Gráfica: Paulo Veiga

Editor TécnicoBaltazar NunesMaria Luz AntunesPedro Aguiar

Secretariado da RPMGFCristina [email protected]

Secretariado da APMGFAvenida da República, n.o 97 - 1.o

1050-190 LisboaTel: 217 615 250 • Fax: 217 933 145e-mail: [email protected]

RegistoIsenta de inscrição no I.C.S. nos termos daalínea a) do n.o 1 do artigo 12.o do Decreto Regulamentar n.o 8/99, de 9 de Junho.ISSN: 2182-5173

C O N S E L H O C I E N T Í F I C O / S C I E N T I F I C B O A R D

Proibida a reprodução - mesmo parcial - de artigos e ilustrações, sem prévia autorização da RPMGF,excetuando a citação ou transcrição de pequenos excertos, desde que se faça menção da fonte.

Alexandra EscadaAlexandre Rebelo-MarquesAna Beatriz Figueiredo

Ana Jorge Oliveira Cardoso LopesAna Luisa Neves

Ana Raquel Martins MarquesAna Rita Jesus MariaAna Rita Magalhães

Ana SequeiraAndré Filipe Reis

António da Luz Pereira

E D I TO R E S / A S S O C I A T E E D I T O R S

Paulo Santos Tiago Maricoto

E D I TO R E S A D J U N TO S / E X E C U T I V E E D I T O R S

Portugal

Revista indexada

Instruções aos autores: http://www.rpmgf.pt/instrucoesautores

portuguese journal of family medicine and general practice

Beatriz FigueiredoBeatriz Rosendo SilvaBruno Pereira CarreiraCarlos Seiça Cardoso

Carlos Franclim da SilvaDaniel Beirão

Débora Sofia Correia BatistaDiana Campos Lopes

Filipe PrazeresGisela Costa Neves

Helena Sofia Rodrigues Fragoeiro

João Carlos SarmentoJosé Eduardo Figueiredo Mendes

José Filipe PrazeresManuel Rodrigues PereiraMarisa Monteiro Gomes

Mónica FonsecaPedro Augusto Simões

Raquel MeirelesRui Neto FernandesSusana Pires da SilvaTiago Taveira-Gomes

E D I TO R C H E F E / E D I T O R - I N - C H I E F

Alberto Pinto Hespanhol

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Rev Port Med Geral Fam 2020;36:223-5

223sumário

Médicos e arquitectos: influência e persuasão nas escolhas em saúde 227Doctors and architects: influence and persuasion on health choicesAntónio Faria Vaz

Avaliação de conhecimentos sobre exposição solar 233Assessment of knowledge about solar exposureRita Meireles Pedro, Catarina Sá Couto, Daniela Almeida Ribeiro, Mafalda Oliveira, Raquel Lisboa,

Sandra Mimoso Guedes

Pretendeu-se avaliar o nível de conhecimento dos utentes em relação à exposição solar e prevenção

do cancro cutâneo e, assim, conhecer a necessidade de intervenções educacionais e de estudos futu-

ros neste âmbito.

Critérios de qualidade em exames endoscópicos: qual a relevância para os médicos de medicina geral e familiar? 242

Quality criteria in endoscopic exams: relevance for general practitionersMariana Barreto, Nuno Almeida, Joana Sousa, Rafael Henriques, Rui Grandão, Ana Maria Fagundo

Beatriz Rosendo Silva, Pedro Augusto Simões, Catarina Correia

A aplicação adequada de critérios de qualidade nos relatórios de exames endoscópicos é fundamen-

tal para uma maior confiança dos profissionais na interpretação dos resultados e um melhor segui-

mento dos doentes.

Testes pré-natais não invasivos para rastreio de aneuploidias: revisão baseada na evidência 253

Non-invasive prenatal tests for aneuploidies screening: an evidence-based reviewTelma Miragaia, Joana Fechado Nunes, André Forjaz de Sampaio, Sofia Feijó Correia

O teste não invasivo baseado na pesquisa e análise de fragmentos de ADN livre fetal no sangue ma-

terno é cada vez mais popular e, segundo os seus promotores, terá uma performance muito superior

aos tradicionalmente utilizados. O objetivo deste estudo foi rever a evidência disponível sobre a per-

formance, limitações e custo-efetividade deste teste.

Flavonoides no controlo sintomático da patologia hemorroidária: uma revisão baseada na evidência 266

Flavonoids for symptomatic hemorrhoids: an evidence-based reviewFilipe Fontes Alves, Filipa Martins Guedes, Joana Oliveira Sousa, Carolina Macedo Abreu

A informação que é cedida aos doentes sobre a eficácia de um tratamento deve ser uniforme entre

médicos e baseada na evidência disponível. A utilização de flavonoides carece de mais e melhor in-

vestigação.

EDITORIAL

ESTUDOS ORIGINAIS

Maio/Junho 2020 • Volume 36 • N.o 3

REVISÕES

portuguese journal of family medicine and general practice

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Rev Port Med Geral Fam 2020;36:223-5

sumário224

Suplementação de vitamina D na prevenção de quedas e fraturas em idosos: uma revisão baseada na evidência 275

Supplementation of vitamin D in prevention of falls and fractures in elderly: an evidence-based reviewAnabela Barreto Silva, Maria João Barbosa

A suplementação da vitamina D assume-se como das principais controvérsias do envelhecimento ati-

vo e saudável, com um papel indefinido na prevenção de quedas e fraturas.

Consenso AURORA: risco cardiovascular na pessoa com diabetes mellitus tipo 2 289

AURORA consensus: cardiovascular risk of type 2 diabetic patientsTiago Maricoto, José Pedro Antunes, Manuel Rodrigues Pereira, Susana Corte-Real, Tiago Taveira-Gomes

João Pedro Nobre

A abordagem da diabetes mellitus tipo 2 é cada vez mais complexa, integrando inúmeros fatores de

risco cardiovascular. Este artigo resume, de forma prática e breve, as principais orientações para a ges-

tão destes doentes em medicina geral e familiar.

Papiloma escamoso do esófago: qual o papel etiológico do vírus do papiloma humano? 300

Esophageal squamous cell carcinoma: is the human papillomavirus a risk factor?Cláudia Pinho, Rosa de Pinho

O caso clínico apresentado relata o diagnóstico de um papiloma escamoso do esófago numa mulher

com fatores de risco para provável etiologia por infeção por vírus do papiloma humano (HPV).

Hidradenite supurativa: relato de caso 305

Suppurative hidradenitis: case reportAna da Costa Cardoso, Ana Cláudia Carneiro

Trata-se de um relato de caso bem representativo da realidade da marcha diagnóstica da hidradeni-

te supurativa, que certamente deixará um alerta para a importância da clínica no seu diagnóstico

atempado.

Disreflexia autonómica: um desafio diagnóstico 311

Autonomic dysreflexia: a challenging diagnosisCarolina Martins Moreira, Luís Afonso Vouga, Maria João Andrade

A disreflexia autonómica (DA) é uma complicação frequente nas lesões medulares, com potencial ris-

co de vida, sendo premente o reconhecimento desta síndroma clínica por parte dos médicos que rea-

lizam atendimento em contexto urgente.

Síndroma do túnel cárpico ulcero-mutilante: relato de um caso 316

The ulcerative and mutilating variant of carpal tunnel syndrome: a case reportInês Torrinha Leão, Daniel Kiessling, Fabíola Ferreira

A síndroma do túnel cárpico é a mononeuropatia focal compressiva mais comum observada na prá-

tica clínica. Contudo, a sua variante ulcero-mutilante é rara e desconhecida da maioria dos clínicos.

Este trabalho, através da descrição de um caso clínico, pretende alertar para a sua existência e corre-

ta abordagem.

REVISÕES

Maio/Junho 2020 • Volume 36 • N.o 3

portuguese journal of family medicine and general practice

RELATOS DE CASO

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225sumário

1.o Encontro Nacional de Internos de MGFBeja – Pousada de S. Francisco28 de setembro de 2002

1.o Encontro Nacional de Internos de MGF• Beja – Pousada de S. Francisco – 28 de setembro de 2002

Entre 28 de setembro e 1 de outubro de 2002 decorreu nesta cidade o “1.o Encontro de Internose Jovens Médicos de Família” a nível nacional, conjuntamente com o “7.o Congresso Nacional deMedicina Familiar”, o que veio continuamente a repetir-se até agora, congregando num só eventonacional todos médicos da especialidade. O próximo será o “19.o Encontro de Internos e JovensMédicos de Família”, integrado no “24.o Congresso Nacional de Medicina Geral e Familiar”, eestabelecendo assim um marco nesta 3ª década da MGF do século XXI.

capa

Maio/Junho 2020 • Volume 36 • N.o 3

portuguese journal of family medicine and general practice

Quando o “mal” afinal não é mau! 321

When the “evil” is not evil!Tânia Rebelo, Joana Fiúza, Álvaro Mendes

A linfadenopatia pode traduzir patologias importantes como metastização de neoplasia primária ou

doença linfoproliferativa, tornando-se um verdadeiro desafio para o médico de família a abordagem

holística do problema.

RELATOS DE CASO

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Rev Port Med Geral Fam 2020;36:227-30

227editorial

sempre escolhem em conformidade com os modelospropostos pelas teorias clássicas de decisão.3

Thaler e Sustein estabelecem a diferença entre o quedesignam como os «Humanos» e os «Econs». O concei-to de Homo economicus, ou homem económico(«Econ»), baseia-se na ideia de que as pessoas pensame escolhem invariavelmente bem, conquanto o mesmonão possa ser dito a respeito do Homo sapiens («Hu-manos»). Nós, os sapiens, esquecemo-nos de coisas e,por vezes, fazemos más escolhas. Para os autores, os hu-manos são reais e os Econs são imaginários. É funda-mental identificar essas diferenças enquanto arquite-tos de escolhas, pois devem ser tidas em consideraçãoquando se desenvolve uma nudge.

Richard Thaler recebeu o Prémio Nobel da Economiaem 2017 pela sua significativa contribuição para o es-tudo da economia comportamental nas últimas quatrodécadas. Thaler questionou e investigou a assunção da«racionalidade» (da economia clássica) e demonstroucom sucesso que a psicologia humana e o contexto de-sempenham um papel essencial nas decisões humanas,concluindo que, “diferentemente dos Econs, os huma-nos previsivelmente erram”. Thaler e os economistascomportamentais forneceram novas ferramentas paraa compreensão do comportamento humano e, maisimportante, ferramentas para o prever e para o in-fluenciar.4

Daniel Kaheman, teórico da economia comporta-mental, Prémio Nobel da Economia em 2002, procurouexplicar o comportamento aparentemente irracionalda gestão do risco pelos seres humanos. Descreveu,com Amos Tversky, teórico da ciência cognitiva, os pro-cessos cognitivos humanos de processamento da in-formação que explicam por que razão as pessoas agemcontra o seu próprio interesse: o sistema 1 é rápido, au-tomático e altamente sensível ao contexto; o sistema 2processa a informação de uma forma lenta, reflexiva e

*Médico de família. Comissão de Ética para a Saúde, Administração Regional deSaúde de Lisboa e Vale do Tejo

António Faria Vaz*

Médicos e arquitectos: influência e persuasão nasescolhas em saúde

“Diferentemente dos Econs, os humanos

previsivelmente erram”1

Nudge, como designaremos o conceito, é

qualquer aspeto da arquitetura de escolha que

altera o comportamento das pessoas de maneira

previsível, sem proibir nenhuma opção ou

alterar significativamente os seus incentivos

económicos. Para contar como um simples nudge,

a intervenção deve ser fácil e económica. Nudges

não são mandatos. Colocar frutas ao nível dos

olhos conta como um nudge. Proibir comida

não saudável (junk food), não.2

(tradução livre do autor)

Oconceito de nudge (influência, persuasão,empurrão) em saúde foi pela primeira vezempregue em 2008, por Richard Thaler,economista comportamental, e por Cass

Sustein, jurista, num best-seller publicado. Baseando--se nos resultados da investigação comportamental, re-futaram a assunção da economia clássica que afirma-va que os consumidores tomam decisões económicasde risco numa perspetiva de maximização da utilida-de. Ou seja, quando tomamos decisões de risco procu-ramos maximizar a sua utilidade (um valor quantificá-vel, mas subjetivo), tendo em conta as consequênciase as probabilidades que lhes estão associadas. Por suavez, os economistas comportamentais usam modelosde escolha pelo consumidor que associam a investiga-ção em psicologia e a investigação comportamental,pretendendo demonstrar que os seres humanos nem

DOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12890

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editorial228

pondera os objetivos e as intenções no processo de de-cisão.

Nas escolhas ou nas decisões, o Sistema Automáticopoderia ser considerado uma reação «medular» (pav-loviana) e o Sistema Reflexivo seria o nosso pensamen-to consciente. Um dos objetivos do nudge é o de in-centivar as pessoas a decisões em que possam confiarno Sistema Automático para que logrem levar uma vidamais fácil, melhor e mais longa. O nudging (o processode influenciar, de empurrar) procura retirar vantagensdo sistema 1, promovendo escolhas benéficas e em saú-de que promovam o bem-estar das pessoas.

O nudge diz, portanto, respeito às técnicas de in-fluenciar as escolhas dos cidadãos, quer em políticas desaúde (governamentais) quer na relação médico-doen-te (ao nível clínico).5

O conceito de nudge e a sua interpretação, em par-ticular a ideia de que se pode influenciar as escolhas doscidadãos induzindo alterações de comportamento, es-colhas saudáveis, escolhas racionais, na saúde, na eco-nomia e na sociedade, determinaram um extenso in-vestimento dos governos na elaboração de estratégiasque concretizassem esses potenciais benefícios para oscidadãos e para a sociedade.

No Reino Unido foi criada uma unidade nacional denudge (British Behavioural Insights Team),6 nos EstadosUnidos da América o Presidente Obama designou Sus-tein para dirigir uma unidade especializada, na Aus-trália o governo da Nova Gales do Sul estabeleceu umaunidade designada por Behavioural Insights Commu-nity e, surpreendentemente, o governo de Boris John-son decidiu que o combate ao coronavírus deveria sersuportado pela «teoria do nudge».7 Note-se que a uni-dade britânica, agora designada por Bi. Team, é umacompanhia global com escritórios em mais de 31 paí-ses e tem como missão sustentar a decisão política, me-lhorar os serviços públicos e o retorno público dos re-sultados.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvi-mento Económico (OCDE) publicou um relatório, em2017, onde relata a utilização das nudges e descrevemais de 100 iniciativas em diversos países, afirmandoa sua aplicação em políticas públicas, que vão da re-dução da obesidade, às estratégias de doação de ór-gãos, passando pela promoção de genéricos até à des-burocratização dos serviços públicos.8

Deveria então considerar-se, na prática clínica, queas escolhas dos doentes são sempre aceitáveis e que talpressuposto se justifica quando se assume que a auto-nomia é um valor superior e absoluto que deveremossempre respeitar? Mesmo quando essas escolhas nãosejam clínica e epidemiologicamente aceitáveis, no-meadamente nas situações em que existem alternati-vas mais beneficentes e efetivas?

E a sociedade (nas políticas de saúde) ou o médico(na sua relação fiduciária com os doentes) deveriamprocurar influenciar/persuadir/empurrar – nudge – oscidadãos (doentes ou não) em escolhas que lhes sejambenéficas, mesmo que essa intervenção possa, no li-mite, violar a sua autonomia e a sua confiança? Podeainda considerar-se que esse empurrão tem um valormoral superior ao do respeito pela dignidade humana,porque os benefícios para a sociedade (e para o indiví-duo) o justificam?

Os resultados dos estudos que têm vindo a ser pu-blicados, relativos ao nudge em política de saúde, de-monstram-nos que as pessoas valorizam mais os aspe-tos morais do que a efetividade das medidas que lhessão propostas, em particular se quando fala de aspetosrelacionados com a mudança de estilos de vida.

No entanto, os poucos estudos que abordaram o pa-pel do nudgena relação clínica parecem demonstrar di-ferenças significativas entre os médicos e os doentesnas respetivas apreciações. De facto, os doentes consi-deram que o nudge é um fator que pode potencial-mente pôr em risco a autonomia (e o consentimento)e a relação médico-doente. Os médicos, por sua vez,não valorizam de idêntica forma o nudgena relação clí-nica. Assim, pode considerar-se que as pessoas não--profissionais de saúde valorizam mais os aspetos éti-cos associados ao nudge que a sua eficácia.9

Deste modo, a influência / a persuasão / o empur-rão (nudge) é matéria de profundo debate ético entreos que defendem a sua necessidade e os que conside-ram que a sua utilização fere princípios éticos funda-mentais. Encontrar o equilíbrio entre a persuasão (nud-ge) e o respeito pela autonomia é uma das controvér-sias éticas mais recentes, que interessará valorizar.

Nesta disputa, e atendendo aos fundamentos teóri-cos e conceptuais do nudge e, em particular, aos mecanismos de decisão associados ao processo cognitivo de escolha, diríamos, de imediato, que um

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Rev Port Med Geral Fam 2020;36:227-30

229editorial

procedimento que apela ao automatismo de decisão é,por definição, contrário ao respeito pela dignidade hu-mana e à autonomia que obriga a que os atos médicossejam consentidos pelos doentes, ressalvando, para osmais críticos e mais próximos do paternalismo, que oconsentimento livre e esclarecido é na sua maioria ver-bal e não escrito, decorrente da relação de mútua con-fiança médico-doente. Esta vincula-se mais ao direitoque à relação humana própria do exercício clínico. Si-mulekt afirma que o nudgingé incompatível com a ver-dade na obtenção do consentimento. Por sua vez, Kel-ling declara que os nudges, por não fazerem apelo à ra-zão, não respeitam a autonomia individual.10-11Whert-heimer defende que a oportunidade para viver umavida ou uma vida autónoma, no futuro, poderia sercomprometida se as pessoas fizessem escolhas erra-das.12

Burgess, focando-se nas experiências inglesas emque a estratégia comportamental foi considerada comoalternativa à regulação e ao mercado, revela-nos que aatratividade e a sedução do nudging assentam na suamaior aceitabilidade em contexto de crise económica,em que os aspetos relacionados com o direito à priva-cidade e à reserva da intimidade são menos problemá-ticos. A própria crise motivaria a perda de direitos.13

Outros defendem, como Cohen, que o conceito denudging pode ser aplicado à prática clínica para ajudara resolver o conflito entre dois princípios éticos funda-mentais: o respeito pela autonomia e a promoção dobem-estar. O conflito surgiria no momento em que umdoente tomasse uma decisão contrária aos seus inte-resses e à sua saúde. Neste caso justificar-se-ia, para oautor, que o médico influenciasse os seus doentes, umavez que os médicos são os arquitetos das escolhas emsaúde, a optar por uma escolha que fosse melhor paraa sua saúde sem invalidar o consentimento e promo-vendo o bem-estar e a saúde dos doentes.14

Os médicos seriam, assim, arquitetos das escolhas eeram-no mesmo antes de existir o conceito de nudge:quando proporcionam aos seus doentes informação,recomendações e lhes apresentam as diversas alterna-tivas possíveis, ou melhor, as escolhas possíveis. A for-ma como se expressa a informação, o modo como se re-comenda e a maneira como são apresentadas as alter-nativas influencia as escolhas dos doentes. Neste con-texto, diríamos que o nudge não acrescenta nada de

novo à relação clínica, a medicina e o seu exercício im-plicam de alguma forma a capacidade de influenciar asescolhas dos cidadãos, não deixando de cumprir osprincípios do respeito pela dignidade humana, da be-neficência e da não maleficência.

Saghai defende a eticidade do nudge em contexto desaúde pública. Para tal, refuta os modelos de tomada dedecisão de Daniel Kaheman e propõe, em alternativa,a teoria dos três procedimentos de decisão de KeithStanovich; com base neste pressuposto conceptual quepreserva a liberdade de escolha e o processo cognitivodeliberativo, o nudge seria eticamente sustentável.15-16

A arquitetura de escolha poderia constituir-se comoum bom elemento conceptual de suporte à prática clí-nica e em saúde pública, promovendo a adoção de es-tilos saudáveis e melhorando a qualidade de vida dedoentes e cidadãos, desde que sejam garantidos os pre-ceitos éticos e os direitos cívicos fundamentais.

A dúvida poderá não se situar na beneficência pro-posta pelo nudge; se considerássemos apenas esta pers-petiva seria consensual a sua adoção, quer na relaçãoclínica quer em termos de saúde pública. Uma dasquestões cruciais é a de saber se as preferências e, di-ria, os valores dos promotores do nudge são as dos nud-gees (sujeitos da intervenção) e de que forma e com quedireito alguém assume que o paternalismo é afinal amelhor forma de assegurar uma relação clínica, seja elaindividual ou coletiva. Existe, de facto, uma enormecontradição entre os pressupostos enunciados por Tha-ler e Sustein no seu paternalismo libertário e a sua con-cretização prática, na medida em que, em absoluto,qualquer influência não legítima, porque não foi ou-torgada pelo doente, pode respeitar a autonomia e a li-berdade do doente.

Desde há muito que vimos defendendo a necessi-dade, no Serviço Nacional de Saúde, de unidades, in-dependentes, de informação e inteligência, que nospermitam interpelar as nossas práticas e promovam aaquisição inteligente de conhecimento.17 Inteligência,que nos permita promover a saúde, tratar os doentes,reduzindo desperdícios, agilizando procedimentos eotimizando recursos. E a sustentabilidade de um Ser-viço Nacional de Saúde aprendente e inteligente ao ser-viço dos cidadãos.

A tão falada sustentabilidade do Serviço Nacionalde Saúde não pode dispensar esta capacidade de

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aquisição de conhecimento crítico, que vai do delinea-mento das práticas à respetiva avaliação, incluindo oconhecimento epidemiológico, a epidemiologia do me-dicamento, as tecnologias de saúde, a qualificação te-rapêutica (normas e decisão de financiamento), sendoque o acolhimento do nudge como um dos compo-nentes dessa estratégia apenas deveria ter lugar se cum-pridos os preceitos éticos inerentes à prestação de cui-dados de saúde individual ou coletiva.

E não poderia terminar sem acrescentar que o cor-po constituinte de uma unidade de inteligência do Ser-viço Nacional de Saúde deve dispor da capacidade deavaliação técnica, clínica e epidemiológica, mas, obri-gatória e imperativamente, deve associar a apreciaçãoética na ótica dos doentes, dos profissionais de saúdee do Serviço Nacional de Saúde.

E a epidemia da infeção por COVID-19 demonstrou--nos, com exaustão, a necessidade de o Serviço Nacio-nal de Saúde dispor dessa unidade, aliando a técnica àética na promoção de valores e de uma cultura de ci-dadania e de inteligência.

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1. USF Horizonte, ULS Matosinhos.2. USF Porta do Sol, ULS Matosinhos.3. USF Leça, ULS Matosinhos.4. USF Santo André de Canidelo, ACeS Grande Porto VII/Gaia.5. USF Monte Crasto, ACeS Gondomar.6. USF Ramalde, ACeS Porto Ocidental.

INTRODUÇÃO

Ocancro da pele é o tipo de cancro mais fre-quente nos indivíduos com fototipos maisclaros e o mais comum no mundo, com in-cidência crescente.1-2 É também um dos tipos

de cancro mais facilmente evitável, uma vez que o seuprincipal fator de risco, a exposição à radiação ultravio-leta (UV), pode ser reduzido com alterações de compor-

Rita Meireles Pedro,1 Catarina Sá Couto,2 Daniela Almeida Ribeiro,3 Mafalda Oliveira,4 Raquel Lisboa,5 Sandra Mimoso Guedes6

Avaliação de conhecimentossobre exposição solar

RESUMOObjetivos: Caracterizar o conhecimento dos utentes sobre os cuidados associados à exposição solar, os fatores de risco e sinaisde alarme para neoplasia cutânea. Estudar a associação entre as variáveis: idade, sexo, escolaridade, fotótipo, antecedentes deneoplasia cutânea (pessoais ou em contactos próximos) e o nível de conhecimento dos utentes.Métodos: Estudo transversal. Durante os meses de abril e maio de 2018 foram entregues questionários de autopreenchimen-to, compostos por dados sociodemográficos, questões teóricas sobre exposição solar e seus riscos, fatores de risco e sinais dealarme para neoplasia cutânea aos utentes com idade igual ou superior a 18 anos que compareceram à consulta programadade seis Unidades de Saúde Familiar (USF). Foi realizada a análise estatística das suas variáveis, utilizando o software estatísticoIBM SPSS Statistics®, assumindo-se um nível de significância de 5%.Resultados: Participaram 435 indivíduos, dos quais 29 não completaram o questionário, resultando numa amostra final de 406indivíduos. Os inquiridos apresentaram uma média de idades de 47±17,1 anos (mínimo: 18; máximo: 89 anos) e 67% eram dosexo feminino. A pontuação média no questionário foi de 9,3±2,06 pontos (sendo a pontuação máxima de 13 valores), maiselevada nos inquiridos com idades entre 35 e 55 anos, nos mais escolarizados e nos inquiridos com fototipo 3. Os inquiridosmais velhos e aqueles com menor nível de escolaridade associaram-se a uma pontuação baixa a intermédia no questionário(p<0,001). Os inquiridos com conhecidos com diagnóstico de cancro de pele e os inquiridos com pele mais clara obtiveram umapontuação mais elevada. No entanto, após ajuste para potenciais confundidores, verificou-se que apenas as variáveis escolari-dade e tipo de pele mantiveram associação com o nível de conhecimentos.Conclusões: O nível de conhecimentos sobre a exposição solar encontrado é satisfatório, ainda que existam lacunas impor-tantes relativamente ao conhecimento de formas de proteção, de fatores que aumentam o risco de cancro cutâneo e de sinaisde alarme. Estes resultados corroboram a pertinência do estudo, evidenciando a relevância da realização de intervenções deeducação para a saúde sobre o tema, considerando o seu previsível impacto na incidência e prevalência de neoplasia cutânea.Salienta-se ainda, na sequência deste estudo, a pertinência da realização de uma investigação sobre comportamentos da po-pulação relativamente à exposição e proteção solar.

Palavras-chave: Neoplasia cutânea; Prevenção; Questionário; Fatores de risco.

tamento em relação à exposição solar.3-4 Quando tratadonas fases iniciais apresenta elevadas taxas de cura, peloque se torna crucial um diagnóstico precoce.1-2

A consciência pública sobre os cuidados a ter com apele e os sintomas do cancro cutâneo é ainda reduzi-da.3 Na verdade, tem aumentado a incidência de quei-maduras solares e a prática de bronzeamento artificial.5

A valorização estética do bronzeado, por vezes asso-ciada a mensagens veiculadas pelos meios de comuni-cação social, pode levar à exposição solar prolongadae, por vezes, desprotegida.5

Portugal é um dos países com maior exposição solarda Europa, pelo que não deve ser esquecido o maior ris-co potencial nos funcionários que trabalham no

estudosoriginaisDOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12583

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exterior (como agricultores, polícias, etc.) devido a umamaior exposição à radiação UV.6

Estudos realizados concluíram não existir evidênciasuficiente que aconselhe o clínico a observar a pelecomo forma de rastreio do cancro da pele, dando ênfa-se à importância do autoexame.7 No entanto, pareceexistir um impacto positivo com as intervenções edu-cacionais na prevenção do cancro da pele.8-9

Foram já realizados alguns estudos noutras popula-ções para avaliar o nível de conhecimentos nesta área.Alguns dos resultados apresentados foram contraditó-rios, mas em vários estudos concluiu-se que o conhe-cimento da população não era o mais adequado.10-13

De acordo com estes dados, considera-se importanteavaliar o nível de conhecimento dos utentes em relaçãoà prevenção do cancro cutâneo e sinais/sintomas destetipo de neoplasia, de forma a caracterizar a necessidadede realizar intervenções educacionais na população.

MÉTODOSFoi conduzido um estudo transversal numa popula-

ção com idade igual ou superior a 18 anos, pertencen-te a seis unidades de saúde do Grande Porto, no Nortede Portugal, envolvendo um total de 75.008 pessoas.

A técnica de amostragem utilizada foi probabilística,com seleção de uma amostra aleatória sistemática. Es-tabeleceu-se como critérios de inclusão: utentes comidade igual ou superior a 18 anos que comparecessemà consulta programada da sua USF no período de abrile maio de 2018. Foram considerados critérios de exclu-são: ser analfabeto, apresentar a linguagem, cognição ouórgãos sensoriais afetados e/ou não falar português.

O tamanho amostral foi determinado considerandoum intervalo de confiança de 95% e um nível de preci-são de 5%, perfazendo um total de 383 indivíduos. Ten-do em conta os possíveis omissos, foi incrementado10% do tamanho amostral, perfazendo no total umaamostra final de 421 indivíduos.

Foi aplicado um questionário de autopreenchimentoem português, elaborado pelas autoras, com base na re-visão bibliográfica efetuada e na opinião de um perito emdermatologia, o qual foi submetido previamente a umteste piloto. Este teste foi aplicado a um grupo de indiví-duos de dimensão correspondente a cerca de 10% daamostra calculada (40 indivíduos), com característicassemelhantes às da população em estudo. No questioná-

rio foram incluídos dados sociodemográficos e questõesteóricas sobre exposição solar e seus riscos, bem comofatores de risco e sinais de alarme para neoplasia cutâ-nea. As variáveis estudadas foram: idade, sexo, estadocivil, escolaridade, profissão, antecedentes pessoais e/oude contactos próximos de cancro da pele, fototipo, ex-posição solar e envelhecimento cutâneo, risco de quei-madura solar com o nevoeiro, roupa opaca e protetor so-lar, tamanho da sombra e segurança de exposição solar,horário de exposição solar, protetor solar e estação doano, quando aplicar protetor solar, frequência de apli-cação de protetor solar na praia e necessidade de apli-cação quando sob guarda-sol, necessidade de cuidadosde proteção solar em indivíduos com fototipos mais ele-vados, formas de proteção solar, fatores de risco de neo-plasia cutânea e sinais de alarme num nevo.

Procedeu-se à entrega do questionário aos utenteselegíveis no final da consulta médica, de numeração or-dinal ímpar no agendamento de cada médico das vá-rias USF (USF Horizonte, USF Leça e USF Porta do Sol– ULSM; USF Monte Crasto – ACeS de Gondomar; USFRamalde – ACeS Porto Ocidental; USF Santo André deCanidelo – ACeS Grande Porto VII/Gaia). Os utentes fo-ram informados quanto à realização do estudo e escla-recidos relativamente à conduta a adotar para a devo-lução do questionário, após o seu preenchimento (co-locação em caixa própria e identificada para o efeito, nasecretaria de cada USF). Todos os procedimentos foramrealizados considerando os princípios éticos, tendo estetrabalho sido autorizado pelas Comissões de Ética daULS Matosinhos e da ARS Norte.

Os dados foram submetidos a uma análise descriti-va, que incluiu o cálculo de frequências e percentagens,bem como de medidas de tendência central e de dis-persão. Os fototipos cutâneos foram avaliados atravésda Classificação de Fitzpatrick e, posteriormente, re-codificados em duas categorias, dada a baixa preva-lência de inquiridos com o fototipo 1, 5 ou 6. Assim, ob-tiveram-se as categorias «pele clara» (incluindo os fo-totipos 1, 2 e 3) e «pele morena, escura ou negra» (in-cluindo os fototipos 4, 5 e 6). A avaliação global dosconhecimentos dos inquiridos teve em consideração 13questões de escolha múltipla (resposta única ou múl-tipla). As respostas foram dicotomizadas em corretas eincorretas, com atribuição de 1 valor a cada questãorespondida corretamente. No caso das questões de

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resposta múltipla, o valor de cada questão foi divididopelo número de hipóteses corretas, de modo a obteruma cotação para cada resposta certa assinalada. Pos-teriormente foram somados os pontos de todas as ques-tões, obtendo-se assim uma pontuação total dos co-nhecimentos (para um máximo possível de 13 valores).O nível de conhecimentos foi categorizado em três ní-veis, consoante a pontuação obtida: baixo (< 5 pontos),intermédio (5 a 10 pontos) e elevado (≥ 10 pontos). Apontuação média obtida no questionário foi calculadapara diferentes grupos de indivíduos no que se refere àidade, ao sexo, ao nível de escolaridade, aos antece-dentes pessoais, à existência de conhecidos com can-cro de pele e ao tipo de pele. A divisão das respostas acada pergunta pelo nível de escolaridade baseou-se nofacto de esta constituir um indicador de literacia.14 Re-

correu-se ao teste t de Student para amostras indepen-dentes e à análise de variância (ANOVA) para compa-rar a média entre dois ou três grupos, respetivamente.Utilizou-se a regressão logística binária para estimar aassociação entre as características e a pontuação baixaa intermédia no questionário, através de Odds Ratio(OR) e respetivos intervalos de confiança a 95%(IC95%). Foi utilizado o software estatístico IBM SPSSStatistics®, v. 24.0, assumindo-se um nível de signifi-cância de 5%.

RESULTADOSNo presente estudo participaram 435 indivíduos, dos

quais 29 não completaram o questionário, resultandonuma amostra final de 406 indivíduos.

Os inquiridos apresentaram uma média de idades de

n % Min Máx Média Desvio ppadrão

406 100 0,8 13,0 9,3 2,06

Idade < 35 anos 119 29,3 4,3 13,0 9,6 1,85 < 0,001

35 a 55 anos 153 37,7 4,2 13,0 9,7 1,78

> 55 anos 134 33,0 0,8 12,9 8,6 2,37

Sexo Feminino 272 67,0 0,8 13,0 9,4 1,99 0,307

Masculino 134 33,0 3,6 13,0 9,2 2,21

Escolaridade* Nenhuma, 1.º e 2.º ciclo do 148 36,5 0,8 13,0 8,5 2,31 < 0,001(n=404) ensino básico

3.º ciclo do ensino básico e 172 42,4 4,3 13,0 9,4 1,70ensino secundário

Ensino superior 84 20,7 5,6 13,0 10,8 1,25

Antecedentes pessoais de cancro de Não 398 98,0 0,8 13,0 9,3 2,06 0,847

pele Sim 8 2,0 5,3 12,1 9,2 2,56

Conhecidos com cancro de pele* Não 338 83,3 0,8 13,0 9,1 2,14 < 0,001

(n=404) Sim 66 16,3 7,4 12,5 10,3 1,27

Fototipo* 1 48 11,8 5,3 12,1 8,9 1,90 0,003

(n=404) 2 91 22,4 5,7 13,0 9,5 1,81

3 146 36,0 3,0 13,0 9,7 2,11

4 108 26,6 0,8 12,9 9,0 2,00

5 10 2,5 4,9 11,8 9,1 2,83

6 1 0,2 n.a. n.a. 4,2 n.a.

TABELA 1. Características dos inquiridos e respetiva pontuação média no questionário

Legenda: *Nesta variável, a soma do número de inquiridos não soma 406 devido à existência de valores omissos; n.a. = não aplicável.

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47±17,1 anos (mínimo: 18; máximo: 89 anos) e 67,0%eram do sexo feminino. Cerca de 36,5% frequentou a es-cola até ao final do segundo ciclo do ensino básico e20,7% dos inquiridos completou um grau académico.A maioria dos inquiridos nunca teve cancro de pele(98,0%) e não tinha conhecidos com esse diagnóstico(83,3%). Relativamente aos fototipos cutâneos (Classi-ficação de Fitzpatrick) entre os inquiridos, o mais co-mum foi o 3 (36,0%), seguido do 4 (26,6%) e do 2(22,4%). Apenas um inquirido apresentou fototipo 1.

A pontuação média no questionário de conheci-mentos sobre os cuidados e riscos associados à expo-sição solar foi de 9,3±2,06 pontos (IC95%, 9,12-9,52)(sendo a pontuação máxima de 13 valores), mais ele-vada nos inquiridos com idades entre 35 e 55 anos, nosmais escolarizados e nos inquiridos com fototipo 3 (Ta-bela I). Na categoria de pontuação mais baixa (< 5 pon-tos) incluem-se 3,9% dos inquiridos, sendo que 57,4%se enquadra na categoria intermédia (5 a 10 pontos) e38,7% na mais elevada (≥ 10 pontos).

Os inquiridos mais velhos e os que apresentam me-nor nível de escolaridade associaram-se a uma pon-tuação baixa a intermédia no questionário (p<0,001).Por outro lado, os inquiridos com conhecidos com diag-nóstico de cancro de pele e aqueles com pele mais cla-ra obtiveram uma pontuação mais elevada (p<0,001 ep=0,003, respetivamente). No entanto, após ajuste paraidade, escolaridade, conhecidos com cancro de pele etipo de pele, verificou-se que apenas mantiveram a as-sociação o nível de escolaridade (Nenhuma, 1.º e 2.º ci-clo do ensino básico vs. Ensino superior – OR=10,75[IC95%, 5,34-21,64]; 3.º ciclo do ensino básico e ensinosecundário vs. Ensino superior – OR=6,54 [IC95%, 3,54-12,09]) e o tipo de pele (pele morena, escura ou negravs. pele clara – OR=1,94 [IC95%, 1,15-3,25]) – Tabela II.

As Figuras 2 a 5 apresentam a percentagem de respos-tas corretas a cada pergunta do questionário (cuidadosde exposição solar, fatores de risco e sinais de alarme paraneoplasia cutânea), divididas pelo nível de escolaridade.Globalmente, observa-se uma proporção mais elevada derespostas corretas à medida que a escolaridade aumen-ta. De uma forma geral, os indivíduos não reconhecem aroupa opaca como uma barreira à exposição solar, mes-mo os mais escolarizados (destes, apenas 41,7% respon-deu corretamente). Nos indivíduos menos escolarizados,a sombra mais pequena não é associada a um perigo por

57,4% dos inquiridos e a frequência de aplicação do pro-tetor solar na praia, bem como a sua utilização não ape-nas no Verão, são subvalorizadas (apenas reconhecidospor 59,5% e 61,5%, respetivamente).

Entre o chapéu, o protetor solar e os óculos de sol,estes últimos são os menos reconhecidos como prote-tores da exposição solar, particularmente entre os me-nos escolarizados (32,4% não identifica).

