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1 SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DA VILA DE FEIRA DE SANT’ANNA: UM EQUIPAMENTO ORIUNDO DA POLITÍCA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO GOVERNO IMPERIAL BRASILEIRO 1. INTRODUÇÃO O município de Feira de Santana, cuja sede foi elevada à cidade em 16 de junho de 1873, atualmente, é um polo urbano dominante de um conjunto de regiões, abrangendo parte do Nordeste da Bahia, de Irecê, do Piemonte da Chapada Diamantina, do Litoral Norte, do Paraguaçu e do Recôncavo Baiano. Anteriormente, quando a Província da Bahia era presidida por Joaquim Pinheiro de Vasconcelos, através do Decreto de 13 de novembro de 1832, o atual município ganhou autonomia político- administrativa e com o nome de Vila de Feira de Sant’Anna foi, geográfica e politicamente, separado do Termo da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Empossada a primeira Câmara Municipal em sessão realizada na Igreja Matriz de Santana, em 18 de setembro de 1833, territorialmente, passaram a fazer parte do Termo da Vila de Feira de Sant’Anna, as freguesias de S. José das Itapororocas, Santa Anna do Comissão e Santíssimo Coração de Jesus de Pedrão. Entretanto, quanto a assistência hospitalar da população, muito embora no início dos anos cinquenta do século XIX, o Juiz Antônio Luiz Affonso de Carvalho, tenha se mobilizado para solucionar a carência local, até a fundação do Hospital D. Pedro da Santa Casa de Misericórdia da vila, a alternativa mais próxima para todo e qualquer atendimento nosocomial era o Hospital São João de Deus, unidade operacional pertencente a Santa Casa de Misericórdia de Cachoeira. No campo da assistência social, foi a partir do modelo implantado em Portugal que, desde o Brasil colonial, também nas vilas do Recôncavo Baiano, majoritariamente, passou a ser da responsabilidade das Santas Casas de Misericórdia a assistência aos necessitados. Abreu (2004), ao abordar as estratégias de intervenção social, no período

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SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DA VILA DE FEIRA DE SANT’ANNA: UM

EQUIPAMENTO ORIUNDO DA POLITÍCA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO

GOVERNO IMPERIAL BRASILEIRO

1. INTRODUÇÃO

O município de Feira de Santana, cuja sede foi elevada à cidade em 16 de junho

de 1873, atualmente, é um polo urbano dominante de um conjunto de regiões,

abrangendo parte do Nordeste da Bahia, de Irecê, do Piemonte da Chapada Diamantina,

do Litoral Norte, do Paraguaçu e do Recôncavo Baiano. Anteriormente, quando a

Província da Bahia era presidida por Joaquim Pinheiro de Vasconcelos, através do

Decreto de 13 de novembro de 1832, o atual município ganhou autonomia político-

administrativa e com o nome de Vila de Feira de Sant’Anna foi, geográfica e

politicamente, separado do Termo da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da

Cachoeira.

Empossada a primeira Câmara Municipal em sessão realizada na Igreja Matriz

de Santana, em 18 de setembro de 1833, territorialmente, passaram a fazer parte do

Termo da Vila de Feira de Sant’Anna, as freguesias de S. José das Itapororocas, Santa

Anna do Comissão e Santíssimo Coração de Jesus de Pedrão. Entretanto, quanto a

assistência hospitalar da população, muito embora no início dos anos cinquenta do

século XIX, o Juiz Antônio Luiz Affonso de Carvalho, tenha se mobilizado para

solucionar a carência local, até a fundação do Hospital D. Pedro da Santa Casa de

Misericórdia da vila, a alternativa mais próxima para todo e qualquer atendimento

nosocomial era o Hospital São João de Deus, unidade operacional pertencente a Santa

Casa de Misericórdia de Cachoeira.

No campo da assistência social, foi a partir do modelo implantado em Portugal

que, desde o Brasil colonial, também nas vilas do Recôncavo Baiano, majoritariamente,

passou a ser da responsabilidade das Santas Casas de Misericórdia a assistência aos

necessitados. Abreu (2004), ao abordar as estratégias de intervenção social, no período

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entre os séculos XVI e XVIII, apresenta uma visão do conjunto das confrarias1

lusitanas, bem como da importância das Misericórdias para a assistência médica e

hospitalar portuguesa. (ABREU, 2004, p. 12).

