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CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA FASO: a intelectualidade e as estratégias
sociopolíticas da juventude muçulmana para o desenvolvimento
Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
Conferir as legendas das imagens (Internet) na página XVI
Natal – RN 2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA
FASO: a intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da
juventude muçulmana para o desenvolvimento
PINGRÉWAOGA BÉMA ABDOUL HADI SAVADOGO
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como parte dos requisitos
para obtenção do título de Doutor em
Ciências Sociais.
Orientadora: Profa. Dra. Norma Missae
Takeuti
Natal – RN 2018
Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - CAPES
Savadogo, Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi. Cidadania cultural e espaço público em Burkina Faso: aintelectualidade e as estratégias sociopolíticas da juventudemuçulmana para o desenvolvimento / Pingréwaoga Béma Abdoul HadiSavadogo. - 2018. 266f.: il.
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa dePós-graduação em Ciências Sociais. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof.ª Dr.ª Norma Missae Takeuti.
1. Intelectualidade e Cidadania cultural -Tese. 2. Juventudee Responsabilidade Social - Tese. 3. Islã e Ética - Tese. 4.Burkina Faso - Tese. 5. África do Oeste - Tese. I. Takeuti,Norma Missae. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 316(6-15)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA
Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748
PINGRÉWAOGA BÉMA ABDOUL HADI SAVADOGO
CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA FASO: a
intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da juventude
muçulmana para o desenvolvimento
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como parte dos requisitos
para obtenção do título de Doutor em
Ciências Sociais.
Orientadora: Profª.Drª. Norma Missae
Takeuti
Data da Defesa: 31/07/2018
Resultado: APROVADO
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profª.Drª. Norma Missae Takeuti (Orientadora) Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Presidente
_______________________________________________________
Profª. Drª. Vânia de Vasconcelos Gico Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Examinadora Interno
_______________________________________________________
Profª.Drª. Ana Laudelina Ferreira Gomes Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Examinadora Interno
______________________________________________________________________
Profª. Drª. Karlla Christine Araújo Souza
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.
Examinadora Externo
_______________________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Alves Furtado
Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia.
Examinador Externo
Resumo
Com foco na juventude urbana e muçulmana, o estudo trata da sociedade burkinabê
(Burkina Faso), apreendida em seu contexto sociopolítico da África Ocidental, trazendo
algumas informações essenciais, do ponto de vista histórico, desde a Idade Média até os
dias atuais, como suporte de compreensão da situação econômica, social, cultural e
política do país. A região islamizada, após o advento do islã no século VII, foi o cenário
de uma corrente de reafirmação de uma identidade islâmica que marcou a África
Ocidental Francesa desde sua independência e ao longo de todo o processo de sua
descolonização. As reivindicações da juventude burkinabê denunciando as questões
sociais que o país enfrenta no contexto da globalização oferecem muitos elementos para
a compreensão das novas dinâmicas intelectuais que, baseadas na ética islâmica, se
erguem contra a lógica neoliberal e defendem práticas cidadãs nos espaços públicos
religiosos da África do Oeste. O islã é abordado enquanto uma epistemologia do saber
que nutre, junto aos jovens burkinabê, a sua busca e a sua vontade de transmissão do
conhecimento, não apenas religioso, mas também cultural, político, social e científico.
Através da noção de cidadania cultural e de sua expressão no espaço público, trata-se, na
presente tese, de interrogar-se sobre a definição das "origens", bem como das
características da intelectualidade muçulmana em curso, no segmento jovem, na
sociedade burkinabê. Por outro lado, trata-se igualmente de apreender esta mesma
intelectualidade através de uma África devastada pela cobiça dos países do Norte, o que
leva a questionar a configuração das relações no campo social e político, orientando assim
as negociações entre a pluralidade dos atores em presença.
Palavras-chaves: Intelectualidade e Cidadania cultural; Juventude e Responsabilidade
Social; Islã e Ética; Burkina Faso; África do Oeste.
Résumé
À partir de sa jeunesse urbaine et musulmane, l’étude porte sur la société burkinabè
(Burkina Faso) appréhendée dans son contexte sociopolitique de Afrique occidentale, à
travers d’importantes données historiques qui vont du Moyen Âge à nos jours, en tant que
support de compréhension de la situation économique, sociale, culturelle et politique du
pays. La région islamisée aux lendemains de l’avènement de l’islam au VIIe siècle a été
le théâtre d’un courant de réaffirmation d’une identité islamique qui a marquée l’Afrique
occidentale française depuis son indépendance et durant tout le long processus de sa
décolonisation. Les revendications de la jeunesse burkinabè dénonçant les questions
sociales qui se posent au pays dans le contexte de la globalisation offrent bien d’éléments
pour la compréhension des nouvelles dynamiques intellectuelles qui, basées sur l’éthique
islamique, s’érigent contre la logique néolibérale et défendent des pratiques citoyennes
dans les espaces publics réligieux d’Afrique de l’Ouest. L’islam est abordé en tant qu’une
épistémologie du savoir qui nourrit la jeunesse burkinabè, sa quête ainsi que sa volonté
de transmission de la connaissance, non pas celle réduite à la seule dimension religieuse,
mais aussi à celles culturelle, politique, sociale et scientifique. À travers la notion de
citoyenneté culturelle et de son expression dans l’espace public, il s’agit dans la présente
thèse de s’interroger sur la définition des « origines » aussi bien que des caractéristiques
de l’intellectualité musulmane en cours dans la société burkinabè, notamment en ce qui
concerne la jeunesse. Par ailleurs, il est également question d’appréhender cette même
intellectualité à travers une Afrique ravagée par les convoitises des pays du Nord, ce qui
ramène à questionner la configuration des relations dans le champ social et politique,
orientant ainsi les négociations entre la pluralité des ateurs en présence.
Mots-clés : Intellectualité et Citoyenneté culturelle ; Jeunesse et Responsabilité Sociale;
Islam et Éthique; Burkina Faso; Afrique de l’ouest.
I
DEDICATÓRIA
II
Ao ser moldado numa ética através de
certos valores, reconhece-se facilmente o
molde que o sustentou. Nesse sentido,
destacando-se da galinha se limpando o
bico depois de bicar, tomamos com
ternura o tempo para dizer aos amores
que eles são, toda a nossa gratidão.
Aos meus pais Sana Mohamed Savadogo
e Matagari Ouattara, cuja acuidade da
exigência e o constante dom de si, me
ensinaram o dever de levar alto e longe a
tocha.
III
AGRADECIMENTOS
IV
Escravo da cabeça, a boca manda ao resto do mundo, fala e grita em seu
nome, muitas vezes erradamente, às vezes com razão, sem pedir sua
opinião nem à barriga, que comeria ainda enquanto ela [a boca] se declara
saciada, nem às pernas, que gostaria não mais andar quando ela [a boca]
diz-se capaz de ir mais longe.
A boca tomou todo o poder do corpo o dia em que soube-se indispensável.
Ele salva o homem às vezes e, mais freqüentemente, leva-o à sua perda,
pois lhe é difícil contentar-se de: não sei.
Falar demais é sempre ruim; não ser ouvido é muitas vezes fonte de
aborrecimento, assim como não entender o que outra boca diz. É o que
Serigne-Marabu deve ter dito a si mesmo, quando, voltando da Meca, parou
em Kayes (cidade do Mali), na casa/família de um de seus discípulos.
Trancado na mais bela cabana1, Serigne tinha começado logo a entoar
versos do Alcorão e litanias. Veio a hora da refeição. Uma criança foi
enviada para buscar o Marabu. A criança entrou na cabana e disse a
Serigne:
— Ki ka na : a gente te chama (em bambara).
Serigne lhe respondeu:
— Mana : sou eu (em woloff).
A criança voltou dizer a seus pais:
— Ele disse que não vem.
Assim, jantaram sem o hóspede.
O dia seguinte de manhã, a criança veio de novo chamar o Marabu na sua
língua (o bambara), e Serigne lhe havia respondido na sua (woloff). Assim
foi a meio dia e também à noite. Durante três dias e três vezes por dia, o
devoto peregrino deu ao jovem mensageiro a mesma resposta ao mesmo
chamado.
Convertidos de fresca data, os anfitriões do Marabu não entendiam
1 Casa tradicional feito de terra com teto em palha
V
nada a tanto fervor. Com certeza, a refeição sabe que não será poupada
mesmo quando a questão não é mais de saber se deve-se orar antes de
comer ou comer antes de orar. Comer sem rezar não é o ato de um crente,
mesmo que nunca estivesse em Meca. Mas rezar sem comer? Qualquer que
seja o poder que a palavra divina tenha, esses bambaras ainda recém-
incrédulos nunca tinha ouvido falar que o Alcorão podia substituir uma
cabaça de arroz, sobretudo de tô (tipo de polenta ‘’grosso’’), de tô feita com
massa de milho, junto com um perfeito molho de quiabo fresco,
acompanhado por um frango devidamente assado, um verdadeiro tô de
chefe para honrar o Mestre. E eis que o Mestre sempre se recusava a vir
compartilhar arroz, tô ou cuscuz.
Serigne, do seu lado, se perguntava, entre uma surata e uma litania,
se, desde que ele entrou na cabana, um enxame de gafanhotos não tinha
caído sobre os campos do país; se os cupins não tivessem devastado os
celeiros; se o rio Senegal tinha secado em uma noite; se todas as raças de
peixes que o povoavam: carpas, capitães, peixes-cachorros, até os imundos
siluros que deleitam-se com dejeções, desertando Kayes e Medina, não
tinham subidos até o Fouta-Djallon, ou descidos em direção de Saint-Louis
e o mar.
Ele se perguntava se de repente todos os bois que pastavam, numerosos, do
outro lado do rio não tinham sido levados em uma noite pela peste; se todas
ovelhas que os Mouros e os fulas levavam para o norte, sofrendo
subitamente de ‘’pasteurellose’’, não tinham ido se deitar com raiva para
morrer num piscar de olhos. Ele se perguntava enfim quantas vezes por
mês se comia neste país. Sua dignidade de grande Marabu o proibia, no
entanto, de exigir comida. O discípulo, preocupado, veio finalmente ver o
Mestre e eles se explicaram.
Serigne não entendia, ele que possuía melhor do que um erudito de
Timbuktu, o árabe literário, uma palavra de Bambara, e a criança que eles
lhe enviava não entendia o Wolof, pois nunca tinha saído de Kayes e nunca
tinha cruzado a Faleme, que separa o Sudão do Senegal. Quando a criança,
VI
em Bambara, dizia ao Marabu:
— Ki ka na : estão te chamando.
Serigne entendia:
— Ki ka na ? : quém é? em woloff.
E quando o Marabu respondia em woloff :
— Mana ! : sou eu!
A criança entendia :
— Ma na ! : não venho, em bambara.
Serigne assim soube, à custa da sua barriga, o poder da boca e o valor da
palavra, mesmo profana.
Entretanto, como há males que vêm por bem, e que a sorte pode
surgir mesmo dos laços que vos ata, Serigne, em seguida ao seu jejum
forçado durante o qual nenhum alimento impuro tinha contaminado sua
boca, tornou-se melhor que um marabu, quase Wali quase um santo (…).2
Assim, a esta altura de meu percurso de vida nesta terra, não posso deixar
de pensar às diferentes situações que, como esta sabedoria da África, me
alimentou durante trinta e nove anos de vida e cujo tudo o que relaciona-se
a isso é um traço do Onipotente, do Onisciente, do Provedor, do Protetor, do
Defensor e do Guia (Al-Hadi). Nesse sentido, de fato, muitas situações me
aproximaram do Único. No entanto, não haveria como agradecê-lo sem
expressar minha gratidão a todas as pessoas que desde minha tenra idade
compartilharam comigo seu saber, seu tempo, sua pessoa, sua humanidade,
sua vida.
Desta misericórdia e situações vividas, quanta sabedoria e emoções
responderam à tenaz obsessão que me move: o que é a vida? E quem é o
humano? Essas mesmas perguntas, de outra forma, mantêm a mesma
relevância: quem é o humano? E o que é a vida?
2 « La Biche et les deux chasseurs », conto africano, fragmento retirado de Birago Diop, Les
Contes d’Amadou Koumba, éditions Présence Africaine, 1961.
VII
Muitas pessoas e instituições contribuíram às respostas que me
foram dadas de explorar. As mencionadas nas poucas páginas que me são
reservadas aqui não podem ser a redução de todos aqueles que me
acompanharam e ofereceram o que é eles. Neste sentido, desde jà, a todos e
a cada um, nem meu coração nem meu pensamento esquecem. Que a vida
seja a jamais o arco-íris de nossos amores. Dito isto, é com imenso prazer
que gostaria mencionar umas.
Institucionalmente, penso, em primeiro lugar, à Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, e em particular a todos os funcionários técnico-
administrativos do Departamento de Ciências Sociais e dos diferentes
professores. Além disso, meu laboratório, a Casa das Áfricas - núcleo
Amanar tem sido essencial durante todo o nosso percurso de pós-graduação.
Lhe expresso aqui toda a minha gratidão.
A título particular, não poderia começar os agradecimentos sem
mencionar a Profa. Norma Missae Takeuti, aquela que, mais do que o seu
dever, me acompanhou com erudição e ternura, sabendo além da exigência
acadêmica, abraçar o humano em mim.
Profa. Vânia de Vasconcelos Gico, seu apoio e sua presença
incondicional me valeram este percurso. A confiança depositada em mim e o
grande carinho que tenho desfrutado ao longo desses anos valem seu peso
em ouro. O saber nutritivo transmitido, a socialização com as famílias
pessoal como acadêmica - mencionei o Observatório Boa-Ventura de Estudos
Sociais, honraram minha cabeça, minha alma.
Das pessoas que inspiram respeito e consideração tão seu percurso e
compromisso cidadãos permanecem exemplares, as conheci através desta
família. Em primeiro lugar, vem o Mestre, Prof. Jose Willington Germano,
cujo o legado continua sendo uma fonte de grande inspiração.
O que dizer dos Profs. Itamar de Morais Nobre e Zéu Palmeira Sobrinho? Se
há umas pessoas cuja exemplaridade não passa despercebida e em que
VIII
inveja-se a satisfação da exigência profissional, sem dúvida, elas
responderiam presentes.
Assim como eles também distingue-se os Profs. Ana Laudelina Ferreira
Gomes, Maria da Conceição Xavier de Almeida e Hermano Machado Ferreira
Lima, cujo o conhecimento soube conjugar em mim conhecimento e
humanidade. Por ter aproveitar do que vocês são, vos agradeço.
Não posso passar sob silêncio o pessoal técnico-administrativo,
particularmente Otânio Revoredo Costa e Jefferson Gustave Lopes que, além
de suas responsabilidades, participam plenamente desta tese.
Tão é verdade que da única intenção de lavar as roupas a gente se depara
afinal com as roupas e unhas limpas, dessa dinâmica, me apareceu duas
irmãs: Juliana Rocha de Azevedo Costa e Ana Carmem do Nascimento Silva
que saúdo, bem como seus respectivos companheiros e familiares. Aqui, não
esqueço a família capoerista, especialmente o mestre Joshua Rocha.
É também com grande coração que deixo aqui uma lembrança a todos os
membros do Observatório Boa-ventura de Estudos Sociais com os quais
compartilhei grandes momentos. Citei: Catarina da Silva Souza, Andrielle
Cristina Moura Mendes Guilherme, Ana Eleonora Freire, Walber Cunha
Lima e Elmano Ricarte Azevêdo de Souza.
Querido André Luiz de Lima, quantas vezes sua presença discreta e sutil
responderam à minha solidão e angústias. Da qualidade de sua amizade, ela
me é indispensável.
O saber sabe não se reduzir às meras divisões dos campos de estudo; e mais
quando se trata de militância. Meus pensamentos vão aqui a Joane Dos
Santos Araújo e seu companheiro Ruy Alkmim Rocha e seus próximos, nas
Profas. Tamara Maria Costa Silva N Abreu, Jennifer Sarah Cooper com um
pensamento especial para Profa. Tânia Maria de Araújo Lima e Larissa
Fontes de C. Torres cuja presença soube manter viva em mim, a chama da
beleza da vida. Eu não esqueço todos os humanos que conheci através eles,
assim que o que nos foi dado de compartilhar.
IX
A amizade não é apenas bonita, mas também é riqueza. Saboreei o seu
perfume através o saber e a grande disponibilidade de: Alecrides Jahne
Raquel Senna Castelo Branco, Fabrico e Magaly a quem dirijo minha
profunda gratidão.
Natal tem seus encantos. De seus encantos inesperados que não deixam
ninguém indiferente, constituindo-se num convite permanente ao qual é
difícil resistir. Meus agradecimentos ao Clube Poliglota de Natal e à
Associação Potiguar de Esperanto Natal e seus respectivos membros. A
pessoa do coordenador, Rodrigo Tavares Pinheiro de Medeiros, sabe fazer
dessas estruturas, tantos espaços de aprendizagem quanto de bem-estar e
oportunidades.
Muitos anos se passaram desde que me mudei para Natal/RN. Tão
diferentes uns quanto os outros, encontrei perto de uma família, um
profundo amor e uma tranqüilidade da alma que souberam resinificar minha
longa caminhada de vida. Sim, com a família Araújo de Souza e as famílias
aliadas, as perspectivas do passado e do futuro vestiram a simples e
tranqüila beleza das cores dos dias ensolarados na savana balançada pelo
suave abraço das brisas do litoral. Dessa serenidade, quantos saberes
ancorados na árvore do conhecimento souberam me alimentar, consolando
em mim a definição da vida em toda a sua bela complexidade. A
exemplaridade de um percurso, as sabedorias e todas as valorosas
conquistas que o ilustram permanecem para mim um caminho; o caminho.
Aqui estou eu diante de vocês, humilde e grato.
A fé só pode ser mantida pelo que a alimenta. Isso, o devo a toda a
comunidade muçulmana de Natal, membros e simpatizantes da mesquita
Associação Beneficente Muçulmana do Rio Grande do Norte. Meus
agradecimentos vão particularmente aos irmãos Salimo Normomade, Marcos
Abd Al Jabbar, e sobretudo ao Imam Muhamad Taufik Mahamid assim que a
sua esposa Ana Maria Pimenta. Deus é testemunha de suas ações e
permanentes esforços em seu caminho; que ele os recompensa
abundantemente, bem como suas famílias e próximos.
X
Na UFRN, particularmente no RU, o lugar mais importante rsrsrs, fui
gratificado no cotidiano do carinho de muitas pessoas cujos me gardo de
citar aqui nomes. Para o mendigo do amor que sou, seria vão dizer quão
precioso isso foi para mim; desta preciosidade que vos faz humano. Cada um
saberá reconhecer aqui o canto da singular relação que nos liga. A toda(o)s
a(o)s minhas/meus amiga(o)s e irmãs/irmãos com quem quatro anos
prolongaram minha vida, minha humanidade. Igualmente, deixo aqui um
grande pensamento para todos os funcionários deste lugar vital.
Tão é verdade que o futuro resulta do presente, é com lucidez e afeção
que este permanece ligado ao passado.
Se a busca existencial motivou o percurso alimentando minhas pequenas
questões, elas cresceram; contudo, permanecem. Denise, a jamais
agradecido por beneficiar de ti, o que Emmanuel Mounier diz : Tout travail
travaille à faire un homme en même temps qu'une chose ! Afetuosamente!!!
Da diversidade que ensina ao conhecimento que nutre, meus pensamentos
vão para o Mahfouz Ag Adnane cuja mais que justa e legítima luta lhe honra.
Ando por outros devaneios, entretanto minhas íntimas orações acompanham
sua espada.
Há personalidades que inspiram respeito pois sabem reconhecer a alteridade
como complemento de si. Engajada, sabe superar seus limites, dando voz a
um patrimônio da humanidade desprezado por cálculo. À Marina Pastore Di
Napoli.
Das singulares pessoas que a capital paulista me presenteou, foi a
competência alegre da terapia ocupacional social personificada na pessoa da
Debora Galvani cujo o calor sabe acompanhar, esquentar.
Humildade e discrição caracterizam certo os homens de saber, porém, tal a
luz, o saber e toda a sua nobreza os destacam. A você Valdir Pierote Silva.
XI
Somente um saber que se tornou conhecimento contribui à cidadania. Para
isso, é preciso formar o cidadão. Foi assim que a chave da arte me foi
oferecido. A Jair Guilherme Filho.
Edson Eduardo Ramos da Silva, é prazeroso ver através você, a grandeza da
Filosofia.
O trabalho assim que a dedicação que lhe é consagrado precede o
profissional e abre caminhos. Para o andarilho que sou, a alegria de te
conhecer é e permanece bem viva. A Miki Sato.
Dos ricos momentos e atuações participando de meu amadurecimento, a
contribuição da Casa das Áfricas – Amanar e de tod@s seus membros e
simpatizantes foram preciosas. Brindo à saúde das conquistas
contabilizadas e às que nos insuflam energia de vida.
Avó branca, a árvore que plantou deu também frutas. E in-cha-Allah, tanto a
biodiversidade quanto o ciclo da natureza não deixará, de continuar, de
enriquecer-se. Dessa evolução criadora, a Química contribuiu imensamente
à Antropologia. Mas tratando-se da história, ainda estou me questionando
rsrsrs
Tia branca, a afecção sabe ser energia. Seu impulso leva a realizações. O
tempo vai escorrendo-se mas o que nutre para sempre nutriu.
Corações têm tamanhos diferentes. Eis o alicerce da disposição ao outro.
Gianni, desse alimento, me engordei e dessa gordura continuo me
alimentando.
Há pessoas cuja gente não saberia exatamente caracterizar a importância de
sua presença em nossa vida. Seu amor fortificante permanece, apesar da
distância e dos anos que se passaram. Toda a minha gratidão à minha
querida filósofa Eva, chérie Maria assim como a toda família Rocha por todos
esses anos de amor solidário.
XII
Kiko, da exemplaridade de personalidade está a chave do desabrochamento.
A memória assim que o coração, diante de um acolhimento que alimenta
ficam a jamais vivos. A você e a sua família.
Prima branca querida. A vida pode parecer um cavalo selvagem. Só o
coração a decifra. A domar cabe à fé. Afetuosamente!
A singularidade dos percursos de vida é uma profunda fonte de riqueza.
Diante da sua essência, do que é universal – cujo a sua sagralidade, torna-se
igualmente riqueza, o presente de um tal encontro. De Bamako ao Brasil,
foram anos de ensinamentos sobre o que é a vida, além da geografia, e o que
ela a de mais nobre a compartilhar, a oferecer. A você Marina Berthé!
Há amizades que, tal como o vinho envelhecem se tornando cada vez mais
saboroso. Foi o presente de São Paulo. Presente que não deixou de me
acompanhar, alegrando meu Eu. São rostos, famílias e corações
omnipresentes pois de fato, os dias e seus momentos sabem alternar-se mas
sem ser parecidos. Disso, meu coração e sua memória carregam para
sempre as luzes históricas desses dias e momentos de vazios em que a vida
nos entrega ao desemparo. A minha irmã Carol Shiramizo, a sua família e a
toda a família Shiramizo; sua gêmea Clarice Madalosso Kerr e suas famílias;
Marina Jorge da Silva, sua família e famílias; Luciene Gomes e sua falecida
mãe; Isadora Cardinalli e seu companheiro; meu irmão Thiago Schindler
Crivellente Avanzi e sua família. Reitero aqui minha fraternidade e profunda
gratidão!!!
Quando o profissional e o humano se tornam um, a seiva sacia profundas
sedes. Desse bebedouro, para o resto do caminhar, minha sede aliviada se
tornou companheira. O devo-a às Profas.: Ana Paula Serrata Malfitano,
Roseli Esquerdo Lopes, Thelma Simões Matsukura e Samira Lima da Costa.
A mobilidade sabe gratificar os viajantes. Sem desmentir a sabedoria
africana, caberia melhor dizer que há personalidades remédio do humano.
Ao irmão Idriss Démé, o Padre Bernardino e ao Prof. Cláudio Alves Furtado.
XIII
Salvador me abriu suas portas num momento de frio. Braços e rostos
calorosos abasteceram minhas energias. À presente tese, a sua contribuição
foi louvável pois o que foi ontem está no sabor de hoje. Às famílias Albergaria
e Nascimento!
A "Savadogoville", às famílias Sawadogo, Ouattara assim como as amigas e
aliadas que a errância me obrigou à solidão e à dor do distanciamento. A
vocês minha riqueza e felicidade, a vocês minhas marcas e a quem devo
tanto...!!!
A toda(a)s que se reconhecerão neste trabalho. A toda(o)s aquelas/aqueles
que de longe ou de perto reconheceram a importância deste trabalho e o
alimentou. Vejam aqui, nele, o penhor e o selo do que nos une. E como “a
galinha nem precisa agradecer o pilão e o pau do pilão”, deixo aqui a melodia
do que foi, do que é e permanecerá in-cha-Allah: Jarabi (Amor)_versão longa
- Sona Jobarteh_ https://www.youtube.com/watch?v=z71PPfHZQ2k
Sofia minha querida filha! Das felicidades e delícias da paternidade, eu te os
devo. E a Deus eu sou grato. À vida e a o que ela a de melhor a oferecer!!!
A Deise Nascimento dos Santos Savadogo meu coração, minha esposa
que, em Deus, partilha a minha vida, a beleza do nosso idílio sabe tão
identificar-se a o que lhe dá sua razão de ser:
É perto de um riacho que dois burkinabê se encontraram
E eu disse a Zenabo que a amo
Zénabo soriu e sacodiu a cabeça
Se for para sermos junto, me disse, fique tranqüilo
Contudo, se for sem respeito
Isso nunca poderia ser
Então virei e me sentei na raiz de um árvore (ruanga)
Para falar a Zénabo, lhe agradecendo e lhe parabenizando
Sabe, sou pobre Zénabo – não vou te enganar
Meu pai é agricultor Zénabo. É igualmente minha profissão
XIV
De comida, nunca te faltará
E se Deus providencia, nunca faltará do que se vestir
Mas trantando dos demais assuntos Zénabo, isso, só Deus sabe
E Zénabo de me dizer que isso não é um problema
Pois se vê rico se tornar pobre
Da mesma forma, o pobre também pode vir a possuir mais dinheiro
O humano só consegue que no dia certo
Por conta disso, temos que ser humildes em fé diante de Deus pois é ele que
faz e desfaz
Muitos dizam que meninas não têm mais honra
E quem estiver a procura de namoro, é com quem tem dinheiro
Entretanto, de tudo isso, digo eu que nesta terra, há ainda mulheres íntegras
Pois se casamento fosse dinheiro,
Ainda estaria solteiro, sofrendo aqui
Portanto, temos que ser humildes em fé diante de Deus
Pois nisso, há coisas boas.
Canção_Zenabo: Issouf Compaoré
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
https://www.youtube.com/watch?v=v4iIRUF9c1s
XV
LISTA DE SIGLAS
AEEMB: Associação dos Alunos e Estudantes de Burkina
AEVF: Associação de Estudantes Voltaicos na França
AEVO: Associação dos Estudantes Voltaicos de Ouagadougou
AIDS/HIV: Síndrome/Vírus da Imunodeficiência Adquirida
ANEB: Associação Nacional dos Estudantes Burkinabê
AOF: África Ocidental Francesa
ASV: Associação de Escolares Voltaicas
BM: Banco Mundial
CAPES:
CDR: Comitê de Defesa da Revolução
CEPE: Certificado de Estudos Primários Elementares
CERFI: Centro de Estudos de Pesquisa e Formação Islâmica
CFA (franco):
CMB: Comunidade muçulmana de Burkina
CMHV: Comunidade Muçulmana da Alta Volta
CNR: Conselho Nacional Revolucionário
CODMPP: Coletivo das Organizações Democráticas de Massa e de Partidos Políticos
CRS: Companhia de Segurança Republicana
CUP: Centro Universitário Polivalente
FEANF: Federação dos Estudantes da África Negra na França
FIBES: Faculdade Al Aliman Ibn Baz de Educação e Ciências
FMI: Fundo Monetário Internacional
FONER: Fundo Nacional para a Educação e a Pesquisa
ISESCO: Organização Islâmica para a Educação, as Ciências e a Cultura
ODP-MT: Organização para a Democracia Popular - Movimento Trabalhista
OIC: Organização da Conferência Islâmica
ONGs: Organizações Não Governamentais
ONU: Organização das Nações Unidas
PAS: Programa de Ajustamento Estrutural
PRMDE: Faça que a Paz, o Respeito e que a Misericórdia de Deus seja sobre Ele
XVI
TPR: Tribunais Populares Revolucionários
UCB: União dos Comunistas Burkinabê
UGEAO: União Geral dos Estudantes da África Ocidental
UGEV: União Geral dos Estudantes Voltaicos
ULC: União das Lutas Comunistas
UNEF: União Nacional dos Estudantes do Faso
LISTA DE FIGURAS
Legendas das imagens da capa [da direita a esquerda e de cima para baixo]
Fontes: Internet. Links nas referências bibliográficas)
I. Memória do levante popular em 2014 obrigando o Presidente Blaise Compaoré a
abdicar do poder e exilar-se na Costa do Marfim;
II. Cena cotidiana do trânsito no centro de Ouagadougou (capital política do Burkina
Faso);
III. Mesquita construída pelo Almamy Samori Touré [figura da luta anti-colonial
francesa] em Bobo Diulasso (capital econômica do Burkina Faso);
IV. Lassina Sawadogo, funcionário (inspetor) de finanças enfrentando a polícia militar
durante o levante popular em 2014.
V. Imagem de fundo da capa e da contracapa: O revolucionário burkinabê Thomas
Sankara, líder póstumo da Geração Sankara, também chamado o ‘’Che (Guevara)
africano’’
VI. Desenhos em marca-d’água das páginas CCXLIII a CCLXI e página CCLXVI: Sophia
Nascimento dos Santos (Savadogo)
Imagem 1: a África 22
Imagem 2: O Burkina Faso 31
Imagem 3: O Mali 31
XVII
Imagem 4: Império do Mali (séc. XIII - XVII) e República do Mali (Contemporâneo) 34
Imagem 5: Capa da minha Monografia 33
Imagem 6: Capa da minha Dissertação 35
Imagem 7: O Burkina Faso na África do oeste 36
Imagem 8: A África do oeste 37
Imagem 9: Comunidades socioculturais e sua repartição geográfica 44
Imagem 10: Impérios de Macina (Mali) e Sokoto (Nigéria) 46
Imagem 11: As duas maiores cidades do Burkina Faso 47
Imagem 12: O Presidente Sangoulé Lamizana 48
Imagem 13: O jornalista Norbert Zongo 50
Imagem 14: Tráfico escravagista árabe na idade média 52
Imagem 15: Mapa das cidades e rotas do comércio transsaariano no final do século
XV assim que os produtos comercializados
54
Imagem 16: Os três maoires impérios da África do Oeste 56
Imagem 17: Mesquita/madraça de Sankoré em Timbuctu no século XI 57
Imagem 18: Mesquita/madraça de Djingareyber em Timbuctu no século XI 57
Imagem 19: Mesquita/madraça Sidi Yahya em Timbuctu no século XV 58
Imagem 20: Dinâmica do comércio negreiro, notadamente o atlântico 59
Imagem 21: Nelson Mandela 64
Imagem 22: O artista Oumou Sangaré 75
Imagem 23: O grupo Yeleen 79
Imagem 24: O artista Tiken Jah Fakoly 80
Imagem 25: Maurice Yaméogo 104
Imagem 26: O estudante mártir Dabo Boukary na televisão burkinabê 106
Imagem 27: O grupo Faso Kombat 113
Imagem 28: O coletivo A vassoura cidadã 117
XVIII
Sumário
DEDICATÓRIA I
AGRADECIMENTOS III
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 21
DISCUSSÕES PRELIMINARES: A ciência, a sua linguagem e as suas exigências 24
I. A ciência, a pesquisa e o pesquisador: qual relação? 24
II. Itinerário e motivações do pesquisador para o estudo 29
III. Contextualização do estudo 36
IV. Abrangência do campo de estudo 45
CAPÍTULO I: A ÁFRICA ATRÁVES DA HISTÓRIA 51
1.1. A África na história da globalização 51
1.1.1. O comércio transsaariano 51
1.1.2. O islã e a extroversão da África do Oeste 55
1.1.3. A África e suas relações transatlânticas 59
1.2. A África e suas relações com o mundo atual 61
1.2.1. A África diante de si 63
1.2.2. A África contemporânea 69
1.3. A arte da África do Oeste e a cidadania cultural 74
1.4. Cidadania Cultural e Desenvolvimento 85
CAPÍTULO II: HERANÇAS HISTÓRICAS E LUTAS SOCIAIS NO BURKINA FASO 89
2.1. Memória e revoluções 89
2.2. Das lutas sociopolíticas da juventude africana 92
2.2.1. O sistema escolar colonial e a formação de uma nova geração de africanos 92
2.2.2. A juventude estudantil e as lutas pela independência 94
2.2.3. Das expectativas e das responsabilidades da juventude nas sociedades africanas 98
2.3. Do militantismo estudantil no Burkina Faso 102
2.4. Do militantismo dos jovens de rua 208
2.5. Do militantismo do movimento hip-hop 111
XIX
CAPÍTULO III: ISLÃ E SOCIEDADE EM ÁFRICA DO OESTE 118
3.1. As dinâmicas do conhecimento 118
3.2. Migração e intelectualidade dos muçulmanos árabofonos no contexto burkinabê 123
3.3. Os muçulmanos e o Estado burkinabê 129
3.4. Da comunidade muçulmana do Burkina Faso: clivagens e conflitos 131
CAPÍTULO IV: DA JUVENTUDE MUÇULMANA BURKINABÊ E SUA ESTRATÉGIA DE LUTA 134
4.1. Da cidadania cultural e do espaço público 134
4.2. Islã e mudança social: singularidade do reformismo da juventude muçulmana 141
4.3. Do islã 143
4.4. Das lutas sociais pelo islã 152
CONSIDERAÇÕES FINAIS 157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 160
ANNEXO XIX
O último sermão do profeta Muhammad (em francês) XIXI
Discurso de orientação política de Thomas Sankara no dia 02 de outubro de 1983 - francês XIX
Discurso de Thomas Sankara na ONU no dia 04 de Outubro 1984 - francês XIX
Canções (letras) na tese CCXLIII
Oratória – defesa da tese CCLVII
Carta-convite de defesa da tese 1 CCLXII
Carta-convite de defesa da tese 2 CCLXVI
P á g i n a | 21
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presente tese tem como objeto de estudo a intelectualidade da juventude muçulmana
do Burkina Faso (África do Oeste). Ela procura investigar como se expressa “a fé” (noção que
será trabalhada ulteriormente) de um dado segmento da juventude que abraça a ética e os valores
da responsabilidade social oriundos do islã, em cuja Filosofia se tem o humano como um dado
central. Destacamos que tal modo de exercer a cidadania distancia-se dos modos que as
precedentes gerações a exerceram. Nosso olhar recai sobre a sua capacidade em articular a
tradição à modernidade, pela aceitação do desafio de pensar a emergência de sociedade(s)
justa(s) e plurais em que, a partir dos direitos humanos, se assume a necessidade de coexistência
da “universalidade” do humano, ao mesmo tempo em que observa/respeita a questão da
diferenciação entre os humanos/as sociedades.
É nesse sentido que a juventude muçulmana burkinabê vem se destacando nas suas
reivindicações sociais. Conquistando, cada vez mais, um maior espaço político pelas denúncias
e interpelações junto à sociedade e pela sua exigência de respostas sobre as diferentes questões
sociais e políticas.
A pauperização, cada vez maior, das populações africanas tem levado essa juventude a
pensar o continente como um todo na contemporaneidade, de modo a não restringir a sua
cidadania cultural aos limites do Burkina Faso. Nesse sentido, esta tese explora igualmente as
dinâmicas sociopolíticas da África pós-colonial.
[Espaço – imagem 1]
P á g i n a | 22
Imagem 1: a África
*****
Na presente pesquisa, destacamos principalmente duas partes. Na primeira, Discussões
Preliminares: A ciência, a sua linguagem e as suas exigências, trata-se de questões teóricas e
metodológicas permeando a tese. Nela, discutimos igualmente as articulações entre nosso
percurso e posicionamento sociopolítico e nossa atuação (profissional).
A segunda parte da pesquisa abrange os quatro (04) diferentes capítulos. No primeiro capítulo,
nos debruçamos sobre o continente assim como os momentos sociohistóricos que o marcaram,
definindo e configurando suas realidades socioculturais. No capítulo seguinte, numa primeira
perspectiva de apreender a temática ligada aos autores sociais foco de nosso estudo, exploramos
o Burkina Faso através de sua história.
P á g i n a | 23
O terceiro capítulo da tese se refere à relação entre o islã e as sociedades africanas. Nele são
abordadas as dimensões sociais da religião assim como as dinâmicas e lógicas das comunidades
muçulmanas, de acordo com a centralidade do conhecimento no islã. No quarto capítulo, se
centraliza a discussão e as análises acerca do que delineamos especificamente como proposta
do presente estudo.
P á g i n a | 24
Discussões Preliminares: A ciência, a sua linguagem e as suas exigências
Tratamos, nesta parte inicial da tese, das exigências metodológicas do trabalho
científico. Aqui, além de desenvolver os requisitos de avaliação da cientificidade de nosso
trabalho, analisamos o complexo diálogo entre ‘’objetividade’’ e ‘’subjetividade’’. Diálogo no
qual o pesquisador (sua identidade, seu percurso acadêmico e suas motivações) está
inteiramente envolvido, participando e contribuindo à Ciência, ao mesmo tempo em que
exercita o aprendizado desta.
I. A ciência, a pesquisa e o pesquisador: qual relação?
Ao longo do projeto de tese, há que se destacar a minha satisfação de ter como
“cúmplice” as conversas que tivemos, desde criança, sob a forma de contos-socialização, de
brincadeiras e de conversas entre amigos no Burkina Faso. O que não era explicitamente
cobrado não deixava, sutilmente, de ser importante. Procurava-se identificar a capacidade de
cada um em se expressar a partir de uma retórica sustentada pelos personagens de contos, os
provérbios e o que é chamado no continente de conhecimento-sabedoria africana. Mais abaixo,
veremos com Morin (1990) que deve existir uma aliança entre esse tipo de conhecimento e o
conhecimento científico.
Mas, antes vejamos uma rememoração de um conto, logo que iniciamos essa parte da
tese. E como não faz sentido proibir-se entrar na roda da dança quando todo seu corpo está te
implorando para no final do evento dar livre curso ao frenesi, compartilhá-lo-ei com os leitores
já que estão insistindo.
Diz-se que o elefante caiu e quebrou a pata. Depois, foi o mosquito que caiu e quebrou
igualmente a pata. Moral da história: foi o peso de cada um que participou dessa “infelicidade”;
isso nos leva a concordar sobre o peso (a capacidade) de cada um em qualquer empreendimento.
É isso que queremos pensar justamente sobre a ciência: se ela (elefante) é “maior do que o
cientista”, o que ela seria “sem o cientista” (o mosquito)? Não seria a importância de um que
alimenta o outro e reciprocamente!?
Morin (1990) destaca, com pertinência, a complexidade tanto do ser humano quanto a
do mundo em que habita. Defensor da interdependência dos fenômenos, ele defende a
transdisciplinaridade, argumentando que a realidade não pode e não deve ser simplificada em
nome do conhecimento. Ou seja, reduzir o todo às partes, ou as partes ao todo. Da mesma forma,
P á g i n a | 25
não se pode conformar o um no múltiplo, nem o múltiplo ao um. Ele argumenta que a noção de
simplicidade - que se opõe à da complexidade - é perigosa, pois “as modas simplificadoras do
conhecimento mutilam mais do que expressam as realidades ou fenômenos que relatam”
(MORIN, 1990, p.9).
Para ele, a complexidade seria o contrário do pensamento que simplifica, que isola os
diferentes elementos de um sistema sem levar em conta as interações que o compõe e que
desqualifica os demais conhecimentos ou saberes que o mundo produz. Seria preciso fazer a
distinção entre os elementos e entender o todo que os unem, levando em conta as interações na
composição do conjunto. Assim, Morin (1990, p.19) vai definir a complexidade como a unidade
do simples e do complexo, evitando a inteligência cega: “A inteligência cega destrói os
conjuntos e as totalidades, ela isola todos os objetos do ambiente deles. Ela não concebe o
vínculo inseparável entre o observador e a coisa observada”.
Ora, a cultura é uma manifestação incoercível da criatividade do espírito humano. Para
Buznic Bourgeacq (2009), é por intermédio do saber que uma parte da humanidade se edifica,
e a outra parte possibilita a entrada, nessa humanidade, nesse mundo cultural, de diferentes
indivíduos, permitindo assim a vida em sociedade. Para Fleck (1979) e Buznic-Bourgeacq
(2009), o conhecimento da verdade é a atividade humana mais condicionada socialmente,
fazendo do saber e da sua importância, devido a seus diferentes e múltiplos desdobramentos, a
criação social soberana. Chamam assim a atenção tanto para a importância das instituições
sociais, como para o seu conteúdo. De fato, a cultura é depositária do saber e suas instituições
são aquelas que o garantem. No entanto, é necessário dizer que só o Homem permanece no
centro dessa produção.
A experiência cotidiana em suas diferentes dimensões (jogos, áudio, leitura, escrita,
observação, reflexão, trabalho, entre outras) é produzida pelo saber. Para Buznic-Bourgeacq
(2009, p.20), “o saber não se apresenta no real, é apenas uma construção humana, uma extração,
com finalidade organizadora, do sincretismo que apresenta. Do real ao saber, há o homem,
perfectível e ávido de ordem”. Ainda que o presente estudo ocorra no contexto da produção
acadêmica, ele guarda, como todo exercício de construção do saber, sua dimensão subjetiva.
Sob o risco de uma crítica de estarmos sendo dissonantes nas orientações teóricas,
resgatamos algo da sociologia clássica que nos parece sempre útil de ser relembrado: a
sociologia compreensiva de Weber acentua a necessidade de aprofundar o debate entre a
condição social e cultural do pesquisador e o método, a produção de conhecimento e a
organização social (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003).
P á g i n a | 26
Weber, compreende a história como constituída pela diversidade das formações sociais, o que
leva a investigar cada formação e cada fase do processo histórico de cada sociedade segundo a
sua especificidade. Para o autor, a sociologia deve buscar a conexão de sentido, a compreensão
social através da ação social que passa pela alteridade, pelo significado e pela interação (ibid.).
Ele divide a ação social em: a) racional com relação a fins (racionalmente buscada); b)
a valores (ético, religiosa, política, estética); c) ao afeto (orgulho, paixão, vingança, inveja,
medo) e; por fim, d) a ação racional social tradicional (costumes e hábitos arraigados). Para ele,
existe sempre uma parcialidade na análise sociológica porque é impossível descartar-se das
noções prévias.
Se há parcialidade e subjetividade na análise da sociedade, vale então procurar saber o
que garante o rigor na produção de conhecimento. Para Nascimento e Aires (2013) estudiosos
de Weber, o conhecimento científico da realidade social é um ordenamento conceitual da
sociedade para determinados fins práticos ou intelectuais válidos universalmente. Para ele, uma
análise válida sociologicamente, o que ele chamaria “objetiva”, deve ser neutra
axiologicamente, parcial ao abandonar a ideia de totalidade, sensível ao substrato subjetivo dos
fenômenos sociais e, por fim, trabalhar com base em tipos ideais. Estes correspondem a
elemento para a análise da sociedade como religião, capitalismo, história social, economia e
burocracia.
Segundo Weber, os tipos ideais são fundamentais, são construídos pela abstração e
combinação de diferentes elementos que, ainda que presentes na realidade, não se manifestam
ou o fazem raramente naquela forma específica. O tipo ideal é tipo puro em seu sentido lógico
e serve para facilitar a análise de questões empíricas. A ação social - aquela que o indivíduo
atribui sentido relacionado com os outros – é conceito vinculado, portanto, ao conceito de
relação social.
Weber chama a atenção para o fato de que os conceitos derivam da realidade, mas só
são construídos para a análise, possuindo assim sentido somente naquele contexto de análise.
A abstração pelos conceitos nos leva aos tipos ideais que Monteiro e Cardoso (2002),
Nascimento e Aires, (2013) descrevem como sendo uma construção de tipo ideal pois cumpre
duas funções básicas. Primeiro porque fornece um caso limitativo com o qual os fenômenos
concretos podem ser contrastados e é um conceito inequívoco que facilita a classificação e a
comparação. E segundo, porque serve de esquema para generalizações, os quais por sua vez,
servem ao objetivo final da análise do tipo ideal que é a explicação causal dos acontecimentos
históricos.
P á g i n a | 27
Segundo Nascimento e Aires (2013), cabe ressaltar o fato de que os tipos ideais são
construídos através de abstração e combinação de um grande número de elementos que, embora
retirados da realidade, nos aparecerão na realidade dificilmente, talvez nunca, da mesma
maneira de que eles estão construídos. Servindo só para facilitar a explicação e a descrição da
realidade social, a construção tipo ideal representa um meio heurístico para investigar a
sociedade, analisar o(s) fenômeno(s) estudado(s) garantindo a cientificidade da produção de
conhecimento. A neutralidade axiológica consiste, assim, em se apoiar sobre fatos, dados reais
e não em valores que são qualidades em nome das quais se avalia a realidade (COHN, 2011;
NASCIMENTO; AIRES, 2013). Quer dizer separar o que é entendimento do “ser” do que é
entendimento do “dever ser”.
A segunda etapa para a validade da análise sociológica é baseada na ideia de que a
realidade, sendo infinita, implica em uma seleção para seu estudo. Assim, o conhecimento e a
ciência nascem do próprio interesse do cientista e, quando esse último define um determinado
objeto de estudo, está implicitamente reafirmando sua prioridade e importância em relação a
outros objetos. Por isso, Weber afirma que é preciso preocupar-se com os estudos das
individualidades, das singularidades (e não a totalidade) da realidade social que em si é
essencialmente individual e singular. A resposta à pergunta como selecionar uma causa como
foco a ser estudado entre a infinidade de causas possíveis de um fenômeno social nos leva à
terceira condição no processo da validade da análise sociológica, segundo Weber: a
subjetividade.
Para o autor, todo fenômeno social possui causas econômicas, históricas, culturais e
psicológicas. Considerando essa complexidade da realidade, não pode se afirmar objetivamente
qual é a causa maior ou mais importante. É aí que a subjetividade, ou seja, os valores do
pesquisador, tanto como sua visão de mundo serão o guia tanto da seleção das causalidades
quanto da maneira de lidar com o fenômeno ao longo do processo de produção de
conhecimento.
***
Uma vez analisada a complexa relação entre objetividade e subjetividade, torna-se
conveniente agora nos apresentarmos.
P á g i n a | 28
Definir-se passa pelo questionamento de nossa condição humana, situando-a no
universo e também interrogando a nossa posição em relação à natureza e aos demais seres
humanos. É nesse sentido que os Bambara1 (SAVADOGO, 2009) dizem "so don, jiri don, yεrε
don de ɲɔgɔn tε"; o que significa: não importa saber andar a cavalo nem subir nas árvores. O
mais importante é conhecer a si mesmo.
Sou filho de um moaga2 (IZARD, 1987) e mais especificamente de um “nionioga”3
(LAURENT, 2003; LE GALLOU, 1986) e de uma “dògòsé”4 (PEOPLE AND LANGUAGE
DETAIL REPORT, 1997; BETHANY WORLD PRAYER CENTER, 1999) cujo percurso
escolar do primeiro [meu pai] (ensino primário, médio e de formação profissional) tanto quanto
da minha mãe (ensino primário, médio e superior) se deram também através da migração.