No que diz respeito à identificação dos potenciadoresdo risco de cancro de pele, apenas 28 dos 406 inquiridosidentificaram corretamente todas as opções, sendo a op-ção menos pontuada a referente à idade superior a 50anos (77,3% dos inquiridos não a assinalou). As cicatri-zes ou queimaduras na pele e a exposição solar intensadurante um curto período de tempo são pouco reco-nhecidas como constituindo um risco (particularmenteno grupo menos escolarizado, no qual ambos apenassão identificados por cerca de um terço dos inquiridos).

Relativamente às características dos sinais que devemlevar a consultar o médico, apenas 38 inquiridos iden-tificaram todas as opções, sendo a característica menosidentificada a textura áspera (69,5% não a assinalou).Destacam-se o crescimento rápido e o facto de se asse-melhar a uma ferida, mas não cicatrizar, como sendo ascaracterísticas mais associadas a neoplasia cutânea.

Note-se que os inquiridos mais escolarizados assi-nalaram mais opções do que os indivíduos menos es-colarizados (em ambas as questões de oito respostas,referentes aos fatores de risco e sinais de alarme paraneoplasia cutânea, em média os mais escolarizados as-sinalaram corretamente cinco respostas, enquanto osmenos escolarizados apenas três).

DISCUSSÃOGrande parte dos inquiridos demonstrou um nível

de conhecimentos satisfatório sobre os cuidados e ris-cos da exposição solar, sendo este nível mais elevadonos inquiridos com idades entre 35 e 55 anos, nos maisescolarizados e nos inquiridos com fototipo 3, aindaque existam lacunas importantes registadas ao nível doconhecimento de formas de proteção e de fatores queaumentam o risco de desenvolvimento de cancro depele. Ao nível dos sinais de alarme para neoplasia cu-tânea, o conhecimento demonstrado foi escasso.

Estes resultados foram semelhantes aos obtidos porHora no seu estudo realizado no Brasil,12 no qual se

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verificou que 87,3% dos entrevistados se diziam conhece-dores dos efeitos prejudiciais da exposição solar e esta per-centagem aumentava com o nível de escolaridade. Esta as-sociação também foi observada por Seité no seu inquéri-to internacional,13 sendo que as mulheres pareceram me-lhor informadas, o que não se observou no presente estudo.Neste inquérito, os sinais precoces de cancro cutâneo tam-bém não eram universalmente conhecidos.

A principal limitação deste trabalho é ter como ins-trumento de medida um questionário não validado nasua globalidade. Assim, algumas questões poderãoeventualmente não refletir a interpretação e traduçãoexata do conhecimento que se pretendia avaliar, difi-cultando a generalização dos resultados para além daamostra estudada, apesar de ter sido precedida de umavalidação das questões em prova piloto e consultadosperitos na área da dermatologia. Também a caracteri-zação dos inquiridos quanto ao fototipo cutâneo é dig-na de nota, na medida em que a autoavaliação da corde pele e a identificação do respetivo fototipo são da-dos subjetivos e controversos, pelo que deveriam ideal-

mente ser avaliados pelas investigadoras.De acordo com o já demonstrado em estudos ante-

riores,12-13 a perceção e o conhecimento sobre os riscosda exposição solar excessiva, por si só, não parece sersuficiente para garantir hábitos de vida e comporta-mentos adequados de proteção solar. Este estudo é pertinente, na medida em que analisa a literacia dapopulação sobre um problema de saúde prevalente epoderá servir de base para projetos de intervenção paracorreção de comportamentos de risco, assim como paraum estudo posterior comparativo entre os conheci-mentos e os comportamentos da população relativos àexposição e proteção solar.

Atualmente não existem recomendações para o ras-treio sistemático do cancro de pele realizado pelo mé-dico em adultos, dado que a evidência é limitada rela-tivamente à redução da mortalidade e existe dano po-tencial que não é desprezível.7 Recomenda-se, portan-to, o enfoque no aconselhamento pessoal por parte domédico aos adultos jovens, principalmente àqueles quetenham a pele clara, sobre como minimizar a sua ex-

OR bruto OR ajustado(IC95%) (IC95%)

Idade < 35 anos Ref. Ref.

35 a 55 anos 1,07 (0,66-1,74) 0,93 (0,53-1,63)

> 55 anos 1,96 (1,60-3,31) 1,20 (0,63-2,30)

Sexo Feminino Ref. Ref.

Masculino 0,92 (0,60-1,40) 0,85 (0,53-1,37)

Escolaridade Ensino superior Ref. Ref.

3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário 6,61 (3,62-12,06) 6,54 (3,54-12,09)

Nenhuma, 1.º e 2.º ciclo do ensino básico 12,19 (6,40-23,21) 10,75 (5,34-21,64)

Antecedentes pessoais de cancro Não Ref. Ref.

de pele Sim 0,63 (0,15-2,54) 0,93 (0,18-4,93)

Conhecidos com cancro de pele Não Ref. Ref.

Sim 0,46 (0,27-0,78) 0,60 (0,33-1,11)

Tipo de pele Clara Ref. Ref.

Morena, escura ou negra 1,82 (1,15-2,90) 1,94 (1,15-3,25)

TABELA 2. Risco de obter uma pontuação baixa a intermédia no questionário de conhecimentos sobre os cuidados eriscos associados à exposição solar (comparativamente a uma pontuação elevada), de acordo com as características dosinquiridos (n=400)

Legenda: *Ajustado para: idade, escolaridade, conhecidos com cancro de pele e tipo de pele (todas categóricas, de acordo com a tabela); Ref. = cate-

goria de referência.

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238 estudosoriginais

posição solar, de forma a reduzir o risco de cancro.15

A população estudada neste artigo demonstrou al-gumas falhas importantes que devem ser colmatadaspor parte dos clínicos em consulta, de forma individuale sistemática, dando enfoque a populações mais jovense com mais fatores de risco.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia. Cancros da

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Port Clin Geral. 2002;18(4):203-16. Portuguese

100%

A exposição solar acerelera oenvelhecimento da pele?

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

Se estiver nevoeiro, o riscode escaldão é menor?

A roupa opaca protege mais apele que o protetor solar?

Quando a sombra é menor do quenós, significa que a exposição solar é mais perigosa,

mais segura, ou não significa nada?

Em que horário é mais perigosaa exposição solar?

Só é preciso aplicar protetor solar no Verão?

Quando se deve aplicar o protetor solar?

Na praia, deve-se reaplicar o protetorsolar com que frequência?

É necessário aplicar protetor solar se estiverdebaixo de um guarda-sol?

Pessoas morenas precisam de seproteger do sol?

Nenhuma, 1º, e 2º, ciclo do ensino básico 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário Ensino superior

83,1%85,5%

97,6%

59,5%80,2%

94,0%

40,5%24,4%

41,7%

42,6%58,7%

81,0%

75,7%79,1%79,8%

61,5%87,2%

97,6%

83,1%90,7%

95,2%

59,5%64,5%

73,8%

83,1%93,6%

98,8%

93,2%97,1%100,0%

Conhecimento geral

Figura 1. Percentagem de respostas corretas a cada pergunta de conhecimento geral, de acordo com o nível de escolaridade dos inquiridos.

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239estudosoriginais

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIARita Meireles Pedro

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0003-0984-3429

Recebido em 13-03-2019Aceite para publicação em 10-01-2020

ABSTRACT

ASSESSMENT OF KNOWLEDGE ABOUT SOLAR EXPOSUREObjectives: To characterize the patient’s knowledge about the care associated with sun exposure, risk factors, and alarm signsfor cutaneous neoplasia. To study the association between the age, sex, education, phototype, and history of cutaneous neo-plasia (personal or in close contacts) and the level of the patient’s knowledge.Methods:Cross-sectional study. From April to May of 2018, self-administered questionnaires, composed of sociodemographic data,theoretical questions about sun exposure and its risks, risk factors, and alarm signals for cutaneous neoplasia, were delivered topatients aged 18 years and over who attended the scheduled consultation in six Family Health Units. A statistical analysis of thevariables was performed. It was used the statistical software IBM SPSS Statistics®, assuming a level of significance of 5%.Results: A total of 435 individuals participated, of whom 29 did not complete the questionnaire, resulting in a final sample of406 individuals. Participants had a mean age of 47±17.1 years (minimum: 18, maximum: 89 years) and 67% were female. Themean score on the questionnaire was 9.3±2.06 points (with the maximum score being 13 points). The highest scores corres-ponded to participants with 35-55 years of age, a higher level of education, and phototype 3. The older participants and thosewith lower levels of education were associated with a low to intermediate score on the questionnaire. Participants that havecontacts with a skin cancer diagnosis and those with lighter skin scored higher. However, after adjusting for potential confounders,only the level of education and the skin type maintained the association.Conclusions: There is a satisfactory level of knowledge about sun exposure, although there are important gaps regarding theknowledge of forms of protection, factors that increase the risk of skin cancer and alarm signs. These results corroborate thepertinence of the study, evidencing the relevance for the implementation of health education interventions on the topic, con-sidering its predicted impact on the incidence and prevalence of cutaneous neoplasia. Moving forward, the relevance of con-ducting research on population behaviors regarding exposure and sun protection is also highlighted.

Keywords: Cutaneous neoplasia; Prevention; Questionnaire; Risk factors.

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240 estudosoriginais

ANEXO I

Questionário

Está a decorrer na USF um estudo de investigação sobre osconhecimentos das pessoas sobre os cuidados e riscos associa-dos à exposição solar. Pretendemos contribuir para uma melho-ria dos conhecimentos da população sobre este assunto, e é porisso que a sua colaboração é fundamental.Assim, convidamo-lo(a) a participar como voluntário(a) nes-

te estudo, respondendo a um questionário. O seu preenchimen-to demora cerca de 5 minutos.Pode preenchê-lo enquanto espera por ser atendido na USF,

em casa, ou noutro local onde lhe seja mais conveniente. Depoisde preenchido, hoje ou noutro dia, agradecíamos que o colocas-se na caixa fechada e devidamente identificada, colocada ao ladodo secretariado.Os dados recolhidos serão usados exclusivamente para a pre-

sente investigação, sendo que a confidencialidade e o anonima-to serão sempre assegurados.Agradecemos a sua colaboração. Poderá esclarecer qualquer

dúvida junto do seu Médico ou Enfermeiro de Família.

• Idade: _______ anos

• Sexo:� Feminino � Masculino

• Estado Civil:� Solteiro� Casado/União de facto� Separado/divorciado� Viúvo

• Escolaridade:

• Profissão_____________________________________________________

• Já teve ou tem cancro da pele?� Sim � Não

• Alguém seu conhecido tem ou já teve cancro da pele?� Sim � Não

• Qual o seu tipo de pele? (escolha a opção que mais se ade-qua)

• A exposição solar acelera o envelhecimento da pele?

• Se estiver nevoeiro, o risco de escaldão é menor:

• Roupa opaca protege mais a pele que o protetor solar?

• Quando a sombra é menor do que nós, significa que a ex-posição solar é:

• Em que horário é mais perigosa a exposição solar?

• Só é preciso aplicar protetor solar no Verão?

• Quando se deve aplicar o protetor solar? (escolha a opçãomais adequada)

• Na praia deve-se reaplicar o protetor solar com que fre-quência?

• É necessário aplicar protetor solar se estiver debaixo de umguarda-sol?

• Pessoas morenas precisam de se proteger do sol?

• O que é importante usar quando se expõe ao sol? (podeescolher mais do que uma)

• Selecione as opções que podem aumentar o risco de can-cro da pele (pode escolher mais do que uma):

• Selecione as características de um sinal na pele que con-sidera que devam levar a consultar o seu médico (pode es-colher mais do que uma):

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INTRODUÇÃO

As queixas gastrointestinais constituem ummotivo comum de consulta em cuidados desaúde primários (CSP). Para melhor esclare-cimento de determinadas situações clínicas

deste foro pode ser necessário o pedido de exames en-doscópicos em regime eletivo (endoscopia digestivaalta e/ou colonoscopia). O seguimento ou não da in-vestigação diagnóstica pelo médico de família é mui-tas vezes orientado com base nos relatórios disponibi-

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242

Mariana Barreto,1 Nuno Almeida,2-3 Joana Sousa,1 Rafael Henriques,1 Rui Grandão,1 Ana Maria Fagundo,4 Beatriz Rosendo Silva,5

Pedro Augusto Simões,5 Catarina Correia6

Critérios de qualidade emexames endoscópicos: qual arelevância para os médicos demedicina geral e familiar?

RESUMOIntrodução: A sintomatologia gastrointestinal é motivo frequente de consulta nos cuidados de saúde primários. Para melhoresclarecimento pode ser necessário o pedido de exames endoscópicos. Os seus relatórios devem cumprir critérios de qualida-de definidos em recomendações nacionais e internacionais. Estudos anteriores concluíram que muitos relatórios são ainda re-digidos de forma incompleta. Objetivos:Avaliar qual a relevância que os médicos de medicina geral e familiar (MGF) atribuem aos critérios de qualidade exi-gidos em relatórios de exames endoscópicos. Métodos: Estudo multicêntrico, transversal, envolvendo médicos especialistas e internos de MGF de Portugal que aceitaramparticipar no estudo. Dados recolhidos através do preenchimento de um questionário em plataforma digital (googleforms®),de 1 de dezembro de 2018 a 28 de fevereiro de 2019. Variáveis: idade, sexo, local de trabalho, região onde trabalham, categoriaprofissional, local de realização do exame, critérios de qualidade de endoscopia digestiva alta e colonoscopia. Utilizado SPSS®,estatística descritiva e inferencial (Mann-Whitney, Kruskal-Wallis). Aprovado pela Comissão de Ética da ARS Centro.Resultados: Foram obtidas 110 respostas válidas: 74,5% do sexo feminino, média etária de 32,4±7,4 anos; 77,0% de internosde MGF, 76,4% trabalhavam numa unidade de saúde familiar, com participantes de cinco ARS e Açores. Em 95,5% dos casos osexames foram realizados em entidades privadas, sendo a opinião sobre a oferta aceitável [3,7±1,0 (escala 1-5)]. Existe diferen-ça estatisticamente significativa entre o grupo profissional e: referência ao endoscópio (p=0,015); ao colonoscópio (p=0,021)e à qualidade dos relatórios de endoscopia (p=0,010).Conclusões: Como participante ativo no processo diagnóstico dos doentes cabe também ao médico de família analisar a qua-lidade do relatório de um exame endoscópico. A amostra de pequena dimensão, não representativa da população de médicosde MGF, limita a robustez das conclusões. Os participantes consideram muito relevante a presença da maioria dos critérios dequalidade recomendados e a uniformização do conteúdo dos relatórios.

Palavras-chave: Cuidados de saúde primários; Endoscopia; Sistema digestivo.

lizados, o que demonstra a importância dos conteúdosrelatados. Os relatórios destes exames devem cumprircritérios de qualidade recomendados, sendo estes es-senciais para corroborar a validade do exame realiza-do e reduzir as variações no modo de procedimento(Tabela 1).Um estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de

Endoscopia Digestiva (SPED), em que se avaliava a qua-lidade da prática de exames endoscópicos em Portugal,obteve respostas de 20 centros de realização de exames

estudosoriginais DOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12641

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1. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Briosa, Centro de Saúde Nor-ton de Matos.2. Médico Assistente Graduado de Gastroenterologia. Serviço de Gastroenterolo-gia, Centro Hospitalar de Coimbra. 3. Professor Auxiliar Convidado. Faculdade de Medicina da Universidade de Coim-bra. Serviço de Gastroenterologia, Centro Hospitalar de Coimbra.4. Médico Especialista de Medicina Geral e Familiar. USF Progresso e Saúde.5. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Pulsar, Centro de Saúde Nor-ton de Matos.6. Médico Interno de Gastroenterologia. Serviço de Gastroenterologia, Centro Hos-pitalar de Coimbra.

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243estudosoriginais

endoscópicos. Cerca de 90% usavam softwares especí-ficos para realização de relatórios destes exames, comvariabilidade das marcas comerciais. Verificou-se queem pelo menos metade dos casos esse software não ti-nha um campo específico para incluir a adequação daindicação clínica, a confirmação do consentimento in-formado, a duração do exame, a qualidade da prepara-ção intestinal, classificações padronizadas para as di-ferentes patologias e o registo das complicações ocor-ridas após o procedimento, o que poderia prejudicar aqualidade do relatório.1 É importante avaliar tambémse os relatórios de exames redigidos, que servem debase para a restante investigação diagnóstica e segui-mento de utentes nos CSP, cumprem os critérios dequalidade exigidos. Estudos realizados noutros paísesconcluíram que muitos relatórios ainda são redigidosde forma incompleta e que, utilizando softwares compossibilidade de registo mais completo, pode haver me-lhoria da qualidade dos mesmos.2-3 Um estudo realiza-do em 2015 no Canadá avaliou a qualidade de relató-rios de colonoscopia de 73 serviços, revelando que umem cada cinco relatórios falhava na redação de algumcritério de qualidade. Adicionalmente, relacionaram al-gumas características dos profissionais que realizam erelatam os exames com a melhoria da qualidade domesmo, como terem a especialidade de gastroentero-logia (em comparação com os de cirurgia e medicinainterna), terem menos anos de prática e terem menorvolume de exames anuais.4 Os médicos de medicinageral e familiar (MGF) analisam regularmente os rela-tórios, sendo importante o cumprimento desses mes-mos critérios de qualidade, por forma a prestarem osmelhores cuidados aos seus utentes. O objetivo desteestudo foi avaliar qual a relevância que os médicos deMGF atribuem aos critérios de qualidade exigidos emrelatórios de exames endoscópicos.

ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA

Pré-procedimento

Indicação do período de jejum antes do procedimento6

Indicação do motivo para realização do exame7-8

Assinatura do consentimento informado7-9

Realização de história clínica, exame objetivo e avaliaçãodos fatores de risco7-8

Plano de anestesia6-7

Durante o procedimento

Indicação do tempo de duração do exame (da intubação atéextubação)6

Adequação da fotodocumentação (esófago proximal, esófago distal, linha Z e indentação diafragmática, cárdia efundo gástrico, pequena e grande curvatura gástrica, antrogástrico, papila duodenal e segunda porção do duodeno eachados anormais)7-9

Descrição de complicações ocorridas durante o exame7

Descrição de medidas ou fármacos administrados7-8

Número e localizações de biópsias realizadas6,9

Após o procedimento

Descrição de complicações após realização do exame6,8

Indicação do plano terapêutico para o utente8

Recomendações para cuidados subsequentes7

COLONOSCOPIA

Antes do procedimento

Indicação do motivo para realização do exame7

Assinatura do consentimento informado4,7,11

Preparação e limpeza do intestino adequada para realizaçãodo teste com qualidade4,7,11

Descrição de inspeção da ampola retal e toque retal10

Durante o procedimento

Avaliação do intestino até à ampola cecal com descrição efoto dos achados patológicos4,7

Indicação do tempo de duração do exame (da intubação atéextubação)10

Descrição de complicações ocorridas durante o exame7,10-11

Descrição de medidas terapêuticas realizadas10

Número e localizações de biópsias realizadas4,10

Após o procedimento

Descrição de complicações após realização do exame10

Impressão diagnóstica/conclusão4

TABELA 1. Critérios de qualidade na realização derelatórios de exames endoscópicos4,6-11

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244 estudosoriginais

MÉTODOSTrata-se de um estudo multicêntrico e transversal,

com componente analítica.A população em estudo era caracterizada pela tota-

lidade de médicos especialistas e internos de MGF emPortugal (dados de 14 de novembro de 2019: 5.762 mé-dicos de família e 1.890 internos), considerando comoamostra representativa um total de 366 participantes[intervalo de confiança (IC) de 95%; margem de erro de5%; taxa de resposta de 50%],5 tendo sido a amostracomposta por todos os médicos que responderam e as-sinaram o consentimento informado digital no perío-do de estudo. O estudo foi divulgado por vários gruposde discussão dos médicos de MGF (mailing list, reu-niões de internos e especialistas, grupos médicos em re-des sociais) a solicitar a sua participação e divulgaçãopelos colegas (estratégia de recolha por efeito de bolade neve). Os dados foram recolhidos através do auto-preenchimento de um questionário online elaboradopelos investigadores em plataforma digital (google-forms®), estando disponível no período de 1 de de-zembro de 2018 a 28 de fevereiro de 2019.As variáveis recolhidas foram: idade (em anos); sexo

(masculino, feminino); local de trabalho [Unidade deCuidados de Saúde Personalizados (UCSP) ou Unida-de de Saúde Familiar (USF)]; região de saúde a que per-tence [Administração Regional de Saúde (ARS) do Nor-te, do Centro, de Lisboa e Vale do Tejo, do Alentejo e doAlgarve, Serviços Regionais de Saúde (SRS) da Madeirae dos Açores]; categoria profissional (interno de MGF,recém-especialista de MGF e especialista de MGF); lo-cal de realização de exame endoscópico (hospital pú-blico ou entidade privada); questões de opinião sobrerelevância da presença de alguns dados no relatório deendoscopia digestiva alta e colonoscopia para a quali-dade do mesmo [variável escalar graduada de um (nadarelevante) a cinco (muito relevante)].6-11 A última ques-tão do questionário informático permitia uma respos-ta aberta e consistia em: “Na sua opinião, o que pode-ria ser feito para melhorar a qualidade dos relatórios deexames endoscópicos recebidos?”.Este estudo foi autorizado pela Comissão de Ética da

ARS Centro no dia 21 de novembro de 2018.Os resultados dos questionários foram organizados

em Microsoft Excel®. A análise de dados foi executadacom recurso ao programa Statistical Package for the

Social Science versão 25® (SPSS), usando estatística des-critiva e inferencial. Foram utilizados testes não para-métricos (Mann-Whitney, Kruskal-Wallis),visto que ne-nhuma variável apresentou uma distribuição normal.Foi considerado existir nível de significância se p<0,05,com um IC de 95%. Os autores adotaram as normasSTROBE para a redação do presente estudo.

RESULTADOSCaracterísticas dos profissionaisApós os convites iniciais foram obtidas 110 respos-

tas válidas ao questionário. O número de participantesrepresenta 1,44% da totalidade de internos e especia-listas de MGF em Portugal, sendo inferior ao valor ne-cessário para se considerar a amostra representativa.Foram obtidas respostas das cinco ARS e dos Açores,não tendo sido obtidas respostas ao questionário porparte dos profissionais de saúde a exercer na Madeira.Registou-se uma maior prevalência de respostas de pro-fissionais a exercer na ARS Centro (62,7%).

Na amostra estudada, 74,54% (n=82) dos médicoseram do sexo feminino, com média etária de 32,4±7,4anos e idades compreendidas entre os 25 e os 66 anos.Dos respondentes, 70,0% (n=77) eram internos de MGFe 76,36% (n=84) trabalhavam numa unidade de saúdefamiliar (USF). A caracterização sociodemográfica en-contra-se descrita na Tabela 2.

Local de realização dos exames

A maioria dos profissionais (95,45%) refere que soli-cita a realização dos exames endoscópicos em entida-des privadas. Destes, 98,10% (n=103) responderam àquestão que analisava a oferta de locais para a realiza-ção destes exames e consideraram esta oferta comoaceitável [3,7±1,0 (escala 1-5)]. Ressalva-se que apenas10,48% (n=11) consideraram a oferta como fraca (pon-tuando 1 e 2).

Critérios de qualidade em avaliaçãoNestas perguntas a taxa de respostas foi de 100%

(n=110), estando os resultados obtidos descritos na Ta-bela 3. A maioria dos critérios obteve uma média de re-levância aproximada ou superior a 4 (escala de 1-5), tendo os itens «Haver referência ao endoscópioutilizado (na endoscopia digestiva alta)», «Haver refe-rência ao endoscópio utilizado (na colonoscopia)» e «O

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tempo de duração da colonoscopia constar no relató-rio» obtido as classificações inferiores (2,68±1,08;2,82±1,10; 3,23±1,08, respetivamente). Nos dois itensreferentes à perceção dos médicos sobre a presença daglobalidade dos critérios nos relatórios recebidos, osresultados foram aceitáveis (3,22±1,03 na endoscopia e3,49±1,00 na colonoscopia).Através do teste não paramétrico Kruskal-Wallis foi

encontrada diferença estatisticamente significativa en-tre o grupo profissional e a relevância atribuída à des-crição do endoscópio (p=0,015) no relatório do exame(Tabela 4). Os internos de MGF consideraram menos re-levante a existência deste dado no relatório compara-tivamente aos especialistas (internos: média de 2,51;recém-especialista: média de 3,00; especialista: médiade 3,12). Igualmente, houve diferenças estatisticamen-te significativas na relevância atribuída à descrição docolonoscópio (p=0,021), sendo o grupo de internos oque considera menos relevante este dado (internos:média de 2,64; recém-especialista: média de 3,13; es-pecialista: média de 3,28).Foi encontrada diferença estatisticamente significa-

tiva entre grupos profissionais relativamente à apre-sentação de uma conclusão com as principais reco-mendações do relatório de endoscopia (p=0,047); con-tudo, a variação das respostas é limitada e todos os gru-pos consideram este fator como importante (> 4,5numa escala de 4-5). Não foram encontradas outras re-lações estatisticamente significativas entre as variáveis.

Da população respondente 46,36% (n=51) deixaramsugestões ou opiniões para a melhoria da qualidadedos relatórios, sendo a opinião mais comum a unifor-mização dos critérios de qualidade e da estrutura do re-latório (Tabela 5).

DISCUSSÃOPela pesquisa efetuada pelos autores trata-se de um

estudo original em Portugal. Pretende-se sensibilizar osmédicos para a importância da disponibilização de in-formação clínica no pedido de exames endoscópicos,a fim de permitir a elaboração de um relatório maiscompleto e assim melhorar o seguimento posterior doutente. Relativamente aos médicos que realizam estesexames, este estudo visa consciencializar para o de-senvolvimento de relatórios mais completos, conside-rando os critérios de qualidade dos mesmos.

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245estudosoriginais

Apesar de o estudo promovido pela SPED conside-rar que a informatização dos relatórios endoscópicosem Portugal foi um passo importante na implementa-ção de critérios de qualidade, ainda existem lacunasimportantes nos softwares utilizados.1

Um estudo realizado no Instituto Português de On-cologia do Porto2 ressalva que a elaboração de uma con-clusão no relatório seria um critério pertinente a in-cluir em futuras guidelines,apesar das mais recentes re-comendações europeias não o considerarem como pa-râmetro de qualidade. Este facto vai ao encontro daopinião dos participantes do presente estudo, tendosido obtida uma média de 4,85 (IC95%, 4,77-4,92) comoresposta à pergunta se consideravam relevante «O re-latório da endoscopia digestiva alta apresentar umaconclusão com as principais considerações» e de 4,82(IC95%, 4,73-4,91) na pergunta «O relatório da colo-noscopia apresentar uma conclusão com as principaisconsiderações».No presente estudo, os participantes consideraram

muito relevante a descrição no relatório da indicaçãopara realização do exame e de esta ser adequada

n %

Sexo

Masculino 28 25,5

Feminino 82 74,5

Categoria profissional

Interno de MGF 77 70

Recém-especialista de MGF 8 7,3

Especialista de MGF 25 22,7

Região de saúde

ARS Norte 14 12,7

ARS Centro 69 62,7

ARS Lisboa e Vale do Tejo 10 9,1

ARS Alentejo 3 2,7

ARS Algarve 10 9,1

SRS Açores 4 3,6

SRS Madeira 0 0

Local de trabalho

UCSP 26 23,6

USF 84 76,4

TABELA 2. Caracterização sociodemográfica

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(endoscopia – média 4,46 (IC95%, 4,3-4,6); colonosco-pia – média 4,52 (IC95%, 4,4-4,6). Vários estudos de ava-liação da qualidade de endoscopia e colonoscopia con-sideraram também este fator como um critério de qua-lidade fundamental,4,12 estando presente em 90% dosrelatórios analisados num estudo realizado na Holan-da em 2012,12 88,9% num estudo no Canadá de 20164 eem 92,8% numa amostra de 2017 de um estudo reali-zado no Porto.2 Os médicos de CSP têm aqui um papel

fundamental, sendo relevante a completa descrição domotivo que levou ao pedido do exame endoscópico emquestão para um melhor conhecimento da situação clínica por parte do médico executante e maior compreensão dos resultados por parte do médico dosCSP que vai ler o relatório (pode não ser o mesmo que pediu a realização do exame). Os investigadores do presente estudo elencam também a importância de identificar, no pedido de exame, fatores de risco

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246 estudosoriginais

CRITÉRIO MÉDIA

ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA

1. A indicação para o exame constar no respetivo relatório e ser adequada. 4,46±0,75

2. O jejum ter sido adequado possibilitando uma boa visualização. 4,71±0,55

3. Haver referência ao endoscópio utilizado. 2,68±1,08

4. Existir fotodocumentação do duodeno, papila major, estômago (antro-pilórico, fundo gástrico, incisura 4,07±0,97gástrica), esófago distal e próxima.

5. Existir foto-documentação de achados patológicos. 4,51±0,78

6. A indicação da realização de exame completo ou os motivos para interrupção do mesmo constarem no 4,90±0,33respetivo relatório.

7. O registo de realização de biópsias constar no relatório, com indicação de número e localização. 4,89±0,34

8. A informação sobre a ocorrência de complicações, caso aconteçam. 4,88±0,32

9. O relatório do exame apresentar uma conclusão com as principais considerações. 4,85±0,41

10. O relatório do exame apresentar uma sugestão de terapêutica. 4,09±0,91

11. O relatório do exame apresentar uma sugestão de data de realização de novo exame. 4,29±0,78

12. Na sua experiência os relatórios de endoscopias que recebe costumam cumprir os critérios de qualidade que 3,22±1,03referiu?

COLONOSCOPIA

1. A indicação para o exame constar no respetivo relatório e ser adequada. 4,52±0,65

2. A qualidade da preparação ter sido adequada. 4,91±0,29

3. A colonoscopia ter sido total. 4,92±0,31

4. Haver referência ao endoscópio utilizado. 2,82±1,10

5. O tempo de duração do exame constar no relatório. 3,23±1,08

6. Existir foto-documentação do polo cecal da válvula ileocecal. 4,28±0,83

7. Existir foto-documentação de outros segmentos do cólon e reto. 3,90±1,02

8. O registo de realização de biópsias constar no relatório, com indicação de número e localização. 4,85±0,41

9. A informação sobre a ocorrência de complicações, caso aconteçam. 4,88±0,32

10. O relatório do exame apresentar uma conclusão com as principais considerações. 4,82±0,47

11. Na sua experiência, os relatórios de colonoscopias que recebe costumam cumprir os critérios de qualidade 3,49±1,00que referiu?

TABELA 3. Itens questionados e relevância atribuída pelos médicos de MGF à sua presença no relatório (escala de 1-5) – Questão: «Para cada uma das alíneas abaixo indicadas, qual o grau de relevância que atribui à presença deste itemno relatório de endoscopia digestiva alta/colonoscopia para se considerar um relatório de qualidade»

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importantes da história clínica do doente em questão,permitindo aos médicos executantes uma melhor ava-liação do cálculo do risco do procedimento. Fica por es-tudar qual o conhecimento dos médicos de família so-bre as indicações para realização de exames endoscó-picos.No grupo de critérios de qualidade em colonoscopia

considerados mais relevantes pelos participantes nes-te estudo encontra-se «A qualidade da preparação ter

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247estudosoriginais

sido adequada» (média 4,91 (IC95%, 4,85-4,96), itemconsiderado importante em vários estudos, mas fre-quentemente ausente. No estudo de Hadlock e cola-boradores,4 a qualidade da preparação era apenas des-crita em 34,5% dos relatórios, no de Lierberman13 em86,1% dos casos e no de Singh14 apenas em 20% dos ca-sos. O médico de família deve incentivar o utente acumprir as recomendações de preparação intestinal,15-16

com vista à melhoria da qualidade dos resultados e

VARIÁVEL VALOR DE P

ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA E CATEGORIA PROFISSIONAL

E1. A indicação para o exame constar no respetivo relatório e ser adequada. 0,897

E2. O jejum ter sido adequado possibilitando uma boa visualização. 0,655

E3. Haver referência ao endoscópio utilizado. 0,015

E4. Existir foto-documentação do duodeno, papila major, estômago (antro-pilórico, fundo gástrico, incisura 0,776gástrica), esófago distal e próxima.

E5. Existir foto-documentação de achados patológicos. 0,329

E6. A indicação da realização de exame completo ou os motivos para interrupção do mesmo constarem no 0,632respetivo relatório.

E7. O registo de realização de biópsias constar no relatório, com indicação de número e localização. 0,935

E8. A informação sobre a ocorrência de complicações, caso aconteçam. 0,798

E9. O relatório do exame apresentar uma conclusão com as principais considerações. 0,047

E10. O relatório do exame apresentar uma sugestão de terapêutica. 0,154

E11. O relatório do exame apresentar uma sugestão de data de realização de novo exame. 0,175

E12. Na sua experiência os relatórios de endoscopias que recebe costumam cumprir os critérios de qualidade 0,010que referiu?

COLONOSCOPIA E CATEGORIA PROFISSIONAL

C1. A indicação para o exame constar no respetivo relatório e ser adequada. 0,868

C2. A qualidade da preparação ter sido adequada. 0,593

C3. A colonoscopia ter sido total. 0,160

C4. Haver referência ao endoscópio utilizado. 0,021

C5. O tempo de duração do exame constar no relatório. 0,105

C6. Existir foto-documentação do polo cecal da válvula ileocecal. 0,458

C7. Existir foto-documentação de outros segmentos do cólon e reto. 0,293

C8. O registo de realização de biópsias constar no relatório, com indicação de número e localização. 0,910

C9. A informação sobre a ocorrência de complicações, caso aconteçam. 0,386

C10. O relatório do exame apresentar uma conclusão com as principais considerações. 0,116

C11. Na sua experiência, os relatórios de colonoscopias que recebe costumam cumprir os critérios de qualidade 0,210que referiu?

TABELA 4. Análise da relevância dada aos critérios segundo a categoria profissional

Nota: Teste estatístico utilizado: teste não paramétrico Kruskal-Wallis.

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evitar repetições desnecessárias do exame endoscópi-co.Na questão E12, «Na sua experiência os relatórios de

endoscopias que recebe costumam cumprir os critériosde qualidade que referiu?», foi identificada diferençaestatística entre os grupos profissionais, sendo os in-ternos e os recém-especialistas aqueles que pontuammais negativamente esta pergunta (internos: média de3,05; recém-especialista: média de 3,13; especialista:média de 3,76). Os autores do presente estudo questio-nam se este resultado poderá estar relacionado com ofacto dos internos de MGF terem mais oportunidadesde formação e renovação de conhecimentos durante oseu internato de formação complementar, podendo,assim, tornar-se mais exigentes na qualidade dos exa-mes.Interessa ressalvar que 25,49% (n=13) das sugestões

em resposta aberta solicitavam a apresentação de su-gestões de terapêutica ou data de realização do próxi-mo exame endoscópico, critérios estes que não se en-contram recomendados nos critérios de qualidadeavançados pelas sociedades europeias e americanas,mas estão presentes nas recomendações portuguesas.8

Considera-se importante refletir sobre o facto de15,69% (n=8) das respostas abertas sugerirem a audi-toria e avaliação da qualidade dos locais onde são rea-lizados estes exames. Estes processos de certificaçãopoderiam ajudar a manter e fazer cumprir a qualidadeesperada na realização dos exames, evitar a repetiçãoprecoce ou desnecessária e melhorar o seguimento dos

utentes. A necessidade de realização de uma endosco-pia ou colonoscopia pode ser um fator stressante parao utente e para a própria família, dado tratar-se de umexame invasivo associado a muitos mitos, medos e ris-cos não desprezíveis.17-19 Assim, cabe aos profissionaisde saúde garantir que a realização dos mesmos é útil eo resultado o mais completo possível para esclarecer asituação clínica e evitar repetições desnecessárias.Não foi possível estudar a diferença de opinião dos

colegas sobre a qualidade dos relatórios realizados ementidade privada e em sistema público e a sua opiniãosobre a oferta de locais de realização de exames, con-soante a região onde exercem a atividade laboral, devi-do à existência de uma amostra reduzida, sem partici-pantes de todas as áreas geográficas, nomeadamente daSRS da Madeira, o que configura uma limitação desteestudo. Uma vez que não se atingiu o tamanho amos-tral necessário para que a amostra fosse representativada população, os resultados não podem ser generali-zados à população. São precisos mais estudos comamostras representativas da população de médicos deMGF e com representantes de todas as regiões, paraobter conclusões mais robustas e reprodutíveis.Para além da avaliação sobre diferenças entre re-

giões, seria igualmente interessante avaliar se existi-riam diferenças dentro da mesma ARS, com estudo dasrespostas entre os diferentes agrupamentos de centrosde saúde.Considera-se igualmente uma limitação a utilização

de um questionário não validado, o que limita as

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248 estudosoriginais

Sugestões n %

Formações para médicos de MGF sobre indicações para pedido de exames endoscópicos e critérios que devem 1 1,96constar nos relatórios.

Formação para médicos gastroenterologistas para uniformização dos critérios que devem constar nos relatórios. 1 1,96

Informação sobre qualidade de limpeza do intestino. 1 1,96

Estar descrita uma conclusão final. 2 3,9

Estar descrita uma sugestão de terapêutica, caso haja achados patológicos. 3 5,88

Informação detalhada por parte do MGF do motivo para pedido do exame endoscópico. 5 9,80

Auditorias e avaliar a qualidade de locais de realização dos exames. 8 15,67

Estar descrita uma sugestão de data ou periodicidade para realização de novo exame endoscópico. 10 19,51

Uniformização dos tópicos que devem constar no exame endoscópico. 20 39,22

TABELA 5. Sugestões/Opiniões organizadas por categorias

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conclusões e dificulta a comparação com outros estu-dos na literatura ou em estudos futuros.

CONCLUSÕESOs resultados deste estudo sugerem que os médicos

de MGF estão atentos à implementação e aplicação decritérios de qualidade na redação dos relatórios de en-doscopias digestivas altas e colonoscopias. O conheci-mento e a capacidade de avaliação da presença destescritérios nos exames permitem aos médicos distinguira qualidade de alguns exames e, assim, aumentar ou di-minuir a confiança nos mesmos. Contudo, é necessá-ria formação adicional para que ocorra uniformizaçãona aplicação e interpretação dos mesmos.A parceria e reuniões de trabalho entre médicos de

família e gastrenterologistas que realizam os examesendoscópicos pode ser importante para melhorar o co-nhecimento dos profissionais de ambas as especiali-dades.