2. A EXPANSÃO DAS SANTAS CASAS NO RECÔNCAVO BAIANO

No Brasil, implantadas desde o período colonial, somente na Capitania da Bahia

foram instaladas três Santas Casas. Após a independência, conforme o Gráfico 1, o

modelo lusitano continuaria a servir de referência para o governo Imperial brasileiro,

responsável pela autorização e ajuda para funcionamento de oito novas Misericórdias na

Província da Bahia, seis das quais na região do Recôncavo.

Gráfico 1 - As Santas Casas da Bahia dos períodos colonial e imperial.

Fontes: Cerqueira (2009); Khoury (2004, v. I e II). Nota: Autor: Elaborado pelo autor deste artigo (2015).

A análise preliminar do processo de expansão das Santas Casas no Recôncavo

da Bahia demonstra a expressiva participação de agentes governamentais nos

movimentos em prol da fundação dessas irmandades. Conforme registrado no Quadro 1,

constata-se que das seis novas Santas Casas do Recôncavo Baiano, apenas uma delas

teve um comerciante como o principal responsável pela fundação da irmandade, muito

embora apoiado pela Corte. As demais, em número de cinco, o que representa 83%

(oitenta e três por cento) do total, foram instituídas sob a liderança de agentes públicos

que atuavam, tanto no campo laico, quanto no religioso.

1Ao estudar a Santa Casa de Setúbal, Abreu (1990, p.33) diferencia as instituições em atividades à época

em confrarias de artífices ou corporações profissionais e confrarias de devoção, entre as quais inclui as

Santas Casas de Misericórdia.

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Periodo colonial

Periodo imperial

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Quadro 1 - Datas, locais e lideranças responsáveis pela fundação das Santas Casas no

Recôncavo da Bahia, durante o período Imperial. ANO LOCAIS: VILAS E ARRAIAIS FUNDADOR PROFISSÃO

1826 Vila de Nossa S. R. do P. da Cachoeira Dr. Antônio Vaz de Carvalho Juiz de Fora

1830 Arraial de Nossa Senhora de Nazaré Dr. José Gonçalves Martins Juiz de Fora

1846 Vila de Maragogipe Dr. Gustavo Xavier de Sá Juiz de Fora

1859 Vila de Feira de Sant’Anna Dr. Luiz Antônio P. Franco Juiz de Direito

1860 Cidade de Valença Cel. Izidro de Sena Madureira Comerciante

1866 Arraial de Oliveira dos Campinhos Pe. Antônio Pinheiro de Queiroz Religioso

Fonte: Cachoeira (1826); Nazaré (2006); Nascimento (2011); Cerqueira (2009); Barbosa (1968). Nota: Autor: Elaborado pelo autor deste artigo (2016).

Em vista desse fato, ficou principalmente comprovado que foram agentes do

Governo Imperial que estiveram à frente das fundações das Santas Casas. Pode-se então

asseverar que esse movimento estava inserido no esforço da Corte Brasileira em

organizar um sistema de assistência social no Brasil Imperial. Para tal, a exemplo do

Decreto assinado pelo Ministro da Regência Trina, o baiano Dr. José Lino dos Santos

Coutinho, em favor da Santa Casa de Cachoeira, o Governo Imperial manteve a tradição

de conceder às Misericórdias Brasileiras os privilégios régios concedidos às Santas

Casas lusitanas:

A Regência, em nome do Imperador, tomando em consideração a

representação da Câmara Municipal da Villa da Cachoeira, sobre

requerimento do Provedor e Mesários da Santa Casa da Misericórdia da dita

Villa, há por bem que sejam applicados em benefício do seu Hospital os

Legados Pios não cumpridos, pertencentes ao seu Districto. E ordena que V.

Excelência faça por em execução acerca daquele Hospital o Artigo 2º da Lei

de 6 de Novembro de 1827, ficando a incumbência de que, na data de hoje se

officie à Repartição dos Negócios da Justiça para expedir as ordens

necessárias, a fim de que se efective a entrega dos mencionados Legados

(BNRJ, 1831, grifos nossos).

