samizdat 37 - a poesia latino-americana
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SAMIZDAT
37julho
2013
ano VI
ficina
www.evss.c
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Edio, Capa e DiagramaoHenry Alfred Bugalho
Editor de poesiaVolmar Camargo Junior
AutoresCristina Garcia Lopes AlvesTatiana Alves
Joaquim BispoThomas Rodolfo BrennerAdriane Dias BuenoHenry Alfred BugalhoVolmar Camargo JuniorRafael F. CarvalhoRodrigo DomitDayvson FabianoClaudiomiro Machado FerreiraCinthia KriemlerEdweine Loureiro
Priscila LopesLeandro LuizEduardo MacedoFelipe Garcia de MedeirosLohan Lage PignoneAndria PiresSilvana RamosVanessa ReginaSetbalLeonardo SiviottiAntonio Fernando Sodr Jnior
Ricardo ThadeuVander Vieira
Textos de:Jorge Luis BorgesMrio de S-CarneiroLeopoldo LugonesJos MartPablo NerudaOctavio Paz
Foto da Capa: Pablo Nerudawww.revistasamizdat.com
ISSN 2281-0668
SAMIZDAT 37julho de 2013
Obra Licenciada pela Atribuio-Uso No-Comercial-Vedadaa Criao de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.
Todas as imagens publicadas so de domnio pblico, royaltyfree ou sob licena Creative Commons.
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Ortogrco. A aceitao da reviso proposta depende davontade expressa dos colaboradores.
El
H meros seis anos escrevo poesia gosto de acreditarque o que fao. Toda minha produo pode ser acompa-nhada desde a primeira edio da SAMIZDAT. De tudo oque escrevia, tomava o cuidado de selecionar o que julgavamais adequado ao esprito, vibe da SAM. H alguns me-ses, o patro Henry deu-me a incumbncia de receber ospoemas submetidos revista. Nos ltimos meses, recebemosuma quantidade signicativa de textos, bons, muito bons e,ufa, alguns de tirar o flego. No princpio, foi muito, muitodifcil pensar nos critrios para fazer a triagem do que iriaou no ser publicado. Enm, precisei submet-los ao mesmocrivo que estabeleci para escolher os meus: o que queremosdizer aqui, o discurso dessa publicao. Isso no signicaque aqui se encontra uma elite. No somos o mainstream dapoesia lusfona contempornea. Somos independentes, irre-verentes de certa forma. Nesta 37 edio, encontramos umaamostra do melhor que recebemos. Um grande motivo de
orgulho, mas tambm de preocupao: co aito quando ospoemas comeam a chegar, e preciso fazer cortes; mas, acre-ditem, graticante ver que existe uma assustadora leva debons poetas em portugus, vivos, ativos, procurando espaopara suas melhores coisas. Aqui, uma edio de boa poesiaindependente, irreverente. Impactante.
Boa leitura.
Volmar Camargo Junior
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SumrioPor quE Samizdat? 8
Henry Alfred Bugalho
ENtrEViStamnk dh, nn e se n s s vens an 10
rEComENdaES dE LEitura
H Sbs n Cc 14Edweine Loureiro
autor Em LNGua PortuGuESaPes e m e S-Cne 16
CoNtoCn o os a esl e
vl ac Sl e encn c sn c 22Joaquim Bispo
N e c... 25Rafael F. Carvalho
Nveg e Csnh 26Silvana Ramos
Ce 27
Eduardo Macedo
Kschng 28Setbal
a Enevs 30Lohan Lage Pignone
Bln Ven 34Tatiana Alves
Bbe 36Rodrigo Domit
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Segn V 38Andria Pires
Ple al 40Dayvson Fabiano
o r 42Cinthia Kriemler
Jne de 46Adriane Dias Bueno
traduoVess Sples 50
Jos Mart
Pe 6 52Pablo Nerudao Pss 53
Octavio Paz
L mlgn 54Leopoldo Lugones
as rs 55Jorge Luis Borges
tEoria LitErriaa ml Lng Pges 56
Henry Alfred Bugalho
artiGoo dwnl e Lvs 60
Claudiomiro Machado Ferreira
CrNiCaas Bs-Vns 64Antonio Fernando Sodr Jnior
a Vv 66Leandro Luiz
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PoESia che ncnfnvel e p 68
Volmar Camargo Junior
as egs p cnsev se 69Volmar Camargo Junior
Pjees 70Priscila Lopes
res 71Vanessa Regina
a rs Glcl 72Felipe Garcia de Medeiros
d pe esc n penle 74
Vander Vieira
Lnes 75Cristina Garcia Lopes Alves
CoNCurSoGnhes i Cncs e mncnsaes S/a 76
Cinthia Kriemler 76
Leonardo Siviotti 77
Ricardo Thadeu 77
Thomas Rodolfo Brenner 78
Sg-ns n Fcebk e twe e cpnhe s nves
revs Samizdat
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6 SAMIZDAT julho de 2013ficina
www.ofcinaeditora.com
O lugar onde
a boa Literatura fabricada
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7www.revistasamizdat.com
A Revista SAMIZDAT conta com a suaparticipao para manter o alto padro das
publicaes.
Aceitamos e estimulamos a participaode autores estreantes, pois o nosso objetivo apresentar a maior diversidade possvelde autores, gneros e textos.
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poder implicar na desqualicao da obraenviada.
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Atenciosamente,
Henry Alfred Bugalho
Editor
Participe da Revista SAMIZDAT 38
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incls e Excls
Nas relaes humanas,sempre h uma dinmica deincluso e excluso.
O grupo dominante, pelaprpria natureza restritivado poder, costuma excluirou ignorar tudo aquilo queno pertena a seu projeto,ou que esteja contra seusprincpios.
Em regimes autoritrios,esta excluso muito eviden-te, sob forma de perseguio,censura, exlio. Qualquer umque se interponha no cami-nho dos dirigentes afastadoe ostracizado.
As razes disto so muitosimples de se compreender:o diferente, o dissidente perigoso, pois apresentaalternativas, s vezes, muitomelhores do que o estabe-lecido. Por isto, necessriosuprimir, esconder, banir.
A Unio Sovitica nofoi muito diferente de de-mais regimes autocrticos.
Origina-se como uma formade governo humanitria,igualitria, mas
logo se converte em uma di-tadura como qualquer outra. a microfsica do poder.
Em reao, aqueles quese acreditavam como livres-pensadores, que no que-riam, ou no conseguiam,fazer parte da mquinaadministrativa que esti-
pulava como deveria ser acultura, a informao, a vozdo povo , encontraram naautopublicao clandestinaum meio de expresso.
Datilografando, mimeo-grafando, ou simplesmentemanuscrevendo, tais autoresrussos disseminavam suasideias. E ao leitor era incum-bida a tarefa de continuar
esta cadeia, reproduzindo taisobras e tambm as passandoadiante. Este processo foidesignado "samizdat", quenada mais signica em russodo que "autopublicado", emoposio s publicaes o-ciais do regime sovitico.
P e S?
Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
distribuo e posso ser preso por causa disto
Vladimir Bukovsky
Henry Alfred Bugalho
Foto: exemplo de um samizdat. Corte-
sia do Gulag Museum em Perm-36.
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E p e S?
A indstria cultural e omercado literrio faz par-te dela tambm realizaum processo de excluso,baseado no que se julga noter valor de mercado. Inex-plicavelmente, estabeleceu-seque contos, poemas, autoresdesconhecidos no podemser comercializados, que novale a pena investir neles,pois os gastos seriam maio-res do que o lucro.
A indstria deseja o pro-duto pronto e com consumi-dores. No basta qualidade,no basta competncia; sehouver quem compre, mes-mo o lixo possui prioridadesna hora de ser absorvidopelo mercado.
E a autopublicao,como em qualquer regimeexcludente, torna-se a viapara produtores culturaisatingirem o pblico.
Este um processo soli-trio e gradativo. O autorprecisa conquistar leitor aleitor. No h grandes apa-ratos miditicos como TV,
revistas, jornais onde elepossa divulgar seu trabalho.O nico aspecto que conta o prazer que a obra causa noleitor.
Enquanto que este um
trabalho difcil, por outrolado, concede ao criador umaliberdade e uma autonomiatotal: ele dono de sua pala-vra, o responsvel pelo quediz, o culpado por seus erros, quem recebe os louros porseus acertos.
E, com a internet, os au-tores possuem acesso diretoe imediato a seus leitores. A
repercusso do que escre-vem (quando h) surge emquesto de minutos.
A serem obrigados aburlar a indstria cultural,os autores conquistaram algoque jamais conseguiriam deoutro modo, o contato qua-se pessoal com os leitores,o dilogo capaz de tornar aobra melhor, a rede de conta-tos que, se no to inuen-te quanto a da grande mdia,faz do leitor um colaborador,um co-autor da obra quel. No h sucesso, no h
grandes tiragens que subs-tituam o prazer de ouvir orespaldo de leitores sinceros,que no esto atrs de gran-des autores populares, queno perseguem ansiosos os10 mais vendidos.
Os autores que compemeste projeto no fazem partede nenhum movimentoliterrio organizado, noso modernistas, ps-modernistas, vanguardistasou qualquer outra denioque vise rotular e denir aorientao dum grupo. Soapenas escritores interessadosem trocar experincias e
sosticarem suas escritas. Aqualidade deles no umaorientao de estilo, mas sima heterogeneidade.
Enm, Samizdat porque ainternet um meio de auto-publicao, mas Samizdatporque tambm um modode contornar um processode excluso e de atingir oobjetivo fundamental da
escrita: ser lido por algum.
SAMIZDAT uma revista eletrnicagratuita, escrita, editada e publicada pelanovssima gerao de autores lusfonos.Diariamente so includos novos textos deautores consagrados e de jovens escritoresamadores, entusiastas e prossionais. Contos,crnicas, poemas, resenhas literrias e muitomais.
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Mainak Dhar trabalha num escritriodurante o dia e escritor pela noite. Seuprimeiro trabalho publicado foi uma
coleo grampeada de respostas de mate-mtica e poemas que ele vendeu para seuscolegas de stima srie, que ele torrou emsorvete e quadrinhos. Mainak foi um autorbest-seller na ndia com ttulos publicadospor grandes casas editoriais, como Penguine Random House, sendo que um de seusromances (Herogiri) foi adaptado para ocinema. No comeo de 2011, ele comeoua usar a Amazon para alcanar, com seus
ebooks, leitores internacionais e se tornouum dos proeminentes autores independen-tes do mundo, com mais de 100 mil livros
vendidos no primeiro ano. Mainak umdos autores mais vendidos de Terror naAmazon e, em maro de 2013, se tornou onmero 1, temporariamente ultrapassandoStephen King neste posto. Escreveu trezelivros, incluindo a srie Alice no Pas dosMortos.