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAMariana Barreto

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0003-0616-8018

Recebido em 17-07-2019Aceite para publicação em 16-01-2020

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ABSTRACT

QUALITY CRITERIA IN ENDOSCOPIC EXAMS: RELEVANCE FOR GENERAL PRACTITIONERSIntroduction: Gastrointestinal complaints are common reasons for visits to primary care settings. In some cases, endoscopicexaminations are deemed necessary. Reports of such procedures must contain various items classified as quality indicators, recommended by national and international guidelines. However, studies developed in other countries concluded that most reports are written incompletely.Aim: To assess the relevance given to the recommended quality criteria in endoscopic exams reports by general practitioners(GP).Methods:A multicentric and transversal study, including Portuguese general practice specialists and residents who accepted toparticipate in the present study. Data was collected by a digital questionnaire (googleforms®) between December 1st and February 28th, 2019. Variables included: age, gender, workplace, regional health association, professional category, site of examexecution, endoscopy, and colonoscopy quality criteria. We used SPSS® for the statistical analysis – descriptive and inferential(Mann-Whitney, Kruskal-Wallis). Ethical approval for this study was obtained from ARS Centro.Results:One hundred ten valid answers were obtained from the questionnaire: 74.5% were female, the median age of 32.4±7.4years, 77.0% were residents, 76.4% worked in a family health unit. Participants belonged to the five health administrative regions and the Azores. The majority (95.5%) of responders sent patients to private endoscopy units and considered the offeracceptable [3.7 +/- 1.0 (scale 1-5)]. There was a significant difference between the professional category and: description of theendoscope (p=0.010); of the colonoscope (p=0.021) and of the quality of the endoscopic reports (p=0.010).Conclusions: General practitioners should analyze the quality of the reports as an active participant in the diagnostic process.The existence of a small sample size not representative of the Portuguese GP population, is a study limitation. Participants con-sidered highly relevant to the presence of the majority of the recommended quality indicators and the uniformization of thereport content.

Keywords: Primary health care; Endoscopy; Digestive system.

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1. Médica Assistente de Medicina Geral e Familiar.2. Centro de Saúde de Ponta Delgada, Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel.3. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar.4. Médico Assistente Graduado de Ginecologia e Obstetrícia.5. Hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada).

INTRODUÇÃO

Até há poucos anos, o momento do nascimen-to era uma incógnita, esperando-se ansiosa-mente pelas palavras “é um menino” ou “éuma menina” e, de seguida, os pais contavam

se o bebé tinha todos os dedos das mãos e dos pés.Atualmente, graças aos diversos exames pré-natais dis-poníveis é possível saber muitas informações antes doparto, nomeadamente malformações causadas por al-terações cromossómicas.1-3

Telma Miragaia,1-2 Joana Fechado Nunes,2-3 André Forjaz de Sampaio,4-5 Sofia Feijó Correia1-2

Testes pré-natais não invasivospara rastreio de aneuploidias:revisão baseada na evidência

RESUMOObjetivos: Comparar a performance, limitações e custo-efetividade do teste pré-natal não invasivo baseado na medição deácido desoxirribonucleico (ADN) livre fetal com os testes tradicionais em grávidas.Fontes de dados: Bases de dados Guidelines Finder, TRIP database, CMA Infobase, The Cochrane Library, DARE, Bandolier e Pub-Med.Métodos de revisão: Pesquisa de meta-análises (MA), revisões sistemáticas (RS), ensaios clínicos controlados e randomizados(ECR) e guidelines publicados nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola, entre janeiro de 2013 e julho de 2018. Termos utili-zados: non-invasive prenatal test e cell-free fetal DNA. Foi utilizada a escala Canadian TASK Force na avaliação dos estudos, atri-buição dos níveis de qualidade da evidência e classificação de recomendação. Foram excluídos artigos repetidos ou que nãocumpriam os objetivos. O outcome selecionado foi a performance, limitações e custo-efetividade do teste.Resultados: Obtiveram-se 517 artigos, cumprindo 12 os critérios de inclusão: seis guidelines, duas RS e quatro RS com MA. Oteste pré-natal não invasivo baseado na pesquisa de ADN livre fetal apresenta melhor performance para as trissomias 21, 18 e13 que os testes tradicionais. A validade clínica do teste é superior para a trissomia 21. Não é um teste diagnóstico, devendoser confirmado por teste invasivo, se os resultados forem positivos ou inconclusivos e feito encaminhamento para aconselha-mento genético.Conclusões:O teste pré-natal não invasivo baseado na pesquisa de ADN livre fetal para as trissomias 21, 18 e 13 pode ser umaopção para grávidas de alto risco em vez da amniocentese. Se o teste for positivo ou inconclusivo deve ser confirmado por tes-te invasivo (II-2A). Apresenta limitações, nomeadamente se a idade gestacional for inferior a 10 semanas, obesidade, gravidezmúltipla ou neoplasia materna. Nestes casos, as grávidas devem ser estudadas. Atualmente, o custo-efetividade do rastreio se-quencial contingente é incerto e o rastreio universal não é custo-efetivo (III-C).

Palavras-chave: Teste pré-natal não invasivo; ADN livre fetal.

Prevê-se que a prevalência de malformações fetaisseja de cerca de 2%.4 As aneuploidias são alteraçõescromossómicas onde existe um cromossoma a mais oua menos. Estima-se que sejam a causa de 6-11% dosabortos e mortes neonatais e responsáveis por até0,65% dos recém-nascidos terem algum problema mé-dico significativo.5 A aneuploidia mais frequente é a tris-somia 21 (síndroma de Down), com uma prevalência de1/670 e a sua incidência aumenta com a idade mater-na, sendo de 1/1500 em mulheres com 25 anos e de1/100 aos 45 anos.6

Em Portugal, segundo os dados da European Sur-veillance of Congenital Anomalies (EUROCAT), a inci-dência de cromossomopatias varia entre 5-35 casos por

revisõesDOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12547

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10.000 nascimentos/ano. A aneuploidia mais frequen-te em Portugal é a síndroma de Down, com uma pre-valência média de 9,19 por cada 10.000 nascimentosnas últimas duas décadas. Apesar de a prevalência decromossomopatias se manter relativamente constante,o número de crianças nascidas com este problema temvindo a diminuir, muito à custa das interrupções dagravidez que duplicaram entre 2012 e 2015, provavel-mente devido à maior acessibilidade aos diagnósticospré-natais de aneuploidias.7

Inicialmente surgiram os testes invasivos como aamniocentese, biópsia de vilosidades coriónicas e cor-docentese, mas que apresentam risco de aborto de 0,1a 1,3%.8Nos anos 90 surge o rastreio combinado do pri-meiro trimestre, que é realizado entre a 11ª e a 13ª se-manas mais seis dias de gestação e que associa a idadematerna à determinação sanguínea materna de duassubstâncias fetoplacentárias: fração beta da hormonagonadotrofina coriónica humana (β-HCG) e proteína-A plasmática associada à gravidez (PAPP-A) com osmarcadores ecográficos, nomeadamente a translucên-cia da nuca e visualização (ou não) dos ossos própriosdo nariz.1,4,8-9 Este rastreio pode levar a uma taxa de de-teção de trissomia 21 de até 95%, com uma taxa de fal-sos positivos de 5%. A taxa de deteção de trissomias 18e 13 poderá chegar, respetivamente, aos 97% e 92%, deacordo com alguns estudos. Os restantes rastreios nãoinvasivos tradicionais têm taxas de falsos positivos deaproximadamente 5% e taxas de deteção que variamentre 50% e 95% dependendo da estratégia utiliza-da.1,8,10-11

Outro dos métodos frequentemente utilizados emPortugal para o rastreio de aneuploidias é o rastreiobioquímico do segundo trimestre, que deve ser reali-zado entre a 14ª semana e a 22ª semana mais seis diasde gestação e que é utilizado quando não se conseguerealizar o rastreio combinado do primeiro trimestre porjá ter ultrapassado as 14 semanas de gestação. Nestecaso é utilizada a determinação serológica materna dequatro substâncias, sendo elas a alfa-fetoproteína(AFP), β-HCG, estradiol (µE3) e inibina-A. Este métodotem a vantagem de também poder determinar o riscode defeitos do tubo neural por usar a AFP.1

O rastreio sequencial passo-a-passo, em que pri-meiro é feito o rastreio combinado do primeiro trimes-tre e depois se utilizam os seus resultados para também

calcular o risco do rastreio bioquímico do segundo tri-mestre, é outro método disponível.1

Recentemente surgiram novos testes não invasivosbaseados na pesquisa e análise de fragmentos de ADNlivre fetal (que, apesar do nome, não deriva do feto, masda camada de citotrofoblasto das vilosidades corióni-cas) no sangue materno que, segundo os seus promo-tores, terão uma performance muito superior aos tra-dicionalmente utilizados (maior sensibilidade, especi-ficidade e possibilidade de serem realizados numa ida-de gestacional mais precoce).12

No Sistema Nacional de Saúde Português é disponi-bilizado à maioria das grávidas o rastreio combinado doprimeiro trimestre.4,9 As que cumprem os requisitos clí-nicos para realizar diagnóstico pré-natal devem ser en-caminhadas para os cuidados de saúde secundários.Estes critérios estão publicados em Diário da Repúbli-ca, no Despacho n.º 5411/97, e são: idade materna su-perior a 35 anos; filho anterior portador de cromosso-mopatia; progenitor portador de cromossomopatiaequilibrada; alteração dos valores dos marcadores se-rológicos maternos; risco elevado de recorrência dedoença genética não cromossómica e risco elevado deefeito teratogénico (infecioso, medicamentoso, outro).13

Com esta revisão pretendeu-se responder à questãose será este teste uma opção enquanto rastreio de pri-meira linha, pelo que o objetivo deste estudo foi revera evidência disponível sobre a performance, limitaçõese custo-efetividade do teste pré-natal não invasivo ba-seado na medição de ADN livre fetal em comparaçãocom os testes tradicionais.

MÉTODOSFoi realizada uma pesquisa de meta-análises (MA),

revisões sistemáticas (RS), ensaios clínicos controladose randomizados (ECR) e guidelines publicados nas ba-ses de dados Guidelines Finder,TripDatabase,CMA-In-fobase, The Cochrane Library, DARE, Bandolier e Pub-Med, entre janeiro de 2013 e julho de 2018, nas línguasinglesa, portuguesa e espanhola. Foram utilizados ostermos de pesquisa non-invasive prenatal test e cell--free fetal DNA.

Foram incluídos na revisão artigos que cumprissemos seguintes critérios: a) População: grávidas; b) Inter-venção: teste pré-natal não invasivo para pesquisa de trissomias através de análise de ADN livre fetal;

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c) Comparação: testes não invasivos tradicionais paradeteção de trissomias; d) Outcome: performance (sen-sibilidade, falsos positivos, valor preditivo positivo), li-mitações e custo-efetividade. Foram excluídos os arti-gos que não cumpriam os objetivos ou os critérios deinclusão e os artigos repetidos.

Os autores utilizaram a escala Canadian TASK Force(Tabela 1) na avaliação dos estudos e atribuição dos ní-veis de qualidade da evidência e classificação de reco-mendação.

RESULTADOSDa pesquisa obtiveram-se 517 artigos. No fluxogra-

ma da Figura 1 encontra-se descrito o processo de se-leção dos artigos. Foram incluídos os seguintes artigos:quatro RS com MA, duas RS e seis guidelines.

Das quatro RS com MA incluídas nesta revisão (Ta-bela 2), a primeira foi efetuada por Taylor-Phillips e co-laboradores em 2015. Analisou 11 estudos caso-con-trolo, 29 coortes e um estudo com tipologia pouco cla-ra. O outcomeavaliado foi a validade da pesquisa e aná-

lise de ADN livre fetal para rastreio das trissomias 21,18 e 13. A maioria dos estudos (30) avaliou gravidezesúnicas e tinha como amostra grávidas com alto riscopara aneuploidias. Apenas seis estudos tiveram umaamostra da população obstétrica no geral. O risco deviés foi elevado na maioria dos estudos. Em 29 estudosmais de 20% da população foi testada no segundo outerceiro trimestre, quando a fração de ADN livre fetal émais alta, logo, aumentando a validade do teste. A sen-sibilidade do teste foi maior para a trissomia 21 e me-nor para a 18 e 13. Foi mais baixa quando o teste era rea-lizado no primeiro trimestre, na população em geral eem gravidezes gemelares, e mais alta quando realizadoem grávidas de alto risco. Apesar das técnicas de análi-se de ADN livre fetal utilizadas variarem entre estudos,tal não pareceu afetar a validade do teste. A percenta-gem de testes que falhou variou entre 0% a 12,7%. Exis-te alguma evidência de que a percentagem de falha émaior quando a idade gestacional é mais baixa ou na presença de trissomia. A aplicabilidade dos resulta-dos foi motivo de preocupação, porque os dados das

Qualidade da avaliação da evidência Classificação das recomendações

I: Evidência obtida a partir de pelo menos um ensaio clínico A: Existe evidência de boa qualidade para recomendar aapropriadamente randomizado. atividade clínica preventiva.

II-1: Evidência obtida a partir de ensaios controlados bem B: Existe evidência de moderada qualidade para recomendar adesenhados sem randomização. atividade clínica preventiva.

II-2: Evidência obtida a partir de coortes bem desenhados C: A evidência existente é conflituosa e não permite realizar(prospetivo ou retrospetivo) ou estudos caso-controlo, recomendações a favor ou contra a atividade clínicapreferencialmente provenientes de mais do que um centro ou preventiva. No entanto, outros fatores podem influenciar agrupo de investigação. tomada de decisão.

II-3: Evidência obtida a partir de comparações entre tempos ou D: Existe evidência de moderada qualidade para recomendarespaços com ou sem intervenção. Resultados dramáticos em contra a atividade clínica preventiva.estudos não-controlados (como os resultados do tratamento com penicilina em 1940) também podem ser incluídos na categoria.

III: Opiniões de autoridades respeitadas, baseadas na E: Existe evidência de boa qualidade para recomendar contra aexperiência clínica, estudos descritivos ou relatórios de comités atividade clínica preventiva.de especialistas.

I: A evidência é insuficiente (em quantidade ou qualidade) para fazer uma recomendação, no entanto, outros fatores podem influenciar a tomada de decisão.

TABELA 1. Chave para a classificação de evidência e atribuição de graus de recomendação utilizando a escala daCanadian Task Force on Preventive Health Care

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populações às quais seriaaplicado o rastreio são pou-cos. Na população em ge-ral, onde a prevalência detrissomia é mais baixa, ovalor preditivo positivo doteste seria mais baixo e onúmero de falsos positivosmaior.14

A MA de Mackie e cola-boradores (Tabela 2) in-cluiu apenas estudos decoorte para diminuir o ris-co de viés, sendo poucosaqueles que avaliavam atrissomia 13. O outcomeavaliado foi a validade dapesquisa e análise de ADNlivre fetal. Nos estudos ava-liados nesta MA a descriçãodas causas e implicaçõesde falsos positivos, falsosnegativos e resultados in-conclusivos foi escassa. Al-guns estudos não imple-mentaram controlo dequalidade nas diferentesetapas, o que dificulta a in-terpretação e comparaçãodos dados. O facto de dife-rentes tipos de técnicas te-rem sido utilizadas para aanálise de ADN livre fetalnas trissomias 21 e 18 nãoteve efeito significativo, as-sim como o risco popula-cional. Dos estudos quedescreveram resultados in-conclusivos (14 em 31 natrissomia 21; 12 em 24 natrissomia 18; e todos os 16estudos para a trissomia13) e falsos resultados, ape-nas alguns referem as possíveis causas, como falha doteste, pequena fração de ADN livre fetal na amostra oumosaicismo. Novamente realçam o impacto da baixa

prevalência de aneuploidias no valor preditivo positi-vo e percentagem de falsos positivos do teste. Esta MAconfirma a existência de evidência suficiente que

Pesquisa inicial

517 Artigos

Leitura do título

62 Artigos incluídos

Leitura do resumo

33 Artigos incluídos

Leitura do artigo integral

14 Artigos incluídos

12 Artigos incluídos(4MA com RS, 2RS, 6

guidelines)

455 Excluídos

29 Excluídos

19 Excluídos

2 incluídos nas MAcom RS

Tema diferenteArtigos repetidos

Tema diferenteIncumprimento critérios

elegibilidadeArtigos de opinião

Incumprimento critérioselegibilidade

Artigos de opinião

Figura 1. Fluxograma da seleção dos artigos.Legenda: MA com RS = Meta-análises com revisões sistemáticas; RS = Revisões sistemáticas.

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Referência Nº de estudos Resultados Comentários NE*

Taylor-Phillips, 41 estudos (29 coortes, T21: S 99,3% (98,9%-99,6%) A avaliação de qualidade identificou II-2et al. (2015)14 11 caso-controlo, 1 com T18: S 97,4% (95,8%-98,4%) elevado risco de viés nos estudos

tipologia pouco clara) T13: S 97,4% (86,1%-99,6%) incluídos e a avaliação dos gráficosem funil viés de publicação.

Nº estudos: Especificidade para as três:T21=41 99,9% (99,9%-100%) Análise dividida em grávidas de altoT18=37 risco e população geralT13=30 População geral:1997 – Fevereiro 2015 T21: S 95,9% E 99,9%

T18: S 86,5% E 99,8%T13: S 77,5% E > 99,9%

População de alto risco:T21: S 97% E 99,7%T18: S 93% E99,7%T13: S 95% E 99,9%

Mackie, et al. 117 coortes T21: S 99,4% (98,3%-99,8%) Incluíram grávidas com diferentes II-2(2016)15 T18: S 97,7% (95,2%-98,9%) tipos de risco para aneuploidias.

1997 – Abril 2015 T13: S 90,6% (82,3%-95,8%) A população incluía apenasgravidezes únicas.

T21: E 99,9% (99,9%-100%)T18: E 99,9% (99,8%-100%)T13: E 100% (99,9%-100%)

Iwarsson, et al. 32 estudos População geral: Primeira meta-análise que usou II-2(2016)16 (23 coortes T21: S 99,3% (95,5%-99,9%) GRADE para avaliar a qualidade.

9 caso-controlo) E 99,9% (99,8%-99,9%)T18 e T13: S e E não calculado p/ Análise dividida em grávidas de alto

1998 – Abril 2015 poucos estudos risco e população geral.

População de alto risco:T21: S 99,8% (98,1%-99,9%)T18: S 97,7% (95,8%-98,7%)T13: S 97,5% (81,8%-99,7%)

E 99,9% (99,8%-99,9%) para as 3 trissomias

Falsos positivos: 2,7%-30%Falsos negativos: < 0,01

Gil, et al. 35 estudos T21: S 99,7% (99,1%-99,9%) Maioria dos estudos só incluía II-2(2017)17 T18: S 97,9% (94,9%-99,1%) grávidas de alto risco.

Janeiro 2011 – T13: S 99,0% (65,8%-100%)Dezembro 2017 Excluídos caso-controlo.

Falsos positivos de 0,04% para as 3 trissomias Análise bi-variada.

TABELA 2. Revisões sistemáticas com meta-análises

Legenda: NE = Nível de evidência; T21 = Trissomia 21; T18 = Trissomia 18; T13 = Trissomia 13; ADN = Ácido desoxirribonucleico; S = Sensibilidade;

E = Especificidade.

Nota: Intervalos de confiança calculados a 95%.

*Nível de evidência atribuído pelas autoras.

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suporta a validade e reprodutibilidade da pesquisa eanálise de ADN livre fetal, permitindo a sua introduçãona prática clínica como teste de rastreio. No entanto,ainda não é claro em que tipo de rastreio deve ser inte-grado (como primeira linha ou sequencial contingen-te).15

A MA de Iwarsson e colaboradores (Tabela 2) incluiu23 estudos coorte e nove caso-controlo. Foi a primeiraMA a usar a escala GRADE para determinar a confian-ça nas estimativas combinadas da sensibilidade e es-pecificidade. Os autores concluíram, com evidência dequalidade moderada, que o teste baseado em ADN li-vre fetal tem boa performance como teste de rastreiopara a trissomia 21 na população geral. Para as trisso-mias 13 e 18, os dados são muito limitados pelo quemais estudos são necessários. Como vantagens desteteste referem a deteção de mais gravidezes com aneu-ploidias e a diminuição do número de grávidas que ne-cessitam de um exame invasivo. O maior fator limitati-vo continua a ser o preço que, pelo menos, é o dobrodo rastreio combinado. Os autores referem que apesarda taxa de falsos positivos ser baixa, as grávidas devemconfirmar o resultado do teste baseado no ADN livre fe-tal com um teste invasivo, se considerarem colocar fimà gravidez.16

Na MA de Gil e colaboradores (Tabela 2), publicadaem 2017, foram excluídos os estudos caso-controlo,uma vez que estes tendem a sobrestimar a performan-ce dos testes e porque eram os estudos mais antigosutilizando tecnologias piores. Os autores utilizaram aanálise bivariada porque este modelo de análise tem emconta não só a heterogeneidade entre estudos na taxade deteção e na taxa de falsos positivos, mas também acorrelação negativa entre estas duas estatísticas. Os au-tores concluíram que, nas gravidezes únicas, o rastreiobaseado no ADN livre fetal tem performance superioraos testes tradicionais para as trissomias 21, 18 e 13. Noentanto, a implementação deste teste como rotina deveser cautelosa, uma vez que os estudos englobados naMA têm alto grau de viés, podendo sobrestimar a per-formance do teste. Os autores defendem que o rastreiosequencial contingente poderá levar a uma elevada taxade deteção e diminuição dos testes invasivos. Assim, oresultado do rastreio combinado estratificaria a popu-lação em três grupos: alto risco, que necessitava de testes invasivos; risco intermédio, que beneficiaria do

teste com ADN livre fetal; e baixo risco, que não neces-sitava de nenhuma intervenção subsequente.17

As duas RS (Tabela 3), que preenchiam critérios deinclusão para o presente artigo, são ambas de 2017 eabordam o impacto económico do teste com ADN livrefetal em comparação com os testes tradicionais. A RSde Nshimyumukizat e colaboradores englobou 16 es-tudos comparativos de ADN livre fetal versus testes derastreio convencionais (12 relativos ao rastreio univer-sal e 13 ao rastreio contingente), publicados entre 2012e 2015. A maioria dos artigos (n=11) considerou, na suaanálise de custos, apenas os custos diretos do rastreioe/ou diagnóstico das aneuploidias. Relativamente àqualidade dos artigos analisados pelos autores, a maio-ria era de qualidade moderada. Para comparar o cus-to-efetividade do teste de ADN livre fetal, os autoresconstruíram dois diagramas com quatro quadrantes,onde o eixo das abcissas representa o nível de outcomee o eixo das ordenadas o custo e compararam o uso doteste de ADN livre fetal como rastreio universal versusestratégias de rastreio convencionais e ainda o teste deADN livre fetal como rastreio sequencial contingenteversus testes de rastreio convencionais. O teste de ADNlivre fetal (como rastreio universal ou sequencial con-tingente) era considerado dominante se o estudo o lo-calizasse no canto inferior direito do diagrama (altooutcome e baixo custo) e era considerado dominado secolocado no canto superior esquerdo do diagrama (bai-xo outcome e alto custo). Quando colocados nos outrosquadrantes (canto superior direito ou canto inferior es-querdo), os autores analisaram os rácios de custo-efe-tividade. Na comparação entre o teste de ADN livre fe-tal universal versus o teste de rastreio convencional,quatro dos 12 estudos consideraram que o teste de ADNlivre fetal domina o teste de rastreio convencional. Umestudo considera que o teste de ADN livre fetal é do-minado entre utilizadoras dos 20-39 anos. Nove estu-dos consideraram que ele é efetivo, mas aumenta oscustos e sete estudos consideraram que o teste de ADNlivre fetal como rastreio universal não é uma estratégiacusto-efetiva. Um estudo considerou que é uma estra-tégia custo-efetiva para utilizadoras com 40 ou maisanos. Em relação à comparação do teste de ADN livrefetal como rastreio sequencial contingente versuso tes-te de rastreio convencional, três estudos consideraramque o teste de ADN livre fetal como rastreio sequencial

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contingente é dominante, um considerou que era do-minante entre as idades 20-39 anos, mas para as utili-zadoras com 40 ou mais anos era a estratégia com me-nos custo, mas que produzia menos Quality-AdjustedLife Years e, por isso, não é custo-efetiva. Dois estudosconsideraram-na com menos custos e menos efetiva.Seis estudos consideraram que aumentou os custos eos benefícios, sendo por isso custo-efetiva, desde queo aumento do custo por outcome não supere a vonta-de de pagar. Os autores concluíram que, quando com-paramos o custo-efetividade do teste de ADN livre fe-tal com os testes convencionais, os resultados são he-terogéneos, dependendo da metodologia e contexto doestudo, e a sua interpretação deve ser cautelosa. As va-riáveis incertas mais comuns foram: preço unitário doteste de ADN livre fetal; os cut-offs de risco para o ras-treio na prática atual; taxas de resposta ao rastreio (deprimeira e segunda linha); e taxas de resposta ao ras-treio diagnóstico invasivo e respetivos custos. Apesardisso, o teste de rastreio com ADN livre fetal parece não

ser custo-efetivo para programas de rastreio públicosuniversais, exceto se o seu preço descer substancial-mente e se se considerar a inclusão de outras cromos-somopatias no teste. Assim, os autores consideraramque, por agora, uma abordagem sequencial contingenteé mais custo-efetiva.18

A RS de García-Pérez e colaboradores (Tabela 3) en-globou 12 estudos, quatro deles europeus, publicadosentre 2012 e 2016, que comparavam as estratégias derastreio com testes convencionais versus estratégias derastreio com o teste de ADN livre fetal, universal ou se-quencial contingente, com o objetivo de avaliar o cus-to-efetividade em termos de números de casos de aneu-ploidias detetadas e de número de técnicas invasivascom possibilidade de perda fetal (amniocentese, bió-psia de vilosidades coriónicas) evitadas, avaliando osestudos com a mesma estratégia da RS de Nshimyu-mukizat, onde a utilização do teste de ADN livre fetal éconsiderada dominante ou dominada. Os estudos obtiveram resultados heterogéneos, especialmente os

Referência Nº de estudos Intervenção Resultados Comentários NE*

Nshimyumukizat, 16 estudos Teste ADN fetal vs testes 12 estudos: R. universal Se for considerada a IIIet al. (2017)18 Janeiro 2009 tradicionais (marcadores Teste ADN livre fetal possibilidade de baixa de

– Janeiro 2016 bioquímicos com ou sem como teste de 1ª linha preço do teste e atranslucência da nuca não é custo-efetivo na expansão para incluire/ou idade maternal) maioria dos estudos. outras cromossomopatias,

futuros estudos são13 estudos: R. contingente necessários para analisar3: custo-efetivo o potencial custo-9: neutro -efetividade da2: não custo-efetivo implementação comoA maioria dos estudos teste de 1ª linha.tem baixa qualidade.

Garcia Pérez, 12 Estudos Teste AND fetal vs testes 9 estudos: R. universal Custo-efetividade do IIIet al. (2017)19 (4 Europeus) tradicionais Mais eficaz, mas mais rastreio contingente é

caro, com aumento muito incerto enquanto oJaneiro 2009 grande do custo. rastreio universal não é– Janeiro 2016 atualmente custo-efetivo.

9 estudos: R. contingenteResultados heterogéneos.

TABELA 3. Revisões sistemáticas: impacto económico

Legenda: NE = Nível de evidência; R = Rastreio; ADN = Ácido desoxirribonucleico.

*Nível de evidência atribuído pelas autoras.

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que usavam o teste de ADN livre fetal como rastreio se-quencial contingente, parecendo que os resultados de-pendem das seguintes variáveis: cut-offsdo teste de ras-treio, idade das mulheres, perspetiva do utilizador/sis-tema de saúde e taxa de adesão ao teste de rastreio se-quencial contingente. O teste de ADN livre fetal comorastreio universal parece ser mais efetivo que as abor-dagens convencionais, mas o custo é superior, sendouma estratégia que de momento não é custo-efetivapara a população em geral. Os autores referem que umadas vantagens do rastreio com teste de ADN livre fetalcomo rastreio sequencial contingente é a diminuiçãodos testes invasivos e, consequentemente, menoresperdas fetais.19

No Canadá, a guideline da Society of Obstetriciansand Gynaecologists of Canada (Tabela 4) refere que oteste pré-natal não invasivo utilizando ADN livre fetalpara rastreio de trissomia 21, 18 e 13 pode ser uma op-ção disponível para as grávidas com alto risco paraaneuploidia fetal em vez da amniocentese. O aconse-lhamento destas mulheres antes da realização do exa-me deve incluir a discussão das suas limitações, no-meadamente o facto de não ser um teste diagnóstico,tendo uma maior taxa de falsos positivos comparativa-mente a estes (motivo pelo qual não deve levar a umainterrupção da gravidez sem ser feito antes um testeconfirmatório invasivo) e ser inconclusivo em algumassituações. Se teste positivo, o resultado deve ser confir-mado com teste diagnóstico invasivo. Esta guidelinemenciona que apesar de a pesquisa de ADN livre fetalpara rastreio de trissomias ser promissora, enquantoteste de rastreio, são necessários mais estudos em grá-vidas de médio risco e uma redução significativa doscustos do teste antes de substituir os métodos atuais derastreio.2

A Society for Maternal-Fetal Medicine Consult Series(Tabela 4) conclui que as candidatas ótimas para reali-zação de teste pré-natal não invasivo, utilizando ADNlivre fetal para rastreio de trissomia 21, 18 e 13 por ro-tina, são aquelas com fatores de risco para as aneu-ploidias descritas. Esta sociedade não recomenda a uti-lização do teste para a pesquisa de microdeleções porter um valor preditivo positivo baixo e utilidade clínicapouco clara.20

O American College of Obstetricians and Gynaecolo-gists (Tabela 4) aconselha que a todas as mulheres seja

oferecido o rastreio de aneuploidias. A escolha do tes-te depende de várias características, como desejo deinformação antes do parto, história obstétrica e fami-liar, número de fetos e disponibilidade de recursos. Re-fere-se que nenhum teste é superior em todas as ca-racterísticas, que cada um tem vantagens e desvanta-gens, dependendo a escolha das características e dese-jos da utente e da disponibilidade dos testes na regiãoem questão. Às mulheres que recebem um resultado ne-gativo de um teste de rastreio não devem ser oferecidosmais testes de rastreio por aumentar a probabilidade defalsos positivos.21

O American College of Medical Genetics and Geno-mics (Tabela 4) refere que as grávidas devem ser infor-madas de que o teste pré-natal não invasivo utilizandoADN livre fetal para rastreio de trissomia 21, 18 e 13 é omais sensível. Se o resultado for positivo devem ser re-ferenciadas a um geneticista treinado e ser-lhes ofere-cido teste diagnóstico. Se o resultado for inconclusivodevem igualmente ser encaminhadas para teste diag-nóstico. Menciona-se que a performance do teste po-derá ser alterada se aplicado a grávidas com menos de10 semanas de gestação, obesas, na presença de mo-saicismo, gravidez múltipla, gémeo não evolutivo, neo-plasia materna, dissomia uniparental ou consanguini-dade. Nestas situações deve ser oferecido outro teste,que não a pesquisa de ADN livre fetal. O facto de poderser realizado cedo na gestação (a partir das 10 semanas)constitui uma vantagem em comparação com os testestradicionais. Tal como a Society for Maternal-Fetal Me-dicine Consult Series, não recomenda a utilização des-te teste para pesquisa de outro tipo de aneuploidias.8

A Joint Society of Obstetricians and Gynaecologists ofCanada-Canadian College of Medical Geneticists(Tabela 4)menciona que, de momento, oferecer a aná-lise de ADN livre fetal a todas as grávidas como teste deprimeira linha do rastreio não é financeiramente viávelna maioria das regiões. Refere-se, no entanto, que oferecer este teste num modelo de rastreio sequencialcontingente seria mais viável, no qual a pesquisa deADN livre fetal seria oferecida a mulheres com um ras-treio convencional positivo ou de alto risco, que dese-jassem evitar um teste diagnóstico invasivo. Neste mo-delo, o cut-off teria de ser ajustado para se obter umataxa de deteção e falsos positivos semelhantes às obti-das com a pesquisa de ADN livre fetal como rastreio de

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primeira linha (especialmente quando se consideramas taxas de resultados inconclusivos ou falsos negativosda pesquisa de ADN livre fetal). Esta guideline apontatambém para o facto de que, embora a sensibilidade ea especificidade do teste serem semelhantes numa po-pulação de alto risco, o valor preditivo positivo é maisbaixo na população em geral devido à menor preva-lência de aneuploidias fetais, o que significa que exis-tirão mais falsos positivos. Por exemplo, para um testecom sensibilidade de 93% para trissomia 21 e especifi-cidade de 99,8%, dada a prevalência de 1/1000 para sín-droma de Down numa população de mulheres com 25anos, apenas uma em cada três mulheres com um re-sultado anormal terão um feto com anomalia, isto é, umvalor preditivo positivo de 33%, enquanto numa popu-lação de mulheres de 40 anos, em que a prevalência éde 1/75, o valor preditivo positivo será de 87%.22

O Royal Australian and New Zealand College of Obs-tetricians and Gynaecologists (Tabela 4) refere que apesquisa de ADN livre fetal ou o rastreio bioquímicocombinado do primeiro trimestre são ambos testesaceitáveis como rastreio de primeira linha de aneu-ploidias no primeiro trimestre, enquanto no segundotrimestre quer a pesquisa de ADN livre fetal quer o ras-treio quádruplo são igualmente aceitáveis, dependen-do em ambos os casos a escolha de um ou de outro dosrecursos locais e das características demográficas e in-dividuais das grávidas. As grávidas devem receber acon-selhamento antes de serem submetidas à pesquisa deADN livre fetal, nomeadamente quanto à possibilida-de de resultados inesperados. A opção de efetuar a pes-quisa de ADN livre fetal como teste de segunda linha,se risco aumentado de aneuploidia após teste de pri-meira linha, deve ser discutido com todas as mulheres,

Referência Recomendação NE e FR*

Society of Obstetricians and O teste pré-natal não invasivo utilizando ADN fetal para rastreio de II-2AGynaecologists of Canada (2013)2 trissomia 21, 18 e 13 pode ser uma opção disponível para as grávidas de

alto risco em vez da amniocentese.

Society for Maternal-Fetal Medicine Candidatas ótimas para teste pré-natal não invasivo utilizando ADN fetal: II-2AConsult Series (2015)20 idade superior a 35 anos na altura do parto; alterações ecográficas

sugestivas de T21, T18 ou T13.

American College of Obstetricians A pesquisa de AND livre fetal não é um teste diagnóstico, pelo que não I-Aand Gynaecologists (2016)21 deve ser usado como tal.

Se resultado positivo ou inconclusivo, deve ser-lhes oferecido aconselhamento genético e teste diagnóstico.

American College of Medical As grávidas devem ser informadas de que o teste pré-natal não invasivo II-2AGenetics and Genomics (2016)8 utilizando ADN fetal para rastreio de trissomia 21, 18 e 13 é o mais sensível.

Joint Society of Obstetricians and No presente, oferecer a pesquisa e análise de ADN fetal a todas as grávidas III-AGynaecologists of Canada-Canadian como teste de primeira linha do rastreio não é financeiramente viável naCollege of Medical Geneticists (2017)22 maioria das províncias.

Oferecer este teste num modelo de rastreio sequencial contingente é uma opção mais viável.

Royal Australian and New Zealand O rastreio bioquímico combinado do primeiro trimestre e a pesquisa de III-BCollege of Obstetricians and ADN livre fetal são ambos testes aceitáveis como rastreio de primeiraGynaecologists (2018)23 linha de cromossomopatias no primeiro trimestre, dependendo a escolha

de um ou de outro dos recursos locais e das características demográficas e individuais das grávidas.

TABELA 4. Guidelines

Legenda: NE = Nível de evidência; FR = Força de recomendação; ADN = Ácido desoxirribonucleico.

*Força de recomendação atribuída pelas autoras.

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devendo estas receber aconselhamento por um profis-sional de saúde com treino adequado. Antes da toma-da de decisões definitivas, como o término da gravi-dez, deve ser utilizado um teste diagnóstico.23

CONCLUSÕESPerante a evidência disponível, a pesquisa de ADN

livre fetal no sangue materno, apesar de ter uma me-lhor sensibilidade e menor número de falsos positivospara as trissomias 21, 18 e 13 em comparação com ostestes tradicionais, não é custo-efetiva como exame deprimeira linha no rastreio universal, sendo o custo-efe-tividade do rastreio sequencial contingente ainda in-certo (III-C qualidade de evidência fraca, recomenda-ção fraca). Os estudos existentes são ainda de fraca-moderada qualidade para que se possa tomar uma de-cisão com uma evidência robusta. Para as grávidas dealto risco poderá ser uma opção como exame de pri-meira linha no rastreio de aneuploidias (II-2A qualida-de de evidência moderada, recomendação forte).