Como filho de pais muçulmanos, que percorreram um caminho pelo ensino escolar
Ocidental, principalmente de orientação francesa, terminei por seguir percurso semelhante
ainda que, paralelamente ao estudo laico Ocidental; fui igualmente estudante de escolas de
formação islâmica durante os períodos de férias acadêmicas num primeiro momento. Depois,
sempre que o currículo escolar oficial o permitia, participávamos de diferentes encontros de
formação da “Association des Élèves et Étudiants Musulmans du Burkina Faso (AEEMB)’’,
ou seja, Associação dos Alunos e Estudantes Muçulmanos do Burkina Faso.
1 Comunidade sociolinguística do Mali (África do Oeste) cuja a língua tem igualmente o mesmo nome.
2 A maior (numericamente) comunidade sociolinguística do Burkina Faso (África do Oeste) que, ao longo do
período colonial, perdeu importantes grupos comunitários, que foram se instalar no Mali e na Costa do Marfim.
3 Sociedade minoritária, em Burkina Faso, assimilada aos “Mossé” (frequentemente traduzida por ‘’Mossi’’ em
português e outras línguas europeias). Autóctonos da região central do país, eles foram incorporados pelos
“Mossé”, perdendo assim a cultura deles em si. Tradicionalmente, a sua identidade cultural se reduziu a um papel
religioso. Nas aldeias mossé da região, eles são os “mestres da terra”, papel de grande importância nos cultos dos
antepassados (a religião tradicional).
4 Sociedade minoritária do centro-sul do Burkina Faso cuja uma parte vive na Costa do Marfim.
P á g i n a | 29
II. Itinerário e motivações do pesquisador para o estudo
Para o africano que sou, a ambição de uma tese sobre a África constitui-se em um
impressionante estimulante intelectual e físico. Das emoções decorrendo disso, elas são tão
mitigadas, pois sabem permanecer ambíguas. Quanto à postura e ao posicionamento em relação
às exigências intelectuais, éticas e emancipatórias no que diz respeito ao humano e aos
combates que isso implica, eles permanecem claros e definitivamente decididos.
Ao longo do projeto, foi-nos dado a oportunidade de dialogar com um grande número
bem variado de produções intelectuais extremamente rigorosas e pertinentes a respeito do
continente africano. É preciso, aqui, enaltecer os diferentes autores, africanos ou não. E se por
conta de algumas exigências acadêmicas a se respeitar, algumas das produções visitadas não
aparecem na presente tese; entretanto, com certeza, para além delas terem me alimentado, a
História as retêm.
Desse diálogo me apareceu uma questão que não deixa de me atormentar: apesar de tais
produções, o que explicaria que ainda estejamos diante de uma ‘’África desconhecida e
desprezada’’? Por que mesmo nos meios e espaços de circulação de saberes, esse continente,
suas populações e culturas permanecem desprezadas?
Embora essas questões sejam de grande importância para mim, a presente tese não
pretende respondê-las nem constituir um fio diretriz nesse sentido. O estudo está mais
direcionado para uma pesquisa que participa da defesa dos direitos humanos e dos direitos
políticos, os quais não se reduzem a uma dimensão exclusivamente contemporânea; há
conexões históricas de passados remoto e recente que religam os fatos e situações atuais.
Muçulmano e africano, são essas identidades que me sugeriram esse percurso
acadêmico, diante do qual estive e estou plenamente disposto, nos limites da minha
humanidade, a assumir seus devidos deveres e responsabilidades.
De fato, este estudo não se inicia no momento em que me matriculo no doutorado. Trata-
se de saberes que venho acumulando ao longo de minha trajetória social e política, desde o
Burkina Faso, o que me levou a sair para os estudos superiores (graduação) no Mali e, em
seguida, no Brasil para a pós-graduação.
Ao contrário da ideia de desistir, esse percurso me incentivou a perseguir e aprimorar
esse conhecimento, sempre nos traços da história que conforma as sociedades africanas e
burkinabê, mais particularmente. Assim, por ter dado ouvidos, durante trinte nove anos, à vida
P á g i n a | 30
e aos homens, é com responsabilidade que, munido de bem poucas de suas respostas e que,
como Samory Touré, digo: Borry bana5 (L’INDÉPENDANT, nº 000 du 3 Juin 1993).
Esse último grande resistente à colonização viu-se progressivamente obrigado a afrontar
o exército colonial francês. Assim, depois muitos meses de guerrilha, ao longo dos quais ele
lhe infligiu numerosas derrotas, Samory Touré (BEMBEYA JAZZ NATIONAL, 1970), de pé
no flanco da colina, em frente ao lago das barrancas no vale, contempla o trabalho de seus sofas
(soldados). Nesse momento, vem o general de seu exército, Mógófindjan Diabaté, lhe anunciar:
Fama (Imperador), os homens edificaram a última barraca do campo. Logo, o olhar do
Imperador se tornou grave. No seu rosto, era possível ler as ranhuras feitas pelas duras batalhas,
as noites sem sono e as longas marchas. Ele levanta seu general pelo ombro, o olha fixamente
e diz: Borry bana.
Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, dizia Lavoisier. É nesse sentido que a
história se repete, pois, ela é fonte de inspiração. Mais, ela é um legado que pertence aos seus
legítimos herdeiros. Quanto a esses últimos, cabe-lhes, por sua vez, o dever de levar bem longe,
a tocha. Sim, doravante mais de que nunca, tratara-se para mim, de assumir a minha
intelectualidade, suas exigências e implicações diante do direito do humano à dignidade ao
nome da sua nobreza. Neste estudo, nosso enfoque inscreve-se na perspectiva dos Estudos
Africanos com uma nota epistemológica contemplando o olhar sobre a África a partir do
continente em si.
Burkinabê6, meu pertencimento a esta realidade me forneceu os dados empíricos
indispensáveis a tal perspectiva. De fato, morei no Burkina Faso e no Mali, ao longo de meus
trinta e treze primeiros anos de vida.
5 ‘’a fuga acabou’’ nas línguas Mandiga, Bambara e Diula
6 "Burkina" é um adjetivo vindo de "burkindi" que em mooré (língua dos Mossé) traduz-se por conceito da
integridade. "Faso" significa em diula (língua falada no Oeste do país) a pátria. Assim, "burkinabê" é composto
de "burkina" e do sufixo "bê" que em fulfuldé (língua dos Fula) expressa a noção do pertencimento. Por conta
dessa realidade sociolinguística, usaremos ao longo do texto a palavra "burkinabê" para nomear o(s) habitante(s)
de Burkina Faso.
P á g i n a | 31
Formei-me em Antropologia Social e Cultural, durante minha estadia de sete anos
(2003-2010) no Mali, a minha segunda cidadania. Durante esse período, através das exigências
acadêmicas, aprimorei meus conhecimentos sobre as temáticas da África, suas sociedades,
culturas e religiões (notadamente o islã) que sempre se constituíram, para mim, em um grande
interesse ontológico e existencial particular.
No Mali, nesse ambiente, diferente daquele do Burkina Faso em que cresci e vivera, até
então, me foi dada a oportunidade de explorar, sob outras perspectivas e realidades, esse grande
conjunto sociocultural e linguístico da África do Oeste. De fato, o Mali enquanto Estado
contemporâneo pertence ao Mandé, área sociocultural e linguística cujo o Império do mesmo
nome, o Mali, é um dos maiores e mais antigo.
P á g i n a | 32
Imagem 4: Império do Mali (séc. XIII - XVII) e República do Mali (Contemporâneo)
O meu trabalho de conclusão do Curso de graduação (TCC) defendido na Universidade
de Bamako, em 2009, versou sobre: A mudança social e os valores na sociedade bambara de
Ségou (no Mali). Ao longo da minha estada e, particularmente, durante esse trabalho
acadêmico, de imersão nos diferentes universos em presença, em especial o universo dos
bambara, eu pude muito aprender sobre a realidade africana.
P á g i n a | 33
Imagem 5: Capa da minha Monografia
Com efeito, a socialização e a apropriação desses universos (as diferentes comunidades
socioculturais e linguísticas], em Bamako na capital, feitas através da minha pesquisa de campo,
em Ségou (uma grande cidade que foi a capital de um dos reinos Bambara), de modo a atender
as necessidades da minha monografia de conclusão de curso (TCC) foram, para mim, uma rica
e estimulante experiência.
De volta ao Burkina Faso, pude atuar como pesquisador, durante dois anos na “área do
desenvolvimento’’. Assim, enquanto Assistente de Pesquisa associado a diferentes estudos, tive
a possibilidade de uma melhor apropriação das diferentes ferramentas da pesquisa científica,
adquiridas ao longo de meus precedentes anos de formação.
P á g i n a | 34
A riqueza desse período traduziu-se por numerosas viagens realizadas através do país
[o Burkina Faso], tanto em meios rurais quanto em meios urbanos. Essas viagens foram um
laboratório de apreensão de uma África na contemporaneidade na qual se presencia um estreito
diálogo entre tradição e modernidade.
A África como objeto de estudo foi um continuum durante meu mestrado em Terapia
Ocupacional Social, realizado de 2012 a 2014, na Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), em São Paulo. Através da minha dissertação, nesse campo de estudo, eu pude
explorar e aprofundar a historiografia africana, bem como novas problemáticas
epistemológicas.
Igualmente, foi-me possível abordar outras temáticas sobre as sociedades e demais
realidades africanas. Desse modo, trabalhei sobre: o desafio dos jovens muçulmanos voltando
de seus estudos realizados nos países de língua árabe. Minha atenção focalizou-se sobre sua
vulnerabilidade social, bem como em suas estratégias de reconstrução de sua cidadania cultural.
[espaço – imagem 6]
P á g i n a | 35
Imagem 6:
Capa da minha Dissertação
Não poderei passar sob o silêncio da rica abordagem da sociedade, do humano, de suas
atividades e saber-fazer que essa formação me propiciou. A noção de mediação central nela [a
Terapia Ocupacional] é inédita e revela numerosas potencialidades para as Ciências Sociais e
Humanas. Meu percurso e meus engajamentos intelectuais me sugeriram o tema da presente
tese de doutorado. Através das páginas a seguir, não derrogarei à tradição científica e bem
pertinente de contextualizar este estudo a fim de situar a realidade à qual me refiro.
P á g i n a | 36
III. Contextualização do estudo
O exercício consistindo em definir primeiro o objeto que nos propomos a estudar tem
uma significativa importância no sentido em que ele permite, de um lado, ao pesquisador de
esclarecer e assumir conscientemente seu pensamento diante desse objeto. Do outro lado, esse
exercício pode vir a assegurar, aos leitores, indicações relativamente à lucidez do pesquisador
e, além disso, oferecer uma posição confortável, aos leitores, para participar à conversação.
Embora o estudo esteja focado mais especificamente em Burkina Faso, ele se articula
inextricavelmente às diferentes problemáticas ligadas primeiramente à África como um todo e,
em segundo, à África do Oeste. Diferentes aspectos dessas [problemáticas] serão discutidos ao
longo da tese, com maior ou menor enfoque segundo a necessidade argumentativa em cada
parte em desenvolvimento.
Imagem 7: o Burkina Faso na África do Oeste
P á g i n a | 37
Imagem 8: A África do Oeste
A África foi definida pela Biblioteca colonial (MUDIMBE, 2013). Essa biblioteca era
constituída, em um primeiro momento, de todo o discurso Ocidental que caracterizava as
comunidades africanas, desde a época das explorações ao momento posterior, especificamente
da colonização. De um lado, há a construção da imagem de uma África sem noção de tempo, e
vazia de cultura, notadamente de arte. Essa África é perigosa e a qualquer momento se pode
morrer de uma morte violenta. Essa justificativa serviu para a legitimação da invasão e da posse
do espaço físico africano e, em seguida, para a reforma das mentalidades africanas para as
« civilizarem » (processo de aquisição, distribuição e exploração/domínio do continente).
De acordo com Ekanza (2006), vinte anos depois do início da colonização em 1880, a
colonização europeia se apropriou do continente inteiro, com exceção da Libéria e da Etiópia.
Assim, foram desarticuladas e subjugadas as diferentes entidades geopolíticas (tanto as
lideranças tradicionais quanto os reinados e Impérios) que dominavam territórios unificados,
reorganizando-os segundo a lógica colonial.
O segundo passo dessa Biblioteca vislumbrou a integração da economia africana à
perspectiva Ocidental, mas a subjugando. No caso da África do Oeste, o grande dinamismo do
próspero comércio transsahariano que alimentava os grandes centros inter-regionais sofreu uma
grande queda antes de desaparecer. Doravante, a direção das trocas tinha que ser Norte-Sul
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através do Oceano Atlântico (MUDIMBE, 2013). Segundo esse autor, os diferentes modos de
exploração variavam de acordo com os meios e política de cada Estado colonial, nas regiões
conquistadas. Descreve quatro fases. A primeira foi a Econômica de predação, que começou no
final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. Tratava-se da exploração de borracha,
madeira e marfim, nas zonas do Congo-Brazzaville, Gabão, no atual Gana e na Costa do
Marfim.
A segunda fase foi a da Economia de Negócio praticado na Costa do Marfim, no Senegal
e em Uganda. A lógica era a exportação dos produtos brutos a partir dos diferentes portos e, em
contrapartida, o escoamento dos produtos manufaturados dos países colonizadores. Eram os
europeus que escolhiam e impunham as diferentes culturas a se produzir no território africano.
Exigiam maior produção onde se cultivavam já esses produtos, impunham aqueles que queriam
quando não se cultivava. O sistema coercitivo de pagamento de impostos por pessoa acabava
obrigando os produtores a entrarem no circuito dessa economia monetária, dependente para os
africanos.
A Economia de plantação desenvolveu-se na altura do Quênia, do Tanganyika, da Atual
República Democrática do Congo, dos Camarões, da Rodésia e da África do Sul. Após ter
expropriado as populações desses países, elas foram subjugadas como mão de obra nas
plantações dos colonos. A última fase da exploração foi a Economia Mineira que foi praticada
essencialmente nas regiões central e austral do continente e em menor escala na parte Ocidental.
Motor do desenvolvimento onde era praticado, essa economia era sustentada pelo grande
número de mão de obra africana.
A outra imagem construída remete a uma África dourada onde tudo cintila. Os trabalhos
de Kpao Sarè (2007); Prudhomme (2014); Blanchard, Bancel, Boetsch et al (2011); Diop,
Graille, Zatorska (2012); Albertan-Coppola (2012) são nesse sentido eloquentes. Referindo-se
às diferentes produções humanísticas (literatura, história, filosofia, antropologia e arte),
iniciadas pelos navegadores-comerciantes, desde o século XV, exploram-se as representações
sobre a África subsaariana durante o século XVIII, o século das Luzes.
Nelas, destacam-se o desconhecimento assumido, pelos intelectuais da época, das
“terras profundas’’ do continente africano. Desconhecimento justificado pelo fato de que as
viagens para o continente tinham o perfil das profissões do comércio, da marinha, dos militares
e dos missionários. As suas produções abraçavam fortemente os diferentes preconceitos de suas
áreas respectivas de atuação, além das ficções que cada qual produzia. Até então, a presença
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dos europeus se concentrava essencialmente nas costas africanas. Nada justificava ainda um
investimento para se conhecer, de fato, as terras do interior do continente.
O segundo momento da construção dessa Biblioteca colonial é a reapropriação da lógica
colonial pelos africanos, não por alienação, mas por ‘’obrigação’’ e/ou visão estratégica. Em
mooré, se diz: se por falta de recursos não tem como parar o seu ladrão, ajude-lhe a transportar
o que não te pertence. Bem que criticável, isso foi uma posição que muitas comunidades
adotaram diante das novas lógicas às quais foram submetidas.
Os conceitos de etnia e de tribo participam do projeto de classificação das sociedades
ameríndias, africanas e asiáticas que seriam diferentes daquelas europeias pois ‘’não
civilizadas’’. Anibal Quijano (2005) discute a noção de raça enquanto uma categoria mental da
modernidade, mostrando toda a construção que europeus vão fazer para produzir a ideia de raça
inferior. Ele fala da América latina, mas em tudo é semelhante ao que passa no continente
africano. Na América, a raça inferior que tinha que se legitimar enquanto tal eram os negros
escravos, mais o povo autóctone - o indígena nativo. Assim, diferentes e inferiores, essas
sociedades (a África no que diz respeito a nosso presente estudo) não participavam da
comunidade humana (AMSELLE e M'BOKOLO, 1985; MBEMBE, 2013).
Do debate sobre as origens da etnia e da etnicidade, na África, aparece claramente que
a consagração dessas noções se refere ao período colonial durante o qual militares,
administradores civis, missionários e antropólogos se reuniram num objetivo comum: o de
conhecer melhor as sociedades conquistadas a fim de melhor governá-los. O saber
antropológico que se edificou, desde então, acompanhou o processo de dominação e de
legitimação da suposta superioridade europeia sobre a África (OTAYEK, 2001). Assim, para
nós, as noções de etnia e de etnicidade são ‘’ferramentas’’ de classificação das sociedades
africanas, utilizadas pelo colonizador, segundo as tipologias de suas próprias representações e
intenções.
Nossa postura epistemológica justifica-se pela nossa adesão às pertinentes análises de
Gruénais (1986); Tuquoi, Otayek e Coulon (2008); Chrétien e Prunier (2003). De fato, não há
como negar as diferentes dinâmicas identitárias aos quais as diversas comunidades africanas
participaram ao longo do período pré-colonial. Nesse sentido, se é verdade que os colonizadores
Anglo-saxões, Francês, Belgas e Portugueses, muitas vezes manipularam, (re)formularam,
classificaram e hierarquizaram a etnicidade, nisso, eles foram apoiados pela Igreja cristã, que
no âmbito da espacialização da ação missionária contribuiu ao delineamento étnica, bem como
à fixação de alguns costumes.
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Embora o período colonial seja uma marca importante na questão étnica, como
anunciado acima, os africanos se o apropriaram. Sem reduzir as realidades socioeconômicas e
políticas africanas à etnicidade, convém mencioná-las. Se, em função dos contextos geográficos
e históricos ou mesmo simplesmente devido às circunstâncias, ela não se expressa, a questão
étnica em suas múltiplas acepções permanece um fato incontornável. E, isso, no detrimento da
questão do “humano’’, um tema que tratado, ao longo deste trabalho.
Diante do Estado moderno e suas lógicas hegemônicas de imposição da identidade
nacional – pela violência física, econômica e/ou simbólica – o projeto étnico que beneficia mais
a uns que aos demais, mas reivindicando ser universalista e portador exclusivo da ideia de
progresso, as sociedades africanas opõem uma forte resistência identitária. Mas nisso, elas se
apropriam do argumento étnico no sentido em que melhor se enquadre aos seus interesses. Os
desafios societais inéditos, assim como as oportunidades sem precedentes de poder e
enriquecimento, exacerbam a competição entre as diferentes comunidades. Umas para acessá-
los e outras para se premunir da ‘’tirania’’ da mudança social.
Sob o prisma dos contextos econômicos e sociais da politização da etnicidade,
LONSDALE (1996) discute uma ‘’etnicidade moral’’ com certeza controvertida, mas
apreendida enquanto virtude cívica pela qual os diferentes grupos étnicos medem a estima que
têm de si e que se traduz em suas lutas para o acesso aos recursos públicos.
Para Goetschel e Péclard (2006), os procedimentos de acesso, assim como os modos de
gestão desses recursos são estreitamente ligados ao poder e ao modo de funcionamento do
Estado. Nesse sentido, eles não deixam de sublinhar o fato de que os recursos em questão e os
modos de vida que decorrem disso constituem a base vital política e econômica dos Estados, o
que implica tomar em conta as dinâmicas históricas e políticas de formação das classes
dirigentes no período colonial.
Mitificando seu próprio lugar histórico enquanto produtor de subjetividade, o
capitalismo apoiado pela ideia de modernidade produziu a racionalidade eurocêntrica que
colonizou e tem explorado as diferentes sociedades, a partir de meados do século XVII
(QUIJANO, 2005). É nesse sentido que o autor denuncia a colonialidade no fato de se impor
mundialmente por um tipo de poder bem mais enraizado e mais durável que o colonialismo em
si.
P á g i n a | 41
***
Ainda, para contextualizar o presente estudo, precisaremos abordar mais
especificamente o tema relativo à juventude. É judicioso, desde já, mencionar a estreita relação
existente entre a juventude burkinabê e a africana. As duas realidades articulando-se. Tal
articulação será perceptível ao longo da tese.
É preciso dizer que o continente africano se destaca com cerca de 40% de sua população
que é majoritariamente jovem, tendo entre quinze e vinte e quatro anos, e mais de dois terços
tendo menos de trinta anos (CODESRIA, 2012). Cabe dizer aqui que no Burkina Faso, a
característica da população é sensivelmente similar à do continente. Ela sofre dos efeitos do
contexto colonial passado. A juventude permeada por múltiplas e diferentes lógicas
sociolinguísticas encontra-se espezinhada por políticas econômicas e sociais europeias e
eurocêntricas espoliadoras.
Dá-se para cantar a vida quando filhos de pais oprimidos que, até aos quarenta anos, não
conseguem um trabalho digno, enquanto 90% das riquezas do país vão alimentar as populações
do Norte e suas instituições que os chamam de miseráveis? Qual vida pensar quando realizar-
se significa entregar alma e corpo à decadência vil disfarçada atrás de acordos, instituições e
seus diversos funcionários necrológicos? Como celebrar a vida quando mentes, corações e
corpos martirizados compartilham o cotidiano com a morte e suas perversidades? Quantos
vazios que a herança do presente, decorrendo há séculos, não preencheu ainda? Numa
permanente e constante renovação, quantas vidas o presente condena? Tais são algumas das
questões que se colocam para a juventude africana.
Defronte a uma sanguinária adversidade, a juventude africana tem que cavar seu lugar
numa África, teatro de competição econômica, cultural e ideológica de cobiças da Europa, dos
países ‘’Árabe-muçulmanos’’ e, hoje em dia, da China. Tais afirmações não explicam por si
sós a exaustividade e a profundidade da complexidade da realidade da juventude no contexto
africano. No entanto, vale salientar que a sua articulação com o peso demográfico e suas
implicações sócio-políticas, é de grande importância para o continente.
Os estudos tratando das diferentes políticas de desenvolvimento adotadas ao longo da
história, bem como as reações dessa parte da população permitem entender a complexidade da
sua condição e a sua capacidade criativa em enfrentar a (re)produção social (CODESRIA,
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2012). Disso, decorrem as perguntas que interessam, mais especificamente, nesta tese: como a
partir da fé e da ética islâmica, a juventude muçulmana apreende a realidade sociopolítica
burkinabê na sua articulação com a globalização? No conjunto da juventude do país e de seus
pares, a juventude do continente, qual é o seu lugar social e político nas dinâmicas sociais
contemporâneas?
Pela sua forte presença no espaço público, buscaremos igualmente apreender o conceito
de juventude, bem como a sua pertinência nos tempos atuais. Estes são os objetivos subjacentes
para o nosso estudo uma vez que um maior foco recai nos jovens africanos muçulmanos, de
modo a explorar a intelectualidade presente, em seu processo de construção da cidadania
cultural; processo, enquanto estratégia de reivindicação social e de luta para o reconhecimento
sócio-político e profissional dos jovens, na contemporaneidade. É nisso, portanto, que se situa
o nosso objetivo principal.
Para lidarmos com esses desafios contemporâneos, geopoliticamente bem situados,
inscrevemo-nos, do ponto de vista teórico e epistemológico, no interior do pensamento crítico
« descolonial », a partir de um conjunto de conhecimentos chamado « Epistemologias do Sul
», tal como nos propõe Santos (2012; 2011), como um contraponto à lógica capitalista do Norte
e seus avatares que desqualificam as culturas do Sul. Porém, pela especificidade das realidades
africanas distantes das europeias e da América Latina, ao longo da tese, manteremos um diálogo
com pesquisadores que pensam essas problemáticas a partir dos contextos africanos.
Para isso, tratando-se das realidades africanas, cabe mencionar aqui os estudos pós-
coloniais, mais especificamente aquelas se referindo aos contextos africanos em relação à sua
crítica sobre a concepção colonial da razão, do humanismo e do universalismo que o Ocidente
tem em relação à África. Para Mbembe (2006), uns dos autores que, para nós, se destaca nessa
perspectiva, trata-se de enfrentar a violência inerente a uma certa concepção europeia da relação
aos outros que se reflete nas suas decisões práticas, políticas e simbólicas. Nesse sentido, ele
caracteriza essa perspectiva pela desconstrução mental, isto é, as representações, bem como as
formas simbólicas compondo a ossatura/infraestrutura do projeto colonial.
Mbembe chama a atenção sobre o fato de que o humanismo europeu sempre se mostrou
sob a figura da duplicidade, da deturpação de suas intenções, do real. Assim, o pensamento pós-
colonial preocupa-se a revelar e a quebrar a potente e sofisticada reserva de mentira que sustenta
o colonialismo enquanto configuração histórica de poder. Ele lembra que a permanência da
universalização do imperialismo Ocidental vai além da violência da sua coerção. Ela decorre
em parte da cumplicidade consciente de muitos colonizados. Atentivo então ao enredamento
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complexo da relação decorrendo da relação colonizado-colonizador, o pensamento pós-colonial
inscreve-se nas diferentes lutas sociais históricas das sociedades colonizadas africanas.
Nesse sentido, este estudo se alinha a um conjunto de estudos pós-coloniais que se
espraiam em diversos continentes do planeta. Diante da urgência da mudança de paradigma
proposto a partir de suas culturas respectivas, os críticos pós-coloniais orientais (Spivak, Guha,
Shiva, entre outros), os ''descoloniais'' da América Latina, tais como Mignolo, Grosfoguel,
Quijano e Lander, assim como outros diversos intelectuais de culturas diversas atestam o
alinhamento existente em torno de uma epistemologia do Sul.
Essa epistemologia parece atender às exigências de uma compreensão em torno da
intelectualidade de uma juventude burkinabê que se enraíza em diferentes matrizes de saberes
que compõem a sociedade. Diante de uma tal diversidade, formulamos a hipótese de que há
uma forte tensão, atualmente, entre a juventude urbana burkinabê e a sociedade de um lado e,
de outro, entre essa juventude e as diferentes políticas eurocêntricas promovidas tanto pelo
Estado quanto pelas diferentes instituições não governamentais. Por seus discursos e ações
expressando uma luta política – tanto contra uma tradição que a diferentes níveis mostrou seus
limites quanto à imposição de um saber ocidental que se toma por único, legítimo e universal e
que desqualifica os demais saberes –, exploraremos a nossa hipótese à luz de suas
reivindicações.
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A sociedade burkinabê se compõe de cerca de sessenta e três comunidades tradicionais
organizadas em torno de suas atividades socioprofissionais através das quais foram
identificadas em diferentes momentos históricos. As identidades assim construídas velam,
muitas vezes as diferentes especializações e saberes, dos quais cada grupo ou família específica
é detentor no seio da comunidade.
Imagem 9: Comunidades socioculturais burkinabê e sua repartição geográfica
Desse modo, a islamização do país, iniciada por volta do século XV e, em seguida, a
colonização francesa somente no final do século XIX reconfiguraram a dinâmica intelectual e
as identidades que dizem respeito a esses saberes. Doravante, no campo político e social, se
cristalizam principalmente uma rivalidade entre uma elite cristã que detêm as rédeas do poder
e das instituições do Estado (esses últimos tiveram um percurso intelectual através das
instituições escolares e acadêmicas ocidentais) e a outra parte da população que é muçulmana
e reivindica uma intelectualidade baseada na fé e nos valores islâmicos.
Em relação à população burkinabê, é importante chamar a atenção sobre o fato que os
dados e estatísticas de fácil acesso pela internet assim como aquelas oriundas de certas fontes
oficiais velam uma realidade antropológica de grande relevância.
A divisão e repartição/representatividade entre as diferentes comunidades religiosas
(animistas, cristãs e muçulmanas – todas tendências consideradas) não é claramente perceptível.
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Embora haja comunidades ou regiões onde prevalece uma ou outra dessas três religiões, o
sincretismo se destaca. Assim, os cidadãos respondem em função dos contextos de informação.
No caso específico do islã, que é o nosso centro de interesse na presente tese, a sua
adoção pelo conjunto da sub-região Oeste africana fez-se sem “renúncia” da “religião dos
ancestrais’’ (nome que os religiosos em questão dão ao que é geralmente chamado
‘’animismo’’). Dos estudos passados até os anos 1980, essa realidade do islã na África lhe valeu
a denominação “Islã negro’’ (GANDOLFI, 2003; CUOQ, 1984).
Essa parte da população [os muçulmanos] que a diferentes níveis é atravessada por
certos conflitos opondo as diversas escolas de pensamento e de prática religiosa fará o objeto
de nossa atenção na presente tese. Notadamente, a sua juventude e as diferentes reivindicações
das quais ela se faz a porta-voz.
Inerente às dinâmicas sociais, o conflito é a expressão dos diferentes antagonismos
comunitários. Através da história do país, e mais recentemente dos movimentos sociais que
levaram às transformações sociopolíticas, entre 2014 e 2016 (HAGBERG e al., 2017),
procuraremos entender como a diversidade cultural e intelectual que decorreu disso se constitui
em uma força de luta, uma riqueza para o desenvolvimento. Essa força de luta política sustenta-
se a partir de valores éticos islâmicos. É esta hipótese que a tese busca apreender.
IV. Abrangência do campo de estudo
A escolha do Burkina Faso como realidade empírica da nossa pesquisa justifica-se tanto
pela sua história quanto pela sua composição sociocultural. De fato, o país contabiliza mais de
sessenta línguas, o que reflete a multiplicidade e diversidade das comunidades que compõem o
país. Assim, o conhecimento é caracterizado por várias epistemes que se interagiram com
culturas estrangeiras e que, ao decorrer dos contextos sociohistóricas, passaram a pertencer à
sociedade burkinabê.
Dentre elas, destacamos uma matriz árabe-islâmico, uma europeu-cristã e uma islâmico-
europeia. A forte presença de um islã secular do mesmo modo que a colonização francesa
marcou profundamente a organização administrativa do país. Do outro lado, a presença cada
vez mais significativa de instituições internacionais (multinacionais, ONGs e corpo
diplomático) coloca o Burkina Faso em um turbilhão de tensões, com severas consequências
no plano econômico quanto no plano político.
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No século XX, com a proximidade dos centros fortemente islamizados como a Dina
(reino teocrático) de Sékou Ahmadou Bari, em Macina (atual Mali), e o Califado de Sokoto (ao
Norte da atual Nigéria), as populações do atual território do Burkina Faso tiveram importantes
contatos com o islã. Esse processo integrou o movimento de renovação do islã liderado pelas
sociedades Fula e Tuculeur, nos séculos XVIII e XIX (KANE, 2003).
Imagem 10: Impérios de Macina (Mali) e Sokoto (Nigéria)
Segundo M'Bokolo (2009), foi o Norte do país que experimentou as primeiras adesões.
No Oeste do país, com Bobo-Dioulasso como grande centro comercial, o islã teve um terreno
fértil para a sua implementação.
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Imagem 11: As duas maiores cidades do Burkina Faso
De fato, grupos de comerciantes, Dioula, vindos das margens do rio Níger introduziram
o islã, entre os séculos XVI e XVIII. O Norte, já sob a grande influência dos Impérios
teocráticos Sokoto e Macina, formou os Emirados Fulas do Liptako e do Jelgooji, no século
XIX.
No centro, no país moaga, a introdução do islã deu-se de maneira discreta. Isso valeu
em outras partes do país onde a maioria da população vivia de acordo com a sua religião baseada
no culto dos antepassados. No entanto, depois de uma longa resistência, o islã conseguiu
sutilmente instalar-se no moogho central através de uma aliança entre os Yarsés e os soberanos
mossé (CISSE 2003). Mais tarde, nos anos 1970, por iniciativa do regime do presidente
Sangoulé Lamizana primeiro presidente muçulmano, até então, o islã se consolidou. Com a luta
contra o Israel e o apartheid, o contexto era favorável à aproximação entre a África e o « mundo
árabe-islâmico » em nome da solidariedade.
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Imagem 12: Presidente Sangoulé Lamizana
O encarecimento do preço do petróleo nos « países árabes » produtores facilitou a
cooperação entre os Estados. Seguiu a adesão do Burkina Faso à organização da conferência
islâmica em 1974. Desde então, o Estado devia tomar conta de suas aspirações envolvendo-os
mais estritamente à sua política (OTAYEK, 1996). Hoje em dia, de acordo com a tabela abaixo,
muitas Organizações Não Governamentais (ONGs) de diferentes países “árabe-muçulmanos’’
atuam no Burkina Faso, em diversos campos:
[espaço – tabela]
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Nome da ONG País de origem Área de atuação
Associação Islãmica de Ajuda
International – O I I S
Arábia Saudita Saúde, educação
Agência dos Muçulmanos da África
(AMA)
Kuwait Hidráulica, saúde, educação,
assistência social.
Associação Mundial do Apelo ao Islã
(AMAI)
Líbia Educação, financiamento de projetos
sociais
Zakat house Kuwait Financiamento de projetos sociais
Fundação ibn mashoud Arábia Saudita Educação, saúde, assistência social
Fundação Al Maktoum Qatar Educação, financiamento de projetos
sociais
Qatar Caridade Qatar Assistência social
Organização Turca de Solidaridade
(FOSAPA)
Turquia Educação, assistência social
Mounazama Islãia Sudão Educação, financiamento de projetos
sociais
Fonte da tabela: SOGOBA, 2010, p.11, Quadro n°3.
O segundo nível da escolha do Burkina Faso, como realidade empírica da presente
pesquisa, está relacionado à colonização francesa. De fato, o espaço político burkinabê (antigo
Alto Volta) se construiu em torno do Império multisecular moaga que, durante muito tempo,
resistiu às diferentes invasões e transtornos sociopolíticos na região.
Na véspera da ocupação colonial, e depois ter sido colaboradores, a política colonial
violentou os muçulmanos. De fato, da ocupação da capital Ouagadougou em 1896 ao final da
conquista em 1898, a violência colonial matou muitas personalidades importantes do Islã
burkinabê. Daí o período colonial ter se caracterizado por relações conflituosas entre os
muçulmanos e a administração colonial francesa. Isso causou uma profunda desconfiança da
parte dos muçulmanos que passaram a desdenhar a escola francesa, « essa escola que ensinava
um conhecimento profano e formava cidadãos desenraizados » (GÉRARD, 1997).
A situação favoreceu as populações evangelizados do Sudoeste, formados pela escola
missionária que beneficiavam de um considerável apoio da administração colonial. O período
pós-colonial se caracterizou, até os anos 2000, por um relativo controle marcado do aparelho
do Estado, assim como pelo monopólio da administração pública por parte da elite cristã
formada na escola francesa.
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O terceiro nível justificando a escolha do Burkina Faso como campo empírico do estudo
está nas mudanças sócio-políticas no país, que vem sendo o teatro, há uns anos, dos descalabros
resultantes das políticas preconizadas pela globalização.
Dos anos 1980 aos 2000, os dois países da África Ocidental de língua francesa tendo
maior destaque econômico – a Costa do Marfim e o Senegal – passaram por momentos bastante
difíceis. A queda internacional do preço de suas principais culturas (o cacau e o café no caso da
Costa do Marfim e o amendoim no caso do Senegal), deixou toda a região numa profunda crise
econômica e política. Em 1994, acrescentou-se a queda de valor do franco CFA.
Afim de lidar com a crise, os diferentes governos multiplicaram as medidas de
liberalização econômica. Movimentos de contestações e rupturas políticas ocorreram:
revolução democrática e popular de Thomas Sankara no Burkina Faso; destituição de Moussa
Traoré no Mali por golpe militar; movimentos sociais urbanos em contestação à continuidade
do mandato do Presidente Abdou Diouf no Senegal; manifestações estudantis nos diferentes
países da sub-região (GOMEZ-PEREZ; LEBLANC, 2007).
É nesse contexto socioeconômico e político que, em 1996, os estudantes burkinabê
fazem greve durante meses para denunciar suas difíceis e vergonhosas condições de estudo,
bem como para denunciar o autoritarismo do regime através do qual personalidades, como o
Presidente Thomas Sankara e o renomado jornalista de investigação Norbert Zongo, foram
assassinados. Os jovens que até então eram excluídos dos espaços econômicos e políticos,
tiveram assim a oportunidade de expressar-se.
Imagem 13: O jornalista Norbert Zongo
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CAPÍTULO 1: A ÁFRICA ATRÁVES DA HISTÓRIA
Neste primeiro capítulo, trataremos de uma análise retrospectiva do continente africano e
de suas realidades societais, atráves da História, que vão ter sérias repercussões na sociedade
burkinabê. Debruçar-nos-emos sobre três grandes períodos, nos pelos quais o continente teve
fortes relações com outras regiões do mundo, implicando grandes mudanças sociopolíticas e
econômicas.
1.1. A África na história da globalização
1.1.1. O comércio transsaariano
No primeiro período, ressaltamos o comércio transsaariano que ligava a África
subsaariana à península arábica, que era uma grande rotatória de comércio e de atividades
socioculturais, passando pelo Maghreb (África do Norte). Essa atividade econômica se revelou
um instrumento aproximando os dois lados do Saara, o maior deserto do mundo.
Analisamos aqui, igualmente, os primeiros momentos da islamização da África
Ocidental e como a partir do direito islâmico, as diferentes populações lidaram com a questão
da escravidão.
Antes do advento do islã no século VII, era já notável a presença de escravos na
península arábica. A história de Bilal (CAPO CHICHI, 2016), escravo, uns dos primeiros a se
converter ao islã, é testemunha disso. Devido à sua bela voz, foi o primeiro muezim7 do islã.
Bilal é um dos primeiros convertidos ao islã. Foi comprado de Umayya Ibn Khalaf, um chefe
de clã, por Abou Bakr (tio e companheiro do profeta), pouco antes de 622, (a.C) ano da hégira8
para o libertar. Bilal era o filho de Hamama uma escrava negra e de Rabah pertecendo ao clã
dos Banu Jumah da tribo dos Quraysh. Chamado Bilal ‘al-Habashi’ o que significa Bilal o
abyssinense, suas origens se encontram no que hoje em dia são a Etiópia e a Eritreia, que eram
um grande centro de aquisição de escravos.
7 Pessoa, que geralmente da torre da mesquita, ou hoje em dia com microfone, chama os muçulmanos à oração.
8 622, o ano da hegira marca o início do calendário muçulmano que é um calendário lunar.
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Os estudos em egiptologia, bem como as fontes religiosas islâmicas citam a passagem
do profeta Abraham e de sua esposa Sarah no Egito, por volta de 1695, antes da nossa era. É
durante essa passagem que o faraó Sheshong ‘’ofereceu’’ a Sarah, a escrava Hajar (COOVI
GOMEZ, 2011). Botte (2011) nos revela a presença de escravos da África subsaariana (Bilâd
as-Sûdân ou « País dos Negros »), notadamente Núbios, Etiópios, Somalis e Zanjs da costa
oriental na África do Norte. No II milênio a.C, a Núbia e o Império de Meroé (séc. VIII a. C.
até o século IV d. C.) ‘’forneciam’’ regularmente cativos negros ao faraó no Egito.
Todavia, é preciso dizer que foi o estabelecimento do comércio transsaariano que
ocorreu durante doze séculos (do século VIII ao século XIX, d.C) que consagrou o tráfico
escravagista. Esse sistema econômico implicou a instauração e a manutenção de importantes
redes de transportes, pontos de compra/venda, de (re)distribuição e demais mercados tanto do
Sul quanto do Norte. Segundo Botte (2011), a conquista da África do Norte necessitou setenta
e sete anos. Os Berberes foram os primeiros a sofrerem a escravidão. Depois de sua conversão
ao islã, tornaram-se irmãos dos Árabes e, a esse título, era juridicamente proibido escravizar
seus irmãos muçulmanos9.
Imagem 14: Tráfico escravagista árabe na idade média
9 Segundo a interpretação outrora do direito e da jurisprudência islâmica.
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Cabe salientar, aqui, que as diferentes questões de leis e de jurisprudência, no islã, são
intimamente ligadas à mensagem islâmica que legisla sobre as instituições e práticas sociais,
em todas as eras, através de diferentes sociedades humanas. Transmitidas durante 22 anos (610
- 632) ao profeta Muhammad, (570 – 632 a.C) ele regulou essa instituição, num primeiro
momento, e depois a condenou definitivamente. Desde então, o que precedeu se torna caduco.
O estudo de Botte (2011) é de grande relevância. Estudioso de uma das maiores
referências em história da África do Norte e subsaariana, Ibn Khaldûn, ele nos traz ricas
informações. Para o autor, a morte do governador de Tanger, ‘Umar Ibn ‘Abd Allâh, morto
pelos Berberes revoltados, é expressivo da interpretação interessada que as sociedades,
indivíduos e autoridades podem fazer da mensagem islâmica. Os Nafûsa que foram ferozes
adversários dos colonizadores árabes tinham, inicialmente, adotado o judaísmo e depois o
cristianismo. Após terem se convertidos ao islã, revoltaram-se contra a autoridade do
governador que inventava um pretexto para os remeter à escravidão:
Os Berberes se revoltaram logo quando souberam que o vencedor os olhava
como butim de guerra pertencendo aos muçulmanos e que ele [o vencedor] se
propunha em consequência tomar o quinto de seu número [para os tornar
escravos].
A revolta se justificava igualmente pela obrigação de ter que fornecer diferentes
prestações, tais como disponibilizar bonitas escravas berberes, de penugem cor de mel e/ou
produtos mais raros do Magrebe. De fato, depois disso, a grande demanda omíada e, em
seguida, abássida de escravos, notadamente de jovens meninas berberes jawârî, reputadas por
terem uma grande beleza, justifica as falsas acusações de apostasia vislumbrando a escravização
dos Berberes (BOTTE, 2011; SAVAGE, 1992). No século X, em Córdoba, as escravas brancas
eram apresentadas como francas, galegas e berberes (LÉVI-PROVENÇAL, 1953; BILÉ, 2008).
Depois da conversão em massa dos Berberes ao islã entre os séculos 718-720’, o
governador de Ifrīqīya, Abd-al-Rahmân b. Habîb, escreveu uma carta, no século 754, ao califa
abássida Abû Ja’far al-Mansûr na qual explicava a esse último que o Ifrīqīya, por ter se tornado
uma terra muçulmana, não era mais possível tornar escravas pessoas dali. A notícia deixou o
califa numa fúria intensa, o que o fez responder com ameaças (BOTTE, 2011).
Foi depois desse período que se iniciou o comércio transaariano, motivado pela busca e
uma grande demanda por escravos. Para Brett (1969) e Botte (2011), esse comércio assentava-
se sobre a existência de um mercado de demanda e de consumo de mútua complementariedade
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insubstituível, entre certos produtos do Norte e do Sul. Cada parte incentivando o crescimento
do outro, a economia do conjunto das sociedades implicadas se desenvolveu em conformidade
mútua.
Imagem 15: Mapa das cidades e rotas do comércio transsaariano no final do século XV assim como os
produtos comercializados
Dentre os produtos principalmente trocados, havia o sal, os temperos, as tâmaras, os
tecidos, manuscritos, os cavalos vindos do Norte. Do Sul, vinham os produtos agrícolas, as
bandas de algodão, nozes de cola, marfim, peles de animais, madeira, ferro, cobre, ouro e
escravos10. O controle político e militar dos diferentes espaços de armazéns e de circulação
necessários foram assegurados pelas comunidades e os Estados presentes ao longo das rotas.
10 Para as questões relativas à escravidão e ao ‘’destino’’ e condições dos escravos no ‘’mundo árabe-muçulmano’’,
são diversas as fontes de consultas: 1) Jean-Louis Triaud, « Roger Botte, Esclavages et abolitions en terres d’islam
», Archives de sciences sociales des religions [En ligne], 156 | octobre-décembre 2011, document 156-25, mis en
ligne le 14 février 2012, consulté le 17 décembre 2017. http://journals.openedition.org/assr/22879; 2) Tidiane
N'diaye. Le génocide voilé. Éditions Gallimard, 2008. https://www.petit-fichier.fr/2014/06/20/le-genocide-
voile/le-genocide-voile.pdf; 3) Salah Trabelsi. Mémoires contemporaines de la traite et de l’esclavage dans le
monde árabe. 2014. https://webtv.univ-nantes.fr/fiche/5032/salah-trabelsi-memoires-contemporaines-de-la-traite-
et-de-l-esclavage-dans-le-monde-arabe; 4) Agnès Lambert. Espaces d’échanges, territoires d’État en Afrique de
l’Ouest. Autrepart (6), 1998, p. 27-38. URL :
http://horizon.documentation.ird.fr/exldoc/pleins_textes/pleins_textes_7/autrepart/010014749.pdf; 5) Commerce
caravanier et traite transsaharienne.
http://www.ladocumentationfrancaise.fr/var/storage/libris/3303331280750/3303331280750_EX.pdf.
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Contudo, é preciso dizer que a religião (o islã), bem como o parentesco que regiam as relações
comunitárias e sociais eram igualmente garantias desse comércio.
Dos diferentes centros que participaram ativamente do dinamismo do comércio
transaariano, embora variáveis nesse período, podemos notar ao Norte: Fes, Marrakech,
Tlemcen e seu porto Huneyn situado perto de Orã, Kairouan, Trípoli, Cairo. Ao Sul, havia os
Estados: do Takrur, do Diafûn(u), do Gana, em seguida do Mali, de Gao e de Kano. Por outro
lado, havia as cidades do Bornû, Agadez, Timbuctou (ADNANE, 2017; JEPPIE e DIAGNE,
2008; FARIAS, 2008) que foram criadas no século XII pelos Berberes. Na Idade Média, entre
meados do século VIII e do século XI, a criação das grandes cidades relé ibâdites de Tâhert,
Wâdî Rîgh, Sadrâta, Sijilmâsa, Ghadamès e Zawîla constituiu-se em um importante trunfo para
o dinamismo desse comércio (BOTTE, 2011).
Com os dois lados do Saara aproximados pelo comércio transsaariano e uma vez o islã
adotado pelas diferentes comunidades subsaarianas, assistimos a um movimento histórico de
grande alcance: a África do Oeste indo ao encontro de alteridades.
1.1.2. O islã e a extroversão da África do Oeste
Ao contrário do que deixa pensar o comércio transsaariano e sua dinâmica de relações
sociais, é preciso salientar a grande vontade que teve a região da África do Oeste em conhecer
realidades e sociedades, além de suas fronteiras.
A Idade Média foi esse período de extroversão pelo qual saelianos (comerciantes ou
não) conversaram com outras realidades e culturas distantes, notadamente, com Meca na Arábia
Saudita, que naquele momento era um centro de grande importância para os muçulmanos, assim
como era uma rotatória bastante significativa de intelectualidade e de informação que dialogava
com o mundo inteiro. Assim, o islã tem sido para a África do Oeste a porta de acesso ao mundo
exterior internacional (FARIAS, 2004).
De fato, uma vez que as duas margens do Saara foram aproximadas, através do comércio
transsaariano, os saelianos puderam reinventar-se. Isso aconteceu em diferentes níveis, pois,
além da filosofia e da teologia, o islã oferecia novos conhecimentos a respeito da astrologia e
do espaço-tempo, a gestão do político, da riqueza e da sociedade.
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O islã teve uma ‘’presença pacífica’’ no Sael, até o século XVI. Uma presença que
redinamizou as relações entre as diferentes sociedades e comunidades saelo-saarianas e aquelas
da zona tropical mais ao Sul da região. Grandes cidades como Terraza, Taoudeni, Aoudaghost,
Koubi-saleh, Gao, Djenné, Tad-Mekka, El-Souk marcaram assim a História.
Imagem 16: Os três maoires impérios da África do Oeste
Os grandes Impérios da época caracterizavam a região. Nesse sentido, temos primeiro
o Império do Gana de origem sarakolé que estendia o seu apogeu (século XI) do Senegal ao
Níger. Em seguida, teve o Império do Mali bem poderoso, por volta de 1350, que se impunha
ao deserto do Norte e controlava os vastos territórios entre a Costa do Senegal e a região oriental
do Rio Níger. Quando do seu declínio, o Império Sonraï assumiu o lugar, submetendo vastos
territórios.