Saiba mais sobre ele e contate-o em
mainakdhar.com
mnk dhr tr nn nepenente e se trn s s vens azn
Enevs
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1 - Conte-nos um pouco sobre suacarreira como escritor, Mainak. Comovoc comeou e quais eram suas inu-ncias?
Stephen King tenha talvez sido a mais
importante inuncia para que eu desse osprimeiros passos para tornar-me um escri-tor. isto que faz com que o meu marcode ultrapass-lo momentaneamente emmaro de 2013, tornando-me o nmero 1dentre os escritores de terror na Amazon,to especial. Escrevo desde que eu possame lembrar, e ainda criana eu tinha umaporo de poemas que escrevi guardadana minha gaveta. Lembro-me de ter lidouma entrevista com Stephen King, na qual
ele dizia algo como que no momento quealgum paga um centavo por sua escrita,voc um escritor prossional. Ento, nastima srie, quando eu estava vivendo noCanad, solucionei os exerccios de mate-mtica do perodo seguinte e grampeei asrespostas junto com meus poemas (imagi-nando, talvez corretamente, que ningumpagaria somente por meus poemas), e asvendi para meus colegas. Ganhei 12,50dlares, que rapidamente gastei em sorve-te e quadrinhos. Naquele dia, voltei paracasa e anunciei para minha me que eutinha me tornado um escritor prossional.Infelizmente, no tenho mais aqueles poe-mas (nem as respostas de matemtica) queiniciaram minha jornada como escritor.
2 - Voc se tornou um dos autoresmais vendidos da Amazon ao autopu-blicar o livro Alice no Pas dos Mortos(Alice in Deadland), um romance juve-
nil sobre uma caadora de zumbis cha-mada Alice. Terror um gnero popu-lar na ndia, ou voc tinha um pblicomais vasto em mente?
Terror ainda um gnero muito inci-piente na ndia, e eu no comecei a escre-ver neste gnero tendo especicamente osleitores indianos em mente. Minha pri-meira incurso no gnero foi o romance
Zumbisto (Zombiestan). Sempre adoreico ps-apocalptica, com clssicoscomo A Dana da Morte (The Stand) eLucifers Hammer entre meus livros favo-ritos. Um dia, comecei a pensar que tipode mundo ps-apocalptico eu gostaria decriar e dar vida para personagens e enre-dos. Como o usual, eu estava fazendo umbrainstorm de uma pessoa s, e a palavraZumbisto pipocou em minha mente. Umacoisa levou outra e, como se diz, o resto Histria. Uma vez que Zumbisto come-ou a ter boas crticas e leitores na Ama-zon, decidi explorar o gnero ainda mais,e a ideia de uma verso distpica de Alicenasceu e isto se tornou um dos pontos devirada de minha carreira.
3 - No mercado de livro atual, algunsexperts comparam o caminho da au-topublicao a uma corrida do ouro,quando autores esto tentando garantirseu quinho antes que esta via se esgote.Como foi a experincia de autopublicarnos EUA? Voc divulgou seu livro, ou osucesso foi devido ao boca a boca? Vocrecomendaria a autopublicao paraautores estrangeiros tentando inserir-seno mercado norte-americano?
Autopublicao, especialmente comAmazon e ebooks, pode mudar o jogo emse tratando de alcanar os leitores. Meunico alerta para qualquer escritor queno existe uma mina de ouro pronta. Osprincpios bsicos da publicao continu-am os mesmos: escreva o melhor livro quepuder, faa uma edio prossional, faauma tima capa e se apresente aos leito-
res. Muitos escritores pensam que isto um atalho para o sucesso; mas no h talatalho. Autopublicao trabalho duro;muito mais duro que a publicao tradi-cional, pois, alm de voc ser o autor, vocter de ser o editor/empresrio, gerentede marketing, etc. Certique-se que voccompreende tudo isto antes de pensar que um atalho e mergulhar de cabea. Euhavia sido amplamente publicado na ndia
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por grandes editoras como Random Housee Penguin antes de comear a veicularmeu catlogo de livros para o alcance deleitores internacionais na Amazon. Meusresultados iniciais foram modestos 118ebooks vendidos no primeiro ms, masquando o boca a boca entrou em ao, ascoisas deslancharam e, em seis meses, euestava vendendo mais de 5 mil ebooks aoms. Logo, comecei a escrever livros e ap-los diretamente na Amazon, como ocor-reu com Zumbisto e, depois, com a srieAlice no Pas dos Mortos.
4 - Como voc interage com seusleitores? E, depois de tal sucesso, comovoc lida com a inevitvel crtica?
H muita interao um a um. Recebopelo menos uma centena de e-mails deleitores por ms. Como um escritor, isto imensamente graticante e eu trago paracasa a verdadeira magia dos livros co-nectar pessoas, s vezes milhares de milhasdistantes, atravs de palavras e ideias. Eutambm tenho um grupo muito ativo emaravilhoso no Facebook para o Aliceno Pas dos Mortos, onde eu interajo com
leitores todos os dias, compartilho ideias,recebo feedback e, na verdade, crio coo-perativamente meu trabalho. Estes leitoresse tornaram mais amigos do que somenteleitores.
5 - Voc escreve seus livros direta-mente em ingls? Quem o seu primei-ro leitor, aquela pessoa na qual vocconfa e que sempre ser sincera com
voc?
Escrevo em ingls e minha maior fontepara conselhos imparciais e meu mais pre-cioso retorno minha esposa, Puja.
6 - Seu sucesso na Amazon despertoua ateno de agentes ou editores ameri-canos? Voc considera a possibilidade
de acomodar-se num contrato tradicio-nal de publicao, ou preferiria a liber-dade e os barrancos da autopublicao?E a pergunta de um milho de dlares:voc consegue viver somente da escri-ta, ou ainda mantm seu trabalho (porenquanto)?
Eu fechei com uma grande agncia (Pon-
tas) para explorar os direitos internacionaise de traduo, e estou bastante aberto paraofertas de tradues para alcanar leitoresde outros idiomas, mas, para ser honesto, aoferta de 70% de direitos autorais de auto-publicao da Amazon e o tipo de vendasque tenho signicam que o contrato depublicao tradicional teria de ser tremen-damente atrativo para eu pensar sobre isto.Eu ainda mantenho meu trabalho por
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que no faz-lo, se voc pode? Eu ores-o na multitarefa (normalmente, leio pelomenos dois livros ao mesmo tempo, porexemplo) e a complexidade e adrenalina deequilibrar ao mesmo tempo tudo o queme mantm estimulado.
7 - Voltando ao gnero apocalipsezombie: at onde percebo, histrias dezumbis no so apenas sobre matar,decapitar e mutilar os mortos-vivos.Normalmente, h uma mensagem maisprofunda nelas. Qual sua viso sobreisto?
Penso que as pessoas hoje em dia estobastante conscientes de como estamos fer-rando com nosso mundo poluio, super-populao, ingerncia econmica, e assimpor diante. Como resultado, penso que aspessoas so fascinadas com o que poderiaocorrer se a sociedade, que consideramoscomo certa, colapsasse da o fascnio pelaco distpica. Zumbis so uma mani-festao disto, um inimigo aparentementeimbatvel, determinado a pr um m civilizao humana como ns a conhece-mos. Eu tambm uso os zumbis como uma
metfora para como ns mesmos somosa maior ameaa para nosso mundo. EmAlice no Pas dos Mortos e em Zumbis-to, os zumbis (ou mordedores, como euos chamo) so o resultado direto do que aspessoas fazem em suas buscas pelo poder.
8 - Quais so seus conselhos para umescritor iniciante? O que voc apren-deu sobre o ofcio e tambm sobre o
negcio editorial?
Escrever um livro no requer criativi-dade somente, mas a disciplina para veratravs dela. Ento, se voc deseja escrever,esteja pronto para comprometer-se comesta disciplina e trabalhar duro. Tambmvoc precisa ter uma casca dura e persis-tncia para prosseguir, porque inevitavel-mente enfrentar rejeio e obstculos.
No quero dissuadi-lo, mas siga com osolhos bem abertos. Construir uma carreiraliterria no se trata de ter uma ideia legale sonhar em escrever um livro. Converteristo para realidade trabalho duro, e vocprecisa fazer um esforo consciente paratornar a escrita uma parte importante desua vida e de sua rotina.
9 - Voc est trabalhando em tradu-es de seus livros? Podemos esperaruma traduo para portugus em breve?
Alice no Pas dos Mortos foi traduzidopara turco, outro romance (Line of Control)foi traduzido para francs e meus livrossobre negcios foram traduzidos para japo-ns e vietnamita. Tenho uma maravilhosaagncia europeia (Pontas) me representan-do para trazer meu trabalho para leitoresem outras lnguas, ento no tenho dvidaque atingirei leitores de outros idiomas. So-bre portugus, tudo depender dos editoreslocais interessados em meu trabalho.
Muito obrigado por seu tempo,Mainak, e estaremos sempre torcendo
por seus sucessos.
Entrevista e traduo por:
Henry Alfred Bugalho
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Edweine Loureiro
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recen e Le
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Se existe o Teatro Absurdo,por que tambm no falarmosde uma Literatura Absurda? Ouseja, um tipo de texto que expeo ridculo das situaes cotidia-
nas, sem perder a ternura porestes seres to complexos e fasci-nantes que constituem a Huma-nidade. E se existisse tal vertenteliterria, com certeza teramosque nela incluir o escritor portu-gus F. Seriot Barbosa ou sim-plesmente Srio Barbosa.
Num estilo que em muito nos
lembra as literaturas de StanislawPonte Preta e Millr Fernandes,Srio Barbosa, vencedor do Pr-mio Ea de Queirs em 1992,apresenta-nos em seu livro decontos, intitulado H sombrasno circo justamente o que o t-tulo nos sugere: esse palhaotriste que, no fundo, todos nsrepresentamos, e que pode pro-porcionar com a mesma maestriaespetculos burlescos e tragdiasdilacerantes.
E a primeira parte do livro justamente a do circo. E numdesle de tipos hilrios que re-presentam as mais diversas face-
tas do povo e do governo portu-gus. Assim temos, por exemplo,o ministro que sempre respondeuma pergunta formulando outra(em A Entrevista); um proprie-trio orgulhoso de sua casa, ummodelo de arquitetura arrojada(em A Casa sem Paredes); e um
bate-boca entre duas Amlias,uma peixeira e outra verdureira,com notas em rodap para noofender as senhoras bem-nas-cidas (em A Rua da Virtude).