É ainda importante considerar que o teste tem umamenor performance,apresentando maior percentagemde resultados falsos positivos ou resultados inconclu-sivos se for realizado antes das 10 semanas de gestação;em mulheres obesas (20% de falha se o peso for supe-rior a 114Kg e 50% de falha se o peso for superior a158Kg); na presença de mosaicismo (10 a 15% do ADNlivre fetal presente no sangue materno é de origem pla-centária); neoplasia materna; gravidez múltipla; gémeonão evolutivo; dissomia uniparental; ou na presençade consanguinidade.8,14-15,20

A proporção e a qualidade de ADN livre fetal presen-te na amostra pode condicionar igualmente a perfor-mancedo teste (uma baixa fração fetal na amostra podeocorrer em aproximadamente 4% dos casos, associada,nomeadamente, a risco de aneuploidia, peso elevado ouidade gestacional inferior a 10 semanas). Por este moti-vo, todos os laboratórios deveriam incluir nos relatóriosa fração fetal e especificar a razão pela qual o resultadofoi inconclusivo, o que nem sempre acontece.8,15,20,22

O facto da idade gestacional, gravidez múltipla e apresença de gémeo não evolutivo, por exemplo, pode-rem interferir com a qualidade do teste faz com queseja indispensável a realização de uma ecografia de boaqualidade prévia ao exame. Note-se também que o teste de rastreio de aneuploidias realizado atualmente,

ao contrário da pesquisa e análise de ADN livre fetal,pode detetar outras alterações para além das aneu-ploidias, como a pré-eclâmpsia, a restrição do cresci-mento fetal ou defeitos do tubo neural, pelo que devecontinuar a ser oferecida às grávidas a ecografia e, even-tualmente, a pesquisa de alfa-fetoproteína.22

O facto de nem todos os estudos compararem os tes-tes pré-natais não invasivos com testes de diagnóstico,de existirem diferentes cut-offs para rastreio positivo(risco aumentado) definidos por cada laboratório e denão haver estudos comparativos entre laboratóriosconstituem limitações.8,22

É importante referir que o valor preditivo positivodeste teste varia de acordo com a idade e o tipo de po-pulação. A generalização dos valores preditivos positi-vos e negativos encontrados nos estudos avaliados en-contra-se limitada, porque a prevalência da trissomiana maioria dos estudos não é representativa da popu-lação em geral, na medida em que muitos estudarampopulações de alto risco. O ideal, aquando da obtençãode um resultado positivo, seria a disponibilização do va-lor preditivo positivo específico do utente ou o deriva-do da população em questão, quando o primeiro nãopuder ser determinado, para uma melhor interpreta-ção, o que nem sempre acontece.8,14-15,22

A utilização de diferentes metodologias para análisede ADN livre fetal nos vários estudos constitui uma li-mitação. Independentemente desta limitação, a taxade deteção de síndroma de Down foi superior à dos tes-tes tradicionais. A validade clínica do teste não é tão boapara as trissomias 13 e 18; no entanto, a sensibilidadeé superior à dos testes tradicionais, com um menor nú-mero de falsos positivos, como acontece para a trisso-mia 21. Estes dados relativos à trissomia 13 e 18 pode-rão ser menos fiáveis em comparação aos obtidos paraa trissomia 21, por evidência de menor qualidade de-vido à escassez de dados, pequeno número de casos detrissomia 13 e 18 nas amostras incluídas nos estudos emaior grau de viés.8,16-17,20,22

Dado o valor demonstrado da pesquisa e análise defragmentos de ADN livre fetal no sangue materno emgrávidas com risco aumentado para aneuploidias, esteteste poderia ser considerado uma opção para as grávidas com risco aumentado com base em alteraçõesnos testes de rastreio tradicionais e que quisessem evitar testes de diagnóstico invasivos.20,22

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Antes deste método substituir os métodos de ras-treio universal atuais ou de poder ser considerado comoum método de rastreio sequencial contingente previa-mente à realização de testes invasivos a grávidas de ris-co intermédio-alto, seriam necessários mais estudosde custo-efetividade bem desenhados e que avalias-sem a performancede diferentes estratégias de rastreio,tendo em conta que nos estudos até agora efetuados fo-ram poucos aqueles cuja população era constituída porgrávidas de baixo ou médio risco para aneuploidias. Seo custo do teste baixar e passar a incluir outras cro-mossomopatias, novos estudos serão necessários paraanalisar o potencial custo-efetividade como teste deprimeira linha.14-15,17-19,22

Em todos os casos, este teste exige aconselhamentopré-teste acerca dos seus benefícios/limitações, o aces-so a ecografia de boa qualidade prévia ao exame e a ne-cessidade de referenciação e acompanhamento espe-cializado, se o teste for positivo, por um geneticista.16,20-22

Fica a questão de que tipo de abordagem deve seroferecida às mulheres quando a pesquisa e análise defragmentos de ADN livre fetal é positiva e o teste dediagnóstico é negativo.

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Obstetrics/Prenatal-screening_1.pdf?ext=.pdf

CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

FINANCIAMENTOO trabalho relatado neste manuscrito não foi objeto de qualquer tipo de

financiamento externo.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIATelma Monteiro Miragaia

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0001-8695-6860

Recebido em 08-12-2018Aceite para publicação em 16-02-2020

ABSTRACT

NON-INVASIVE PRENATAL TESTS FOR ANEUPLOIDIES SCREENING: AN EVIDENCE-BASED REVIEWObjectives:We aim to compare the performance, limitations, and cost-effectiveness of non-invasive prenatal cell-free fetalDNA test (cff-DNA), with the traditional tests in pregnant women.Data Sources: Guidelines Finder, TRIP database, CMA-Infobase, The Cochrane Library, DARE, Bandolier, and PubMed.Review methods:We searched for meta-analysis, systematic reviews, controlled and randomized clinical trials, and clinical gui-delines published in English, Portuguese, and Spanish languages between January 2013 and July 2018. Searched terms: “non-invasive prenatal test” and “cell-free fetal DNA”. The Canadian TASK Force scale was used to assess the studies’ qualityand to assign the level of evidence and strength of recommendation. The selected outcome was performance, limitations, andcost-effectiveness of the test.Results: The search provided 517 articles. Twelve met the inclusion criteria: two were systematic reviews, four were systema-tic reviews with meta-analysis, and six were clinical guidelines. The cff-DNA test has better performance to detect trisomy 21,18, and 13 than traditional tests. Its clinical validity is higher for trisomy 21. However, it’s not a diagnostic test. Therefore, a po-sitive or inconclusive result must be confirmed by a diagnostic test and the pregnant women referred for genetic counseling.Conclusions: The cff-DNA test could be an option to detect trisomy 21, 18, and 13 in the high-risk pregnant women, ratherthan amniocentesis. If the test result is positive or inconclusive, it must be confirmed by an invasive test (II-2A). It has some li-mitations like test performance before 10 weeks of gestational age, maternal obesity, multiple pregnancies, or maternal neo-plasia. In these situations, pregnant women should be studied. Currently, the cost-effectiveness of the contingent screening isuncertain, and the universal screening isn’t cost-effective (III-C).

Keywords: Non-invasive prenatal test; Cell-free fetal DNA.

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1. USF Infesta, ULS de Matosinhos.2. USF Caravela, ULS de Matosinhos.3. USF Maresia, ULS de Matosinhos.4. UCSP São Mamede, ULS de Matosinhos.

INTRODUÇÃO

Apatologia hemorroidária é uma condição deelevada prevalência e estima-se que os seussintomas afetem 50% das pessoas em algumafase da vida. Por esta razão, este é um motivo

frequente de recurso aos cuidados de saúde primários.1-2

Os sintomas são incomuns antes dos 20 anos, atingin-do-se o pico de incidência entre os 45 e os 65 anos. Aprevalência parece ser superior em caucasianos e clas-ses socioeconómicas superiores.3-5

Filipe Fontes Alves,1 Filipa Martins Guedes,2 Joana Oliveira Sousa,3 Carolina Macedo Abreu4

Flavonoides no controlo sintomático da patologiahemorroidária: uma revisãobaseada na evidência

RESUMOObjetivo:A doença hemorroidária é caracterizada pela dilatação dos plexos venosos hemorroidários. Os principais sintomas esinais são dor, prurido, secreção mucosa, sangramento e desconforto relacionado com o prolapso. Uma das opções terapêuti-cas são os flavonoides cuja eficácia continua a ser um ponto de debate controverso. Como tal, é objetivo do presente estudodeterminar, através de uma revisão baseada na evidência, se a utilização de flavonoides no controlo sintomático é uma opçãoterapêutica eficaz.Fontes de dados: National Guideline Clearinghouse, NICE Guidelines Finder, The Cochrane Library, DARE, Bandolier, MEDLINE ereferências bibliográficas dos artigos selecionados.Métodos de revisão: Definição dos critérios de inclusão pelo método PICO: População – Indivíduos com patologia hemorroi-dária sintomática; Intervenção – Flavonoide; Comparação – Placebo; Outcome – Eficácia do fármaco no controlo sintomático.Pesquisa de normas de orientação clínica, ensaios clínicos aleatorizados, revisões sistemáticas e meta-análises, utilizando ostermos MeSH Hemorrhoids e Flavonoids, publicados nos últimos 10 anos em Português, Inglês, Francês e Espanhol. Foi aplica-da a escala Strength of Recomendation Taxonomy, da American Academy of Family Physicians, para graduar a evidência e atri-buir uma força de recomendação às conclusões.Resultados: Da pesquisa resultaram 13 artigos, dois dos quais cumpriram os critérios de inclusão, com elevada qualidade cien-tífica e dos quais foram traçadas as conclusões, todos eles favoráveis ao uso dos flavonoides, mas com benefício variável deacordo com o sintoma explorado.Conclusões:A evidência disponível sugere existir benefício na utilização de flavonoides no controlo de sintomas de origem he-morroidária (versus placebo), estando a sua utilização recomendada no controlo da dor e da hemorragia (força de recomenda-ção A). É necessário ter em conta limitações como a subjetividade na avaliação de sintomas por parte dos doentes; a influên-cia da dieta; os flavonoides serem um grupo farmacológico vasto; não existir uma dosagem standard para o tratamento. Estu-dos adicionais são necessários para esclarecer estas questões.

Palavras-chave: Hemorroidas; Flavonoides.

O plexo venoso hemorroidário é uma estrutura ana-tómica normal do canal anal e a sua transformação pa-tológica pela alteração da drenagem venosa causa in-gurgitamento e estase vascular, associada a dilatação dotecido conectivo.1-2 Fatores que propiciam esta trans-formação incluem agressões repetidas como esforço

revisões DOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12581

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defecatório excessivo, obstipação crónica, dieta pobreem fibras, altas pressões intra-abdominais, gravidez,disfunção do pavimento pélvico, obesidade, influênciafamiliar, entre outros.2-3

O ingurgitamento do plexo hemorroidário leva aoaparecimento de sinais e sintomas como prurido, dor,retorragia, sensação de preenchimento da ampola re-tal com tenesmo defecatório e secreção mucosa comconsequente irritação cutânea. Os sintomas podem sercrónicos, surgir em episódios intensos vulgarmente de-nominados como «crise hemorroidária» ou uma com-binação progressiva de ambos.1,6 A retorragia é o sinalmais comum de apresentação,5 mas a dor é o sintomamais proeminente nos casos de hemorroidas prolap-sadas, geralmente quando estranguladas ou trombo-sadas.1 Este sintoma não está tradicionalmente asso-ciado a hemorroidas internas e, apesar de poder estarpresente, outros problemas devem ser explorados.4 Pelomenos 20% dos doentes que sofrem de patologia he-morroidária apresentam concomitantemente fissurasanais sintomáticas que requerem tratamento adicionalpara um alívio completo da dor.5 Um exame físico cui-dadoso, com inspeção da região anal e toque retal, deveser realizado a todos os doentes para avaliação da gra-vidade e descartar outras comorbilidades.1 A gravida-de da doença é comummente avaliada através de umaescala que guia a escolha entre tratamentos conserva-dores ou invasivos, focando-se na extensão do prolap-so e não no desconforto que os sintomas causam aodoente (Tabela 1).

A abordagem terapêutica das hemorroidas dependeda sua localização, grau e da existência de trombo. Asintervenções, para além da promoção da educação dodoente, devem minimizar os sintomas e prevenir a pro-gressão da doença.2 O tratamento conservador baseia-se na modificação da dieta/estilos de vida e uma ingestaadequada de fibras,5-6 estando na doença avançada re-comendada intervenção cirúrgica.1,6

Os flavonoides são um grupo farmacológico hetero-géneo, usado maioritariamente no tratamento de in-suficiência venosa crónica e hemorroidas. Apesar doseu mecanismo de ação não estar completamente es-clarecido, teoriza-se que atuem através do fortaleci-mento das paredes dos vasos, aumento do tónus veno-so, facilitação da drenagem linfática e normalização dapermeabilidade capilar.5 Apesar de existirem múltiplos

estudos sobre a aplicação de flavonoides no controlosintomático desta doença, este continua a ser um pon-to de debate controverso entre os médicos, com pro-fissionais a relatarem sucesso com a sua utilização eoutros mantendo-se céticos, coexistindo atitudes tera-pêuticas inconsistentes.5

O objetivo dam presente revisão baseada na evidên-cia (RBE) é determinar a eficácia dos flavonoides nocontrolo sintomático na patologia hemorroidária.

MÉTODOSRecorrendo às bases de dados National Guideline

Clearinghouse, NICE Guidelines Finder, The CochraneLibrary, DARE, Bandolier e MEDLINE foi realizada apesquisa de normas de orientação clínica, meta-anali-ses, ensaios clínicos aleatorizados e revisões sistemáti-cas. A pesquisa incluiu todas as publicações em Portu-guês, Inglês, Espanhol e Francês, de estudos em hu-manos, com um máximo de 10 anos de publicação (re-lativamente à data de pesquisa: 28/05/2018). Foiutilizada uma combinação dos termos MeSH Hemorr-hoids e Flavonoids.

Os critérios de inclusão dos artigos foram definidosde acordo com o modelo PICO:7 População – Portado-res de patologia hemorroidária; Intervenção – Utiliza-ção de flavonoides no controlo sintomático da doençahemorroidária; Controlo – Placebo; Outcomes – Redu-ção de sintomas e sinais como dor, prurido, sangra-mento (retorragia) e edema/sensação de tumefação.

Definiu-se, como critérios de exclusão, grávidas,doentes submetidos a hemorroidectomia e/ou a ou-tras intervenções invasivas. Foram excluídos igual-mente todos os artigos duplicados ou incluídos em revisões sistemáticas e meta-análises recentes. Os

GRAU

1 Não prolapsa (para além da linha dentada).

2 Prolapso com manobra de valsava/defecação com redução espontânea.

3 Prolapso que requer redução manual.

4 Prolapso irredutível (encarceração externa).

TABELA 1. Graus de evolução da patologia hemorroidária

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resultados da pesquisa foram submetidos a avaliaçãoda qualidade dos resultados e da sua força de reco-mendação utilizando a escala SORT (Strength of Re-commendation Taxonomy), da American Academy ofFamily Physicians.8

RESULTADOSDa pesquisa resultaram 13 artigos. Por divergirem do

objetivo desta revisão e não cumprirem os critérios de in-clusão, quatro foram excluídos após leitura do título, trêsartigos por duplicação, três por terem sido incluídos emrevisões mais recentes (meta-análise Cochranepublica-da em 2012) e um após leitura do abstract.Desta seleçãoresultaram duas publicações: um ensaio clínico contro-lado aleatorizado e uma meta-análise (Figura 1).

O ensaio clínico aleatorizado controlado incluídonesta RBE foi realizado em Itália por Giannini6 e publi-

cado em 2015 na revista Techni-ques in Coloproctology.Relata umestudo multicêntrico, no qual secomparou a administração oralde flavonoides a placebo no tra-tamento da crise hemorroidária,tendo sido avaliados os seus efei-tos na dor, sangramento, prurido,necessidade de recorrer a analge-sia e prolapso. A intensidade dossintomas foi reportada pelosdoentes utilizando uma escala vi-sual analógica de dez itens. Acoorte de 134 doentes foi separa-da de forma aleatória em doisgrupos, um a receber saquetascom uma combinação de dios-mina (300mg), hisperidina(300mg) e troxerrutina (300mg) eo outro a receber saquetas idên-ticas com placebo. O processo dealeatorização, de administraçãodo tratamento e de análise esta-tística foi exposto de forma clarae a tripla ocultação foi consegui-da. Foi administrada uma saque-ta do preparado três vezes por diadurante tês dias, seguido de duasvezes por dia durante dois dias,

uma saqueta diária nos sete dias seguintes e ao 13º diapassaram a comprimido oral diário até completar 42dias de tratamento. Os comprimidos apresentam umacomposição semelhante, com exceção da dose de his-peridina que é menor (100mg). O follow-up foi com-pleto, sem abandonos precoces ou exclusões do estu-do. Segundo os resultados obtidos foi conseguida me-lhoria sintomática mais precoce no grupo a receber tra-tamento ativo (com significância estatística) no quetoca a redução da dor (p<0,0001), sangramento(p=0,015), prurido (p=0,006) e edema (p=0,0016; apenascom uso continuado) e com menor necessidade deanalgesia oral (p=0,003). Não foi encontrada uma dife-rença estatisticamente significativa no que toca à ocor-rência de prolapso (p=0,09). Ambos os grupos mostra-ram que ao longo do tempo os sintomas tendem a des-vanecer; no entanto, foi evidente que o grupo a receber

13 artigos da pesquisa inicial

4 Exclusão por Título

3 Exclusão Repetição

3 Exclusão por inclusão emmeta-análise recente

1 Exclusão após leitura deabstract

2 Selecionados para leituraintegral

2 Publicações incluídas

Exclusão por:- Divergência do objetivo da revisão- Incumprimento dos critérios de inclusão- Duplicação- Inclusão em meta-análises recentes

Figura 1. Seleção de artigos.

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tratamento ativo ficou assintomático mais precoce-mente e com resultados que foram favorecidos pelotratamento continuado, especialmente no que se refe-re à ocorrência de sangramento (Tabela 2).

Por este ser um estudo controlado, aleatorizado, comocultação tripla, cuja intenção é tratar, com endpointsorientados para o doente, com um número de partici-pantes adequado (poder amostral > 80%) e por apre-sentar um follow-up > 80%, atribuiu-se à qualidade daevidência o nível um, de acordo com a escala SORT.8

A meta-análise obtida através da pesquisa é uma re-visão Cochranepublicada em 2012.5Os autores tiverampor objetivo determinar a eficácia e segurança da utili-zação de venotrópicos no controlo sintomático das he-morroidas, assim como determinar os seus efeitos pós--hemorroidectomia. Por todos os venotrópicos utiliza-dos serem flavonoides, este será o termo empregue. Fo-ram incluídos nesta revisão 24 artigos, três que

comparam diferentes flavonoides, um que comparavaflavonoides versus intervenções invasivas e os restan-tes 20 versus placebo. Quatro dos casos controlo fize-ram avaliação sintomática pós-hemorroidectomia. Amaioria (20) foram realizados em países de rendimen-to elevado, sendo que praticamente todos foram de-senvolvidos na Europa (14) e Ásia (9), regiões onde estaterapêutica é aplicada com maior frequência. A maio-ria dos estudos incluídos nesta revisão incluíram adul-tos de ambos os sexos, com exceção de um estudo emque foram apenas incluídas grávidas.

Apesar de alguns destes estudos não irem de encon-tro à questão PICO desta RBE, como por exemplo aque-les que incluem grávidas, avaliação pós-hemorroidec-tomia e estudos comparativos versus placebo, a meta-análise reporta uma investigação estatística detalhadacom discussão por subgrupos que são relevantes. Poreste motivo, optou-se por apresentar apenas os dados

ENSAIOS CLÍNICOS Z. Jiang (2006)9 I. Giannini (2015)6

Tipo de estudo e Ensaio aleatorizado controlado; double-blind; Ensaio aleatorizado controlado; triple-blind;população

N=90 N=134

Doentes entre os 18 e os 75 anos de idade, não Doentes entre os 18 e os 75 anos de idade, nãogestantes, com patologia hemorroidária gestantes, com patologia hemorroidáriasintomática, sem intervenção prévia sintomática, sem intervenção prévia

Fase da doença aguda («Crise hemorroidária»)

Tratamento em MPFF 500mg (90% diosmina, 10% hisperidina); 6id Preparado de flavonoides 900mg (diosminacomparação com por 4 dias, seguido de 4id por 3 dias; 300mg, hisperidina 300mg e troxerrutina 300mg);placebo 3id por 3 dias, seguido de 2id por 2 dias, seguido de

1id por 7 dias;

ENDPOINTS

dor BS (p<0,001) BS (p<0,001)

sangramento BS (p=0,047) BS (p=0,015)

prurido NS BS (p=0,006; apenas com utilização continuada)

edema BS (p<0,001) BS (p=0,0016; apenas com utilização continuada)

secreção mucosa NS Sem dados

prolapso NS NS

Nível da qualidade 1 1da evidência7

TABELA 2. Ensaios clínicos de elevada qualidade metodológica

Legenda: BS = Benefício estatisticamente significativo; NS = Benefício não estatisticamente significativo; MPFF = Micronised purified flavonoid fraction.

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pertinentes à nossa questão PICO e individualizar cer-tos aspetos necessários de serem particularizados. Osautores da meta-análise, apesar de considerarem os re-sultados de todos os estudos, na análise estatística ape-nas combinaram poolsde doentes dos ensaios de maiorqualidade metodológica, que relatam de forma deta-lhada e completa os seus dados e que apresentam for-matação semelhante dos seus elementos. Destes estu-dos traçaram as suas principais conclusões.

Os outcomes explorados, relevantes para a presenteRBE, são dor, prurido, sangramento, secreção mucosae melhoria sintomática geral (Tabela 3).

DorPela análise de dois estudos, com um total de 190

participantes, os autores declaram que a utilização de

flavonoides está associada a benefício no controlo ál-gico, mas sem significância estatística (OR=0,11; IC95%,0,01-1,11; p=0,06) e com grande heterogeneidade entreos resultados (I2=85%). Ambos os estudos apresentamadequada qualidade metodológica, mas diferentes po-sologias e formulações foram utilizadas. Cospite (1994)recorreu a diosmina como tratamento de crise hemor-roidária com menos de três dias de evolução, tendosido administrados um grama três vezes por dia du-rante quatro dias, seguidos de duas vezes por dia nostrês dias seguintes, com resultados superiores no con-trolo da dor quando comparado ao estudo de Jiang(2006), que optou por micronized purified flavonoidfraction (90% diosmina, 10% hisperidina) no trata-mento de crise com menos de 48h de evolução, 500mgseis vezes por dia durante quatro dias seguidos, de três

Outcomes(nº artigos data-pooled; Intervenção Resultadospopulação)

Dor MPFF 1g 1tid 4d seguido de bid 3d Benéfico(2 artigos) MPFF 500mg 6id 4d seguido de qid 3d Não estatisticamente significativo no alívio da

dor (OR=0,11; IC95%, 0,01-1,11; p=0,06)Estatisticamente heterogéneo (I2=85%)

Hemorragia MPFF 500mg 6id 4d seguido de qid 3d Benéfico(2 artigos) MPFF 500mg 6id 4d seguido de qid 3d Estatisticamente significativo (OR=0,12; IC95%,

0,04-0,37; P=0,0002)Sem heterogeneidade estatística (I2=0%)

Secreção mucosa MPFF 1g tid 4d seguido de bid 3d Benéfico(2 artigos) MPFF 500mg 6id 4d seguido de qid 3d Estatisticamente significativo (OR=0,12; IC95%,

0,04-0,42; p=0,0008)Sem heterogeneidade estatística (I2=0%)

Prurido MPFF 500mg 6id 4d seguido de qid 3d Benéfico(1 artigo) Não estatisticamente significativo (OR=0,16;

IC95%, 0,07-0,079; p=0,02)

Melhoria geral Oxerrutina 2g bid Benéfico(4 artigos; 145+126) MPFF 500mg 3bid 7d seguido de 2bid 3d Estatisticamente significativo (OR=9,6; IC95%,

Dobesilato de cálcio 500mg tid 7d seguido de 3,7957-24,41; p<0,00001)bid 7 dias Sem heterogeneidade estatística (I2=0%)MPFF 2g 4tid 4d seguido de 1g 2bid 10d

TABELA 3. Meta-análise: Phlebotonics for hemorrhoids: Cochrane Review; N. Perera (2012)5

24 Estudos; 4 não vs. Placebo; 20 vs. Placebo (n=2344)

Legenda: MPFF = Micronized purified flavonoid fraction (90% diosmina, 10% hisperidina). Número de tomas diárias: bid=2, tid=3, qid=4, 6id=6;

*d= número de dias a tomar.

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vezes por dia nos três dias seguintes. Pela heterogenei-dade dos resultados e por Cospite não ter declarado deforma óbvia o método de ocultação, os autores da meta-análise atribuíram à qualidade da evidência um grau demoderado, de acordo com a escala GRADE.9

SangramentoPela análise de dois estudos, com um total de 190 par-

ticipantes, os autores declaram que a utilização de flavo-noides está associada a benefício estatisticamente signi-ficativo na diminuição do sangramento (OR=0,12; IC95%,0,04-0,37; p=0,0002), sem heterogeneidade estatística en-tre estudos (I2=0%). Os dois estudos avaliaram o trata-mento em fases distintas da doença (patologia crónica ecrise hemorroidária), mas o outcome referente à ausên-cia de sangramento ao quarto dia de tratamento foi idên-tico. Apesar dos estudos não apresentarem grandes limi-tações metodológicas, Misra (2000) não foi claro ao de-clarar o método de ocultação e, por isto, os autores dameta-analise atribuem à qualidade da evidência um graude moderado, de acordo com a escala GRADE.9

PruridoAtravés da análise de dois estudos, com um total de

176 participantes, os autores declaram que a utilizaçãode flavonoides está associada a benefício estatistica-mente significativo no controlo do prurido (OR=0,23;IC95%, 0,07-0,79; p=0,02), sem heterogeneidade esta-tística entre estudos (I2=0%). Pela elevada qualidademetodológica dos estudos, os autores atribuem à qua-lidade da evidência um grau elevado, segundo a escalaGRADE.9No entanto, por motivo não especificado, paraeste outcome foram agrupados estudos com interven-ções distintas (intervenção exclusivamente médica –[Jiang (2006)10 versus intervenção médica pós-hemor-roidectomia: Aba-bai-ke-re (2011)]. O estudo de Jiangdemonstra benefício com a utilização de flavonoides,mas sem significância estatística (p=0,24), com um intervalo de confiança amplo (OR=0,16; IC95%, 0,07--0,79). Atendendo apenas às conclusões deste estudo,os flavonoides apresentam um benefício não significa-tivo no controlo do prurido de origem hemorroidária(sem intervenção invasiva prévia).

Secreção mucosaAtravés da análise de dois estudos, com um total de

139 participantes, os autores declaram que existe be-nefício estatisticamente significativo no controlo dapassagem involuntária de secreções mucosas (OR=0,12;IC95%, 0,04-0,42; p=0,0008), sem heterogeneidade en-tre estudos (I2=0%). Apesar da adequada qualidade me-todológica, um dos estudos não declara de forma ex-plícita os critérios de ocultação e, por isso, os autoresatribuíram à qualidade da evidência um grau de mo-derado, de acordo com a escala GRADE.9

Melhora sintomática geralAtravés da análise de cinco estudos, com um total de

368 participantes, os autores declaram que existe umamelhoria sintomática geral reportada pelos doentes queé estatisticamente significativa (OR=15,99; IC95%, 5,97--42,84; p<0,00001), mas com alguma heterogeneidadeentre os resultados (I2=39%). No entanto, esta avaliaçãoincorporou o único estudo (desta meta-análise) que in-cluiu grávidas. Realizando a sua exclusão, pela análiserestrita dos restantes quatro estudos, com um total de271 participantes, obteve-se melhoria geral estatistica-mente significativa (OR=9,63; IC95%, 3,8-24,41;p<0,00001), mas sem heterogeneidade entre resultados(I2=0%), o que demonstra que a consistência dos resul-tados para este subgrupo é superior à reportada.

A maioria dos dados aponta para benefício no con-trolo sintomático das hemorroidas, com a maioria dosoutcomes apresentando significância estatística. Exis-te benefício comprovado no tratamento e controlo dossintomas hemorroidários e, por este motivo, os autoresda meta-análise Cochrane recomendam a utilização deflavonoides no seu tratamento. Às conclusões destameta-análise atribuiu-se um nível de evidência dois,de acordo com a escala SORT.8

É necessário considerar que várias limitações foramencontradas. Primeiro, a subjetividade dos sintomaspor si só é limitante na avaliação e múltiplas escalas dis-tintas foram empregues pelos diversos estudos, sujei-tas a interpretações pessoais tanto por parte dos doen-tes como dos investigadores. No entanto, também fo-ram utilizadas escalas dicotómicas, mais objetivas, poisavaliaram apenas se o sintoma estava presente ou não (o que também representa uma limitação à avalia-ção do percurso da doença). Apesar de em todos os casos controlo terem sido feitas recomendações dieté-ticas e de estilo de vida aos participantes, e tendo

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conhecimento de que este fator é dos que maior im-pactotem na doença hemorroidária4 não foi possível se-guir de forma rigorosa nem de assegurar a compliancedos doentes. A própria localização geográfica da reali-zação do estudo poderá ter impacto, com países ondea dieta é culturalmente mais rica em fibras a ter resul-tados díspares daqueles onde a dieta é mais obstipan-te. Os flavonoides representam múltiplas moléculas eformulações. Na grande diversidade de moléculas, po-sologias e dosagens utilizadas nos vários estudos en-controu-se uma justificação simples para a grande he-terogeneidade encontrada nos resultados.

Idealmente mais estudos de qualidade seriam ne-cessários para elevar a confiança das conclusões e ospróprios autores advertem que não podem ser extra-poladas para doentes com hemorroidas trombosadas,graus mais avançados da doença e outros subgrupos dedoentes.

Contudo, um dos estudos avaliados nesta meta-aná-lise destaca-se pela sua qualidade metodológica, Jiang(2006)10 (Tabela 2), realizado na China e publicado naCurrent Medical Research and Opinion.Contou com to-tal de 90 doentes com crise hemorroidária com dura-ção inferior a 48 horas, cujo tratamento (descrito ante-riormente) foi comparado a placebo. Os doentes foramavaliados no primeiro, quarto e sétimo dia, no que tocaa dor, sangramento, prurido, edema e prolapso. Os sin-tomas foram reportados pelos doentes e os sinais pe-los médicos investigadores e quantificados, utilizandouma escala de quatro pontos (resolução, melhoria sig-nificativa, melhoria minor, sem efeito). Foi obtido be-nefício estatisticamente significativo com flavonoidesno que toca a controlo da dor (p<0,0001), sangramen-to (p=0,047) e edema (p<0,001; não significativo a lon-go prazo). Os restantes outcomes, prurido e prolapso,não obtiveram um benefício estatisticamente signifi-cativo. Por se tratar de um estudo controlado, aleatori-zado, double-blind, com um follow-upde 100%, de boaqualidade, atribuímos o nível um da escala SORT à qua-lidade da evidência.

CONCLUSÕESOs estudos incluídos nesta revisão apontam para

uma recomendação convergente: benefício na utiliza-ção de flavonoides no tratamento sintomático das he-morroidas em adultos, sem hemorroidectomia prévia,

em populações não grávidas. Por estas conclusões se-rem traçadas com base em estudos de boa qualidadecientífica, os autores desta revisão atribuem uma forçade Recomendação A (escala SORT). Considera-se ne-cessário esclarecer que pela questão PICO ser abran-gente, incluindo melhoria de qualquer sintoma, estaforça de recomendação aplica-se principalmente a con-trolo da dor e da hemorragia, as únicas com benefíciosignificativo e concordante em vários estudos de eleva-da qualidade científica Tabela 2). À sua utilização paracontrolo dos restantes sintomas, prurido e secreção mu-cosa, atribuiu-se uma força de recomendação B pelasconclusões serem obtidas de estudos com fragilidadesmetodológicas que levam a algum risco de viés. A reco-mendação «A» apenas poderá ser feita à crise hemor-roidária, pois foi essa a fase da doença que os estudosabordaram. Apesar de existir evidência de redução deedema não foi demonstrado que flavonoides tenhamimpacto na redução do prolapso e sintomas associados.

Um dos interesses desta revisão é mitigar a contro-vérsia envolvendo a indicação terapêutica deste grupofarmacológico. Este tema continua a ser polémico, comatitudes terapêuticas divergentes entre médicos que li-dam com este problema de saúde. Por um lado, criam-se expectativas irrealistas sobre certos tratamentos e, poroutro, privam-se doentes de opções terapêuticas. A pró-pria informação que é cedida aos doentes sobre a eficá-cia dos flavonoides não é uniforme e tais discordânciasgeram desentendimentos entre profissionais e quebra daconfiança que o doente deposita nos seus médicos.

Os estudos são unânimes quanto ao benefício dosflavonoides no controlo sintomático da doença he-morroidária (versus placebo). No entanto, a relevânciaclínica deste benefício não é idêntica para todos os sin-tomas e os médicos devem ter isso em conta. Igual-mente importante é reconhecer que para se conseguira individualização do tratamento a cada doente e po-der atuar em determinados subgrupos específicos sãonecessários mais estudos de grande qualidade meto-dológica, com dosagens e fármacos equivalentes (poisuma posologia standard não pôde ser inferida), ideal-mente na população portuguesa.

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAFilipe Fontes Alves

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0002-3392-9989

Recebido em 07-03-2019Aceite para publicação em 20-08-2019

ABSTRACT

FLAVONOIDS FOR SYMPTOMATIC HEMORRHOIDS: AN EVIDENCE-BASED REVIEWObjective: Hemorrhoids result from the swelling of the hemorrhoidal venous plexus and may result in symptoms such as pain,itching, mucous discharge, bleeding, and discomfort due to prolapse. One of the therapeutic options is oral flavonoids. Its ef-fectiveness remains a controversial point of debate. As such it is our goal to determine, through an evidence-based review, whet-her the use of flavonoids for symptomatic control is a valid therapeutic option.Data sources: National Guideline Clearinghouse, NICE Guidelines Finder, The Cochrane Library, DARE, Bandolier, MEDLINE, andbibliographic references of the selected articles were reviewed.Review methods: Definition of the inclusion criteria through the PICO methodology: Population – individuals with sympto-matic hemorrhoids; Intervention – Flavonoids; Comparison – Placebo; Outcome – Efficacy for symptomatic control. Survey ofclinical guidelines, systematic reviews, and randomized clinical trials using the MeSH terms ‘Hemorrhoids’ and ‘Flavonoids’, pu-blished in the last 10 years, in Portuguese, Spanish, French, and English. The American Academy of Family Physician’s Strengthof Recommendation Taxonomy scale was applied to grade de evidence.Results:The search indicated 13 articles, two of which fulfilled the inclusion criteria, with high scientific quality and from whichthe conclusions were drawn, all favorable to the use of flavonoids, but with variable benefit according to the symptom explo-red.Conclusions: The available evidence suggests that there is a benefit in the use of flavonoids to control symptomatic hemorr-hoids (versus placebo). Its use is recommended for the control of pain and bleeding (strength of recommendation A). It is ne-cessary to consider limitations such as the subjectivity of symptom evaluation performed by patients; the influence of diet; fla-vonoids comprising a vast group of drugs; there being no standard dose for treatment. Additional studies are needed to clarifythese issues.

Keywords: Hemorrhoids; Flavonoids.

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1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Gualtar.2. Médica Assistente de Medicina Geral e Familiar. USF Gualtar.

INTRODUÇÃO

As quedas e lesões subsequentes são um con-tributo major para a perda de capacidades as-sociadas ao envelhecimento, constituindouma importante causa de hospitalização e

mortalidade em indivíduos idosos. Aproximadamente28-35% das pessoas com idade igual ou superior a 65anos têm pelo menos um episódio de queda a cada ano.Uma em cada cinco quedas necessita de cuidados

Anabela Barreto Silva,1 Maria João Barbosa2

Suplementação de vitamina Dna prevenção de quedas e fraturas em idosos: umarevisão baseada na evidência

RESUMOIntrodução:As quedas e fraturas constituem uma importante causa de hospitalização e mortalidade em indivíduos idosos, con-tribuindo de forma significativa para a sua perda de autonomia. O papel da vitamina D na melhoria dos distúrbios músculo-es-queléticos em doentes idosos na prevenção de quedas e fraturas é ainda controverso.Objetivos: Determinar a evidência do efeito da suplementação da vitamina D na prevenção de quedas e fraturas em idosos.Fonte de dados: MEDLINE, The Cochrane Library, NGC, NICE, DARE, TRIP Database, USPSTF, AGS e DGS.Métodos: Pesquisa de estudos publicados nos últimos 10 anos (de 01 de fevereiro de 2009 a 28 de fevereiro de 2019), escritosem Português e Inglês, utilizando os termos MeSH Vitamin D, Accidental Falls e Fractures, Bone. Para avaliação da qualidade dosestudos e força de recomendação foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy, da American Family Physician(SORT).Resultados: Da pesquisa inicial resultaram 514 artigos, tendo sido selecionados 15 por cumprirem os critérios de inclusão de-finidos: seis guidelines/normas de orientação clínica (NOC), oito revisões sistemáticas (RS) e meta-análises (MA) e um ensaioclínico aleatorizado (ECA). A maioria das guidelines e NOC defende a suplementação de vitamina D na prevenção de quedas efraturas em idosos. Contudo, a análise das RS e MA mostram resultados discordantes ao demonstrar que a suplementação devitamina D não tem efeitos nas quedas e fraturas em idosos, nomeadamente não institucionalizados.Conclusões: Em idosos não institucionalizados e sem défice de 25(OH)D não há benefício da suplementação de vitamina naprevenção de quedas e fraturas (SORT B). Idosos institucionalizados e com défice de 25(OH)D devem ser suplementados comvitamina D isoladamente ou combinada com cálcio (SORT B). A suplementação de doses elevadas de vitamina D e de forma in-termitente pode ter efeitos deletérios (SORT B).

Palavras-chave:Vitamina D; Quedas; Fraturas; Idosos.

médicos e uma em cada vinte termina em fratura.1 Asquedas, além de originarem uma considerável perdade autonomia e de qualidade de vida entre os idosos,podem ainda ter repercussões nos seus cuidadores, fre-quentemente os familiares, que passam a ter novas exi-gências em função da recuperação ou adaptação apósa queda. Por esta razão, é importante desenvolver me-didas preventivas exequíveis e efetivas, de modo a re-duzir o número de quedas e fraturas nesta população.Abordagens multifatoriais, como exercício físico, tera-pia ocupacional, ajustes terapêuticos e modificação doambiente, podem ser úteis. Contudo, estas podem ser

revisõesDOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12717

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dispendiosas, difíceis de implementar e muito depen-dentes da adesão do indivíduo. A deficiência em vita-mina D, comum nos idosos,2-3 precipita ou agrava a os-teopenia e osteoporose, interfere no desenvolvimentomuscular e, consequentemente, aumenta o risco dequedas e fraturas. Vários estudos têm investigado o pa-pel da vitamina D na melhoria dos distúrbios múscu-lo-esqueléticos com resultados conflituosos. Pretende--se, com esta revisão, determinar a evidência do efeitoda suplementação da vitamina D na prevenção de que-das e fraturas em idosos.