Segundo Kane (2003), o início do longo processo de islamização do Oeste do continente
se fez, desde o século IX, sendo que o período de islamização massiva, aconteceu no século XI
quando os diferentes chefes assim como as elites urbanas dos reinados e Impérios fizeram sua
conversão, notadamente: Gana, Mali, Songhai, Kanem e Bornou. Esse século se caracterizou
também pelo distanciamento das populações do modelo de vida rural e agrícola para a vida
urbana. Já nesse período, o islã era uma religião de prestígio social e de erudição.
No século XIV, houve uma inteligência negro-africana que se destacou entre famílias
mercantes para se especializar em estudos teológicos e literários. Nessa época, as famosas
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cidades muçulmanas de Djenné e Timbuctou11 constituíram-se em lugares privilegiados de
produção de conhecimento e foram espaços de excelência de transmissão do saber organizado
e estruturado (TRIAUD; KANE, 1998).
Imagem 17: Mesquita/madraça de Sankoré em Timbuctu no século XI
Imagem 18: Mesquita/madraça de Djingareyber em Timbuctu no século XI
11 A mesquita de Sankore, a de Djingareyber assim que a madraça Sidi Yahya eram os três centros de formação
universitário que tornou a cidade de Timbuktu muito famosa, onde até 25.000 alunos estudaram, tal o reconhecido
erudito Averroès [filósofo, médico e advogado também chamado Ibn Rushd, é um andaluz do século XII (nascido
em 1126 em Córdoba, Andaluzia na Espanha muçulmana e falecido em 1198 em Marrakech, Marrocos)].
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Houve uma assimilação progressiva do islã na África do Oeste onde o apogeu ocorreu
entre 1250 e 1550 (ABOUBACAR, 2005). Os Mansa (imperador) Moussa e Souleymane do
Império do Mali (um dos mais vastos Impérios africanos fundando no século XIII), assim como
Askia Mohamad e Askia Daoud contribuíram para a difusão da religião muçulmana.
Imagem 19: Mesquita/madraça Sidi Yahya em Timbuctu no século XV
Farias (2004; 1989) ressalta que sua disseminação ocorreu tanto pela mediação da
oralidade como pela presença da escrita (panfletos e livros). Ele menciona como um exemplo
de referência desse período, a peregrinação do Mansa12 Kanka Musa – 1307/1312 a 1332/1337
à Meca levando com ele todas as categorias socioprofissionais do Império do Mali. A viagem
do imperador fez cair o valor do ouro no mercado internacional. É classificado, em muitas
fontes bibliográficas, como o homem mais rico da história13.
12 Imperador em línguas: Diula, Bambara e Malinké
13 Conferir os seguintes trabalhos:
Mansa Musa's golden empire. http://www.nationalgeographic.com.au/videos/quest-for-gold/mansa-
musas-golden-empire-3540.aspx;
Le pèlerinage du Mansa Moussa. https://www.youtube.com/watch?v=bIFB-vccX4I;
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Após esse período marcante, o continente africano participou da globalização, através
de seu violento encontro com os europeus. Decorrente disso, estabeleceu-se o comércio
triangulário envolvendo a Europa, a África e as Américas, em suas relações transatlânticas
1.1.3. A África e suas relações transatlânticas
No século XV, a exploração das costas da África, pelos portugueses, marcou o início do
comércio negreiro atlântico. No entanto, é na sequência à viagem de Cristóvão Colombo, em
1492, que se inicia a grande escala da exploração europeia de escravos africanos, a qual veio se
acrescentar às demais formas exploratórias que já existiam (INIKORI, 1999). Deportados para
as Américas e para as ilhas do Atlântico, esse comércio ocorreu durante quase quatro séculos
(do século XVI à metade do século XIX), arrancando milhões de africanos de sua terra,
Imagem 20: Dinâmica do comércio negreiro, notadamente o do atlântico
Kanka Moussa, l’homme le plus riche de tous les temps.
https://histoireislamique.wordpress.com/2014/04/07/kanka-moussa-lhomme-le-plus-riche-de-tous-les-
temps/;
La Découverte Islamique des Amériques. http://www.histoiredislam.com/la-decouverte-islamique-des-
ameriques-33/
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Para Louise Marie Diop-Maes (2007), a esse número há que se acrescentar as diferentes
vítimas de um lado ao outro dessa instituição. Primeiro, há os suicidas e os revoltados mortos,
no momento das capturas e do encaminhamento para as costas, durante a acomodação antes da
embarcação e durante a travessia do Atlântico. De outro lado, tem que se contabilizar
igualmente os mortos imputáveis aos múltiplos ataques e guerras de extermínio mútuo geradas
pela deslocação das entidades políticas, a fuga das populações e a fome, pois as colheitas e
reservas foram saqueadas, sem esquecer as doenças de todos tipos que se seguiram.
Joseph E. Inikori (1999) que se debruçou sobre a economia da escravidão mostra, em
seus trabalhos que a maior parte das diferentes transações econômicas internacionais, entre
1451 e 1870, provém, de um lado, da compra, do transporte e do uso de mais de onze milhões
de escravos em economias capitalistas produzindo para o mercado internacional e, de outro, do
transporte e da venda dos produtos fabricados pelos escravos. Incluindo as diferentes formas e
setores de investimentos envolvidos para a aquisição de escravos, da natureza das funções
econômicas exercidas, pelos diferentes territórios e da receita global produzida por essas
economias mandada para o exterior, ele mostra como o sistema atlântico propulsou o
desenvolvimento da Europa Ocidental e da América do Norte, entre exatamente 1500 e 1870.
Os estudos de Inikori (1999) são pertinentes, mostrando como a economia do comércio
negreiro contribuiu fortemente para a riqueza das sociedades que o praticou; seus trabalhos
fazem a diferença entre os conceitos de desenvolvimento econômico e de crescimento
econômico. Esse último registrado, em um longo período, numa dada economia, se mede pelo
crescimento contínuo da renda anual por habitante da população total. Ela corresponde ao
estado posterior à decolagem econômica enquanto o desenvolvimento econômico, por sua vez,
constitui as fases prévias da decolagem.
Assim, o desenvolvimento econômico se definiria como a transformação efetiva de uma
economia tradicional, de subsistência, rural e regional em uma economia racional, comercial,
urbana e nacional combinada de instituições próprias assegurando a mobilidade dos fatores. O
autor lembra que esta transformação se acompanha, muitas vezes, de uma reorganização das
estruturas em uma economia que, essencialmente agrícola, toma um caráter essencialmente
industrial.
Depois dos grandes períodos consagrando à participação do continente africano na
globalização, assistimos a movimentos contemporâneos de transnacionalização de grande
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dinamismo, expressão da capacidade das comunidades africanas em se reinventar à luz dos
diferentes acontecimentos sociohistóricos.
1.2. A África e suas relações com o mundo atual
No final do século XX, devido às grandes dinâmicas migratórias tanto dentro do
continente como fora dele (Europa, Ásia, América, Oceania), observam-se recomposições das
realidades socioculturais (estruturas políticas, econômicas e culturais) africanas, em
modalidades diferentes, segundo diferentes países. Trata-se de uma dinâmica de
transnacionalização ocorrendo em múltiplos níveis.
A mobilidade internacional dos estudantes africanos, nesse início de século XXI,
inscreve-se em uma dimensão relativamente nova, comparada ao fenômeno antigo. De fato,
fenômenos migratórios na África são conhecidos e têm sido estudados tanto pela profundidade
de suas raízes históricas como por suas dinâmicas mais recentes e atuais. Por meio da
mobilidade e da migração, os povos realizaram trocas diversas: troca de homens, de bens, de
culturas e de ideias.
Para Grégoire e Schmitz (2000), nas sociedades da África do Oeste, a migração tornou-
se tão fortemente presente na dinâmica cultural de algumas populações (como Soninke e
Haalpulaaren) que ela é vista como um ritual de iniciação. Assim, o migrante chamado
"tounkaranké" na língua soninquê ou "danniyanké" na língua fulfuldê é aquele que viajou e
adquiriu uma experiência ou mesmo, um saber. Como pensa Barros (2010), em seu estudo sobre
os Dogon de Songho (República do Mali), isso leva a considerar que a mobilidade participa da
construção de identidades com ampliação e multiplicação dos espaços de pertencimento e das
narrativas históricas coletivas.
O Mali, nossa primeira experiência no exterior, é igualmente um destino de estudo de
muitos jovens, sobretudo da África Central e do Oeste. Sendo assim, vivemos e partilhamos a
vida acadêmica e cultural com pessoas de diversas nacionalidades: Níger, Costa do Marfim,
Togo, Benin, Mauritânia, Gana, Senegal, Camarões, República Centro Africano, Gabão. Vale
salientar que cada um desses países constitui, eles mesmos, polos e destinos de estudo, pois a
mobilidade na África é contínua e intensa (DE BRUIJN e al, 2001). Essa tradição da mobilidade
alimenta, de outro lado, o sistema de ensino em que um número importante de docentes faz um
percurso similar. Inscrevem-se numa dinâmica de mobilidade na sub-região, em outras regiões
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do continente, assim como fora do continente: Europa (principalmente) e América do Norte no
que se refere às antigas rotas migratórias.
No Burkina Faso, nos anos 1970, devido ao enriquecimento ligado ao aumento do preço
do petróleo, as ações voltadas para o Terceiro Mundo, a luta contra Israel e o regime de
apartheid na África do Sul, os países árabes passaram a desenvolver políticas de maior
aproximação com a África negra (OTAYEK, 1996). O contexto favoreceu políticas de outorga
de bolsas de estudos, pelas quais um grande número de jovens fez sua formação no exterior:
Egito, Síria, Líbia e Arábia Saudita. Sophie Bava (2009), que estudou o percurso escolar e as
aspirações sociais dos estudantes de países da África subsaariana, analisa os diferentes desafios
e peripécias dessa mobilidade que através das possíveis oportunidades pode leva-los além do
continente.
Em suas críticas contra os analistas que essencializam a África através das diferentes
crises e problemáticas com as quais o continente tem lidado, Achille Mbembe (2002) chama a
atenção sobre as recomposições em curso no continente, expressão não de uma anomia, mas
bem de um processo de transnacionalização. É preciso dizer que esse processo possui diversas
formas de acordo com os países, suas estruturas políticas, econômicas e culturais. Num primeiro
tempo, com relação à inserção das economias africanas no plano internacional, Mbembe (2002)
indexa o capitalismo, do fim do século XX, que se desenvolveu sobre os “entulhos’’ de
economias outrora dominadas por sociedades de Estados controlados por clientelas no poder.
Além disso, há monopólios datados da era colonial operando sobre os mercados assujeitados às
suas regras.
O período, logo após às independências, foi caracterizado por uma dicotomia entre a
economia urbana e a rural ou entre economia formal e a informal. A essa característica,
substituiu uma economia fragmentada em vários núcleos mantendo entre eles seu ambiente,
assim como os setores internacionais mantiveram relações bastante complexas e sujeitas a
mudanças. Assim, emergiu uma multiplicidade de territorialidades econômicas, às vezes dentro
de um mesmo país.
Os enclaves extrativos (mineiros, petroleiro ou haliêuticos) que aí têm uma importância
decisiva articulam-se diretamente com as redes do comércio internacional, infirmando desse
fato a hipótese da marginalização do continente. Mbembé (2002) sublinha que quando os
enclaves são controlados pelas multinacionais aos quais o Estado central estende ou delega sua
soberania, esses espaços disputados suscitam conflitos e alimentam lógicas de guerra. Para o
autor, um outro aspecto da transnacionalização das economias africanas constitui a emergência
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de zonas francas e de corredores criando as condições fiscais, ideais de acolhimento para
empresas estrangeiras.
Por outro lado, a importância acrescida das captações, dos parques, reservas naturais e
florestas constitui uma característica do esmiuçamento do espaço econômico africano.
Explorados pelas companhias turísticas, os negociantes locais e internacionais, esses territórios
constituem-se doravante em lugares de informalidade, por excelência, sendo acompanhados
pelas emergências das grandes metrópoles regionais.
Os trabalhos de Achille Mbembé (2002) são de grande relevância, visto que analisam as
consequências do processo de atomização do capitalismo sobre as consequências na formação
das identidades africanas, mencionando duas configurações da violência: violência do mercado
se expressando pelas lutas para a privatização dos recursos; violência social tornada
incontrolável, uma vez que os poderes públicos perderam o seu controle. De outro modo, pela
transnacionalização das economias, os atores privados como os estatais foram obrigados a
procurar em outro lugar novas fontes de rendas ou simplesmente novos meios de sobrevivência.
Assim, as novas dinâmicas de aquisição de bens conduziram a uma singular revivificação
dos imaginários do que é distante, remoto. Isso tem inacreditavelmente alimentado as diferentes
lógicas migratórias (refúgio, busca por trabalho, religião); o que explica as numerosas diásporas
através do mundo. Isso faz com que a identidade da juventude se estruture ao longo dos grandes
percursos migratórias, dos trânsitos, da travessia das fronteiras, assim como da negociação dos
riscos nos lugares de acolhimento.
O encontro da África com os europeus resultou em lutas de diferentes ordens que o
continente e suas populações travaram. Ora, o que reter de um tal balanço?
1.2.1. A África diante de si
É importante lembrar que cada período da história colonial e pós-colonial da África
caracteriza-se por desafios específicos aos quais as diferentes gerações de africanos deram
respostas de acordo com as realidades dos contextos.
P á g i n a | 64
Nesse sentido, Ibrahima Thioub (2016), em suas análises, faz uma retrospectiva do
percurso histórico do continente africano. Para ele, na saída da segunda guerra mundial, iniciou-
se a descolonização do continente. Daí, assistimos a movimentos de contestação da colonização
encaminhados pela juventude, pelo movimento das mulheres e o dos trabalhadores e
sindicalistas.
Foram essas lutas que levaram à soberania a maior parte dos países da África Ocidental
francesa, por volta dos anos 1960 (menos o Gana que foi em 1957). Entre 1960 e 1965, foi a
vez dos países do Império britânico. Particularmente sangrenta, foi a das colônias portuguesas
dez anos depois, ou seja, nos anos 1970. A libertação de Nelson Mandela, seguida de sua eleição
como Presidente, em 1994, marca o fim desse período.
Imagem 21: Nelson Mandela
Os ajustamentos estruturais que ocorreram, entre 1979 e 1992, destacaram as principais
questões sociais do continente: crescimento das cidades; novas dinâmicas sociais em diferentes
níveis; novos atores no espaço público solicitando novos papeis e sentidos de vida. Para o
historiador Thioub (2016), estamos hoje diante do desafio tanto da crítica sobre o próprio
continente e suas populações quanto do conteúdo de suas relações com os outros.
Vale aqui colocar algumas questões. Aos exploradores: o que a África e suas
comunidades deram e não receberam de volta? Ao continente ‘’Mãe África’’ e suas populações:
que ‘’mãe’’ é, e que ‘’super-homens’’ são seus filhos? À humanidade: o que a África e suas
populações têm de fundamentalmente diferente da condição humana e suas contingências
sociohistóricas?
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Como viemos analisando, a identidade de numerosas sociedades e comunidades africanas
se construiu e foi se reinventando, desde a Idade Média, a partir de acontecimentos
sociohistóricos (uns mais violentos que outros) que as marcaram profundamente. Entretanto,
paradoxalmente, muitas sociedades africanas defendem a ideia de uma identidade ‘’puramente
africana’’, ou seja, da autenticidade de uma cultura/identidade africana.
Exploraremos essa problemática através de uma das noções, abaixo exposta: a noção de
tempo na espiritualidade islâmica e a senioridade ou o ‘’complexo de super-homem’’ nas
sociedades africanas.
Visão crítica da noção de tempo através da espiritualidade islâmica
A espiritualidade islâmica oferece uma pertinente concepção do tempo. A sua articulação
com a imaginação criativa é uma ferramenta podendo levar a mudanças sociopolíticos inéditas.
Assim, para Souleymane Bachir Diagne (2014a; 2014b; 2014c; 2016a), dos estudos dos
filósofos africanos que se debruçaram sobre a noção do tempo, destaca-se uma problemática na
perspectiva de leitura do tempo pelos políticos africanos contemporâneos que é notadamente
do passado para o presente.
Uma tal gestão do tempo que se restringe a orgulhar-se evocando meramente a grandeza
das sociedades, dos Impérios, das Universidades (Sankoré, Djinguereber e Sidi Yahya em
Djenné e Timbuctu, no século XIV) e dos atos políticos históricos (a Carta de Kurukanfuga, em
1236) é simplista, pois a fidelidade verdadeira está no movimento e não na simples repetição
ou imitação de si. Para isso, inserir as ações presentes dentro de planejamentos/projetos de
médio e longo prazo faz apelo a uma cultura política de gestão do tempo a adquirir. É preciso
dizer aqui que o pesquisador e homem de fé (muçulmano) Souleymane Bachir Diagne (2013;
2014a; 2014b; 2014c; 2014d; 2016a; 2016b; 2017a) haure da fonte (conhecimentos) do islã
erudito que o nutriu ao longo de seu percurso. Nisso, refere-se ao sufismo (tratando
especificamente das finalidades/objetivos do islã), uma das ciências do islã, como mencionado
mais adiante.
Tariq Ramadan (2012; 2013), em seus trabalhos, caracteriza o sufismo como a purificação
espiritual de si no islã a fim de se aproximar de Deus o criador de tudo. Esse caminho passa
pelo desvelamento do coração que, em função do nível, nos permite realizar a harmonia entre
nossa existência e nosso ser. Trata-se de seguir o caminho de Deus, obedecer a suas regras (sem
simplesmente mirar a aplicação de suas regras) no objetivo último de conhecê-lo e de se
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aproximar dele. Isso implica os esforços, o trabalho a fazer sobre si (particularmente) nesse
sentido para conseguir.
Através dos seus trabalhos a respeito do conhecimento da espiritualidade islâmica no
contexto das religiões monoteístas, Henry Corbin (2006) pensou o conceito de ‘’imaginal’’,
procurando a descompartimentalização entre o imaginário e a ciência. Seus estudos sobre a vida
e a obra de Ibn'Arabi, filosófo, teológo e místico sufista, tratam da Criação, do macrocosmo
cósmico, da sombra visível da luz original que é uma materialização do verbo divino. Para esse
último, às condições iniciais da criação dos mundos, responde a criatura imaginando também
seu mundo ou seus mundos, prosseguindo assim, ela mesma, a criação renovando-a.
Para Corbin (DOUSSET, 1959; PROULX, 2011), a espiritualidade de Ibn' Arabî
distingue-se do pensamento religioso literal e dogmática que se reduz ao conformismo coletivo.
Seu encontro com Deus é solitário; é um encontro do só com o Só. Realidade que não pode ser
obtido que pela penetração do sábio no mundo das imagens reais e subsistentes, mundo
intermediário entre o universo das evidências sensíveis, históricas e irreversíveis e o do
Pensamento puro, da Inteligência absoluta. O órgão desse mundo mediador é essa Imaginação
criadora da qual Corbin nos descreve as características e as funções. Para consegui-la, o sábio
deve se fazer discípulo do mestre espiritual invisível do místico (Khezer), ou mesmo se tornar
Khezer em si.
É segundo os termos do Alcorão, uma expressão da existência, da presença de Deus. E
somente o discípulo de Khezr descobre ‘’o Nome sob o qual cada um conhece seu Deus, e sob
o qual seu Deus o conhece’’. Assim, ele toca a verdade mística esotérica que domina a Lei, que
alcance a Fonte da Vida e se torna em si mesmo um ‘’Eterno Adolescente’’.
Para avançar nesse caminho, o sábio, o sufi que já possui o conhecimento filosófico e a
experiência espiritual se tornará um ‘’fiel de amor’’. Essa identificação da sabedoria do amor e
da beleza como expressão da divindade caracteriza bem a teosofia de Ibn' Arabî; ela justifica a
sua filiação platoniana. Corbin propõe uma dimensão nova do ser nos mostrando a riqueza e o
papel insubstituível da imaginação tal que o sufismo de Ibn Arabî o concebeu: a imaginação é
o lugar em que se realizam todas as ‘’histórias divinas’’ tais como as dos profetas que só têm
significado porque são teofanias. Sua função é mediadora. A ‘’cosmografia mística designa o
mundo que ela cria como luminoso das Ideias-Imagens. Esse mundo é a sombra de Deus.
A imaginação teofânica tem uma dupla função como Imaginação criadora imaginando a
criação e como Imaginação criatural imaginando O Criador. Ibn Arabî denomina os dois termos
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desse casal ‘’Criador-criação’’ ou ainda ‘’Criador-criatura’’, uma simultaneidade não como
uma contradição, mas como opostos que são complementares. E é essa a característica da
Imaginação ativa de operar essa união teofânica, visto do lado do Criador, ou uma união
teofânica, visto do lado da criatura. Está em nenhuma consideração uma união hipostática.
‘’Retornar ao seu Senhor’’ é realizar esse casal eterno do fiel e de seu Senhor, o qual é
por essência divino em sua generalidade, mas em sua individualização em tal ou tal de seus
‘‘Nomes’’. Mas, se o fiel perde seu vínculo com seu Senhor, então seu ‘’eu’’ é entregue a uma
hipertrofia que degenera logo em imperialismo espiritual. A ‘’coincidência dos opostos’’ nos
preserva desse imperialismo e é por isso que nossa oração jamais será uma demanda de algo,
mas um meio de existir e de fazer existir. Pela oração, nosso ser realiza-se: ela é criadora. Assim,
para Ibn Arabî, se ele [seu Senhor] nos deu a vida e a existência pelo seu ser, eu lhe dou também
a vida, o (re) conhecendo em meu coração.
Nas reivindicações da juventude burkinabê, a expressão da imaginação criativa é
perceptível. A repercussão se vê em seu desejo de luta, pela reinvenção de “armas” que
desloquem os valores com os quais a sociedade tem se valido, desde a colonização Ocidental.
A senioridade ou o complexo de ‘’super-homem’’ nas sociedades africanas
A forte horizontalidade é característica das relações em muitas sociedades e comunidades
africanas. Nessas últimas organizadas e estruturadas em faixas etárias, os primogênitos/os
anciãos tendem a incarnar nessa construção uma posição, um lugar de expressão que capitaliza
o poder sobre o conjunto dos outros grupos que interagem. Esses seriam, pela sua presumida
experiência capitalizada no tempo em templos de memorias e de sabedoria, referências
incontornáveis para os quais tem que, permanentemente, se voltar para se situar e achar o
próprio caminho no labirinto da vida.
Assim, com todos os interesses considerados, esse grupo faz valer ideologicamente uma
posição de superioridade sobre o conjunto dos outros grupos que constituem e fazem a
heterogeneidade dos interesses e das linhas de clivagens da sociedade. Relação distorcida, pois,
desfasada da realidade, de um lado, e trabalhando, de outro, a partir de um necessário excesso
de arestas e de rugosidade da história; o incontestável direito e privilégio do primogênito/dos
anciãos constituem a expressão de uma instrumentalização do poder sobre o conjunto da
sociedade/comunidade contra o qual convém lutar quando se trata de pensar em sociedades
justas e equitativas (M’BOKOLO, 2015a; 2015b; 2009).
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Nesse sentido, numerosos provérbios e ditados dizem e traem a contestação interna das
desigualdades presentes, ilustrando ao mesmo tempo a reabilitação, assim como as expectativas
dos grupos e comunidades negligenciadas. É aí uma medida da intelectualidade, dos esforços e
do trabalho desses grupos a se impor, esvaziando os quadros ideológicos de suas lógicas de
trapaçaria com fins de exploração.
A partir de uma certa constância dos movimentos de contestação/protestação ou de
revoltas sociais historicamente conduzidos por jovens (homens e mulheres), o autor chama
nossa atenção sobre o fato que na África, como em qualquer outro lugar, as tendências e os
profundos movimentos que agitam e modificam os fundos e as formas sociais não é reservado
a nenhum grupo particular em detrimento dos outros. Assim, a performance e a qualidade não
sendo o exclusivo apanágio dos primogênitos/anciãos, acontece que, como o diz o provérbio,
que um jovem toca tão forte e tão bem o tambor que consegue fazer dançar os
primogênitos/anciãos. Para M'Boukou (2008):
Na África, como em outras realidades, os velhos não têm nenhuma vocação a incarnar
estatutariamente outra coisa que o que são enquanto indivíduos. Todos os discursos
que, pelos meios de excesso ideológico ou de fabulação mitificante, visando a conferir
uma pretenciosa sabedoria « natural » do fato exclusivo da idade, trata-se muitas vezes
de trapaçaria, de tática e/ou de estratégias de capitalização do poder sobre os outros
membros do grupo social: nada mais. No fundo, estamos aí diante de lógicas muito
prosaicas de afirmação, de controle dos recursos econômicos e dos capitais
simbólicos, ou de conservação de privilégio que não são sempre legítimos e cuja
atualidade permanece, em muitos níveis, problemática.
Para muitos africanos ou ‘’namorados da África’’, falar do continente significa fazer o
elogio de sociedades em que o parentesco e a fraternidade humana concebidos idealmente
seriam a regra. Nesse sentido, fazem a apologia do eldorado terrestre. A senioridade atribuindo
o saber e a autoridade que decorre dele aos primogênitos/anciãos, alimenta o estatuto de criança
atribuído aos demais atores sociais. Esse poder assim conquistado se traduz pela incapacidade
presumida desses últimos a decidir; e isso, tanto no que diz respeito a questões de ordem
pessoais/privadas quanto as de ordem política (M’BOKOLO, 2015a; 2015b; 2009; DIOUF,
2014).
Defronte às urgentes questões sociais, a desigualdade, bem como as injustiças sociais
parecem ainda como uma aposta perdida de antemão. A legitimidade das contestações e dos
movimentos sociais denotam a urgência, ou ainda, o imperativo de virar as costas aos diversos
etnocentrismos e afrocentrismos que fazem da África e das sociedades africanas lugares
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essencialmente humanos em relação aos outros. A esse complexo de superioridade ou de
‘’super-homem’’ (CUTI, 2012) é preciso opor a singularidade qualquer (AGAMBEN, 1990)
que reconhece a cada humano sua ‘’condição banal’’ e os direitos que lhe cabem do mesmo
modo que os seus semelhantes.
No que diz respeito ao nosso posicionamento, eis as condições sine qua non de
sociedades africanas novas e plurais diante dos desafios da contemporaneidade.
1.2.2. A África contemporânea
No bojo de um questionamento contemporâneo sobre os pressupostos veiculadores de
princípios do universalismo, do monolínguismo e da noção de pureza, um conjunto de autores
puseram em questão o eurocentrismo dentre os muitos conceitos transportados para os estudos
africanos.
A partir de Appiah, Kane (2003) se refere aos escritos em língua portuguesa, francês e
inglesa sobre a África subsaariana afirmando que a maioria dos intelectuais dessa parte do
continente é eurófono e constitui uma consequência histórica do encontro com o Ocidente. Kane
replica com pertinência que essas línguas mencionadas (menos o latim) eram na Europa
medieval línguas vernaculares. Adquiriram o estatuto de línguas eruditas somente sob o
impulso da indústria da imprensa e a partir da publicação massiva de obras nessas línguas
mencionadas. Isso marcou uma dimensão importante da Modernidade Ocidental que, no mesmo
período, construiu a identidade "selvagem" que caracteriza, desde então, os povos não
ocidentais. O trabalho de Kane (2003) denuncia leituras de forte inclinação eurocêntrica que
intelectuais, inclusive os africanos formados em escolas ocidentais, fazem do saber na África e
sobre a África. Ele destaca o fato que, ao contrário da biblioteca colonial construída por esses
intelectuais, muitos dentre eles são pensadores pan-africanos.
Samir Amin (1988) caracteriza o eurocentrismo como um fenômeno especialmente
moderno que começou no Renascimento e floresceu no século XIX, constituindo uma dimensão
da cultura e da ideologia do mundo capitalista moderno. Segundo o autor, esse paradigma
manifesta-se de diferentes maneiras, tanto na expressão das ideias recebidas e banalizadas pela
mídia, bem como nas reformulações de especialistas de diversos domínios da ciência social. A
dimensão essencial da ideologia capitalista e as manifestações do eurocentrismo caracterizam,
em um primeiro momento, as atitudes dominantes comuns ao conjunto de sociedades
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capitalistas desenvolvidas. O centro do sistema seria a Europa Ocidental, a América do Norte,
o Japão e, de certo modo, a Austrália, a Nova Zelândia e Israel. Em oposição ao centro, a
América Latina e as Antilhas, a África e a Ásia não-comunista representam as periferias. Ainda
que tal oposição periferia-centro contenha um grau importante de simplificação do real, ela
orienta a discussão sobre a desigualdade entre os espaços decisórios e da luta pela hegemonia.
Ao analisar os sistemas sociais pré-capitalistas, Samir Amin (1988) os define como
economia de transparência, pois, tanto a punção na dinâmica do controle de produção como a
gestão não escapam à percepção dos que suportam a carga de trabalho. De fato, a destinação da
produção se torna imediatamente visível, pois a maior parte é diretamente consumida pelos
próprios produtores. O excedente é retirado antecipadamente, pelas classes dirigentes, em
forma de taxas e impostos. Trocas mercantis e o trabalho assalariado não estão sempre ausentes,
mas limitados em sua amplitude e marginalizados no contexto social e econômico. O
capitalismo produziu um corte decisivo na história universal, alterou a estrutura das relações
entre os diferentes aspectos da vida social (organização econômica, regime político, conteúdo
e função das ideologias), reorganizando-as sobre novas bases. Na análise crítica das relações
entre as concepções do eurocentrismo aplicadas às culturas africanas, deve-se observar sua
tripla dimensão: econômica, política e cultural.
Lévy-Strauss (1987) em seu esforço de sublinhar a distinção entre raça e cultura, observa
que as raças são contadas por unidades, enquanto que as culturas são contadas por milhares. O
autor recusa a validade da ideia dominante, mesmo nos meios acadêmicos, de uma
superioridade ou de uma exemplaridade da cultura Ocidental sobre as outras. Trazendo de volta
a lembrança do pensamento etnocêntrico da maioria dos teóricos ocidentais da história (Locke,
Vico e Turgot, entre outros), ele enfatiza o papel encenado pela colonização e sua visão
civilizatória, em um primeiro plano, e pela alienação que atingiu os africanos e americanos.
A esse propósito, Tariq Ramadan (2005), em um de seus trabalhos sobre a colonização
e a sua alienação, afirma que:
A força das lógicas que nos sufocam já se encontra no cume quando elas
conseguem nos habitar. Incrível e insidiosa eficácia de uma força que aliena a
nossa vontade e nos engana a respeito de nós mesmos, enquanto pensamos
que somos responsáveis pelos nossos pensamentos, tanto quanto das nossas
ações. O fato é claro: hoje, corremos o risco de não mais nos pertencer. [...]
Então, torna-se difícil viver sua fé, moldar sua mente, determinar suas marcas,
marcar seus limites. Difícil ser um homem, difícil ser livre. Entendo por livre
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dessa verdadeira liberdade pelo qual sopro a mente caminha e faz suas
escolhas à proximidade de seu coração, de suas meditações, de sua
inteligência, de suas esperanças.
Ao se referir ao islã como uma escola (no sentido de processo de aprendizagem), o autor
discorre sobre o dever de resistência individual e coletivo diante das lógicas políticas, sociais e
culturais que se esforçam muito para nos manter sob o seu jugo.
De fato, o autor ressalta o primeiro princípio islâmico cujo imperativo é a liberdade
daquele que se forma desta maneira. Sendo assim, ele se assume enquanto ser de consciência e
de responsabilidade. A sede desse princípio cardinal de formação, de edificação, de resistência
é o coração, e a fé é uma das condições para se orientar nas profundezas do espírito. Contudo,
não há fé sem liberdade, não há liberdade sem pleno domínio de seu ser, coração e mente. É
assim que ele convida a responder ao primeiro dever de resistência contra os poderes arbitrários,
os falsos ídolos e a ditadura sedutora de nossos próprios desejos. Para isso, precisaria proteger
a luz do coração, construir a autonomia da mente, descolonizar e vivificar a inteligência,
reivindicar o direito de escolher, com consciência, o caminho e o sentido da vida.
Uma das sutilezas da dominação cultural passa pela sedução tanto do coração quanto da
mente; não importa aqui a ordem. Fragilizar a relação identitária do dominado diante da sua
cultura, para tê-lo sob seu poder, é uma estratégia forte. Sobre isso, podemos apelar a La
Fontaine (2011) que nos apresenta um quadro cômico e triste simultaneamente:
(...)
Um Leão de nobre descendência,
Passando por certo prado,
encontrou uma pastora que o agradou.
Pediu-a em casamento.
O pai com certeza preferiria,
qualquer outro genro menos terrível.
Dar-lhe a mão da filha seria bem penoso.
Porém, não sentia capaz de recusar;
pois sua recusa,
talvez o fizesse numa bela manhã se surpreender
diante de um casamento escondido.
Ele sabia que a bela
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era destinada a nobres pretendentes.
A menina iria pentear-se de bom grado,
para um namorado com longa juba.
O pai, então,
não ousando mandar embora o amante,
disse-lhe: "Minha filha é delicada;
suas garras podem machucá-la
quando quiser acarinhá-la.
Que o Senhor permita, então, que cada garra de suas patas
seja aparada, e que os dentes,
sejam polidos pois.
seus beijos serão menos rudes.
E para o Senhor mais prazerosos,
pois minha filha os responderão melhor,
São estas minhas as inquietações."
O Leão consentiu
tanto sua alma estava cega!
Sem dentes nem garras, ei-lo,
Como um lugar desmantelado.
Soltaram sobre ele uns cachorros:
Ele mostrou pouquíssima resistência.
Jean de La Fontaine. Le Lion amoureux.
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
Continuando o raciocíno, a fábula do leão apaixonado nos permite igualmente pensar a
modernidade muitas vezes oposta à tradição.
O moderno, ou seja, a modernidade alimentou numerosos debates no âmbito das Ciências
Humanas e Sociais, problematizando a oposição entre sociedade tradicional e sociedade
moderna. Essa classificação binária está ligada a uma concepção da história em que o passado
é pensado como sendo “atrás de nós”, abolido do presente que é sempre novo. Essa distinção
nos põe diante de uma série de contrastes que opõem o passado ao presente, o estático ao
dinâmico, o que é continuidade e o que é ruptura. A confusão entre história e o presente
simbolizando mudança leva a crer que a persistência de um fato no tempo não é histórica.
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A noção de tradição (LENCLUD, 1987) destaca a ideia de uma posição e de um
movimento no tempo. A tradição seria a permanência do passado no presente, a sobrevivência
de uma época que já se foi. A tradição seria assim, o passado, o antigo que persiste no presente.
A tradição corresponde a uma filtragem, uma triagem pois ela não transmite a integralidade do
passado. Ela é caracterizada por um depósito escolhido, selecionado, cuja transmissão de
geração em geração ocorre tanto pelo ensino formal quanto pelo comportamento. Se for
considerar a tradição como a conservação de um conteúdo cultural, uma sociedade será
qualificada como tradicional ou como moderna de acordo com o seu grau de respeito e/ou de
submissão aos ditames de continuidade. Cada sociedade, em etapas diferentes da sua história,
seleciona no passado, em sua tradição, as melhores heranças culturais a conservar ou a
perpetuar. Assim, as tradições se fazem e se desfazem continuamente. Daí a pergunta: quais
dentre as sociedades ditas tradicionais ou modernas são as mais tradicionais?
Indagação essa que nos remete a problematizar a questão da identidade na África: esta
se deu através de diferentes contextos sociohistóricos que participa da configuração das relações
entres as múltiplas e diversas comunidades que convivem há séculos. Entretanto,
paradoxalmente, muitas sociedades africanas defendem a ideia de uma identidade puramente
africana, ou seja, da autenticidade de uma cultura, uma identidade africana. Aí se situa o conflito
entre africanos sobre quem é culturalmente africano, ou seja, tradicional ou quem é
culturalmente ‘’branco’’ e, nesse caso, moderno.
Além do biológico, a cultura é constituída por nosso ser, pelo meio da nossa
compreensão do mundo e pelo modo com o qual nele nos projetamos. Enquanto “reservatório”
do conjunto de práticas internas ou externas a certo espaço social em que sujeitos e atores
sociais se mobilizam em função de conjunturas políticas, as culturas e as identidades resultam
de contingências sociohistóricas.
A cultura é a seiva que nutre e de onde a identidade constrói suas raízes e retira a sua
força e energia para a plenitude do ser. É com esse propósito que, Amadou Hampaté Bâ (1985)
convida a juventude africana a assumir sua identidade a partir da cultura. Entretanto, lembra
ele, é preciso ser bom jardineiro, o que significa saber podar as folhas e galhos mortos e, se
necessário, proceder judiciosamente aos enxertos úteis, o que nos conduz a pensar, aí, também
a questão da mestiçagem. As “lógicas mestiças” (AMSELLE, 1999) nos permitem prescindir
do debate sobre a origem e a busca de definição de critérios de pureza. Esse convite à
mestiçagem evidencia o imperativo das culturas se enriquecerem umas com as outras, sob o
risco de murchar e desaparecer.
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Se, para Agambem (2009), a história é característica da complexidade das sociedades
que a compõem, a contemporaneidade seria a relação singular que cada sujeito, cada ator
mantém com a sua época, permitindo-lhe discernir além da realidade simplista o que é
profundo, velado, escondido. Essa relação se quer exigente na sua perspicácia a fim de não
sucumbir aos encantos assassinos reverberados pela sociedade. Nesse sentido, Agambem
(2009) define o contemporâneo como aquele que é capaz de viver a sua época se subtraindo da
sua lógica, de suas armadilhas.
Mais que isso, é preciso que ele adira decididamente às lutas justas a fim de mudar a
realidade, dando à história um sopro novo e perspectivas melhores. É, nesse sentido, percutante,
para uma boa parcela da juventude burkinabê, as palavras do Profeta Muhammad14: socorre o
seu irmão, seja ele injusto/opressor, seja ele vítima de injustiça/oprimido. E ao lhe perguntar
como daria para socorrer um injusto, respondeu: lhe impedindo de ser injusto/opressor.
É tal visão, enquanto postura respeitosa de si e das alteridades, complementares entre
si, que parece contemplar a desejada cidadania cultural, junto a uma juventude clivada entre os
valores ocidentais (do colonialismo e do atual neoliberalismo econômico do qual a África não
escapa) e os valores ancestrais das comunidades socioculturais (muitas delas, há muitos séculos
já impregnadas da religião islâmica).
1.3. A arte Oeste-africana e a cidadania cultural
De acordo com o pensamento de Agamben (2009), é possível analisar o papel da arte
como uma intelectualidade de resistência e defesa dos direitos humanos. É nessa perspectiva
que desenvolveremos a presente rubrica, já circunscrevendo mais ainda a compreensão sobre a
África do Oeste. É preciso dizer que são dinâmicas africanas regionais que se repercutem
fortemente no imaginário criativo local, de uns e outros. Em um capítulo específico sobre a
juventude burkinabê, veremos com maior acuidade as ações culturais-artísticas, nessa
sociedade, em particular.
14 Em nome de Allah, o Mais Todo Misericordioso, o Mais Misericordioso. De acordo com Abu Houreira (que
Allah esteja satisfeito com ele), o Profeta (que a paz e as bênçãos de Allah estejam com ele) disse: "Socorre seu
irmão caso ele seja injusto ou vítima de injustiça". Um homem disse: Ó Mensageiro de Allah! Eu o socorro se ele
sofre uma injustiça, mas se é ele quem comete a injustiça, como posso socorrê-lo? O Profeta (que a paz e as
bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse: "Você o impede de ser injusto, isso é o socorrer". Narrado por Boukhari
no seu Sahih n°6952 e Mouslim no seu Sahih n°2584.
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Oumou Sangaré e a dialéctica do labor
Imagem 22: O artista Oumou Sangaré
Moço, não tenha medo do trabalho pois ali tem uma riqueza
Moço, não tenha medo da terra pois ela carrega em si uma riqueza
Plante árvores; é uma riqueza
Crie gados; é uma riqueza
Uma riqueza não acessível a qualquer um
Incentiva e ensina o trabalho
Moço, não tenha medo do trabalho campestre pois tem ali uma riqueza
A sua riqueza [do trabalho] não é acessível ao preguiçoso
Onde estão os grandes de ontem
Eles se extinguiram
Sim, os grandes de ontem sumiram
Pergunte aos Fula (comunidade) do Wassulu (região do Mali), eles te
informarão
Pergunte aos Malinké (comunidade); eles te dirão que não existem mais
Pergunte às pessoas de Koutiala/Ségou/Bamako; esses últimos estão
sumidos
Pergunte ao povo de Sikasso (região); eles te dirão que hoje dia, esses
grandes são pouquíssimos, mas que estão trabalhando.
Canção: Oumou Sangaré (2009) - N’guatu.
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
Para Supiot (2004), a consciência de si de todo sujeito começa pela alteridade que lhe
manda de volta a sua imagem e lhe confere assim seu estatuto, sua condição humana. Se o
trabalho, de um lado, nos afasta do vício, da necessidade e do tédio, como diz Voltaire (2003),
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em muitas situações, ele é realizado em comunidade, permitindo assim a produção/atualização
dos laços sociais, de outro lado.
A relação do Humano em relação à alteridade é consubstancial à vida social, pois
permite a compreensão das relações que nascem a partir das interações entre indivíduos
fundando assim as sociedades (BOUVIER, 2005). Oumou Sangaré (1996) e Jean De La
Fontaine (2011) elogiam o trabalho que, ao longo da história, tem sido o meio pelo qual
indivíduos, bem como comunidades passaram a existir. O trabalho em si envolve ação e saber-
fazer. Nesse processo, destaca-se uma nova perspectiva: o laço social como forma de cuidar;
cuidar de si e cuidar dos outros.
Pela solidariedade mecânica, bem como aquela orgânica (TREMBLAY, 2002), é
possível entender que o vínculo social não é uma finalidade, mas sim um meio. Nesse sentido,
Supiot (2004) apreende a sociedade como uma massa de partículas elementares impulsionadas
pelo cálculo de suas utilidades individuais, onde todos se comportam como ser auto-suficiente,
enquanto ninguém pode fazer nada sem o outro.
E porque cada um está focado sobre si, caem na armadilha da auto-referência e só tem
assim a ‘’solidão’’ ou a ‘’violência’’ como escolha. Isso nos leva à consideração de que o
"anthropos" enquanto homem de cultura e o "humanitas" enquanto homem de conhecimento
(NISHITANI, 2004) são a expressão eloquente de que o humano é um ser social cuja realização,
desabrochamento, passa não apenas pela alteridade, mas pela qualidade do laço que ela lhe
outorga.
Merquior (2013) sublinha a característica da arte como forma de conhecimento, de
interpretação do mundo (através da metafísica ou da história concreta) ou da realidade objeto
de atenção. Para ele, o artista é em consequência um instrumento de interpretação do mundo.
Assim sendo, a realidade que vive chama sua atenção e o interpela pois ele participa, assumindo
uma posição determinada. Daí decorre sua responsabilidade social.
O engajamento, a contribuição da arte à cultura vista como a maneira pela qual os
Homens humanizam-se através das práticas que criam a existência social, econômica, política,
religiosa, intelectual e artística (CHAUÍ, 1995), é determinante para a permanente busca do
equilíbrio social. Ele é ligado a elementos instáveis e contraditórios criados num certo tempo-
espaço e num período de pertinência definido (BARROS e GALVANI, 2016). Nesse sentido,
a cultura artística deve ser percebida como inseparável da dignidade humana e o respeito que
lhe cabe é constitutivo do direito fundamental dos indivíduos, comunidades e sociedades.
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A postura do artista músico diante da realidade/dinâmica social traduz a importância
dessa arte nas suas relações com os atores sociais implicados. A repressão, assim como as fortes
políticas de controle da atividade musical pelos Estados totalitários, constitui a prova do escopo
político da música do Oeste africano, enquanto contribuição à cidadania cultural que participa
dos Direitos Humanos.
Yeleen, uma visão de vida
Surgido na cena musical burkinabê, nos anos 2000, o grupo de rappers burkinabê-
chadense Yeleen, composto dos artistas Smarty e Mawndoué, cativou seu público através da
sua leitura das realidades sociopolíticas contemporâneas, notadamente no que toca à África. Eis
aqui uma de suas canções ‘’Visão de vida’’:
Deus Todo Poderoso, me mostra o caminho (Refrão)
Não quero me erguer como quem dá lição
Não venho para me inserir na sua vida e suas visões filho
Não venho para botar fogo nas suas casas
Venho só trazer minha contribuição à verdade
Há muitos jovens hoje que não sabem que somos 28 milhões no mundo a ter
o HIV
Cada vez que na África seu sexo ralhar
Pense que somos 20 milhões já no túmulo filho
Matematicamente, somos os mais doentes
A juventude pela falta de informação diz que é só besteira
A gente se entrega ao sexo, ao álcool e à droga
Uns acabam na prisão e outros no necrotério
É a inconsciência crescente nas escolas
Pessoas se prostituem para a obtenção do diploma
A classe honesta vê seu sonho inacabado
Na África, os advogados terminam nos campos de trigo
1360 FCFA (≈ R$ 10,60) por dia para as vacas na França; tais são seus direitos
Eu choro para o cidadão médio de meu país
Quando sei que a gente vive com menos de 600 FCFA (≈R$ 3,85)/ mês
A pobreza a uma dimensão infernal
Esta imagem se vende – mendicidade internacional
As ONGs pululam em nossos países
Fundos são mobilizados, mas a quem isso beneficia?
Sucessões de colóquios e seminários
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Subvenções para uma das numerosas festas dos milionários
Milhões de estudantes são diplomados enquanto uma minoria nos leva ao
panteão dos suicidados
Longe de suscitar alguma rebelião
Gostaria que a gente pensasse nos jovens além das eleições
Quantos apodrecem nos campos de arroz no Sourou enquanto você leva uma
vida de churrasco?
O cachorro late e a caravana passa
Do que se diz, para os pobres não tem mais lugar
É a bagunça nos supermercados
E ainda somos nós que consumimos os produtos fora de prazo de vocês
Ao pensar nisso, temo pela nossa saúde
As farmácias são caras demais e nossas mães não podem pagar
O que explica o forte índice de mortalidade, a forte taxa de comprimidos
expostos em nossas ruas
Eu não tenho resultados às soluções
É só uma inquietação que desvendo numa canção
Certos pais não têm mais limites em sua vida
Bebem e embriagam-se com suas filhas no mesmo bar
Qual educação herdarão os bebês de hoje em dia
Se aos 9 anos têm a disposição um vídeo pornográfico
Ano 2000 ou a época do numérico
Sinto vir os trompetes apocalípticos
São palavras de coração feitas para te tocar
E se não gostar, vai pode zapar.
Canção: Yeleen (2007) - Visions de vie.
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
Através da canção acima, o grupo denuncia, num primeiro momento, a “miséria moral”
pela qual uma parte da juventude “se deixa levar” apesar dos susceptíveis problemas de saúde
que expõe os jovens, do mesmo modo que agrava o prejuízo do país, no tocante à sua
participação social. De fato, a taxa de pessoas vivendo com o HIV na África subsaariana é
significativa (ONUSIDA, 2013). Ainda que existam diferentes modos de transmissão, os
comportamentos sexuais de risco contribuem fortemente para isso. E as estatísticas das
instituições de saúde pública, diante do consumo de álcool e demais drogas, não são as
melhores.