No caso supracitado, a partir de então, na jurisdição do Distrito Eleitoral cuja sede

era a Vila da Cachoeira, através desse privilégio concedido pela Corte Brasileira, a

Misericórdia Cachoeirana passou a arrecadar recursos pleiteando os “Legados pios não

cumpridos”. Instituídos por testadores para realização de celebrações religiosas

objetivando a “salvação da alma”, os legados pios não cumpridos podiam ser destinados

à organização de “cortejo fúnebre” ou para celebração de missas de “corpo presente”,

“sétimo dia de falecimento” ou de forma seriada, quando então eram denominadas

“Capelas de missas”.

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Corroborando ainda com a tese do esforço da Coroa na formação de um aparato

assistencial no Recôncavo Baiano, os registros dão conta que, mesmo nos momentos de

dificuldades financeiras, foram destinados recursos no orçamento da Província da

Bahia, em apoio a tais iniciativas:

Em consequência da falta de rendimentos dos Cofres Provinciais para

satisfazer as despesas decretadas, entendi de conveniência pública, e até de

necessidade, reduzir à metade as consignações que decretastes, no parágrafo

8º do art. 1º da Lei de 5 de agosto de 1848, para as obras das Casas de

Misericórdia de Nazareth, de Cachoeira, de Maragogipe, e de Santo Amaro,

nenhuma diminuição mandando fazer nas ordinárias para taes

estabelecimentos votados, declarando-lhes que serão pagas estas

consignações no seu total se afinal se reconhecesse sobrarem os fundos

Provinciais (BAHIA, 1849. p. 11).

Ademais, na Província da Bahia, a ajuda financeira para a fundação, construção

e manutenção de abrigos, cemitérios e hospitais vinculados às Santas Casas de

Misericórdia, não se limitou aos valores disponibilizados no orçamento anual. As fontes

registram que, nas duas etapas da visita à província baiana, a Corte ofereceu “Óbolos”

em apoio às iniciativas assistenciais. Por conseguinte, de acordo com a Tabela 1, ao

longo da estada de D. Pedro II na Bahia, oportunidade na qual, além de Salvador, foram

também visitadas vilas do Recôncavo Baiano, em todas as urbes que dispunham de uma

Santa Casa, o imperador fez doação de recursos financeiros para a irmandade local. (D.

PEDRO II, 1959, p. 264).

Tabela 1 - Doações feitas por D. Pedro II para as Santas Casas do Recôncavo Baiano.

CONFRARIA DATA DA DOAÇÃO VALOR EM RÉIS ($)

Santa Casa da Bahia 11/10/1859 5:000$000

Santa Casa de Nazaré 05/11/1859 1:100$000

Santa Casa de Feira de Sant’Anna 07/11/1859 2:000$000

Santa Casa de Cachoeira 09/11/1859 2:000$000

Santa Casa de Maragogipe 09/11/1859 1:500$000

Santa Casa de Santo Amaro 13/11/1859 1:000$000

Santa Casa de Valença 22/01/1860 3:000$000

Fonte: D. Pedro II (1859).

Nota: Autor: Elaborado pelo autor deste artigo (2016).

Dessa forma, apoiadas pela Corte, as Misericórdias do Recôncavo baiano

escreveram a sua trajetória em confluência com o poder local, uma vez que, de forma

similar ao que, ao longo da história, acontecerá em Portugal, de acordo com Sá (2002),

sem atritos, as Câmaras das vilas, além das responsabilidades assistenciais, transferiam

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para as Misericórdias instituídas “rendas, terrenos, casas, hospitais e capelas”. Assim,

essas irmandades, oportunizaram a participação das elites locais que, mantendo o poder

econômico e político, ao mesmo tempo, abraçaram causas sociais e ajudaram a

estruturar o Estado brasileiro. (SÁ, 2002, p.35).

3. A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE FEIRA DE SANTANA

As fontes creditam ao Juiz de Direito, Dr. Luiz Antônio Pereira Franco,

transferido da Vila de Nossa Senhora de Nazaré para a nova Comarca de Feira de

Santana, em 1855, a liderança do movimento em prol da fundação de uma Santa Casa

na Vila de Feira de Sant’Anna. O magistrado, em 1851, quando residente em Nazaré,

foi Provedor da Santa Casa de Misericórdia da vila, portanto, conhecia os propósitos de

uma instituição assistencial que, fundamentada nos princípios da caridade cristã e da

filantropia, administrada por uma irmandade de leigos, desde os primórdios foi colocada

sob proteção régia.