MÉTODOSFoi feita uma pesquisa da literatura publicada nos úl-

timos 10 anos (de 01 de fevereiro de 2009 a 28 de feve-reiro de 2019), nas línguas inglesa e portuguesa, com asseguintes combinações dos termos MeSH Vitamin D,Accidental Falls e Fractures, Bone. As fontes de infor-mação consultadas foram: National Guideline Clea-ringhouse (NGC), National Institute for Health and CareExcellence Guidelines Finder (NICE), TRIP Database,The Cochrane Library, Database of Abstracts of Reviewsof Effectiveness (DARE), MEDLINE/PubMed, UnitedStates Preventive Services Task Force (USPSTF), Ameri-can Geriatric Society (AGS) e Direção-Geral da Saúde(DGS). Para atribuição dos níveis de evidência (NE) eforças de recomendação (FR) foi utilizada a escalaStrength of Recommendation Taxonomy (SORT), daAmerican Family Physician. No que diz respeito aos cri-térios de elegibilidade foi utilizado o modelo PICOS(Population, Intervention, Comparison, Outcome, Stu-dies),de forma a definir as variáveis a avaliar. Assim, fo-ram consideradas para população em estudo todas aspessoas do género feminino ou masculino com idade≥ 65 anos, não institucionalizadas e institucionaliza-das. Estudos em que a média de idades dos partici-pantes seria ≥ 65 anos foram incluídos. Não foi defini-do um período mínimo de follow-uppara a inclusão dosestudos. Foram excluídos todos os artigos que envol-veram participantes com osteoporose diagnosticadaou sob tratamento de vitamina D. A intervenção con-sistiu na suplementação de vitamina D. Estudos queenvolveram a vitamina D combinada com outras in-tervenções, exceto o cálcio, foram excluídos. O grupocomparador abrangeu participantes que não foram su-plementados com vitamina D. Ocorrência de quedas e

fraturas foram os outcomes avaliados. Foram incluídosguidelines, normas de orientação clínica (NOC), revi-sões sistemáticas (RS), meta-análises (MA) e estudosaleatorizados (ECA). Excluíram-se outro tipo de arti-gos, nomeadamente os de custo-efetividade. Assim, fo-ram aplicados os filtros clinical trial, review e guidan-ce. Foram também excluídos artigos de opinião, edito-riais, letters e notícias, e estudos não aleatorizados ourealizados em animais. Estudos duplicados ou já in-cluídos nas RS ou MA selecionadas foram também ex-cluídos.

RESULTADOSDa pesquisa inicial resultaram 514 artigos, dos quais

restaram 479 após a eliminação dos duplicados. Apósleitura do título e do abstract resultaram 29 artigos, ten-do sido selecionados 15 artigos para integrar a revisãopor cumprirem os critérios de inclusão definidos. O flu-xograma de seleção dos artigos está representado na Fi-gura 1. No final obtiveram-se seis guidelines, oitoRS/MA e um ECA. Uma vez que o tipo de artigos in-cluídos, desenhos de estudos, participantes e medidasde outcomes variam significativamente, a apresentaçãodos resultados será feita de forma qualitativa em vez deMA. As Tabelas 1, 2, 3 e 4 resumem as características dosestudos selecionados para esta revisão.

1. Guidelines e normas de orientação clínicaAtualmente as guidelines e NOC apresentam recomen-dações contraditórias relativamente à suplementaçãode vitamina D na prevenção de quedas e fraturas emidosos. As últimas recomendações da USPTF (2018)4

vêm contrariar a recomendação feita em 2012, assu-mindo uma posição contra a suplementação de vita-mina D na prevenção de quedas em adultos com ≥ 65anos não institucionalizados, que não possuem déficede vitamina D ou osteoporose. Esta orientação foi ba-seada na RS de Guirguis-Blake e colaboradores,5 publi-cada em 2018, a qual consiste numa atualização à RSde 2010, com notáveis diferenças. Isto é, ao contrárioda anterior, desta revisão foram excluídos estudos querecrutaram participantes com défice ou níveis insufi-cientes de vitamina D. Assim, trata-se de uma reco-mendação SORT B, uma vez que é baseada em revisõesde ECA de qualidade heterogénea e cujos resultadosdos poucos ensaios que foram incluídos são pouco

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lançou uma de-claração, refe-rindo que paraque sejam atin-gidos níveis séri-cos de 25- hidro-xivitamina D(25(OH)D) de30ng/ml são ne-cessárias dosesdiárias entre800-1.000 IU devitamina D.Considera ainda

que não existe evidência que permita afirmar que do-ses superiores possam ser eficazes na prevenção dequedas e fraturas em idosos. Do mesmo modo, em 2008a DGS9 lançou uma circular informativa com a indica-ção para suplementar idosos com vitamina D e cálcio,admitindo tratar-se de uma população de risco parafratura. Estas recomendações são baseadas no con-senso da opinião de autores e, por essa razão, são clas-sificadas como SORT C. A Endocrine Society10 faz uma

consistentes. Contrariamente, as orientações da Na-tional Osteoporosis Society (2018)6 são a favor da suple-mentação de vitamina D na dose de 400 IU a indivíduoscom ≥ 65 anos não expostos frequentemente ao sol. Porsua vez, os consensos da AGS (2014)7 admitem que a su-plementação de vitamina D deve ser feita a idosos ins-titucionalizados e não institucionalizados, na dose mí-nima de 1.000 UI e em associação com o cálcio. Em2010, a International Osteoporosis Foundation (IOF)8

Referência Recomendação

United States Preventive Não é recomendada a suplementação de vitamina D para a prevenção de quedas em adultos comTask Force (2018)5 ≥ 65 anos não institucionalizados. (SORT B)

National Osteoporosis Adultos com ≥ 65 anos que não são expostos ao sol devem receber diariamente 400 IU de vitaminaSociety (2018)6 D. (SORT C)

Consensos American Está recomendada a suplementação com vitamina D de pelo menos 1000 IU e suplementação deGeriatrics Society (2014)7 cálcio:

- Adultos com idade ≥ 65 anos não institucionalizados, de forma a reduzir o risco de quedas e fraturas. (SORT C)- Idosos institucionalizados, de forma a reduzir o risco de quedas e fraturas. (SORT C)Não existe evidência para apoiar a suplementação de vitamina D sem cálcio a idosos institucionalizados e não institucionalizados. (SORT C)

Endocrine Society (2011)10 Recomendam a suplementação de 800 IU/d de vitamina D a adultos com idade ≥ 65 anos para a prevenção de quedas e fraturas. (SORT A)

International Osteoporisis Indivíduos idosos requerem 800-1000 IU/d de vitamina D. Consideram a inexistência de evidênciaFoundation (2010)8 para recomendar doses mais altas na prevenção de quedas e fraturas. (SORT C)

Direção-Geral da Saúde Adultos com ≥ 65 anos têm indicação para realizar suplementação com cálcio e vitamina D, de(2008)9 forma a diminuir o risco de fratura. (SORT C)

TABELA 1. Resumo de guidelines e normas de orientação clínica

Artigos identificadosatravés da pesquisa nasbases de dados (n=514)

Artigos selecionadossegundo o título e oabstract (n=29)

Artigos incluídos (n=15)

Excluídos (n=14)- Não cumpre critériosPICO: 9- Artigos já incluídos nas revisões sistemáticas oumeta-análises: 5

Excluídos (n=485)- Tema não relacionado:384- Não cumpre critériosPICO: 37- Sem acesso ao resumo: 5- Idioma: 6- Revisão clássica: 8- Protocolo: 4- Duplicados: 41

Figura 1. Fluxograma de seleção dos artigos.

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forte recomendação para a suplementação de 800 IU/dde vitamina D, baseando-se em evidência de elevadaqualidade, pelo foi classificada como SORT A.

2. Revisões sistemáticas e meta-análisesResultados mistos foram obtidos através da análise

da RS de Guirguis-Blake e colaboradores (2018)11

EstudosReferência incluídos Resultados NE

Guirguis- 7 ECAS Evidência de elevada (4 ECA) a moderada (3 ECA) qualidade demonstrou resultados 1-Blake, et al. (n=7.531) heterogéneos quanto aos benefícios da suplementação da vitamina D ou CaD na prevenção(2018)11 de quedas em idosos não institucionalizados:

• 1 ECA mostrou um aumento de quedas (IRR=1,16; IC95%, 1,03-1,31), do número de pessoas que experienciavam quedas (RR=1,08; IC95%, 1,03-1,14) e lesões (IRR=1,15; IC95%, 1,02-1,29), com suplementação de altas doses de VitD

3(500.000 IU/ano).

• 1 ECA evidenciou uma redução de quedas (IRR=0,63; IC95%, 0,47-0,84) e do número de pessoas que experienciavam quedas (RR=0,77; IC95%, 0,61-0,98) com suplementação de VitD

2(10IU, 2x/dia).

• 5 ECA mostraram uma diferença não significativa nas quedas (IRR=0,97; IC95%, 0,79-1,2;I2=75,8%) e nas pessoas que experienciam quedas (RR=0,97; IC95%, 0,88-1,08; I2 = 60,3%).

Cameron, et 4 ECA Em idosos institucionalizados após a suplementação com VitD2

ou CaD (VitD3

e VitD2): 2

al. (2018)12 (n=4.512) • Verificou-se uma redução estatisticamente significativa na taxa de quedas (RaR=0,72; IC95%, 0,55-0,95; I²=62%), mas não no risco de queda (RR=0,92; IC95%, 0,76-1,12; I²=42%).

Wu, et al. 26 ECA Em idosos institucionalizados e não institucionalizados não foi encontrada diferença 1(2017)13 (n=16.540) estatisticamente significativa na redução do risco de queda em:

• 6 ECA com a suplementação de VitD2

(OR=0,77; IC95%, 0,58-1,03; I2=79%). • 6 ECA com a suplementação de VitD

3(OR=1,08; IC95%, 0,98-1,20; I2=42%).

• 15 ECA demonstram uma associação significativa entre a suplementação de vitamina D combinada com cálcio e a redução do risco de queda (OR=0,87; IC95%, 0,80-1,94; I2=46%).

Zheng, Ya 9 ECAS Em idosos institucionalizados e não institucionalizados suplementados com doses elevadas 1Ting, et al. (n=22.012) de vitamina D e intermitentes:(2015)14 • 3 ECA mostraram um aumento de quedas (RR=1,02; IC95%, 0,96-1,08; p=0,52; I2=58%).

• 4 ECA evidenciaram aumento de fraturas da anca (RR=1,17; IC95%, 0,97-1,41; p=0,11; I2=10%).

• 5 ECA demonstraram um aumento de fraturas não vertebrais (RR=1,06; IC95%, 0,91-1,22;p=0,48; I2=54%).

Bolland, et al. 22 ECA Em idosos institucionalizados e não institucionalizados: 1(2014)15 (n=24.903) • 22 ECA não demonstraram alteração do risco de fratura total em ≥ 15% após a

suplementação com vitamina D isolada ou combinada com cálcio (RR=0,95; IC95%, 0,88-1,02; p=0,13; I2=33%).

• 12 ECA não demonstraram diminuição do risco de fratura do colo do fémur ≥ 15% após a suplementação de vitamina D apenas (RR=1,11; IC95%, 0,97-1,27; p=0,13; I2=0%).

• 2 ECA demonstraram uma redução do risco de fratura em indivíduos institucionalizados após a suplementação combinada de cálcio e vitamina D.

• 7 ECA não se verificou alteração do risco de fratura da anca ≥ 15% em indivíduos não institucionalizados após a suplementação combinada de cálcio e vitamina D.

TABELA 2. Resumo de revisões sistemáticas e meta-análises

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quanto à suplementação de vitamina D isoladamenteou combinada com o cálcio (CaD) na prevenção de que-das em idosos não institucionalizados. Isto é, um ECAmostrou uma redução estatisticamente significativa dorisco de queda (IRR=0,63; IC95%, 0,47-0,84), enquantoum ECA demonstrou um aumento do risco de quedaquando utilizadas doses elevadas de colecalciferol(500.000 IU) anualmente (RR=1,08; IC95%, 1,03-1,14).Na avaliação dos restantes cinco ECA verificou-se umadiferença não significativa no risco de queda (IRR=0,97;IC95%, 0,79-1,2; I2=75,8%) (Tabela 2). De notar que trêsECA recrutaram participantes com elevado risco dequeda e cinco ECA envolveram exclusivamente mu-lheres. Em apenas dois ECA foi adicionado cálcio

(500mg/d ou 1000mg/d) à vitamina D (Tabela 3). Numaanálise adicional, os autores acrescentaram estudosque recrutaram participantes com níveis insuficientesou défice de vitamina D, inicialmente excluídos, não severificando uma diferença estatisticamente significati-va no número de pessoas que experienciaram quedas(RR=0,88; IC95%, 0,78-1,00).Por outro lado, a MA de Cameron ID e colaborado-

res (2018)12mostrou que em idosos institucionalizadosa suplementação com vitamina D reduz a taxa de quedas (RaR=0,72; IC95%, 0,55-0,95; I²=62%), mas sem diferença no risco de queda (RR=0,92; IC95%, 0,76--1,12; I²=42%), mesmo quando associada com cálcio.Esta discrepância poderá dever-se às características

EstudosReferência incluídos Resultados NE

Gui, et al. 11 ECA Em doentes idosos não institucionalizados e sem défice cognitivo: 1(2013)16 (n=9.750) • 6 ECA demonstraram redução do risco de queda com a suplementação de cálcio com

vitamina D (OR=0,789; IC95%, 0,631-0,985; p=0,036).• 5 ECA não demonstraram redução do risco de queda com a suplementação de vitamina D

isoladamente (OR=1,026; IC95%, 0,819-1,286; p=0,036).

Gillespie, et 14 ECA Em idosos não institucionalizados não existe uma diferença estatisticamente significativa 1al. (2012)17 (n=28.135) com a suplementação de vitamina D isolada ou em combinação com o cálcio:

• 7 ECA - na taxa de quedas (RaR=1,00; IC95%, 0,90-1,11; p<0,00001).• 13 ECA - no risco de queda (RR=0,96; IC95%, 0,89-1,03; p<0,00001).• 10 ECA - no risco de fratura (RR=0,94; IC95%, 0,82-1,09; p<0,00001).

Lai, et al. 7 ECA Em indivíduos idosos, institucionalizados e não institucionalizados: 2(2010)18 (n=12.739) Não foi demonstrada diferença estatisticamente significa no risco de fratura da anca após a

suplementação com vitamina D3 ou vitamina D2 (RR=1,13; IC95%, 0,98-1,29; p=0,73; χ2=4,44), não verificando diferença entre os ECA que utilizaram doses < 800 IU/d em aqueles com ≥ 800 IU/d.

TABELA 2. Resumo de revisões sistemáticas e meta-análises (continuação)

Legenda: ECA = Ensaio clínico aleatorizado; RaR = Rate ratio; RR = Relative risk; OR = Odds ratio.

Referência Resultados NE

Smith (2017)19 Em mulheres idosas não institucionalizadas suplementadas com vitamina D: 1- Não houve diminuição das quedas com baixas doses de vitD

3, 400 e 800 IU, uma diminuição

significativa com doses médias, 1.600, 2.400, 3.200 IU (p=0,002) e houve aumento com altas doses, 4.000 e 4.800 IU comparativamente com o placebo (p=0,55).

TABELA 3. Resumo de ensaios clínicos aleatorizados

Legenda: VitD3

= Colecalciferol.

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particulares dos indivíduos envolvidos. A média dos ní-veis séricos basais de vitamina D registados foi baixa oumuito baixa nos cinco ECA incluídos, o que significaque estes resultados se aplicam a indivíduos institu-cionalizados com baixos níveis de vitamina D.Wu e colaboradores (2017)13 avaliaram o efeito da vi-

tamina D em idosos institucionalizados e não institu-cionalizados ao longo de dois meses a três anos, suge-rindo que a redução do risco de queda depende do tipoda suplementação de vitamina D. Isto é, verificou-seuma redução do risco de queda com a vitamina D com-binada com o cálcio quando comparada com o controlo(OR=0,87; IC95%, 0,80-1,94; I2=46%). No entanto, não severificou uma associação entre a suplementação comvitamina D

2 (OR=0,77; IC95%, 0,58-1,03; I2=79%) e D

3

(OR=1,08; IC95%, 0,98-1,20; I2=42%) e a diminuição dasquedas, o que significa que o uso de vitamina D isola-damente não tem qualquer efeito no risco de quedas.Sabe-se que a vitamina D promove a absorção de cál-cio e ajuda a manter as concentrações de cálcio ade-quadas de forma a manter a mineralização óssea nor-mal.A partir da análise do Tabela 4 percebe-se que a

maioria das MA existentes inclui estudos com toma diá-ria de vitamina D em doses baixas (400-800 IU). Zhenge colaboradores (2015)14 tentaram perceber quais osefeitos da suplementação de elevadas doses e intermi-tentes de vitamina D em indivíduos idosos, tendo veri-ficado que esta abordagem não tem benefício na pre-venção de fraturas e quedas, podendo até ter efeitosdeletérios. Estes resultados indicam que a posologiapode ser mais importante do que a dose total nos re-sultados finais. Ainda não existe nenhuma explicaçãopara este fenómeno. De destacar que a maioria dos par-ticipantes nos estudos incluídos são mulheres idosas.Além disso, a análise agrupada no risco de queda foi in-fluenciada por dois ECA, em que os participantes apre-sentavam concentrações séricas elevadas de 25(HO)D,o que significa que este risco poderá não se aplicar apessoas com níveis séricos baixos.A MA de Bolland e colaboradores (2014)15 demons-

trou que, em idosos não institucionalizados, a suple-mentação de vitamina D com ou sem cálcio não está as-sociada a uma redução do risco de fratura total (p=0,4)e de fratura da anca (p=0,004) igual ou superior a 15%(limite definido pelos autores como clinicamente

relevante). Contudo, os resultados dos estudos que ava-liaram o efeito da vitamina D isoladamente ou combi-nado com cálcio na fratura da anca devem ser inter-pretados cautelosamente, tendo em conta as diferen-tes metodologias utilizadas. De notar, a existência dedois ECA nos quais a vitamina D combinada com o cál-cio foi associada a uma redução da fratura da anca emindivíduos institucionalizados. Estes estudos envolve-ram mulheres com níveis basais baixos de 25(OH)D ebaixa ingestão de cálcio.A maioria dos estudos envolve idosos sem défice cog-

nitivo e poucos utilizam doentes com esta condição. As-sim, Gui e colaboradores (2013)16 tentaram perceberquais os efeitos da vitamina D na prevenção de quedasem idosos com ou sem défices cognitivos, tendo veri-ficado que a suplementação de vitamina D combinadacom cálcio reduz o número de quedas em indivíduosnão institucionalizados e sem défice cognitivo(OR=0,789; IC95%, 0,631-0,985; p=0,036), mas não emindivíduos com défice cognitivo. Contudo, estes resul-tados não se verificaram quando usada vitamina D iso-ladamente (OR=1,026; IC95%, 0,819-1,286; p=0,036). Aslimitações deste estudo incluem definições inconsis-tentes quanto ao défice cognitivo entre os diferentes en-saios.Gillespie e colaboradores (2012)17 demonstraram que

em idosos não institucionalizados a suplementação devitamina D isolada ou em combinação com o cálcionão reduz a taxa de quedas (RaR=1,00; IC95%, 0,90--1,11; p<0,00001), o risco de queda (RR=0,96; IC95%,0,89-1,03; p<0,00001) ou o risco de fratura (RR=0,94;IC95%, 0,82-1,09; p<0,00001), mesmo nos estudos querecrutaram indivíduos com elevado risco de fratura.Contudo, ao analisar os quatro ECA que recrutaramapenas indivíduos com níveis séricos basais de25(HO)D baixos, os autores verificaram uma redução dataxa de quedas (RaR=0,57; IC95%, 0,37-0,89; p=0,01) edo risco de queda (RR=0,70; IC95%, 0,56-0,87; p=0,003)associada à suplementação de vitamina D com ou semcálcio.Lai e colaboradores (2010)18mostraram não existir di-

ferença no risco de fratura da anca entre indivíduos quereceberam suplementos de vitamina D

3ou vitamina D

2

comparativamente com placebo/controlo (RR=1,13;IC95%, 0,98-1,29; p=0,73; χ2=4,44), nomeadamente na-queles que receberam elevadas doses de vitamina D

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Referência População Intervenção Comparador Duração Outcome RS/MA NE

Uusi-Rasi, et Mulheres VitD3

(800 IU) Exercício c/placebo 24 meses Quedas A 1al. (2015)28 70 e 80 anos s/ exercício n=103

n=102 e Placebo ou VitD

3(800 IU) s/exercício

c/exercício n=102n=102

Neelemaat, Adultos CaD (600 IU Placebo 3 meses Quedas B 1et al. ≥ 60 anos, + 864mg) n=104(2012)29 malnutridos n=100

Glendenning, Mulheres VitD3

(150.000 IU), Placebo 9 meses Quedas A, B, D 1et al. ≥ 70 anos, não a cada 3 meses n=333(2012)30 institucionalizadas n=353

Sanders, et Mulheres VitD3

(500.000 IU) Placebo 3-5 anos Fraturas A, B, C, D, F 1al. (2010)31 ≥ 70 anos anual n=1.125 Quedas

n=1.131

Bischoff- Adultos VitD3

(2.000 Placebo 12 meses Quedas F 1-Ferrari, et al. ≥ 65 anos IU/dia) n=173(2010)32 fratura da anca n=173

Karkkainen, Idosos não CaD (800 IU Controlo 3 anos Fraturas D, F 2et al. institucionalizados + 1g/d) n=1.573 Quedas(2010)33 n=1.566

Salovaara, et Mulheres CaD (800 IU Controlo 3 anos Fratura D 2al. (2010)34 65-71 anos + 1g/dia) n=1.125

n=1.131

Pfeifer, et al. Idosos não CaD (1.000 IU Ca (1g/d) + 20 meses Quedas B, D, F 1(2009)35 institucionalizados + 1g/d) placebo

n=121 n=121

Prince, et al. Idosos não CaD (800 IU + Ca (1g/d) + 1 12 meses Quedas B, D, F 1(2008)36 institucionalizados 1g/d) placebo

n=151 n=151

Berggren, et Adultos ≥ 70 anos CaD (800 IU, Controlo 12 meses Queda B 2al. (2008)37 Operados, fratura 1.000mg/d) n=97

colo do fémur n=102

Smith, et al. Idosos não 300.000 IU Placebo 3 anos Fratura B, C, D, E, F 1(2007)38 institucionalizados VitD2/ IM/ano n=4.713 Quedas

n=4.727

Burleigh, et Idosos CaD (800 IU + Ca 1200mg/d 1 mes Quedas B, D 1al. (2007)39 institucionalizados 1,2g/d) n=103

n=219

Broe, et al. Idosos VitD2 (200, 400, Placebo 5 meses Quedas B, D, G 2(2007)40 institucionalizados 600, ou 800 IU/d), n=25

n=26

TABELA 4. Resumo dos ensaios clínicos incluídos nas revisões sistemáticas e meta-análises selecionadas

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Referência População Intervenção Comparador Duração Outcome RS/MA NE

Bischoff, et Mulheres ≥ 65 CaD (600 IU + Ca 600 mg/d 3 meses Risco de B, F, D 1al. (2006)41 anos, não 400mg/d) n=31 queda

institucionalizadas n=33

Bischoff, et Idosos não CaD (700 IU + Placebo 3 anos Quedas A, B, D 1al. (2006)42 institucionalizados 500mg/d) n=226

n=219

Law, et al. Idosos VitD2 Sem tratamento 10 meses Fratura, B, C, E, G 2(2006)43 institucionalizados (100.000 IU) a Queda

cada 3 meses

Sato, et al. Mulheres idosas VitD2 1.000 IU/d Placebo 24 meses Queda B 2(2005)44 com hemiplegia n=48 n=48

pós-AVC

Porthouse, et Idosos não CaD (800 IU + Controlo 25 meses Fraturas A, D, F 2al. (2005)45 institucionalizados 1g/d) n=1.993 Quedas

n=1.321

Lyons, et al. Idosos VitD2 Placebo 3 anos Fratura C, E 1(2007)46 institucionalizados (100.000 IU), a n=1.715

cada 4 mesesn=1.715

Larsen, et al. Adultos CaD (400 IU + Controlo 42 meses Quedas B 2(2005)47 ≥ 65 anos 1g/d), n=2.116

n=2.491

Grant, et al. Idosos não VitD3 (800 IU/d), Cálcio (1g/d), 45 meses Fraturas B, E, F 2(2005)48 institucionalizados CaD (800 IU + placebo Quedas

1g/d), n=2.643n=2.649

Flicker, et al. Idosos CaD (1.000 IU + Cácio + placebo 2 anos Quedas B, D, G 1(2005)49 institucionalizados 600mg/d) (600 mg/d)

n=313 n=312

Harwood, et Idosos não Vit D3 Controlo 1 ano Quedas B, D, F 2al. (2004)50 institucionalizados (300.000 IU IM) n=37

CaD (300.000 IU + 1g/d IM) e CaD (800 IU + 1g/d oral)n=113

Dhesi, et al. Idosos não VitD2 Placebo 6 meses Queda B, C, F, D 1(2004)51 institucionalizados (600.000 IU/IM) n=69

com história de dose única)queda n=70

Dukas, et al. Idosos não VitD3 (40 UI) Placebo 36 semanas Quedas A 1(2004)52 institucionalizados n=192 n=186

TABELA 4. Resumo dos ensaios clínicos incluídos nas revisões sistemáticas e meta-análises selecionadas (continuação)

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(800 IU/dia ou mais). Note-se que os diferentes estudosincluem participantes com diferentes níveis basais de25(HO)D.

3. Ensaios clínicos aleatorizados controlados não incluídos nas MA e RSFoi selecionado um ECA não incluído nas RS e MA

Referência População Intervenção Comparador Duração Outcome RS/MA NE

Trivedi, et al. Idosos não VitD3 (100.000 IU) Placebo 60 meses Fraturas B, C, D, E, F 1(2003)53 institucionalizados cada 4 meses n=1.341 Quedas

n=1.345

Latham, et al. Adultos ≥ 65 anos VitD2 (300.000 IU) Placebo 6 meses Quedas B, C, D, F 1(2003)54 oral, dose única + n=114

exercícion=108

Bischoff, et Mulheres CaD (800 IU + Ca (1,2g/d) 3 meses Quedas B, D 1al. (2003)55 ≥ 60 anos 1,2g) n=60

institucionalizadas n=62

Gallagher, et Mulheres idosas VitD2 (10 IU, Estrogénios 3 anos Quedas A 1al. (2001)49 65-77 anos 2x/dia) 0,625mg/d

n=123 (mulheres semou VitD2 (10 IU, útero) ou2x/dia) + THS estrogéniosn=122 0,625mg/d +

acetato de medroxiprogeste-rona 2,5mg/d (mulheres com útero)n=121Ou Placebon=123

Chapuy, et al. Idosos CaD (800 IU + Placebo 24 meses Quedas B, D, G 1(2002)56 institucionalizados 1,2g/d) n=190

n=389

Pfeifer, et al. Idosos não CaD (800 IU + Cálcio (1,2g/d) 12 meses Quedas B, D, F 1(2000)57 institucionalizados 1,2g/) n=74

n=74

Meyer, et al. Idosos 400 IU VitD3 (oral) Placebo 2 anos Fratura da E 1(2002)58 institucionalizados n=569 n=575 anca

Lips, et al. Idosos VitD3 (400 IU) Placebo 3,5 anos Fratura da E 1(1996)59 institucionalizados n=1.291 n=1.287 anca

Graafmans, et Idosos VitD3 (400 IU/d) Placebo 28 semanas Fraturas B, D 1al. (1996)60 institucionalizados n=177 n=177 Quedas

TABELA 4. Resumo dos ensaios clínicos incluídos nas revisões sistemáticas e meta-análises selecionadas (continuação)

Legenda: A = Guirguis-Blake, et al. (2018);11 B = WuH, et al. (2017);13 C = Zheng, et al. (2015);14 D = Bolland, et al. (2014);15 E = Lai, et al. (2010);18

F = Gillespie, et al. (2012);17 G = Cameron, et al. (2018);27 VitD3 = Colecalciferol; VitD2 = Ergocalciferol/Calcitriol; CaD = Coadministração de Cálcio e

Vitamina D.

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supracitadas (Tabela 3). Smith e colaboradores (2017)19

estudaram o efeito da suplementação de diferentes do-ses de vitamina D

3 nas quedas em idosos com níveis

basais séricos de 25(OH)D inferior a 20ng/ml. Assim,após 12 meses de tratamento verificou-se uma dimi-nuição da taxa de indivíduos que tiveram pelo menosum episódio de queda com o uso de uma dose médiade vitamina D

3, 1.600, 2.400 e 3.200 IU diária, compa-

rativamente com o placebo (OR=3,86; IC95%, 1,24--12,04; p=0,0024), mas que esta diferença não foi ob-servada na dose diária de 400-800 IU. Além disso, a uti-lização de doses mais elevadas de 4.000 e 4.800 IU dia-riamente foram associadas a um aumento da taxa de in-divíduos que tiveram pelo menos um episódio de que-da, comparativamente ao grupo que recebeu dosesintermédias (OR=5,6; IC95%, 2,1-14,8). De referir que ataxa de quedas foi muito maior nos indivíduos com his-tória prévia de queda e 100% deste grupo teve quedanos dois grupos que receberam elevadas doses de vita-mina D. Note-se ainda que, após os 12 meses, se regis-tou uma diminuição da taxa de quedas no grupo queatingiu níveis de 32-41ng/ml de 25(OH)D, enquantoaqueles que obtiveram níveis superiores, 40–45ng/mlde 25(OH)D, registaram um aumento da taxa de que-da.

CONCLUSÃOApesar da maioria das guidelines e NOC ser a favor

da suplementação da vitamina D para a prevenção dequedas e fraturas em idosos, os resultados obtidos atra-vés da análise das RS e MA e ECA são conflituosos, peloque estas poderão ter de ser reconsideradas.Face às características intrínsecas à condição, é im-

portante fazer a distinção entre idosos institucionali-zados e não institucionalizados. Assim, parece não exis-tir um benefício associado à suplementação de vitami-na D na prevenção de quedas em idosos não institu-cionalizados com níveis séricos normais de 25(OH)D(SORT B). Contudo, o mesmo poderá não se aplicar aindivíduos com níveis basais séricos baixos. Poderá ain-da existir uma associação entre a suplementação de vi-tamina D combinada com cálcio e a redução do riscode queda em idosos não institucionalizados, o que ca-rece de confirmação. Por outro lado, existe a possibili-dade de a suplementação de vitamina D, sobretudocombinada com o cálcio, estar indicada em idosos

institucionalizados (SORT B). A maioria dos estudosrealizados nesta população envolveu indivíduos comníveis basais 25(OH)D baixos, levantando a questão seestes resultados se aplicarão àqueles com níveis nor-mais. Assim, a ausência de efeito da vitamina D de-monstrada em alguns estudos poderá estar relaciona-da com o facto dos participantes envolvidos nos estu-dos não terem níveis de 25(OH)D suficientemente bai-xos de forma a terem algum benefício, pelo que seráimportante comprovar se os efeitos pretendidos sãodependentes dos níveis séricos basais de 25(OH)D. Àdata não existem estudos que comparem os efeitos dorastreio do défice de vitamina D com a ausência do ras-treio.20 Os resultados obtidos poderão dever-se aindaaos níveis baixos de vitamina D utilizados pela maioriados estudos. Doses intermédias de 1.600, 2.400 e 3.200IU parecem ser as mais eficazes (Tabela 3). No entan-to, faltam estudos que confirmem a dose ótima de vi-tamina D. Por outro lado, parece consensual que doseselevadas de vitamina D administradas de forma inter-mitente poderão ter efeito no aumento de quedas e fra-turas em idosos (SORT B). Alguns autores sugerem a su-plementação de vitamina D associada com o cálcio,apoiando-se na sua ação sinérgica. Contudo, os efeitosparecem ser não dependentes do tipo de vitamina Dque é utilizada.A análise das RS e MA revela que a maioria dos estu-

dos é de boa qualidade (NE 1), apresentando um ta-manho de amostra considerável (Tabela 4). Porém, exis-te ainda uma elevada heterogeneidade entre os ensaios,pelo que no futuro será importante realizar estudoscom metodologias mais uniformizadas, nomeada-mente envolvimento similar de homens e mulheres.Será ainda importante fazer a análise individualizadaem relação a indivíduos institucionalizados e não ins-titucionalizados. Além disso, ainda não está esclareci-do de que forma o estado cognitivo do indivíduo idosopoderá influenciar os resultados.

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAAnabela Barreto Silva

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0003-3788-2249

Recebido em 18-19-2019Aceite para publicação em 31-01-2020

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ABSTRACT

SUPPLEMENTATION OF VITAMIN D IN PREVENTION OF FALLS AND FRACTURES IN ELDERLY: AN EVIDENCE-BASED REVIEWIntroduction: Falls and fractures are an important cause of hospitalization and mortality in elderly individuals, contributing sig-nificantly to their loss of autonomy. The role of vitamin D in improving musculoskeletal disorders in elderly patients in the pre-vention of falls and fractures is still controversial.Aim: To determine the evidence of the effect of vitamin D supplementation on the prevention of falls and fractures in the el-derly.Data source: MEDLINE, The Cochrane Library, NGC, NICE, DARE, TRIP Database, USPSTF, AGS, and DGS.Methods: Research of studies published in the last 10 years (from February 1, 2009, to February 28, 2019) written in Portu-guese and English using the terms MeSH ‘Vitamin D’, ‘Accidental Falls’, and ‘Fractures, Bone’. Evaluation of the quality of thestudies and strength of recommendation was used in the Strength of Recommendation Taxonomy scale of the American Fa-mily Physician (SORT).Results: From the initial study, 514 articles were selected and 15 were selected because they met the defined inclusion crite-ria: six guidelines, eight systematic reviews (RS), and meta-analyses (MA) and one randomized clinical trial (RCT). Most guide-lines and NOC advocate vitamin D supplementation in the prevention of falls and fractures in the elderly. However, the RS andMA analyzes show discordant results in demonstrating that vitamin D supplementation has no effect on falls and fractures inthe elderly, particularly non-institutionalized. The effects may be greater in individuals with low baseline vitamin D levels.Conclusions: There is no benefit of vitamin supplementation in the prevention of falls and fractures (SORT B) in non-institu-tionalized elderly people without a deficit of 25(OH)D. Institutionalized elderly with a deficit of 25(OH)D should be supple-mented with vitamin D alone or combined with calcium (SORT B). Supplementation of high doses of vitamin D and intermit-tently may have deleterious effects (SORT B).

Keywords:Vitamin D; Falls; Fractures; Elderly.

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1. USF Aveiro-Aradas, ACeS Baixo Vouga. Faculdade de Ciências da Saúde, Universi-dade da Beira Interior.2. USF Viva Saúde, ACeS do Baixo Vouga.3. UCSP de Alcochete, ACeS Arco Ribeirinho.4. USF S. Julião, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras.5. Faculdade de Medicina, Universidade do Porto.6. USF Rodrigues Miguéis, ACeS Lisboa Norte.

INTRODUÇÃO

Adiabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma doençametabólica complexa envolvendo múltiplosmecanismos fisiopatológicos. Estima-se queem Portugal a prevalência global seja de

13,3%, representando mais de um milhão de portu-gueses, mas muitos destes doentes ainda estão pordiagnosticar.1-2 Diversas comorbilidades estão associa-das à DM2, das quais se destacam a obesidade e o ex-cesso de peso, presente em quase todos estes doentes,1

a hipertensão arterial (HTA), presente em cerca de me-tade dos casos,3 bem como a dislipidemia e a doençacardiovascular aterosclerótica, também presente na

Tiago Maricoto,1 José Pedro Antunes,2 Manuel Rodrigues Pereira,3 Susana Corte-Real,4 Tiago Taveira-Gomes,5 João Pedro Nobre6

Consenso AURORA: risco cardiovascular na pessoa comdiabetes mellitus tipo 2

RESUMOObjetivo: Desenvolver um documento de consenso orientado para a prática clínica no contexto da medicina geral e familiarrelativamente à gestão farmacológica do risco cardiovascular na pessoa com diabetes mellitus tipo 2.Métodos: Foi reunido um painel de seis especialistas em medicina geral e familiar que desenvolveu uma revisão bibliográficanão sistemática de recomendações clínicas, meta-análises e estudos originais e de revisão relativos ao controlo dos principaisparâmetros de risco cardiovascular no adulto com diabetes mellitus tipo 2. Foi analisada e debatida de modo exaustivo a evi-dência identificada que foi posteriormente sumarizada num conjunto de recomendações práticas.Resultados: Foram identificadas 23 fontes bibliográficas, entre recomendações clínicas, estudos originais, meta-análises e es-tudos secundários com base nos quais se elaboraram 13 recomendações relativas à terapêutica com antidiabéticos, cinco re-comendações relativas à terapêutica com anti-hipertensores, cinco recomendações relativas à terapêutica antidislipidémica e10 recomendações relativas à terapêutica com antiagregantes plaquetários.Conclusão: A gestão do risco cardiovascular e da insuficiência cardíaca na pessoa com diabetes mellitus tipo 2 constitui umexercício clínico desafiante que requer uma análise holística e individualizada de cada pessoa. Novas armas farmacológicas es-tão agora disponíveis e devem ser utilizadas de forma incisiva para garantir um controlo adequado da glicemia e dos fatores derisco cardiovascular, minimizando a morbimortalidade inerente às complicações da diabetes mellitus tipo 2.