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Imagem 23: O grupo Yeleen
Como os demais países da sub-região, o Burkina Faso lida com a falta de escolarização
tanto no ensino médio quanto no superior. Igualmente, para a maior parte da população, o difícil
acesso à escolarização de qualidade (PILON, 2004; PILON, WAYACK-PAMBE, SANGLI,
2013; DIA, 2013), constitui um déficit para os fracos orçamentos da maioria dos Estados Oeste-
africanos que se esmigalham sob o peso de suas ‘’obrigações’’ diante dos colonizadores de
ontem (SAVADOGO, 2014; KOUTONIN, 2014; AMIN, 1971).
Tal como Yeleen o sublinha aqui, a inadequação entre a formação dos diplomados e sua
inserção socioprofissional, assim como a pauperização das comunidades, justificam o recurso
à ‘’ajuda estrangeira’’. E tratando-se das lógicas de exploração e de corrupção da ‘’mendicância
internacional’’, há muito a se denunciar (DE SARDAN, 1995; BIERSCHENK, DE SARDAN
ET CHAUVEAU, 2000).
Os artistas não deixam também de chamar a atenção sobre o lamentável mercado de
produtos alimentícios e farmacêuticos, sobretudo, o que constitui o continente africano (JEUNE
AFRIQUE, 2013; DOCCHECK NEWS, 2013). Junto a essa realidade, o grande escândalo
depois da morte, em 2006, de milhares de habitantes na Costa do Marfim devido às toneladas
de resíduos tóxicos descarregados no porto de Abidjan, pelo navio Probo Koala (SANGARÉ,
2014; JEUNE AFRIQUE, 2010; 2012) merece ser mencionado aqui. Ele nos remete à perversa
visão de depósito que políticos dos países do Norte e, também, os do Sul têm a respeito da
África.
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Tiken Jah Fakoly e a crise econômica marfinense dos anos 1980 e 1990
Imagem 24: O artista Tiken Jah Fakoly
Tiken Jah Fakoly (RFI Musique, 2014) cuja carreira musical iniciou-se, em 1987, com
o grupo Djelys, conquistou a cena musical em 1996. Artista engajado, suas canções convidam
as populações à reflexão e a mais dinamismo e responsabilidade nas ações cidadãs.
Na canção Baba, abaixo transcrita, através de uma realidade vivida pelos agricultores
da Costa do Marfim, o artista denuncia a má governança dos Estados Africanos.
Vamos pôr a nossa fé em Deus; Deus defenderá a verdade (Refrão)
Cada dia bem cedo, baba percorre uma longa distância a pé para ir ao campo
Ele trabalha sempre ao sol, torturado pelos Wororowo15
Suas mãos carregam as feridas deixadas pela enxada
Os talos de milhete fazem igual
Depois de tudo isso, a colheita não oferece nada a baba
Não vejam o quanto baba o pobre sofre
15 Nome em línguas diula e bambara de um inseto (particularmente "chato") atraído pelo suor. Sabendo que a
agricultura em África do Oeste é ainda hoje em dia praticada manualmente, é com facilidade que a gente visualiza
a imagem que é descrita pelo artista.
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Cada dia, ouço pela televisão e pelo rádio que o sucesso do país baseia-se na
agricultura
Mas nossos pais vivem e morrem numa grande miséria
A cidade de Abidjan (Costa de Marfim) é repleta de braços valentes capazes
de cultivar
Não o fazem. Entretanto, gostam tanto do arroz quanto da banana
O governo abunda de braços válidos capazes de trabalhar
Não o farão; entretanto, são eles que gerenciam as riquezas do país
Será que não veem como baba o pobre sofre!?
Canção: Tiken Jah Fakoly (2008) - Baba.
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
Nessa canção, o artista marfinense denuncia uma situação sociopolítica: a queda do
preço do cacau e do café, que abalou a economia da Costa do Marfim nos anos 1980 e 199016.
Depois de um reluzente crescimento, entre 1975 e 1978, a crise econômica de plantação
leva o país a uma recessão conduzindo a ajustamentos dos gastos internos (BOSSARD, 2003).
As consequências dessa crise foram terríveis para os agricultores, primeiros atores dessa
economia. É dessa realidade que se trata na presente canção de Tiken Jah Fakoly. A
originalidade do artista de identidade manding17 reside no seu gênio a denunciar a partir dos
valores sociais comuns à África do Oeste. De fato, a poética de sua mensagem respeita as regras
da arte da palavra das comunidades Oeste-africana, que no grupo mandé (NIANE, 1960;
CAMARA, 1978; CISSÉ e KAMISSOKO, 1988) partilham as línguas Dioula e Bambara.
Através dessa estética, o artista relata o sofrimento cotidiano/anual dos agricultores da
Costa do Marfim18 composto dos grupos Akan/Baulé (42 %) e Kru/Bété (11 %), populações
locais que historicamente se instalaram há mais tempo e cujas línguas são respectivamente o
kwa e o kru. Quanto aos alógenos, eles se compõem dos grupos malinké (17,5 %)
e mandé (16,4 %) falando as línguas voltaicas e mandé (BOSSARD, 2003). O artista usa a
personagem ‘’Baba’’ que se traduziria por ‘’papai’’. Entretanto, é preciso mencionar que
16 No mesmo período, os demais países da sub-região eram abalados por importantes mudanças sociopolíticas e
econômicas (LEBLANC E GOMEZ-PEREZ, 2007).
17 Adjectivo vindo de mandé.
18 Devido à sua localização geográfica (fácil acesso pelo sul do Oceano Atlântico) assim como as condições
climáticas favoráveis para a agricultura, o país, graças às políticas coloniais, é uma das maiores encruzilhadas da
África Ocidental.
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socialmente, ‘’Baba’’ é um homem da terceira idade tendo sob a sua responsabilidade (moral e
financeira) muitas famílias (jovens casais e seus filhos) e, por conta disso, está ainda
trabalhando enquanto, segundo a cultura, apesar de já estar em um momento da vida em que
deveria ‘’descansar’’. A mudança social que interveio na família Oeste-africana, desde há uns
trinta anos (SAVADOGO, 2009) abalando seus valores acentua a dor de "Baba". Ademais, o
artista chama também a atenção sobre a preferência que muitos cidadãos têm a respeito do
‘’trabalho intelectual’’ em comparação à vida rural áspera, assim como o trabalho agrícola,
principal setor econômico do país. Ele elogia aqui a coragem e a dedicação dos agricultores
nesse setor apesar das permanentes crises que eles sofrem.
Salif Keïta e a imigração Oeste-africana na França
Embaixador da música mandinga, desde os anos 1987, o engajamento social e político
de Salif Keïta através da arte permitiu um melhor conhecimento do mandé. Por ter imigrado na
França nos anos 1984, a convivência com os compatriotas africanos lhe permitiu em 1989, uma
significativa contribuição a essa mesma temática, através da canção ‘’Nou pas bouger’’:
Do tempo da escravidão
Os africanos sofreram, padeceram
Eles foram lesados
Os brancos estão em todos lugares na África
Estão no Senegal, na Costa do Marfim, no Mali
E como os chamam?
Chamam-se cooperadores
Cooperadores franceses, chineses japoneses
E nós, os chamamos nossos irmãos
Minha irmã, guarde minhas bagagens
Há CRS [militares] em todos cantos com apitos nos lábios para nos
repatriar
Nou pas bouger (Não vamos ir embora) – Refrão
O branco está em todos cantos em África
E cada dia, sofremos vergonhas e humilhações
Os bombeiros são cotidianamente mobilizados
E cada dia nos matam
Os policiais estão permanentemente em alerta
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Cada dia há apreensões e aviões são constantemente fretados para nos
expulsar
Enquanto os negros falam o francês, o inglês, o chinês, o japonês
Tudo isso a fim de provar a sua digna humanidade aos brancos
Mas sem sucesso; esforços e trabalho perdidos
Minha irmã, guarde minhas bagagens
Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios
Nos ordenando a ir embora do país
Os filhos dos brancos e dos negros nascidos aqui são infelizes
Seus pais falam francês e suas mães falam francês
Minha irmã, guarde minhas bagagens
Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios
Nos ordenando para ir embora do país
Mas ‘’nou pas bouger’’ (não vamos ir embora)
Canção: Salif Keïta (1989), Nou pas bouger.
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
A exclusão, a xenofobia, as leis e comportamentos discriminatórios (tanto institucionais
como da parte das populações locais) diante dos trabalhadores imigrados africanos, sobretudo,
malineses inspiraram Salif Keïta na composição da canção Nou pas bouger. O artista se
apropria aqui da linguagem cômica19 desses imigrantes que, na sua maioria, não tiveram uma
aprendizagem escolar formal da língua francesa e misturam o francês ao bambara. Através de
uma perspectiva histórica indo do tráfico negreiro (DORIGNY, SCHMIDT E DUMESTE,
2008; M'BOKOLO, 2016) aos anos 1989, ele lembra as tribulações dos africanos diante da
opressão do ‘’homem branco’’. Ele não deixa de chamar a atenção sobre a sutileza das
expressões usadas de acordo com a sofisticação das políticas de exploração das relações
‘’França-África’’ na medida em que os africanos vão mobilizando esforços para se subtrair à
lógica: aprendizado das línguas dos diferentes países anfitriões como signo de boa-fé; lógica de
‘’esconde-esconde’’ com os diferentes exércitos “da lei”; solidariedade entre os imigrantes.
19 O mesmo vale para a expressão ‘’anciões combatentes’’ (veteranos) da África Ocidental das primeira e segunda
guerras mundiais que misturam o francês e suas línguas maternas. Conferir também Ousmane Sembene. Camp de
Thiaroye - [Legendado em Português]. 1987. URL: https://www.youtube.com/watch?v=BOyD3u0vXvI
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Tantos esforços em vão leva a indignação ao máximo. Daí sua recusa em se deixar expulsar
(KEÏTA, 2001).
Na sub-região Oeste-africana, com as crises econômicas dos anos 1980 a 1994 que se
estenderam até os anos 1998 com rupturas e outras contestações políticas, a juventude que até
então era excluída das esferas políticas e econômicas (GOMEZ-PEREZ e LEBLANC, 2007)
apropriaram-se dos espaços públicos, redefinindo a cidadania em relação à cultura (de cada
realidade social) e ao político.
Muitas expressões artísticas, notadamente musicais da sub-região surgiram de um tal
contexto. O que destaca a força da sua significativa participação social. Todavia, Mbembe
(2009) sublinha as difíceis condições para o seu devido reconhecimento, contestado ainda hoje.
Essa constatação vale igualmente quando se trata da criatividade cultural africana. Para o autor,
isso se explica, de um lado, pela relação mantida pelos governos e políticos africanos com o
setor artístico. De outro, trata-se da relação de poder estabelecida pelas agências de
financiamento da Europa Ocidental diante dos artistas supostos beneficiários. Em primeiro
lugar, ele evoca entre outros a crítica da arte e da cultura vistos como paliativos ao
subdesenvolvimento.
A isso acrescenta-se a interpretação da arte como expressão coletiva; a ideia defendida
aqui sendo a refutação de uma estética africana em favor de uma autenticidade que, se
necessário, é fabricada. Em seguida, vem a progressiva queda, há uns dez anos, da contribuição
financeira da Europa Ocidental ao desenvolvimento das artes e da cultura na África, assim como
as humilhantes restrições das políticas de financiamento de suas agências.
Crítico do desconto da importância e do valor da arte de acordo com a sua contribuição
a um pretendido desenvolvimento medido sobre a base do bem-estar material, Mbembe (2009)
situa a saída da crise da arte contemporânea africana na necessidade de políticos de criatividades
artísticas em articular a crítica cultural e a teoria da crítica que lhe permitirá gravar
diferentemente seu nome, sua voz e seu rosto em uma história temporal orientado para o futuro.
O autor está convencido do inextricável destino da África, ligado ao do resto do mundo. É nesse
sentido que convida os governos e políticos africanos, bem como as agências de financiamentos
das artes e da cultura na África, a redefinir suas relações a partir de uma ética nova baseada no
reconhecimento e na reciprocidade.
Diante das violências impostas ao continente africano e às suas populações, assim como
das perversas contribuições que lhes foram exigidas ao longo da história, parece-nos evidente
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que pela sua cidadania cultural, a África e suas populações têm, como Leopold Sédar Senghor
o dizia, participado legitimamente no ‘‘desenvolvimento global’’, no ‘’banquete do universal’’.
1.4. Cidadania Cultural e Desenvolvimento
O banquete do universal ao qual se refere um dos pais da Negritude20, Léopold Sédar
Senghor21, refere-se em substância à necessidade de contribuição de cada povo do planeta ao
universalismo da humanidade, a partir de sua cultura própria. É desse arco-íris do humanismo
que Nelson Mandela fazia a apologia. São igualmente valores expressados pela fórmula do
historiador Serge Gruzinski: podemos pertencer a muitos mundos e a muitos tempos sem querer
os reduzir ou os uniformizar. Não seria o único jeito hoje em dia de domar a globalidade que
nos cerca e que nos invade?
Apreende-se a globalização como a abolição do espaço e, em seguida, do tempo. Serge
Gruzinski (2016) se referindo à sua dimensão colonial a caracteriza como a ‘’Ocidentalização’’
das diferentes partes do globo, assim como tudo que decorre daquilo. Seus trabalhos situam o
início deste empreendimento, no século XVI (1580), quando os Impérios da Espanha e de
Portugal se aliam.
Esse evento maior é singular, pois, pela primeira vez, grandes Impérios se ‘’fusionam’’
sob a autoridade da Monarquia Católica que administra territórios espalhados nas quatro partes
do mundo: Espanha, Portugal, Bélgica-Holanda, uma parte da Itália, uma parte da América
(Lima no Peru, México no México), a Ásia com as Filipinas (Manila), a China (Macau), a Índia
(Goa) e a África com os portugueses (DENOON, 1999; PABIOU-DUCHAMP, 2005; KIPRÉ,
2004).
Tal empreendimento que o autor designa como a “mundialização ibérica” mobiliza um
conjunto de redes (comércio, política, religião, intelectualidade) ao serviço de um processo
20 Movimento, corrente literária notadamente estudantil do século XX que agregou intelectuais negros e/ou se
identificando à identidade negra nos países africanos ou da diáspora africana que são/foram vítimas da opressão
colonial. Os líderes foram René Maran, Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor.
21 Conferir: Assemblée parlementaire de la Francophonie - section française. Actes du colloque : Léopold Sédar
Senghor : la pensée et l’action politique. 2006. http://www.assemblee-
nationale.fr/international/colloque_senghor.pdf
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planetário de homogeneização do espaço e do tempo tanto nas suas dimensões materiais quanto
nas simbólicas.
Assim, a história dos indígenas do Novo Mundo escreve-se através da captura das
memórias locais. Essa colonização cristã inculca a esses últimos uma visão do tempo (passado,
presente e futuro) e de suas realidades europeias, notadamente a grande competição do
momento entre islã e cristandade (GRUZINSKI, 1988).
Sincronizando as novas terras e suas populações conquistadas com a cristandade
europeia, a Monarquia Católica unifica o tempo pelo simbólico. Esta escritura da história,
iniciada no México no século XVI, constituía um dos motores da mundialização ibérica que,
mais tarde, servirá em outras experiências históricas: a Índia, a África, a China. Doravante, por
todo o mundo, a colonização europeia exporta seus diferentes parâmetros históricos e isso será
acompanhado por uma redução das memórias locais.
O conceito de desenvolvimento assumiu muitas formas, ao longo da história de
diferentes sociedades, determinando assim suas múltiplas acepções. Depois se restringiu,
durante muito tempo, à dimensão econômica, diante dos desafios contemporâneos, uma atenção
particular é dada à sua dimensão humana e social na sua definição e implementação (DIAGNE,
2017b).
Guy Hermet (2000) define o desenvolvimento como sendo o processo de mudança pelo
qual uma sociedade alcança um maior bem-estar. Para isso, através de uma abertura para o
outro, ela deve conseguir tirar de si mesma todos os recursos que possui. Através deste processo,
trata-se de permitir à sociedade de se realizar mais pela auto-revelação de suas capacidades e
pela mobilização de suas potencialidades.
No entanto, deve se dizer por essa definição, que o crescimento e a distribuição da
riqueza material relacionada à dimensão econômica do desenvolvimento permanecem
incontornáveis para esse bem-estar em questão. A cultura, vista como a matriz primordial de
valores, é, portanto, comportamentos, razões para uma sociedade existir.
Abordar a questão do desenvolvimento em sua estreita relação com a cultura leva a
considerar a cultura em suas dimensões social e econômica. De acordo com muitos estudos,
(HERMET, 2000; BEAUCHAMP, 1997; CERNEA, 1998; ROPIVIA, 1995; AUBERTIN e
FRANCK-DOMINIQUE, 2006), desenvolver-se a partir do capital social passa pelos recursos
intrínsecos que as sociedades envolvidas possuem, o que implica na faculdade de ser sensível
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às especificidades culturais delas. Falaremos, então, de participação social. A exigência da
participação social constitui, enquanto princípio moral ou ético, tanto os meios como a meta a
ser alcançada no âmbito do respeito da natureza humana e de sua realização.
O desenvolvimento contribuiria assim para uma cidadania moderna em sintonia com a
sociedade e os desafios que ela enfrenta. Nesse sentido, a dimensão econômica da atividade
cultural na economia de mercado da globalização está longe de ser insignificante. Esta indústria
cultural (TIENDREBEOGO, 2017) e suas produções comercialmente projetadas
(re)dinamizam as economias.
A nova importância agora atribuída aos fatores sociais e antropológicos nas abordagens
de desenvolvimento supõe igualmente o estabelecimento de topografias culturais e
institucionais específicas, destacando as limitações, bem como as oportunidades meio invisíveis
de cada cultura, assim como seu capital social. Essa ferramenta permite aos atores sociais uma
melhor apreensão da diversidade das comunidades e sociedades envolvidas no processo de
desenvolvimento. As diferentes resistências das populações e da intelligentsia africana, desde
o final da segunda guerra mundial, constituem-se em pertinentes respostas às lógicas coloniais
em relação à África.
Todavia, deve-se dizer que os espíritos e a imaginação estão congelados no tempo
(THIOUB, 2016). Assim, a África funcionaria a partir de uma norma ocidental (DIOUF, 2014;
MUDIMBE, 2013; SAID, 1990). Isso justificaria aos olhos das chamadas sociedades do
primeiro mundo, a violência dos africanos, sua burrice, seu atraso no mercado mundial e sua
pobreza.
Para nós, trata-se de chamar a atenção sobre as noções de sociedade, de humanidade e
de imaginação criativa (BOULANGA, 2009; 2016; MBEMBÉ, 2014; 2016; DIAGNE, 2017;
MBEKO, 2017a, 2017b) que querem que o que as sociedades humanas construíram e pensaram,
por todo o mundo, ao longo da história, sejam sempre fontes de inspiração a fim de enfrentar
os desafios do nosso tempo. Isso só poderia se fazer pensando em uma humanidade geral que
faz apelo à alma aberta, descrita pelo pensamento bergsoniano, como aquela que se opõe à alma
atrofiada e fechada para quem, amar é sempre amar contra os outros, pois, preocupando-se
apenas consigo mesma.
A antropologia (anthropos) islâmica faz do humano o "vice-regente de Deus" diante de
uma parte de sua criação (notadamente a terra, seus recursos e habitantes, incluindo o humano).
Sua responsabilidade assim estabelecida de proteger a vida pelo cuidar da criação divina é,
P á g i n a | 88
portanto, a condição da plena realização de sua humanidade. Nisso, dizemos que a consciência
ecológica aparece como um imperativo; e, ainda mais, porque os homens em sociedade
dependem dela.
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CAPÍTULO 2: HERANÇAS HISTÓRICAS E LUTAS SOCIAIS EM BURKINA FASO
Nesta capítulo nos deteremos fundamentalmente no quadro das lutas sociais e políticas
em curso na sociedade burkinabê; se suas expressões denotam uma configuração relacionada
às realidades do século XXI, é no século XIX que convém situar essas origens. Devido às
considerações relacionadas às políticas coloniais e, posteriormente, às reconfigurações pós-
coloniais, nossas análises hão de referir-se constantemente a essas realidades históricas que se
articulam.
O conjunto dos países francófonos da região da África do Oeste pertencia a uma só
administração territorial: a África Ocidental Francesa (AOF) cuja capital foi, por muitos anos,
a cidade de Dakar no Senegal. A administração dos diferentes territórios que a compunha seguia
essa hierarquização, até as independências a partir da qual esses últimos adquiriram suas
‘’autonomias’’.
Nesse sentido, iremos nos referir permanentemente a uma ou outra realidade dessa
configuração histórica, pois, são indissociáveis. Nessa mesma lógica, usaremos igualmente, os
nomes: ‘’Alta Volta’’, nome antigo do Burkina Faso cuja população seria ‘’voltaícos’’ e
‘’Burkina Faso’’ referindo-se ao nome atual cuja população chama-se ‘’burkinabê’’.
2.1. Memória e Revoluções
Durante os anos de 2014 e 2015, a juventude burkinabê se destacou marcando
significativamente a história do país. Diante da decisão do Presidente Blaise Compaoré em
participar das eleições almejando, um terceiro mandato, um movimento popular o obrigou a se
demitir.
Os atores dessa revolução reivindicaram os seus atos como pertencendo à “geração
Sankara". Essa eloquente identificação dos jovens ao Sankara nos leva a indagar,
primeiramente: quem é Sankara? Qual legado de Sankara os burkinabê reivindicam? Nas
explicações que se seguem, a se considerar que ‘’Thomas Sankara’’ e o ‘’Che Africano são a
mesma pessoa.
Thomas Sankara (1949-1987) é uma das personalidades singulares que, por suas ações,
lutou contra a desigualdade e a injustiça social, no país. Fortemente comprometido com o
P á g i n a | 90
fortalecimento dos grupos sociais desfavorecidos, a mudança social que ele promovera, marcou
a sociedade com uma grande mudança relativamente às políticas nacionais, até então definidas.
Tendo como líder o capitão Thomas Sankara chamado o "Che Africano", a revolução
democrática popular do 04 de agosto de 1983 tomou o poder tendo como projeto a
transformação radical da sociedade22. O regime do Conselho Nacional Revolucionário (CNR)
trouxe uma mudança radical nas alianças sociais que sustentavam a organização sociopolítica
do país. Destacando-se dos predecessores políticos, a relação de Sankara e do CNR com a
sociedade civil, assim como com as suas principais instituições (chefes tradicionais, líderes
religiosos, sindicatos), focou na substituição da aliança entre o Estado, os seus funcionários, as
autoridades tradicionais e religiosas para uma aliança com os camponeses os quais se tornariam
a base social do regime (OTAYEK, 1993).
Dentro de suas prioridades constava a luta contra as políticas culturais imperialistas do
Norte, do mesmo modo que a luta contra a alienação em cuja lógica opera para a redução das
populações do Sul. Além disso, a sua política internacional configurava-se contra o
neocolonialismo, que caracterizava (o que continua, ainda nos dias atuais) as relações entre a
França e a África, e pela recusa em pagar a dívida financeira de ajuda ao desenvolvimento,
"imposta" pelas poderosas instituições políticas e econômicas internacionais, tais a Organização
das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial, assim como o Fundo Monetário International
(FMI).
Se a juventude burkinabê reivindica o legado de Thomas Sankara, deve-se dizer que ele
é de grande importância. Em 4 de outubro de 1984, na trigésima nona sessão da Assembléia
Geral das Nações Unidas, sua mensagem impôs o firme passo em que ele se comprometeu
resolutamente. Assim que iniciou sua fala, ele se apresenta como um cidadão do pequeno país
de apenas 274.000 km2, tendo naquele momento sete milhões de habitantes e, recusando
doravante a morrer de ignorância, de fome e de sede devido à injustiça, a espoliação e outras
violências de um sistema colonial. Solidário dos povos da Ásia, da América Latina e da África,
que também compartilham o status de povo do Terceiro Mundo, denominação maliciosa da
segregação cultural, bem como da subjugação econômica e política aos quais o Ocidente se
22 Conferir o discurso de orientação política do Conselho Nacional da Revolução (CNR) em 1983. Disponível em:
http://thomassankara.net/discours-d-orientation-politique-2/
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atribui o direito, ele afirmou que o grão do pobre alimentou mais do que o suficiente a vaca do
rico.
Thomas Sankara fala da "ajuda" ao desenvolvimento que assume a mesma lógica,
entretanto com formas diferentes ao longo das eras. Para esse propósito, ele recorre à metáfora
bíblica para jamais se recusar categoricamente e firmemente a receber outros tapas, pois tem
esticado por muito tempo a outra face. De fato, sensível à universalidade do humano tanto no
nível espiritual como material, ele faz sua a causa de todos aqueles que sofrem em sua carne,
pois escarnidos em sua dignidade de homem por uma minoria de homens, por um sistema que
os esmaga; assim ele dizia que, enquanto homem, nada do que é humano lhe é estrangeiro.
Hábil, mas bem claro e sem rodeios, o "Che africano" interpela a ONU a respeito da sua
responsabilidade assassina no destino dos povos martirizados. E defronte à urgente necessidade
dos povos a se assumir, ele afirma que o escravo que não é capaz de assumir sua revolta não
merece que se lamente sobre sua condição, seu destino, pois este último responderá sozinho por
sua infelicidade se ele se ilude sobre a suspeita condescendência de um mestre que pretende
libertá-lo. Nesse sentido, apenas a luta liberta. Homem de personalidade, ele proclama, jurando
que, doravante, no Burkina Faso, não haverá mais atentado ao pudor e à dignidade dos
burkinabê, pois, suas vozes se farão ouvir e sua vontade será implementada. É nessa visão que
ele inscreve a revolução no Burkina Faso como uma resposta inspirada em todas as experiências
dos homens, desde o primeiro sopro da Humanidade.
Assim, ele faz o povo burkinabê herdeiro de todas as revoluções do mundo e de todas
as lutas de libertação dos povos do Terceiro Mundo. A escuta dos abalançamentos que
transformaram o mundo, tirando lição das consequências das vitórias conquistadas pelas
diferentes revoluções, Thomas Sankara clama "a África quanto o Burkina Faso aos dignos
filhos que os merece" (SANKARA, 198423).
Para a Geração Sankara, trata-se, conformemente ao legado de Thomas Sankara, de
resistir aos ditames do Ocidente, mas também de ser vigilante e crítico a respeito da burguesia
africana diplomada nas escolas ocidentais. De fato, esses últimos se comprazem muitas vezes
em seus privilégios corroendo assim o dinamismo das legítimas lutas. Nesse sentido, a
mensagem do "Che Africano" é explícita. Para ele, trata-se para os intelectuais africanos, nas
23 Discurso de Thomas Sankara na 39e sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) no 04 de outubro
de 1984. Conferir a integralidade do discurso em anexo.
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diferentes áreas de atuação, da necessidade urgente de nunca deixar aos inimigos, de ontem e
de hoje, o monopólio do pensamento, da imaginação e da criatividade. Eles devem retornar a si
mesmos, à sua sociedade e à miséria herdada, a fim de perceber o quanto a batalha por um
pensamento a serviço das massas deserdadas está longe de ser em vão. E porque ele dará
internacionalmente uma imagem fiel de seus povos, esse pensamento lhes permitirá realizar
mudanças profundas na situação social e política, capaz de arrebatar os africanos da dominação
e da exploração estrangeiras que entregam seus Estados à única perspectiva da falência.
Uma vez resgatada uma memória revolucionária, o que reter daqueles que se engajaram
nas lutas?
2.2. Das lutas sociopolíticas da juventude africana
2.2.1. O sistema escolar colonial e a formação de uma nova geração de africanos
Como indicado, no início do capítulo, as lógicas antigas da administração colonial
francesa, interligadas as realidades da Alta Volta e, na contemporaneidade, do Burkina Faso,
conversarão permanentemente.
Logo após a colonização, a necessidade de assegurar a perenidade da dominação
francesa sobre as colônias levou a França a pensar na formação dos colonizados. Assim, no dia
7 de março de 1817, em São Luís do Senegal, foi inaugurada a primeira escola na qual se propôs
a trabalhar com base no método Bell e Lancaster a fim de promover o ensino mútuo.
Em 1841, diante da crise do ensino, os notáveis de São Luís e o Governador acabaram
por entregá-la nas mãos dos religiosos. Solicitados para dar um ensino profano, os religiosos
instalaram um processo de ensino baseado no cristianismo. Enfim, surge o conflito, já que a
região é majoritariamente muçulmana (SALL, 1996). Cabe ressaltar que a administração
colonial tinha uma atitude ambivalente quanto ao islã, prossegue Sall (1996). A prática de
ensino com presença de um mestre e disciplina de estudo encontra-se já presente nos contextos
muçulmanos, sendo assim percebidos pela administração colonial como capaz de favorecer as
atitudes e a aceitação da constituição de escolas coloniais.
Entretanto, ela poderia vir a favorecer a organização de resistências ao colonialismo
francês. Compreende-se, assim, os motivos da adoção por parte da administração colonial de
uma política estrategicamente pró-islâmica, era ambígua pois capaz de reprimir os muçulmanos
quando entendessem que seus atos sinalizavam situações de ameaça. Em reação a um conflito
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religioso entre a base cristã e islâmica que se tornava cada vez mais importante, o então
Governador Louis Faidherbe criou, em 1856, a chamada Escola dos Reféns (l’École des
Otages), cujo objetivo central era contribuir para consolidar o colonialismo através da
dominação cultural, assimilando os colonizados.
Em 1871, ela foi fechada para ser reaberta em 1894 designada, então, de Escola dos
Filhos de Chefes (l’École des Fils de Chefs) voltada naquele momento para a formação de uma
elite colonial local com base nas antigas elites locais (SALL, 1996; SOW, 2004). Em 24 de
novembro de 1903, através de três resoluções, o Governador Geral da África Ocidental
Francesa (Afrique Occidentale Française - AOF) permitiu, pela primeira vez, tratar das questões
de ensino e do sistema educacional (adaptado sempre ao traço colonial). Na época, o sistema
escolar era assim composto:
Ensino fundamental oferecido pelas escolas regionais. Estes estabelecimentos podiam
atribuir o Certificado de Estudos Primários Elementares (CEPE) localmente;
Ensino fundamental oferecido pelas escolas urbanas. Estas deveriam preparar o exame para
o CEPE de acordo com os programas franceses;
Ensino profissional;
Ensino urbano: médio e comercial acessível apenas após o CEPE;
Escola de formação de São Luís (no atual Senegal), com um departamento para os
professores e uma seção administrativa para formar intérpretes e outras funções de
responsabilidades no contexto colonial (SALL, 1996).
As necessidades da administração dos territórios expoliados pela França forçam as
autoridades a estabelecer um sistema escolar. O Senegal, que tinha Dakar como residência do
Governador Geral, que era a capital da África Ocidental Francesa (AOF), assumiu uma posição
central em relação às outras possessões do Oeste africano.
O sistema escolar foi fundado para formar quadros subalternos para a administração
(comissões e intérpretes) a partir do Senegal, favorecendo a criação de infraestruturas como o
estabelecimento progressivo de empresas e o fortalecimento do comércio. Formavam-se, assim,
as condições para que emergisse uma elite local vinculada ao modo de vida, formas de
pensamento e, sobretudo, aos interesses franceses. A evolução do sistema escolar permitiu a
uma minoria africana seguir os estudos nas universidades e faculdades de renome da África do
Norte e da Europa (principalmente da França no caso do Burkina Faso).
P á g i n a | 94
O encontro com estudantes de outras regiões colonizadas do mundo (entre outros fatores
históricos como as Guerras da Europa) iria favorecer o surgimento de um lado, dos movimentos
de independência e de solidariedade entre os estudantes do país e de outro, do perfil intelectual
e filosófico das suas lideranças. Assim, a participação ativa dos africanos nas duas guerras
mundiais pela liberdade, de quem os priva deste mesmo direito, nutriu contestações, seguidas
de reivindicações.
O papel da juventude nesses movimentos de luta pela independência teve grande alcance
e repercussões duradouras (SOW, 1993). Podemos considerar que o século XX foi o contexto
de emergência do próprio conceito de juventude na África (BONNEVAL, 2011; ALMEIDA-
TOPOR, 1992). Pela predisposição e o compromisso para ações inovadoras, nota-se que a
juventude africana passa pela construção de uma identidade sedenta de autoafirmação e de
afirmação política. Diante das inúmeras críticas em relação à ordem social em vigor, suas ações,
no contexto socioeconômico, político e histórico, mantêm-se determinantes nos principais
processos de mudança social.
Das lutas anticoloniais, retém-se a imagem da juventude estudantil engajada nos
combates políticos em nome da recusa da servidão. E, por isso, a luta revolucionária contra o
imperialismo e seus agentes permitiriam a reivindicação de um melhor estatuto político e
cultural (MBEMBE, 1985; MONGA, 2010; IROBI, 2012).
2.2.2. A juventude estudantil e as lutas pela independência
Após os anos 1930, formaram-se na Europa, principalmente na França, assim como nos
países da África do Oeste que ainda eram colônias francesas, grupos de estudos comunistas
secretos, dando origem a um espaço de formação política de base (BÂ, 1975; SOW 1993).
Neste contexto histórico, os movimentos de estudantes uniram-se para denunciar as políticas
coloniais que negaram e desprezaram as diferenças culturais africanas, e saquearam suas
riquezas.
O jornal estudantil “Dakar-Étudiant”, órgão da União Geral dos Estudantes da África
Ocidental (UGEAO), assim como o jornal “L’étudiant d’Afrique noire” da Federação dos
Estudantes da África Negra na França (FEANF), ganharam destaque nos anos 1954. Tornaram-
se poderosos suportes de mobilização política e instrumento de difusão da luta dos povos
africanos e, também, de experiências para outros movimentos revolucionários contemporâneos.
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Essa dinâmica foi consolidada pela emergência consciência patriótica que soube ultrapassar os
antagonismos e as outras dificuldades consecutivas à luta (SOW 1993).
No primeiro momento, essas ações impulsionaram o reflorescimento cultural, seguida
pela revalorização dessa mesma cultura, enfatizando as resistências à penetração colonial e a
história das culturas africanas. É nesse contexto que jovens pesquisadores, como Cheikh Anta
Diop, ganham destaque (SOW, 1993).
Movimento político-cultural revolucionário que se destaca por uma crítica veemente da
cultura eurocêntrica e colonizadora, o pan-africanismo se caracteriza desde seu início pelas
identidades múltiplas marcando as diferentes populações da diáspora africana nas Américas.
Identidades construídas através da violência escravagista do comércio negreiro transatlântico,
o movimento nasce no Caribe (Haiti e Jamaica) e nos Estados Unidos no final do século XVIII
de uma vontade firme de luta pela liberdade e pela dignidade da grande família africana mundial
(BOUKARI-YABARA, 2014; 2016).
Do encontro em Paris dos estudantes africanos e os da diáspora africana – os
afrodescendentes (sem esquecer outros movimentos no Ocidente), nasce o movimento literário
da Negritude em 1932-1934 (SENGHOR, 1967), que teve como líderes Aimé Césaire, das
Antilhas; Léopold Sédar Senghor, do Senegal, e Léon-Gontran Damas, da Guiana.
Identificando-se ao Pan-Africanismo, o movimento exaltou o ‘’negro’’ assim como ‘’ser
negro’’ como resposta à opressão colonialista em suas diferentes dimensões (DOMINGUES,
2005).
Pan-negrismo num primeiro momento, este sentimento de solidariedade entre a diáspora
africana nas Américas, o Pan-Africanismo alimenta a vontade do retorno sobre a terra mãe-
África que até o fim do século XIX estava sob o domínio colonial a fim de libertá-la e unificar
os diferentes povos africanos. Desta ideia, o Pan-Africanismo se torna um movimento de
libertação, de luta anticolonial.
A partir da secunda metade do século XX – através notadamente de países tais o Gana
de Kwamé Nkrumah, a Etiópia de Haîlé Sélassié, o Egito de Gamal Abdoul Nasser, assim
como outros líderes destacados das lutas anticoloniais – o caráter político do movimento se vê
cada vez mais assumido pelos Estados independentes que apoiam as diferentes lutas de
libertação e de combates contra o racismo (apartheid). Nesssa conjuntura de luta pelas
independências, os intelectuais e homens políticos de destaque em Burkina Faso (conhecida
antigamente por Alto-Volta), entre outros, foram: Nazi Boni, Daniel Ouezzin Coulibaly,
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Philippe Zinda Kaboré e Maurice Yaméogo (BOUKARI-YABARA, 2014; 2015; M'BOKOLO,
2016; OUÉDROAGO, 2009).
A África independente e pós-independente investiu em programas de treinamento no
sentido de infundir o desenvolvimento econômico e social, lutando, ainda que com muitas
ambiguidades e conflitos renovados, pelo fim da dependência cultural e intelectual herdada da
colonização. Assim, as universidades e outras instituições de formação tornaram-se referências
de estímulo do desenvolvimento esperado pela juventude inserida no processo de
descolonização.
Por conseguinte, no centro de uma nova concepção da sociedade e de desenvolvimento,
surge uma juventude estudantil marcada pela ambiguidade de seu estatuto. Com efeito, o seu
lugar, no sistema socioeconômico e político, iria permanecer problemático, representando os
antagonismos sociais (MBEMBE, 1985) de maneira, às vezes, dramática. Desenvolve-se,
assim, de um lado, o sentimento de grande desconfiança das elites dirigentes em relação à
juventude. De outro, crescem as críticas por parte daqueles que também lutaram juntos pelas
independências, guardando ao mesmo tempo o sabor amargo de sua decepção e um sentimento
de traição.
No entanto, deve-se salientar que apesar das difíceis condições de inserção
socioprofissionais ao concluir os estudos, a possibilidade de ascensão social através do diploma
e o prestígio relativo permaneceria marcando a visão do estudante na sociedade burkinabê. Isso
reflete o fato de que o estudante é considerado como aquele que é destinado a assumir as funções
administrativas e políticas, que podem lhe abrir as portas da maestria da autoridade e do poder,
assim como as funções de acumulação de riquezas e de privilégios, já que a conclusão da escola
e da universidade está relacionada ao alcance da fortuna (MBEMBE, 1985).
Se for possível afirmar que a juventude, principalmente a estudantil, contribuiu
significativamente para as lutas anticolonialistas, é preciso dizer também que ela se alinhou
muitas vezes aos colonizadores do passado, no exercício da subalternização da população
(MONGA, 2010; IROBI, 2012). Com efeito, ao estudar nas universidades ocidentais, a nova
elite dirigente africana, substituindo “seus mestres” depois da independência, acabou por
reproduzir os esquemas anteriores de dominação.
Os trabalhos de Trung (1992) sobre o Senegal, um dos polos de excelência do ensino na
África Ocidental, mostram bem a que ponto o sistema escolar e universitário está em crise na
sub-região. Essa crise, cujas origens remontam à fase seguinte da independência, alcança o
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estado crítico, por volta dos anos 1980-1990. Diante de um sistema sem esperança, as
numerosas greves traduzem o difícil diálogo entre os jovens: de um lado, as autoridades
públicas e escolares; de outro, a indiferença destas em relação às reivindicações dos estudantes.
De fato, embora útil ao poder, a juventude está esvaziada de importância social e
econômica, desde meados dos anos 1980. Em testemunho à negligência dos poderes que, por
sua vez, julgam as contestações e outras reivindicações escolares e estudantis como infantis, os
jovens perderam sua voz. Assim, sem se respeitar os compromissos assumidos nas negociações,
vê-se imediatamente nesses movimentos um caráter político visando desestabilizar o poder dos
Estados africanos, bem como o ressalta Mbembe (1985), e sem hesitar por usar a violência
policial como meio de repressão.
A juventude foi e tem sido alvo continuado e intenso de ações e de políticas da África,
após a descolonização e as independências. Tais políticas assumem muitas vezes um caráter
“intervencionista", segundo a expressão de Mbembe (1995). Trata-se, sobretudo de manter o
controle sobre essa camada da sociedade, por parte dos novos Estados incapazes de encarar as
questões sociais de maneira consistente e aprofundada, que para isso constroem abordagens que
flagram uma preocupação permanente com a ameaça dos regimes no poder. Entretanto, há
situações em que os Estados também elaboraram o que chamam de políticas de participação no
desenvolvimento, através das quais circunscreveram as ações da juventude de acordo com os
objetivos definidos previamente (MBEMBE, 1985).
Acreditamos, assim como o autor, que a motivação fundamental dos Estados tem sido
calcada em uma escolha econômica, em um tipo de desenvolvimento e em uma proposta de
produção social que assegure a hegemonia constituída e os compromissos com as agências
internacionais. Ao elaborar políticas de emprego dirigidas aos jovens, privilegia-se o menor
risco ou o menor perigo para o regime e para o grupo no poder. Regulamentada pela lei 18 AL,
de 15 de agosto de 1959, a juventude burkinabê, através de diferentes associações, passou a ser
mobilizada para fins políticos (BURKINA FASO, 2008). De 1982 a 1991, o objetivo final das
políticas da juventude foi a mobilização e a organização para servir à revolução pelas formações
militar e ideológica.
Em muitas sociedades africanas, como a burkinabê, a formação da pessoa pauta-se pelo
estabelecimento de espaços e lugares sociais bem definidos que se produzem ligados ao estatuto
social (que seguem idade, geração, gênero, tipos de socialização – típica ou atípica – papel na
divisão social do conhecimento e do trabalho) e a posição da pessoa na família e desta na
organização histórica e social de cada sociedade que hoje compõe o país Burkina Faso.
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Assim, a noção do “bom jovem” é percebida no senso comum como caracterizado pelo
respeito, pela obediência e pela disciplina. Embora a importante mudança social tenha sido
provocada pela colonização e que os valores culturais europeus tenham ampliado a já existente
grande complexidade nas formas de ordenação social, ainda hoje a consciência coletiva
permanece guiada por valores locais que seguem ordenando as relações entre as gerações. Os
primogênitos e os mais idosos se investem de autoridade para assumir as tarefas políticas,
religiosas e quotidianas.
As injunções paradoxais que sofrem os jovens nos dias atuais, premidos entre as
exigências da tradição e as exigências de uma inserção social e profissional em um mundo
altamente complexificado e globalizado; e cujas tensões (oriundas dessas injunções paradoxais)
são acrescidas, pelo desejo de afirmação de uma “identidade” mais autônoma que consiga fazer
face às contradições de uma sociedade pós-independente africana.
2.2.3. Das expectativas e das responsabilidades da juventude nas sociedades africanas
Definir a juventude não é tarefa fácil, pois a divisão entre idade biológica e idade social
não é apenas arbitrária, mas também complexa. Com efeito, os dados socialmente construídos
revelam antagonismos entre gerações, como pensa Bourdieu, (1978) e Mauger, (2001),
principalmente nas sociedades em que as relações interpessoais estão baseadas nos princípios
da maturidade, como afirma Attané, (2011, 2007).
Bourdieu (1978) e Mauger (2001) chamam nossa atenção sobre o fato de que a noção
de juventude é um artefato, pois tem uma ausência de substância e de realidade em si. Nesse
sentido, nota-se que a divisão das idades é, sobretudo, construída no âmbito de lutas e de
definições, que se atribuem em função das épocas passadas e das sociedades. No entanto,
segundo Bourdieu (1978), ela é plural e se forma em função do capital escolar, cultural e
relacional.
Já a identificação de uma fase específica de vida na juventude, segundo Bonneval (2011)
é bem recente e provém da concepção Ocidental de educação. Representa o período no qual a
noção refere-se à individualidade profunda dos atores considerados, como momento-chave de
mobilização de suas potencialidades intrínsecas.
Em vigor nos anos 1940, nos Estados Unidos, seguida pela imposição escolar um pouco
mais tarde na Europa, a juventude constituiria, assim, uma fase específica de preparação para o
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exercício de funções adultas. Se a juventude se desenvolveu como mudança recente na história
social de países ocidentais, na África, isto é acentuado e precisamos ter presentes as diferenças
dessas transformações nas diferentes sociedades do continente.
A divisão social, que opõe juventude e velhice, é igualmente arbitrária e se inscreve na
luta pela repartição do poder. Assim, assistimos a um conflito entre a velhice, de um lado,
detentora do controle do patrimônio material e imaterial e das dinâmicas de poder local, e de
outro, a juventude desejosa de mais espaços e privilégios, usando de estratégias desenvolvidas
por diferentes discursos modernizantes e do novo cenário alicerçado em partidos políticos para
legitimar sua posição.
É isso que Bourdieu (1978) designa por estratégias de juventude e de obsolescência. A
primeira estratégia está relacionada ao desejo do velho de se manter o maior tempo possível
jovem (que, por sua vez, é desprovido de conhecimento e experiência). A segunda estratégia,
chamada de obsolescência, é conduzida pela juventude em direção ao lado adversário,
pressionando-o para ceder o lugar "desgastado".
A representação ideológica dessa competição determina as características e os valores (moral,
gosto, ambição e posse), que cada parte atribui ao outro; a ideia é de sempre impor ao outro os
limites e produzir uma ordem em que cada um deve permanecer em seu lugar. Ademais, esse
conflito entre gerações conduz à distribuição dos bens e às oportunidades de acesso. Com efeito,
o que para a primeira geração era uma conquista, não o é mais para a nova, que já a recebe
desde o nascimento, em outro contexto. Bourdieu faz da juventude, a partir do contexto francês,
um elemento essencial de seu conceito de habitus que apreende como o conjunto de relações
históricas ‘’depositadas’’ no seio dos corpos individuais sob a forma de padrões mentais e
corporais de percepção, de apreciação e de ação (BOURDIEU; WACQUANT, 1992; ALVES,
2009).
No contexto burkinabê, a questão de gerações possui laços significativos com a
dinâmica da relação entre primogênito e caçula, e cabe aqui distinguir, também, senioridade e
primogenitura. Attané (2007) define a senioridade como a relação vertical ligada à anterioridade
geracional da qual a filiação é expressão direta.
A noção de primogenitura define-se no interior de uma mesma geração. É a
preeminência horizontal: o (a) primeiro (a) nascido (a) em relação aos seguintes. Todavia, a
autora cita o conceito de primogenitura aplicado por outros autores (ABÉLÈS; COLLARD,
1985; ATTIAS-DONFUT; ROSENMAYR, 1994; MEILLASSOUX, 1960; 1975) para
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designar a relação que une dois membros de duas gerações, seja de irmãs ou de irmãos de idades
diferentes.
A legitimidade de uso indiferenciado dos termos de senioridade e de primogenitura é
caracterizada pelos sistemas lineares baseados nesse modelo de senioridade, em que a
anterioridade se impõe como princípio de autoridade, que desde a época pré-colonial regeu o
conjunto das relações sociais e políticas (SARDAN, 1994 ; ATTANÉ, 2007).
Nessa relação conflituosa entre gerações, o controle e o modo de distribuição dos bens
asseguram o poder dos primogênitos sociais sobre os mais novos. De fato, a possessão e/ou o
controle dos bens (terra, gado e colheita), por muito tempo, atestou a posição do primogênito,
desde o período colonial. Se for verdade que a idade determina a posição dos indivíduos nas
diferentes famílias, ele constitui, ainda nos dias atuais, um critério de primogenitura social. A
monetização gradual da sociedade desde o período colonial alterou a situação.
Ao considerar a juventude como uma construção social (MAUGER, 2010; MAUGER
e al., 1987; BOURDIEU, 1984), é importante valorizar as transformações atuais nos países
africanos em transição e questionar-se sobre o papel da juventude na configuração pós-
independente. Atualmente, o acesso à instrução escolar, a competência profissional e técnica,
os recursos financeiros e a capacidade de redistribuição dessas últimas determinam o status do
primogênito social.
Attané (2007) salienta a importância do pertencimento e da ampla (re)distribuição de
bens materiais nas cerimônias (com ostentação), como meio essencial para construir e
confirmar a posição de primogenitura social. Destaca também que uma maior participação e
contribuição são exigidas das mulheres. Em seu estudo, a autora analisa as relações intrínsecas
no processo de mudança social presente desde o período colonial. Ademais, revela-nos que há
casos em que os primogênitos dependem financeiramente dos mais novos. Aqui, as relações
entre eles serão diferentes, o que nos leva a concordar com Attané (2011) de que a posição
social e econômica do indivíduo, na atualidade, modifica suas relações na diferenciação entre
gerações.