Alm de outros personagens ines-quecveis, como o Doutor KapaKapa, de Psiquiatras, e o Aniceto(no conto de ttulo homnimo).Todos eles nos so apresentadospor Srio Barbosa, mas de umaforma que s os grandes autoressabem fazer: ou seja, rindo com, eno de suas personagens.
E, ento, quando pensamosque estamos diante de um livrona mais bela tradio satrica,o autor faz as sombras desla-rem na segunda parte do livro. Eaqui, particularmente, trs textoschamaram-me a ateno, tantopor sua fora dramtica quantopelo nal arrebatador. So eles: APartida, um texto curto que falada ida de um lho para a guerra;O Forasteiro, uma reexo sobrea desiluso; e o magistral A Ora-o, nada menos que milagroso.
Os risos e suas sombras. Delascompe-se a vida e umgrande livro de contos.
Srio que sim!
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Pes emr e S-Crner
a e Lng Pges
16 SAMIZDAT julho de 2013
lcl
Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procisso;
Volteiam-me crepsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxido.
Batem asas de aurola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhes de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.
Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo
Luto, estrebucho... Em vo! Silvo pra alm...
Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...
Que droga foi a que me inoculei?
pio de inferno em vez de paraso?...
Que sortilgio a mim prprio lancei?
Como que em dor genial eu me eternizo?
Nem pio nem morna. O que me ardeu,Foi lcool mais raro e penetrante:
s de mim que ando delirante
Manh to forte que me anoiteceu.
Paris maio de 1913
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F
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes
Faam estalar no ar chicotes
Chamem palhaos e acrobatas!
Que o meu caixo v sobre um burro
Ajaezado andaluza
A um morto nada se recusa
E eu quero por fora ir de burro!
qse
Um pouco mais de sol eu era brasa,
Um pouco mais de azul eu era alm.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aqum...
Assombro ou paz? Em vo... Tudo esvadoNum baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho dor! quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princpio e o m quase a expanso...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi s iluso!
De tudo houve um comeo... e tudo errou...
Ai a dor de ser quase, dor sem m...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaou mas no voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
nsias que foram mas que no xei...
Se me vagueio, encontro s indcios...
Ogivas para o sol vejo-as cerradas;
E mos de heri, sem f, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipcios...
Num mpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possu...
Hoje, de mim, s resta o desencanto
Das coisas que beijei mas no vivi...
...............................................
..............................................
Um pouco mais de sol e fora brasa,
Um pouco mais de azul e fora alm.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aqum...
Paris maio de 1913
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maNuCurE
Na sensao de estar polindo as minhas unhas,
Sbita sensao inexplicvel de ternura,
Todo me incluo em mim piedosamente.
Entanto eis-me sozinho no caf:
De manh, como sempre, em bocejos amarelos.De volta, as mesas apenas ingratas
E duras, esquinadas na sua desgraciosidade
Boal, quadrangular e livre-pensadora
Fora: dia de maio em luz
E sol dia brutal, provinciano e democrtico
Que os meus olhos delicados, renados, esguios ecitadinos
No podem tolerar e apenas forados
Suportam em nuseas. Toda a minha sensibilidade
Se ofende com este dia que h de ter cantoresEntre os amigos com quem ando s vezes
Trigueiros, naturais, de bigodes fartos
Que escrevem, mas tm partido poltico
E assistem a congressos republicanos,
Vo s mulheres, gostam de vinho tinto,
De peros ou de sardinhas fritas
E eu sempre na sensao de polir as minhas unhas
E de as pintar com um verniz parisiense,
Vou-me mais e mais enternecendoAt chorar por mim
Mil cores no ar, mil vibraes latejantes,
Brumosos planos desviados
Abatendo echas, listas volveis, discos exveis,
Chegam tenuemente a perlar-me
Toda a ternura que eu pudera ter vivido,
Toda a grandeza que eu pudera ter sentido,
Todos os cenrios que entretanto fui
Eis como, pouco a pouco, se me foca
A obsesso dbil dum sorriso
Que espelhos vagos reetiram
Leve inexo a sinusar
Fino arrepio cristalizado
Inatingvel deslocamento
Veloz falha atmosfrica
E tudo, tudo assim me conduzido no espao
Por inmeras intersees de planos
Mltiplos, livres, resvalantes.
l, no grande espelho de fantasmas
Que ondula e se entregolfa todo o meu passado,
Se desmorona o meu presente,
E o meu futuro j poeira
Deponho ento as minhas limas,
As minhas tesouras, os meus gods de verniz,
Os polidores da minha sensao
E solto meus olhos a enlouquecerem de ar!
Oh! poder exaurir tudo quanto nele se incrusta,
Varar a sua beleza sem suporte, enm!
Cantar o que ele revolve, e amolda, impregna,
Alastra e expande em vibraes:
Subtilizado, sucessivo perptuo ao innito!Que calotes suspensas entre ogivas de runas,
Que tringulos slidos pelas naves partidos!
Que hlices atrs dum voo vertical!
Que esferas graciosas sucedendo a uma bola detnis!
Que loiras oscilaes se ri a boca da jogadora
Que grinaldas vermelhas, que leques, se a danarinarussa,
Meia nua, agita as mos pintadas da Salom
Num grande palco a ouro! Que rendas outros bailados!
Ah! mas que inexes de precipcio, estridentes,cegantes,
Que vrtices brutais a divergir, a ranger,
Se facas de apache se entrecruzam
Altas madrugadas frias
E pelas estaes e cais de embarque,
Os grandes caixotes acumulados,As malas, os fardos ple-mle
Tudo inserto em ar,
Afeioado por ele, separado por ele
Em mltiplos interstcios
Por onde eu sinto a minhalma a divagar!
beleza futurista das mercadorias!
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Sarapilheira dos fardos,
Como eu quisera togar-me de ti!
Madeira dos caixotes,
Como eu ansiara cravar os dentes em ti!
E os pregos, as cordas, os aros
Mas, acima de tudo, como bailam faiscantes
A meus olhos audazes de beleza,As inscries de todos esses fardos
Negras, vermelhas, azuis ou verdes
Gritos de atual e Comrcio & Indstria
Em trnsito cosmopolita:
FRGIL! FRGIL!
843 AG LISBON
492 WR MADRID
vido, em sucesso da nova beleza atmosfrica,
O meu olhar coleia sempre em frenesis de absorv-la
minha volta. E a que mgicas, em verdade, tudobaldeado
Pelo grande uido insidioso,
Se volve, de grotesco clere,
Impondervel, esbelto, leviano
Olha as mesas Eia! Eia!L vo todas no ar s cabriolas,
Em sries instantneas de quadrados
Ali mas j, mais longe, em losangos desviados
E entregolfam-se as las indestrinavelmente,
E misturam-se s mesas as insinuaes berrantes
Das bancadas de veludo vermelho
Que, ladeando-o, correm todo o caf
E, mais alto, em planos oblquos,
Simbolismos areos de herldicas tnues
Deslumbram os xadrezes dos fundos de palhinha
Das cadeiras que, estremunhadas em seu sonohorizontal,
V l, se erguem tambm na sarabanda
Meus olhos ungidos de Novo,Sim! meus olhos futuristas, meus olhos cubistas,meus olhos intersecionistas,
No param de fremir, de sorver e faiscar
Toda a beleza espectral, transferida, sucednea,
Toda essa Beleza-sem-Suporte,
Desconjuntada, emersa, varivel sempre
E livre em mutaes contnuas,
Em insondveis divergncias
Quanto minha chvena banal de porcelana?
Ah, essa esgota-se em curvas gregas de nfora,
Ascende num vrtice de espiras
Que o seu rebordo frisado a ouro emite
no ar que ondeia tudo! l que tudo existe!
Dos longos vidros polidos que deitam sobre arua,
Agora, chegam teorias de vrtices hialinosA latejar cristalizaes nevoadas e difusas.
Como um raio de sol atravessa a vitrine maior,
Bailam no espao a tingi-lo em fantasias,
Laos, grifos, setas, azes na poeira multicolor .
Poemas Dispersos, Lisboa Maio de 1915.
[Publicado no nmero 2 da revista Orpheu 1915]
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6 (See Cnes e decln)
Um frenesi hialino arrepiou
P'ra sempre a minha carne e a minha vida.
Foi um barco de vela que parou
Em sbita baa adormecida...
Baa embandeirada de miragem,Dormente de pio, de cristal e anil.
Na ideia de um pas de gaze e abril,
Em duvidosa e tremulante imagem...
Parou ali a barca e, ou fosse encanto,
Ou preguia, ou delrio, ou esquecimento,
No mais aparelhou... ou fosse o vento
Propcio que faltasse: gil e santo...
...Frente ao porto esboara-se a cidade,
Descendo enlanguescida e preciosa:
As cpulas de sombra cor-de-rosa
As torres de platina e de saudade.
Avenidas de seda deslizando,
Praas de honra libertas sobre o mar...
Jardins onde as ores fossem luar;
Lagos carcias de mbar utuando...
Os palcios a rendas e escumalha,
De ligrana e cinza as catedrais
Sobre a cidade a luz esquiva poalhaTingindo-se atravs longos vitrais...
Vitrais de sonho a debru-la em volta,
A isol-la em lenda marchetada:
Uma Veneza de capricho solta,
Instvel, dbia, pressentida, alada...
Exlio branco a sua atmosfera,
Murmrio de aplausos seu brou-h-h...E na praa mais larga, em frgil cera,
Eu a esttua "que nunca tombar..."
Paris julho e agosto de 1915
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m e S-Cne (1890 1916)
Escritor portugus, natural de Lisboa. A memorreu quando S-Carneiro tinha apenas doisanos e, em 1894, o pai iniciou uma vida de via-
gens, deixando o lho com os avs e uma ama naQuinta da Vitria, em Camarate. Em 1900, entrouno liceu do Carmo, comeando, ento, a escreverpoesia. Entretanto, o pai, de regresso dos EstadosUnidos, levou-o a visitar Paris, a Sua e a Itlia. Em1905 redigiu e imprimiu O Chin, jornal satricoda vida escolar, que o pai o impediu de continuar,por considerar a publicao demasiado satrica. Em1907 participou, como ator, numa rcita a favor dasvtimas do incndio da Madalena, e no ano seguintecolaborou, com pequenos contos, na revista Azulejos.Transferido, em 1909, para o Liceu Cames, escreveu,em colaborao com Thomaz Cabreira Jnior (queviria a suicidar-se no ano seguinte), a pea Amizade.Impressionado com a morte do amigo, dedicou-lhe opoema A Um Suicida, 1911.