Palavras-chave: Diabetes mellitus tipo 2; Medicina geral e familiar; Risco cardiovascular.

maioria dos casos,4-5 Trata-se de uma doença que podecontribuir para inúmeros desfechos adversos, como aprogressão da doença renal crónica (DRC),6 insuficiên-cia cardíaca (IC),7 enfarte agudo do miocárdio (EAM) eacidente vascular cerebral (AVC).8-9 A DM2 está asso-ciada a cerca de 3,8% das mortes ocorridas em Portu-gal e, apesar da sua morbilidade ter vindo a diminuirnos últimos anos, representa cerca de 1% do PIB e 10%do total da despesa nacional em saúde.1

A DM2 reduz a esperança média de vida em cerca de10 anos e a principal causa de morte nestes doentes sãoas doenças cardiovasculares (DCV), estimando-se quemais de dois terços das pessoas com DM2 acima dos 65anos venham a morrer de alguma forma de DCV. Por ou-tro lado, a DM2 cruza-se com as doenças cardiovascu-lares a todos os níveis e tem fortes implicações no de-senvolvimento e progressão da DCV. Desde o Framing-ham Heart Study,10 entre outros estudos seminais, sabe--se que a DM2 é um importante fator de risco

revisõesDOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12744

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cardiovascular (RCV), agravando substancialmente orisco de EAM, IC, doença arterial periférica (DAP) e AVC.Além disso, nos doentes com DCV estabelecida a DM2é um fator de prognóstico adverso.10 Em 1998, Haffner ecolaboradores mostraram que a incidência de EAM emdoentes com DM2 é duas a cinco vezes maior do que emdoentes sem DM2,11 o que levou a DM2 a ser conside-rada um equivalente de DCV estabelecida ou EAM pré-vio, enfatizando a importância da aterosclerose na DM2.

Neste sentido, o foco das orientações clínicas dirigi-das ao tratamento da DM2 foi evoluindo, passando daênfase no controlo glicémico para a prevenção dascomplicações da DCV. Tem vindo a ser aconselhado umcontrolo cada vez mais agressivo dos fatores de RCV eapontando como alvo glicémico aquele que minimizaas complicações de DCV e de mortalidade.1-2

A relação entre a DM2 e a doença aterosclerótica le-vou a uma valorização pronunciada das complicaçõesmicro e macrovasculares da DM2 em comparação coma associação entre a IC e a DM2. De facto, desde 1979 queos dados do Framingham Heart Study sugerem que aDM2 duplica o risco de IC nos homens e quintuplica esterisco nas mulheres, uma discrepância de género que ain-da não é completamente compreendida.10 A IC é um dosmarcadores de prognóstico mais adverso nos doentescom DCV estabelecida, estando a concomitância de ICe DM2 associada a um pior estado funcional e a um au-mento da mortalidade, nomeadamente por DCV e portodas as causas, quer em doentes com fração de ejeçãoreduzida quer com fração de ejeção preservada.12

A DM2 associa-se a uma prevalência elevada de dis-função ventricular esquerda, tanto diastólica como sis-tólica, e acelera o desenvolvimento de IC. Para alémdos preditores cardíacos de IC, como a disfunção ven-tricular esquerda, a hipertrofia ventricular esquerda ea doença coronária, a probabilidade de desenvolvi-mento de IC aumenta com um mau controlo glicémi-co, com a duração da DM2, com o tratamento com in-sulina e com a presença de complicações microvascu-lares.12 Os resultados de múltiplos ensaios clínicos alea-torizados bem como diversos estudos observacionaisdemonstram que a IC é quase tão comum como ascomplicações isquémicas nos doentes com DM2, per-manecendo como uma das principais causas de inter-namento hospitalar nesta população.1-2,12 Enquanto ocontrolo dos fatores de RCV convencionais (como a

HTA, o tabagismo e a dislipidemia) reduz a incidênciadas complicações isquémicas, a IC continua a ser umproblema sem terapêutica específica na DM2, para oqual o controlo glicémico intensivo tem mostrado con-ferir pouco benefício.

O tratamento da DM2 passa pela adoção de medi-das de estilo de vida saudáveis e, na maioria dos casos,por instituição concomitante de terapias farmacológi-cas.13 Têm surgido múltiplas opções terapêuticas nos úl-timos anos endereçadas aos diferentes mecanismos fi-siopatológicos intervenientes no desenvolvimento deDM2.14 O seu uso deve considerar o equilíbrio entre aeficácia na redução da glicemia, os benefícios no con-trolo da DCV, os efeitos secundários, os custos e as pre-ferências individuais da pessoa.13 A metformina man-tém-se como o fármaco de eleição para o tratamentoinicial da DM2;15 no entanto, é frequente a associaçãoou substituição por outros antidiabéticos, seja por nãoatingimento dos alvos terapêuticos, intolerância oucontraindicação. No que respeita às restantes classesfarmacológicas destaca-se, desde 2008, a avaliação daeficácia e segurança dos inibidores do cotransportadorde sódio e glicose 2 (iSGLT-2) e dos agonistas do rece-tor do glucagon-like peptide 1 (arGLP-1). Na generali-dade, os resultados têm apontado para a superiorida-de de alguns destes fármacos na redução do risco deeventos cardiovasculares adversos e de mortalidade.16-17

Este fator levou a várias atualizações recentes das prin-cipais recomendações internacionais, que colocam es-tas classes como opção preferencial em casos em doen-tes com ou sem DCV estabelecida.13,18-20 Adicionalmen-te, alguns destes fármacos têm efeitos benéficos, no-meadamente na redução de peso, tanto os iSGLT2 comoos arGLP1, ou na diminuição da pressão arterial e naproteção renal, no caso dos iSGLT2. Em relação a estesúltimos, a partir dos primeiros ensaios clínicos21-23 di-versos outros estudos e subanálises têm demonstradoos benefícios desta classe na redução do risco de mor-talidade cardiovascular global, redução de interna-mentos e mortalidade por IC. No que respeita aosarGLP-1, os principais estudos demonstraram resulta-dos heterogéneos, revelando alguns potenciais benefí-cios na mortalidade cardiovascular global e cardio-re-nal.24,26 Outros estudos têm ainda revisitado o papel daterapêutica antitrombótica em prevenção primária deeventos em pessoas com DM2, idosos e pessoas com

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fatores de RCV8-9,27,28 e novos estudos têm abordado otratamento destes doentes mesmo após ocorreremeventos coronários agudos, sugerindo novos protoco-los de atuação farmacológica à prática clínica.29-30

Já em relação ao tratamento farmacológico da disli-pidemia e hipertensão arterial não têm surgido novosfármacos recentes e, apesar de novas evidências teremsurgido sobre a eficácia de algumas opções terapêuti-cas e associações fixas sobre os principais outcomes,poucas alterações têm surgido recentemente.

O médico de família desempenha um papel central nagestão da DM2. Assim, pretende-se sumarizar, de modoorientado para a prática clínica, a evidência relativa àgestão do RCV e da IC na pessoa com DM2, integrandoorientações relativas à terapêutica antidiabética, anti-dislipidémica, anti-hipertensora e antitrombótica.

MÉTODOSFoi reunido um painel de seis especialistas em me-

dicina geral e familiar que desenvolveram o trabalho emtrês fases, que se descrevem seguidamente.

Na primeira fase realizou-se uma pesquisa biblio-gráfica não sistemática utilizando as bases de dadosMEDLINE e Central com os termos livres “Diabetesmellitus tipo 2”, “risco cardiovascular”, “anti-agregação”,“terapêutica antitrombótica”, “hipertensão arterial”,“síndrome coronário agudo” “dislipidemia” e seus res-petivos equivalentes MeSH, nomeadamente DiabetesMellitus, Cardiovascular Diseases, Platelet AggregationInhibitors, Hypertension, Acute Coronary Syndrome eDyslipidemias. Foram consideradas orientações clíni-cas, meta-análises, revisões sistemáticas e estudos ori-ginais relativos à população adulta.

Na segunda fase, os estudos foram analisados e de-batidos de modo exaustivo pelo painel de modo a al-cançar consenso na interpretação da evidência cientí-fica e das recomendações publicadas, à luz da práticaclínica em medicina geral e familiar.

Na terceira fase foram desenvolvidas por consensoas recomendações seguidamente apresentadas, que su-marizam os principais aspetos a considerar na gestãodo RCV e da IC na DM2, e elaborado um diagrama querepresenta as mesmas de um modo integrado.

RESULTADOSDa pesquisa bibliográfica inicial, e após análise do

painel de peritos, recolheram-se 23 fontes bibliográfi-cas relevantes, entre normas de orientação e guidelines,meta-análises e estudos originais adicionais, que sus-tentam as principais recomendações elaboradas. A Fi-gura 1 resume as principais recomendações na abor-dagem do RCV da pessoa com DM2 e suas principaiscomorbilidades e complicações.

Recomendações para terapêutica antidiabética1. Para além do controlo glicémico, deverão ser privi-

legiadas terapêuticas que permitam uma aborda-gem multifatorial no tratamento da DM2.13,18-20

2. De modo a maximizar a adesão à terapêutica, aabordagem farmacológica deve ser discutida eacordada com o doente e individualizada para oseu perfil.13,18-20

3. Deve privilegiar-se a utilização de fármacos comperfil de efetividade e segurança favoráveis, no-meadamente com baixo risco de hipoglicemia e deaumento ponderal.13,18-20

4. A metformina continua a ser a primeira linha far-macológica no tratamento da DM2.13,18-20

5. Nas pessoas com DM2 e fatores de RCV e que nãoatingem o alvo glicémico com metformina em mo-noterapia deve ser considerada terapêutica adicio-nal com um iSLGT-2 ou arGLP-1.31

6. Na pessoa com DM2, com DCV aterosclerótica es-tabelecida ou IC, ou DRC, que esteja controladacom terapêutica dupla antidiabética sem benefí-cio cardiovascular, é recomendada a substituiçãodo fármaco de 2ª linha por uma das classes que te-nha demonstrado benefício cardiovascular: iSGLT--2, caso a função renal o permita, ou arGLP-1.13,18-20

7. Os inibidores da DPP-4 devem ser considerados noidoso frágil como terapêutica de 2ª linha.13,18,32

8. Os iSGLT-2 disponíveis em Portugal reduzem o ris-co de EAM, AVC e morte por causa cardiovascularem indivíduos com DCV estabelecida.21-22,33-34

9. Os arGLP-1, nomeadamente dulaglutido, liragluti-do e semaglutido, reduzem o risco de EAM, AVC emorte por causa cardiovascular.17

10. Os iSGLT-2 constituem uma importante terapêuti-ca para a prevenção das hospitalizações por IC napessoa com DM2. Este efeito parece não estar de-pendente do RCV ou IC prévios. Este benefíciomantém-se em diferentes espectros de perfil

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cardiovascular da pessoa com DM2 (Tabelas 1 e 2).16

11. Independentemente da função renal, os iSGLT-2demonstraram reduzir a progressão da DRC emdoentes com e sem DCV estabelecida.35-37

12. Em doentes que apresentem DRC (albuminúria > 30mg/g e/ou diminuição da TFGe < 90mL/min//1,73m2) deve ser privilegiada a instituição deiSGLT-2,38 considerando as características do me-dicamento.

13. As associações fixas de fármacos antidiabéticosconstituem uma importante ferramenta para pro-mover a adesão à terapêutica.39

Recomendações para terapêutica anti-hipertensora1. Na pessoa com DM2, HTA e DCV estabelecida ou

doente de muito alto RCV, o objetivo clínico de pres-são arterial é < 130/80mmHg, se alcançado com se-gurança,18,40 mas não < 120/70; nos indivíduos commais de 65 anos o objetivo de pressão arterial sis-

tólica deverá ser 130-139mmHg, mas nos idososfrágeis os valores-alvo poderão ser mais elevados edefinidos caso a caso para evitar iatrogenia.40

2. O tratamento da HTA na pessoa com DM2 deve in-cluir classes farmacológicas que demonstraram re-duzir eventos cardiovasculares neste perfil de doen-tes, concretamente os inibidores da enzima conver-sora da angiotensina, os antagonistas dos recetoresda angiotensina II, diuréticos (e.g., tiazídicos ou tia-zide-like) ou antagonistas dos canais de cálcio.18,40

3. A terapêutica de primeira linha no tratamento dahipertensão arterial na pessoa com DM2 e DRC de-verá ser um inibidor da enzima conversora da an-giotensina ou um antagonista de recetores da an-giotensina II. Quando necessário, deve ser consi-derada uma associação com bloqueador dos ca-nais de cálcio para atingir o alvo terapêutico.40

4. Quando os alvos de pressão arterial não estão a seralcançados com três classes anti-hipertensoras,

TERAPÊUTICAANTITROMBÓTICA

SEM DCV: Terapêutica antitrombótica não recomendada.

DCV/DAP/STENT ELETIVO AAS 100mg.

Nota: Após AVC, iniciar AAS em <48 horasO PRIMEIRO ANO APÓS SCA: Iniciar Ticagrelor 90mg no 1º dia; Dupla antiagregação com AAS+Ticagrelor 12

meses; Considerar descontinuação de Ticagrelor aos 6 meses se risco hemorrágico elevado.

PREVENÇÃO DE LONGA DURAÇÃOAPÓS SCA: AAS baixa dose após os 12 meses;Manter dupla antiagregação após 12 meses se risco hemorrágico baixo;

Se risco isquémico elevado, é preferencial Ticagrelor 60mg + AAS.

ALVO INDIVIDUALIZADO

FÁRMACO 1ª LINHA: Metformina

FÁRMACOS 2ª LINHA: DCV/RCV: iSGLT2/aGLP1Idosos frágeis: iDPP4

ALVO DE LDL-c: RCV alto: 70 mg/dL RCV muito alto(+FR/LOA/DCV): 55 mg/dL

FÁRMACO 1ª LINHA: Estina alta potência

FÁRMACO 2ª LINHA Estatina + Ezetimibe

ALVO: 130/80 mmHg (exceto se>65 anos ou frágeis)

FÁRMACOS 1ª LINHA: IECA/ARA*; Diurético tiazidico; BCC*1ª linha se lesão renal

Gestão do risco cardiovascular da pessoa com diabetes tipo 2

DIABETES DISLIPIDEMIA

HIPERTENSÃO

1ª linha: ABORDAGEM NÃO FARMACOLÓGICA E MUDANÇAS NO ESTILO DE VIDA

2ª linha: TRATAMENTO FARMACOLÓGICO:

Figura 1. Diagrama resumo das recomendações práticas na gestão do risco cardiovascular do doente com diabetes tipo 2 e suas principaiscomorbilidades.AAS - Ácido acetilsalicílico; ARA - Antagonista dos recetores da angiotensina; AVC - Acidente vascular cerebral; BCC - Bloqueador dos canais de cál-cio; DAP - Doença arterial periférica; DCV - Doença cardiovascular; IECA - Inibidor da enzima de conversão da angiotensina; LOA - Lesão de órgão--alvo; RCV - Risco cardiovascular; SCA - Síndroma coronária aguda.

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incluindo diuréticos, a terapia farmacológica comantagonistas dos recetores dos mineralocorticoi-des deve ser considerada.40

Recomendações para terapêutica antidislipidémica

1. A terapêutica farmacológica com estatina de alta po-tência (atorvastatina 40-80mg ou rosuvastatina 20--40mg) deve ser considerada na pessoa com DM2.18

2. O alvo de LDL na pessoa com DM2 deve situar-se em< 70mg/dL nos doentes com RCV alto e < 55mg/dLnos casos de RCV muito alto (múltiplos fatores de ris-co, lesão de órgão-alvo ou DCV estabelecida).41

3. Quando o doente com DM2 e DCV estabelecidaapresenta um valor de colesterol LDL superior ouigual a 70mg/dL, estando sob terapêutica com es-

tatina na dose máxima tolerada, deve-se conside-rar a associação com ezetimiba.18

4. Até ao momento, os estudos aleatorizados para ava-liar o impacto da associação terapêutica entre es-tatina e fibrato em pessoas com DM2 e de elevadoRCV não demonstraram benefício cardiovascular,não sendo por isso uma associação recomendada.18

5. A associação farmacológica com estatina e niacinanão é recomendada por falta de benefício para o RCVe por se ter verificado aumento do risco de AVC.18

Recomendações para terapêutica antitrombótica nodoente com DM2Doentes sem eventos coronários prévios: pré-evento

1. Em doentes com DM2 sem doença coronária

Variável EMPA-REG OUTCOME Programa CANVAS DECLARE TIMI 58

Fármaco Empagliflozina Canagliflozina Dapagiflozina

População 7020 10142 17160

Mediana de seguimento (anos) 3,1 3,6 4,2

Doença cardiovascular aterosclerótica conhecida 99 66 41

Insuficiência renal 26 20 7

Sexo feminino 29 36 37

Utilização de insulina no início do estudo 48 50 41

HbA1c (%) 8,1±0,8 8,7±1,5 8,3±1,2

Taxa de evento no grupo placebo (%/ano) 4,4 3,2 2,4

TABELA 1. Principais características dos estudos de segurança cardiovascular com iSGLT-2

Nota: Adaptado de Home P. Diabetologia 2019. https://doi.org/10.1007/s00125-018-4801.

Estudo Tratamento 3P - MACE Morte CV Mortalidade por Hospitalização Marcador detodas as causas por IC lesão renal

EMPA-REG OUTCOME Empagliflozina 0,86 0,62 0,68 0,65 0,54(0,74, 0,99) (0,49, 0,77) (0,57, 0,82) (0,50, 0,85) (0,40, 0,75)

CANVAS Programc Canagliflozina 0,86 0,90 0,87 0,67 0,60(0,75, 0,97) (0,71, 1,15) (0,74, 1,01) (0,52, 0,87) (0,47, 0,77)

DECLARE TIMI 58 Dapagliflozina 0,93 0,98 0,93 0,73 0,53(0,84, 1,03) (0,82, 1,17) (0,82, 1,04) (0,61, 0,88) (0,43, 0,66)

TABELA 2. Principais resultados dos estudos de segurança cardiovascular com iSGLT-2

Legenda: CV = Cardiovascular; IC = Insuficiência cardíaca; MACE = Eventos cardiovasculares adversos major.

Nota: Adaptado de Home P. Diabetologia 2019. https://doi.org/10.1007/s00125-018-4801.

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diagnosticada, o benefício da utilização do AAS embaixa dose é ultrapassado pelo risco hemorrágico,pelo que esta estratégia não é recomendada.27

2. O AAS deve ser utilizado como estratégia de pre-venção secundária (100mg/dia), em doentes comDM2 e doença coronária estável ou DAP concomi-tante*.8,27

3. O AAS deve ainda ser utilizado em doentes com co-locação eletiva de stent. Em alternativa, pode serutilizado clopidogrel 75mg/dia.8

4. Em doentes com DM2 após um AVC é recomenda-do iniciar o tratamento com AAS dentro das pri-meiras 48h após evento, de forma a prevenir even-tos coronários.42

Doentes com síndroma coronária aguda: no momen-to do evento e primeiros 12 meses

1. Em doentes com síndroma coronária aguda, tica-grelor (180mg dose de carga, seguindo-se 90mg bidcomo dose de manutenção) em conjunto com AASestá recomendado, independentemente da estra-tégia de tratamento (gestão farmacológica, inter-venção coronária percutânea, cirurgia de revascu-larização do miocárdio), incluindo em doentes pre-viamente tratados com clopidogrel.43

2. Em doentes com SCA recomenda-se dupla anti-agregação plaquetária (DAPT) por um período de12 meses, preferencialmente associação de AAS eticagrelor.43

3. Em doentes com síndroma coronária aguda e co-locação de stent, caso o risco hemorrágico seja con-siderado elevado (score PRECISE-DAPT ≥ 25) podeconsiderar-se descontinuar a terapêutica comDAPT após 6 meses de tratamento (Tabela 3).43

Doentes com síndroma coronária aguda: prevençãode novos eventos

1. Após os primeiros 12 meses é recomendado o tra-tamento com AAS em baixa dose para todos osdoentes. Caso não seja tolerado deve ser conside-rado clopidogrel como substituição.8

2. Independentemente da estratégia de tratamento,doentes que tolerem DAPT sem complicações he-

morrágicas major (hemorragias fatais, intracrania-nas ou conducentes a transfusão de sangue ou in-ternamento) durante o primeiro ano podem con-tinuar com DAPT para além desse período. Paraavaliar o risco nestes doentes pode ser calculado oScore DAPT aos 12 meses (Tabela 3).42

3. No doente com síndroma coronária aguda de ele-vado risco isquémico sem complicações hemorrá-gicas, ticagrelor 60mg bid em associação com AASpode ser a estratégia preferida para além dos 12 me-ses, preferencialmente a clopidogrel ou prasugrel.43

DISCUSSÃOEste documento resume, de forma prática e orien-

tada para o RCV global, a abordagem farmacológica dapessoa com DM2 e suas principais complicações car-diovasculares. Os principais resultados apresentadosresumem as recomendações mais adaptadas à práticada medicina geral e familiar, recolhidas das principaisorientações clinicas, dos resultados das meta-análisese ensaios clínicos mais recentes e relevantes, e estabe-lecendo um estado da arte.

A abordagem farmacológica integrada da pessoacom DM2 exige uma visão cuidadosa e holística. Subli-nha-se a importância desta abordagem em detrimen-to da glicocêntrica, com particular atenção o RCV glo-bal. É fundamental ultrapassar a inércia terapêutica eprocurar conferir proteção aos múltiplos fatores de ris-co de forma a melhorar a sua esperança e qualidade devida futuras. É igualmente importante considerar todasas comorbilidades, sendo que hoje, mais do que nun-ca, é possível ajustar a terapêutica de forma personali-zada e centrada na pessoa.

Tendo em conta que a DM2 afeta de forma adversadiversos aparelhos e sistemas, “the pump (heart failu-re), pipes (atherosclerosis) and filter (renal disease)”,44

estão agora à disposição novas armas terapêuticas queprometem proteger todos estes elementos, devendo es-tas ser consideradas na prática clínica habitual.

Resultados inesperados dos estudos de outcomescar-diovasculares com uma nova classe farmacológica parao controlo da hiperglicemia – os iSGLT2 – revelaram umanova arma para a IC nestes doentes, trazendo a relaçãoentre IC e DM2 para primeiro plano. Estes estudos de-monstraram um efeito robusto na redução dos interna-mentos por IC e mortalidade cardiovascular.

Os resultados do estudo THEMIS suportam a dupla antiagregação plaque-

tária com ticagrelor 60mg em doentes com DM2 e doença coronária.30

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A nefropatia diabética é uma complicação grave quesurge em cerca de 20 a 40% de todos os doentes comDM2.45 Por outro lado, a doença renal é um fator de ris-co independente para doença cardiovascular, asso-ciando-se à constelação de fatores que se juntam emtorno da pessoa com DM2. Os inibidores do SGLT2 de-mostraram igualmente reduzir de forma significativa aprogressão da doença renal crónica em doentes comDM2, mesmo em doentes já com tratamento otimiza-do. Esta classe farmacológica, juntamente com algunsdos arGLP-1, mostraram também reduzir a incidênciade complicações ateroscleróticas.

Há duas décadas que a prática estabelecida impli-cava a utilização de antiagregação simples com aspiri-na nos doentes com DM2, considerando o conceito deequivalente de doença cardiovascular estabelecida. Es-tudos ao longo dos últimos anos foram recomendando

a utilização de aspirina apenas nos doentes com DM ecom RCV mais elevado. Mais recentemente, dois estu-dos em 2018 – ASCEND27 e ARRIVE46 – revisitaram o pa-pel da aspirina como estratégia de prevenção primáriade eventos cardiovasculares nos doentes com DM2,mostrando que o efeito benéfico da aspirina em termosde redução de eventos isquémicos suporta um impor-tante custo em termos de complicações hemorrágicas,não se equilibrando a balança a favor de uma relaçãocusto-benefício favorável. Os efeitos farmacológicos daaspirina não mudaram ao longo dos anos, mas segura-mente mudaram as populações em estudo, uma vezque na era atual os doentes estão melhor tratados (diag-nóstico mais precoce, melhor controlo glicémico, ten-sional e da dislipidemia) e o seu risco remanescenteserá provavelmente menor. A aspirina continua, con-tudo, a demonstrar um claro benefício como estratégia

Score DAPT Score PRECISE-DAPT

Momento de cálculo Após 12 meses sem eventos com DAPT No momento da angioplastia e colocação do stent

Avaliação de estratégias DAPT de duração convencional (12 meses) vs DAPT curta (3-6 meses) vsde duração de DAPT DAPT de duração longa (30 meses) DAPT standard/longa (12-24 meses)

Cálculo do score Idade Valor Hemoglobina

≥ 75 -2 pt Contagem de glóbulos brancos

65 a < 75 -1 pt Idade

< 65 0 pt Clearence de creatinina

Fumador (cigarros) +1 pt Hemorragia prévia

Diabetes mellitus +1 pt Pontos do score

EM no momento da avaliação +1 pt

IPC ou MI anterior +1 pt

Stent com eluição de placlitaxel +1 pt

Diâmetro do stent < 3mm +1 pt

ICC ou FEVE < 30% +2 pt

Implante de stent venoso +2 pt

Alcance do score Amplitude -2 a 10 0-100 pontospontos

Cut-off de decisão Score ≥ 2 DAPT de duração longa Score ≥ 25 - DAPT curta sugerido Score < 2 DAPT de duração Score < 25 - DAPT standard/longa

convencional 12 meses

Calculadora www.daptstudy.org www.precisedaptscore.com

TABELA 3. Estratificação do risco hemorrágico em doentes com síndroma coronária aguda tratados com dupla antiagregação plaquetária

Legenda: DAPT = Terapêutica com dupla antiagregação plaquetar.

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de prevenção secundária, permanecendo como pedrabasilar no tratamento do doente com doença ateros-clerótica estabelecida.

Na abordagem da dislipidemia, contudo, não se re-gistaram grandes mudanças nos últimos anos, pelo me-nos em termos de recomendações terapêuticas e denovos fármacos. O foco continua a estar centrado namudança de estilo de vida e os fármacos de primeira li-nha para o controlo da dislipidemia continuam a ser asestatinas. O mesmo ocorre na terapêutica da hiperten-são, apesar de existir alguma evidência recente suge-rindo que a toma de um fármaco anti-hipertensor aodeitar possa ter benefícios no doente com DM2. Estaabordagem centrada em princípios de crenoterapia temsido ainda controversa, pelo que ainda não há reco-mendações formais nesse sentido.18,47

Apesar de a diabetes ser abordada e gerida por inú-meras espacialidades médicas, fruto da sua complexi-dade e abrangência, o médico de família é o profissio-nal que tem mais facilidade em ter uma visão de con-junto, podendo abordar a totalidade das áreas nas quaisa DM2 pode trazer complicações e gerir a prestação decuidados de outros problemas de saúde em simultâneo.Por outro lado, acompanha de perto estes doentes, con-tactando com eles de forma frequente. Neste sentido,exorta-se os médicos de família a assumir o papel cen-tral e aglutinador entre os vários especialistas que cui-dam da pessoa com DM2. O médico de família, en-quanto elemento central, será fundamental na escolhae na revisão contínua da terapêutica para controlo dahiperglicemia, na decisão sobre qual a melhor tera-pêutica antiagregante, no controlo da dislipidemia e dahipertensão arterial. A integração das particularidadese preferências da pessoa em tratamento é fundamen-tal para garantir o seu envolvimento no plano terapêu-tico de forma continuada, sendo um fator determinantena manutenção da qualidade de vida.

Espera-se que este documento permita ao clínicoencontrar as respostas a cada uma das questões se-guintes, que surgirão sempre que o médico se pergun-te se o doente que tem à sua frente está bem tratado:• O doente está bem controlado do ponto de vista gli-

cémico? Isto é, atinjo o meu alvo, com o maior be-nefício e o menor risco de efeitos secundários ou ia-trogénicos? Estou a maximizar a capacidade de pre-venir DCV aterosclerótica? Estou a maximizar a ca-

pacidade de prevenir a progressão da IC ou da DRC? • O doente tem a sua pressão arterial bem controlada?• Há evidência de doença renal (albuminúria ou di-

minuição da taxa de filtração glomerular)? Está me-dicado com fármacos modificadores do eixo renina--angiotensina? Há lugar a uso de um fármaco paracontrolo da hiperglicemia que ofereça proteção re-nal?

• Como está a ficha lipídica do doente e qual o seu im-pacto no seu perfil de risco? Está medicado com es-tatina? Precisará de ser intensificada a terapêutica?

• Haverá indicação para antiagregação plaquetária?Pelo seu perfil de comorbilidades, haverá indicaçãopara antiagregação simples? Ou necessita de tera-pêutica dupla face a um prévio evento coronário?A abordagem farmacológica deve ser, assim, inte-

grada, permitindo otimizar os benefícios terapêuticos,minimizando o risco para o doente e individualizandoa abordagem ao seu perfil clínico e pessoal, bem comopreferências, crenças e estilo de vida.

CONCLUSÃOEste trabalho de revisão, abordando os diversos as-

petos a considerar na pessoa com DM2, salienta a im-portância que esta doença apresenta ao envolver di-versos aparelhos e sistemas, para a qual a medicina ge-ral e familiar está direcionada, uma vez que, pela suaabrangência e especificidade, é a melhor posicionadapara a gestão completa do problema.

O médico de família assume, assim, um papel fun-damental na prestação de cuidados a estas pessoas,uma vez que tem uma visão de conjunto da pessoa, dasua doença, das comorbilidades e complicações. O mé-dico de família é o especialista mais próximo destesdoentes e, como tal, encontra-se numa posição privi-legiada para integrar essa visão aos desafios da pessoaem si, às suas preferências pessoais, ambições e ex-pectativas, ao seu estilo de vida, integrando, destemodo, o melhor balanço entre benefício e risco das te-rapêuticas instituídas.

Novos dados surgirão no futuro relativamente à te-rapêutica da DM2 e suas comorbilidades e complica-ções. Estão em curso estudos com novas classes e no-vos medicamentos que terão o potencial de abordar ascomplicações micro e macrovasculares como antes nãotinha sido conseguido, nomeadamente a insuficiência

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cardíaca ou a progressão da lesão renal. Poder-se-á avi-zinhar, então, uma era em que a morbimortalidade as-sociada à DM2 poderá começar a ser verdadeiramentecombatida na sua génese e, com isto, melhorar a qua-lidade de vida das pessoas.

O médico de família deverá estar na vanguarda des-te conhecimento, assumindo-se na linha da frente paraa gestão integrada da pessoa com DM2.

AGRADECIMENTOSNada a referir.

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram o apoio logístico e financeiro da companhia Astra-

Zeneca©. O trabalho foi elaborado com total isenção científica por parte

dos autores. A companhia AstraZeneca© não teve influência sobre os con-

teúdos ou julgamentos técnico-científicos na elaboração das recomenda-

ções aqui publicadas.

Manuel Rodrigues Pereira declara ainda que, entre 2015 e 2017, inte-

grou o Departamento Médico da Janssen e que, desde 2018, recebeu ho-

norários como prestador de serviços ou teve apoio para participação em

congressos e eventos similares das seguintes empresas que trabalham na

área da diabetes mellitus: AstraZeneca (no âmbito da elaboração deste ar-

tigo); Boehringer-Ingelheim; Eli Lilly and Company; NovoNordisk; e Tecni-

far.

FINANCIAMENTOA elaboração deste trabalho foi financiada pela companhia AstraZeneca©

na cobertura das despesas logísticas e operacionais inerentes. A AstraZeneca

não influenciou o conteúdo da publicação.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIATiago Maricoto

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0002-4201-9565

Recebido em 06-11-2019Aceite para publicação em 15-03-2020

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ABSTRACT

AURORA CONSENSUS: CARDIOVASCULAR RISK OF TYPE 2 DIABETIC PATIENTSObjective: To develop a consensus document, guided to general and family medicine clinical practice that addresses the keyaspects of the drug management on type 2 diabetes and its cardiovascular risk.Methods: An expert panel composed of six family doctors undertaken a non-systematic literature search and review, gatheringthe main international clinical guidelines and the most relevant meta-analysis, clinical trials and reviews, and regarding the ma-nagement of type 2 diabetes and its main cardiovascular outcomes. The selected references were further and exhaustively ana-lysed and then summarized on brief statements for clinical practice.Results:We identified 23 different bibliographic references, including guidelines, meta-analysis, and clinical trials, from whicha set of statements were developed, namely 13 statements for diabetic treatment, five for hypertension treatment, five for dys-lipidaemia therapy and 10 for anti-platelet therapy.Conclusion: The management of type 2 diabetes and its main cardiovascular outcomes must be personalized at an individuallevel, a challenge that requires a comprehensive understanding. New drug therapies are now available, and they must be usedin an incisive way to ensure good clinical control of type 2 diabetes and its further cardiovascular outcomes, and thus, reducingthe risk for additional comorbidities.

Keywords: Type 2 diabetes; General practice; Family medicine; Cardiovascular risk.

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300

1. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Vale do Vouga – São João daMadeira.2. Médico Assistente de Medicina Geral e Familiar. USF Vale do Vouga – São João daMadeira.

INTRODUÇÃO

Opapiloma escamoso do esófago (PEE) éuma lesão epitelial benigna, rara, geral-mente assintomática e descoberta comoum achado acidental durante a endoscopia

digestiva alta (EDA). Foi descrito pela primeira vez porAdler e colaboradores, 1959.1 A prevalência do PEE va-

Cláudia Pinho,1 Rosa de Pinho2

Papiloma escamoso do esófago: qual o papel etiológico do vírus do papiloma humano?

RESUMOIntrodução: O papiloma escamoso do esófago (PEE) é uma lesão epitelial benigna, rara, geralmente assintomática e descober-ta como um achado acidental durante a endoscopia digestiva alta (EDA). Dois fatores etiológicos possíveis têm sido descritos,sendo um deles a infeção pelo vírus do papiloma humano (HPV).Descrição do caso: O caso clínico apresentado relata o diagnóstico acidental de um PEE numa mulher de 38 anos, raça cauca-siana, com antecedentes de doença dispéptica, que integra uma família reconstruída desde 2015. É fumadora e tem um estilode vida sedentário, tendo diagnóstico de obesidade desde 2016. O seu Plano Nacional de Vacinação está atualizado, não ten-do feito vacinação contra HPV. Esta utente vem a uma consulta programada de Saúde de Adultos, por apresentar um quadrode dor epigástrica ocasional, associada a pirose e enfartamento pós-prandial, com cerca de seis meses de evolução. Foram re-comendadas alterações do estilo de vida, medidas higieno-dietéticas, prescrito omeprazol 20mg 1id. Passados três meses man-tém queixas dispépticas apesar de cumprida prova terapêutica e foi pedida EDA que revelou um “pólipo com 4mm (a 30cm dosincisivos) sugestivo de papiloma, removido na totalidade com pinça a frio”. O estudo histológico revelou “fragmentos da mu-cosa esofágica compatíveis com papiloma escamoso”.Comentário: O caso clínico apresentado relata o diagnóstico e o seguimento de um PEE numa mulher com fatores de riscopara provável etiologia por infeção por vírus do papiloma humano (HPV). Para a abordagem deste tipo de lesão, com possíveletiologia vírica, não existem recomendações oficiais dos prazos de vigilância ou da atitude preventiva necessária ao nível doscuidados de saúde primários, pelo que foi procurada a colaboração da especialidade de gastrenterologia. Este caso procura re-lembrar os fatores etiológicos que podem estar na base deste tipo de lesões e o papel do médico de família no diagnóstico, se-guimento e vigilância dos fatores de risco que podem favorecer o aparecimento deste tipo de lesões.

Palavras-chave: Papiloma; Papillomaviridae; Mucosa esofágica; Medicina geral e familiar.

ria de 0,01 a 0,45% de acordo com as séries endoscópi-cas, sendo mais frequente em homens de meia-idade.O PEE está geralmente localizado no esófago distal e as-semelha-se a uma única lesão séssil pequena, esbran-quiçada e elevada. O aspeto endoscópico é caracterís-tico, mas não patognomónico.2 Para além da irritaçãocrónica da mucosa, a infeção pelo vírus do papilomahumano (HPV) tem sido descrita como um dos fatoresetiológicos envolvidos no desenvolvimento deste tipode lesões. Embora o seu papel na etiopatogenia e po-tencial de malignidade ainda permaneça por esclare-cer, alguns estudos reconhecem a importância da

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pesquisa destes vírus nestes casos, uma vez que a pre-sença de vírus com potencial de causar lesões pré-ma-lignas ou malignas poderia modificar o seguimentodestes doentes.4

Este caso procura relembrar os fatores etiológicosque podem estar na base do PEE e o papel do médicode família no diagnóstico, seguimento e vigilância dosfatores de risco que podem favorecer o aparecimentodeste tipo de lesões.

DESCRIÇÃO DO CASOIdentificação e história pessoal

Mulher de 38 anos, raça caucasiana, natural de Ma-cieira de Sarnes, residente em São João da Madeira. Temuma escolaridade de quatro anos e trabalha como ope-radora de máquinas no fabrico de calçado.

Trata-se de uma utente com antecedentes de per-turbação ansiosa/depressiva, desde 2007, com históriade um episódio de automutilação em 2013, sendo se-guida em consulta de psiquiatria desde então. Em 2008apresentou queixas de dispepsia, pelas quais fez umaEDA, que revelou sinais sugestivos de gastrite, tendosido medicada com inibidor da bomba de protões, comresolução dos sintomas. Foi submetida a colecistecto-mia em janeiro de 2009, por um quadro de litíase vesi-cular. Tem diagnóstico de hipertensão arterial (HTA)essencial desde 2017. É fumadora desde 2011 (com umacarga tabágica de 10 unidades maço-ano), sem consu-mos etílicos ou outros consumos toxicológicos conhe-cidos. Tem um estilo de vida sedentário, tendo diag-nóstico de obesidade desde 2016. O seu Plano Nacio-nal de Vacinação está atualizado, não tendo feito vaci-nação contra HPV. A última citologia cervico-vaginal(CCV) da utente foi em 2016, pelo programa de rastreiodo cancro do colo do útero e encontrava-se sem alte-rações. Desconhece alergias medicamentosas ou ali-mentares. A sua medicação atual inclui sertralina 50mgid e ramipril 2,5mg id.