Um evento marcante para a história política e social da Vila de Feira de

Sant’Anna viria a acontecer no final do ano de 1859. Na viagem em direção às

províncias do Norte do Brasil, o Imperador D. Pedro II, acompanhado da Imperatriz

Tereza Cristina e uma grande comitiva visitaram a Província da Bahia, onde, num

primeiro momento, permaneceram entre 6 de outubro a 19 de novembro.

Recebida em Feira, com pompa e festas, a Corte Imperial que permaneceu na

vila nos dias 5 e 6 de novembro de 1859, após instalação do Paço Imperial na residência

do Coronel Joaquim Pedreira de Cerqueira, situada na Rua Direita, atual Rua

Conselheiro Franco, se dirigiu ao Te Deum na Igreja Matriz de Senhora Santana. No

turno da tarde, o Imperador D. Pedro II, registrou um compromisso com uma comissão

de moradores da vila. A comissão “suplicou a S. M. a graça de tomar sob sua Imperial

Proteção, um asilo de Enfermos, que se pretendia criar na vila, dignando-se S. M.

permitir que fosse dado a esse o nome de – D. Pedro II. ” (D. PEDRO, 1959, p. 276).

O pleito, apresentado pela comissão, foi bem recebido pelo soberano que, além

de permitir que o estabelecimento fosse designado com o seu nome e para demonstrar o

seu efetivo apoio à iniciativa, fez doação de um óbolo, no valor de 2:OOO$OOO (dois

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contos de réis). Demonstrando interesse, o Imperador D. Pedro II visitou um terreno e

determinou ao Dr. Bonifácio de Abreu, médico que acompanhava e assistia a Corte na

viagem, que ele, além de vistoriar a área, designasse nessa, o exato local onde se deveria

construir o nosocômio da Villa de Feira de Sant’Anna, a ser denominado de Imperial

Asilo de Enfermos D. Pedro II.

Um fato relevante é que, anteriormente à visita do Imperador Brasileiro, desde

25 de março daquele ano, esse mesmo grupo de cidadãos havia fundado a Irmandade da

Santa Casa de Misericórdia da Villa de Feira de Sant’Anna. Conforme destacado no

Compromisso da fraternidade, o objetivo da instituição era exercer a caridade:

Fazendo curar em seu hospital os enfermos pobres e desvalidos, e prestando-

lhes os soccorros espirituaes de que precisarem” como também “Dando

sepultura no Cemitterio, que tratará de estabelecer, quando não possa obter o

que já existe nesta Villa, a cargo da Câmara Municipal, os cadáveres, não só

dos enfermos de que trata o $ antecedente, mas também de quaesquer

indivíduos absolutamente miseráveis e desamparados. (FEIRA DE

SANTANA, 1860, p. 2).

Posterirormente à visita de D. Pedro II, foi aprovado o Compromisso da Santa

Casa, pelo Arcebispo D. Romualdo Seixas Dórea, em 19 de abril de 1860, pelo

Presidente da Província, Dr. Antônio da Costa Pinto, em 13 de maio de 1860, e foi dado

a largada em prol da construção do hospital. Inicialmente, o provedor Dr. Luiz Antônio

P. Franco solicitou ao Governo Imperial, em conformidade com a Lei no. 1099 de 1º de

setembro de 1860, a concessão de quatro loterias para arrecadar fundos objetivando a

construção do edifício, cuja planta foi elaborada pelo engenheiro Trajano da Silva Rego.

De acordo com a proposta, os custos estimados com a construção eram da ordem de

26:905$780 (vinte e seis contos, novecentos e cinco mil e setecentos e oitenta réis).

O pedido ao Governo Provincial, entretanto, não obteve o resultado esperado,

uma vez que na Lei no. 844 de 3 de agosto de 1860 que aprovou o orçamento da

província, destinou apenas a quantia de 2:000$000 (dois contos de réis) para a

construção do hospital da Villa de Feira de Sant’Anna. Em vista do fato, preocupados

com a saúde da comunidade, os dirigentes da entidade insistiram em encontrar

alternativa. Finalmente, concluíram que o mais viável era fazer adaptações em uma casa

em ruínas, situada na área da antiga Fazenda Cerca de Pedras (Figura 1), já pertencente

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à Irmandade, por doação do Governo Imperial através da lei acima citada.