Matriculou-se na Faculdade de Direito de Coim-bra em 1911, mas no chegou sequer a concluir oano. Iniciou, entretanto, a sua amizade com Fernan-do Pessoa e seguiu para Paris, com o objetivo deestudar Direito na Sorbonne. Na capital francesadedicou-se sobretudo vida de bomia dos cafs esalas de espetculo, onde conviveu com Santa-RitaPintor e escreveu, de parceria com Antnio Poncede Leo, em 1913, a pea Alma. Em 1914, publicouA Consso de Lcio (novela) e Disperso (poesia).No ano seguinte, durante uma passagem por Lisboa,
comeou, conjuntamente com os seus amigos, em es-pecial Fernando Pessoa, a projetar a revista literriaque se viria a publicar com o nome de Orpheu. Nes-se mesmo ano, o pai partiu para a ento cidade deLoureno Marques e S-Carneiro voltou para Paris,regressando novamente a Portugal, com passagempor Barcelona, aps a declarao da guerra.
Depois de algum tempo passado na Quinta daVitria, voltou a Lisboa, onde conviveu com ou-tros literatos nos cafs, alguns dos quais membrosdo grupo ligado revista Orpheu, cujo primeironmero, sado em Abril de 1915 e imediatamenteesgotado, provocou enorme escndalo no meio cul-
tural portugus. No nal do mesmo ms, publicouCu em Fogo. Em Julho desse ano saiu o Orpheu 2 e,pouco depois, S-Carneiro regressou a Paris, de ondeescreveu a Fernando Pessoa comunicando a deci-so do pai de no subsidiar o nmero 3 da revista.Agravaram-se, por esta altura, as crises sentimentaise nanceiras do poeta (j por vrias vezes tinhaescrito a Fernando Pessoa comunicando o seu suic-dio). S-Carneiro suicidou-se, com vrios frascos deestricnina, a 26 de Abril de 1916, num hotel de Pa -ris, suicdio esse descrito por Jos Arajo, que MrioS-Carneiro chamara para testemunhar a sua morte.Deixou a Fernando Pessoa a indicao de publicar aobra que dele houvesse, onde, quando e como melhor
lhe parecesse.
Como escritor, Mrio de S-Carneiro demonstra,na fase inicial da sua obra, inuncias do decaden-tismo e at do saudosismo, numa esttica do vago,do complexo e do metafsico. Aderiu posteriormentes correntes de vanguarda do palismo, do sensa-cionismo e do intersecionismo, apresentadas porFernando Pessoa. O delrio e a confuso dos sentidos,marcas da sua personalidade, sensvel ao ponto daalucinao, com reexos numa imagstica exuberan-te, denem a sua egolatria, uma procura de exprimiro inconsciente e a disperso do eu no mundo. Estenarcisismo, frustrada a satisfao das suas carn-cias, levou-o a um sentimento de abandono e a umapoesia autosarcstica, expressa em poemas comoSerradura, Aqueloutro ou Fim, revendo-se o poeta naimagem de um menino intil e desajeitado, comoem Caranguejola. A sua crise de personalidade, quese traduziu no frenesim da experincia sensorial eno desejo do extravagante, foi a da inadequao e dasolido, da incapacidade de viver e de sentir o quedesejava (veja-se o poema Quase), que o levou a umatentativa de dissoluo do ser, consumada na morte.
(http://www.astormentas.com/PT/biograa/
M%C3%A1rio%20de%20S%C3%A1-Carneiro)Obras principais: Amizade, 1912; Princpio (no-
velas), 1912; A Consso de Lcio (romance), 1914;Disperso (poemas), 1914; Cu em Fogo (novelas),1915; Indcios de Oiro (pstuma), 1937. As suasCartas a Fernando Pessoa foram reunidas em doisvolumes, em 1958 e 1959.
As suas inuncias literrias so de Edgar AllanPoe, Oscar Wilde, Charles Baudelaire, StphaneMallarm, Fidor Dostoievski, Cesrio Verde eAntnio Nobre. Por seu turno inuenciou vriosoutros escritores, entre eles Eugnio de Andrade.
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Candide, ou lOptimisme uma novelalosca em tom de stira publicada pelaprimeira vez em 1759 por Voltaire, lsofodo Iluminismo. A narrativa j foi traduzidaem centenas de lnguas e, em Portugus, oseu ttulo : Cndido ou O Otimismo, ou
simplesmente Cndido. Foi realizada, ao queparece, em trs dias, em 1758, ainda soba impresso do terramoto de Lisboa, comassinatura de um pseudnimo, Monsieur ledocteur Ralph, literalmente, Senhor DoutorRalph. Narra a histria de um jovem, Cn-dido, vivendo num paraso ednico e rece-bendo ensinamentos do otimismo de Leib-niz, atravs de seu mentor, Pangloss. A obraretrata a abrupta interrupo deste estilo devida quando Cndido se desilude ao testemu-nhar e experimentar eminentes diculdadesno mundo. Voltaire conclui a obra-primacom Cndido, se no rejeitando o otimismo,ao menos substituindo o mantra leibnizianode Pangloss, tudo vai pelo melhor, no melhordos mundos possveis, por um preceito enig-mtico: devemos cultivar nosso jardim.
Cndido caracterizada pelo tom sarcs-tico, bem como pelo enredo errtico, fants-tico e veloz. Este texto picaresco com uma
histria semelhante de um romance deformao mais srio, parodia diversos clichsdo romance e da aventura, cujas lutas so ca-ricaturadas em um tom que , mordazmente,matria de facto. Ainda assim, os eventosdiscutidos no livro so muitas vezes baseadosem acontecimentos histricos, como a Guer-ra dos Sete Anos e o j citado terramoto deLisboa de 1755. O problema do Mal, temacomum aos lsofos da poca, expostotambm nesta histria, de forma mais diretae irnica: o autor ridiculariza a religio, os
telogos, os governos, o exrcito, as losoase os lsofos por meio de alegorias; de ma-neira mais conspcua, chega a roubar Leibnize seu otimismo.
Conforme esperado por Voltaire, Cndidodesfrutou de grande sucesso e causou grandeescndalo. Imediatamente aps a sua publica-o secreta, o livro foi amplamente proibidopor conter blasfmia religiosa, sedio pol-tica e hostilidade intelectual escondidas sobum no vu de ingenuidade. Graas a suainteligncia aada e a seu retrato profundoda condio humana, inuenciou diversosautores, nomeadamente o 1984 (1948) de
Orwell, o Admirvel Mundo Novo (1932)
Joaquim Bispo
Cn o otsCn
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de Huxley e a reexo sobre pessimismo eotimismo em Memrias Pstumas de BrsCubas (1881) e Quincas Borba (1891) deMachado de Assis.
Nos dias de hoje, Cndido reconhecidocomo a magnum opus de Voltaire, e conside-
rada parte do Cnone Ocidental; possvel,segundo alguns, que tenha transmitido maisensinamentos substanciais do que qualqueroutra obra da literatura francesa.
Personagens:
Cndido, o protagonista
Cunegundes, esposa de Cndido
Dr. Pangloss, mestre de Cndido
Cacambo, criado de Cndido
Martinho, companheiro de viagem deCndido
Paquette, criada da famlia de CunegundesO Baro, irmo de Cunegundes
A Velha, criada de Cunegundes
Jacques o Anabatista, benfeitor de Cndido
Frei Giroe, frade a quem Paquette servia
(Wikipdia)
[A deambulao sofrida e desencantadadas personagens da obra Cndido de Voltai-re por vrias partes do mundo termina como captulo XXX em Constantinopla, onde ogrupo se resigna a viver da agricultura sob olema: Devemos cultivar nosso jardim. Traba-
lhemos sem losofar a nica maneira detornar a vida suportvel.
Neste pastiche-sequela introduzi um mate-mtico, como forma de homenagear o amigoescritor e matemtico Alian, de Curitiba, aquem o texto foi oferecido no natal de 2008.]
Embora tivessem acreditado, durante al-gum tempo, que a vida e o trabalho na quin-ta os libertava de trs calamidades o abor-recimento, o vcio e a necessidade , o certo que Cndido, Pangloss, Alian, Cunegundes
e os outros no aguentaram muito tempoaquela vida demasiado rural e preferiramarriscar sujeitar-se s sevcias da necessidade,a m de voltarem a saborear os estmulosdo vcio urbano e, sobretudo, livrarem-se daassoberbante prevalncia do aborrecimento.Venderam a quinta a um fel que tinha umnegcio de hortalia porta-a-porta, dirigiram-se ao porto de Constantinopla e comprarampassagens no cargueiro Payower que sedirigia colnia portuguesa do Sacramento,
no esturio do Rio da Prata. Tencionavam,a partir desse destino, viajar para norte e,qui, voltar a encontrar o Eldorado, de gratamemria, ou mesmo Curitiba, que as lendasdiziam ser ainda mais fabulosa.
A viagem foi longa e Pangloss entretinha-
se a perorar sobre os efeitos e as causas nomelhor dos mundos possveis. Dizia queDeus escrevia direito por linhas tortas, pois,se quisesse que eles se transformassem emamveis agricultores, no lhes tinha inculca-do enfado na alma e calos nas mos. Cndi-do aprovava e apalpava o interior das ditas.Alian dizia que Deus era uma criao huma-na e que portanto era efeito e no causa. Eque o livre arbtrio existia, no por maquina-o sub-reptcia de um deus mal assumido,mas pela ausncia desse mesmo Deus, fosse
bondoso, como o mito cristo gosta de opintar, ou cruel e vingativo como o do VelhoTestamento. Cunegundes, enjoada com osbalanos do navio, passava a maior parte dotempo dentro duma nebulosa etlica.
A bordo seguia tambm um matemtico eastrnomo turco que raras vezes se via, por-que passava as noites no convs a admirar asestrelas. Certa vez, envolveu-se numa trocade opinies com Alian e Pangloss.
XXXi - a esl e vl ac
Sl e encn c sn cJ Bsp
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J BspPortugus, reformado, ex-tcnico da televiso pblica, licenciado tardio em Histria
da Arte. Alimenta um blogue antiamericano desde o assalto ao Iraque e experimentaa escrita de co desde 2007. Integra vrias coletneas resultantes de concursos lite-rrios dos dois lados do Atlntico e colabora na revista Samizdat desde o nmero 7.
Contacto: [email protected]
A grande demanda da minha vida dizia ele conseguir realizar a quadraturado crculo. Estou convencido que em breve aalcanarei.
Ah, caro amigo retrucava Alian temodesiludi-lo, mas tal impossvel. que (Pi) um nmero transcendental e como tal nopode ser construdo um segmento de retaequivalente, usando somente rgua e compas-so.