Caracterização familiarA utente integra uma família reconstruída, vivendo

uma relação homossexual com a atual parceira desde2015. A utente classifica a sua família como altamentefuncional (9 pontos), segundo o Apgar Familiar deSmilksteine integra uma classe socioeconómica IV (mé-dia-baixa), segundo a escala de Graffar. O genograma

desta família e a psicofigura de Mitchell encontram-serepresentados na Figura 1.

História da doença atualConsulta programada de saúde de adultos (20/02/2018)

A utente marca esta consulta por apresentar um qua-dro de dor epigástrica ocasional, associada a pirose eenfartamento pós-prandial, com cerca de seis meses deevolução. Negava regurgitação, disfagia, odinofagia, vó-mitos, alterações do trânsito intestinal ou perda depeso. O exame objetivo não tinha alterações de relevo.

Face às queixas apresentadas colocaram-se, comohipóteses de diagnóstico, uma doença do esófago (mo-tilidade vsDRGE) ou uma alteração funcional do estô-mago, com provável agudização de um quadro de gas-trite diagnosticado em 2008. Tendo em conta o longoperíodo assintomático, foram inicialmente recomen-dadas alterações do estilo de vida e medidas higieno-dietéticas, prescrito omeprazol 20mg 1id, como provaterapêutica, e marcada consulta de reavaliação. A uten-te volta três meses depois, mantendo as queixas dis-pépticas, apesar de cumprida a prova terapêutica, e foipedida a EDA.

Consulta programada de saúde de adultos (10/07/2018)

A utente volta à consulta com o resultado da EDA,que revelou um “pólipo com 4mm (a 30cm dos incisi-vos) sugestivo de papiloma, removido na totalidade compinça a frio. Hérnia de hiato com transição esofagogás-trica aos 35cm e impressão diafragmática aos 38cm”. Oestudo histológico revelou “fragmentos da mucosa eso-fágica compatíveis com papiloma escamoso. Lesões degastrite crónica em fragmentos da mucosa gástrica docorpo e antro, com sinais de ligeira atividade e com evi-dência de atrofia ligeira, mas sem sinais de metaplasiaintestinal ou displasia. Helicobacter pylori positivo.”

Perante os resultados da EDA, a utente foi medicadapara a infeção por Helicobacter pylori com terapia tri-pla (omeprazol 20mg + amoxicilina 1000mg + levoflo-xacina 500mg) e reforçadas a medidas higieno-dietéti-cas. Tendo em conta os hábitos tabágicos da utente e oinsucesso das tentativas anteriores de deixar de fumar,foi acordado com a utente a referenciação para consultade cessação tabágica.

Para esclarecimento do seguimento mais adequadoao diagnóstico de papiloma escamoso do esófago foi

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contactado o serviço de gastrenterologia do centro hos-pitalar de referência, que recomendou uma reavaliaçãoda utente, por EDA, ao fim de seis meses, tendo emconta que o papiloma foi removido na sua totalidade,para avaliar a recorrência do mesmo ou o aparecimen-to de novas lesões.

Consulta programada de saúde de adultos (15/01/2019)

Nesta consulta, a utente, manifestando ligeira me-lhoria das queixas dispépticas, volta com o resultado danova EDA, que revelou “pólipo com 4mm (a 35cm dosincisivos) sugestivo de papiloma, removido na totalida-de com pinça a frio.”O estudo histológico revelou “pa-piloma escamoso, com aspetos sugestivos de infeção ví-rica.”

Nesta EDA, a utente mantinha as lesões de gastrite

crónica superficial, já sem sinais de atividade e sem si-nais de atrofia, e mantinha a hérnia de hiato, descritana EDA anterior.

Tendo em conta o aparecimento de uma nova lesãoe a possibilidade de infeção vírica, a utente foi referen-ciada para consulta hospitalar de gastrentetologia.

COMENTÁRIOO caso clínico apresentado é um exemplo típico de

como um achado acidental da EDA se pode converternum diagnóstico de PEE.

Ainda que se trate de uma lesão histologicamente be-nigna e geralmente assintomática, alguns casos de dis-fagia foram associados ao crescimento do papiloma,com melhora após a resseção endoscópica e tambémde estenose acentuada do lúmen do esófago com

Figura 1. Genograma familiar (janeiro 2019).

AF

IV

1930-2012

Ca Próstata

ID1937

FumadorCa Pulmão

Ca Mama

1946

NF1950-2016

JN1955-2014

MN1955

1974IC

DO1976

SuN1976

MF1979

1997 1998 2013

MN1977

DA1999

JN1998 2015

PO?

RL1977

SN1979

MP1974

PM1976

2014

20051998-2004

JG1978

STCPatologiaOmbroEsteatoseHepática

NG1999

Fumador

AP2005

ML1999

PatologiaOftalmológicaDesconhecidaAlergias

alimentares

PatologiaOftalmológicaCongénita?

1997 - ?

HTA

TN

Legenda

Homem

Mulher

Morte

Casamento

União de Facto

Relacionamentosexual

Divórcio

Pessoa Índice

Relação Conflituosa

Agregado Familiar

Relação Excelente

CA - CarcinomaIC - Insuficiência CardíacaHTA - Hipertensão ArterialSTC - Síndrome Tunel Cárpico

18/01/2019

III

II

I

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necessidade de dilatações frequentes, pelo que a suaresseção é recomendada. Os tratamentos do PEE atual-mente descritos incluem a criocirurgia, o laser e a ex-cisão eletrocirúrgica com pinças de biópsia.6-7

A patogénese do PEE permanece desconhecida; con-tudo, dois fatores etiológicos têm sido propostos. O pri-meiro é a irritação crónica da mucosa devido a fatoresquímicos e/ou mecânicos, como a doença do refluxo,trauma e o consumo de álcool ou tabagismo. Isto podeexplicar por que dois terços dos casos de PEE se locali-zam no terço inferior do esófago, um local exposto a ir-ritação crónica do refluxo de ácido gástrico.

O segundo fator etiológico proposto foi a infeçãopelo vírus do papiloma humano (HPV) que, embora te-nha sido identificado em algumas lesões, o seu papelna etiopatogenia do PEE permanece por esclarecer, as-sim como o seu potencial de malignidade.3 Ainda assim,alguns estudos reconhecem a importância da pesqui-sa deste vírus nestes casos, uma vez que a presença devírus com maior potencial de causar lesões pré-malig-nas ou malignas poderia modificar o seguimento des-tes doentes.4

Neste caso clínico, a utente apresentava alguns fato-res etiológicos possíveis ao nível da irritação crónica damucosa, como o tabagismo, a obesidade, a gastrite e ahérnia de hiato. Por isso, foram recomendadas altera-ções de estilo de vida (com ênfase nas medidas anti-rrefluxo) e correção dos erros alimentares da utente aolongo das consultas. Foi ainda elaborado um plano ali-mentar com o objetivo de redução do peso e dos sinto-mas dispépticos e foi acordada com a utente a referen-ciação para consulta de cessação tabágica, uma vez quea utente se encontrava motivada a deixar de fumar e asanteriores tentativas não tiveram sucesso.

Ao nível da possível infeção pelo HPV, a utente temcomo fatores de risco os múltiplos relacionamentos he-terossexuais, com vários contactos sexuais desprotegi-dos, anteriores ao atual relacionamento homossexual,juntamente com o facto de nunca ter sido vacinadacontra a infeção por HPV.

No tubo digestivo, o HPV pode ser encontrado ao ní-vel da boca, faringe, esófago e ânus, infetando exclusi-vamente células epiteliais. A sua via de transmissão épor contacto direto e, embora a infeção oral se associea práticas sexuais de risco, nenhuma relação foi, atéagora, estabelecida entre este tipo de práticas e o de-

senvolvimento de papilomas esofágicos.5 Apesar disso,e pensando no facto dos PEE desta utente terem umalocalização mais proximal (o primeiro a 30cm e o se-gundo a 35cm dos incisivos), ao contrário da maioriados casos, e da presença de aspetos sugestivos de infe-ção vírica descritos pela última EDA, a probabilidade deuma etiologia viral ficou reforçada. Uma vez que a CCVda utente foi atualizada em 2016 pelo programa de ras-treio do cancro do colo do útero, encontrando-se semalterações, a vigilância da utente foi mantida dentro doesquema recomendado pela DGS. Quanto à parceira, aúltima CCV, realizada em 2016, não foi incluída no pro-grama de rastreio, pelo que foi aconselhada a sua atua-lização. Neste sentido, a utente e a companheira foramtambém sensibilizadas para o modo de propagação dovírus e foi recomendada a utilização de contraceção debarreira até que fossem obtidos mais esclarecimentosacerca da etiologia dos PEE da utente. A vacinação con-tra o HPV foi proposta à utente e à sua atual compa-nheira, uma vez que corresponde a uma medida pre-ventiva na infeção por variadas estirpes do vírus; con-tudo, a condição socioeconómica da utente foi um fa-tor limitante na aplicação desta medida.

Uma vez que não foram encontradas recomenda-ções oficiais dos prazos de vigilância adequados a estetipo de papilomas foram seguidas as recomendações dacolega de gastrenterologia, tendo-se marcado reavalia-ção e repetição da EDA no prazo de seis meses. Embo-ra a resseção seja completa, o PEE pode recidivar comfrequência,8 o que se verificou neste caso, com o apa-recimento de uma nova lesão, seis meses depois, comas mesmas dimensões, localizada a cinco centímetrosda lesão anterior. A presença de um novo papiloma comaspetos sugestivos de infeção vírica, aliada à presençade fatores de risco para infeção por HPV, levou à ne-cessidade de encaminhar a utente para consulta hos-pitalar de gastrenterologia para um seguimento maisadequado e melhor caracterização da etiologia das le-sões, nomeadamente por tipagem do genótipo viralpresente na última lesão. O tratamento do PEE tem, emprimeiro lugar, o benefício de evitar as complicações associadas ao seu crescimento. Em segundo lugar, caso seja confirmada a etiologia vírica, o tratamentotem o benefício de tentar o controlo da infeção que,embora não tenha atualmente um papel claro no po-tencial de malignidade deste tipo de lesões, pode ser um

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potencial vetor de transmissão deste vírus a outros in-divíduos, podendo permitir a sua proliferação ao nívelda mucosa vaginal ou da laringe, locais onde o poten-cial de malignidade deste vírus é já bem conhecido.Neste caso, o papel do médico de família passa essen-cialmente por reconhecer os fatores etiológicos que po-derão estar na base deste tipo de lesão, atuando ao ní-vel da prevenção e do controlo dos fatores de risco apre-sentados pelo utente e referenciando para a especiali-dade hospitalar de gastrenterologia os casos queapresentem necessidade de uma investigação etiológi-ca e de um tratamento mais especializados, nomeada-mente os casos com potencial etiologia vírica.

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIACláudia Pinho

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0002-8040-2565

Recebido em 22-11-2018Aceite para publicação em 30-03-2019

ABSTRACT

ESOPHAGEAL SQUAMOUS CELL CARCINOMA: IS THE HUMAN PAPILLOMAVIRUS A RISK FACTOR?Introduction: Esophagus squamous papilloma (PEE) is a rare, benign epithelial lesion, usually asymptomatic and discovered asan accidental finding during upper digestive endoscopy (EDA). Two possible etiological factors have been described, one of themis Human Papillomavirus (HPV) infection.Case report: The presented clinical case reports the accidental diagnosis of a PEE in a caucasian woman with a history of thedyspeptic disease, who is a member of a reconstructed family since 2015. She is a smoker and has a sedentary lifestyle, havingbeen diagnosed with obesity since 2016. Her National Vaccination Plan is up to date, but she never had been vaccinated againstHPV. This patient comes to a scheduled consultation, presenting an occasional epigastric pain associated with heartburn andpostprandial infarction, with 6 months of evolution. Dietary measures were recommended, and a proton pump inhibitor wasprescribed. After three months she maintained dyspeptic complaints despite the therapeutic test and endoscopy was reques-ted which revealed a "polyp with 4mm (at 30cm of the incisors) suggestive of papilloma, completely removed with cold twee-zers". The histological study revealed "fragments of the esophageal mucosa compatible with squamous papilloma".Comments: In order to approach this type of lesion, with possible viral etiology, there are no official recommendations of sur-veillance or the preventive attitude required in the primary health care level, so the collaboration of the gastroenterology wasessential. This case seeks to recall the etiological factors that may be the basis of this type of lesions and the role of the fami-ly physician in the diagnosis, follow-up, and surveillance of risk factors that may favor the appearance of this type of lesions.

Keywords: Papilloma; Papillomaviridae; Esophageal mucosa; Family practice.

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*USF Lauroé, ACeS Central, ARS Algarve.

INTRODUÇÃO

Ahidradenite supurativa é uma doença infla-matória cutânea crónica e recorrente, carac-terizada pela existência de nódulos, absces-sos e fístulas dolorosas. As lesões afetam áreas

anatómicas com glândulas sudoríparas apócrinas,como axilas, virilhas, nádegas e região inframamária.1-6

A hidradenite supurativa afeta mais frequentementemulheres (rácio de género feminino/masculino de 3:1),podendo surgir em qualquer altura entre a puberdadee a idade adulta.1-2 A prevalência Europeia estimada ron-da os 1-4%, sendo que a presença de antecedentes fa-miliares, o tabagismo e o excesso de peso/obesidadesão fatores de risco para o seu desenvolvimento.1-3,7

O diagnóstico é clínico, baseado em três critérios (le-sões típicas: nódulos e abcessos mais ou menos profun-dos; localização típica e simetria bilateral – a doença temde estar presente em uma ou mais zonas: axilas, pregasinframamárias, virilhas, ou nádegas; evolução típica: ca-ráter crónico e/ou recorrente das lesões), pelo que mui-tas vezes é tardio, podendo haver um período de até seteanos para se chegar ao diagnóstico correto.1,3,8-9

Ana da Costa Cardoso, Ana Cláudia Carneiro

Hidradenite supurativa: relatode caso

RESUMOIntrodução: A hidradenite supurativa é uma doença inflamatória cutânea crónica e recorrente. O diagnóstico é clínico e namaior parte das vezes tardio, com um período médio até ao diagnóstico de sete anos. Este caso constitui um desafio diagnós-tico, pois difere da epidemiologia mais frequente para esta doença.Descrição do caso: Doente do sexo masculino, de 44 anos de idade, com antecedentes de excesso de peso e fumador de 28unidades maço/ano. Em 2008 refere aparecimento de nódulos retro-auriculares e cervicais e, posteriormente, nódulos axilarese inguinais. Durante 10 anos apresenta múltiplos episódios de infeção dos nódulos e aparecimento de novas lesões, com supu-ração e fistulização. É submetido a múltiplos tratamentos antibióticos e a vários procedimentos excisionais. Em 2018 é levan-tada a hipótese diagnóstica de hidradenite supurativa, tendo iniciado antibioterapia dirigida. O diagnóstico é confirmado pordermatologia, tendo sido proposto para tratamento biológico, por falha de resposta à terapêutica antibiótica. Comentário:O diagnóstico atempado da hidradenite supurativa é fundamental e os médicos de família possuem uma posiçãoprivilegiada para a sua abordagem inicial e referenciação atempada.

Palavras-chave: Hidradenite supurativa; Acne inversa; Glândulas apócrinas; Dermatologia.

Um estudo efetuado pelo Centro de Investigação eServiços de Saúde (CINTESIS) concluiu que a hidrade-nite supurativa está subdiagnosticada e subtratada emPortugal.10

O tratamento é baseado na severidade da doença.Esta pode ser classificada de acordo com o sistema deHurley (dividida em três estádios, considerando o nú-mero de abcessos e tipo de fistulização) ou pelo Siste-ma Internacional de Pontuação e Gravidade da Hidra-denite Supurativa, tendo em conta o número de nódu-los, o número de abcessos e o número de trajetos fis-tulosos drenantes.1,4-5

O tratamento médico da hidradenite supurativa ati-va inclui terapêutica antibiótica tópica e sistémica e te-rapêutica biológica. Os procedimentos cirúrgicos estãoaconselhados na fase não inflamatória da doença.1,4-5

Com este trabalho, os autores pretendem descreverum caso clínico relativo a uma patologia que, não sen-do rara, tem um diagnóstico tardio e difícil. Pretende--se descrever a etiologia, manifestações clínicas, diag-nóstico e abordagem terapêutica breve da hidradenitesupurativa. É ainda objetivo alertar os médicos de fa-mília para o diagnóstico de hidradenite supurativa e asua referenciação atempada.

DOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12514 relatosdecaso

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DESCRIÇÃO DO CASOIdentificação e históriapessoal

Descreve-se o caso deum homem de 44 anos deidade, raça caucasiana,com doze anos de escola-ridade. Atualmente traba-lha como jardineiro, ante-riormente desempenhavafunções como eletricista.

Como antecedentespessoais relevantes, foi sub-metido a amigdalectomiana infância e fraturou o fé-mur no seguimento de umacidente de viação aos 17anos, com necessidade detratamento cirúrgico etransfusão sanguínea. Semutilização de medicaçãocrónica. Nega a existênciade alergias medicamento-sas ou alimentares. Fuma-dor de 28 unidades maço//ano, sem hábitos alcoóli-cos ou toxicológicos co-nhecidos e com um estilode vida sedentário. Apre-senta excesso de peso, comum índice de massa corpo-ral de 26,6Kg/m2. Tem o Pla-no Nacional de Vacinaçãoatualizado.

Caracterização familiarO utente integra uma família monoparental e de clas-

se socioeconómica III (média), de acordo com a classi-ficação de Graffar. É divorciado há três anos e residecom os três filhos do género masculino. Apresenta-se ogenograma desta família e o respetivo agregado familiar(Figura 1), segundo informação fornecida pelo próprio.

História da doença atualMarço de 2008

O utente referiu aparecimento de dois nódulos cer-

vicais e três retro-auriculares à direita, com cerca de1cm de maior diâmetro, bordos regulares, consistênciamole, sem aderência a planos profundos, com rubor,calor, edema e dor associados, tendo recorrido a clíni-ca privada, onde foram removidos cirurgicamente. Al-guns meses depois apresentou lesões nodulares nasaxilas e virilhas, tendo sido medicado com antibióticossistémicos e tópicos, que não sabe especificar.

Abril de 2011Até esta data, o utente referiu seguimento irregular

em consulta privada com realização de tratamentos antibióticos, que não sabe especificar. Nesta altura

62 ACa CólonPacemaker

73 AHTA

Artroses

44 AHidradenite Supurativa

2015

10 A 8 A 6 ASeguimento

em Genética Médicapor assimetria facial

Loulé, 19 de Março de 2018

41 A

Legenda:

Masculino

Feminino

Casamento

Divórcio

Caso Clínico

Agregado Familiar

III

II

I?

Figura 1. Genograma Familiar.

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recorreu a consulta no seu médico de família e, porapresentar lesões nodulares axilares bilaterais residuais,indolores e sem outros sinais inflamatórios associados,foi referenciado a consulta de cirurgia do hospital de re-ferência. Devido ao atraso na resposta, decidiu recor-rer a uma instituição privada, onde fez excisão de nó-dulos axilares bilateralmente.

Fevereiro de 2013Recorreu a consulta no seu médico de família por

apresentar nódulo na região axilar esquerda com supu-ração contínua, associado a queixas álgicas. Foi prescritaantibioterapia com cefuroxima 500mg de 12/12h du-rante oito dias e efetuado novo pedido de referenciaçãopara consulta de cirurgia do hospital de referência.

Abril de 2014Foi avaliado em consulta de cirurgia. Nesta altura,

para além de manter o nódulo axilar, agora sem sinaisinflamatórios, apresentava outro nódulo na região na-degueira direita, doloroso, com rubor, calor e edema lo-cal e da região circundante à lesão, mas sem menção detamanho no registo clínico, tendo sido diagnosticadocom abcesso e celulite da nádega direita. Foi referen-ciado para excisão da lesão em pequena cirurgia am-bulatória e foi dada alta da consulta externa de cirur-gia, sem menção de instituição de antibioterapia.

Junho de 2014Em consulta com o seu médico de família e, por apre-

sentar novo nódulo axilar à direita, com supuração, foiinstituída medicação antibiótica com amoxicilina e ácidoclavulâmico 875+125mg de 12/12h durante oito dias e efe-tuada nova referenciação para a consulta de cirurgia.

Fevereiro de 2015Avaliado em consulta de cirurgia do hospital de re-

ferência, por apresentar quisto sebáceo axilar com múl-tiplos episódios de fistulização, já com retração cutâneae vários orifícios de drenagem, foi referenciado para ci-rurgia plástica do mesmo hospital, para a qual nuncachegou a ser convocado.

Fevereiro de 2017Recorre ao seu médico de família por apresentar fís-

tula na região internadegueira, com drenagem de con-

teúdo purulento, associada a rubor, calor e edema lo-cais. Foi medicado com amoxicilina e ácido clavulâmi-co 875+125mg de 12/12h durante oito dias e foi efe-tuada nova referenciação para consulta de cirurgia dohospital de referência.

Abril de 2017Avaliado em consulta de cirurgia por fistulização do

sulco nadegueiro, com drenagem escassa. Foi agenda-da nova consulta para excisão da lesão em ambulatório.

Janeiro de 2018Excisão de nódulo em hospital privado através do che-

que cirurgia, emitido pelo seu hospital de referência.

Fevereiro de 2018Recorreu ao seu centro de saúde para realização de

penso a lesões axilares e foi solicitada avaliação médicapela equipa de enfermagem. Apresentava toda a regiãoaxilar bilateralmente com lesões abcedadas dolorosas,com drenagem purulenta e zonas de fistulização, comrubor, calor e edema, levantando-se a suspeita diag-nóstica de hidradenite supurativa [foi inserido diag-nóstico no S. Clínico: Doença das Glândulas Sudorípa-ras (S92)]. Iniciou antibioterapia com clindamicina300mg de 12/12h associada a rifampicina 300mg de12/12h, que deveria manter durante 12 semanas.

Tendo em conta a equipa restrita do serviço de der-matologia do hospital de referência, com capacidade deresposta apenas para casos de suspeita de neoplasia,optou-se pelo contacto telefónico para tentar a refe-renciação do caso (já que o doente não pretende refe-renciação para outro hospital, por dificuldade em des-locações fora da região).

Março de 2018Após autorização do serviço de dermatologia proce-

deu-se à referenciação deste doente. Numa das suas vi-sitas ao centro de saúde para realização de penso e,após o seu consentimento informado, foi efetuado oregisto fotográfico das lesões (Figura 2) e feito o pedi-do de consulta via teledermatologia através do Alert P1.

Junho de 2018Primeira avaliação em consulta de dermatologia

do hospital de referência, tendo sido confirmado o

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diagnóstico de hidradenite supurativa Hurley III.Foi estabelecido um plano terapêutico com o doen-

te, com necessidade de cessação tabágica e início de

doxiciclina 100mg, uma toma por dia durante três me-ses. Foi solicitada avaliação analítica com hemograma,transaminases, perfil lipídico, função renal, serologiaspara hepatite B e C e vírus da imunodeficiência huma-na e radiografia torácica para início de terapêutica bio-lógica, tendo ficado agendada reavaliação em três me-ses.

Setembro de 2018Avaliado em consulta de seguimento de dermatolo-

gia. Sem alteração dos resultados dos exames comple-mentares de diagnóstico solicitados na consulta ante-rior. Assinou termo de responsabilidade e consenti-mento informado para o início de terapêutica biológi-ca com adalimumab e foi proposta a técnica deDeroofing para as lesões axilares. A Figura 3 resume osprincipais acontecimentos relatados.

COMENTÁRIOA propósito deste caso abordam-se alguns pontos

de reflexão.A hidradenite supurativa constitui um enorme de-

safio diagnóstico, dada a natureza inespecífica dos seussintomas iniciais.

Esta doença tem impacto consideravelmente nega-tivo na qualidade de vida dos indivíduos, devido à dore odor associados às lesões, o que leva ao estigma so-cial e ao isolamento. A doença tem também um im-pacto emocional negativo, associado a depressão e al-terações na vida sexual. As taxas de absentismo laboralnestes doentes são mais elevadas comparativamente àpopulação em geral.1,3,5,8-9

Este caso difere da epidemiologia mais frequente dahidradenite supurativa, já que se trata de um homem,sendo esta patologia mais comum no género feminino;com aparecimento inicial de nódulos cervicais e retro--auriculares (não sendo estes os locais mais frequentesde manifestação da doença) e só posteriormente comafeção das regiões axilares e inguinais, o que inicial-mente pode ter limitado a associação à hidradenite su-purativa. Contudo, este homem possuía os fatores derisco associados a esta doença, era fumador e apresen-tava excesso de peso.

Não se trata de um caso inédito de atraso de diag-nóstico (apesar de neste caso existir um atraso de 10 anos, o que é superior à média),1,3,9 mas antes da

Figura 2. Registo fotográfico das lesões.

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divulgação de um exemplo rico, que demonstra o per-curso típico de um doente com hidradenite supurativae, por isso, um alerta aos profissionais de saúde para es-tarem despertos para os sinais e sintomas inerentes aesta doença.

Verificou-se também uma limitação em termos daacessibilidade aos cuidados de saúde secundários, comtempos de espera elevados, o que contribuiu ainda maispara o atraso de diagnóstico.

A referenciação para dermatologia nas situaçõescom lesões nodulares, com processos intermitentes deinfeção que se mantêm ao longo do tempo, é funda-mental e não deve ser protelada no tempo.

Esta patologia deve ter uma abordagem multidisci-plinar, com vigilância dermatológica e cirúrgica, pois aolongo da sua evolução e estadio necessita de diferentestipos de intervenção. É por esta razão que o médico defamília tem um papel de relevo dada a sua posição pri-vilegiada e visão abrangente dos sintomas e da sua evo-lução. A sua perceção da cronicidade dos sintomas e dadificuldade na gestão da doença são uma mais valia napossibilidade da referenciação e do diagnóstico atem-pados.

Após o diagnóstico, o médico de família será tambémo melhor intermediário do doente nas diferentes fasesda sua doença, entre as especialidades de dermatolo-gia e cirurgia, tendo também um papel de fulcral im-

portância na redução dos fatores de risco associados,como a cessação tabágica, a promoção de estilos devida saudáveis (tendo em vista a manutenção de umpeso saudável) e na gestão do impacto psicossocial queesta doença acarreta.

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Figura 3. Resumo dos principais acontecimentos.

Inicio das manifestaçõesda Hidradenite Supurativa

Múltiplos tratamentosmédicos e cirúrgicos delesões axilares e inguinais

Diagnóstico deHidradenite Supurativa

2008 20182011-2017

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310 relatosdecaso

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across Portuguese public hospitals. Int J Dermatol. 2017;56(12):

1491-2.

CONFLITO DE INTERESSESAs autoras declaram não existir conflitos de interesse relacionados com a

realização/publicação deste relato de caso. Os custos associados à realiza-

ção deste artigo foram suportados pelas próprias. Foi obtido o consenti-

mento informado, livre e esclarecido, dado por escrito.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAAna da Costa Cardoso

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0002-2281-9258

Recebido em 26-10-2018Aceite para publicação em 07-05-2019

ABSTRACT

SUPPURATIVE HIDRADENITIS: CASE REPORTIntroduction: Hidradenitis suppurativa is a recurrent chronic inflammatory skin disease. The diagnosis is clinical and most of-ten late - the average period of diagnosis is seven years. This case presents a diagnostic challenge since it differs from the mostfrequent epidemiology for this disease Case description:Male patient, 44 years of age, with a history of overweight and smoker of 28 pack/year. In 2008, the patientrefers to the appearance of retro auricular and cervical nodules and later, axillary and inguinal nodules. For 10 years, the patientpresents multiple episodes of infection of the nodules and appearance of new lesions, with suppuration and fistulization. Thepatient was subjected to multiple antibiotic treatments and various excisional procedures. In 2018 the diagnostic hypothesisof hidradenitis suppurativa was raised and initiated targeted antibiotic therapy. The diagnosis is confirmed by dermatology andthe patient has been proposed for biological treatment, due to the failure of the antibiotic therapy. Commentary: The timely diagnosis of hidradenitis suppurativa is essential and family physicians have a privileged position forthe initial approach and timely referral.

Keywords: Hidradenitis supurativa; Acne inversa; Apocrine glands; Dermatology.

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1. Médico Interno de Medicina Física e de Reabilitação. Centro Hospitalar e Univer-sitário do Porto.3. Médica Assistente de Medicina Física e de Reabilitação. Chefe de Serviço, Res-ponsável pela Unidade de Lesionados Medulares, do Centro Hospitalar e Universi-tário do Porto.

INTRODUÇÃO

Alesão medular (LM) traumática é um eventosúbito com um efeito devastador, físico e psi-cológico para o doente, confrontando o mé-dico com múltiplos desafios na sua gestão,

quer na fase aguda quer na fase crónica.1

Estima-se que atualmente a incidência de LM trau-máticas seja de 40 casos por milhão de habitantes nosEstados Unidos da América e 16 por milhão na EuropaOcidental.2 Em Portugal não há dados epidemiológicosconcretos relativos a esta patologia mas, num estudonão publicado, encontramos uma incidência de 10 a 15por milhão de habitantes na população do norte dopaís e que é reencaminhada para o Hospital Geral deSanto António.

Com a melhoria dos cuidados de saúde e o aumen-to da esperança média de vida, a prevalência de lesio-nados medulares em fase crónica está certamente a au-mentar. Assim, é premente um conhecimento segurodesta patologia, não só pelos especialistas em medici-

Carolina Martins Moreira,1 Luís Afonso Vouga,1 Maria João Andrade2

Disreflexia autonómica: umdesafio diagnóstico

RESUMOA disreflexia autonómica (DA) é uma complicação frequente nas lesões medulares (LM), com risco potencial de vida. A sua apre-sentação súbita e exuberante, com quadros de hipertensão arterial, bradicardia, fibrilhação auricular, cefaleias, midríase e su-dorese profusa leva a que estes doentes sejam encaminhados para o serviço de atendimento urgente mais próximo, onde osprofissionais de saúde têm reduzida expe-riência com esta condição.

Este caso clínico retrata o caso de um doente com LM crónica, admitido no serviço de urgência com quadro de DA, que con-duziu a internamento e realização exaustiva e desnecessária de exames complementares pela ausência de diagnóstico e orien-tação atempados.

Com o aumento da prevalência e esperança média de vida desta população, é urgente o reconhecimento desta síndroma clí-nica potencialmente fatal por parte dos médicos que realizam atendimento em serviços de urgência ou cuidados de saúde pri-mários.

Palavras-chave: Lesão medular; Disreflexia autonómica.

na física e de reabilitação que contactam mais fre-quentemente com estes doentes, como também pelosclínicos que asseguram a prestação de cuidados médi-cos em serviços ou consultas de urgência a que estesdoentes recorrem em situação aguda.

De entre as complicações mais frequentes na LMcrónica que motivam o recurso ao serviço de urgência(SU), excluindo complicações genito-urinárias e respi-ratórias, destaca-se a disreflexia autonómica (DA) peloseu caráter súbito com potencial risco de vida, poden-do ocorrer em qualquer LM (completa ou incompleta)com nível neurológico acima de T6, havendo mesmo re-latos na literatura de casos com lesões até T10.3

Um episódio de DA é secundário a qualquer estí-mulo nóxico abaixo do nível da lesão. Em 85% dos ca-sos é de origem urológica por infeção do trato urinárioou distensão vesical, muitas vezes provocada por obs-trução da algalia.4 É caracterizado por uma súbita ele-vação da tensão arterial (TA) sistólica de 20 a 30mmHg,5-6

normalmente associada a cefaleia. Tendo em conta quea TA basal em doentes com LM cervical ou torácica altaé habitualmente 15 a 20mmHg inferior à de um indiví-duo sem lesão, valores tidos como «normais» para a po-pulação geral poderão indicar já um estado de DA nes-tes doentes.

DOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12539 relatosdecaso

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Concomitantemente, poderão estar presentes diversos sintomas: bradicardia, fibrilhação auricular,cefaleias, rubor facial, midríase, sudorese profusa, con-gestão nasal e sensação de morte iminente.7 O quadropoderá variar desde um leve desconforto até uma situação de emergência, com risco de hemorragia in-tracraniana, descolamento da retina e morte.6

Apesar de a DA ser uma entidade classicamente con-finada à fase crónica da LM, a presença de DA na faseaguda da LM encontra-se já reportada na literatura,8

pelo que deverá ser reconhecida como um possíveldiagnóstico diferencial.

A resolução de um quadro de DA obriga a um diag-nóstico rápido com imediata instituição de medidasterapêuticas adequadas.

Devido à instalação súbita de sintomas, frequente-mente severos, estes doentes são muitas vezes enca-minhados para o serviço de atendimento urgente maispróximo,3 onde poderão ser observados por clínicoscom limitada experiência neste tipo de patologia, con-duzindo necessariamente a um atraso na identificaçãodo quadro, com potenciais repercussões prognósticas,como já demonstrado na realidade nacional.9

O caso que se relata trata de um cenário típico de DA,em que o atraso no diagnóstico levou ao prolonga-mento de tempo de internamento, bem como à reali-zação de inúmeros exames auxiliares de diagnóstico(EAD) desnecessários.

DESCRIÇÃO CLÍNICAHomem, 48 anos, caucasiano, tetraplegia American

Spinal Injury Association Impairment Scale (AIS) B, ní-vel neurológico C6, sequela de acidente de viação em1988, casado, com bom suporte familiar, profissional-mente ativo, funcionário administrativo na função pú-blica. Previamente seguido em consulta de fisiatria, le-sões medulares, tendo perdido o seguimento por faltasconsecutivas em 2015 motivadas por internamentos eesquecimento por parte do doente.

Recorre ao SU de um hospital central em 20/07/2017em contexto de infeção urinária resistente a antibiote-rapia instituída em ambulatório (amoxicilina – ácidoclavulânico e furadantina), mantendo picos febris etendo já urocultura a documentar a presença de umenterococcus faecalis. Mantinha regime miccional pré-vio com micção reflexa e perdas para coletor.

No SU realiza ecografia renal e prostática, bem comoRx cervical (por história de queda semanas antes), sem alterações de novo. Analiticamente apresentavaneutrofilia relativa e PCR de 171 (valores de referência0-5mg/L).

É assumida pielonefrite aguda, com retenção uriná-ria pelo que foi algaliado e iniciou ceftriaxona.

Após três horas, aquando da passagem do decúbitopara sedestação, inicia quadro hipertensivo (TAS > 200mmHg) com bradicardia, hipersudorese e tremor.Esta clínica era sistematicamente despertada aquandode levantes para a posição sentada, revertendo apósnova passagem para decúbito.

Por este motivo, é mantido em observação no SU nas48 horas seguintes, com parâmetros inflamatórios ana-líticos em decrescendo.

Pela manutenção de episódios hipertensivos, bradi-cardia e tremor associados a levante, é pedida TC Cer-vical com imagens sobreponíveis ao exame anterior de2011 (artrodese C3-C7, com canal raquidiano amplo).

É decidido internamento em medicina interna paraestudo filiado nos episódios descritos, no sentido daexclusão de infeção e efeitos laterais ou privação de fár-macos, mantendo o doente sempre a clínica descrita.Realiza ecografia abdominal e estudo analítico com io-nograma, estudo da função tiroideia, hepática, enzi-mas cardíacas, sem alterações de relevo. É pedida TACtoraco-abdomino-pélvica, sem alterações de relevo.

Ao sétimo dia de internamento é solicitada colabo-ração da medicina física e de reabilitação. Nesta obser-vação, exame objetivo sobreponível com o último des-crito em consulta, sem agravamento da espasticidade,novas lesões cutâneas, ungueais ou da mucosa.

Revendo a história com o doente e após consulta doprocesso clínico, havia registo anterior de eventos si-milares, nomeadamente aquando da realização de es-tudo urodinâmico (manipulação genital, introdução desonda) e igualmente em situação de repleção vesical,obstipação ou vestuário apertado, sendo que nestes ca-sos não houve necessidade de recorrer aos cuidados desaúde.

O diagnóstico de DA foi colocado como mais prová-vel, pelo facto de os sintomas serem suscitados inva-riavelmente pela mudança de posição (decúbito paraposição sentada), sendo favorecida a hipótese de causa mecânica, neste caso pela presença de algália a

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causar possível compressão da parede vesical/uretraldesencadeada pela sedestação.

Como o doente urinava previamente por manobrase tinha já completado uma semana de tratamento an-tibiótico dirigido procedeu-se à desalgaliação, com re-versão da sintomatologia.

Ficou 48h sob vigilância, mantendo micção por per-das para coletor e com medição de volumes residuaisseriados (valores consistentemente inferiores a 100ml).

Não teve novos episódios de DA, pelo que lhe foidada alta para o domicílio e reencaminhado para a con-sulta externa de lesões medulares.

Posteriormente à observação nessa consulta, 49 diasmais tarde, apresentou novo episódio de DA, com TA184/107 em sedestação que, pela sua identificação ime-diata, se resolveu com mudança postural (para decú-bito) e evicção de potenciais estímulos nóxicos exter-nos. Ao exame objetivo apresentava lesão isquiática di-reita com drenagem e com endurecimento cutâneo. Foiproposto internamento urgente para estudo, após oqual se assumiu que na base deste novo episódio de dis-reflexia estaria a etiologia mecânica por compressão efalta de «almofadamento» natural da região isquiática(massa cicatricial e perda de tecidos moles), agravadapela presença de úlcera de pressão isquiática.

Após evolução favorável do quadro teve alta comnovo sistema (almofada) antiescara e com indicaçãopara realizar mudanças posturais frequentes para evi-tar o desenvolvimento de novas úlceras de pressão.