A posição do indivíduo na sociedade burkinabê depende do grau da sua disposição para
prestar serviço e ser útil ao conjunto da sua comunidade. A família extensa (SAVADOGO,
2009) envolve igualmente amigos e colegas de cada membro da família, e os eventos que
mobilizam o conjunto dessa rede de conhecimento. As contribuições individuais e coletivas
(grupos de afinidades) são dadas ao irmão, ao amigo/colega, como ajuda para arcar às despesas
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do evento. É por meio de tais acontecimentos que se percebe e se atribui qual a importância, o
prestígio e o poder de uma pessoa, família ou comunidade.
Em suas pesquisas, Attané (2011) analisando as relações sociais em Burkina Faso, pelo
conceito de primogenitura social, ressalta a forte circulação monetária nas relações entre
famílias.
Ao caracterizar o processo multidimensional e multidirecional, afirma:
Essa circulação de dinheiro responde às necessidades materiais imediatas:
compra de ingredientes para a refeição cotidiana, pagamento da cantina na
escola para as crianças, pagamento da conta de luz, despesa com gasolina do
caçula ou do "velho" para os passeios. Mas essa circulação monetária
responde também a uma série de obrigações de solidariedade intrafamiliar
determinada pela norma social, que exige o sustento daquele ou daquela que
está com necessidade. A norma social classifica o potencial de cada um em:
aquele que ajuda e aquele que recebe (s/p)24.
Se, ainda, em Burkina Faso, hoje, os primogênitos desfrutam de uma posição
privilegiada, não se trata mais de uma autoridade real sobre os mais novos, ao menos que essa
autoridade seja acompanhada por um conjunto de elementos.
Assim, o nível de escolaridade, o estado civil, o sucesso econômico, a posição de notável
e de líder religioso asseguram a real autoridade, que pode ser reforçada pela importância da
descendência (número de filhos/netos, sexo, estudo, sucesso econômico e social). Em sua
análise, Attané (2011) considera o contexto histórico que conduz a essa configuração. De fato,
devido à colonização, a escolarização, a monetização da economia e o alto custo de vida atual
(alimentação, saúde, escola e transporte) transformaram a organização social. Essa mudança
histórica operada impôs um novo imaginário (GRUZINSKI, 1988) nas relações sociais a
diferentes níveis e, em seguida, na competição pela mobilidade social.
Takeuti (2012), em seu estudo sobre os paradoxos societais da juventude
contemporânea, bem como a abordagem De Gaulejac (2016) em sua obra tratando da trajetória
e mobilidades sociais das pessoas, permite-nos uma melhor compreensão do conflito
psicológico e social que levamos em conta em relação à juventude burkinabê. Para De Gaulejac,
a neurose de classe pode aflorar a partir da vivência de conflitos que emergem da articulação
24 Sem paginação.
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entre as histórias pessoal, familiar e social dos indivíduos. Analisar as articulações desses níveis
de história quer dizer apreender as mediações e contradições sociais pelas quais os indivíduos
passam da história social para a história pessoal, e, por outro lado, como esta última passa a
alimentar a primeira.
De fato, a história individual se encaixa em uma história familiar e, depois, em uma
história social, definindo assim a identidade. Ator e produto da história, ele é acima de tudo um
portador da historicidade através de sua capacidade dialética defronte aos eventos na busca do
ser sujeito.
Seguindo a linha de raciocínio de Takeuti (2012) e de De Gaulejac (2016), podemos
dizer que os jovens do Burkina Faso se veem em tensão diante dos paradoxos familiares,
culturais e sociais. Trata-se, na perspectiva das famílias, de um tipo de enunciado ambivalente:
sejam "ocidentais" como o colonizador, mas sejam igualmente "africanos" respeituosos dos
valores tradicionais e islâmicos que a qualquer custo devem ser preservados.
Eis aí um exemplo típico de violência social que conduz a uma neurose social: como
passar a representar-se socialmente sob o paradigma das sociedades europeias – altamente
competitivas e inseridas na lógica da produtividade neoliberal – e, ao mesmo tempo, como
vivenciar as responsabilidades, enquanto adulto, no seio da família que guarda ainda as
referências tradicionais e religiosas?
Essa problemática perpassa a militância e as lutas políticas e sociais dos burkinabê
(antigamente chamados "voltaícos") desde o período colonial. Cabe apreendermos essa
expressão através da história. Para isso, teremos recurso a três categorias de jovens compondo
a sociedade burkinabê: os estudantes, os ‘’jovens de rua’’ e os do movimento hip-hop.
2.3. Do militantismo estudantil no Burkina Faso
Malgrado os inúmeros desafios de ordem sociocultural e pessoal com os quais se
confrontam os jovens burkinabê, vê-se no curso de acontecimentos políticos na África do Oeste,
a emergência de uma força de mobilização jovem, na sociedade burkinabê a partir da década
de 1950.
P á g i n a | 103
Uma das primeiras categorias de jovens militantes retendo nossa atenção é a juventude
estudantil. Cabe dizer que, após o processo de emancipação progressivo das colônias francesas
após a Segunda Guerra Mundial, nasce em 1950 a Associação de Estudantes Voltaicos na
França (AEVF) seguida da Associação de Escolares Voltaicas (ASV) em 1956. Essas
associações constituíram o núcleo central da União Geral dos Estudantes Voltaicos (UGEV)
criada em 1960, pouco antes da independência do país. Em 1958, contra a maior parte da classe
política em favor da adesão à Comunidade Francesa que propunha a França, os estudantes
voltaicos se opuseram, defendendo uma "luta revolucionária das massas populares africanas".
Depois da independência, julgando as novas elites adquiridas aos interesses da França,
eles se tornam uma importante voz de protesto e de oposição política. Eis uma ilustração de
uma posição tomada pela União Geral dos Estudantes Voltaicos (UGEV) em relação a uma
série de medidas que o primeiro chefe de Estado da Alta Volta, Maurice Yaméogo, tomou entre
1962 e 1964:
Seu governo não respeita os princípios democráticos, princípios pelos quais
deveria ter consideração, mesmo que fosse apenas um desejo de conservação;
deixando de fazê-lo, ele se expõe a não saber qual é o grau de
descontentamento do povo, descontentamento que fará tudo explodir um dia,
surpreendendo mesmo uns (BALIMA, 1969, p. 134-135).
Esse posicionamento vale para a União Geral dos Estudantes Voltaicos (UGEV) a
supressão de sua legalidade administrativa, a partir de abril de 1964. É na clandestinidade que
suas seções da França e do Senegal continuam as ações de protesto, através de publicações
denunciando o Estado voltaico e sua política.
Diante de um Congresso em que a União Geral de Estudantes Voltaicos (UGEV)
organizava, em julho de 1964, a carta do Presidente Maurice Yaméogo dirigida ao Presidente
da AEVF, foi expressivo da luta que opunha as diferentes partes:
Claro, eu esperava o pedido de vocês, já que deveria constituir um dos
primeiros atos de execução da tentativa de conspiração montada pela
Associação de Estudantes Voltaica na França (AEVF), atuando como
escritório da União. Aluno Geral dos Voltaicos (UGEV). [...] Vocês são
apenas garotos para imaginarem poder guardar o segredo de vossa grotesca
mascarada; mas o fato é que constituem uma banda perigosa diante da qual é
indispensável colocar fora de perigo. [...] Como consequência, umas carreiras
universitárias devem ser consideradas desde já concluídas. [...] Como
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pretendem que em Alta Volta reina "a insegurança interna" (apreensões,
regime policial, mutações arbitrárias e ameaças de todos os tipos), vos
prometo que vocês encontrarão tudo isso durante as suas férias. [...] Eu vos
prometo fazer o que for necessário para que haja muitas pessoas nas janelas
quando chegar a hora de corrigi-los. Sim, senhores pequenos pretenciosos,
haverá jornalistas e embaixadores para observá-los menear; pois, confiem em
mim, não é "o sangue dos outros" que correrá.
Imagem 25: Maurice Yaméogo
O fim da Primeira República ocorreu em janeiro de 1966 com a queda de Maurice
Yaméogo e seu Governo, após a ira social e a impopularidade desse último. De fato, por meio
de medidas econômicas restritivas, ele tinha a seu crédito o declínio dos salários dos
funcionários públicos, o rebaixamento do valor das pensões dos ex-combatentes (soldados que
participaram da segunda guerra mundial), as demissões de agentes públicos, o aumento de taxas
e impostos, a redução dos abonos de famílias, a supressão de alocação de carros de função na
administração pública, entre outros.
Além disso, para fortalecer suas relações com a Costa do Marfim, seu segundo
casamento com uma marfinense levou-o a repudiar sua primeira esposa. A reação da população
foi muito forte, o que o tornou ainda mais impopular. Também, ele perdeu o apoio da Igreja
que o protegia porque tinha feito seus primeiros estudos escolares no Seminário (Pequeno
seminário de Pabré) – uma instituição de educação da Igreja Católica.
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O movimento estudantil contribuiu significativamente para a história política da Alto
Volta, hoje Burkina Faso, ao lado de outras vozes. Seu percurso tem sido a expressão dos
diferentes desafios e eventos sociopolíticos (tanto nacional como internacional) ao qual o país
foi confrontado ao longo da história.
Depois de uma intensa fase, de 1978 a 1981, a mobilização dos estudantes voltaicos
marca uma pausa devido aos sucessivos golpes de Estado e à repressão exercida por esses
regimes militares. Com uma grande popularidade no seio da juventude escolarizada, Thomas
Sankara detido pela segunda vez, em 20 e 21 de maio de 1983, foi libertado por manifestações
de rua, com essa juventude à frente.
Durante o período revolucionário, a Associação dos Estudantes Voltaicos de
Ouagadougou (AEVO) que se tornou a Associação Nacional dos Estudantes Burkinabê
(ANEB) entrou em conflito com vários movimentos para o controle da Universidade: o Comitê
de Defesa da Revolução (CDR), a União dos Comunistas Burkinabê (UCB) e a União das Lutas
Comunistas (ULC).
Após o assassinato do presidente Thomas Sankara, em 15 de outubro de 1987, seguido
pela queda do Conselho Nacional da Revolução (CNR), que marcou o advento do regime em
agosto de 1983, uma manifestação dos estudantes sankaristas é reprimida no sangue, em 17 de
maio de 1988. A queda do Conselho Nacional da Revolução (CNR) dá vez ao regime da "Frente
Popular", com a criação, em abril de 1989, da Organização para a Democracia Popular -
Movimento Trabalhista (ODP-MT). Diante das transformações geopolíticas no ano seguinte,
um regime civil foi posto e forçado a aceitar o Programa de Ajustamento Estrutural (PAS)
imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM), o que o
Conselho Nacional da Revolução (CNR) tinha até o momento recusado.
Em 16 de maio de 1990, uma manifestação de estudantes foi violentamente reprimida
pela polícia e pelos comandos da guarda presidencial. Ativistas da Associação Nacional dos
Estudantes Burkinabê (ANEB) são sequestrados e torturados nas dependências da Segurança
Presidencial onde um dos líderes, Dabo Boukary, desaparece para sempre. Mártir da luta
sindical, esse líder constitui hoje ainda o símbolo do engajamento estudantil. Doravante,
menciona-se em todas as plataformas o direito de saber onde está seu corpo.
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Imagem 26: O estudante mártir Dabo Boukary na televisão burkinabê
A Educação foi considerada muito cara pelos "especialistas" do Programa de Ajustamento
Estrutural (PAS). Decidiu-se conceder 500 novas bolsas por ano no valor de 37.500 F CFA
mensal25. Assim, o número de bolsistas, 6.123 no ano letivo de 1991-1992 (aproximadamente
86% do número total de estudantes), cai drasticamente para 3.045 bolsistas em 1995-1996,
(35% do número total de estudantes) (MESSRS 1996, p. 217). No que diz respeito aos
empréstimos concedidos pelo Fundo Nacional para a Educação e a Pesquisa (FONER), de 1.000
em 1993-1994, o número aumenta para 4.925 em 1999-2000.
Ao contrário da posição de seus rivais, a Associação Nacional dos Estudantes Burkinabê
(ANEB) sempre recusou o princípio do empréstimo do Fundo Nacional para a Educação e a
Pesquisa (FONER). Em 1997, uma grande mobilização, levou a uma greve de mais de sete
semanas, durante a qual a ANEB reivindicou a substituição da política de empréstimo por uma
política de concessão de uma ajuda de 160.000 F CFA por ano para todos os estudantes não
bolsistas.
25 Os economistas do Banco Mundial e do FMI consideram o ensino superior como não sendo rentável em termos
de custos-benefícios. Em contrapartida, recomendavam investimentos no ensino Fundamental. Por maiores
informações: Tandika Mkandawire. Running While Others Walk. Knowledge and the Challenge of African
Development. CODESRIA - Africa Development, Vol. XXXVI, No. 2, 2011, pp. 1– 36.; Mahmood Mandani.
Scholars in the Marketplace. The Dilemmas of Neo-liberal Reform at Makerere University, 1989-2005.
CODESRIA, 2007.
P á g i n a | 107
A situação exigiu a intervenção do Mediador do Faso e a greve terminou com um
compromisso que a Associação Nacional dos Estudantes burkinabê (ANEB) dificilmente
aceitou. Depois desse compromisso, os estudantes, culpando-a por ter capitulado, formaram
uma nova organização: a União Nacional dos Estudantes do Faso (UNEF).
Rigorosamente estruturada, a regularidade da Associação Nacional dos Estudantes
Burkinabê (ANEB) em diferentes frentes de reivindicação, assim como a sua experiência
adquirida ao longo dos anos de militância faz dela a organização mais popular dos estudantes.
A União Nacional dos Estudantes do Faso (UNEF) passa a ter mais audiência com os novos
estudantes.
Com a morte do jornalista Norbert Zongo, em 13 de dezembro de 1998, uma
mobilização dos estudantes dois dias após, em 15 de dezembro de 1998, invadiu a sede do
Partido no poder. Essa violenta manifestação leva a uma contestação de massa com o apoio do
Coletivo das Organizações Democráticas de Massa e de Partidos Políticos (CODMPP), que
obriga o poder a criar uma comissão independente de investigação. O relatório desta comissão,
em maio, estabelece que se trata de um atentado e não um acidente de trânsito e que os "sérios
suspeitos" são membros da Guarda Presidencial. No prolongamento desse ciclo de protestos,
inicia-se em 1999-2000 após uma longa greve dos estudantes um novo episódio de
mobilizações contra a política de quotas das bolsas.
A resposta do poder é então inédita. Ela invalida o ano letivo, dissolve as Faculdades e
depois inaugura a "refundação" da Universidade com um novo status. Isso dá origem a um
conflito com o conjunto dos universitários. Após a "refundação", a atualidade sindical estudantil
caracterizou-se pela manutenção de um relativo dinamismo das organizações sindicais nas
diferentes Unidades de Formação e de Pesquisa (UFR). Assim, cada estrutura envolve-se na
realização de assembleias gerais, congressos, conselhos sindicais e seminários de formação de
seus ativistas.
De 2002 a 2007, as tímidas contestações expressam-se através de plataformas
reivindicativas sensivelmente iguais. Em 2007, as greves ocorridas entre fevereiro e maio
levaram a três semanas de parada das atividades acadêmicas. A grande mobilização resultou,
em 16 de maio de 2007, na criação da Universidade Ouaga II, no aumento da taxa da ‘’ajuda’’
de 130.000 francos CFA para 150.000 francos CFA, na revalorização da bolsa (8%), assim
como no aumento do número de bolsas que passam de 500 desde 1992 para 1.000.
P á g i n a | 108
Segundo Bianchini e Korbéogo (2008), as origens sociais dos diferentes grupos de
estudantes não são sem importância no seu envolvimento sindical. A maioria sendo de famílias
modestas e mesmo sem recursos financeiros, o engajamento sindical aparece como conjuração
dessa indigência social. Eles distinguem assim três grupos: os estudantes da diáspora burkinabê,
os estudantes rurais e os estudantes urbanos (oriundos das diferentes cidades do país).
Para os primeiros, a experiência adquirida com as dificuldades de adaptação e dos
diferentes desafios relativos à migração são facilmente reconvertidos na luta sindical a fim de
induzir uma mudança social. Entretanto, no caso específico dos estudantes burkinabê nascidos
na Costa do Marfim, é preciso dizer que, por ser um país cosmopolita e um centro econômico
de grande importância26, ela [a experiência da diáspora burkinabê da Costa do Marfim] dá
origem a um grande dinamismo social, incluindo o sindicalismo escolar e estudantes ao qual
muitos deles participaram antes de vir a Burkina Faso continuar seus estudos (ZONGO, 2003).
Para os estudantes urbanos (oriundo das diferentes cidades do país) por herança, embora
a maioria seja de famílias modestas (funcionários da administração pública), seu pertencimento
a esta realidade e suas redes de solidariedade os subtrai de certa vulnerabilidade. Privilegiados
num tal contexto, notamos que são poucos os que estariam dispostos ao engajamento sindical.
Cabe dizer que o engajamento dos estudantes burkinabê através da história é expressivo
de sua força de mobilização diante da adversidade ao qual o poder os submete. Por essa relação
de poder, esta força se define socialmente e conquista, por esta mesma dinâmica, a legitimidade
do modelo de sociedade que negociam.
2.4. Do militantismo dos jovens de rua
Nessa rubrica, trata-se de outra categoria importante da juventude do Burkina Faso
participando das relações de força existentes na cena política do país. No contexto burkinabê,
‘’jovens de rua’’ refere-se a um conjunto de jovens caracterizados por uma vulnerabilidade
social e econômica e que tiram sustento com trabalhos nas ruas.
26 Na União Monetária da África Ocidental (UEMOA), a Costa do Marfim sozinha representa mais ou menos de
40% de seus recursos.
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Podem ter semelhanças nas condições de vida, no tocante à sua vulnerabilidade social,
dos assim denominados jovens de rua da sociedade brasileira que enfrentam sérias dificuldades
e obstáculos (inclusive, a morte) à participação no mundo do consumo e do trabalho (mesmo
no setor informal); estando a definição de jovens de rua reservada, então, aos jovens infratores
e/ou delinquentes, geralmente desgarrados de suas famílias, sem nenhuma proteção do Estado,
ao contrário destinados a serem homo sacer27 dessa sociedade, expostos a uma vulnerabilidade
psicológica (Takeuti, 2002).
Já, em Burkina Faso, os perfis abrangentes são mais amplos: jovens trabalhadores
precários vendendo e/ou vivendo nas ruas; também fazem parte dessa categoria, mendigos,
delinquentes e marginais. Uma importante distinção que vemos entre esses e os jovens de rua
brasileiros é que estes, geralmente, são alvos da repressão policial (tratados incondicionalmente
como “bandidos, ladrões ou criminosos”), bem como submetidos a uma opressão social (a
processos de estigmatização, de discriminação e de segregação sociais) altamente “mortífera”
conforme retrata Takeuti (2002), em sua obra a respeito dos jovens de rua brasileiros.
Cremos que se, em Burkina Faso, tais violências sociais não deixam de existir, elas não
adquirem a dimensão extrema da morte, como Takeuti elabora no tocante ao Brasil. Em Burkina
Faso, para alguns jovens, trata-se de um ambiente somente de atuação de trabalho; para outros,
significa uma fatalidade pela falta de oportunidade e de suporte sociais que lhes permitam trilhar
por outros caminhos sociais, mais dignos possíveis, em uma sociedade bastante fragilizada
economicamente em face da pilhagem estrangeira à qual ela tem sido submetida, desde o seu
período colonial.
Para Bonneval (2011), os jovens de rua e sua relação com o espaço público urbano de
burkinabê é uma medida significativa das formas de contestação à ordem social estabelecida.
A “economia de calçada” a qual a sua reflexão se refere reúne um conjunto de profissões do
setor informal que constituem fontes de renda de importância variável.
Sem poder distinguir claramente os limites do exercício de suas atividades, elas
compõem-se de mecânica (motocicleta e bicicleta), serviços (restauração, caregar/descargar
mercadorias, limpeza) e comércio de qualquer tipo. Embora sejam precárias e tragam benefícios
27 Homo sacer :"um ser humano que podia ser morto por qualquer um impunemente, mas que não devia ser
sacrificado segundo as normas prescritas pelo rito" [contracapa (AGAMBEN, 2010)], tendo uma "vida nua",
enquanto a grandeza e miséria do ser humano que se encontra praticamente anulada na forma de vida que se
estabeleceu.
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muito baixos, essas atividades e as redes sociais relacionadas constituem a fonte de
sobrevivência desses jovens.
Muitos percursos os levam para a rua. E, embora seja necessário reconhecer que a
independência e um certo espírito de autonomia na realização de si mesmo imprime-se no perfil
dos jovens de rua (MAIGA; WANGRE, 2009), é importante sublinhar as formas de
sociabilidade, bem como as marcas socio-simbólicas que caracterizam a realidade. Em busca
de realização e reconhecimento social, além das estratégias de sobrevivência, esses jovens
aprendem regras e códigos de conduta que são específicos à vida no seio desses grupos, bem
como entre os diferentes grupos em presença na rua.
Os conflitos e as lutas permanentes relacionadas às lógicas de uso e ocupação do espaço
público urbano opõem os jovens de rua às populações urbanas e autoridades públicas.
Expressão da autoridade e do controle do Estado, essa última se atribui a tarefa de lutar contra
"o congestionamento das calçadas" ou contra o comércio informal. É importante mencionar que
uma parte significativa da população, principalmente a juventude, depende disso.
No entanto, apesar da regulamentação formal que a define, a permanência do setor informal
deve ser vista como uma forma de oposição às instituições do Estado. É preciso dizer que esta
atividade percebida pelas autoridades do estado como ilegal, leva seus atores a serem
constantemente rastreados. Isto se justifica pela bela imagem da cidade que as autoridades se
dedicam em sustentar, especialmente durante eventos e demais manifestações internacionais.
De fato, as incursões da polícia nesses períodos levam essa população "indesejável" a
lugares distantes da cidade. No entanto, em previsão de seu retorno [essa população] alguns
dias depois, o que é bastante comum, a Companhia de Segurança Republicana (CRS) os
mantém em suas instalações. Por essa prévia "limpeza", as cidades atenderiam aos critérios de
saneamento, de ordem e de modernização requeridas pelas autoridades nacionais, protegendo
assim os interesses econômicos relacionados à "ajuda ao desenvolvimento".
Pecado da sociedade moderna confessado na praça pública, os jovens da rua tendem a
ser invisibilizados pelas políticas de gestão do espaço público. Todavia, estes últimos, pela sua
resistência, afirmam sua presença; uma presença de atores sociais com uma consciência política
aguçada, capaz de questionar as relações de poder opondo-os às autoridades políticas, do
mesmo modo que ao conjunto da sociedade.
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2.5. Do militantismo do movimento hip-hop
Ainda, mais uma categoria de jovens que devemos levar em conta, no cenário da
juventude e suas atuações políticas. Trata-se daquilo em que a Geração Sankara igualmente se
define: o ativismo dos jovens rappers e os adeptos do hip-hop. A inscrição e a apropriação que
eles fazem do espaço público burkinabê denota uma cidadania que luta contra os males da
sociedade.
Estudos destacam o peso social e político da mensagem expressa pelo movimento hip-
hop (TAKEUTI, 2009a; 2010; ATERIANUS-OWANGA, 2014; AIDARA, 2017). Composto
por uma dimensão musical que é o rap, de uma pictórica - do graff ou o tagg e, em seguida, sua
forma em dança, o smurf ou o breakdance, o rap nasceu em Burkina Faso, em 1988; entretanto,
é bem mais tarde, em 2001, que ele se afirma. Caracteriza-se como uma recomposição cultural,
pois, refletindo uma vontade de conciliação entre alguns referenciais: a cultura burkinabê, uma
arte musical vinda de outro lugar e uma mensagem subversiva (BONNEVAL, 2011).
Por terem habilmente combinado o local com o global e o tradicional com o moderno,
as estrelas do rap burkinabê constituem-se em "figuras de sucesso" tanto para os jovens (público
principal) quanto para as outras faixas etárias da população. O advento do movimento hip-hop
suscitou o rejuvenescimento dos atores da música moderna burkinabê.
A idade média desta nova geração de músicos é de menos de 20 anos (em 2018)28, o que
contrasta com os artistas da geração anterior (KABORET e KABORE, 2004). Vindo, na sua
grande maioria de realidades sociais humildes, esse movimento constitui uma grande fonte para
expressar, para denunciar questões sociais que pesam sobre eles e à sociedade, tanto quanto
sobre seus pares através do mundo. Eis uma das músicas que ilustram isso:
Desenrasque-se, trabalhe, procure obter o que precisa, pois consegue-se na
vida sempre por um intermediário
A vida é como um karitê quase maduro. Se acompanhar o processo
devidamente, poderá alimentar-se disso no futuro
O que você diz/faz pode te tornar escravo da vida. Nunca se torne escravo de
ninguém
28 Nos anos 2000, essa realidade se referia mais especificamente ao conjunto dos participantes do movimento hip-
hop em si. No que diz respeito aos que se destaca enquanto artistas, tinham uma idade maior. Hoje em dia, mesmo
o fato do movimento não ter o mesmo dinamismo, artistas relativamente jovens se destacam.
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Seja forte como a rocha contra a qual, impotente, o vento resigna-se a apenas
levar a folhagem a seus pés.
Filho de família modesta, profundamente devoto, me banhei no Alcorão por
mais de uma década
Naturalmente, seu ensinamento influencia minhas ações e comportamento,
embora que cada vez menos ao meu redor eu o manifesto
Eu poderia ter sido hustaz (erudito, mestre religioso) ou
imã em uma mesquita
Optei para o rap e o hip-hop me embarcou
Sinto muito por todos meus pais indignados
Vocês sabem muito bem que cada homem segue o seu destino
Só vai acontecer o que Deus decidiu
Fiz cem vezes o estado da minha fé e vejo que às vezes está estável outras
vezes aumenta. Mas só o supremo sabe se nele eu tenho fé
Eu acredito no destino, no fim do mundo e no julgamento último
O hip-hop é um aliado, ele não me impede de rezar
O hip-hop é minha profissão e se consigo manejá-lo, pretendo mesmo trocá-
lo por dinheiro
Está mal e sofre!? Então trabalhe - isso poderia te trazer benefício de volta
no futuro
Tem raiva e o ódio te anima!? Então, que não te falte força pois a vida em si
é oportunidade
Desenrasque-se, trabalhe, busca seu caminho pois a vida dá oportunidades
Eu tenho o hip-hop na alma e o purifico no islã
Sim, siga seu caminho - a vida é oportunidade
Eu luto contra todos esses demônios com tudo que tenho como armas
Sim, é através de um intermediário que se consegue a vida.
Canção: Faso Kombat (2012) - Sabaabo29
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
Diante dos desafios do século XXI, Faso Kombat (AFREAKA, [entre 2014 e 2017])30,
nesta canção discute o conflito social que opõe a juventude do movimento hip-hop, vítima do
29 Noção islâmica trauzindo tudo aquilo pelo qual acontece as manifestações/vontades de Deus.
P á g i n a | 113
desemprego e em busca de nova identidade aos país e à sociedade que, diga-se de passagem, vê
esse movimento como um caminho de delinquência, contrário aos valores humanos e sociais
defendidos pelo islã.
Faso Kombat lhes replica dizendo que o rap é uma profissão entre muitos outros e não
é incompatível com a fé. Além disso, a mensagem é voltada também aos jovens em busca de
sentido de vida e que sofrem dos estertores das problemáticas relacionadas à educação, à saúde
e à integração socioprofissional.
Imagem 27: O grupo Faso Kombat
Artistas engajados, Faso Kombat lembra à sociedade que a cidadania a qual reivindicam
o pertencimento não se confina aos limites do Burkina Faso ou da África. E diante da história,
sua responsabilidade é de manter viva a memória e despertar as consciências. Trata-se de gritar
que os mártires caídos ontem, defenderam uma causa, que não deve afundar no esquecimento.
Aqui está a mensagem:
Foram, deixaram este mundo almejando algo
Que a terra vos seja leve
Suas almas estão no céu, mas o que almejam ficou aqui nesta terra
Que a terra vos seja leve
As coisas boas não duram
Os grandes homens também
30 Mencionamos aqui um featuring que o grupo fez com um grupo de rap brasileiro (Z'África Brasil). Acessível
em : https://www.youtube.com/watch?v=tOKp1VnXvyU
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Seja que vêm de Durban ou do Reino Mossi
Isto não é um fato novo
Desde a época do Messia, homens lúcidos demais são alvos – genocídios
O sistema não gosta daqueles que têm um sexto sentido, pois são supostos ter
um terceiro olho
Não faremos o luto daqueles que se atreveram a dizer comprometendo sua
vida
Recusar de mentir ao nome da dignidade da massa
Diante das pressões das ameaças, manter o mesmo discurso
Não corre as ruas, homens desta estatura
Aqueles homens que desafiam tudo sem armas e sem armaduras
Imagina a Turquia sem Ankara
Isso diz bastante não é - penso em Sankara
Os cérebros do continente são vítimas de mascaradas
Vítimas de denunciadores covardes que se mascaram, que rondam
Em todo o país, ainda há possibilidade de vontade
Eles puseram seu tijolo, nos pedindo de nos agarrar nisso firmemente
Aqui no Burkina, já teve pessoas que se ilustraram
Do que colheram, nos pedem de cuidar disso
Por que a Bélgica treme quando ouve falar ‘’Lumumba’’ - selvagemente
eliminado?
O Ocidente caiu se rebaixando, mas Patrice [Lumumba] não te preocupe, a
África não te esquece
Aqueles que morrerem em batalha permanecerão eternos
Independente como o nome de seu jornal, ele queria que nenhum mal seja
feito ao seu povo
Norbert Zongo é para você que minha caneta vibra - partiu violentamente por
querer uma imprensa livre
Que suas almas descansem em paz; que a terra vos seja leve
O que está acontecendo meus? Por que as coisas estão nesse estado?
Ao contrário do que eles queriam - seus algozes, a gente vos imortaliza
Oraremos por vocês nas mesquitas e nas igrejas
Eu continuo minha listagem; Che Guevara, Ghandy, Luther King, em nossas
memórias permanecerão sempre gravados como Mandela, Malcom X ou
Marcus Garvey
Nesse ritmo, o continente só pode afundar
Pois seus ativistas estão todos morrendo
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Canção: Faso Kombat feat Alif Naaba (2009) - Martyrs Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
É com grande arte que o grupo de rap, Yeleen, estudioso e cultivado se ilustrou no
espaço público do Burkina Faso, apontando para a responsabilidade dos líderes africanos, bem
como seus pares em outras partes do mundo. E por ter entendido a mensagem de Thomas
Sankara, não tem dificuldade em fazer a ligação entre as diferentes problemáticas aos quais os
povos enfrentam.
Inspirando-se em valores islâmicos, a referência a Deus, à justiça e à sociedade como
um refúgio de paz para seus cidadãos, Yeleen se faz o eco da mensagem da Geração Sankara.
Aqui, a música “Dar Es Salam” ou refúgio de paz (em árabe) é a expressão disso:
Dar es Salaam, Blaise Compaoré
Ao receber minha carta, leia-a bem antes de postá-la
Uns estão tão longe do seu palácio
Que o eco de suas queixas morre em sigilo
Dê ouvido ao povo - eles dizem a verdade
Eles gritam justiça e esperança em uma terra de paz
Mande em seguida esta pomba branca a Laurent Gbagbo
A fim que ela acalma o fogo ardendo o coração de Guillaume Soro
E que ela diga alto a Abdoulaye Wade que o nascer do sol em Casamança
atrasa
Será que poderia também despachar uma cópia
Para a igualdade do Norte ao Sul a Idriss Deby
Que Jacques Chirac confessa isto a Sarkozy:
A verdadeira França são as periferias, os estrangeiros das colônias
Diga a eles, a George Bush e a Tony Blair de regar o Iraque com rosas e eles
terão o fim da guerra
Por que ódio, dor e raiva nos dizimam
Rabin, Arafat, Sharon, Israel e Palestina
Para o homem que eu sou e as palavras escritas
Há apenas Deus nos separando e me ditando
Que a conclusão de tudo está nas suas mãos
Dar-es-Salam, era a porta do destino
Amigavelmente, vossa [Exelência] Blaise Compaoré
Era o estrangeiro vindo de longe para te falar
Esta música não é feita para agradar
Ela é feita para um mundo mais igualitário
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Canção: Yeleen (2006) - Dar Es Salam
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
Movimento de protesto político, o coletivo ''A vassoura cidadã31’’ soube conquistar uma
liderança dentro da Geração Sankara. Criado em 2013, pelo rapper Smockey, o reggaeman
Sams’K Le Jah e o magistrado Guy Hervé Kam, o coletivo visa a luta contra os abusos do
poder. Ele desempenhou um papel decisivo na mobilização que levou à queda do presidente
Blaise Compaoré, que esteve no poder por 27 anos (1987 a 2014).
Com cerca de sessenta clubes na capital e cerca de quarenta outros em todo o país, a ‘’vassoura
cidadã’’ abrange diferentes atores pertencendo a todas as esferas sociais: estudantes,
comerciantes, artistas, músicos, jornalistas, juristas sem esquecer muitos outros cidadãos
marginalizados (CARRETEIRO, 1993)
31 Cabe mencionar aqui referências relativas ao: Coletivo ''A vassoura cidadã. Arquivos Disponíveis em:
Burkina Faso: le Balai citoyen fait le grand ménage. Tous les internets-ARTE. 2016.
https://www.youtube.com/watch?v=3XngUcbDJ_w;
Balai Citoyen - La révolution burkinabé en route. Africalia. 2015.
https://www.youtube.com/watch?v=Rpk_wVGvPio;
Smockey à Nuit Debout s'exprime dans le stand de la commission France –Afrique. sitethomassankaranet.
2016. https://www.youtube.com/watch?v=szNLDN25zco;
Smockey, Porte Parole Mouvement Balai Citoyen de Burkina Faso : L’invité du 20h. Télé Futurs Medias.
2015. https://www.youtube.com/watch?v=B6jWvLlZwCk;
Sams'k le Jah. Une révolution africaine : la chute de Blaise Compaoré. ThinkingAfrica1. 2016.
https://www.youtube.com/watch?v=7GKDEG8i17Y;
Nouveau disque pour le fondateur du "Balai Citoyen". TV5MONDE, 2015.
https://www.youtube.com/watch?v=pUHPhbwuQLY;
Burkina Faso: La rue fait plier le régime de Blaise Compaoré. TV5MONDE. 2014.
https://www.youtube.com/watch?v=jZ3YqLFTfZU;
Au Burkina Faso, le changement est en marche! Droit Libre TV. 2014.
https://www.youtube.com/watch?v=DSSrxe5mkEI;
Africolor, festival musical, social et militant. FRANCE 24. 2016.
https://www.youtube.com/watch?v=L5-wRqHnUxc. Acesso em: 20 jun. 2018.
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Imagem 28: O coletivo A vassoura cidadã
Caracterizado pelo questionamento das regras sociais vigentes, o anticonformismo da
juventude visa questionar as instituições sociais a fim de se afirmar melhor. Nisso, a inovação
que ela demonstra ocupa um lugar importante. A respeito da juventude burkinabê, Bonneval
(2011) sublinha que, apesar de sua posição desfavorável nas hierarquias do poder, ela
desempenha um papel importante nos processos de mudança sociopolítica, em Burkina Faso.
Pelas múltiplas estratégias de inscrição no espaço público que os jovens desenvolvem,
eles constituem-se em um instrumento relevante das diferentes modalidades de contestação da
ordem social e política. À luz de seu estudo, Bonneval (2011), recentemente concluído, nós
pudemos ver o alcance do engajamento político do conjunto da juventude burkinabê, da
Geração Sankara (FRANCE 24, 2015).
Após termos nos debruçado sobre a historicidade das lutas sociopolíticas lideradas pela
juventude burkinabê, deve-se lembrar que o nosso interesse recai sobre a juventude muçulmana.
No entanto, antes de chegar a ela, parece importante concentrar-se primeiro na dinâmica do islã
na sub-região Oeste africana.
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CAPÍTULO 3: ISLÃ E SOCIEDADE EM ÁFRICA DO OESTE
Neste capítulo, trata-se da adoção-apropriação progressiva do islã pelas diferentes
sociedades africanas que se deu, principalmente, como resposta às necessidades tanto
econômicas quanto existencial. Igualmente, discutiremos sobre a participação dessa religião,
que vem permitir novas (re)configurações sociais.
3.1. As dinâmicas do conhecimento
O islã tem sido gradualmente adotado pelas diferentes sociedades africanas. Embora
fosse verdade que essa adoção foi inicialmente sustentada pela violência, deve-se dizer que seus
aportes de diferentes conhecimentos (antropologia-sociologia, história-geografia, filosofia-
teologia e medicina, entre outros) contribuíram para uma mudança social de suma importância
na sub-região.
Segundo Triaud e Kane (1998), o islã subsaariano estende-se nesta parte do continente
em territórios abrangendo o Oeste do continente, se prolongando no Sul ao longo do Oceano
Índico ao Trópico de Capricórnio. Implantou-se no ponto de chegada das caravanas e dos navios
comerciantes e marinheiros muçulmanos.
A sua lenta difusão a partir desses pontos se fez através de comerciantes ousados,
preocupados com seus negócios (ouro, marfim, madeira preciosa, escravos e sal), bem como
com o seu prestígio. Por ter permanecido, por muito tempo, em posição minoritária diante de
autoridades não-muçulmanas ou superficialmente islamizadas, os muçulmanos têm sido
induzidos a uma maior tolerância em face de outras práticas religiosas. Cercado do prestígio da
escrita transmitida ao longo dos séculos por suas elites, o islã foi também uma transmissão oral
da cultura na sombra das autoridades locais.
Considerando a diferença nos modos de recepção do islã na África subsaariana, o autor
distingue três conjuntos principais de modelo, que vão da África do Oeste, ao Senegal e o
Chade. Para ele, a região se caracteriza por uma velha frente de islamização descendo
progressivamente em direção à costa do golfo da Guiné.
Sempre em movimento, é uma das poucas regiões em que o islã teve novos adeptos.
Entretanto, sua islamização sem a arabização tem sido lenta, mas constante. As diferentes
línguas locais se tornaram assim línguas do islã. São principalmente o fulfuldé, o Wolof, o
malinké-jula, o Songhai e o Hausa (TRIAUD; KANE, 1998).
P á g i n a | 119
Ousmane Kane situa, mais especificamente, o contato da região Oeste Africano com o
islã no século IX. No entanto, foi no século XI que a região se islamiza, através de intercâmbios
entre os comerciantes da África do Norte e os saarianos (KANE, 2003).
Como figura importante do islã na África Ocidental, notamos os Almorávidas (Berberes
da atual Mauritânia). Reinaram durante um século (meado do século XI ao meado do século
XII) em um vasto Império do qual muitas dinastias relacionam as suas genealogias. De fato,
muitas elites interessadas no controle do comércio transsaariano se alternaram no poder
(Impérios do Gana, do Mali, do Songhai, do Kanem e do Bornu).
De acordo com Aboubacar Adamou (2005), houve uma assimilação gradual do islã na
África Ocidental, entre os anos 1250 e 1550. Os Mansa (imperadores) Moussa e Souleymane
do Império do Mali, os Ásquia, Mohamed e Daoud contribuíram significativamente na difusão
do islã. Paulo de Moraes Farias (2004) ressalta que essa difusão se fez tanto pela oralidade
quanto pela escrita (folhetos e livros). No século XIV, uma intelligentsia se destacou das
famílias comerciantes para se especializar em estudos teológicos e literários. Nessa época, as
cidades de Djenne e Timbuktu, em Mali, constituíam-se em espaços privilegiados do
conhecimento; com Timbuktu como um modelo por excelência de transmissão de um
conhecimento organizado e estruturado (TRIAUD; KANE, 1998).
A tradição de erudição na região é atribuída a cinco grupos específicos: os Berberes
Sanhaja, os Dyula Wangara, os Ineslemen Zawaywa, os Halpulaar e os Shurafa (KANE, 2003).
Esses grupos marcaram significativamente a tradição intelectual árabe-islâmica. Além dos
Zawaywa para o qual o essencial da produção é em árabe, os dois quartos são em acjami.
Discutindo a relação entre língua e ciência, Kane (2003) chama a atenção sobre o fato que, antes
de 1500, a Europa Ocidental produzia 77% de seus livros em latim, antes de produzir em línguas
vernaculares, 150 a 200 milhões de livros, entre 1500 e 1600, consagrando assim essas últimas
em línguas de erudição. Ao exemplo das línguas vernaculares europeias que se tornaram línguas
científicas, o acjami se impõe como tal em toda a África subsaariana notadamente entre os
séculos XVIII e XIX. A literatura acjami nasceu da apropriação dos carácteres da escrita árabe
utilizada pelas elites intelectuais islamizadas da África Ocidental para transcrever línguas
locais: Wolof, Hausa, Pulaar, Malinké, Songhai, suaíli. Assim, além do uso do acjami como
língua de correspondência, encontramos uma rica produção acadêmica nessa língua: literatura,
política, cultura, teologia etc (KANE, 2003). Enquanto língua erudita escrita, o acjami e o árabe
menos usados, eram circunscritas na rede minoritária de elites locais. No entanto, em um
segundo nível, grande parte da vida intelectual foi oral.
P á g i n a | 120
O islã contribuiu de forma notória para irradiar o saber e a cultura intelectual no Oeste
da África. As universidades e as inúmeras escolas corânicas, os centros de formação e de
produção intelectual, moral e espiritual, representavam os aspectos formais, enquanto os
marabus, chefes comunitários e membros de grandes redes comerciais e políticas, eram os
depositários do saber, facilitando, assim, a inserção social e econômica de seus alunos.
A promoção da vida intelectual na região Oeste-africana dá-se através da circulação de
informação (correspondência, obras de todos os tipos) e de conhecimento. Entre esses,
destacam-se alunos e estudantes que se deslocam para estudar e aprofundar o conhecimento.
Ademais, há os eruditos que pesquisam para compartilhar experiências, sob o interesse dos
chefes tradicionais locais ou, mais tarde, sob o poder colonial. Essa realidade alimentava um
importante circuito econômico e animava uma via sociopolítica que oferecia poder e prestígio
social. Ainda hoje, em modalidades diferentes, essa realidade existe e motiva novas gerações.
A partir de 1950, à imagem do ensino baseado no modelo europeu, nascem os madâri,
um novo tipo de escola islâmica. Mais moderna, ela tem desde o seu início duas orientações:
uma pelo qual além do árabe e do islã, estudam-se disciplinas científicas, a partir de uma língua
europeia. Conservadora, a segunda se refere ao mundo árabe com o árabe como língua exclusiva
de ensino (FADIGA, 1988; GANDOLFI, 2003).
Segundo Cissé (1998), a primeira madraça32 burkinabê data de 1955-1956. A segunda,
criada um ano mais tarde - como a primeira, no Oeste do país - em Bobo Dioulasso, na fronteira
com o Mali. Elas definiriam um processo de reforma de antiga herança do ensino nas chamadas
corânicas ou escolas de marabus. De fato, Mahamoud Sanogo, seu fundador, teria recebido de
seu pai a responsabilidade de continuar o ensino de seus alunos. Após realizar seus estudos ao
lado do pai, entre 1934 e 1947, decidiu migrar para Diouma (Timbuctu), depois para a Barweli
(Segou), ambas as cidades situadas no atual Mali. O autor nos revela que consecutivamente à
abertura do país ao mundo árabe, surgiu nos anos de 1967 a primeira geração de bolsistas do
sistema de madraça. Entre os anos 1977 e 1980, as madâri privadas multiplicaram-se, dando
32 A madraça (plural: madâri) originalmente designa a escola, seja ela secular ou religiosa. Trata-se uma instituição
em que as várias disciplinas - literárias, sociais, científicas e religiosas – são realizadas em árabe. Nelas, privilegia-
se o estudo do Alcorão, da sua Interpretação (Tafsir), assim como do Direito e da Judisprudência islâmica (Figh).
A necessidade de se comunicar em francês, e o prestígio dessa língua levou à introdução de programas com ensino
em árabe e em francês. No entanto, o árabe guarda grande apreço na sociedade por seu caráter religioso e de língua
sagrada.
P á g i n a | 121
um novo dinamismo ao conteúdo de ensino através da adaptação ao modelo árabe a fim de
facilitar a integração dos futuros bolsistas com aquele sistema de ensino.
Ora, o Burkina Faso atual possui uma população de 19.729.900 habitantes, dos quais
mais da metade (60,5%) muçulmanos. A juventude (15 a 39 anos) representa mais de 31% da
população. Em razão de fatores religiosos, políticos e socioeconômicos, as instituições franco-
árabes de ensino fundamental e médio se tornaram responsáveis por uma parcela importante da
população.
Considerando o nível dos docentes dos madâri e o dos alunos, trabalhos tais como de
Sanogo (2005, p.149) destacam o baixo nível de oferta educacional desses estabelecimentos:
A análise do perfil dos docentes dessas escolas informa sobre seu
domínio da língua árabe. De fato, 19% dos docentes que participaram
da pesquisa confessaram que não falam árabe. Neste grupo
encontramos tanto docentes de escolas “francês-árabe” quanto os de
escolas corânicas. [...]. Essa situação é ainda mais surpreendente que
46% dos docentes afirmam usar só o árabe como única língua de ensino
em suas escolas.
Entretanto, são estes estabelecimentos de ensino que possibilitam aos jovens
concorrerem a bolsas para estudarem em Universidades, nos países do “mundo árabe”,
principalmente no Egito, na Líbia, na Síria e na Arábia Saudita.
Sophie Bava (2009, 2011), que analisa os itinerários de estudo e as aspirações sociais
dos estudantes de países da África subsaariana, assim como as condições de vida nos países de
acolhimento, particularmente na Argélia e no Egito, chama a atenção sobre a problemática
desses estudantes nos processos de compatibilização dos sistemas de ensino, de validação dos
estudos precedentes. Avaliando os seus níveis de baixa formação, são inicialmente alocados em
períodos acadêmicos inferiores. Durante sua estada no país de acolhimento - frequentemente
longa -, eles aprofundam seus conhecimentos da língua árabe e da cultura local, além daqueles
próprios aos diferentes campos disciplinares específicos (GANDOLFI, 2003).
Para melhorar suas condições de estadia e de estudo, muitos alunos lecionam no país de
acolhimento aulas particulares de árabe. Posteriormente, essas condições se revelam
avantajados para eles, pois, de volta ao Burkina Faso, possuem uma vantagem sobre os
professores “locais” devido à ampliação de horizontes e de conhecimentos (TRIAUD, 1995).
Os jovens diplomados que estudaram fora do país são recrutados para lecionar nas
instituições de ensino superior e contribuem assim à realização de um dos objetivos explicitados
P á g i n a | 122
pela Organização Islâmica para a Educação, as Ciências e a Cultura (ISESCO), ao enfatizar que
se necessita de programas de preparação de docentes para minimizar os diferentes problemas
do ensino em todos os níveis e em todo o território nacional.
Em Burkina Faso, há três estabelecimentos superiores islâmicos que se estabelecem e
se consolidam no século XXI. Dois deles estão localizados em Ouagadougou (a capital política)
e outro em Bobo Dioulasso (a capital econômica). Trata-se, respectivamente, do Centro
Universitário Polivalente (CUP), da Faculdade Al-Aliman Ibn Baz para Educação e Ciência, da
Faculdade Imar Al-Fourkane para Educação e Estudos Islâmicos.