Esta resposta, avanada para o seu tempo,levou a uma longa discusso que seria ocio-so transcrever, mas que, duas horas depois,evoluiu para:
Tambm hei de provar que Fermat notinha razo arrazoava o turco. A grande
demanda da minha vida encontrar umexpoente diferente de 2 que sirva a equaoapresentada por ele.
Pangloss, adiantava-se:
A harmonia pr-estabelecida no podeser alterada, sem que o mal aparea. Tudo
est bem como est.E outros cumes de elegante argumentao.
Por m, aportaram colnia do Sacra-mento, s primeiras horas de 26 de Dezem-bro, onde se viviam dias de grande inquieta-o, pela iminncia de mais uma invaso portropas espanholas.
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Rafael F. Carvalho
No meio da corrida, a tar-taruga, em seu passo lento econstante, recebia aplausos dosoutros animais, que no aguen-
tavam mais as fanfarronices docoelho. Quiseram at ajud-la,empurrando ou at carregando-a inteira. A tartaruga, calmado jeito que era e que semprefoi, recusou toda a ajuda di-zendo que, se sasse do passoem que estava, ela se cansariae no chegaria nunca ao nalda corrida. Alguns tentaram
dar rasteiras no coelho, pregarpeas nele e vai-lo. De tantofazerem, o coelho parou parapensar por que todos estavamcontra ele. Arrependeu-se detoda a sua arrogncia e quis es-
perar pela tartaruga, para jun-tos chegarem linha de chega-da. Mas ele acabou dormindo, ecomo todos ns conhecemos, atartaruga ultrapassou-o e ven-ceu a corrida. Ningum quisouvi-lo nem deixar que ele che-gasse perto da vencedora paradizer o que sentia.
rfel F. CvlhAutor do livro A Estante Deslocada, paulistano, nascido em 27 de Fevereiro de
1978. Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitrios, e formado em Letras pela Universidade de So Paulo. - See more at: http://www.revista-samizdat.com/p/quem-faz-samizdat.html#sthash.2EZW5I4F.dpuf
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Cn
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Dada vez, trafeguei mal-mente, alojando-me de modoinstvel num casquinho quetemivelmente se agitava. Numaf de espairecer no que tal
condio importava, eu falavavividamente ao ribeirinho queremava. Do que me lembro
dessa conversa que ia tendomeramente para no afundarno calado vazio, que, enquan-to o casquinho corria por cimaduns crregos barrentos e som-
brios, esse ribeirinho remandoesse casquinho me asseveravaque a vida um rio.
Silvana Ramos
NaVEGao Em CaSquiNHo
Cn
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Slvn rsNasceu na Amaznia.Nasceu com a faculdade de escrutar comportamento humano.
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Eduardo Macedo
CreVinha andando s, da bodega para
casa. Tinha matado o bicho, estava va-lente feito o diabo. A noite era escura.
As rstias da lua nova pouco e ruimaclaravam o caminho. Cambaleando,por efeito da meiota barata, deixou arodagem e se embrenhou numa veredi-nha estreita. Aquela curva lhe deixaramais brabo ainda. Resmungou cuspin-do. Sbito, surge algum em sua frente,
braos abertos, ao alto, impedindo apassagem. h, co! Foi a conta; dois bi-cudos no se beijam. Com a mo bam-
ba, arrancou a faca do cs e agarrou-secom o sujeito para lhe esfaquear ascostas. Mas fora furado primeiro. Uma,duas, trs, dez vezes! Peito, abdmen,coxa, braos... Pra l de cem facadas deCereus jamacaru.
E mcenasceu em Fortaleza, em 12 de maio de 1978. poeta, xilgrafo e compositor. Artis-
ta autodidata, lanou seu primeiro folheto de Cordel em 2009, intitulado de A intrigado gato com o cachorro por um palito de fsforo, cuja xilogravura da capa foi enta-lhada por ele mesmo. Foi contemplado pelo Ministrio da Cultura, atravs do PrmioMais Cultura de Literatura de Cordel 2010 Edio Patativa do Assar, com a publi-cao do livro O Boi Morre-No-Morre e os primeiros folhetos. Como xilgrafo, tevea gravura o Jangadeiro Voador, feita para a capa do folheto homnimo, utilizada no
lme No se preocupe, nada vai dar certo, de Hugo Carvana. Outro ttulo, a Gan-gorra do Afonsin, foi utilizado pela Editora Pearson na publicao de ttulos.
www.eduardomacedo.com.br
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907915/
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28 SAMIZDAT julho de 2013
Setbal
Ktschng
Cn
O destino da humanidade morreramando, trepando e mandando rosavermelha pra destravar paixo ou curar
briga, minha lha, o que eu fao notem prazo de validade, no, graas aDeus que amar feito gripe, d maisque uma vez, deixa o nariz escorrendo, sempre choro quando ele acaba.
Nem lembro como comeou, sabe,acho que foi na escola, a professoramandando fazer versinho, corao rimacom paixo, amor com dor, carinho ebeijinho, e vai l, tomei gosto, z co-
munho, crisma, entrei em grupo dejovens, l descobri a msica, descobriCirlene, descobri a paixo, ela no que-ria nada comigo, eu era feio, um bichoenvergonhado, e amor no-correspon-dido carro desgovernado descendoladeira, levando tudo o que encontrano caminho, no ?, vai muro, parede,me e dois lhos dormindo, cachorro
latindo, sof velho.
Bom, da em diante foi sempre pai-xo que no acontece em minha vida,amor platnico, d pra dizer que souPhD nisso, sabe, no meu caso as le-tras deviam ser tudo maiscula, PHD,porque meu conhecimento no assuntoganha fermento todo dia, cresce cadavez mais. Sempre o sujeito imaginan-do o beijo que no acaba, a mozinhaque sonha em ganhar vida no cinema,homenagear primeiro com punheta, de-pois com carro de som e outdoor, essas
coisas que o povo fala que vergonho-so, mas se pega fazendo quando a almagmea verdadeira, a univitelina, surgefaiscando no metr, na internet, corridi-nha pela praia, ou trazida pelos amigosem comum, no ?
De rima em rima fui musicando ossentimentos, primeiro a Edislaine, nessapoca eu j animava festinha da turma
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na escola, ela troava da minha paixoe agarrava o Tonho na minha frente,o olho me chamava de pateta, a bocainvadia ele, o olho me buscava de novo,sabe, jogava na minha cara um voc-me-qu-sei-disso-mas-no-vai-t, , isso
doa, e os versinhos que eu criava da-vam nisso, ela-no-gosta-de-mim-mas-no-tem-m-o-meu-jeito-de-amar.
Depois dela teve a Lisete, ela namora-va o Duval, Duval galinha, amava qual-quer perna que passava, e Lisete nada,conava at a ltima espinha do rosto,se enganava, a bichinha, at descobrirtudo. Ento era choro no meu ombro,cabelo dela embaixo do meu nariz
faminto, , e eu querendo aquele riachode lgrima s pra mim, abraava, con-solava, tirava casquinha, discreto feitoviva gr-na no velrio do nado, nacabea danava a musiquinha esquece-dele-olha-pro-lado-olha-pro-outro-dos-dois-tem-eu-pra-ti, assim surgiu DoisLados, meu primeiro sucesso, tocava embailo, depois foi pra AM da cidade,depois pegou o mundo.
Em seguida a Lisete vieram todas,minha lha, cada chaga uma msica, osorriso de Jussara que guardei no bolso,era um talism batendo contra as mo-edas, riqueza de Deus!, ento o cheirode Fbia, , mulher-perfume-de-excesso,rendeu versos com memria de goiaba,Lindalva, Rogria, Anastcia, Teresa,Maninha, Berenice, Loreta, Gilvanete,
Cassiane, dezenas, talvez at mil comtodos esses shows que j z, cada amoruma vela para acender em forma deritmo, som, versinho safado ou melo-dramtico.
Todos esses meus sucessos vieram
assim, desse partido poltico que oamor, liados espalhados pelo mundointeiro, em qualquer ponto do planetavoc encontra um levantando a bandei-ra, no ? Claro que sempre existemos descornados, aqueles que acredita-ram e beberam desiluso, nesse amor leo de rcino, no ?, desce a garganta,promete cura, mas o que faz des-truir fgado, rim e aquele tiquinho de
esperana que o programa do partidoprometia.
Uma mensagem nal, deixa eu pen-sar, podia dizer que todo amor eterno,armar Vincius, eterno enquanto dure,ou melhor, melhor, encerrar com tre-chinho da minha nova msica, certezaque entra em abertura de novela, hein,minha lha, anota a, vamos terminaressa entrevista com algo que essa gen-
te de nariz torcido no gosta, jeito kits-ch, brega, eles falam, no ?, escreve a,se amar fosse um pirulito eu chupavadevagar pra nunca acabar.
Sebl Luciana Iser Setbal, professora, redatora e revisora publicitria. leitora e es-
crevinhadora desde a mais imatura idade. Culpa do pai, jornalista, que sempre aincentivou a ler. Deu nisso, uma metida a besta que assume no ter carteira de moto-rista nem saber nadar, mas que se orgulha de escrever (acredita) muito bem. Participado projeto literrio www.coletivoclaraboia.com.br e tem textos publicados nas colet-neas Nem Te Conto (contos, 2012, Ed. Gazeta), Abigail (contos, 2011, Ed. Terracota) eUnisc: uma Trajetria e Muitas Lembranas (crnicas, edies 2004 e 2005, Edunisc).
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Lohan Lage Pignone
a EnevsCn
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da_vinci/14785644/ Meus culos... Onde esto?
Meu tio, pra cima e pra baixo. Hi-permetrope, sedento pela leitura de suaentrevista. Resmungo, foi atazanar a tiana cozinha. Ela picava a cebola.
Meus culos, Janete, quede os meusculos?
Deixa eu chorar em paz, Hilde.
O espelho do corredor deu como en-cerrada a sua aio matutina. Tirou osculos da gola da bata, sentou, cruzou aspernas operadas de varizes, abriu a pgi-na da entrevista.
Cabra da peste, escolheu a pior foto.
O jovem todo engravatado, cheirando atalco, defronte o Sr. Hildebrando Perez.
Sente-se confortvel aqui, Sr. Hilde-brando?
Como no? Nesta confeitaria eu vivi
os meus melhores dias no Rio de Janei-ro! L de fora, pelo vidro, eu vi a rainhaElizabeth no sei das quantas tomar oseu sorvete de bacuri. Eu tinha 20 anos,recm-chegado de Ilhus. Era tanta pom-pa que eu queria tambm. Eu, numa lari-ca do diabo, querendo tomar sorvete debacuri, ora veja s! riu-se, com o gostoda memria.