COMENTÁRIOEntre as disfunções autonómicas que ocorrem após

lesão medular, numa fase crónica, a DA surge na lite-ratura como uma das menos conhecidas pelos médi-cos que não trabalham habitualmente com LM.9

A DA consiste numa constelação de sinais e sintomasque ocorrem em lesionados medulares com nível neu-rológico superior ou igual a T6, sendo tanto mais fre-quente quanto mais alta for a lesão.6-7 É consequênciada interrupção do controlo supraespinhal sobre o sis-tema nervoso simpático (SNS), provocando uma ativa-ção massiva, reflexa e desregulada do mesmo, na au-sência de uma resposta capaz por parte do sistema pa-rassimpático. Isto ocorre porque as vias aferentes queconduzem os estímulos periféricos ou viscerais aosneurónios localizados nos núcleos intermédio medial

e lateral toracolombares se mantêm íntegras. Conse-quentemente, ocorre ativação simpática reflexa e li-bertação de dopamina e noradrenalina que conduzemà mobilização do leito vascular esplâncnico e vaso-constrição periférica com aumento da TA.7 Este meca-nismo vai desencadear uma resposta por parte dos ba-rorrecetores aórticos e carotídeos, bem como dos cen-tros vasomotores do tronco cerebral, resultando no au-mento da atividade parassimpática e nos sintomasclassicamente descritos na DA, explicados pelo predo-mínio simpático abaixo e parassimpático acima do ní-vel de lesão.10

A sintomatologia permanecerá até o estímulo ser re-tirado,11 pelo que facilmente se depreende que um atra-so no diagnóstico e tratamento poderá resultar emcomplicações como o acidente vascular cerebral, con-vulsões e morte. Por outro lado, episódios de DA podemocorrer múltiplas vezes ao longo do dia devido a estí-mulos aferentes não identificados ou não controlados,prejudicando a qualidade de vida destes doentes, de talmodo que não é surpreendente que um estudo em lar-ga a escala12 tenha reportado que, na fase crónica, queros tetraplégicos quer os paraplégicos priorizam a eli-minação destes episódios face à possibilidade de read-quirirem capacidade de marcha.13

O tratamento da DA consiste nas medidas e inter-venções estabelecidas nas guidelines clínicas do Con-sortium for Spinal Cord Medicine, devendo ser execu-tadas sistematicamente e respeitado o algoritmo neledivulgado:13

1. Verificar a TA do indivíduo. Se elevada, e o doente seencontrar em posição supina, de imediato sentar odoente.

2. Remover qualquer vestuário, calçado, meias elásti-cas ou outro dispositivo que possa estar a causarcompressão.

3. Monitorizar TA e frequência cardíaca (FC) a cada 5minutos.

4. Iniciar pesquisa de estímulo desencadeador, ini-ciando pelo sistema genito-urinário.

5. Se doente algaliado, verificar sistema para possívelobstrução ou proceder a substituição de algalia. Sedoente não algaliado, proceder à sua algaliação (pre-viamente inserir lidocaína em gel 2% na uretra eaguardar alguns minutos).

6. Se após estas manobras a TA permanecer elevada,

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medicar com anti-hipertensor de curta duração deação e pesquisar possível impactação fecal com uti-lização de lubrificante e anestésico tópico (lidocaí-na 2%).

7. Caso o quadro se resolva, manter vigilância da TA esintomas durante 2 horas. No caso de se manter qua-dro de DA (com TA sistólica igual ou superior a150mmHg) e não se identificar uma causa, orientardoente para urgência hospitalar onde deverá teratendimento urgente para controlo tensional e in-vestigação diagnóstica.Todo o episódio deverá ficar documentado, desde

sintomas na apresentação, resposta clínica, medidasconservadoras e farmacológicas (se aplicável), bemcomo a investigação diagnóstica. Na maioria dos casosé possível identificar o estímulo nóxico e, ao removê--lo, resolver a DA sem recurso a medicação.

Com o aumento da esperança média de vida nos le-sionados medulares, a possibilidade de um doente comeste quadro recorrer a uma consulta urgente em cui-dados de saúde primários é cada vez maior, pelo que osespecialistas em medicina geral e familiar deverão es-tar familiarizados com este diagnóstico, uma vez que sepoderá tratar de uma situação emergente com risco devida para estes doentes e cuja resolução assenta, pri-mariamente, na identificação e correção do estímulonóxico.

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIACarolina Martins Moreira

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0001-8781-1823

Recebido em 02-12-2018Aceite para publicação em 07-07-2019

Page 97: rpmgfmgf · 2020. 8. 26. · rpmgfmgf revista portuguesa de medicina geral e familiar ISSN 2182-5173• Publicação Bimestral• Maio/Junho 2020• Vol 36• N.o 3• 10€ ÓRGÃO

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ABSTRACT

AUTONOMIC DYSREFLEXIA: A CHALLENGING DIAGNOSISAutonomic dysreflexia (AD) is a frequent complication of spinal cord injury (SCI) poten-tially life-threatening. Its sudden andexuberant presentation with arterial hypertension, bradycardia, atrial fibrillation, headache, mydriasis, and profuse sweatingleads these patients to the nearest emergency department (ED) where health professionals have limited experience with thiscondition.

This clinical case portrays a patient with chronic SCI admitted to the ED with an AD, which leads to hospital admission andsubjection to an exhaustive and unnecessary battery of exams due to the lack of diagnosis and guidance.

With the increase in prevalence and average life expectancy of this population, it is paramount that doctors working in emer-gency departments or primary health care can recognize this potentially fatal clinical syndrome.

Keywords: Spinal cord injuries; Autonomic dysreflexia.

Page 98: rpmgfmgf · 2020. 8. 26. · rpmgfmgf revista portuguesa de medicina geral e familiar ISSN 2182-5173• Publicação Bimestral• Maio/Junho 2020• Vol 36• N.o 3• 10€ ÓRGÃO

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1. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Vale do Vez, ULS do Alto Minho.2. Médica Assistente Graduada de Medicina Geral e Familiar. USF Vale do Vez, ULSdo Alto Minho.

INTRODUÇÃO

Asíndroma do túnel cárpico (STC) é a mono-neuropatia focal compressiva mais comumobservada na prática clínica.1 Refere-se aoconjunto de sinais e sintomas provocados

pela compressão do nervo mediano à medida que atra-vessa o túnel cárpico.2-3

Os doentes geralmente apresentam uma tríade clás-sica de sintomas, que incluem dor noturna, parestesiase atrofia tenar.3Habitualmente estas manifestações en-volvem os primeiros três dedos da mão devido ao ter-ritório de inervação do nervo mediano.2-3

Em alguns casos, a apresentação clínica pode ser atí-pica e, em estadios avançados, como o STC ulcero-mu-tilante, pode ocorrer uma variedade de manifestações

Inês Torrinha Leão,1 Daniel Kiessling,1 Fabíola Ferreira2

Síndroma do túnel cárpicoulcero-mutilante: relato de umcaso

RESUMOIntrodução: A síndroma do túnel cárpico (STC) é a mononeuropatia focal compressiva mais comum observada na prática clí-nica. Em alguns casos, a apresentação clínica pode ser atípica e, em estadios avançados, pode ocorrer uma variedade de mani-festações cutâneas.Descrição do caso: Doente do sexo masculino, com 84 anos, pertencente a uma família alargada de classe social média, comantecedentes de hipertensão arterial, dislipidemia, neoplasia da próstata e cirurgia bilateral a STC. O doente foi observado nasua unidade de saúde familiar por avulsão parcial da unha no terceiro dedo da mão esquerda, em contexto de lesão em placaerosiva, sangrante e indolor, aparentemente não traumática no leito ungueal, com três meses de evolução. Pela suspeita de me-lanoma, o doente foi referenciado à consulta de dermatologia, mas entretanto, por apresentação de sinais inflamatórios recor-rentes, foi submetido a vários ciclos de antibioterapia e desbridamento cirúrgico. Posteriormente, já em consulta de dermato-logia, foi realizada biópsia que excluiu a suspeita diagnóstica de neoplasia e foi colocada a hipótese de STC ulcero-mutilante,confirmada por eletromiografia e pela clínica sugestiva. Comentário: A STC ulcero-mutilante é uma variante rara de uma patologia muito frequente nos cuidados de saúde primários.Assim, o médico de família deve estar alerta para a sua existência, iniciando a abordagem diagnóstica, assegurando a necessá-ria articulação com as diferentes valências hospitalares, a continuidade de cuidados e a prevenção de complicações.

Palavras-chave: Síndroma de túnel cárpico; Acro-osteólise; Úlcera cutânea.

cutâneas, como o eritema, edema, esclerodactilia, atro-fia cutânea e cianose, lesões bolhosas, úlceras e altera-ções das unhas.1,4

DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICODoente do sexo masculino, 84 anos de idade, raça

caucasiana, viúvo, independente para as atividades devida diária, reformado, previamente trabalhador agrí-cola. Insere-se numa família alargada, altamente fun-cional e pertencente à classe média de Graffar. Apre-senta como antecedentes pessoais: hipertensão arterialdiagnosticada em 2012, medicada com perindopril + in-dapamida 4+1,25mg um comprimido de manhã; disli-pidemia mista diagnosticada em 2012, medicada comfenofibrato 145mg e sinvastatina 20mg um comprimi-do ao jantar; e adenocarcinoma da próstata diagnosti-cada em 2012, tratada com hormonoterapia, manten-do acompanhamento hospitalar.

DOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12550relatosdecaso

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Foi submetido a correção cirúrgica de STC bilateral,à direita em 2008 e à esquerda em 2010. Após a últimacirurgia manteve parestesias e hipoalgesia dos segundoe terceiro dedos da mão esquerda, com melhoria da for-ça muscular. O doente não valorizou os sintomas, umavez que não interferiam na realização das suas ativida-des diárias. Sem antecedentes familiares relevantes.

História da doença atualO doente recorreu à consulta aberta na sua unidade de

saúde familiar (USF) por avulsão parcial da unha do ter-ceiro dedo da mão esquerda, quinze dias antes da con-sulta, devido à existência de uma lesão não traumáticapresente no leito ungueal. Essa lesão teria três meses deevolução e, de acordo com o doente, previamente no seulugar teria um nevo. Ao exame objetivo apresentava le-são em placa erosiva, sangrante e indolor, localizada napolpa do terceiro dedo da mão esquerda (Figura 1).

Pela suspeita de melanoma, o doente foi referencia-do à consulta de dermatologia, mantendo cuidados depenso na USF com betadine®.

Entretanto, cerca de um mês depois, estando ainda aaguardar consulta de dermatologia, regressou à consul-ta aberta da USF pelo aparecimento de sinais inflama-tórios no dedo afetado compatíveis com quadro de dac-tilite, ainda que sem queixas álgicas associadas. Realizouradiografia dos dedos da mão (Figura 2), que mostrouacro-osteólise no tofo da falange distal do terceiro dedoda mão esquerda, tendo sido encaminhado para o ser-viço de urgência (SU) de ortopedia, onde foi levantada ahipótese de osteomielite, realizado desbridamento ci-rúrgico e instituída antibioterapia com levofloxacina500mg um comprimido de 12 em 12 horas e metronida-zol 250mg dois comprimidos a cada oito horas durante10 dias e dada indicação para continuação de cuidadosde penso, com betadine®, na sua USF (Figuras 3 e 4).

Três dias mais tarde, já em consulta de dermatolo-gia, foi realizada biópsia pela suspeita de melanoma,mas esta apenas revelou aspetos remanescentes de te-cido de granulação/granuloma piogénico incipiente.

O doente voltou à consulta de dermatologia cerca deuma semana mais tarde, realizou nova radiografia a

Figura 1.Primeira consulta: lesão em placa erosiva sangrante e indo-lor no terceiro dedo da mão esquerda.

Figura 2. Primeira consulta: radiografia do terceiro dedo da mãoesquerda – acro-osteólise no tofo da falange distal.

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nível hospitalar pela ausência de melhoria do quadro.Face aos achados radiográficos e clínicos (Figura 5) optou-se por repetir biópsia e reinstituir antibioterapiacom cefaclor 500mg um comprimido de 12 em 12 ho-ras durante 10 dias.

Cerca de oito dias após última consulta foi nova-mente observado por dermatologia. Os resultados ana-tomopatológicos da segunda biópsia excluíram maisuma vez lesão tumoral. Devido aos antecedentes deSTC e à ausência de sensibilidade dolorosa e tátil dodoente durante todo o quadro foi levantada a hipótesede STC ulcero-mutilante e solicitada colaboração deortopedia.

Enquanto aguardava a consulta de ortopedia foi so-licitada eletromiografia dos membros superiores, peloseu médico de família, que confirmou STC esquerdo degrau severo.

Em consulta, a ortopedia ponderou a amputaçãopela persistência dos sinais inflamatórios apesar dosvários ciclos de antibioterapia e pela possibilidade derecorrência de novas lesões cutâneas. No entanto, após

último ciclo de antibioterapia com flucloxacilina 500gum comprimido de oito em oito horas durante 14 dias,os sinais inflamatórios acabaram por reverter (Figura 7),tendo-se optado de forma partilhada por manter umaatitude expectante. Atualmente mantém hipostesia do-lorosa e tátil e ligeira limitação da flexão das falangesmédia e distal. Sem novas lesões cutâneas desde então.

COMENTÁRIOAs úlceras cutâneas associadas à STC são raras, ten-

do sido inicialmente descritas pela literatura científicaem 1979.5 Desde então poucos casos têm sido publica-dos, estimando-se que o envolvimento cutâneo na STCgrave seja de 20%.6

Em contraste com a alta prevalência de STC em pes-soas do sexo feminino quando comparadas com o sexomasculino (rácio de 4:1),7 na variante cutânea da STCfoi demonstrada uma diminuição significativa deste rá-cio (2:1).5

A perda de sensibilidade cutânea causada pela compressão autonómica das fibras do nervo mediano

Figura 3.Segunda consulta: ferida pós desbridamento cirúrgico e iní-cio de antibioterapia.

Figura 4. Segunda consulta: ferida após desbridamento cirúrgico einício de antibioterapia, em perfil.

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predispõe ao aparecimento de úlceras cutâneas. Umdos fatores predisponentes para esta variante da STC éo trauma mecânico associado a trabalhos manuais.2-3,8

A variante cutânea da STC é caracterizada pelo apare-cimento de úlceras, bolhas e atrofia localizadas nas fa-langes distais dos primeiros três dedos da mão, mesmosem a presença de sintomas neurológicos. As unhas po-dem apresentar onicodistrofia, onicólise e cutículas hi-perqueratósicas.4 Em casos mais graves pode ocorrerenvolvimento ósseo com acro-osteólise das falangesdistais devido a oclusão vascular.3,9-10 Estes fatores pre-dispõem a infeções bacterianas e, eventualmente, amutilação das falanges.

Apesar de ser uma entidade rara, os médicos devemconsiderar a variante cutânea da STC quando se en-contram na presença de lesões necróticas e bolhosasdos primeiros três dedos das mãos, especialmentequando existem sinais neurológicos.

O principal diagnóstico diferencial das lesões ulce-rativas é a esclerose sistémica, mas que pode ser

excluída pela ausência de endurecimento da pele, as-sim como de alterações capilares. As lesões bolhosasdevem ser diferenciadas do impetigo, pênfigo, herpessimplex ou herpes zoster. Nestes casos, as característi-cas clínicas da STC, como a hipostesia neste caso, alia-das à eletromiografia, permitem realizar o diagnósticocorreto. A radiografia óssea é útil no sentido em quepode demonstrar a existência de acro-osteólise, que éusualmente resultado da deficiente vascularização dis-tal, no entanto, não é essencial ao diagnóstico.10

Por se tratar de um diagnóstico raro, é muitas vezesnecessária a exclusão de outros diagnósticos mais fre-quentes. Neste caso, pela descrição por parte do doen-te da existência de um nevo prévio, a biópsia foi im-portante para a exclusão de neoplasia.

A cirurgia de libertação do túnel cárpico é o trata-mento de escolha e na maioria dos casos leva à cura. Nocaso descrito não se optou por este tratamento, pelofacto de o doente já ter sido submetido a cirurgia pré-via, sem melhoria, e considerando também a vontadedo mesmo.

A descrição deste caso clínico, que expõe uma va-riante rara, potencialmente mutilante, de uma patolo-gia muito frequente nos cuidados de saúde primários,

Figura 5. Consulta de dermatologia: radiografia do terceiro dedo damão esquerda – avulsão da falange distal, acro-osteólise da cabeçada falange média.

Figura 6. Consulta de reavaliação: terceiro dedo da mão esquerdaapós novo ciclo de antibioterapia com flucloxacilina.

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pretendeu alertar para a sua existência, assim comodescrever a abordagem diagnóstica e terapêutica des-tes casos. O médico de família desempenhou, nestecaso, um papel essencial na articulação dos cuidados,assim como na continuidade dos cuidados prestados aodoente e no aconselhamento para a prevenção de com-plicações, como o cuidado em relação a traumatismose ao aparecimento de novas lesões.

AGRADECIMENTOSÀ Dra Vera Teixeira, Assistente de Dermatologia da Unidade Local de Saúde

do Alto Minho pelo apoio prestado na elaboração do presente artigo.

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CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAInês Torrinha Leão

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0002-5788-2433

Recebido em 18-12-2018Aceite para publicação em 02-07-2019

ABSTRACT

THE ULCERATIVE AND MUTILATING VARIANT OF CARPAL TUNNEL SYNDROME: A CASE REPORTIntroduction:Carpal tunnel syndrome (CTS) is the most common compressive focal mononeuropathy in clinical practice. In somecases, the clinical presentation may be atypical and in advanced stages, a variety of cutaneous manifestations may occur.Case summary: 84-year-old male patient from an extended middle-class family with a history of hypertension, dyslipidemia,prostate cancer, and bilateral CTS surgery. The patient was observed by his family physician because of partial avulsion of thenail on the third finger of the left hand. He had previously an erosive, painless, apparently non-traumatic, bleeding lesion onthe nail bed of that finger with three months of evolution. Considering the suspicion of melanoma, the patient was referred toa dermatology specialist. Meanwhile, due to the presence of recurrent inflammatory signs, he underwent several cycles of an-tibiotic therapy and surgical debridement. Subsequently, in consultation with dermatology, the biopsy performed excluded thediagnostic suspicion of neoplasia, and the hypothesis of an ulcer-mutilating STC was placed and confirmed by electromyo-graphy and suggestive clinic.Commentary: Ulcerative and mutilating CTS are a rare variant of a very common disease in Primary Care. Thus, the family phy-sician should be alert to its existence, initiating the diagnostic approach, ensuring the necessary articulation with the differenthospital specialties, and the continuity of care and prevention of complications.

Keywords: Carpal tunnel syndrome; Acro-osteolysis; Skin ulcer.

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USF 3 Rios, ACeS Tâmega II – Vale do Sousa Sul.

INTRODUÇÃO

Alinfadenopatia pode ser um achado inciden-tal no exame objetivo ou pode ser um sinale/ou sintoma de apresentação de uma doen-ça.1

A linfadenopatia reflete uma doença envolvendo osistema reticuloendotelial, secundária a um aumentonos linfócitos normais e macrófagos em resposta a umantígeno. Outras etiologias menos comuns responsá-veis pela adenopatia incluem acumulação ganglionarde células inflamatórias em resposta a uma infeção nogânglio linfático (linfadenite), linfócitos neoplásicos oumacrófagos (linfoma) ou macrófagos carregados demetabólitos em doenças de depósito (Doença de Gau-cher).2

Tânia Rebelo, Joana Fiúza, Álvaro Mendes

Quando o “mal” afinal não émau!

RESUMOIntrodução: Entre as numerosas causas de linfadenopatia, a tuberculose e o linfoma são relativamente comuns e potencial-mente curáveis. A tuberculose ganglionar é a forma mais comum de tuberculose extrapulmonar, sendo os gânglios cervicais osmais afetados.Descrição de caso: Homem de 87 anos de idade, caucasiano, pertencente a uma família alargada, de classe social média bai-xa, com dependência grave, segundo a escala de Barthel. Dos antecedentes pessoais destaca-se doença cerebrovascular, fibri-lhação auricular paroxística e insuficiência cardíaca, com fração de ejeção ligeiramente reduzida. O doente foi observado no do-micílio pelo seu médico de família por um “papo no pescoço” (sic) que tinha surgido há cerca de quatro dias. Apresentava umalinfadenopatia supraclavicular esquerda com dor local e anorexia. Negava febre, tosse, hipersudorese noturna e perda ponde-ral. A linfadenopatia apresentava características suspeitas e sinais inflamatórios locais. Foi instituída antibioterapia e requisita-da uma ecografia das partes moles para melhor caracterização. A ecografia sugeriu eventual doença linfoproliferativa ou ade-nite bacilar. Devido à ausência de resposta à antibioterapia, ao estudo analítico sem alterações relevantes e à TAC do tórax re-velar um conglomerado adenopático com alguma necrose associada no cavado supraclavicular esquerdo, o doente foi encami-nhado para o serviço de urgência e internado para estudo. A pesquisa de BAAR/DNA BK no exsudado foi positiva pelo que foiassumido tratar-se de um quadro compatível com linfadenite tuberculosa e o doente iniciou tuberculostáticos. Teve alta comindicação de encaminhamento para o Centro de Diagnóstico Pneumológico.Comentário: Estabelecer um diagnóstico de tuberculose extrapulmonar é um desafio. A continuidade de cuidados pelo médi-co de família permite acompanhar a evolução clínica de forma a adotar a abordagem que considere mais oportuna. Além dis-so, possibilita antecipar e preparar a família para uma eventual crise e fornecer o apoio para uma melhor estabilização psicos-social do agregado familiar.

Palavras-chave: Tuberculose ganglionar; Tuberculose extrapulmonar; Linfadenopatia.

Na prática clínica dos cuidados de saúde primários(CSP), mais de dois terços dos doentes com linfadeno-patia têm causas inespecíficas ou doenças do trato res-piratório superior (viral ou bacteriano) e < 1% têm ma-lignidade.1 Entre as numerosas causas de linfadenopa-tia, a tuberculose e o linfoma são relativamente comunse potencialmente curáveis.3

As linfadenopatias são um problema relativamentecomum nas consultas de um médico de família, peloque é importante estar alerta para as diversas etiologiase conhecer sinais clínicos «chave».

DESCRIÇÃO DE CASOIdentificação

Homem de 87 anos de idade, caucasiano, viúvo, anal-fabeto, pertencente a uma família alargada (Figura 1),de classe social média baixa segundo a escala de

DOI: 10.32385/rpmgf.v36i3.12565 relatosdecaso

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Graffar (18 pontos) e com dependência grave, de acor-do com a escala de Barthel (pontuação de 10). Ex-pe-dreiro, reformado há 22 anos. Natural de Abragão e re-sidente no concelho de Penafiel. Vive numa moradiaprópria, em zona rural, com eletricidade, água parti-cular e fossa séptica. Sem animais domésticos.

Antecedentes pessoais e familiaresApresenta, como antecedentes pessoais, hiperten-

são arterial, dislipidemia mista, doença cerebrovascu-lar sequelar com amaurose bilateral, fibrilhação auri-cular paroxística, insuficiência cardíaca de etiologiamultifatorial (isquémica por enfarte do miocárdio e val-vular por estenose aórtica severa), com fração de eje-ção ligeiramente reduzida (48%). Sem hábitos tabági-cos, etílicos ou de consumo de drogas ilícitas.

A sua mediação habitual é: um comprimido por diade olmesartan medoxomilo + amlodipina 20mg + 5mg,bisoprolol 2,5mg e rosuvastatina 10mg; acenocumarol4mg (conforme esquema da hipocoagulação.

Como antecedentes familiares, a mãe sofreu de aci-dente vascular cerebral, um irmão faleceu de cancro co-lorretal e tem um irmão com leucemia linfoide cróni-ca.

História da doença atualEm agosto de 2018, a pedido da filha, o doente foi ob-

servado no domicílio pelo seu médico de família porum “papo no pescoço” (sic) que teria surgido há quatrodias. Apresentava uma tumefação/linfadenopatia na re-gião supraclavicular esquerda com dor local e anorexia.Negava febre, tosse, hipersudorese noturna, perda pon-deral, fadiga ou infeções respiratórias recentes. Sem his-tória de viagens recentes ou contactos com animais, es-pecialmente com gatos. Sem contexto epidemiológicoconhecido. Ao exame objetivo apresentava as mucosascoradas e hidratadas, apirético, hemodinamicamenteestável. A linfadenopatiana na região supraclavicularesquerda, com cerca de 20mm de maior diâmetro, apre-sentava uma consistência média, bem delimitada, rela-tivamente móvel, bastante dolorosa à palpação, comaparente flutuação nos tecidos envolventes e presençade sinais inflamatórios associados (calor, rubor e ede-ma). Não apresentava outros gânglios linfáticos palpá-veis nas regiões pré-auricular, occipital, submandibular,axilar ou inguinal. O restante exame objetivo não apre-sentava alterações relevantes. Dado tratar-se de umalinfadenopatia unilateral aguda e pela presença de sinaissugestivos de infeção bacteriana foi medicado com

AVC

LeucemiaLinfocíticaCrónica

CancroColorrectal

PatologiaOsteoarticular

Abuso crónicodo Álcool

HTAAVC

AVCAVCEAM

Asma

AsmaMasculino

Feminino

Falecimento

Utente

Casamento

Relação Boa

Relação Excelente

Agregado Familiar

LEGENDA

27/09/2018

95

87

60 68 62

42 42

19

81 84 76 70

74I

II

III

IV

V

Figura 1. Genograma familiar e Psicofigura de Mitchell.

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323relatosdecaso

amoxicilina e ácido clavulânico 875+125mg, um com-primido de 12/12h durante oito dias. Foi ainda requisi-tada uma ecografia das partes moles para melhor ca-racterizar a linfadenopatia e ajudar a clarificar a sua pos-sível etiologia. A ecografia (Figura 2) revelou um abces-so volumoso, de paredes finas e líquido espesso naregião supraclavicular esquerda com 45x37x33mm, ade-nomegalias supraclaviculares e jugulo-carotídeas, emmoderada quantidade, que variavam de 9 a 14mm, su-gerindo eventual doença linfoproliferativa ou adenitebacilar. Perante a hipótese diagnóstica de doença linfo-proliferativa gerou-se uma tensão familiar por receio deperda do ente querido, surgindo também dúvidas equestões às quais o próprio médico de família ainda nãotinha respostas concretas para fornecer.

Ao fim de 72h da antibioterapia instituída ocorreuuma melhoria da sintomatologia clínica. Perante o re-sultado da ecografia pediu-se um estudo analítico di-rigido (hemograma, velocidade de sedimentação, pro-teína C reativa, lactato desidrogenase e proteinogra-ma), no sentido de esclarecer a existência de indíciosde doença linfoproliferativa, nomeadamente leucemia,linfoma ou mieloma múltiplo, bem como uma tomo-grafia axial computadorizada (TAC) do tórax a fim dedeterminar possíveis lesões parenquimatosas sugesti-vas de tuberculose pulmonar.

Pelo agravamento dos sinais inflamatórios da linfa-denopatia supraclavicular, com aumento da dor local,foi realizada uma nova visita domiciliária cerca de trêssemanas após o primeiro domicílio. Negava o surgi-mento de novos sintomas. Ao exame objetivo apresen-tava uma tumefação com semelhantes dimensões, bem

delimitada, de consistência mais dura e menos móvel eainda muito dolorosa. Acresce um rubor apenas centrale sem edema dos tecidos envolventes. Numa tentativade alívio sintomático até melhor esclarecimento etioló-gico, dada a boa resposta à antibioterapia instituída ini-cialmente e dada a componente da celulite local, foiprescrito novo tratamento com ceftriaxone 1g/dia (IM)durante quatro dias. O estudo analítico não apresentoualterações relevantes e a TAC revelou um conglomera-do adenopático com cerca de 42x36mm, com algumanecrose associada no cavado supraclavicular esquerdo.

Pela ausência de melhoria clínica, após o último es-quema de antibioterapia e com a finalidade de prosse-guir o estudo da tumefação, o doente foi encaminhadopara o serviço de urgência (SU) do centro hospitalar daresidência. No SU foi observado por medicina interna,onde ficou internado para estudo e posterior orienta-ção. A pesquisa de BAAR/DNA BK do exsudado foi po-sitiva, pelo que foi assumido quadro compatível comlinfadenite tuberculosa, tendo iniciado tratamento comtuberculostáticos. O doente teve alta com o diagnósti-co de tuberculose (TB) ganglionar, tendo sido orienta-do para o Centro de Diagnóstico Pneumológico. Dadoser uma forma de tuberculose extrapulmonar não con-tagiosa, devido a provável reativação de tuberculose la-tente, o rastreio dos conviventes não foi necessário, as-sim como a notificação da doença.

COMENTÁRIOA abordagem de uma linfadenopatia deve focar-se na

identificação de fatores que permitam avaliar o seu ca-ráter patológico: idade do doente, contexto epidemio-lógico, características físicas da linfadenopatia, a sua lo-calização e os sinais clínicos associados.4 Contudo, es-tes dados por vezes são insuficientes para esclarecerum diagnóstico definitivo, mas orientam a marchadiagnóstica.4

No que respeita à idade, as crianças e os adultos jo-vens têm geralmente distúrbios benignos, como infe-ções respiratórias superiores (virais ou bacterianas),mononucleose infeciosa, toxoplasmose e, em algumasregiões, tuberculose. Pelo contrário, depois dos 50 anos,a incidência de distúrbios malignos aumenta e a dosdistúrbios benignos diminui.1

Dependendo da anamnese, o contexto epidemiológi-co pode ser importante para o raciocínio diagnóstico,

Figura 2. Ecografia das partes moles.

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o conhecimento de elementos como a origem geográ-fica do doente, as viagens efetuadas, a sua profissão(exposição a animais, traumatismos), o estado vacinal(em particular, BCG), os hábitos tabágicos, os hábitossexuais, os fatores de risco para infeção pelo vírus daimunodeficiência humana e a toma de medicamentos.4

As características físicas dos gânglios linfáticos (ta-manho, consistência, mobilidade, sensibilidade, con-fluência/nódulos aglomerados) encontram-se resumi-das na Tabela 1. Outros aspetos importantes são os si-nais de inflamação sobre o nódulo, as lesões de pele ea esplenomegalia.1 Contudo, há ainda um dado fulcral:a localização. As linfadenopatias unilaterais são sempremais suspeitas que as formas bilaterais e simétricas. Olocal mais frequente de linfadenopatia regional é o pes-coço e a maioria das causas são infeções respiratóriasbenignas, lesões orais e dentárias, mononucleose infe-ciosa ou outras doenças virais. As principais causas ma-lignas incluem cancro metastático da cabeça e pesco-ço, mama, pulmão e neoplasias primárias da tiroide.1

Algumas localizações (fossas supraclaviculares, cadeiasabdominais e retroperitoniais) são particularmente su-gestivas de doença maligna.4 O aumento dos gânglioslinfáticos supraclaviculares e escalenos é sempre anor-mal. Como esses nódulos drenam regiões do pulmão edo espaço retroperitoneal, eles podem refletir linfomas,outras neoplasias ou processos infeciosos que surgemnessas áreas. O nódulo de Virchow é um nódulo supra-

clavicular esquerdo alargado infiltrado com cancro me-tastático de um primário gastrointestinal. As metásta-ses para os gânglios linfáticos supraclaviculares tam-bém ocorrem nas neoplasias do pulmão, mama, testí-culos ou do ovário. Todas as outras áreas ganglionaresdevem ser avaliadas para excluir a possibilidade de lin-fadenopatia generalizada, situação mais frequente-mente associada a doença significativa.4

De acordo com o quadro clínico inicialmente apre-sentado, os sinais clínicos apontavam para uma possí-vel infeção bacteriana. As linfadenopatias associadas ainflamação e que progridem rapidamente para a flu-tuação são tipicamente causadas por infeções estafilo-cócicas e estreptocócicas.5 Tal como se procedeu, a an-tibioterapia recomendada nestes casos é a amoxicilina+ ácido clavulânico, cefalosporinas ou clindamicina.5-6

Por outro lado, os vários fatores de risco de malignida-de que o doente apresentava (idade superior a 40 anos,sexo masculino, localização supraclavicular e cauca-siano) e a anorexia conduziram o raciocínio clínico parauma provável metástase tumoral. Dada a sua históriaocupacional passada, a silicose ou a sarcoidose tambémpoderiam ter sido hipóteses de diagnóstico. Contudo,dada a inexistência de sintomas pulmonares e de doen-ça pulmonar conhecida, não foram tidas em conside-ração. Numa segunda fase, após o resultado da ecogra-fia, as hipóteses diagnósticas mais prováveis foramdoença linfoproliferativa ou tuberculose ganglionar.

Características Físicas Descrição

Tamanho Toda a linfadenopatia com mais de 1cm deve ser considerada como suspeita.

Alguns autores consideram que os nódulos epitrocleares > 0,5cm devem ser considerados anormais e que os nódulos inguinais normais podem medir até 2cm.

Quanto maior for a linfadenopatia maior a probabilidade de malignidade.

Consistência Os gânglios com consistência pétrea são sugestivos de neoplasia frequentemente metastática.

Os gânglios com consistência firme e elástica sugerem linfoma.

Os gânglios moles sugerem infeção ou doença inflamatória.

Mobilidade A aderência aos planos profundos sugere malignidade.

Sensibilidade A sensibilidade, a dor e os sinais inflamatórios evocam geralmente uma natureza infeciosa da linfadenopatia.

Confluência/nódulos Parecem mover-se como uma única unidade, podem ser benignos (tuberculose, sarcoidose ouaglomerados linfogranuloma venéreo) ou malignos (metástases de carcinoma ou linfoma).

TABELA 1. Descrição das principais características físicas de um gânglio1,6

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A tuberculose, sarcoidose e toxoplasmose são causasnão neoplásicas de linfadenopatia supraclavicular.1 ATB é a doença infeciosa mais antiga documentada. Atransmissão do bacilo ocorre de pessoa para pessoa porvia respiratória por inalação de pequenos aerossóis.Após um curto período de replicação nos pulmões, adisseminação silenciosa ocorre através do sistema lin-fo-hematogénico para os locais extrapulmonares, in-cluindo os gânglios linfáticos cervicais.7 A TB ganglio-nar é a forma mais comum de TB extrapulmonar. En-tre esses locais, os gânglios linfáticos cervicais são osmais afetados, cerca de dois terços dos casos.7-8

As formas de TB extrapulmonares são mais frequen-tes em indivíduos imunodeprimidos, sendo responsá-veis por até 50% da linfadenite cervical. Aproximada-mente 95% das infeções por micobactérias cervicaisem adultos são causadas por Mycobacterium tubercu-losis e o restante é causado por micobactéria atípica oumicobactéria não tuberculosa.7

Estabelecer um diagnóstico de TB extrapulmonarnão é fácil, dada a inexistência de uma apresentação clí-nica específica e a necessidade de amostra de tecidoque frequentemente não é acessível, mas que, nestecaso clínico, se encontrava acessível.9 Por outro lado,dado a região do Vale do Sousa Sul ter sido uma regiãoonde a prevalência da tuberculose foi muito elevada nopassado – mantendo-se ainda como uma das regiões anível nacional com maior taxa de prevalência e inci-dência (42,5 novos casos por 100.000 habitantes em2017) – esta etiologia não foi surpreendente.10

O internamento para o esclarecimento da situaçãogerou um momento de tensão familiar pela incertezado diagnóstico, uma vez que não constituía a primeiravontade do doente e, por conseguinte, da família. Ape-sar do seu estado de dependência, este tem vida de re-lação e constitui um pilar importante na dinâmica fa-miliar. O aconselhamento e apoio do médico de famí-lia foram essenciais no esclarecimento das dúvidas so-bre uma possível neoplasia oculta ou mesmo umadoença linfoproliferativa. Após o diagnóstico final foiimportante uma nova abordagem familiar para res-ponder às principais dúvidas sobre o tratamento.

Este caso pretende, assim, retratar a abordagemdiagnóstica de um tumefação/linfadenopatia cervicalao nível dos cuidados de saúde primários, destacandoos sinais de alarme que o doente apresentava. Alerta-

-nos, enquanto médicos de família, para o desafio degerir tensões familiares e preparar a família para umaeventual crise. Neste sentido, a visita domiciliária cons-tituiu uma importante ferramenta na abordagem maiscompleta do doente e da sua família.

Por fim, o conhecimento da comunidade, nomea-damente da prevalência e incidência das patologiasmais frequentes, é essencial para que as equipas de saú-de possam desenvolver abordagens específicas e im-plementar programas de prevenção da doença e pro-moção da saúde, direcionados às necessidades locais.

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do Sousa Sul. ACeS Tâmega II-Vale do Sousa Sul; 2018.

CONFLITO DE INTERESSESOs autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIATânia Rebelo

E-mail: [email protected]

https://orcid.org/0000-0002-0925-2373

Recebido em 13-05-2019Aceite para publicação em 08-11-2019

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ABSTRACT

WHEN THE “EVIL” IS NOT EVIL!Introduction: Among the numerous causes of lymphadenopathy, tuberculosis and lymphoma are relatively common and po-tentially curable. Lymph node tuberculosis is the most common site of extrapulmonary tuberculosis, with cervical ganglia beingmost affected.Case description:An 87-year-old Caucasian male from an extended family with a low average social class, severely dependenton the Barthel scale. Had a previous history of cerebrovascular disease, paroxysmal atrial fibrillation, and heart failure with mid--range ejection fraction. The patient was observed at home by his family doctor for a ‘neck lump’ that had arisen about fourdays earlier. He had left supraclavicular lymphadenopathy with local pain and anorexia. He had no fever, cough, night sweats,or weight loss. Lymphadenopathy presented suspicious characteristics and local inflammatory signs. Antibiotherapy was insti-tuted and an ultrasound of soft tissues was requested. Ultrasound suggested a possible lymphoproliferative disease or bacilla-ry adenitis. Due to the absence of response to antibiotic therapy, an analytical study with no relevant alterations and CT scanof the thorax revealing an adenopathic conglomerate with some associated necrosis in the left supraclavicular cavity, the pa-tient was referred to the Emergency Department and hospitalized for study. The BAAR/DNA BK test in the exudate was positi-ve, so it was assumed that it was compatible with tuberculous lymphadenitis and the patient started tuberculostatics. He wasdischarged with a referral to the Center for Pneumological Diagnosis.Commentary: Establishing a diagnosis of extrapulmonary tuberculosis is a challenge. The continuity of care by the family doc-tor allows the follow-up of the clinical evolution in order to adopt the approach that the doctor considers timelier. In addition,it makes it possible to anticipate and prepare the family for a possible crisis and provide the support for better psychosocialstabilization of the household family.

Keywords: Tuberculous lymphadenopathy; Extrapulmonary tuberculosis; Lymphadenopathy.