O Centro Universitário Polivalente - CUP, situado em Ouagadougou existe
oficialmente desde 13 de dezembro de 2004. Ele possui duas unidades33: a faculdade de
Ciências da Educação com departamentos de Estudos Islâmicos e de Língua e Literatura Árabe
e a faculdade Politécnica com cursos de Finanças-Contabilidade e Engenharia da Computação.
Desde sua inauguração até o ano acadêmico de 2009-2010, o CUP34 contava efetivamente com
154 (cento e cinquenta e quatro) estudantes.
A Faculdade Al Aliman Ibn Baz de Educação e Ciências (FIBES), também em
Ouagadougou, foi inaugurada em 3 de outubro de 2006, oferecendo cursos de Informática e de
Ciências Islâmicas. Atualmente, ela possui cerca de 153 (cento e cinquenta e três) estudantes.
O instituto Imar/Al Fourkane de Educação e de Estudos islâmicos35 é reconhecido oficialmente
desde 06 de setembro de 2010; ele possui apenas o departamento de Estudos Islâmicos e
Pedagógicos com uma centena de estudantes.
No CUP e na FIBES, e em certa medida no instituto Imar/Al Fourkane, há por volta de
duzentos estudantes de outras nacionalidades (burkinabê, malinesa e nigeriana). Cabe ressaltar
que três quartos dos professores destes estabelecimentos são burkinabê, que cursaram o estudo
33 Trata-se aqui de unidades de ensino. Hoje, o estabelecimento funciona apenas com duas unidades. Entretanto,
desde sua inauguração, obteve do MESSRS a autorização para o ensino de Línguas – árabe, francês e inglês –, de
Gestão de TI, de Administração, de Ciências administrativas e de Ciências islâmicas. O Centro Universitário
Polivalente – C.U.P – é o único estabelecimento de ensino superior islâmico, cuja formação em Estudos islâmicos
e em Língua e Literatura Árabe é reconhecida.
34 Os estudantes da Faculdade de Ciências da Educação, diferentemente da Faculdade Politécnica, são todos
muçulmanos.
35 Atualmente, na FIBES, há apenas estas unidades. Desde sua inauguração, porém, obteve do MESSRS a
autorização de ensino nas seguintes unidades: Finanças e Contabilidade, Gestão comercial, Gestão de TI, Negócios
e Seguro, e Ciências islâmicas.
P á g i n a | 123
superior em países de língua árabe, principalmente no Egito, na Arábia Saudita, na Líbia e na
Síria.
Essa realidade ancora-se na história das dinâmicas das trocas entre a África do Norte e a
Subsaariana. Nesse sentido, cabe-nos interrogar sobre o seu conteúdo.
3.2. Migração e intelectualidade dos muçulmanos arabófonos no contexto burkinabê
Os contatos entre as duas margens do Saara, entre as populações do Norte da África e
as da África Subsaariana são seculares. Datando do período romano, segundo Grégoire e
Schmitz (2000), elas foram inicialmente, de natureza militar, entretanto, foram transformando-
se em formas diferenciadas de trocas, notadamente comerciais.
Blin (1988, 1990) ressalta igualmente a importância das relações entre a África
subsaariana e os países de língua árabe ao longo dos últimos séculos. Estas relações
intensificaram-se a partir dos anos 1950 com os processos de descolonização, a formação dos
Estados pós-coloniais e, igualmente, com o desenvolvimento das novas tecnologias e novas
formas de mobilidade de pessoas entre estas regiões.
Para Sow (2006), a face atual da África constituiu-se em meio aos diversos movimentos
migratórios, caracterizando-se por uma redistribuição constante de seus povos com criação e
recriação de suas fronteiras políticas, econômicas e culturais.
Na contemporaneidade, a competição socioprofissional participa na transformação e na
intensificação da formação e do saber. Essa dinâmica é um elemento de motivação essencial
nos processos e dinâmicas migratórias dentro e fora do continente africano. A juventude
muçulmana burkinabê não se encontra à margem dessa realidade que tem gerado experiências
novas e prolongadas em ambientes culturais distantes e diversificados.
O acesso à escola, ou seja, àquilo que é considerado, na sociedade burkinabê, a primeira e mais
importante instituição à qual se delega a educação formal e a aquisição de competências tanto
profissionais como acadêmicas se constitui em um espaço social em que se depositam
esperanças e pesados investimentos de longo prazo para viabilizar uma mobilidade social
ascendente. Nela, a complexidade e o desafio da questão da língua destacam-se, impondo
reflexões e evidenciando um campo de disputas no interior da sociedade. De um lado, as
instituições nacionais e o projeto de Estado-Nação erguido sobre o molde francês e, de outro, a
P á g i n a | 124
sociedade que desenvolvera, desde o século XV, um espaço cultural e religioso de matriz
muçulmana.
No Burkina Faso, a migração estudantil muçulmana evidencia os vínculos entre o
interesse diante de destinos preferenciais por parte da população local às oportunidades
derivadas das iniciativas originadas em países como Egito, Líbia, Síria e Arábia Saudita que
desenvolveram políticas específicas com oferta de bolsas de estudos. Vale salientar que dentre
as diversas motivações da mobilidade de jovens, o conhecimento religioso e o investimento
intelectual ocupam um lugar relevante. O princípio islâmico que afirma que se deve conhecer
Deus antes de adorá-lo confirma isso. Igualmente, como propedêutica da fé, é conhecido que a
adoração do sábio é melhor à do inculto.
Tais exortações à cultura do conhecimento são fundamentais para compreender o valor
social e cultural atribuído à formação erudita. Essa realidade dá à migração estudantil, para
países árabes, uma dimensão relevante dentro da mundialização estudantil e das novas formas
de cidadania cultural (MAZZELLA, 2009; BAVA, 2009; NYAMBA, 2008; OTAYEK, 1993;
LEBLANC e GOMEZ-PEREZ, 2007).
Kane (2003) destaca a existência na África de múltiplas e diferentes epistemologias não
eurofones, cujos saberes caracterizam-se e se estruturam pelo conjunto de crenças e práticas
islâmicas (saberes esotéricos e exotéricos; práticas religiosas – orações, jejum, proselitismo,
peregrinação sobre os túmulos de santos etc.). Denuncia leituras de forte inclinação eurocêntrica
que intelectuais, inclusive os africanos formados em escolas ocidentais, fazem do saber na
África e sobre a África.
Em suas análises, Ramadan (2003) chama atenção sobre uma dimensão da identidade
muçulmana que se constrói por essa epistemologia não eurofone. Trata de apropriar-se primeiro
da concepção da vida fundada na fé, na espiritualidade com uma compreensão fundamental das
prescrições morais. Em seguida, trata de expressá-la, de aplicá-la na prática cultural e na
vivência cotidiana.
A espiritualidade islâmica é a maneira pela qual o fiel mantém e vivifica sua fé, se educa
e educa. É a memória, a lembrança (dhikr) e o esforço íntimo que permite lutar contra a
tendência humana e natural de esquecer Deus, o sentido da vida e a vida após da morte. Baseia-
se na fé, o elemento mais importante da identidade muçulmana e símbolo íntimo da crença em
um Deus único, onipotente e onisciente sem nada O associar (RAMADAN, 2003). O autor
acrescenta que a segunda identidade muçulmana tem por base uma inteligência ativa e dinâmica
P á g i n a | 125
que requer conhecimento e compreensão das fontes islâmicas (o Al Corão e a Sunna). Por outro
lado, é também uma questão de atitude intelectual diante do contexto de vida visando escolher
livremente entre o bem e o mal querendo assumir a sua responsabilidade perante o Criador.
A transmissão é assim um conceito fundamental no islã, pois está conectada aos esforços
de aprendizado e estudo. A fé (imân) é um reservatório (amaná) que deve ser transmitido ao
próximo. De fato, desde os primeiros meses da revelação da mensagem do islã, foi ordenado ao
Profeta: “E adverti ao pessoal mais próximo” (CORAN, 2007: Sura 26, versículo 214). Trata-
se em seguida de testemunhar perante a humanidade. É o que fez o Profeta, desde a Revelação,
e na hora de morrer, em seu último sermão36, ele diz:
Ô Povo, escuta-me com atenção, [...] e leva esta mensagem àqueles que não
podem estar presentes aqui hoje. [...] Que todos aqueles que me escutam,
transmitam esta mensagem aos outros, e estes a outros ainda, e que os últimos
possam compreendê-la melhor de que aqueles que me escutam diretamente.
Sê testemunha Ô Deus, que eu transmiti Tua mensagem a Teu Povo.
Numerosos são os versículos que encorajam a busca e a transmissão do conhecimento,
não apenas religioso, mas também cultural, político, social e científico. Assim, transmitir
constitui dever e direito de todos.
O islã na África subsaariana é caracterizado pelo dinamismo. Essa “reislamização” leva
à reformulação e ao esclarecimento da identidade muçulmana, que durante muito tempo foi
considerada como herança cultural e por conta disso é definida como natural (SAINT-LARY,
2011).
No entanto, a autora chama atenção sobre o fato de que esse renascimento da
religiosidade islâmica se inscreve na continuação de um fato que na verdade nunca se
interrompeu, desde o último século. Ao analisar a questão da reislamização da paisagem
sociopolítica burkinabê, a autora afirma que é necessário distinguir duas características
inovadoras:
Primeiramente, trata-se de uma reação a um contexto particular, o de uma
desregularização importante do Estado, conduzindo os poderes públicos a
36 Sermão feito no nono dia do mês de Zoul Houja (décimo segundo mês do calendário lunar), no ano 10 de Hégire,
em 632 d. J.C., no Vale Uranah do Monte Arafat, na Arábia Saudita. O sermão integral está disponível em:
http://islamfrance.free.fr/doc/sunnah/sermon.html
P á g i n a | 126
gerar com cada vez mais dificuldades as necessidades comuns. Os atores
religiosos se colocam assim como paliativos dos problemas dos Estados
africanos: visam essencialmente às funções sociais (saúde, educação,
assistência de urgência, etc.) e raramente às funções próprias ao Estado. A
segunda constatação provém do que aconteceu por trás: os movimentos
religiosos (no caso islâmico) contemporâneos, cada vez mais presentes no
espaço público, têm em sua essência em si uma relação à política que tem que
se levar em consideração. (SAINT-LARY, 2011, s/p37).
Em função da nova efervescência islâmica ocorrendo, atualmente, em Burkina Faso, um
grande número de muçulmanos se questiona sobre a fé de si. Daí, nasce a necessidade de
revitalizá-la, (re)aprendendo o islã através do Al Corão e da tradição profética e vivenciando o
cotidiano como um “bom muçulmano”.
Nesse contexto de expressão coletiva de necessidade de aprendizagem, os diplomados
em Institutos e Universidades de países de língua árabe constituem um grupo respeitado pela
erudição, ao mesmo tempo que são temidos por serem portadores potenciais de novas ideias.
Há, ainda, a apreensão gerada pelo risco de certa desestabilização de estruturas de poder em um
ethos em que a erudição é forma canônica de poder (OTAYEK, 1993, 1996; OUEDRAOGO,
2000).
No caso do Burkina Faso, as Organizações Não-Governamentais (ONGs) estrangeiras
e pessoas físicas de grande notoriedade (SAINT-LARY, 2011), investem significativamente na
causa islâmica, contribuindo para o reconhecimento e a valorização dos intelectuais diplomados
em língua árabe quando retornam da sua migração de estudo.
Mas apesar desses investimentos e da intensificação das relações com o mundo árabe-
muçulmano, nota-se que diante do mercado de trabalho bastante competitivo, os jovens
burkinabê recém-formados em língua árabe têm dificuldades, ao retornar dos estudos (CISSÉ,
2007; 1989).
Desse modo, diante da adversidade desse retorno, vemos a emergência de um percurso
construído a partir de uma consciência de cidadania e formas de organização coletiva. Assim,
é possível pensar que desenvolvem uma identidade de resistência e mesmo uma identidade de
projeto que os consagra sujeitos. Isto é, definir um sujeito pelo seu desejo de ser um indivíduo,
de criar uma história pessoal, atribuindo significado a todo o conjunto de experiências da vida
37 Sem paginação
P á g i n a | 127
individual. Para tanto, a transformação de indivíduos em sujeitos resulta da combinação
necessária de duas afirmações: a dos indivíduos contra as comunidades, e a dos indivíduos
contra o mercado (CASTELLS, 2002)
A cultura - incluindo a dimensão e linguagens da religiosidade - constrói na experiência
social mais do que uma dimensão de direitos. Ela pode se configurar como mediação e
possibilidade de fortalecimento da pessoa, das identidades coletivas assim como das redes de
interdependência (BARROS; GALVANI, 2013, s/p).
Ora, se nos parece pertinente assumir a juventude muçulmana burkinabê – ainda que ela
tenha importantes diferenciações internas - como grupo social exposto diretamente à
precarização do trabalho, à vulnerabilidade relacional, bem como suscetível à marginalização
e à ruptura das redes sociais, esse caráter de mediação da cultura torna-se importante. É uma
juventude que precisa fazer face à ameaça da exclusão e ao déficit de integração vinculado à
degradação do mundo do trabalho e suas consequências na qualidade e possibilidades de vida
(BARROS; GHIRARDI; LOPES; 2002).
É nesse sentido que a cultura e as redes de religiosidade constituem-se em campos e
estratégia de participação social para uma parcela considerável da população jovem burkinabê.
Assim, a militância política, no bojo da religiosidade islâmica apresenta-se como uma
oportunidade, para esses jovens, para se alcançar novos lugares sociais e espaços de poder, além
de possibilidades de se denunciar violações ou de se reivindicar garantia de direitos ao Estado.
As associações e mobilizações de grupos, ao criar campos de reconhecimento mútuo, parece
lhe trazer uma dimensão identitária forte dentro de um tipo particular de dinâmica social em
um espaço instituído, em ponto de referência de uma rede de relações independentemente dos
limites territoriais.
Nos seus estudos, Barros e Galvani (2013) exploram a noção de ‘’pedaço’’ de Magnani
(2002). O ‘’pedaço’’ é caracterizado por relações de sentido entretidas pelos membros de um
grupo social específico através de símbolos e códigos comuns. De modo semelhante, os espaços
associativos (formais ou espontâneos) geram possibilidades de trabalho; mas podem ir além,
criando espaços - como o pedaço descrito por Magnani - gerados por meio de práticas de
sociabilidades que reforçam ou conferem significados a laços interpessoais e a espaços comuns,
sobretudo urbanos. No que diz respeito aos jovens diplomados em língua árabe, o pedaço
constitui um pilar e uma chave para inserção socioprofissional.
Como discutido, há uma pluralidade de culturas e comunidades coexistindo. Suas
diferenças podem, segundo o contexto sociopolítico e histórico, transformarem-se em objeto de
P á g i n a | 128
valorização ou de desqualificação de uma parte ou do conjunto da sociedade. O conflito social
que resulta disso leva a parte que tende a ser marginalizada a pensar em estratégias de
resistência e de (re)afirmação identitária.
Essas identidades de resistência podem assumir a forma, como sugere Castells (2002),
de identidade de projetos em que os atores são capazes de redefinir sua posição na sociedade,
favorecendo a transformação da própria organização social (BARROS; GALVANI, 2013).
Engajada em tal meta, a juventude muçulmana burkinabê procura estratégias para reforçar o
pertencimento e sua identidade coletiva. É em tal contexto que evoluem os jovens diplomados
em países de língua árabe (em África ou no Oriente Médio) se comprometem com a luta
política, ou seja, o dever de reivindicar mais atenção do Estado em nome de sua cidadania.
Determinando a ação e a participação social de acordo com uma perspectiva islâmica,
Ramadan (2007, p.144) destaca quatro aspectos maiores que são inerentes à vida humana:
Desenvolver e proteger a vida espiritual na sociedade; difundir tanto a
educação religiosa quanto a secular entre as pessoas; agir para que haja mais
justiça em cada esfera da vida social, econômica e política e, enfim, promover
a solidariedade entre todas as categorias de necessitados que são objeto de
esquecimento ou de negligência.
Para o autor, esses pontos associados às duas dimensões do ser ativo (enquanto
indivíduo) e do ser participativo (ou ser social) respondem à dimensão fundamental da presença
muçulmana sobre na Terra: Estar com Deus é estar com os outros seres humanos, não apenas
com os muçulmanos, mas, como disse o profeta, com "as pessoas" quer dizer com a humanidade
inteira (RAMADAN, 2007, p.145).
Hoje em dia, os discursos para a igualdade de direitos políticos, civis e sociais da
juventude muçulmana burkinabê traduzem suas reivindicações por uma política de Estado
cidadão que reconheça seus direitos e coíba suas violações. Ainda que o contexto burkinabê
seja diferente do europeu, partilhamos da visão de Pedziwiatr (2011) quando define o conceito
de "civismo muçulmano", salientando o fato de que a mobilização islâmica contemporânea é
uma passagem da identidade muçulmana à cidadania muçulmana, caracterizada por uma
consciência que faz um forte apelo aos discursos nacionais e promove a identificação aos outros
compatriotas componentes da identidade nacional.
A consciência de si de cada sujeito para Supiot (2004), passa primeiramente pela
alteridade que envia ao sujeito a sua própria imagem, conferindo-lhe seu estatuto e sua condição
humana. O autor representa a sociedade como um conjunto de partículas elementares
P á g i n a | 129
impulsionados pelo cálculo das suas funções individuais, em que cada um se comporta como
autossuficiente enquanto, sempre, ele precisa de alguém, do outro. Assim, a relação do gênero
humano com a alteridade é consubstancial à vida social, pois a partir dela nascem as interações
entre indivíduos, fundando assim as sociedades (BOUVIER, 2005). E se for verdade que
“antropos” e “humanitas” (NISHITANI, 2004) são apenas um e que este é por essência e
excelência um ser social, parece-nos que seu florescimento, sua plena realização passa tanto
pela alteridade quanto pela qualidade do laço que lhe é concedido.
Falar de cidadania refere-se à relação existente entre os membros de uma sociedade e o
Estado a quem é delegado a responsabilidade de gestão-organização dessa sociedade. O que
reter dessa relação entre os muçulmanos do Burkina Faso e o Estado burkinabê?
3.3. Os muçulmanos e o Estado burkinabê
Exploraremos nesta rubrica, a complexa configuração do islã e de suas entidades
políticas, em Burkina Faso, assim como a relação que ele mantém com o Estado. De acordo
com os trabalhos de René Otayek (1996), foi a partir de 1970 que a dominação política do islã,
que antes limitava o acesso dos muçulmanos ao aparelho administrativo do Estado (serviço
público), foi contrabalançada.
De fato, pela sua política de valorização das competências e instituições do país,
“voltaïzação”38, o presidente Lamizana - 1966-1980 - favoreceu a formação de empresários
muçulmanos através de outorgas preferenciais e demais facilidades de acesso ao crédito e
contratos públicos. Essa conjuntura permitiu aos muçulmanos se inserir, inclusive, de modo
privilegiado nas redes clientelistas permitindo-os maximizar a acumulação de riquezas
reforçando ao mesmo tempo a sua autoridade social à sombra do Estado. Isso deu voz a uma
geração de empresários muçulmanos que se tornaram grandes empresários indispensáveis ao
Estado, os quais conseguiram assim vantagens na negociação de sua subordinação ao poder
político.
38 Tornar ‘’voltaíco’’. Referindo-se à Alta Volta, antigo nome do Burkina Faso.
P á g i n a | 130
O estreitamento das relações entre o Burkina Faso e o mundo “árabe-muçulmano”, bem
como dos investimentos que fizeram em nome da solidariedade religiosa reestruturou o islã
burkinabê. No mesmo contexto, com a adesão do país à Organização da Conferência Islâmica
em 1974, a comunidade muçulmana se tornou politicamente mais forte. Assim, as diferentes
representações da comunidade foram integradas aos projetos de desenvolvimento do Estado.
A partir dos trabalhos de René Otayek (1996) sobre o islã no espaço Burkinabê, é
possível distinguir com cuidado três entidades: uma primeira tradicionalista que, de acordo com
as configurações socioculturais regionais, é relacionada aos valores culturais tradicionais. Ela
é representada pela associação “Comunidade muçulmana do Burkina Faso – CMB”.
A segunda entidade se destaca através do movimento “sunita”. E, pela educação secular,
a terceira entidade se identifica com a cultura Ocidental. Seus partidários encontram-se nas duas
associações que são: a Associação dos Alunos e Estudantes de Burkina (AEEMB) e o Centro
de Estudos de Pesquisa e Formação Islâmica (CERFI). Presente e atuando no espaço público e
na administração do país em modalidades diferentes, notamos uma certa competição entre as
diferentes entidades para garantir a cada uma, melhor participação social.
Embora a França arrogue-se o direito ao acesso e à exploração dos recursos (naturais e
humanos) de Burkina Faso, o liberalismo econômico preconizado pela globalização a obriga a
competir com diversos outros países. No final dos anos 1960 e ao longo da década que seguiu,
Burkina Faso focou sua política externa para o mundo “árabe-islâmico”. Desenvolveu assim
estreitas relações com o Egito, Argélia, Líbia, Arábia Saudita, bem como os Emirados Árabes
Unidos e Qatar. Nesse sentido, diferentes acordos de cooperação técnica, econômica, comercial,
cultural e educacional assinados se materializaram.
A adesão da Alto Volta à Organização da Conferência Islâmica (OIC), em 1974, e sua
participação na Conferência de cúpula do Cairo, março de 1977, que reuniu sessenta países
árabes e africanos, concretizou essas relações de cooperação. A Arábia Saudita se comprometeu
em oferecer uma ajuda de 250 bilhões de francos CFA, nos anos seguintes, e os Emirados
Árabes Unidos 2,25 bilhões. Mais tarde, o benefício da substancial ajuda de mais de 200
milhões de francos CFA vindo da Arábia Saudita, Líbia, Argélia, Egito e da OIC deu à
economia burkinabê um dinamismo sem precedente. Como a relação entre os muçulmanos e o
Estado burkinabê nos permite explorar a dinâmica de atuação assim como as tensões existentes
dentro da comunidade?
P á g i n a | 131
3.4. Da comunidade muçulmana do Burkina Faso: clivagens e conflitos
Durante o regime revolucionário do Conselho Nacional Revolucionário (CNR)39, certa
intelectualidade nasceu no seio da comunidade muçulmana burkinabê a partir de uma leitura
islâmica do projeto revolucionário de Thomas Sankara. Esse dado tem o interesse, na presente
tese, de compreender aquilo que define as “origens” da atual intelectualidade muçulmana do
país, o objeto principal de nosso presente estudo. Nesse sentido, torna-se imprescindível a
caracterização das premissas dessa intelectualidade.
De acordo com os trabalhos de Otayek (1996) e Madore (2013), a histórica rivalidade
regional acentuada pela colonização opõe principalmente as diferentes comunidades do Centro
e do Oeste africano, com Bobo Dioulasso como importante metrópole comercial, cujas
populações têm relações estreitas com o Mali e o Norte da Costa do Marfim. Além disso, esse
antagonismo é sustentado por filiações e confrarias diferentes. A maioria dos muçulmanos do
Oeste pertence à “Tijaniyya” propagado pelo conquistador El-Hajj Omar. Os do Centro
identificam-se à “Qadiriyyah” e os do Norte, à “Hamaliyya”.
O principal órgão representativo dos muçulmanos foi, primeiro, a Comunidade
Muçulmana da Alta Volta (CMHV), criado em 1962. Mais tarde, com a mudança de nome do
país, se tornou a Comunidade muçulmana de Burkina (CMB). O maior conflito interno à
comunidade é a clivagem entre os Mossé, que podemos classificar no grupo dos
“tradicionalistas” e os que não o são e que classificamos no grupo dos “reformadores”. As
implicações do conflito estão ligadas ao conhecimento e à legitimidade da autoridade religiosa.
O grupo dos tradicionalistas se compõe de marabus ou docentes de escolas corânicas, de líderes
religiosos, bem como de influentes comerciantes. Com uma legitimidade baseada sobre o seu
status de herdeiros da tradição, eles se formaram por meio das escolas corânicas e
representavam as práticas populares da fé islâmica.
Modelada sobre a gerontocracia e a hierarquização das relações sociais de acordo com
a cultura moaga, muito respeitosa da autoridade do imperador o “Mogho-naaba”, a juventude
não tinha voz. Assim, à imagem da chefia tradicional, o “imamat”40 era considerado como uma
39 Conferir o capítulo II; 2.1. Memória e revoluções.
P á g i n a | 132
liderança religiosa, a qual se transmitia de pai para filho. A legitimidade da autoridade do pai
se desdobrava pela obtenção da “baraka”, a bênção espiritual mística. Por extensão, isso regia
as relações entre os docentes de escolas corânicas e seus alunos. Enquanto “únicos detentores”
do conhecimento islâmico, os primeiros beneficiavam de importantes e bons cuidados da parte
dos últimos. De fato, para adquirir a baraka, os alunos tinham que honrar seus mestres se
colocando à sua disposição e oferecendo-lhes sempre presentes.
Quanto ao grupo dos reformistas, ele era bastante heterogêneo (comerciantes, falantes
de árabe, intelectuais francófonos); membros que eram, em sua maioria, antigos agentes da
administração, antes e depois da independência. Formados pela escola francesa e se
identificando com a cultura ocidental, essa elite, um pouco mais racionalista, articulava seus
discursos ao tema da modernidade e promovia assim a renovação das práticas islâmicas. Os
reformistas se distanciavam das práticas tradicionais. Além do apelo à unidade muçulmana,
propunham a reforma da concepção do islã, através de uma reforma da proposta de ensino nas
escolas corânicas.
Através dos madâri, a introdução de novos métodos pedagógicos, bem como o
aprendizado acadêmico da língua árabe serviria para uma melhor formação dos muçulmanos a
respeito da espiritualidade, bem como de sua entrada na modernidade. Pela vontade de se
subtrair à autoridade da chefia tradicional moaga, os reformistas impuseram-se através do texto
do estatuto oficial adotada pela CMHV em que firmemente tomaram posição contra os
tradicionalistas. Entretanto, na prática, a complexidade das alianças sociopolíticas dificultou a
execução.
Um terceiro grupo, os “wahhabitas”, reunidos numa rede chamada “movimento sunita”,
que se opõe a uma grande maioria dos muçulmanos, destacam-se pelo islã que professam.
Defendendo a aplicação “rigorista e literalista” das referências islâmicas, eles se confrontam
abertamente com os tradicionalistas. Da mesma forma, distanciam-se dos reformistas que eles
acusam de serem grandes imitadores do Ocidente. Seu percurso intelectual, feito em Meca ou
nas principais universidades do Magrebe, os distinguem radicalmente dos reformistas.
O ano de 1930 marcou o início de uma migração para a Arábia Saudita. Indo em
peregrinação à Meca, seguido de uma longa estadia, vários fluxos de migrantes retornaram. Em
1963 e 1964, duzentos e dez migrantes em situação ilegal foram repatriados para o Burkina
40 Liderança especifica variando de acordo com a organização comunitária. Comumente, refere-se ao guia das
orações formais.
P á g i n a | 133
Faso. Reforçando o peso político daqueles que voltaram anteriormente, o conflito entre os
“wahhabitas” e as demais comunidades muçulmanas exacerbou-se levando a violentos
confrontos na cidade de Bobo-Dioulasso, em 1973.
Politicamente e financeiramente apoiados pela Arábia Saudita, o “movimento sunita”
foi oficialmente reconhecido pelo Estado em 1973. A partir de então, mais representativo na
esfera pública e educacional, com os madâri privilegiando a educação religiosa com o árabe
como língua acadêmica, muitas bolsas de estudo foram concedidas pela Arábia Saudita ao
“movimento sunita”. Além disso, com a aproximação do Governo do presidente Lamizana dos
países do “mundo árabe-muçulmano”, o Estado burkinabê beneficia-se regularmente de bolsas
de estudos distribuídas entre os três ramos da comunidade muçulmana.
Assim, através da história configura-se o islã no Burkina Faso. É a partir de tal legado
que a nova geração muçulmana do Burkina Faso busca participar na construção de sua
cidadania. Cabe então apreender a sua característica assim como a sua estratégia de luta.
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CAPÍTULO 4: DA JUVENTUDE MUÇULMANA BURKINABÊ E SUA
ESTRATÉGIA DE LUTA
Neste capítulo, trata-se do posicionamento social e político da juventude muçulmana a
partir de suas referências islâmicas. Serão destacadas, também aqui, as estratégias de luta
mobilizadas por essa juventude para a cidadania.
4.1. Da cidadania cultural e do espaço público
No cenário sociopolítico burkinabê intervêm diferentes atores, sejam pessoas físicas
sejam instituições nacionais ou estrangeiras. Essa rubrica nos permitirá pensar a capacidade da
juventude muçulmana a encaminhar as pautas de suas lutas sociais, articulando-as com as
propostas oferecidas pelos atores em presença.
Saito (2010) discute a noção de participação social através das perspectivas macro e
micropolítica. A primeira perspectiva refere-se à luta pelos direitos humanos, por meio de ações
que se identifiquem com os valores estabelecidos. A segunda perspectiva refere-se às vontades
e aos interesses dos cidadãos na sua relação com o universo social através da vida cotidiana.
Articulada às questões sociais, essas duas perspectivas vislumbram a participação dos cidadãos
às transformações sociais em curso.
A noção de cidadania refere-se às condições de pertencimento a uma comunidade
política em que os membros, submetidos a diferentes regras sociais, mantêm relações de direitos
e deveres recíprocos. Este princípio legal coexiste com uma dimensão simbólica ligada às
aspirações do que é comum à comunidade ou à sociedade como um todo.
Nesse sentido, revela-se como um reflexo da identidade (cultural) e implica uma
participação ativa à vida social, em que os interesses antagonistas e os conflitos sociais
resultantes são objeto de lutas. A cidadania permite assim a criação de espaços para a expressão
e ação, dando voz a diferentes grupos e camadas sociais a fim de reivindicar seus direitos:
melhores políticas que promovam e garantam, através da cultura, as liberdades fundamentais e
a justiça social (UNESCO, 1998; 2002). Ela se chamaria, então, cidadania cultural (MILLER,
1998; LEBLANC e GOMEZ-PEREZ, 2007), e vai ao encontro do que vimos ressaltando
anteriormente neste trabalho, notadamente a respeito da participação política da juventude, sua
P á g i n a | 135
luta pela educação e cultura, destacando o ensino superior assim como as demais manifestações
musicais como expressão desta mesma cidadania [cultural].
Retomando o trabalho de Toby Miller (1998), Leblanc e Gomez-Perez (2007) que
discutem a noção de cidadania cultural religando-a à dimensão religiosa, particularmente ao
islã. Com referência ao contexto da África Ocidental de língua francesa, as autoras definem a
cidadania cultural como a expressão da articulação dos consentimentos (negociação) e
resistência (reivindicações) dos jovens burkinabê relativas aos padrões de socialização em
vigor. A característica dessa cidadania reside no seu exercício nos espaços paralelos aos do
Estado, mas com a intenção de diálogo. Leblanc e Gomez-Perez enfatizam que esses são
espaços com suas próprias economias e modalidades políticas.
As políticas de descentralização, privatização e liberalização consecutivas à
democratização, iniciadas na África subsaariana nos anos 1990, como dito, reconfiguraram as
realidades sociopolíticas dos Estados dessa região. Daí, surgiram novos espaços nacional e
transnacional de expressão e de contestação. Através das tecnologias da informação e da
comunicação, a conquista do espaço público se revelou um poderoso instrumento político para
a juventude que, pelas redes sociais digitais e movimentos associativos, vem redefinindo o seu
lugar e o seu papel na sociedade. Para melhor compreender esse processo em curso, deve se,
primeiramente apreender a noção do espaço público no contexto africano, articulada à noção
de juventude africana.
Preliminarmente, observemos uma questão de ordem mais teórica sobre o espaço
público, tal qual teorizado por Kant (1784) e popularizado por Habermas (1988)41. Para estes,
trata-se de um espaço territorial simbólico onde se opõem e se respondem discursos de
diferentes intelectuais (atores políticos, sociais, religiosos e culturais) na composição de uma
sociedade. Historicamente, vincula-se a dois movimentos. Um primeiro, em favor da liberdade
individual e da capacidade em exibir publicamente a sua identidade; um segundo, vinculado à
democracia que promova a ideia de publicidade contra aquilo que é mantido como secreto e
proibido.
Esse conceito adquire consistência na conquista do movimento de emancipação que se
caracteriza pela valorização da liberdade individual e de tudo que é público, em oposição ao
que era “privado”, este identificado com o domínio da tradição e demais proibições antigas
(WOLTON sd;WOLTON e al., 1989). Para o autor, o espaço público, visto como abrangência
41 Trata-se de sua tese de doutorado cuja data de publicação da primeira edição é 1962.
P á g i n a | 136
do espaço comum, é a primeira condição de existência do espaço político, enquanto espaço de
decisão e de ação.
Baseado em uma perspectiva histórica dos Estados modernos europeus, marcada por uma esfera
política emancipada das autoridades religiosas e estritamente ligada à crítica racional, o
conceito de espaço público habermasiano exportado para o contexto africano sofreu muitas
críticas.
A má gestão dos bens públicos, notadamente as lógicas de corrupção relacionadas à
alocação de recursos no âmbito dos projetos de desenvolvimento na África do Oeste, é, para
alguns autores, a justificativa da inexistência de uma esfera pública africana. Confrontado com
a difícil verificação do ideal da esfera pública habermassiano, em contextos políticos africanos,
deve-se notar que essa posição é extrema (DAHOU, 2005). Para o autor, trata-se de analisar o
político através das tensões existentes entre o poder de agir em conjunto, determinado pela
vontade política colectiva (de agir), de um lado; e através do poder sobre a ação alheia (poder
dominante), de outro. Essa abordagem permite entender as dinâmicas sociopolíticas ocorrendo
nas sociedades africanas nas quais notamos, baseados na obra de Saint-Lary (2011; 2009), a
forte participação do religioso nas políticas públicas, bem como nos debates sobre as demais
questões sociais.
Os trabalhos de Saint-Lary e Holder (2013) chamam a atenção sobre o fato de que os
processos de democratização iniciados nos anos 1990 têm conduzidos à uma liberalização
jurídica das mídias e das associações. Por outro lado, este período também se caracterizou pela
descentralização das diferentes instituições, da ajuda ao desenvolvimento assim como de uma
grande urbanização.
O "despertar do religioso" cristão (MAYRARGUE, 2004) tanto quanto o do islâmico,
nesse mesmo período, foi marcado por (re)afirmações identitárias, e mesmo nacionalistas.
Assim, várias iniciativas islâmicas se estabeleceram para a conquista da esfera pública a fim de
constituir uma opinião pública, até então pouco levada em conta. Nesse sentido, nascem muitas
rádios do mesmo modo que programas adaptados aos fiéis.
Da mesma forma, as associações que trabalham para a educação, a saúde, a família, a
justiça e a inclusão social permitiram o surgimento de um espaço público religioso onde a fé
enquanto experiência do social sustenta a razão. Essa noção permite apreender a natureza das
relações entre Estado e religião e, no nosso caso, entre o Estado e o islã, conforme discutido ao
longo da tese.
P á g i n a | 137
Com uma taxa de urbanização próxima de 50% hoje, comparada a 11% em 1960, as
estatísticas refletem razoavelmente bem a tendência das cidades na África subsaariana, cobiça
dos indivíduos, assim como das comunidades. Espaços de mistura e de mestiçagem alimentados
por ondas migratórias notáveis pelo seu ritmo, sua escala e sua duração, as cidades constituem
reais desafíos e implicações para as populações africanas (YAPI-DIAHOU, 2015). De acordo
com o autor, vale resaltar que referências de progresso por uns, de emancipação e liberdade-
distanciamento das realidades rurais tradicionais para outros, elas drenam vários fluxos: tanto
homens como recursos financeiros, notadamente a economia extra agrícola. Os investimentos
em infraestruturas fazem das cidades africanas vetores e meios de conexões com os diferentes
centros do sistema mundo. A proximidade das diferentes instituições administrativas e aparatos
estatais as torna lugares privilegiados.
Ao contrário de seus vizinhos fortemente islamizados, tais como o Senegal, o Mali e o
Níger, as estatísticas em Burkina Faso representavam apenas 20% dos muçulmanos (CISSÉ,
1994), em 1959, contra 61% da população nacional, em 2010, (INSTITUT NATIONAL de la
STATISTIQUE et de la DÉMOGRAPHIE – INSD, 2012)42.
Segundo Madore (2016), apesar de uma elite política se compondo principalmente por
cristãos, os muçulmanos burkinabês, além de sua importância numérica viveram várias décadas
de subordinação política, têm sido bem dinámicos, desde o início da democracia, no início dos
anos 1990. A relevante presença de associações (testemunham as 240 associações islâmicas
oficiais do país), a criação de madâri, de universidades e mídias islâmicas (vários canais de
rádio lançados nos anos 2000 e um canal de televisão criado em 2012) são a expressão da
identidade islâmica na esfera pública.
Até o final da década de 1980, a esfera pública burkinabê, que se caracterizava pela
secularização do político dominado pelo Estado, foi substituída por um espaço público
islâmico. Esse último se define através de uma comunidade, em nome da fraternidade islâmica.
Ele almeja se reagrupar em uma única organização nacional, dividida entre muçulmanos
"reformistas", "tradicionalistas", "modernistas" e “de irmandades’’.
42 Segundo as estatísticas de 2012 do Institut National de la Statistique et de la Démographie (INSD) através da
pesquisa “Enquête Démographique et de Santé et à Indicateurs Multiples (EDSBF-MICS IV) 2010”, feita em
2010, Burkina Faso abrange 61% de muçulmanos, 23,2% de cristãs (19% de católicos e 4,2% de protestantes),
15,3% praticando o culto dos ancestrais e 0,4 % que praticam nenhuma religião. Consultar pesquisa em:
http://www.burkinafaso-cotedazur.org/ documents/ demographie/rapport-2010.pdf
P á g i n a | 138
Como outra característica do islã burkinabê, é preciso dizer que a forte presença de
“arabizantes’’43, especialmente os "wahhabitas" (CSSÉ, 2009), chamados assim de acordo com
os países, ou de "salafistas" ou ainda de "isalistas". Firmes de seus conhecimentos religiosos,
adquiridos através de caminhos acadêmicos inéditos e singulares e difíceis estadas em
Universidades da África do Norte e da Ásia, eles reivindicam a autoridade espiritual do país,
pois, esses “arabizantes’’ são os interlocutores privilegiados dos investidores vindo dos países
árabes (MADORE, 2013; SAVADOGO, 2014; BAVA; PLIEZ, 2009; BAVA; CAPONE,
2010; BAVA; PICARD, 2010; BAVA, 2011; MAZZELLA, 2009). Ainda, os muçulmanos
que fizeram sua escolarização em meios laicos francófonos não poupam esforços para o
fortalecimento de sua fé (SAINT-LARY, 2011).
Opostos ontem aos arabizantes a respeito de questões relativas ao conhecimento
religioso e, portanto, de legitimidade de expressão, eles estão doravante presentes, pela
profundidade e pela pertinência do conteúdo dos debates sobre a cidadania cultural islâmica.
Quanto as irmandades sufis, elas são marcadas pela redefinição interna da afirmação de uma
nova geração de líderes/chefes religiosos que se apresentam como empreendedores religiosos.
No Burkina Faso, como na Costa do Marfim marcada pela pluralidade religiosa, a
questão identitária se manifesta por uma luta cívica para o reconhecimento e defesa dos direitos
das populações muçulmanas. Esses fenômenos de re-islamização fazem do espaço público
verdadeiros desafios e implicações identitárias e sociopolíticas44 cujos atores, desde cerca de
há vinte anos, suscitam e animam os debates em torno das grandes questões sociais:
vulnerabilidades sociais, relações de gênero, AIDS/HIV (Síndrome/Vírus da Imunodeficiência
Adquirida), educação, espaçamento de nascimentos, excisão, poligamia, pena de morte,
corrupção, justiça, igualdade.
Para Holder e Saint-Lary (2013), o espaço público religioso que se constitui enquanto
espaço de ação crítica diante das políticas públicas, do Estado e do modelo societal, reclama-se
como o agente de transformação social. Assim, os promotores desse espaço singular redefinem
43 Falantes de árabe e lidando fortemente com realidades das sociedades com forte presença árabe e/ou muçulmana.
44 Para Saint-Lary e Samson (2011), Holder e Saint-Lary (2013), dos diferentes significados relacionados ao
conceito de re-islamização, destaca-se um que se refere ao islã político em relação à revolução iraniana. Em
seguida tem a corrente econômica chamando a atenção dos crentes sobre a equidade. Aqui, a economia moral
constituiria um meio de resistência ao liberalismo sem ética, bem como à ocidentalização das economias africanas.
Em terceiro lugar, trata-se das dimensões sociais e culturais da re-islamização.
P á g i n a | 139
a noção de espaço público. Esse último, visto como um espaço de difusão de valores e de
debates sobre desafios societais, é adaptado aos valores éticos e morais, bem como à filosofia
de vida enaltecida pelo islã. Esses autores chamam a atenção sobre a pluralidade dos pontos de
vista dos atores do espaço público religioso, por serem animados por convicções e lutas
específicas. Todavia, todos têm o cuidado de não falar em público, críticas contra as posições
de seus correligionários; relegando-os ao espaço privado. Levados a reconsiderar os termos de
referência das políticas nacionais à luz do islã (todas as escolas jurídicas e ciências islâmicas
combinadas), os diferentes atores do espaço público posicionam-se como mediadores entre os
poderes públicos e o interesse geral.
As fontes de financiamento da esfera pública islâmica têm uma significativa influência
sobre o conteúdo dos debates, assim como sobre seu dinamismo. As mesquitas, bem como as
diferentes organizações muçulmanas, beneficiam ou suscitam financiamentos de origens
diversas. O comércio, a educação, a construção e as demais obras públicas, a indústria cultural,
o trabalho humanitário, assim como a contribuição dos diferentes fiéis, lhe asseguram o seu
autofinanciamento. E isso lhe fornece garantias para formular críticas contra as autoridades e
políticas públicas.
A respeito dos temas sobre os quais a sociedade deve ser consultada ou implicando a
sua participação, as diferentes autoridades e instituições recorrem aos líderes e chefes religiosos
como agentes de transmissão de opinião que são, pois, capazes de articular os argumentos
apropriados recebíveis pelas populações-alvo (KAAG e SAINT- LARY, 2011). Solicitados
como incontornáveis, eles se posicionam como parceiros na implementação de vários
programas de desenvolvimento (MARSHALL e KEOUGH, 2004; HAYNES, 2013).
Os estudos de Mara Vitale (2009), Miran (2007) e Bava (2003) tratando da economia
moral e da esfera pública religiosa são eloquentes. Ao longo dos períodos históricos e áreas
geográficas consideradas, os autores da Economia Moral (THOMPSON, 1963; SCOTT, 1976;
HYDEN, 1980; 2007) associam-na a uma das referências pelas quais ela emergiu; notadamente
às estratégias postas em prática pelo campesinato ou pela classe trabalhadora a fim de garantir
a sua subsistência. A partir de Thompson (1963), uma atenção é dada às relações econômicas,
bem como às trocas materiais da classe trabalhadora, reguladas por normas e ideais não
mercantis. No contexto africano, mesmo que o dinheiro permaneça incontornável, as trocas
econômicas não obedecem a uma pura lógica de lucro, mas sim a uma organização complexa
de relações de interdependências e solidariedades recíprocas.
P á g i n a | 140
A economia moral, igualmente sinônima da economia informal, refere-se a um mercado
que não obedece a uma pura lógica capitalista. Assim, definir a economia moral na África seria
o conjunto dos princípios éticos e valores morais, caracterizando as trocas econômicas e
materiais. Nessa lógica, as relações econômicas (trocas de bens, de serviços, de dinheiro) são
reguladas por normas e ideais que não se reduzem à lógica puramente mercantil da busca e da
acumulação de lucros (CISSÉ, 2014).
É preciso enfatizar que neste sistema, a liderança religiosa desempenha um papel
importante. A autoridade e a ação do líder/chefe religioso (VITALE, 2012; ZAPPA, 2009), um
ator social ao poder carismático45, é fundamental. Legitimado pelos seus laços de sangue, seu
saber (estudos/conhecimentos), suas relações e redes sociais (amizades, religião, política), ele
é investido e reconhecido por sua preocupação com o bem-estar de sua "comunidade". Além
de seu status de ‘’mais velho/ancião’’ (acompanhamento social e espiritual) em relação aos
demais, leva-se em conta também sua capacidade em mobilizar os diferentes recursos (dinheiro
e bens de todos os tipos), de redistribuí-los e investí-los para o benefício da comunidade de
acordo com os valores morais compartilhados que lhe é exigido.
Em seu estudo, Mara Vitale (2012) explica que, confiando aos líderes religiosos a
direção da economia comunitária, os fiéis lhe reconhecem a capacidade de sua administração
de acordo com os interesses de todos os membros. Fazem isso respeitando, sobretudo, quatro
principais regras islâmicas no âmbito da economia e das finanças:
1. A proibição de empréstimos com juros a cobrar);
2. A proibição da venda de artigos e produtos cuja existência e as características são
sujeitos a incerteza (gharar);
3. A proibição de atividades especulativas;
4. A redistribuição da “esmola obrigatória” (zakat que todo muçulmano é obrigado a
pagar) às categorias sociais beneficiárias: os pobres e os necessitados, aos responsáveis
pela “coleta’’ e sua repartição aos simpatizantes para associá-los, a comprar escravos
para os libertar, àqueles que foram à falência, os combatentes e viajantes necessitados
(ALCORÃO: 9, 60).
Este último ponto constitui o direito dos mais vulneráveis sociais sobre aqueles que
dispõem de melhores condições materiais e financeiras. Cabe dizer que, na economía moral
45 Poder que "emana de sua proximidade a Deus", assim como da herança do empreendimento carismático original
do santo fundador da irmandade na prática cotidiana.
P á g i n a | 141
islâmica de redistribuição, a “esmola obrigatória’’ desempenha um papel importante no
princípio regulador do sistema de solidariedade social, de redistribuição das riquezas.
A esta economia vale, também, mencionar diferentes comemorações e festas islâmicas,
as visitas aos líderes religiosos em busca de cura (doenças) ou bênções, a organização de visitas
e peregrinações sobre túmulos dos santos, que são características de uma "economia da oração"
(ZAPPA, 2010a, 2010b). Enquanto gerente e planificador social (ELBOUDRARI, 1985), o
papel do líder/chefe religioso é identificado àquele do Estado e a de suas instituições. De fato,
os bens recebidos servem à requalificação do espaço urbano através da construção de
importantes obras de interesse público: mesquitas, escolas, centros de saúde ou na divulgação
da mensagem islâmica através de cursos de instrução religiosa ou aprendizagem do Alcorão.
Nesse sentido, há igualmente programas de pregação radiofônicos.
Os princípios sustentando a economia moral têm como recurso, as estratégias coletivas
e pessoal para perpetuar e perenizar um sistema social e modos de vida e, em menor escala,
diante das contingências socioeconômicas e políticas, transmitir seus valores. O peso das
migrações, bem como a intensificação dos fluxos migratórios, tanto dentro como fora do
continente, deu origem a intercâmbios econômicos e financeiros mais dinâmicos, o que exige
dos líderes religiosos novas formas de (re)negociação de sua autoridade.
Os líderes religiosos não desconhecem a natureza global do sistema de intercâmbio nem
as restrições transnacionais das migrações. Estudos realizadas notadamente no Senegal sobre
os Mourides (BAVA, 2005; 2003) mostram a capacidade dessa irmandade de tecer e alimentar
poderosas redes econômicas e religiosas transnacionais (DIAZ, 2017).
Através dos estudos de Leblanc e Gomez-Perez (2007), observamos a falta de definição da
cidadania enquanto status jurídico regendo a relação entre os indivíduos e o Estado, dentro dos
limites de um espaço político-geográfico e econômico. Mais por abranger várias questões, ela
transcende esse espaço e faz apelo a uma relação mais complexa entre os indivíduos, o Estado
e o mundo. Nos debruçaremos sobre essa dimensão, mais adiante.