(CERQUEIRA, 2009, p. 108).

Figura 1. Planta de situação: Internamente, em negrito, a área atual do

Cemitério Piedade e a área retangular da antiga Fazenda Cerca de Pedras.

Fontes: Cerqueira (2009).

Nota: Autor: Engenheiro André Fernandes Dórea (2009).

A casa, em mau estado de conservação era uma construção de adobe, coberta de

telha, subdividida, internamente, em duas salas e cinco quartos e com uma fachada de

frente onde foram colocadas quatro janelas e uma porta. Para instalar o hospital foram

realizadas obras de ampliação e reforma que, ao final, custaram 956$269 (novecentos e

cinquenta e seis mil, duzentos e sessenta e nove réis) a Santa Casa. O imóvel passou a

ter uma fachada com 88 (oitenta e oito) palmos, aproximadamente 20 (vinte) metros, na

qual foram instaladas seis espaçosas janelas e duas portas simetricamente colocadas.

Internamente, a casa passou a dispor de uma sala para as reuniões da Mesa

Administrativa, um Oratório e duas enfermarias, uma masculina e outra feminina, com

um total de 6 (seis) leitos. (CERQUEIRA, 2013, p. 72).

Externamente, a primeira sede do Hospital D. Pedro também recebeu melhorias

para propiciar bem-estar e “um lugar de recreio aos pacientes em estado de

convalescência”. Para tal, por um custo de 77$100 (setenta e sete mil e cem réis) foi

anexado ao edifício um amplo quintal com cerca de 850 m2 (Figura 2). Esse espaço foi

incorporado ao hospital por um cercado de madeira, que, por sua vez, foram retiradas,

sem custos, das matas da Fazenda São João mediante autorização e apoio do Prior do

Convento do Carmo de Cachoeira. Das cercas construídas para formar o quintal, as que

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eram paralelas às paredes laterais do prédio tinham “93 palmos de frente a fundo e as

que eram paralelas à frente do prédio, em direção ao oeste, alcançava uma largura de

170 palmos”.

Figura 2 – Foto do início do século XX na qual se vê a primeira sede do Hospital

D. Pedro, cujo prédio é identificado por ter à frente duas Palmeiras Imperiais2

Nota: Fonte: Gama (1994).

Nota: Autor: Foto realizada pelo autor deste artigo (2016).

A análise da fotografia permite identificar que, na parte inferior e próximo ao

centro, está o monumento construído em homenagem ao Padre Ovídio, inaugurado em

25 de março de 1892, na Gestão do Intendente Municipal Joaquim de Mello Sampaio.

No centro da fotografia, com as fachadas das frentes voltadas para a Rua da

Misericórdia, vê-se os telhados de casas construídas em fila e que, ainda atualmente,

pertencentes a Santa Casa. Finalmente, pode-se observar que a primeira dessas casas

conserva um muro lateral cujo comprimento corresponde ao mesmo do cercado de

madeira construído que circundava o quintal da primeira sede do Hospital D. Pedro.

O hospital foi inaugurado em 25 de março de 1865 e, mediante a contratação do

Dr. João Vicente Sapucaia, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1853,

logo começou o tratamento de pacientes internados nas duas enfermarias. A masculina

2 À época da realização da fotografia, o hospital, já com a denominação de D. Pedro de Alcântara,

mudança de nome proposta pelo Procurador-Geral, Juvencio Erudilho da Silva, em 1890, estava

funcionando em sua segunda sede, que é o casarão situado no canto superior a direito da foto, portanto, na

mesma Rua da Misericórdia e quase em frente à primeira sede. O imóvel da segunda sede foi adquirido,

em 1884, por compra em mãos do Coronel João Pedreira de Cerqueira.

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foi colocada sob a proteção de Nossa Senhora da Piedade e a feminina, por sua vez, sob

as bênçãos de Nossa Senhora Santana. De 1º de abril a 30 de novembro de 1865, um

total de 20 (vinte) pacientes estiveram internados no nosocômio. 9 (nove) do sexo

masculino e 11(onze) do sexo feminino. Desse total, apenas 1 (um) paciente do sexo

masculino veio a falecer; foram tratados e curados 8 (oito) do sexo feminino e 5 (cinco)

do masculino. Ao final do ano, permaneceram internados ocupando 3 (três) homens e 3

(três) mulheres, devidamente identificados nos Quadros 2 e 3.