Sorvete de bacuri? Bacuri no
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peixe?
Bacuri fruto, rapaz. Das bandas doNorte.
Minha me sempre me chamou debacuri... sorriu, em falsa nostalgia sempre achei que fosse por causa dos
meus olhos cados, de peixe morto. A curiosidade fez o gato subir no
telhado, menos voc.
s vezes bom no saber. Mas...Que tal comearmos nossa entrevista?
Largou o jornal sobre o sof e foi an-dar, de um lado pro outro.
, Janete, aquele lho de uma guafoi falar do sorvete de bacuri no comeo
da entrevista, acredita nisso? No existemais edio, desconheo isso hoje emdia!
Janete. Picando o tomate.
Deixa eu sangrar em paz, marido.
Ah v, mulher, pare com essas litera-tices...
Tornou a ler, inquieto.
Ligou o gravador.
Quantos anos voc tem? Eu? Eu tenho... posicionou o grava-
dor sobre a mesa Vinte e quatro.
Eu tenho quase o seu dobro de expe-diente, rapagote. Com Mestrado e Douto-rado.
No me intimide, Sr. Hildebrando.Eu conheo bem a sua fama de mau e,se acreditasse nela, jamais teria propostoessa entrevista.
Pois eu digo que props porqueacredita nela. D audincia pra muitaTV falida. Mas v l, inicie essa joa deuma vez.
Ok, vamos. Inicio aqui a entrevistacom um ilustre colega de ofcio, um dosmais experientes e polmicos do jorna-lismo brasileiro: Hildebrando Perez. CaroHildebrando, muito obrigado por ter
aceitado o meu convite, uma honra. Oque te levou a ser jornalista?
Herana gentica. Meu pai foi umgrande jornalista, em Ilhus. Pouco co-nhecido nacionalmente. O ilustrssimoArmando Perez Martins plantou no meu
DNA a semente da curiosidade, da buscapelo novo, da indagao permanente.
Sendo assim, devemos agradecer aoseu pai por ele no ter sido mdico!
No, no agradea nada no, rapaz.Eu teria sido um mdico to bom queagora voc estaria me entrevistando domesmo jeito.
A campainha.
Pode atender, Hilde?
Tio Hildebrando ensurdecia durantesuas leituras.
Conrado! Entre, se acomode. Tpreparando uma moqueca daquelas, quepra comer conosco. D licena, vou paraa cozinha. Aceita um cafezinho?
Companheiro dos velhos tempos debatalha, Conrado valia a interrupodaquela leitura insatisfatria.
Li sua entrevista. Minha entrevista no, que minha
entrevista? Aquilo foi uma tentativa depapo furado.
Ele s deu nfase no seu lado explo-sivo. E que porra foi aquela de surubaurbana, Hildebrando?
Noutros tempos, eu seria censura-do por publicar um disparate desses. Edemitido! Os jornais eram srios, Conra-
do. Afrontvamos o governo com poesia!Hoje contratam qualquer fedelho xigui-lingue e transformam, o que ontem foicensura, em sensacionalismo dos maispodres.
Noutros tempos, meu amigo, tu noera brocha tambm.
O olhar surpreso, tomado por uma s-bita onda de resignao. Eu no admito
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o inadmissvel...
Podia ouvir a voz do pensamento dotio Hildebrando...
A pergunta mais aguardada.
Caro Hildebrando, o senhor tem
demonstrado, em seus ltimos trabalhosjornalsticos, uma tendncia extremapara o conservadorismo. Reli todas assuas ltimas crticas, artigos, seu ltimolivro, suas colunas dominicais, enm...Ao longo de sua histria, o senhor foiesquerdista confesso, combatente inci-sivo contra o sistema ditatorial. Devoconcordar com a alcunha que lhe de-ram: o maior vira-casaca do jornalismobrasileiro?
J concordou, rapaz, j concordou.E no sou? Me orgulho disso. Napoleo
venceu os ingleses virando a casaca.
Foi um ato estratgico, e no ideol-gico.
E quem garante que meus atos tam-bm no sejam estratgicos? Voc achaque seria bonito ver um velho como eumandando atear fogo em universidade?Isso sandice!
Ento o senhor admite que os jovenspodem, e devem, criar revolues?
Depende do tipo de revoluo quevoc est falando. Eu no admito o inad-missvel. Do que voc fala? Do vandalis-mo, da morte? Isso no, isso no prponto nal, isso acmulo de vrgulase reticncias na histria do pas. Revo-luo feita atravs da arte e do bomsenso.
Arte e bom senso combinam? Depende do artista que voc . Se
voc for um artista borra bosta, no. Essetipo de artista gosta de jogar merda no
ventilador pra ser espalhada numa telaem branco. Pronto, depois diz que aquelepedantismo todo arte conceitual. Queraprender como enfrentar um sistema?Vai ouvir Chico, Caetano, Tom Z. Vai ler
Henl e larga desse miolo de pote, rapaz.
Desculpe, mas tomando nota rapi-damente o que seria a expresso miolode pote?
Essa eu arranquei l de minha terra,das falas aporrinhadas de meu saudoso
pai, o deus do jornalismo de Ilhus. Oque voc acha que seja?
Confusa hesitao.
Uma coisa mesquinha, suja...
Papo furado, lero-lero. Agora podeprosseguir com sua... Entrevista.
Prximo captulo: religio.
Ter aderido a uma religio, no caso,o catolicismo, foi um ato importante pra
essa mudana de postura sobre a suaviso de mundo?
Foi, claro que foi. Eu no passei atomar o corpo e o sangue de Jesus Cristos pra despach-lo numa privada depois. transformador. E devo isso a minha elesposa Janete. Depois que a conheci, euconheci a Deus. Conheci Deus atravsdos olhos dela, naquela mesa ali, aquinessa confeitaria. Ela tomava chocolate
quente, num calor de fritar os neurnios!Indignado, larguei o meu sorvete e fuiparar na mesa dela, perguntando quediabo era aquilo. Estivesse um dia frio euno teria casado, nem tido uma lha quehoje trabalha na PUC.
Ento o senhor se considera umconvertido? O que pensa sobre as outrasreligies?
No penso sobre outras religies,
rapaz, a minha j complexa demais praeu car reparando nas preces das outrasovelhas. Sou um convertido em todos ossentidos. Sabe o que isso, rapaz? pularde um barco antes que ele afunde.
E o senhor sabe nadar?
Pode repetir sua pergunta?
O senhor disse ter pulado do barcoantes que ele afundasse. Suponho que
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tenha pulado ngua. O senhor soubenadar nessas guas?
No, rapaz. Eu deixei me afogarnelas. Antes jazer num tmulo s do queacompanhado de uma patota do inferno.
Jornalista tem que ter uma mente
aberta. Essa mxima vale pro senhor? Se na sua concepo mente aberta
signica pernas abertas, ah, rapaz, tu vaite catar. Quer o qu, que a nossa nao
vire um rebuceteio?
Perdoe, senhor Hildebrando, mas eutenho vinte e quatro anos. Sob o meuponto de vista jovial, no seria nada malque toda a sociedade virasse uma surubaurbana, em todos os sentidos, longe de
qualquer hipocrisia.Meu tio apontou o dedo nas fuas do
entrevistador.
, seu afetado, pois ento v sol-tar tua franga noutro quintal porque eutenho uma lha, uma moa to jovemquanto voc, mas que preza pelo respeitoe pelos bons modos, visse? E em nomede todas as mulheres deste pas, vomita-rei teu nome nos autos da imprensa. Seu
pixote de merda!Apeou os talheres sobre o prato
saudoso da moqueca que ali estava.Gargalhava.
Esses novatos no so de nada, Con-rado. Tudo borra bosta. Sa da confeitariae ainda dei um beio nele de dois capuc-cinos e um bolo de laranja! Bora fumar
um cigarro?A tia a lavar as louas, cantarolan-
do alguma cano imperceptvel. TioHildebrando e Conrado, vagarosos pelacalada, esfumaando o dia clarividente.
Vai foder com esse jornalista?
Um trago. Dois.
Tenho meus pauzinhos pra mexer,visse... Mas no. Quando aceitei essa en-trevista, eu j sabia que bicho ia dar.
Ento por que aceitou?
No me queimo mais no, Conra-do. Que falem de mim, eu sou blindado,sou doutor. E aquele novato precisavadisso. Aquele pixote tinha que conhe-cer Hildebrando Perez tte--tte pra sassim, um dia, poder ser um genricode Hildebrando Perez. Original s eu eponto. Que tal um birinaite?
Lhn Lge PgnneGraduado em Letras (Port./Lit.) pela Universidade Estcio de S. Publicou, em 2011,
o livro Poesia Isso (Ed. Multifoco) e, por dois anos consecutivos, foi eleito destaqueem arte e cultura na cidade onde reside, Trajano de Moraes (RJ). Escreve para o blogcoletivo Autores S/A. Organizou, por dois anos consecutivos, o Concurso de PoesiaAutores S/A. Organizou a antologia potica do 1 Concurso de Poesia Autores S/A, in-
titulada Poesia.com (Ed. Multifoco). Em 2010, ocupou as quatro primeiras colocaesdo Prmio Safo de Poesia, da Universidade Estcio de S (Campus Nova Friburgo). Em2012, cou em segundo lugar no Concurso de Poesia Poesiarte; sagrou-se campeo doconcurso de poesia Lnguaada, alm de ter sido selecionado para trs importantesantologias: Concurso de Minicontos da UNISO (com dois minicontos); Prmio Escribade Poesia (com um poema) e Prmio UFF de Literatura (com um poema). Ainda em2012, ocupou a quinta colocao no XXVII Concurso de Poesia Brasil dos Reis (Angrados Reis). Autor das peas teatrais A Cor do Cu e Comprar, rezar e amar.
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(carta endereada a Riobaldo encon-trada em meio aos pertences de Reinaldo,jaguno do bando, e entregue ao chefe,
lacrada)
Tatarana, meu lder e amigo,
Riobaldo, meu amor,
Estamos perto do momento de encon-trar a corja do Hermgenes, e no seicomo isso tudo vai acabar. Como vos-mec, no sei nada, mas tambm des-
cono de muita coisa. E tenho algo pralhe revelar, mode vosmec compreendermeu comportamento estranho.
Riobaldo, desde que o encontrei smargens do rio, naquele barco, quandons ramos dois moleques, eu soubeque vosmec fazia parte do meu des-tino. Mesmo quando segurei sua mogelada de medo, sabia que seu sangue
era quente, e que vosmec s no con-seguia ainda trazer o calor da coragempra ponta de seus dedos. Ainda no era
a hora de vosmec descobrir tanta coisa,no de uma vez, mas sei que no tereimuito tempo e que nossa tropa vai sedesfazer logo.