4.2. Islã e mudança social: singularidade do reformismo da juventude muçulmana
A partir de 1970, um aumento significativo de ajuda financeira e material, vindo dos
países árabe-muçulmanos, exacerbou as tensões que antes já existiam. Em 1972, a Líbia
concedeu uma ajuda de 15 milhões de francos CFA para a renovação da Grande Mesquita de
P á g i n a | 142
Ouagadougou. Entretanto, sem que a renovação tenha sido feita, a maior parte do dinheiro
desapareceu. Em 1977, um projeto de construção de uma nova sede para a CMHV mobilizando
um orçamento de 300 milhões de francos CFA foi subsidiado com 53 milhões de francos CFA,
pelos países árabes. Este projeto nunca se realizou e deu origem a um novo escândalo.
Com a adesão da Alta Volta à Organização da Conferência Islâmica (OIC), em 1974, o
Islã voltaico se beneficiou de um apoio substancial da Arábia Saudita, Líbia, Argélia e Egito,
assim como do OIC. Assim, mais de 200 milhões de francos CFA foram alocados para a
construção e a renovação de mesquitas e para a construção de madâri. Da mesma forma,
docentes desses países foram enviados a fim de melhorar a qualidade do ensino. Deve-se
acrescentar as numerosas bolsas de estudo oferecidas aos alunos almejando aprimorar seus
estudos em Faculdades ou Universidades islâmicas.
O apoio financeiro dos países “árabe-muçulmanos” insuflava o islã, assim como a
economia burkinabê que era injetada de um dinamismo sem precedentes. Isso, ao mesmo tempo
em que ela estimulava as ambições pessoais e demais rivalidades entre as diferentes facções.
Os conflitos foram piorando e pontuados por escândalos financeiros expostos em praça pública.
A propósito, a acessão do CNR veio instituir os Tribunais Populares Revolucionários (TPR)
para o julgamento de inúmeras questões em torno da corrupção.
Diante do regime revolucionário obrigando a sociedade civil e o conjunto da população
a acompanhar as novas orientações econômicas e políticas do CNR, os muçulmanos
entenderam a urgente necessidade de uma mudança de paradigma. Assistimos, assim, ao
surgimento de uma nova geração de intelectuais muçulmanos.
Como já vimos anteriormente (Capítulo 2), através da revolução de Thomas Sankara,
nasceu com a juventude muçulmana do Burkina Faso (todas as confrarias juntas), uma nova
geração de intelectuais: reformistas empenhados em dialogar com a modernidade, a partir das
referências islâmicas. Eles cristalizavam as frustrações e as expectativas das gerações
precedentes. Instruídos e atentos aos debates ideológicos e aos diferentes desafios sociais da
modernidade. Assim, de um lado, em nome do aviltamento moral dos mais velhos e dos pais
que lideravam a comunidade, o que é contrário aos ensinamentos islâmicos e, de outro, diante
do profundo mal-estar em que estavam implicando os fiéis, os reformistas se puseram a
questionar a sua liderança, até então reconhecida, de modo a se tornarem os atores de uma nova
visão. Superando as velhas clivagens doutrinais, a nova sociabilidade, nascida da mobilização
P á g i n a | 143
do movimento associativo tinha (e tem) por preocupação o pretendido retorno a um islã
“autêntico”.
Formados e convencidos de suas capacidades intelectuais, os reformistas têm como,
respaldo da sua legitimidade, a competência em articular a modernidade ao islã. Para isso, seria
então preciso pensar uma política islâmica adequada. É interessante notar que essa estratégia
de afirmação veio a se constituir em uma reação histórica significativa, diante da subordinação
política do islã, no espaço burkinabê.
O novo desafio presente está em se pensar uma melhor inserção da comunidade islâmica, no
processo de construção nacional, no qual urge a negociação com os ideais modernistas da elite
ocidentalizada. Ao mesmo tempo, isso significa submeter a ideia de modernidade à crítica do
islã.
4.3. Do islã
Na concepção islâmica de universo, o humano possui um lugar privilegiado. Nesse
sentido, antes de explorar essa cosmovisão através da sua ética guiando as lutas sociais da
juventude muçulmana de Burkina Faso, objeto da presente tese, um breve esclarecimento sobre
o conceito de humano, à luz das Ciências Sociais e Humanas, nos parece necessário.
As Ciências Sociais e Humanas caracterizam o humano, de um lado, como ser de cultura
anthropos e, de outro, como ser de conhecimento humanitas (NISHITANI, 2004). Pelas
relações de poder, os antropos constituem-se em objeto de estudo dos segundos, o que confere
a esses o último dos status "supremo" de "homens conhecedores". A relevância de uma tal visão
reside na relação que os humanitas mantêm com o saber. Portanto, cabe aqui questionar a
definição do ser de acordo com outras referências. O que o caracteriza? Qual é a sua
especificidade?
P á g i n a | 144
Segundo a tradição islâmica46, Deus só criou os gênios (djinns) e os homens para que
os adorem (ALCORÃO - SURATA 51, VERSÍCULO 56). No entanto, a relação com Deus de
cada uma dessas criaturas é singular em comparação com suas diferentes naturezas47.
O Alcorão assim como os ensinamentos proféticos insistem sobre o amor e a preferência
de Deus pelo Humano em relação a toda a sua criação: Enobrecemos os filhos de Adão48 e os
conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos
enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos (ALCORÃO - SURATA 17;
VERSÍCULO 70). O conhecimento que lhe foi dado é a condição de sua nobreza e de sua
dignidade; daí a vontade de Deus de que os anjos, assim como o gênio Iblis (Satanás) se
prostrem em signo de respeito. Isso, no islã, é a expressão da liberdade e da dignidade do
humano. Liberdade por sua própria natureza em relação à sua relação específica com o seu
criador, e dignidade, porque ele é um ser de conhecimento.
O objetivo último do humano é agradecer a Deus. Porém, se pretenderdes contar as
mercês de Allah, jamais podereis enumerá-las. Sabei que Allah é Indulgente,
Misericordiosíssimo (ALCORÃO: SURATA 16, VERSÍCULO 18). Além disso, Deus diz
igualmente: Não criei os gênios e os humanos, senão para Me adorarem (ALCORÃO:
SURATA 51, VERSÍCULO 56). Para isso, é necessário conseguir:
1. Uma paz interior: o equilíbrio das dimensões da alma (inteligência, raiva, desejo
e imaginação);
2. A harmonia entre a alma e o corpo e lhes dar seus respectivos direitos;
3. A harmonia e o respeito para as demais criaturas cujo o homem é o mais
importante e o mais amado.
Esse desafio é uma luta permanente. Por um lado, entre o humano e ele mesmo (a alma
e o corpo que não são qualificados moralmente) e, de outro, entre o humano e seus semelhantes.
Eis, assim, a importância do saber49 em islã.
46 As principais referências islâmicas são: o Alcorão, a Tradição do Profeta Muhammad e as Ciências Islâmicas.
47 Os Anjos são criados a partir da luz, os Gênios a partir do fogo e o Humano de barro. Os Anjos não são por
natureza dotados de liberdade. Eles têm apenas a faculdade de obediência às vontades e mandamentos de Deus.
Quanto aos Gênios e ao Humano, eles têm a latitude da escolha.
48 Adão é segundo o islã o primeiro homem da humanidade. Ele é um profeta.
P á g i n a | 145
As ciências islâmicas se estruturam em três grandes áreas principais: a ciência das
Fontes do islã50, abrangendo a Filosofia e a Teologia; a das Regras islâmicas51 constituída pelo
Direito e a Jurisprudência e enfim, a Ciência das Finalidades e Objetivos da Fé52: a busca da
perfeição humana nos limites em que a natureza humana o permite (a Ética) a fim de ser o mais
próximo possível de Deus.
Saber no islã é ter a compreensão profunda das coisas. Não se trata simplesmente de
acumular conhecimento, mas de ter o discernimento: Na criação dos céus e da terra e na
alternância do dia e da noite há sinais para os sensatos (ALCORÃO: SURATA 3,
VERSÍCULO 190). No entanto, o humano permanece livre. Por um lado, livre para ser ou não
um ser de fé e, por outro lado, para fazer suas escolhas de vida. Trata-se da liberdade de fé e
consciência:
Porém, se teu Senhor tivesse querido, aqueles que estão na terra teriam
acreditado unanimemente. Poderias (ó Mohammad) compelir os humanos a
que fossem crentes? (ALCORÃO: SURATA 10, VERSÍCULO 99);
Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro
[...] (ALCORÃO: SURATA 2, VERSÍCULO 256);
Ao Mensageiro só cabe a proclamação (da mensagem). Allah conhece o que
manifestais e o que ocultais (ALCORÃO: SURATA 5, VERSÍCULO 99).
49 O conhecimento passa pelo intelecto, mas não se reduz a ele pois os campos do conhecimento são múltiplos:
inteligência tátil (a escultura), inteligência dos sentidos (a arte); inteligência do coração (o amor).
50 Há noções importantes a mencionar:
‘’Islã’’ com maiúscula refere-se à civilização islâmica e ‘’islã’’ com minúscula à religião;
‘’Allah’’ significa ‘’Deus’’ em árabe. Não é preciso dizer ‘’Allah’’ ao falar do islã pois é
simplesmente uma questão linguística;
O adjetivo ‘’islâmico/islâmica’’ se usa para o que se refere ao islã. Tratando-se de quem
pratica/adere à religião, se diz ‘’muçulmano/muçulmana’’;
O calendário muçulmano se refere à lua (lunar) e inicia-se no ano da hégira em 622 depois JC
quando o profeta exilou-se de Mecca para Médine.
51 Devido ao analfabetismo de muitas populações que estavam se convertendo, esta Ciência se desenvolveu
rapidamente através da história, sombreando as demais. No entanto, de acordo com as regiões do mundo e dos
contextos históricos, encontra-se mais a expressão de uma ou outra dessas três ciências [islâmicas].
52 Trata-se notadamente do sufismo.
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Na mensagem islâmica, a conjugação e o exercício consciente das duas noções de saber
e de liberdade fazem a nobreza e a dignidade do humano, ser de conhecimento autônomo, mas
sempre sujeito à responsabilidade de suas escolhas e atos.
Em segundo lugar, é através do saber e da autonomia intelectual pelo espírito crítico que
se torna sujeito. Conhecer é a nossa capacidade de ser um ator social, entre outros atores sociais.
Além disso, qualquer que seja o campo e o local, a problemática permanece a mesma: como
respeitar o humano e lhe ser útil?
Se pensarmos como Foucault (2001), tratar-se-ia de uma prática ascética que em lugar
de se definir como uma moral, pode-se pensar como um modo de ser constituindo um exercício
de si sobre si através do qual transforma-se, ao mesmo tempo em que se constrói. É o que ele
vai demonstrar através dos textos dos Gregos Antigos que há todo um conjunto de regras de
conduta ou de princípios que se constituem, ao mesmo tempo, em ‘’verdades’’ e em
‘’prescrições’’. Articulando tal pensamento ao islã, podemos dizer que se trata de uma aplicação
que contempla (e deve contemplar) o respeito pelo humano que somos, de um lado, e o respeito
pela alteridade com a qual vivemos em sociedade, de outro.
A espiritualidade é uma dimensão da condição humana de acordo com a tradição
islâmica. Ela é esse mediador primordial permitindo a superação das tensões íntimas e dos
conflitos internos que acorrentam o “si” e ocasionam o sofrimento no ser. Trata-se, assim, de
caminhar para as profundezas de sua intimidade, de se desligar e de se afastar do “si”, a fim de
elevar a consciência, além da dimensão física dos elementos, no sentido de acessar o seu sentido
metafísico e a sua inscrição no cosmos.
Esse ato de fé, essa "entrada em si" e essa paz interior buscados consistem, também, em
ser um tipo de desvelamento da essência das coisas, da presença no mundo e da presença do
mundo (RAMADAN, 2002, 2015). Essa dimensão constitui um dever do humano. Dever de
cuidar de si mesmo, de seus semelhantes e da natureza através de suas relações, de sua
intimidade com o criador.
O imperativo fundamental “preocupe-se consigo” dos Gregos Antigos, segundo Foucault
(2001), referia-se à prática da liberdade que consistia no cuidado de si tanto para se conhecer
quanto para se formar, para se superar a si mesmo a fim de dominar seus apetites que poderiam
nos impregnar. Esta prática da liberdade individual (comportar-se bem) que passa a ser
igualmente cívica (praticar a liberdade como deveria ser) tinha por premissa “o governo de si e
dos outros”. A consciência ecológica de Foucault que trata de uma busca de problematização,
P á g i n a | 147
pelos Gregos Antigos, de dizer a “verdade’’ (parresía) ou seja, “uma certa maneira de dizer a
verdade’’, encontra eco na teologia e na filosofia islâmica. Portanto, poderíamos dizer que a
liberdade é a condição ontológica da ética, que, ela mesma, é a prática refletida da liberdade.
Ramadan (2015) sublinha que voltar a si é acompanhar-se e educar-se a fim de aprender,
amadurecer, dar corpo e substância a seu ser (responsabilidade individual e social) diante da
existência, diante da vida (Deus). E o despertar, o exercício da espiritualidade consiste em olhar
diferentemente as coisas. A ver neles signos, celebrações, canções de louvor e de oração à
ordem cósmica, ao arquétipo universal.
Assim, essa conversão do olhar se transforma em uma conversão do coração que acessa
das profundezas da interioridade, do "eu" para a capacidade de conhecer, reconhecer e
maravilhar-se. Essa estética da vida e de Deus não é uma contemplação presunçosa. Ela abrange
uma dimensão social e política no sentido que visa a transformação emancipatória da sociedade.
A fórmula seria: defender o belo através do amor que lhe é dedicado.
A referência islâmica na pessoa do profeta Muhammad é eloquente (AL-
MUBÂRAKFÛRÎ, 2014, ALGHAZALI, 2013, LINGS, 2010, RAMADAN, 2008). De uma
grande sensibilidade, ele chorava diante da beleza da natureza e da perfeição da criação divina,
incluindo o humano. É, no entanto, através dessa alma de poeta, que ele defendeu o ser humano
tanto na sua sacralidade ontológica quanto na sacralidade material.
É através da noção do cuidado de si (que necessita de uma relação com o outro e do
conhecimento de si) que os Gregos Antigos opõem a liberdade à escravidão, “indo em busca
do saber, da prática da liberdade”. Em seus últimos trabalhos, Foucault (2001) recorda a ligação
intrínseca entre "cuidar de si" e "cuidar dos outros". Se um parece pertencer ao âmbito do
privado, ele mantém uma forte ligação com a dimensão política da responsabilidade social.
Nisso, a liberdade é em si, como se diz, política, pois, se o escravo não tem ética porque é
privado de liberdade, aquele que é escravo de si mesmo (ego, desejos, receios, apetites e
instintos) não pode ser livre. Ser livre, então, significa necessariamente que se estabeleça
consigo mesmo, uma certa relação de dominação, de domínio que os gregos chamavam de:
poder, comando.
O autor sublinha que essa relação íntima consigo e depois com os outros implica
necessariamente uma mediação que tem o papel de guia, de conselheiro que sempre diz a
verdade (parresía), o que transpomos para os termos de conhecimento (intelectualidade) e/ou
fé (Deus). O cuidado de si é ético em si e deve-se sempre visar o bem dos outros, embora as
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relações com esses últimos podem ser bastante complexas. Conjuga-se no equilíbrio da gestão
do espaço de poder presente nas relações: não dominar. Nesse sentido, vale dizer de acordo
com Foucault (2001), que qualquer um que se importe consigo mesmo será capaz, por isso
mesmo, de se comportar como se deve em relação aos outros e para os outros: uma cidade na
qual todos cuidariam de si como deveria ser seria uma cidade que funcionaria bem e que
encontraria assim o princípio ético de sua permanência (FOUCAULT, 2001, p. 1534).
Continuamos tentados a fazer uma aproximação das ideias de Foucault com a ética
islâmica. Ora, a raiz da palavra árabe traduzindo a noção de ética refere-se ao equilíbrio entre
o macrocosmo e o microcosmo. Nisso, reside o objetivo último da ética: a prática ponderada da
liberdade permitindo esse equilíbrio. Apartando-nos, agora, de Foucault sobre os
desdobramentos do seu pensamento sobre ética-estética que resultam na arte de viver,
destacamos que, a ética islâmica se refere "ao bom comportamento", que tira sua fonte dos
valores, os quais são grade de leitura abrangendo as noções de bem e mal.
Este ponto é de extrema importância para as lutas sociais e políticas das comunidades e
sociedades islâmicas, principalmente para a intelectualidade, motivando a ação cidadã dos
jovens muçulmanos burkinabê: é uma referência a críticas e a ações sociais visando o respeito
pela dignidade e pela nobreza da vida humana, dos animais e da natureza. Isso nos conduz às
seguintes questões: quem determina o bem e o mal? Quais são as suas fontes?
Do debate entre as diferentes escolas que decorreu disso, houve três posições distintas:
aqueles que primeiro enalteciam a razão e depois a referência aos textos; aqueles que enalteciam
os textos, qualquer que fosse a ordem da razão e; aqueles, em último lugar, que se posicionaram
entre os dois pontos de vista. As vozes desta última categoria foram as mais numerosas. Nesse
sentido, cabe lembrar o hadith53 do profeta que diz: eu fui enviado apenas para ultimar o bom
comportamento. Isto quer dizer, confirmar e completar o bom comportamento que me precedeu.
“O bom comportamento” refere-se a qualquer ação ou política feita, visando o respeito
da dignidade e da nobreza do humano, por um lado, e o respeito (preservação e cuidado) das
outras criaturas de Deus, tais como os animais e a natureza, por outro. E, nisso, o próprio profeta
53 O "hadith" refere-se ao ensinamento do profeta: o que ele disse, fez e aconselhou. Além disso, o que ele se
absteve de dizer ou fazer também está sujeito à interpretação. Os "hadiths" são em si um ramo das ciências
islâmicas em que se discute suas autenticidades em relação àqueles que os relatam, assim como o contexto através
da história.
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reconhece que antes dele havia outros humanos, profetas e mensageiros, que como ele levaram
em conta essa cosmovisão.
A figura e o exemplo do profeta Muhammad é central no islã. Eles constituem, portanto,
para os jovens muçulmanos do Burkina Faso, uma referência na implementação da mensagem
do Islã para a humanidade. O segundo ponto que merece uma atenção é saber como aplicar os
valores ou, ainda como, traduzi-los em bom comportamento? Intervém aqui o lugar central da
educação cuja responsabilidade é inculcar os valores, ensinar sua compreensão e sua aplicação.
Assim, traduz-se aqui, a relação do islã com o conhecimento (todos campos confundidos) que
é o conhecimento profundo das coisas e sua aplicação.
O islã não é homogêneo. Tanto relativamente ao que é formalmente classificado, assim
como o aspecto cultural quanto o do intelecto, as correntes são diversas e múltiplas e se
configuram de acordo com as realidades socioculturais nas quais se inscrevem. Por outro lado,
não é raro encontrar visões inspirando-se nas diferentes correntes ao mesmo tempo ou que
bebem em culturas diferentes. No entanto, para a melhor compreensão, descreveremos
sucintamente, a seguir, as bases da teologia e da filosofia sobre as quais o islã se edifica.
Cabe ressaltar, em primeiro lugar, que a tradição islâmica não atribui o “nascimento do
islã’’ ao seu profeta mais ilustre, Muhammad (Faça que a Paz, o Respeito e a Misericórdia de
Deus sejam sobre Ele54). Segundo essa tradição, o islã data da criação do universo, no sentido
de que este e todos os seus componentes constituem criaturas de Deus, as quais se submetem a
ele e lhe devotam uma profunda adoração55.
A história da humanidade desde a criação do profeta Adão (o primeiro Homem) foi
marcada pela passagem de profetas e/ou de mensageiros56. Moisés (PRMDE), o ilustre "profeta
dos judeus" e Jesus Cristo (PRMDE), "o dos cristãos" (para mencionar só estes) são assim
54 A respeito da tradição islâmica, essa fórmula deve acompanhar (pronunciar se for à oral) o nome dos profetas.
No presente trabalho, usarei à abreviatura “PRMDE’’.
55 O Homem, enquanto ser humano ocupa um lugar particular e privilegiado no seio desse universo. Adão foi o
primeiro Homem da história da humanidade, segundo a tradição islâmica e foi criado a partir de terra.
56 Nem sempre os profetas foram mensageiros. Entretanto, os mensageiros sempre foram profetas. Apesar de serem
pessoas “iluminadas” por Deus, os profetas, além da mensagem única de Deus (o islã) não tinha mensagem
específica a transmitir. Conquanto, cada mensageiro foi enviado para comunidade(s) específica(s) e com uma
mensagem particular. Por exemplo, Moisés foi enviado tanto ao Faraó Ramsés II quanto aos Judeus e tinha como
mensagem “os dez comandos”. Muhammad foi enviado para a humanidade inteira.
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muçulmanos57, e Muhammad (PRMDE) seria o mais amado e o mais elevado58 de todas as
criaturas.
Malgrado o seu estatuto específico, foi ele quem continuou e aperfeiçoou a mensagem
de Deus (o islã), que é crer em Um Deus Único, sem jamais associá-lo a nada. Um Deus Único
que nunca engendrou nem foi engendrado, onipotente e onisciente, senhor do dia do último
julgamento e a quem devemos nos entregar. Assim, a única mensagem do islã através de todas
as eras é a de: crer na centralidade de Deus e de seus profetas e mensageiros, sendo o último,
Muhammad, que veio como misericórdia para a humanidade, e "fazer o bem e evitar o mal"59.
A revelação do islã a partir do profeta Muhammad fez-se na região da península arábica,
no século VII. Ele se ergue sobre os cinco pilares da teologia islâmica que são:
1. O testemunho da fé (shahada) na unicidade de Deus e de que Muhammad é o seu
enviado. Sobre este conceito de unicidade de Deus (Tawhid) repousam toda a
filosofia e a fé islâmicas. Este é o pilar fundamental uma vez que é a partir dele que
todos os outros ganham sentido;
2. As cinco orações (as-salat) cotidianas, que devem ser feitas em momentos
específicos em direção à kaaba, a "primeira mesquita", construída pelo profeta
Abraão que se encontra em Meca;
3. A "taxa social purificadora" (zakat), direito dos vulneráveis sociais (necessitados e
viajantes mesmo que não sejam muçulmanos). São 2,5% do valor da riqueza (todo
tipo) que todo muçulmano poupou, durante um ano. Sua função espiritual é a de
purificação dos bens daqueles que a praticam;
4. O jejum (as-siyam) de 29 ou 30 dias durante o mês de Ramadã60;
5. A peregrinação (hajj) à Meca, ao menos uma vez na vida, caso se tenha as condições
(saúde e financeiras) para isto.
57 Todos os Homens são, por essência, muçulmanos, pois, o sopro divino foi insuflado a todos, desde a criação de
Adão.
58 Ele é o preferido de Deus dentre todas as criaturas divinas. Imã (líder espiritual) de todos os profetas e/ou
mensageiros, é o último da linhagem com quem o islã adquire seu estatuto completo. Com efeito, por meio da
intemporalidade da mensagem do nobre e sagrado Al-Corão, assim como da sunnah (vida, fatos e ditos) de
Muhammad (PRMDE), o islã confirma ser a religião de perfeição por Deus.
59 Os conceitos de bem e mal no islã se referem ao que Deus define.
60 O mês mais sagrado do calendário anual muçulmano.
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Como outros elementos da identidade muçulmana, há os seis pilares "dogmáticos" da
fé islâmica:
1. Acreditar na Unicidade de Deus através de Sua Senhoria, Sua Divindade, Seus
Nomes e Atributos;
2. Acreditar nos Anjos;
3. Acreditar nos Livros Revelados61;
4. Acreditar na Profecia;
5. Acreditar no Julgamento Final;
6. Acreditar no Destino, que seja ele "bom" ou "mau".
Esquema resumido da estructura do islã
O islã: definição
A partir da criação (o Universo inteiro e tudo que o compõe sem
distinção);
A partir do monoteísmo (as pessoas do livro);
A partir da comunidade de Mohamed (que foi mandado para toda a
humanidade); os chamados comumente ‘’muçulmanos’’.
As referências islâmicas
O Alcorão;
A tradição do profeta Muhammad (Hadiths);
As ciências islâmicas
As fontes: filosofia e teologia
As regras: direito e jurisprudência
As finalidades/objectivos: a busca da proximidade máxima de
Deus.
61 Os escritos de Davi, os Dez Mandamentos de Moussa (Moisés), o Evangelho de Issa (Jesus) e o Al-Corão de
Muhammad (Muhammad)
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4.4. Das lutas sociais pelo islã
Tratar-se-á, nessa rubrica, da dimensão política do islã, o islamismo62, na sua articulação
com os direitos humanos.
O islã por si só carrega uma dimensão política que visa uma certa
organização/administração da sociedade, bem como articula-se com os direitos humanos, e
possui o papel de motor de mudança social. Todavia, a definição contemporânea do conceito
de Islamismo ou do islã político nasce, no início do século XX, com três objetivos principais
através da Europa, da África e da Ásia. Tratava-se, primeiro, de libertar-se da colonização e,
depois, a partir dos valores islâmicos, de resistir à ocidentalização cultural.
Tendo os movimentos sociais como celeiro, ele visa promover a justiça social e defender
principalmente os pobres e oprimidos. Assim, o islamismo se mantém, social e
economicamente, bem próximo das populações. A ideia de Estado-Nação constituiu
inicialmente a melhor resposta diante da lógica colonial da época (RAMADAN, 2013).
Ainda de acordo com esse autor, as mudanças sociais insufladas pela globalização
abalaram esses diferentes movimentos sociais. De fato, o poder do Estado visto como meio de
reforma social, tornou-se um fim em si mesmo. Assim, a relação ao poder de muitos
movimentos islamitas, os quais não souberam acompanhar o novo paradigma, relegou, a um
segundo plano, as questões sociais, bem como o respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais,
Com o tempo, mesmo sabendo preservar o apoio popular que os legitima, estabeleceu-
se um hiato entre o discurso e as ações. Enquanto preservaram a referência religiosa no discurso,
esvaziaram-na de sua essência: a liberação social, econômica e cultural. Doravante, uma
ideologia de meios e de gestão nos países de maioria muçulmana, o Islamismo não oferece mais
propostas de significado ou de renovação, como uma reação aos oponentes ou ao Ocidente. Ela
se encontra na incapacidade de oferecer alternativas éticas aos diferentes níveis de
educação, de justiça social, do meio ambiente, de cultura e de comunicação.
Assistimos, então, a muitas derivas e emergência de discursos a partir das referências
religiosas que são instrumentalizados para fins identitários, culturais e políticos. Os islamitas
62 É preciso lembrar que ‘’islã’’ é diferente de ‘’islamismo’’. O primeiro refere-se à religião em si e o
segundo à dimensão política do islã.
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se inclinaram diante da economia capitalista, em nome do pragmatismo e caminham, a cada
compromisso, obcecados pelo seu reconhecimento internacional (RAMADAN, 2013).
A cidadania cultural islâmica refere-se à reformulação da identidade muçulmana que,
mesmo que ela seja culturalmente herdada, não é evidente em si. Desde a década de 1990, trata-
se para os jovens burkinabê, e para seus pares, de viverem ativamente sua fé no cotidiano,
participando da vida social e cultural, bem como da vida econômica e política. Eles
permanecem críticos à participação das economias africanas à economia mundial que se fez ao
longo da história segundo muitas modalidades: o comércio transaariano na Idade Média, a
colonização no século XIX, a cooperação e o desenvolvimento nos séculos XX e XXI.
Para Lushaba (2009)63, esses diferentes momentos são apenas os três diferentes períodos
que caracterizam o capitalismo: a era do capitalismo mercantil, do século XV ao XVIII, a era
capitalista propriamente dita, do século XVIII até a metade do século XX e a política liberal do
final do século XX até hoje. Ainda segundo Segundo Lushaba (2009), Sy (2015) e Mbembé
(2002), a modernidade hoje em dia se expressa através do paradigma do desenvolvimento
neoliberal imposto aos países africanos pelas instituições de Bretton Woods (ONU, BM e FMI).
De fato, com Roc (2014), deve-se dizer que o liberalismo econômico é concebido em
uma abordagem que enquadra e consolida o capitalismo e seu mercado. Para o autor, o
liberalismo econômico clássico desenvolvido por Adam Smith, em seu livro "A riqueza das
nações", publicado em 1776, tem como princípio constitutivo a emancipação da economia em
relação aos dogmas religiosos que seriam danosos para o desenvolvimento. Ele dominou todo
o século XIX até a Grande Depressão dos anos 1930.
A o mesmo tempo, a ideologia econômica, política e social, enquanto corrente de
pensamento restringe o poder do Estado para o benefício das liberdades individuais e preconiza
a liberdade de mercado e o livre empreendimento como mecanismos de resolução de problemas
sociais. Assim, ao mesmo tempo que enquadra as relações do Estado e da sociedade civil, o
liberalismo orienta as leis do mercado, e garante o "crescimento econômico", em detrimento do
humano.
Ainda segundo Roc (2014), a Crise de 1929 e a subsequente Grande Depressão tiveram
um impacto devastador na economia. Assim, as leis de mercado estabelecidas pelo liberalismo
63 Consultar igualmente as diferentes publicações de Aminata Dramane Traore
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econômico clássico, "assegurando o crescimento e a estabilidade do mercado" por mais de um
século, atingiram seu limite.
Logo no final da década de 1940, o neoliberalismo começou a se impor como um
mecanismo capaz de reavivar o crescimento. Para tanto, foram estabelecidas entre outras,
algumas medidas: liberalização sem restrição das trocas mercantis e dos fluxos de capitais,
rigidez dos gastos públicos e políticas salariais, preponderância do setor privado,
desengajamento do Estado em relação ao social. Assim, o neoliberalismo se impõe como uma
doutrina hegemônica, dando-se a vocação de regular tanto a economia quanto o social, fora da
intervenção do Estado. Por isso mesmo, põe em questão as políticas de igualdade e de justiça
social, deveres dos Estados, em nome de um ataque à liberdade e apresenta a desigualdade
como um valor indispensável e uma condição de eficácia.
O Neoliberalismo (POLICAR, 2006; 2012; VROEY, 2009; MARTIN, 2009) contribuiu
fundamentalmente à construção da soberania dos Estados contemporâneos, abalando suas
prerrogativas, moldando-os para que eles sejam perfeitamente adequados ao capital e à sua
acumulação. Tudo leva a pensar que é o econômico que gera o Estado. Retraindo-se ao status
de Estado mínimo, os Estados, atuam no sentido de se descomprometer de seus cidadãos,
principalmente dos que se encontram em situação de vulnerabilidade social maior, como os
assalariados, do mesmo modo que os vulneráveis sociais (doentes, pensionistas,
desempregados, pobres). E não esqueçamos dos jovens e sua fragilidade social.
O Estado se subjugou ao capital. Suas intervenções alegam socorrer as instituições e
grupos com quem se comprometeu enquanto análises rigorosas expõem estratégias de
espoliação e de pauperização das populações das quais se exige o pagamento do custo político
e econômico de suas escolhas arbitrárias (LAZZARATO, 2013; 2005).
Vale lembrar o discurso na Assembléia Geral da ONU, em 4 de outubro de 1984, de
Thomas Sankara, o ‘’Che Africano’’, quando era o Presidente de Burkina Faso, ainda um
pequeno país de 274. 000 km2 contando na época 7 milhões de habitantes64. Declarou65 em
substância o seguinte:
64 Discurso integral na parte anexo da tese.
65 Discurso histórico de Thomas Sankara [o Che Africano] na ONU (4 octobre 1984)
https://www.youtube.com/watch?v=6ZGSKy2Z7jA
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Venho a esta sessão vos falar em nome de um povo que escolheu daqui em diante se
afirmar e assumir a sua história denunciando as razões da sua revolta. Devemos dar voz
às justas lutas da nossa população mobilizada contra o imperialismo monstruoso. À
revolta passageira, fogo de palha, deve-se substituir, para sempre, a revolução, a luta
eterna contra a dominação.
Como eu, muitas pessoas disseram e dirão o quanto a distância entre os ricos e aqueles
que só aspiram a viver e manter sua dignidade vai crescendo. Até quando o grão do
pobre alimentará a vaca do rico? Nunca mais haverá ataques ao nosso pudor e a nossa
dignidade. Falamos em nome de todos aqueles que sofrem na sua carne; todos aqueles
cuja dignidade humana é violada e negada por uma minoria e por um sistema
estruturalmente injusto que os esmaga.
O escravo que não é capaz de assumir a sua rebelião não merece lamentos sobre a sua
condição. Este escravo irá responder sozinho da sua desgraça, se está se iludindo sobre
a condescendência suspeita de um mestre pretendendo libertá-lo. Só a luta liberta. Nossa
revolução se inspira também em todas as experiências dos homens desde o primeiro
sopro de humanidade. Queremos ser os herdeiros de todas as revoluções do mundo, de
todas as lutas de libertação.
Homem que sou, nada do que é humano, tem que ser distante de mim. Por isso, respeito
e sucesso eterno dos povos que lutam pela sua liberdade! Respeito e sucesso eterno para
as pessoas que decidem se assumir pela sua dignidade!
Com as mesmas palavras, quantas vozes semelhantes marcaram a história? Quantas
religiões, espiritualidades e filosofias carregam tal mensagem? Agnósticos e ateus expressaram
igualmente a mesma preocupação: como respeitar a dignidade e a nobreza do humano? Como
contemplar o humano?
A esse respeito, Oumou Sangaré propõe um caminho:
Reconhecer e respeitar a humanidade alheia leva ao melhor conhecimento da
diversidade, da vida
É reconhecendo e respeitando a humanidade alheia que pessoas se juntam à sua
causa; se entrega a ti
Sim, trata-se da delicadeza, da ternura que se dedica ao humano
Preste atenção! Perceberá que filhos até deixam de ser por falta disso
Ser anfitrião faz apelo ao mesmo princípio
E mais, vale igualmente diante dos animais
Disso, não há arrependimentos
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Se acontece que ninguém te o reconhece,
Pode ter certeza que Deus o fará
Vem na minha terra!
Verá casais românticos
Experimentará também o sabor da fraternidade e da
irmandade
Ao chegar na minha terra, descobrirá como pessoas sabem reconhecer e respeitar o
humano.
Canção: Oumou Sangaré (1990) Maladon
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os diferentes propósitos da presente tese enunciados no início, assim como suas
articulações ao longo do estudo foram cotejados. Ao explorar a intelectualidade da juventude
muçulmana do Burkina Faso, foi perceptível como a partir da fé e da ética islâmica, a juventude
muçulmana, junto a seus contemporâneos, assume sua responsabilidade social.
Longe de se fechar numa tradição cuja pertinência exige uma releitura crítica, a sua
cidadania cultural se faz igualmente pelo dever de desafiar as problemáticas políticas
promovidas pelo Estado assim como as que são impostas por uma globalização eurocêntrica
espoliadora e assassina. Denunciando, interpelando e exigindo respostas para as diferentes
questões sociais, a juventude burkinabê, a geração sankara, milita para que se dê ao humano o
caráter de dignidade e integridade.
No Burkina Faso, em uma África que, com firmeza, mas não sem dificuldades, enfrenta
cobiças e espoliações necrófilas das conivências entre seus dirigentes, dos países do Norte e das
instituições de Breton Woods, uma voz se faz resistência: a juventude muçulmana. Herdeiros
da ética islâmica que se erige contra a denigração e o aviltamento do humano, eles opõem a sua
intelectualidade ao neoliberalismo que exacerbou as problemáticas relacionadas às diferentes
questões sociais.
Essa cidadania cultural fortemente expressa no espaço público burkinabê se faz eco dos
Direitos Humanos e Políticos que, diante da escala e da profundidade da desumanização em
curso, aparecem inoperantes, ou melhor, cabe dizer que as principais instituições internacionais
que se declaram serem defensoras [dos Direitos Humanos] são as que legitimam as lógicas e as
políticas que são precisamente as causas de grande parte dos sofrimentos sociais.
Através da presente tese, pensar as lutas sociais, bem como as estratégias implementadas
pela juventude muçulmana burkinabê, quer dizer pensar as solidariedades africanas na
articulação do tradicional à modernidade. É, igualmente, me debruçar sobre o diálogo
polarizado entre juventude e senioridade, a desumanizante e a fratricida opressão do Sul pelo
Norte; além disso, incontestavelmente, é se confrontar com as racionalidades/sensibilidades
individuais e coletivas e; em seguida, em outro nível, cuidar das alteridades diante das quais
temos igualmente a responsabilidade do humanismo.
Essa visão-construção da identidade, de um modo de ser, permanece um profundo e
ardente desejo do sentido de humanidade enaltecido pelo islã e, ademais, por todos aqueles que
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pensam em sociedades plurais, justas e igualitárias. O conhecimento, esse encontro de
epistemes, constitui-se em uma chave do consenso e do respeito das responsabilidades diante
de nossos engajamentos que disso decorram, isto é, ele se constitui em uma prioridade, nesses
tempos assassinos, em que o sofrimento humano nos “define”. Aqui, a intelectualidade não se
reduz mesmo aos bardos medíocres que as sociedades sabem oferecer àqueles que elas erigem
em ‘’deuses’’ e cuja excelência tem por único valor e razão de ser, apenas aquilo que se
relaciona com a grandeza de números (lucro, capital, rendimento, produtividade) significando
o rebaixamento do valor humano em vários sentidos.
Através do pós-colonialismo, inscrevemo-nos na tradição dos juristas e dos poetas que,
através das eras, e além das sociedades, souberam e sabem dar/dar de novo ao humano suas
cartas de nobreza.
Além do espaço finito dos territórios, os valores da identidade inventam-se e se
reinventam continuamente em relação às diferentes dinâmicas de desterritorialização e de
reterritorialização dos lugares de significação.
Mais do que nunca, ao encontro do humano, da vida e de suas lutas, burkinabê,
muçulmano, intelectual e cidadão por minhas identidades, aqui vim, aqui estou; então, aqui
viverei, por enquanto e, daqui continuarei a luta pois a terra é apenas um país e todos nós somos
seus cidadãos:
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
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Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Pra não dizer que não falei das flores
Geraldo Vandré
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P á g i n a | 186
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lhistoire-moderne-de-la-haute-volta-et-du-du-burkina/. Acesso em 26 jul. 2019.
ANNEXO
Página CLXXXVII
LE DERNIER SERMON DU PROPHETE MUHAMMAD
Le prophète Mohammed a prononcé son dernier sermon au cours du
Hajj de l’an 632 (l’année 10 de l’Hégire), au neuvième jour du mois de
dhoul hijjah, douzième mois du calendrier lunaire, dans la vallée
Uranah du Mont Arafat.
ABDULLAH, Amatullah. Disponível em:
https://www.islamreligion.com/fr/articles/523/le-dernier-sermon-
du-prophete-mohammed/. Acesso em: 20 jun. 2018.
Après avoir loué et remercié Dieu, le Prophète (que la paix et les bénédictions
de Dieu soient sur lui) a déclaré :
« Ô peuple! Écoutez-moi attentivement, car je ne sais pas si, après cette
année-ci, je serai encore parmi vous. Écoutez, donc, ce que je vous dis
avec beaucoup d’attention et transmettez ce message à ceux qui ne
pouvaient être présents parmi nous aujourd’hui.
Ô peuple! Tout comme vous considérez ce mois, ce jour, cette cité
comme sacrés, considérez aussi la vie et les biens de chaque musulman
comme sacrés. Retournez à leurs légitimes propriétaires les biens qui
vous ont été confiés. Ne blessez personne afin que personne ne puisse
vous blesser. Souvenez-vous qu’en vérité, vous rencontrerez votre
Seigneur et qu’effectivement, Il vous demandera compte de vos actes.
Dieu vous a défendu de pratiquer l’usure [de prendre ou payer de
l’intérêt], donc tout intérêt non-payé sera maintenant annulé. Votre
capital, cependant, vous revient. Vous n’infligerez ni d’endurerez
aucune injustice. Dieu a décidé de rendre l’intérêt illicite, et tout intérêt
qui était dû à Abbas ibn Abd’al Mouttalib sera maintenant annulé.
Méfiez-vous de Satan, pour le salut de votre religion. Il a perdu tout
espoir de ne pouvoir jamais vous amener à commettre les grands
péchés; attention, donc, à ne pas le suivre dans les péchés mineurs.
Página CLXXXVIII
Ô peuple! Il est vrai que vous avez certains droits à l’égard de vos
femmes, mais elles aussi ont des droits sur vous. Souvenez-vous que
c’est par la permission de Dieu que vous les avez prises pour épouses et
que c’est Dieu qui vous les a confiées. Si elles respectent vos droits,
alors à elles appartient le droit d’être nourries et habillées
convenablement. Traitez donc bien vos femmes et soyez gentils envers
elles, car elles sont vos partenaires et elles sont dévouées envers vous.
Il est de votre droit qu’elles ne se lient pas d’amitié avec des gens que
vous n’approuvez pas, et qu’elles ne commettent jamais l’adultère.
Ô peuple! Écoutez-moi bien : adorez Dieu, faites vos cinq prières
quotidiennes, jeûnez pendant le mois de Ramadan, et donnez votre
richesse en zakat. Accomplissez le Hajj si vous en avez les moyens.
Toute l’humanité descend d’Adam et Ève. Un Arabe n’est point
supérieur à un non-Arabe, et un non-Arabe n’est point supérieur à un
Arabe; et les Blancs ne sont point supérieurs aux Noirs, de même que
les Noirs ne sont point supérieurs aux Blancs. Aucune personne n’est
supérieure à une autre, si ce n’est en piété et en bonnes actions. Vous
savez que chaque musulman est le frère de tous les autres musulmans.
Vous êtes tous égaux. Vous n’avez aucun droit sur les biens
appartenant à l’un de vos frères, à moins qu’on ne vous ait fait un don
librement et de plein gré. Par conséquent, ne soyez pas injustes les uns
envers les autres.
Souvenez-vous, un jour vous vous présenterez devant Dieu et répondrez
de vos actes. Prenez garde, donc, ne vous écartez pas du droit chemin
après ma mort. Ô peuple! Aucun prophète ni messager ne viendra
après moi, et aucune nouvelle religion ne naîtra. »
Raisonnez bien, ô peuple, et comprenez bien les mots que je vous
transmets. Je laisse derrière moi deux choses : le Coran et mon
exemple, la Sounnah. Et si vous les suivez, jamais vous ne vous
égarerez.
Que tous ceux qui m’écoutent transmettent ce message à d’autres, et
ceux-là à d’autres encore; et que les derniers puissent le comprendre
mieux que ceux qui m’écoutent directement. Sois témoin, ô Dieu, que j’ai
transmis Ton message à Tes serviteurs. »
Página CLXXXIX
C’est ainsi que le Prophète termina son dernier sermon et, alors qu’il se
tenait près du sommet de Arafat, le verset suivant lui fut révélé :
« … Aujourd’hui, J’ai parfait votre religion pour vous et J’ai accompli Mon
bienfait sur vous. Et J’ai choisi l’islam comme religion pour vous. » (Coran
5:3)
Página CXC
DISCOURS D’ORIENTATION POLITIQUE PRONONCÉ
PAR THOMAS SANKARA le 2 OCTOBRE 1983
Disponível em: http://thomassankara.net/discours-d-orientation-politique-
2/. Acesso em: 20 jun. 2018.
Peuple de Haute-Volta,
Camarades militantes et militants de la révolution. Notre pays au cours de
cette année 1983 a connu des moments d’une intensité particulière qui
laisse encore des empreintes indélébiles dans l’esprit de bien des
concitoyens. La lutte du peuple voltaïque a connu durant cette période des
flux et des reflux. Notre peuple a subi l’épreuve de luttes héroïques et a enfin
remporté la victoire dans la nuit devenue désormais historique du 4 août
1983. Cela fera bientôt deux mois que la révolution est en marche
irréversible dans notre pays. Deux mois que le peuple combattant de Haute-
Volta s’est mobilisé comme un seul homme derrière le Conseil national de la
révolution (CNR) pour l’édification d’une société voltaïque nouvelle, libre,
indépendante et prospère ; une société nouvelle débarrassée de l’injustice
sociale, débarrassée de la domination et de l’exploitation séculaires de
l’impérialisme international. A l’issue de ce bref chemin parcouru, je vous
invite, avec moi, à jeter un regard rétrospectif afin de tirer les enseignements
nécessaires pour déterminer correctement les tâches révolutionnaires qui se
posent à l’heure actuelle et dans le prochain avenir. En nous dotant d’une
claire perception de la marche des événements, nous nous fortifions
davantage dans notre lutte contre l’impérialisme et les forces sociales
réactionnaires.
En somme : d’où sommes-nous venus ? Et où allons-nous ? Ce sont là les
questions de l’heure qui exigent de nous une réponse claire et résolue, sans
équivoque aucune, si nous voulons marcher hardiment vers de plus grandes
et de plus éclatantes victoires. La révolution d’août est l’aboutissement de la
lutte du peuple voltaïque Le triomphe de la révolution d’août n’est pas
Página CXCI
seulement le résultat du coup de force révolutionnaire imposé à l’alliance
sacro-sainte réactionnaire du 17 mai 1983. Il est l’aboutissement de la lutte
du peuple voltaïque sur ses ennemis de toujours. C’est une victoire sur
l’impérialisme international et ses alliés nationaux. Une victoire sur les
forces rétrogrades obscurantistes et ténébreuses. Une victoire sur tous les
ennemis du peuple qui ont tramé complots et intrigues derrière son dos. La
révolution d’août est le terme ultime de l’insurrection populaire déclenchée
suite au complot impérialiste du 17 mai 1983, visant à endiguer la marée
montante des forces démocratiques et révolutionnaires de ce pays. Cette
insurrection a été non seulement symbolisée par l’attitude courageuse et
héroïque des commandos de la ville de Pô, qui ont su opposer une résistance
farouche au pouvoir pro-impérialiste et antipopulaire du médecin-
commandant Jean-Baptiste Ouédraogo et du colonel Somé Yoryan, mais
aussi, par le courage des forces populaires démocratiques et révolutionnaires
qui, en alliance avec les soldats et les officiers patriotes, ont su organiser
une résistance exemplaire. L’insurrection du 4 août 1983, la victoire de la
révolution et l’avènement du Conseil national de la révolution sont donc
incontestablement la consécration et l’aboutissement conséquent des luttes
du peuple voltaïque contre la domination et l’exploitation néocoloniales,
contre l’assujettissement de notre pays, pour l’indépendance, la liberté, la
dignité et le progrès de notre peuple. En cela, les analyses simplistes et
superficielles, cantonnées dans la reproduction des schémas préétablis, ne
pourront rien changer à la réalité des faits. La révolution d’août a triomphé
en se posant ainsi comme l’héritière et l’approfondissement du soulèvement
populaire du 3 janvier 1966. Elle est la poursuite et le développement à un
stade qualitatif supérieur de toutes les grandes luttes populaires qui sont
allées en se multipliant ces dernières années et qui toutes, marquaient le
refus systématique du peuple voltaïque et particulièrement de la classe
ouvrière et des travailleurs de se laisser gouverner comme avant. Les jalons
les plus marquants et les plus significatifs de ces grandes luttes populaires
Página CXCII
correspondent aux dates de décembre 1975, de mai 1979, d’octobre et
novembre 1980, d’avril 1982 et de mai 1983. C’est un fait établi que le grand
mouvement de résistance populaire qui a immédiatement suivi la
provocation réactionnaire et pro-impérialiste du 17 mai 1983, a créé les
conditions favorables à l’avènement du 4 août 1983. En effet, le complot
impérialiste du 17 mai a précipité sur une grande échelle le regroupement
des forces et organisations démocratiques et révolutionnaires qui se sont
mobilisées durant cette période en développant des initiatives et en
entreprenant des actions audacieuses inconnues jusque-là. Pendant ce
temps, l’alliance sacro-sainte des forces réactionnaires autour du régime
moribond souffrait de son incapacité à juguler la percée des forces
révolutionnaires qui, de façon de plus en plus ouverte, montaient à l’assaut
du pouvoir anti-populaire et anti-démocratique. Les manifestations
populaires, des 20, 21 et 22 mai ont connu un large écho national à cause
essentiellement de leur grande signification politique, du fait qu’elles
apportaient la preuve concrète de l’adhésion ouverte de tout un peuple et
surtout de sa jeunesse, aux idéaux révolutionnaires défendus par des
hommes traîtreusement abattus par la réaction. Elles ont eu une grande
portée pratique, du fait qu’elles exprimaient la détermination de tout un
peuple et de toute sa jeunesse qui se sont mis debout pour affronter
concrètement les forces de domination et d’exploitation impérialistes. Ce fut
la démonstration la plus patente de la vérité selon laquelle, quand le peuple
se met debout l’impérialisme et les forces sociales qui lui sont alliées
tremblent.