Quadro 2 - Pacientes: Nome, etnia, idade, naturalidade e residência. NOME ETNIA IDADE NATURALIDADE RESIDÊNCIA

Anselmo de Abreu S/Ident. 22 Vila da Barra Vila da Barra

Joaquim José Macedo Branca 42 Monte Alegre Feira de Sant’Anna

Maria Gonçalves da Conceição Parda 25 Lençóis Feira de Sant’Anna

Maria Joaquina da Pureza Parda 21 Santo Amaro Feira de Sant’Anna

Maria Sebastiana Creoula 38 Purificação Feira de Sant’Anna

Olímpio José de Souza Branca 26 Feira de Sant’Anna Feira de Sant’Anna

Fonte: Franco (1866).

Nota: Autor: Elaborado pelo autor deste artigo (2016).

Quadro 3 – Pacientes: Nome, mês, dias de internamento, profissão e patologias. NOME MES D. INTERNADOS PROFISSÃO MOLÉSTIA

Anselmo de Abreu Novembro 27 Agricultor Ascitis

Joaquim José Macedo Abril 17 Agricultor Rhematismo

Maria G. da Conceição Setembro 14 Costureira Ulceras síphiliticas

Maria Joaquina da Pureza Junho 18 Costureira Ulceras síphiliticas

Maria Sebastiana Novembro 29 Costureira Amenorreia e nefrite

Olímpio José de Souza Agosto 18 Alfaiate Splenite chronica

Fonte: Franco (1866).

Nota: Autor: Elaborado pelo autor deste artigo (2016).

Portanto, 6 (seis) anos após a fundação, em 25 de março de 1859, dia de

homenagens à Igreja Católica e ao Império, a Santa Casa da Vila de Feira de Sant’Anna

passou a administrar dois equipamentos destinados ao amparo social. Respectivamente,

o Cemitério Piedade e o Hospital D. Pedro II, ambos situados na área da Fazenda Cerca

de Pedras, que fora doada pelo Governo da Província da Bahia por efeito da Lei no. 844,

de 3 de agosto de 1860.

Além do mais, especificamente, quanto ao imóvel do nosocômio, o valor

investido para reforma e ampliação da casa que, transformada, abrigou a primeira sede

do Hospital D. Pedro, representou pouco menos da metade dos 2:000$000 (dois contos

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de réis), que foi o primeiro óbolo recebido pela Misericórdia Feirense, doado pelo

Imperador D. Pedro II, durante a visita da Corte à Vila da Feira de Sant’Anna.

4. CONCLUSÃO

A historiografia brasileira referente às Santas Casas de Misericórdia e a

assistência à saúde das populações, majoritariamente, enfoca os grandes centros urbanos

e apresenta como marco regulador do sistema de proteção social, a Legislação Federal

editada na República Velha. O presente estudo, partindo do pressuposto de que as

instituições refletem a sociedade na qual se encontram inseridas, com um outro olhar

sobre o processo histórico, revela informações sobre a História Social das populações

residentes no interior da Província da Bahia e permite uma melhor compreensão sobre o

aparato assistencial implantado, em comunidades interioranas, ao longo do período

Imperial Brasileiro.

Ao final desse trabalho, conclui-se que a fundação da Santa Casa da Vila de

Feira de Sant’Anna, deu-se em decorrência de um movimento liderado por atores

vinculados ao Governo Imperial, sob os auspícios do Imperador D. Pedro II,

responsável direto pela primeira doação financeira para a irmandade feirense. Além

disso, diante do apoio político e econômico-financeiro do governo e do envolvimento

direto de agentes do Estado Monárquico, na fundação da Misericórdias da Vila de Feira

de Sant’Anna, de forma similar ao que aconteceu nas outras seis Santas Casas do

Recôncavo Baiano. Portanto, é razoável admitir que parte do atual sistema de proteção

social do Estado Brasileiro, tem os seus primórdios assentados nos governos do período

Imperial.

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XVIII): estratégias de intervenção social num mundo em transformação. In: ______.

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