No concordei com a sua decisode trazer esse menino e esse cego praandar com o nosso bando. Criana einvlido no guerreiam, s servem praatrasar o grupo. Mas quando vi os doisandando emparelhados com vosmec,
um de cada lado, eu entendi. Eles soseus guias, Riobaldo, e estaro ao seulado mesmo quando eu no estiver maispor aqui.
Eu guardo um segredo, Tatarana. Umsegredo que poderia mudar a nossa vida,mas que eu no podia revelar. At hoje.
Sei que vosmec pensa que sou lhode Joca Ramiro, o maior chefe que o
Tatiana Alves
Bln ven
Cn
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serto j conheceu. E lhe armo, Rio-baldo, que Joca Ramiro nunca foi pai delho homem. Ele meu pai, sim, antesque vosmec me tome por impostor.Mas a menina que Joca Ramiro pegounos braos no primeiro choro deixou
de existir, Riobaldo. Maria Deodorina,ou Diadorim, como vosmec conhece,calou seu choro e secou nas pedras dasveredas. Sou como o cacto do deserto,Riobaldo. A umidade de meu choroest escondida, e s poderia mostrar avosmec. Jagunos s podem ver meusespinhos, que escondem e protegem meusegredo mais precioso.
Cego Borromeu descobriu tudo, etenta lhe contar o tempo todo. Masvosmec homem prtico, acostuma-do secura do serto, e no entende amsica que ele canta. Ainda bem. maisseguro assim. Ele ca triste por vosmec,mas sabe que caminho que nem cruz, coisa pra ser trilhada pelo prprio, eque no d pra fazer pelo outro.
Moleque Guirig acho que tambmdescona. Faz muitas perguntas, semparar. s vezes, anda atrs de mim at
que Borromeu o chama. Prometa quesempre os trar ao seu lado, Riobaldo.Cegos veem o invisvel, e vosmec preci-sa treinar os olhos da alma. Leve Gui-rig tambm. Vosmec vai casar com asenhorinha ai, como di dizer isso , el na fazenda sempre ter lugar para omenino. Cultive a sabedoria e o silnciodo velho e a curiosidade espontnea dacriana. Caminhe no vo entre a escu-
rido da cegueira, mas que v a alma, eos olhos abertos, que denunciam. Com a
serenidade do velho e a leveza do me-nino, no haver trilha ou vereda quevosmec no consiga transpor.
Sei que a senhorinha o far feliz.Depois que eu no estiver mais aqui,sua jornada ser ao lado dela. Eu no
sou nem a mulher-dama nem a donzela,Riobaldo. Eu sou o Tudo e o Nada, masno h lugar pra mim na sua vida. Miree veja. No carece explicar mais.
Aquele pacto que vosmec pensa quefez com o tinhoso est s na sua cabea.Que o demo, quando surge, no marcahora nem lugar. Ele vige o tempo todo,no meio do redemoinho que arranca ascoisas de ns. Ele est nos crespos do
homem. No o alimente, que ele deixade existir.
Um senhor chegar, e pedir a suahistria. Conte a ele. No deixe que ou-tras pessoas tenham que viver escondi-das dentro de si como tivemos que fazer.E a vosmec ouvir minha voz e saberque estou bem.
Quando o vento soprar na curva dorio e vosmec se lembrar de mim, ser
com o alvio das frutas cheias de sumo,no com secura e aridez. Quando o ven-to soprar na curva do rio, imagine meuscabelos longos, que tive que sacricar, emire a liberdade que terei ento. Deixe-os balanar ao sabor do vento e, comoeles, permita-se ser feliz.
Da sua (embora sem vosmec saber)
Diadorim
tn alves
poeta, contista e ensasta. Participou de diversos concursos literrios, tendo obtido vriosprmios. colaboradora da Revista Samizdat, j tendo escrito para os sites Anjos de Prata,Cronpios, Germina Literatura e Escritoras Suicidas. liada APPERJ, Academia Cacho-eirense de Letras e AEILIJ. Possui nove livros publicados. Doutora em Letras e lecionaLngua Portuguesa e Literatura no CEFET / RJ.
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Rodrigo Domit
BarBriECn
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rg d
foi criado em Londrina PR e reside atualmente em Jaragu do Sul SC; escreve contos epoesias desde 2003. coautor do livro Vem c que eu te conto (2010) e autor do livro Col-cha de Retalhos (2011). Administra o blog Concursos Literrios e publica exerccios literrios em prosa e verso no blog Tiro Curto.
O sapatinho do bebjazia no meio da rua, en-quanto ele permaneciaesttico, em estado de
choque.Os outros membros da
famlia estavam sendocarregados para a cala-da pelos vizinhos que seaproximavam. Dois doscorpos j estavam cober-tos por panos improvisa-dos. Incrdulo, ele obser-
vava a cena, esfregava osolhos e passava as mosnervosas pelos cabelos.
Enquanto uma multido
de curiosos aproximava-se, atrada pela freada,pela batida no ponto denibus e pelos gritos,ele permanecia perdidoem seus prprios pen-samentos. A conscincia
lhe transbordava, dando
nsias e tonturas. Decidiusentar-se e, aps retornarao banco do motorista,abaixou a cabea e ten-
tou segurar entre dedostrmulos o turbilho deideias e o peso da culpa.
Naquele momento, pen-sou: Como que eu vou
viver com isso?.
A primeira pancada,seca, dissipou a dvida.Os gritos da multidoabafaram quaisquer ou-tros questionamentos:
Assassino!
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Andria Pires
Segn v
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Cn
Destino inveno de gente inse-gura. Din, s vezes, tinha vontade demandar fazer uma camiseta com asentena estampada em caixa alta. Emvermelho sinaleira, para no restar d-vida e evitar a aproximao da turmado Deus sabe o que faz. Conscientede que andava azeda, entendia tam-bm que a fossa era inevitvel. Tinhaobrigao de cumprir o ciclo cinza ato nal, esgotar a dor, antes de retomaro colorido. Podia lidar com contratem-pos, com imprevistos, com problemas,com tragdias, at, mas no contava
com a sequncia de catstrofes em suavida. Estava sufocando debaixo de tan-to infortnio e no alcanava as tintaspara se repintar.
Realizava tarefas cotidianas comomquina, porque algum deveria faz-las, mas era como se mandasse ape-nas o corpo para a rua. A alma cavaperdida entre as gavetas do armrio,cheia de nada. Segundo dia do ms,pssimo para ir ao banco. Era isso ouarcar com uma multa gorda e o bei-o do marido. Senha na mo, Dinsentou-se na cadeira vaga na rea de
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espera. Perderia coisa de uma horanaquela bobagem. O senhor ao ladopuxou conversa, ignorando sua cara deno-quero-papo. Entre sorrisinhos econcordncias, l pelas tantas o ho-mem profere, hoje em dia tem lho
a mulher que pode e no a que quer.Depois dos trinta a capacidade deengravidar cai pela metade e a mulhertem tantas tarefas, tantos compromis-sos, que vai deixando a formao dafamlia em segundo plano e quando vno d mais tempo, perdeu o bonde.Por que raios ele entrou nesse assun-to?, pensou Din, enquanto respondiaah ?, para o falante senhor, no por
acaso obstetra aposentado.Saiu com a conta paga e a resistn-
cia por um o. Chega, sabe? Noposso acreditar que estou nessa vidapara colecionar perdas feito trofusao avesso. Perdi o vio buscando acolocao que eu merecia na empresa,depois de anos de dedicao e estu-do. Perdi a conana no meu mari-do, que provavelmente me trai com
alguma ordinria da rma e pensaque me engambela com a conversada hora extra, da pilha de relatriospara amanh ou de que cou presono trnsito ou. Perdi o emprego parauma criatura mais jovem, mais magrae mais alta, com quilmetros de lattes.Perdi a criatividade. Perdi a energia.Perdi meu lho na sexta semana dagestao, pela segunda vez. E j passei
dos trinta. Impressionante como nada
evolui, nada nasce de mim. Voltou ap para casa. Subiu os seis lances deescada. Entrou. Num impulso, foi at asacada e sentou no parapeito. A vistadava para os fundos do prdio, circun-dado com grades pontiagudas e cerca
eltrica. Despencar dali era morteindiscutvel.Comum em duplas sertanejas, a
segunda voz normalmente feita pelosujeito menos expressivo e mais dis-creto, que tem o papel fundamental dedar o eixo voz principal. quem fazpouco sucesso com fs, mas segura aspontas e apara os exageros do prota-gonista, no deixa a cano se perderem agudos, no descompassa, pelosdois. Din no cantava, literalmente,mas possvel que sua ladainha men-tal tenha encorajado uma segundavoz. Pensa melhor, Din, disse o ra-paz quase transparente, debruado aolado dela. Olha bem, olha fundo, olhaao redor. O que mais fazes gerar.Apavorada com a ideia de estar lou-ca, para completar a derrota, desceu
de onde estava, correu para a cama,cobriu-se com o lenol at a cabea eferrou no sono. O rapaz fez sua parte.Regou as violetas, o p de salsa, o demanjerico e o tomateiro de Din, querecm-dava as primeiras ores amare-las, e sumiu.
an Pesmora em Rio Grande (RS), jornalista, mestre em Histria da Literatura (FURG),
doutoranda em Escrita Criativa (PUCRS) e autora do livro de contos De solas e asas.Integra o Coletivo Fita Amarela, colabora semanalmente com contos ao jornal DirioPopular, uma vez por ms com a revista Samizdat, e publica o que escreve, em primei-ra mo, no blog www.desolaseasas.blogspot.com.
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Dayvson Fabiano
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Polaroide da alma
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rts/3024428844/Em vida: amiga Ccera Buenda
Em morte-vida: a Roland Barthes
(Duas imagens que se eternizam)
Ao som de Resposta ao tempo, navoz de Nana Caymmi
Era setembro, incio da primavera.Alberto tentava colocar em ordem asfotos que estavam espalhadas no cho.Cada foto falava uma histria de sua
vasta to vasta vida. No era um pros-sional das imagens, porm dedicava-seao mximo para tirar a foto perfeita. Asfotos no cho pareciam ores de espcies
variadas. Algumas at espinhos possuamdevido s lembranas um pouco castiga-das e fatigadas, mas apesar dos pesarescontinuavam sendo ores. Ele estava s.No exatamente s: havia uma sinfonia.Ele fechava os olhos e essa sinfonia se
tornava um lme. Talvez um lme desua vida: ora algo em equilbrio, ora algodissonante. As imagens sempre presentes
em sua vida. Saa suturando a sua dordaquela foto que o castigava. A feridasempre abria e ele no sabia como cur-la, nem ao menos tinha foras para jogara foto dolorosa.
H no mundo da fotograa, a cmaraclara e a cmara escura; nesta no existea inuncia da mo humana; na outra, sefaz necessrio um toque de humanidade.E essa outra tambm conhecida comocmara lcida, porm a lucidez de Alber-to mais que louca. Uma loucura que ofascina, engrandece-o. Prefere a loucuraa o nada. O nada no existe, prefervela escurido. Na escurido sempre encon-tramos algum para nos salvar ou paranos acompanhar. E a luz s chega com amo do homem. No ltimo estgio paraa visualizao da foto h a luz.
Alberto vai revivendo todo aquele
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instante-innito olhando dentro de umacaixinha quela foto que s ele v e sele sabe o signicado. Era uma dessasfotos que estavam espalhadas no cho eque ele guardou na caixinha para que aluz no a penetrasse: uma or no sobre-
vive sem luz e nem pode realizar a trocados gases: ele no gostaria de respiraraquilo novamente, apesar de insistir desa-nado aquela cano.
Olha-se ao espelho: sua imagem subvertida nos estilhaos daquele espelhocom rachaduras e s tem aquele espelho
velho com bordas douradas. Talvez a suaaura fosse dourada, pelo menos naquelesmomentos ao se olhar, s que uma auradourada no subverteria uma imagem
estilhaada. Saiu em disparada at umapracinha junto sua casa. Sentou nobanco e colocou a caixinha com a fotoao lado: era o seu luto mais silencioso eas ores daquele jasmim caam em suas
vestes por causa do vento que insistia emaproxim-las. Havia ali um espao lim-trofe entre o pretrito-perfeito e entreo pretrito-imperfeito e ele no sabiaconjugar.
As horas se passavam nuas subverten-do em expresso aquela imagem frag-mentada, pois a imagem da caixinha iase completando com as suas andanasnos lugares que os uniam na poca emque existia o amor e a sim ele sabiaconjugar: s que apenas na primeira pes-soa do singular.
Entra em sua casa e vai ao quarto coma caixinha na mo. Abre uma gaveta ecoloca a caixa. Dorme. Ao acordar, vaiat aquela gaveta e pega a caixinha com
a foto. Alberto sentia saudades e abriaa caixinha para contemplar aquela foto:tinha saudades at do que poderia teracontecido. E o tempo que tentava darconta de suas aies. Sempre o tempo:ele s vezes mata com lentido. E Alberto
resistia morte com dignidade.Alberto s vezes olhava aquela caixae a referia como a boceta de Pandorae fazia cara feia. Decidiu que precisavase desfazer daquela foto o quanto antes.No que fosse cometer algum assassinato,mas sim, dar uma morte real aquilo quehavia morrido desde o comeo, e que sele insistia nisso: a cmara escura j ha-
via dado o seu toque desde sempre: era amo de Deus, ela era escura. Pega a caixa
e comea a queim-la, talvez realizandoo processo de cremao daquela imagemque um dia foi sua.
Apenas cinzas sobraramdaquela imagem. Talvez se houvesse umalpide estaria escrito: Tenho saudadesat da sua ausncia presente. Ele pegoucom a mo o p de uma vida acabada,levantou a mo ao alto e a abriu e numagrande lufada desapareceram as cinzas,
misturando-se com as ores daquelaprimavera. Havia certa perfeio naquelaaparente nova imagem. Era um estadomeluo que permanecia agora no tempoe Alberto, de luto, chorava a despedida.Apesar de que o sofrimento agora seriaoutro: o de desvencilhar desse luto, poisele havia fotografado o perfume dessaimagem em sua alma e desaguou nashoras nuas num tempo que insiste em
voltar sempre e sempre e sempre...
dyvsn FbnFormado em Letras pela Universidade Catlica de Pernambuco, com especializa-
o em Literatura Brasileira e Interculturalidade tambm pela Universidade Catlica.Aspirante a escritor e poeta. Amante do cinema, da praia e especialmente da literatu-ra.
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Cinthia Kriemler
o Cn
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Nunca tivera um animal de estima-o. Nem em criana. Nada de ces,gatos, passarinhos, tartarugas. Por issose desconheceu naquele desejo desen-freado de ter para si um rato. Bicho
feio, cinza, cheio de bigodes sombrios,dentuo. Ele mesmo tinha sido dentuoem criana... Ser que... No, no eraisso. Identicou-se com o bicho poroutro motivo que no sabia qual. Noimportava. Decidiu: queria o rato; teriao rato. Encurralou o animal num canto,o mais gentilmente que pde, e entre
pedidos de desculpa e pedaos de quei-jo conseguiu prend-lo em uma caixade sapatos em cuja tampa havia feitopequenos furos. Dia seguinte, saiu cedoe foi para a loja de animais. Olhou,olhou, mas no comprou a casinha devidro transparente cheia de buracossimtricos para entrar o ar. Pensou naquantidade de luz e calor que o ma-terial devia concentrar. Teve pena dobicho. Claridade demais para um serdas sombras! Deixou o pequeno dentroda caixa mesmo e comeou a aliment-lo com tudo o que havia lido que umroedor pudesse gostar.
A casa improvisada foi instalada emcima da cmoda do seu quarto. A cadatrs dias, removia o bicho para outracaixa, nova e limpa. Era a nica oca-sio em que se viam. Cara a cara. Caraa focinho. E ele confessou a si mesmoque j amava Carrapato. O nome carabem. A intimidade cara bem. Na ver-dade, era ele quem no desgrudava do
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animal, mas gostava de pensar que arecproca era verdadeira. Ele precisa decuidados, de um lar melhor. Amanheu vou ver isso.
Levou o rato ao veterinrio na ma-
nh seguinte, evitando os olhares sur-presos da maioria dos clientes.
No, ratos no tomam vacina. Agente pode fazer uns exames de sanguepara investigar a sade dela disse odoutor. uma fmea.
Saiu de l carregando, nalmente, acasa de vidro de dois andares e rezandopara que o exame de sangue no acu-sasse nada. Mesmo sem saber por qu,sentiu-se desconfortvel com a notciade que Carrapato era uma fmea.
O animal pareceu car feliz com anova casa. Adaptou-se logo ao novo lare em pouco tempo j dava voltas na es-cadinha circular colocada no segundopiso. Ele teve certeza de que havia feitoa coisa certa. Agora, podia enxergar obicho comendo, bebendo, brincando,dormindo. Companhia dia e noite.
No se dava bem com gente, essamassa complicada e cheia de humorese vontades e dissimulaes e dios.Denitivamente, as pessoas o assusta-vam. No que elas prestassem atenoa ele. Nem o notavam. Mas era a merapossibilidade de um dia o notarem queo apavorava. A cada vez que um olharmais prolongado cruzava com o seu narua, no mercado, no ponto de nibus,sentia os pelos dos braos e das pernas
se eriando como se tivesse levado umchoque. Deixava de pegar um nibus,virava uma esquina antes do quartei-ro de casa, desistia de comprar leite epo, e fugia assustado para bem longe
daqueles olhares pousados. Por isso,preferia a noite. A ausncia da luz en-joada do sol o acalmava e conrmavaa invisibilidade que escolhera para si.Quando o breu tomava o cu, abria asjanelas de casa e se sentava no jardimiluminado por apenas duas lmpadasinstaladas em um canteiro. s vezes
cuidava das ores, que plantara numdesenho ousado, e da pequena hortadomstica onde algumas verduras bro-tavam bem cuidadas. A pouca ilumina-o permitia que sombras engraadasfossem projetadas na parede branca dafachada da casa e nos muros altos quefaziam limite com a esquina da rua, esquerda, e com a casa de um vizinho, direita.
Naquela noite, sentou-se ao sereno ecolocou ao seu lado, sobre um bancoalto, a casa de vidro. Primeiro, Carra-pato agitou-se, mas de repente coumuito quieto, como se a noite o tivesseacalmado. Ou no. Assustado, ele achouque o animal poderia estar passandomal. Abriu a porta da casinha, ansioso,e pegou o bichinho, segurando-o bemem frente ao rosto. Viu os olhos bri-lhantes, maliciosos, quase ao mesmotempo em que levou a mordida. Nogritou. A dor maior foi por dentro. Dorde mgoa, de surpresa. Soltou o animal
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e levou a mo rapidamente ao rosto.Sangrava no nariz, onde os dentes aa-dos tinham se ncado. Carrapato apro-veitou o momento e fugiu. Desconsola-do, desorientado, sofrendo, ele no sabia
se procurava o bicho ou se cuidava desi mesmo, prtica incomum. Relutoupor mais de uma hora at perceberpelo tamanho do inchao no rosto queteria de ir a um hospital.
O que houve? perguntou a en-fermeira na triagem.
Mordida de rato.
Capturou o animal?
Capturar? Engraado pensar emCarrapato como um animal de captura.No, ele no sabia onde o bicho estava.Queria saber. Mas no naquela noite.Sob o efeito das injees que precisoutomar, dormiu um sono pesado.
Pela manh, acordou cheio de culpa.Eu devia ter procurado por ela ontemmesmo! Nem percebeu que chamouCarrapato de ela pela primeira vez.Vasculhou todo o jardim, procurounos bueiros perto de casa, nas latas delixo, mas nada. Depois de muito tempo,exausto, convenceu-se de que o bichotinha ido embora. No quintal, pousou acasa de vidro no canteiro e, mais pela
saudade que pelo hbito, limpou o be-bedouro, o comedouro e trocou o forrodo fundo daquele latifndio de doisandares. O nariz cou curado. A cren-a nos bichos, nunca mais. Nocauteado
pelo que acreditava ser uma grande in-gratido, deixou de comer, de beber, detomar banho. Evitou mais ainda o sol, aluz das lmpadas e at mesmo os es-pelhos. Abandonou as noites de sereno,as ores e as verduras. E convenceu-sede que os animais eram exatamentecomo os homens: desprezveis, egostas,
interesseiros. Sem vontade de pensarou de sentir mais nada, encolheu-se nacama imunda de cheiros e uidos, atque primeiro morreu, depois deixou derespirar.
No quintal apagado, sem sombrasna parede, dois olhos pequenos e ma-
liciosos brilharam na noite. O focinhode bigodes sombrios cheirou insisten-temente o ar, procurando por algo. Nacasinha de vidro abandonada no cantei-ro, escondidos em um ninho bem cons-trudo