L’histoire et le processus de conscientisation politique des masses populaires
suivent un cheminement dialectique qui échappe à la logique réactionnaire.
C’est pourquoi les événements du mois de mai 1983 ont grandement
contribué à l’accélération du processus de clarification politique dans notre
pays, atteignant ainsi un degré tel que les masses populaires dans leur
ensemble ont accompli un saut qualitatif important dans la compréhension
de la situation. Les événements du 17 mai ont contribué grandement à
Página CXCIII
ouvrir les yeux du peuple voltaïque, et l’impérialisme dans son système
d’oppression et d’exploitation leur est apparu sous un éclat brutal et cruel. Il
y a des journées qui renferment en elles des enseignements d’une richesse
comparable à celle d’une décennie entière. Au cours de ces journées, le
peuple apprend avec une rapidité inouïe et une profondeur d’esprit telle que
mille journées d’études ne sont rien à côté d’elles. Les événements du mois
de mai 1983 ont permis au peuple voltaïque de mieux connaître ses
ennemis. Ainsi, dorénavant, en Haute-Volta, tout le monde sait : Qui est qui
! Qui est avec qui et contre qui ! Qui fait quoi et pourquoi. Ce genre de
situation qui constitue le prélude à de grands bouleversements a contribué à
mettre à nu l’exacerbation des contradictions de classes de la société
voltaïque. La révolution d’août arrive par conséquent comme la solution des
contradictions sociales qui ne pouvaient désormais être étouffées par des
solutions de compromis. L’adhésion enthousiaste des larges masses
populaires à la révolution d’août est la traduction concrète de l’espoir
immense que le peuple voltaïque fonde sur l’avènement du CNR pour
qu’enfin puisse être réalisée la satisfaction de son aspiration profonde à la
démocratie, à la liberté et à l’indépendance, au progrès véritable, à la
restauration de la dignité et de la grandeur de notre patrie, que 23 années de
régime néo-coloniale ont singulièrement bafouée.
L’héritage de 23 années de néo-colonisation
L’avènement du CNR le 4 août 1983, et l’instauration d’un pouvoir
révolutionnaire en Haute-Volta depuis cette date, ont ouvert une page
glorieuse dans les annales de l’Histoire de notre peuple et de notre pays.
Cependant, lourd et pesant est l’héritage que nous lèguent 23 années
d’exploitation et de domination impérialistes. Dure et ardue sera notre tâche
d’édification d’une société nouvelle, d’une société débarrassée de tous les
maux qui maintiennent notre pays dans une situation de pauvreté et
d’arriération économique et culturelle. Lorsqu’en 1960, le colonialisme
français traqué de toutes parts, déconfit à Dien-Bien-Phu (Vietnam), en prise
Página CXCIV
à des difficultés énormes en Algérie, fut contraint, tirant ainsi les leçons de
ces défaites, d’octroyer à notre pays la souveraineté nationale et l’intégrité
territoriale, cela a été salué positivement par notre peuple qui n’était pas
resté impassible mais développait des luttes de résistance appropriées. Cette
fuite en avant de l’impérialisme colonialiste français constitua pour le peuple
une victoire sur les forces d’oppression et d’exploitation étrangères. Du point
de vue des masses populaires ce fut une réforme démocratique, tandis que
du point de vue de l’impérialisme ce n’était qu’une mutation opérée dans ses
formes de domination et d’exploitation de notre peuple. Cette mutation a
abouti cependant à une redisposition des classes et couches sociales et à
l’établissement de nouvelles classes. En alliance avec les forces rétrogrades
de la société traditionnelle, la petite-bourgeoisie intellectuelle de l’époque,
dans un mépris total des masses fondamentales qui lui avaient servi de
tremplin pour son accession au pouvoir, entreprit d’organiser les fondements
politiques et économiques des nouvelles formes de domination et
d’exploitation impérialistes. La crainte que la lutte des masses populaires ne
se radicalise et ne débouche sur une solution véritablement révolutionnaire
est à la base du choix opéré par l’impérialisme qui consiste à exercer
dorénavant sa mainmise sur notre pays, à perpétuer l’exploitation de notre
peuple par des nationaux interposés. Des nationaux voltaïques allaient
prendre le relais de la domination et de l’exploitation étrangères. Toute
l’organisation de la société néo-coloniale reviendra à une simple opération de
substitution dans les formes. Dans leur essence, la société néo-coloniale et
la société coloniale ne diffèrent en rien. Ainsi, à l’administration coloniale on
a vu se substituer une administration néo-coloniale identique sous tous les
rapports à la première. A l’armée coloniale se substitue une armée néo-
coloniale avec les mêmes attributs, les mêmes fonctions et le même rôle de
gardien des intérêts de l’impérialisme et de ceux de ses alliés nationaux. A
l’école coloniale se substitue une école néo-coloniale qui poursuit les mêmes
buts d’aliénation des enfants de notre pays et de reproduction d’une société
essentiellement au service des intérêts impérialistes, accessoirement au
service des valets et alliés locaux de l’impérialisme.
Página CXCV
Des nationaux voltaïques entreprirent, avec l’appui et la bénédiction de
l’impérialisme, d’organiser le pillage systématique de notre pays. Des miettes
de ce pillage qui leur retombent, ils se transforment petit à petit en une
bourgeoisie véritablement parasitaire, ne sachant plus retenir leurs appétits
voraces. Mus par leurs seuls intérêts égoïstes, ils ne reculeront désormais
plus devant les moyens les plus malhonnêtes, développant à grande échelle
la corruption, le détournement des deniers et de la chose publics, les trafics
d’influence et la spéculation immobilière, pratiquant le favoritisme et le
népotisme. Ainsi s’expliquent toutes les richesses matérielles et financières
qu’ils ont pu accumuler sur le dos du peuple travailleur. Et non contents de
vivre sur les rentes fabuleuses qu’ils tirent de l’exploitation éhontée de leurs
biens mal acquis, ils jouent des pieds et des mains pour s’accaparer des
responsabilités politiques qui leur permettront d’utiliser l’appareil étatique
au profit de leur exploitation et de leur gabegie. Une année entière ne se
passe sans qu’ils se payent de grasses vacances à l’étranger. Leurs enfants
désertent les écoles du pays pour un enseignement de prestige dans d’autres
pays. A la moindre petite maladie, tous les moyens de l’État sont mobilisés
pour leur assurer des soins coûteux dans les hôpitaux de luxe des pays
étrangers. Tout cela se déroule sous les yeux d’un peuple voltaïque
laborieux, courageux et honnête, mais qui croupit dans la misère la plus
crasse. Si pour la minorité de riches la Haute-Volta constitue un paradis,
pour cette majorité que constitue le peuple, elle est un enfer à peine
supportable. Dans cette grande majorité, les salariés, malgré le fait qu’ils
sont assurés d’un revenu régulier subissent contraintes et pièges de la
société de consommation du capitalisme. Tout leur salaire se voit consommé
avant même qu’il n’ait été touché. Et le cercle vicieux se poursuit sans fin,
sans aucune perspective de rupture. Au sein de leurs syndicats respectifs,
les salariés engagent des luttes revendicatives pour l’amélioration de leurs
conditions de vie. L’ampleur de ces luttes contraint quelquefois les pouvoirs
néo-coloniaux en place à lâcher du lest. Mais ils ne donnent d’une main que
pour récupérer aussitôt de l’autre. Ainsi on annonce, avec grand tapage, une
augmentation de 10 pour cent des salaires pour immédiatement prendre des
Página CXCVI
mesures d’imposition qui annulent les effets bénéfiques attendus de la
première mesure. Les travailleurs après 5, 6, 7 mois finissent toujours par se
rendre compte de la supercherie et se mobilisent pour de nouvelles luttes.
Sept mois, c’est plus qu’il ne faut aux réactionnaires au pouvoir pour
reprendre du souffle et élaborer d’autres stratagèmes. Dans cette lutte sans
fin, le travailleur s’en sort toujours perdant. Au sein de cette grande
majorité, il y a ces «damnés de la terre», ces paysans que l’on exproprie, que
l’on spolie, que l’on moleste, que l’on emprisonne, que l’on bafoue et que l’on
humilie chaque jour et qui, cependant, sont de ceux dont le travail est
créateur de richesses. C’est par leurs activités productives que l’économie du
pays se maintient malgré sa fragilité. C’est de leur travail que se «sucrent»
tous ces nationaux pour qui la Haute-Volta est un El Dorado. Et pourtant,
ce sont eux qui souffrent le plus du manque des structures,
d’infrastructures routières, du manque des structures et d’encadrement
sanitaires. Ce sont ces paysans créateurs de richesses nationales qui
souffrent le plus du manque d’écoles et de fournitures scolaires pour leurs
enfants. Ce sont leurs enfants qui vont grossir les rangs des chômeurs après
un passage-éclair sur les bancs des écoles mal adaptées aux réalités de ce
pays. C’est parmi eux que le taux d’analphabétisme est le plus élevé : 98
pour cent. Ceux qui ont besoin de plus de savoir pour que leur travail
productif puisse s’améliorer en rendement, c’est encore eux qui profitent le
moins des investissements dans le domaine de la santé, de l’éducation et de
la technologie. La jeunesse paysanne, qui a les mêmes dispositions d’esprit
que toute la jeunesse, c’est-à-dire, plus sensible à l’injustice sociale et
favorable au progrès, en arrive, dans un sentiment de révolte, à déserter nos
campagnes les privant ainsi de ses éléments les plus dynamiques. Le
premier réflexe pousse cette jeunesse dans les grands centres urbains que
sont Ouagadougou et Bobo-Dioulasso. Là ils espèrent trouver un travail plus
rémunérateur et profiter aussi des avantages du progrès. Le manque de
travail les pousse à l’oisiveté avec les vices qui la caractérisent. Enfin ils
chercheront leur salut, pour ne pas finir en prison, en s’expatriant vers
l’étranger où l’humiliation et l’exploitation la plus éhontée les attendent.
Página CXCVII
Mais la société voltaïque leur laisse-t-elle d’autre choix ? Telle est, de la
manière la plus succincte, la situation de notre pays après 23 années de
néo-colonisation : paradis pour les uns et enfer pour les autres. Après 23
années de domination et d’exploitation impérialistes, notre pays demeure un
pays agricole arriéré où le secteur rural qui occupe plus de 90 pour cent de
la population active ne représente seulement que 45 pour cent de la
production intérieure brute (PIB) et fournit les 95 pour cent des exportations
totales du pays. Plus simplement il faut constater que pendant que dans
d’autres pays les agriculteurs qui constituent moins de 5 pour cent de la
population arrivent non seulement à se nourrir correctement, à assurer les
besoins de toute la nation entière, mais aussi à exporter d’immenses
quantités de leurs produits agricoles, chez nous plus de 90 pour cent de la
population malgré de rudes efforts connaissent famines et disettes et sont
obligés d’avoir recours, avec le reste de la population, à l’importation des
produits agricoles si ce n’est à l’aide internationale. Le déséquilibre entre les
exportations et les importations ainsi créé contribue à accentuer la
dépendance du pays vis-à-vis de l’étranger. Le déficit commercial qui en
résulte s’accroît sensiblement au fil des années et le taux de couverture des
importations par les exportations se situe aux environs de 25 pour cent. En
termes plus clairs, nous achetons à l’étranger plus que nous ne lui vendons
et une économie qui fonctionne sur cette base se ruine progressivement et va
vers la catastrophe. Les investissements privés en provenance de l’extérieur
sont non seulement insuffisants, mais en outre exercent des ponctions
énormes sur l’économie du pays et ne contribuent donc pas à renforcer sa
capacité d’accumulation. Une part importante de la richesse créée à l’aide
des investissements étrangers est drainée vers l’extérieur au lieu d’être
réinvestie pour accroître la capacité productive du pays. Dans la période
1973-1979, on estime les sorties des devises comme revenus des
investissements directs étrangers à 1,7 milliard de francs CFA par an, alors
que les investissements nouveaux ne se chiffrent qu’à 1,3 milliard de francs
CFA par an en moyenne. L’insuffisance des efforts en investissements
productifs amène l’État voltaïque à jouer un rôle fondamental dans
Página CXCVIII
l’économie nationale par l’effort qu’il fournit en vue de suppléer à
l’investissement privé. Situation difficile lorsque l’on sait que les recettes du
budget de l’État sont essentiellement constituées par les recettes fiscales qui
représentent 85 pour cent des recettes totales et qui se résument en grande
partie à des taxes sur les importations et à des impôts. Les recettes de l’État
financent, outre l’effort d’investissement national, les dépenses de l’État dont
70 pour cent servent à payer les salaires des fonctionnaires et à assurer le
fonctionnement des services administratifs. Que peut-il en rester alors pour
les investissements sociaux et culturels ? Dans le domaine de l’éducation,
notre pays se situe parmi les pays les plus retardataires avec un taux de
scolarisation de 16,4 pour cent et un taux d’analphabétisme qui s’élève à 92
pour cent en moyenne. C’est dire que sur 100 Voltaïques, à peine huit
semblent savoir lire et écrire en quelque langue que ce soit. Sur le plan
sanitaire, le taux de morbidité et de mortalité est des plus élevés dans la
sous région en raison de la prolifération des maladies transmissibles et des
carences nutritionnelles. Comment d’ailleurs éviter une telle situation
catastrophique lorsque l’on sait que chez nous on ne compte qu’un lit
d’hôpital pour 1 200 habitants et un médecin pour 48 000 habitants ? Ces
quelques éléments suffisent à eux seuls pour illustrer l’héritage que nous
laissent 23 années de néo-colonisation, 23 années d’une politique de totale
démission nationale. Cette situation, parmi les plus désolantes, ne peut
laisser dans l’indifférence aucun Voltaïque qui aime et honore son pays. En
effet notre peuple, peuple courageux et travailleur, n’a jamais pu tolérer une
telle situation. Et parce qu’il avait compris qu’il ne s’agissait pas là d’une
fatalité mais d’une organisation de la société sur des bases injustes au seul
profit d’une minorité, il a toujours développé des luttes multiformes,
cherchant les voies et moyens pour mettre un terme à l’ancien ordre des
choses. C’est pourquoi, il a salué fiévreusement l’avènement du Conseil
national de la révolution et de la révolution d’août qui est le couronnement
des efforts qu’il a déployés et des sacrifices qu’il a consentis pour renverser
l’ancien ordre, instaurer un nouvel ordre à même de réhabiliter l’homme
voltaïque et donner une place de choix à notre pays clans le concert des
Página CXCIX
nations libres, prospères et respectées. Les classes parasitaires qui avaient
toujours tiré profit de la Haute-Volta coloniale et néo-coloniale sont et seront
hostiles aux transformations entreprises par le processus révolutionnaire
entamé depuis le 4 août 1983. La raison en est qu’elles sont et demeurent
attachées par un cordon ombilical à l’impérialisme international. Elles sont
et demeurent les fervents défenseurs des privilèges acquis du fait de leur
allégeance à l’impérialisme. Quoique l’on fasse, quoique l’on dise, elles
resteront égales à elles-mêmes, et continueront de tramer complots et
intrigues pour la reconquête de leur «royaume perdu». De ces nostalgiques il
ne faut point s’attendre à une reconversion de mentalité et d’attitude. Ils ne
sont sensibles et ne comprennent que le langage de la lutte, la lutte des
classes révolutionnaires contre les exploiteurs et les oppresseurs des
peuples. Notre révolution sera pour eux la chose la plus autoritaire qui soit ;
elle sera un acte par lequel le peuple leur imposera sa volonté par tous les
moyens dont il dispose et s’il le faut par ses armes. Ces ennemis du peuple,
qui sont-ils ? Ils se sont démasqués aux yeux du peuple lors des événements
du 17 mai dans leur hargne contre les forces révolutionnaires. Ces ennemis
du peuple, le peuple les a identifiés dans le feu de l’action révolutionnaire.
Ce sont.:
1) La bourgeoisie voltaïque, qui se distingue, de par la fonction que les
uns et les autres accomplissent, en bourgeoisie d’État, bourgeoisie
compradore et bourgeoisie moyenne.
– La bourgeoisie d’État : C’est cette fraction qui est connue
sous l’appellation de bourgeoisie politico bureaucratique.
C’est une bourgeoisie qu’une situation de monopole politique
a enrichie de façon illicite et crapuleuse. Elle s’est servie de
l’appareil d’État tout comme le capitaliste industriel se sert
de ses moyens de production pour accumuler les plus-values
tirées de l’exploitation de la force de travail des ouvriers.
Cette fraction de la bourgeoisie ne renoncera jamais de plein
Página CC
gré à ses anciens avantages pour assister, passive, aux
transformations révolutionnaires en cours.
– La bourgeoisie commerçante : Cette fraction, de par ses
activités mêmes, est attachée à l’impérialisme par de
multiples liens. La suppression de la domination impérialiste
signifie pour elle la mort de «la poule aux oeufs d’or». C’est
pourquoi elle s’opposera de toutes ses forces à la présente
révolution. C’est dans cette catégorie que se recrutent par
exemple les commerçants véreux qui cherchent à affamer le
peuple en retirant de la circulation les vivres à des fins de
spéculation et de sabotage économique.
– La bourgeoisie moyenne : Cette fraction de la bourgeoisie
voltaïque, bien qu’ayant des liens avec l’impérialisme, rivalise
avec celui-ci pour le contrôle du marché. Mais comme elle
est plus faible économiquement, elle se fait évincer par
l’impérialisme. Elle a donc des griefs contre l’impérialisme,
mais a aussi peur du peuple et cette peur peut l’amener à
faire front avec l’impérialisme. Toutefois, du fait que la
domination impérialiste sur notre pays l’empêche de jouer
son rôle véritable de bourgeoisie nationale, quelques-uns de
ses éléments, sous certains rapports, pourraient être
favorables à la révolution qui les situerait objectivement dans
le camp du peuple. Cependant, entre ces éléments qui
viennent à la révolution et le peuple, il faut développer une
méfiance révolutionnaire. Car, sous ce couvert accourront à
la révolution des opportunistes de toutes sortes.
2°) Les forces rétrogrades qui tirent leur puissance des structures
traditionnelles de type féodal de notre société. Ces forces, dans leur
majorité, ont su opposer une résistance ferme à l’impérialisme
Página CCI
colonialiste français. Mais depuis l’accession de notre pays à la
souveraineté nationale, elles ont fait corps avec la bourgeoisie
réactionnaire pour oppresser le peuple voltaïque. Ces forces ont tenu les
masses paysannes en une situation de réservoir à partir duquel elles se
livraient à des surenchères électoralistes. Pour préserver leurs intérêts
qui sont communs à ceux de l’impérialisme et opposés à ceux du
peuple, ces forces réactionnaires ont le plus souvent recours aux
valeurs décadentes de notre culture traditionnelle qui sont encore
vivaces dans les milieux ruraux. Dans la mesure où notre révolution
vise à démocratiser les rapports sociaux dans nos campagnes, à
responsabiliser les paysans, à mettre à leur portée plus d’instruction et
plus de savoir pour leur propre émancipation économique et culturelle,
ces forces rétrogrades s’y opposeront.
Ce sont là les ennemis du peuple dans la présente révolution, des ennemis
que le peuple a identifiés lui-même lors des événements du mois de mai. Ce
sont ces individus-là qui ont constitué le gros de la troupe des marcheurs
isolés, protégés par un cordon militaire, et qui ont manifesté leur soutien de
classe au régime déjà moribond issu du coup d’État réactionnaire et pro-
impérialiste. En dehors des classes et couches sociales réactionnaires et
antirévolutionnaires ci-dessus énumérées, le reste de la population constitue
le peuple voltaïque. Un peuple qui tient la domination et l’exploitation
impérialistes en abomination et qui n’a cessé de le manifester dans la lutte
concrète de tous les jours contre les différents régimes néo-coloniaux. Ce
peuple dans la présente révolution regroupe :
1°) La classe ouvrière voltaïque, jeune et peu nombreuse, mais qui a su
faire la preuve dans ses luttes incessantes contre le patronat, qu’elle est
une classe véritablement révolutionnaire. Dans la révolution présente,
c’est une classe qui a tout à gagner et rien à perdre. Elle n’a pas de
moyen de production à perdre, elle n’a pas de parcelle de propriété à
défendre dans le cadre de l’ancienne société néo-coloniale. Par contre,
Página CCII
elle est convaincue que le révolution est son affaire, car elle en sortira
grandie et fortifiée.
2°) La petite-bourgeoisie qui constitue une vaste couche sociale très
instable et qui hésite très souvent entre la cause des masses populaires
et celle de l’impérialisme. Dans sa grande majorité, elle finit toujours
par se ranger du côté des masses populaires. Elle comprend les
éléments les plus divers parmi lesquels : les petits commerçants, les
intellectuels petits-bourgeois (fonctionnaires, étudiants, élèves,
employés du secteur privé, etc.), les artisans.
3°) La paysannerie voltaïque est, dans sa grande majorité, constituée de
petits paysans attachés à la propriété parcellaire du fait de la
désintégration progressive de la propriété collective depuis l’introduction
du mode de production capitaliste dans notre pays. Les rapports
marchands dissolvent de plus en plus les liens communautaires, et à
leur place s’instaure la propriété privée des moyens de production.
Dans cette nouvelle situation ainsi créée par la pénétration du
capitalisme dans nos campagnes, le paysan voltaïque qui se trouve lié à
la petite production, incarne les rapports bourgeois de production.
Aussi, au vu de toutes ces considérations, la paysannerie voltaïque est
partie intégrante de la catégorie de la petite-bourgeoisie. De par le passé
et de par sa situation présente, elle est la couche sociale qui a payé le
plus de tribut à la domination et à l’exploitation impérialistes. La
situation d’arriération économique et culturelle qui caractérise nos
campagnes l’a tenue longtemps à l’écart des grands courants de progrès
et de modernisation, et contenue dans le rôle de réservoir des partis
politiques réactionnaires. Cependant elle a intérêt à la révolution et en
est, du point de vue du nombre, la force principale.
4°) Le lumpen-prolétariat : C’est cette catégorie d’éléments déclassés
qui, du fait de leur situation de sans-travail, sont prédisposés à être à la
Página CCIII
solde des forces réactionnaires et contre-révolutionnaires pour
l’exécution de leurs sales besognes. Dans la mesure où la révolution
saura les convertir en les occupant utilement, ils pourront être ses
fervents défenseurs.
Le caractère et la portée de la révolution d’août
Les révolutions qui surviennent de par le monde ne se ressemblent point.
Chaque révolution apporte son originalité qui la distingue des autres. Notre
révolution, la révolution d’août, n’échappe pas à cette constatation. Elle tient
compte des particularités de notre pays, de son degré de développement et
d’assujettissement au système capitaliste impérialiste mondial.
Notre révolution est une révolution qui se déroule dans un pays agricole
arriéré, où le poids des traditions et de l’idéologie sécrétées par une
organisation sociale de type féodal, pèse énormément sur les masses
populaires. Elle est une révolution dans un pays qui, à cause de la
domination et de l’exploitation que l’impérialisme exerce sur notre peuple, a
évolué de la situation de colonie qu’était ce pays, à celle de néo-coloniale.
Elle est une révolution qui se produit dans un pays caractérisé encore par
l’inexistence d’une classe ouvrière consciente de sa mission historique et
organisée et par conséquent, ne possédant aucune tradition de lutte
révolutionnaire. C’est une révolution qui se produit dans un petit pays
continental, au moment où, sur le plan international, le mouvement
révolutionnaire s’effrite de jour en jour sans l’espoir visible de voir se
constituer un bloc homogène à même d’impulser et de soutenir
pratiquement les mouvements révolutionnaires naissants. Cet ensemble de
circonstances historiques, géographiques et sociologiques donne une
certaine empreinte singulière à notre révolution. La révolution d’août est une
révolution qui présente un double caractère : elle est une révolution
démocratique et populaire. Elle a pour tâches primordiales la liquidation de
la domination et de l’exploitation impérialistes, l’épuration de la campagne
de toutes les entraves sociales, économiques et culturelles qui la
Página CCIV
maintiennent dans un état d’arriération. De là découle son caractère
démocratique. De ce que les masses populaires voltaïques sont partie
prenante à part entière dans cette révolution et se mobilisent
conséquemment autour de mots d’ordre démocratiques et révolutionnaires
qui traduisent dans les faits leurs intérêts propres opposés à ceux des
classes réactionnaires alliées à l’impérialisme, elle tire son caractère
populaire. Ce caractère populaire de la révolution d’août réside aussi dans le
fait qu’en lieu et place de l’ancienne machine d’État s’édifie une nouvelle
machine à même de garantir l’exercice démocratique du pouvoir par le
peuple et pour le peuple. Notre révolution présente, ainsi caractérisée, tout
en étant une révolution anti-impérialiste, s’effectue encore dans le cadre des
limites du régime économique et social bourgeois. En procédant à l’analyse
des classes sociales de la société voltaïque, nous avons soutenu l’idée selon
laquelle la bourgeoisie voltaïque ne constitue pas une seule masse homogène
réactionnaire et anti-révolutionnaire. En effet, ce qui caractérise la
bourgeoisie des pays sous-développés sous le rapport capitaliste, c’est leur
incapacité congénitale de révolutionner la société à l’instar de la bourgeoisie
des pays européens des années 1780, c’est-à-dire à l’époque où celle-ci
constituait encore une classe ascendante. Tels sont les caractères et les
limites de la présente révolution déclenchée en Haute-Volta depuis le 4 août
1983. En avoir une claire perception et une définition exacte de son contenu
nous prémunit des dangers de déviation et des excès qui pourraient porter
préjudice à la marche victorieuse de la révolution. Que tous ceux qui ont pris
fait et cause pour la révolution d’août se pénètrent de la ligne directrice ainsi
dégagée en vue de pouvoir assumer leur rôle de révolutionnaires conscients
et, en véritables propagandistes intrépides et infatigables, en fassent une
diffusion au sein des masses. Il ne suffit plus de se dire révolutionnaire, il
faut en plus se pénétrer de la signification profonde de la révolution dont on
est le fervent défenseur. C’est le meilleur moyen de mieux la défendre contre
les attaques et les défigurations que les contre-révolutionnaires ne
manqueront pas de lui opposer. Savoir lier la théorie révolutionnaire à la
pratique révolutionnaire sera le critère décisif permettant désormais de
Página CCV
distinguer les révolutionnaires conséquents de tous ceux qui accourent à la
révolution mus par des mobiles étrangers à la cause révolutionnaire.
De la souveraineté du peuple dans l’exercice du pouvoir
révolutionnaire
Un des traits distinctifs de la révolution d’août, avons-nous dit, et qui lui
confère son caractère populaire, c’est qu’elle est le mouvement de l’immense
majorité au profit de l’immense majorité. C’est une révolution faite par les
masses populaires voltaïques elles-mêmes avec leurs mots d’ordre et leurs
aspirations. L’objectif de cette révolution consiste à faire assumer le pouvoir
par le peuple. C’est la raison pour laquelle le premier acte de la révolution,
après la Proclamation du 4 août, fut l’appel adressé au peuple pour la
création des Comités de défense de la révolution (CDR). Le CNR a la
conviction que pour que cette révolution soit véritablement populaire, elle
devra procéder à la destruction de la machine d’État néo-coloniale et
organiser une nouvelle machine capable de garantir la souveraineté du
peuple. La question de savoir comment ce pouvoir populaire sera exercé,
comment ce pouvoir devra s’organiser, est une question essentielle pour le
devenir de notre révolution. L’histoire de notre pays jusqu’à nos jours a été
essentiellement dominée par les classes exploiteuses et conservatrices qui
ont exercé leur dictature anti-démocratique et anti-populaire, par leur
mainmise sur la politique, l’économie, l’idéologie, la culture, l’administration
et la justice. La révolution a pour premier objectif de faire passer le pouvoir
des mains de la bourgeoisie voltaïque alliée à l’impérialisme aux mains de
l’alliance des classes populaires constituant le peuple. Ce qui veut dire qu’à
la dictature anti-démocratique et anti-populaire de l’alliance réactionnaire
des classes sociales favorables à l’impérialisme, le peuple au pouvoir devra
désormais opposer son pouvoir démocratique et populaire. Ce pouvoir
démocratique et populaire sera le fondement, la base solide du pouvoir
révolutionnaire en Haute-Volta. Elle aura pour tâche primordiale la
reconversion totale de toute la machine d’État avec ses lois, son
Página CCVI
administration, ses tribunaux, sa police, son armée qui avaient été façonnés
pour servir et défendre les intérêts égoïstes des classes et couches sociales
réactionnaires. Elle aura pour tâche d’organiser la lutte contre les menées
contre-révolutionnaires de reconquête du «paradis perdu» en vue d’écraser
complètement la résistance des réactionnaires nostalgiques du passé. Et
c’est là que résident la nécessité et le rôle des CDR, comme point d’appui des
masses populaires à l’assaut des citadelles réactionnaires et contre-
révolutionnaires.
Pour une juste compréhension de la nature, du rôle et du
fonctionnement des CDR
L’édification de d’État de démocratie populaire qui est l’objectif final de la
révolution d’août n’est pas et ne sera pas l’oeuvre d’un seul jour. C’est une
tâche ardue qui exigera de nous des sacrifices énormes. Le caractère
démocratique de cette révolution nous impose une décentralisation et une
déconcentration du pouvoir administratif afin de rapprocher l’administration
du peuple, afin de faire de la chose publique une affaire qui intéresse tout
un chacun. Dans cette oeuvre immense de longue haleine, nous avons
entrepris de remodeler la carte administrative du pays pour une plus grande
efficacité. Nous avons aussi entrepris de renouveler la direction des services
administratifs dans un sens plus révolutionnaire. En même temps, nous
avons «dégagé» des fonctionnaires et militaires qui, pour des raisons
diverses, ne peuvent suivre la cadence de la présente révolution. Il nous
reste beaucoup à faire et nous en sommes conscients. Le Conseil national de
la révolution, qui est dans le processus révolutionnaire déclenché depuis le 4
août le pouvoir de conception, de direction, et de contrôle de la vie nationale
tant sur le plan politique, économique que social, se doit d’avoir des
instances locales dans les divers secteurs de la vie nationale. Et c’est là que
réside le sens profond de la création des CDR qui sont les représentants du
pouvoir révolutionnaire dans les villages, les quartiers des villes, les lieux de
travail. Les CDR constituent l’organisation authentique du peuple dans
Página CCVII
l’exercice du pouvoir révolutionnaire. C’est l’instrument que le peuple s’est
forgé pour se rendre véritablement souverain de son destin et étendre de ce
fait son contrôle dans tous les domaines de la société. Les armes du peuple,
le pouvoir du peuple, les richesses du peuple, ce sera le peuple qui les gèrera
et les CDR sont là pour cela. Quant à leurs rôles, ils sont immenses et
diversifiés. Leur mission première est l’organisation du peuple voltaïque tout
entier en vue de l’engager dans le combat révolutionnaire. Le peuple ainsi
organisé dans les CDR acquiert non seulement le droit de regard sur les
problèmes de son devenir, mais aussi participe à la prise de décision sur son
devenir et à son exécution. La révolution comme théorie juste pour détruire
l’ordre ancien et, en lieu et place, édifier une société d’un type nouveau ne
saurait être menée que par ceux qui y ont intérêt. Les CDR sont alors les
détachements d’assaut qui s’attaqueront à tous les foyers de résistance. Ce
sont les bâtisseurs de la Haute-Volta révolutionnaire. Ce sont les levains qui
devront porter la révolution dans toutes les provinces, tous nos villages, tous
les services publics et privés, tous les foyers, tous les milieux. Pour ce faire,
les militants révolutionnaires au sein des CDR doivent rivaliser d’ardeur
dans les tâches primordiales suivantes :
1°) L’action en direction des membres du CDR : il revient aux militants
révolutionnaires le travail d’éducation politique de leurs camarades. Les
CDR doivent être des écoles de formation politique. Les CDR sont les
cadres adéquats où les militants discutent des décisions des instances
supérieures de la révolution, du CNR et du gouvernement.
2°) L’action en direction des masses populaires vise à les entraîner à
adhérer massivement aux objectifs du CNR par une propagande et une
agitation intrépides et sans relâche. A la propagande et aux calomnies
mensongères de la réaction, les CDR doivent savoir opposer une
propagande, une explication révolutionnaires appropriées selon le
principe que seule la vérité est révolutionnaire. Les CDR se doivent
d’être à l’écoute des masses afin de se rendre compte de leur état
Página CCVIII
d’esprit, de leurs besoins, pour en informer à temps le CNR et faire à ce
sujet des propositions concrètes. Ils sont invités à examiner les
questions touchant l’amélioration des intérêts des masses populaires,
en soutenant les initiatives prises par ces dernières. Le contact direct
avec les masses, populaires, par l’organisation périodique des
assemblées ouvertes où sont discutées les questions qui les intéressent,
est une nécessité impérieuse pour les CDR s’ils veulent aider à
l’application correcte des directives du CNR. Ainsi, dans l’action de
propagande, les décisions du CNR seront expliquées aux masses.
Seront aussi expliquées toutes les mesures destinées à l’amélioration de
leurs conditions de vie. Les CDR doivent lutter avec les masses
populaires des villes et des campagnes contre leurs ennemis et
l’adversité de la nature, pour la transformation de leur existence
matérielle et morale.
3°) Les CDR devront travailler de manière rationnelle illustrant ainsi un
des traits de notre révolution : la rigueur. Par conséquent, ils doivent se
doter de plans d’action cohérents et ambitieux qui s’imposent à tous
leurs membres. Depuis le 4 août, date devenue désormais historique
pour notre peuple, répondant à l’appel du CNR, les Voltaïques ont
développé des initiatives pour se doter de CDR. Ainsi des CDR virent le
jour dans les villages, dans les quartiers des villes, bientôt sur les lieux
de travail, dans les services, dans les usines, au sein de l’armée. Tout
ceci est le résultat de l’action spontanée des masses. Il convient
maintenant de travailler à leur structuration interne sur une base
claire, et à leur organisation à l’échelle nationale. C’est ce à quoi
s’attelle actuellement le Secrétariat général national des CDR. En
attendant que des travaux de réflexions qui se mènent actuellement sur
la base des expériences déjà accumulées, sortent des résultats
définitifs, nous nous contenterons d’esquisser le schéma et les principes
directeurs généraux du fonctionnement des CDR. L’idée première
poursuivie avec la création des CDR consiste en la démocratisation du
Página CCIX
pouvoir. Les CDR devenant ainsi des organes par lesquels le peuple
exerce le pouvoir local découlant du pouvoir central dévolu au CNR. Le
CNR constitue, en dehors des assises du congrès national, le pouvoir
suprême. Il est l’organe directeur de tout cet édifice dont le principe
directeur est le centralisme démocratique. Le centralisme démocratique
est basé d’une part sur la subordination des organes de l’échelon
inférieur aux organismes de l’échelon supérieur dont le plus haut est le
CNR auquel se subordonnent toutes les organisations. D’autre part, ce
centralisme reste démocratique, car le principe électif est de rigueur à
tous les niveaux et l’autonomie des organes locaux est reconnue pour
toutes les questions relevant de leur ressort, toutefois dans les limites et
le respect des directives générales tracées par l’instance supérieure.
De la moralité révolutionnaire au sein des CDR
La révolution vise à la transformation de la société sous tous les rapports,
économiques, sociaux et culturels. Elle vise à créer un Voltaïque nouveau,
avec une moralité et un comportement social exemplaires qui inspirent
l’admiration et la confiance des masses. La domination néo-coloniale a placé
notre société dans un pourrissement tel qu’il nous faudra des années pour la
purifier. Cependant les militants des CDR doivent se forger une nouvelle
conscience et un nouveau comportement en vue de donner le bon exemple
aux masses populaires. En faisant la révolution, nous devons veiller à notre
propre transformation qualitative. Sans une transformation qualitative de
ceux-là mêmes qui sont censés être les artisans de la révolution, il est
pratiquement impossible de créer une société nouvelle débarrassée de la
corruption, du vol, du mensonge, et de l’individualisme de façon générale.
Nous devons nous efforcer de faire concorder nos actes à nos paroles,
surveiller notre comportement social afin de ne pas prêter le flanc aux
attaques des contre-révolutionnaires qui sont à l’affût. Avoir continuellement
à l’esprit que l’intérêt des masses populaires prime sur l’intérêt personnel
nous préservera de tout égarement. L’activisme de certains militants
Página CCX
caressant le rêve contre-révolutionnaire d’amasser des biens et des profits
par le biais des CDR doit être dénoncé et combattu. Le vedettariat doit être
éliminé. Plus vite ces insuffisances seront combattues, mieux cela vaudra
pour la révolution. Le révolutionnaire de notre point de vue, c’est celui qui
sait être modeste tout en étant des plus déterminés dans les tâches qui lui
sont confiées. Il s’en acquitte sans vantardise et n’attend aucune
récompense. Ces derniers temps nous constatons que des éléments qui ont
pris part activement à la révolution et qui s’attendaient, pour ce faire, à ce
que leur soient réservés des traitements privilégiés, des honneurs, des
postes importants se livrent, par dépit, à un travail de sape parce qu’ils n’ont
pas eu gain de cause. C’est la preuve qu’ils ont participé à la révolution sans
jamais comprendre les objectifs réels. On ne fait pas de révolution pour se
substituer simplement aux anciens potentats renversés. On rie participe pas
à la révolution sous une motivation vindicative animée par l’envie d’une
situation avantageuse : «ôte-toi de là que je m’y mette». Ce genre de mobile
est étranger à l’idéal de la révolution d’août et ceux qui le portent
démontrent leurs tares de petits-bourgeois situationnistes quand ce n’est
pas leur opportunisme de contre-révolutionnaires dangereux. L’image du
révolutionnaire que le CNR entend imprimer dans la conscience de tous,
c’est celui du militant qui fait corps avec les masses, qui a foi en elles et qui
les respecte. Il se départit de toute attitude de mépris vis-à-vis d’elles. Il ne
se considère pas comme un maître à qui ces masses doivent obéissance et
soumission. Au contraire, il se met à leur école, les écoute attentivement et
fait attention à leurs avis. Il se départit des méthodes autoritaires dignes des
bureaucrates réactionnaires. Le révolution se distingue de l’anarchie
dévastatrice. Elle exige une discipline et une ligne de conduite exemplaires.
Les actes de vandalisme et les actions aventuristes de toute sorte, au lieu de
renforcer la révolution par l’adhésion des masses, l’affaiblissent et
repoussent loin d’elle les masses innombrables. C’est pourquoi les membres
des CDR doivent élever leur sens des responsabilités devant le peuple et
chercher à inspirer respect et admiration. Ces insuffisances le plus souvent
relèvent d’une ignorance du caractère et des objectifs de la révolution. Et
Página CCXI
pour nous en prémunir, il nous faut nous plonger dans l’étude de la théorie
révolutionnaire. L’étude théorique élève notre compréhension des
phénomènes, éclaire nos actions et nous prémunit de bien des
présomptions. Nous devons désormais accorder une importance particulière
à cet aspect de la question et nous efforcer d’être des exemples qui
encouragent les autres à nous suivre.
Pour une révolutionnarisation de tous les secteurs de la société
voltaïque
Tous les régimes politiques qui se sont succédé jusqu’alors se sont évertués
à instaurer un ensemble de mesures pour une meilleure gestion de la société
néo-coloniale. Les changements opérés par ces divers régimes se résumaient
à la mise en place de nouvelles équipes dans la continuité du pouvoir néo-
colonial. Aucun de ces régimes ne voulait et ne pouvait entreprendre une
remise en cause des fondements socio-économiques de la société voltaïque.
C’est la raison pour laquelle ils ont tous échoué.
La révolution d’août ne vise pas à instaurer un régime de plus en Haute-
Volta. Elle vient en rupture avec tous les régimes connus jusqu’à présent.
Elle a pour objectif final l’édification d’une société voltaïque nouvelle au sein
de laquelle le citoyen voltaïque animé d’une conscience révolutionnaire sera
l’artisan de son propre bonheur, un bonheur à la hauteur des efforts qu’il
aura consentis. Pour ce faire, la révolution sera, n’en déplaise aux forces
conservatrices et rétrogrades, un bouleversement total et profond qui
n’épargnera aucun domaine, aucun secteur de l’activité économique, sociale
et culturelle. La révolutionnarisation de tous les domaines, de tous les
secteurs d’activité, est le mot d’ordre qui correspond au moment présent.
Fort de la ligne directrice ainsi dégagée, chaque citoyen, à quelque niveau
qu’il se trouve, doit entreprendre de révolutionnariser son secteur d’activité.
D’ores et déjà, la philosophie des transformations révolutionnaires touchera
les secteurs suivants :
Página CCXII
1°) L’armée nationale ; 2°) La politique de la femme ; 3°)
L’édification économique.
1°) L’armée nationale : sa place dans la Révolution démocratique et populaire
Selon la doctrine de défense de la Haute-Volta révolutionnaire, un peuple
conscient ne saurait confier la défense de sa patrie à un groupe d’hommes
quelles que soient leurs compétences. Les peuples conscients assument eux-
mêmes la défense de leur patrie. A cet effet, nos Forces armées ne
constituent qu’un détachement plus spécialisé que le reste du peuple pour
les tâches de sécurité intérieure et extérieure de la Haute-Volta. De la même
manière, bien que la santé des Voltaïques soit l’affaire du peuple et de
chaque Voltaïque pris individuellement, il existe et existera un corps médical
plus spécialisé et consacrant plus de temps à la question de la santé
publique. La révolution dicte aux Forces armées nationales trois missions :
–1) Être en mesure de combattre tout ennemi intérieur et extérieur, et
participer à la formation militaire du reste du peuple. Ce qui suppose
une capacité opérationnelle accrue faisant de chaque militaire un
combattant compétent au lieu de l’ancienne armée qui n’était qu’une
masse de salariés.
– 2) Participer à la production nationale. En effet, le militaire nouveau
doit vivre et souffrir au sein du peuple auquel il appartient. Finie
l’armée budgétivore. Désormais, en dehors du maniement des armes,
elle sera aux champs, elle élèvera des troupeaux de boeufs, de moutons
et de la volaille. Elle construira des écoles et des dispensaires dont elle
assurera le fonctionnement, entretiendra les routes et transportera par
voie aérienne le courrier, les malades et les produits agricoles entre les
régions.
Página CCXIII
– 3) Former chaque militaire en militant révolutionnaire. Fini le temps
où l’on prétendait à la réalité de la neutralité et de l’apolitisme de
l’armée tout en faisant d’elle le rempart de la réaction et le garant des
intérêts impérialistes ! Fini le temps où notre armée nationale se
comportait tel un corps de mercenaires étrangers en territoire conquis !
Ce temps-là est désormais révolu à jamais. Armés de la formation
politique et idéologique, nos soldats, nos sous-officiers et nos officiers
engagés dans le processus révolutionnaire cesseront d’être des
criminels en puissance pour devenir des révolutionnaires conscients,
étant au sein du peuple comme un poisson dans l’eau. Année au service
de la révolution, l’armée nationale populaire ne fera de place à aucun
militaire qui méprise son peuple, le bafoue et le brutalise. Une armée du
peuple au service du peuple, telle est la nouvelle armée que nous
édifierons à la place de l’armée néo-coloniale, véritable instrument
d’oppression et de répression aux mains de la bourgeoisie réactionnaire
qui s’en sert pour dominer le peuple. Une telle armée, du point de vue
même de son organisation interne et de ses principes de
fonctionnement, sera fondamentalement différente de l’ancienne armée.
Ainsi, à la place de l’obéissance aveugle des soldats vis-à-vis de leurs
chefs, des subalternes vis-à-vis des supérieurs, se développera une
discipline saine qui, tout en étant stricte, sera fondée sur l’adhésion
consciente des hommes et des troupes. Contrairement aux points de
vue des officiers réactionnaires animés par l’esprit colonial, la
politisation de l’armée, sa révolutionnarisation, ne signifie pas la fin de
la discipline. La discipline dans une armée politisée aura un contenu
nouveau. Elle sera une discipline révolutionnaire. C’est-à-dire une
discipline qui tire sa force dans le fait que l’officier et le soldat, le gradé
et le non-gradé se valent quant à la dignité humaine et ne diffèrent les
uns des autres que par leurs tâches concrètes et leurs responsabilités
respectives. Forts d’une telle compréhension des rapports entre les
hommes, les cadres militaires doivent respecter leurs hommes, les
aimer et les traiter avec équité. Ici aussi, les Comités de défense de la
Página CCXIV
révolution ont un rôle fondamental à jouer. Les militants CDR au sein
de l’armée devront être les pionniers infatigables de l’édification de
l’armée nationale populaire de l’État démocratique et populaire dont les
tâches essentielles seront :
– Sur le plan intérieur, la. défense des droits et des intérêts du
peuple, le maintien de l’ordre révolutionnaire et la sauvegarde du
pouvoir démocratique et populaire.
– Sur le plan extérieur, la défense de l’intégrité territoriale.
2°) La femme voltaïque : son rôle dans la Révolution démocratique et populaire
Le poids des traditions séculaires de notre société voue la femme au rang de
bête de somme. Tous les fléaux de la société néo-coloniale, la femme les
subit doublement : premièrement, elle connaît les mêmes souffrances que
l’homme ; deuxièmement, elle subit de la part de l’homme d’autres
souffrances.
Notre révolution intéresse tous les opprimés, tous ceux qui sont exploités
dans la société actuelle. Elle intéresse par conséquent la femme, car le
fondement de sa domination par l’homme se trouve dans le système
d’organisation de la vie politique et économique de la société. La révolution,
en changeant l’ordre social qui opprime la femme, crée les conditions pour
son émancipation véritable. Les femmes et les hommes de notre société sont
tous victimes de l’oppression et de la domination impérialistes. C’est
pourquoi ils mènent le même combat. La révolution et la libération de la
femme vont de pair. Et ce n’est pas un acte de charité ou un élan
d’humanisme que de parler de l’émancipation de la femme. C’est une
nécessité fondamentale pour le triomphe de la révolution. Les femmes
portent sur elles l’autre moitié du ciel. Créer une nouvelle mentalité chez la
femme voltaïque qui lui permette d’assumer le destin du pays aux côtés de
l’homme est une des tâches primordiales de la révolution. II en est de même
Página CCXV
de la transformation à apporter dans les attitudes de l’homme vis-à-vis de la
femme. Jusqu’à présent la femme a été exclue des sphères de décisions. La
révolution, en responsabilisant la femme, crée les conditions pour libérer
l’initiative combattante des femmes. Le CNR, dans sa politique
révolutionnaire, travaillera à la mobilisation, à l’organisation et à l’union de
toutes les forces vives de la nation et la femme ne sera pas en reste. Elle sera
associée à tous les combats que nous aurons à entreprendre contre les
diverses entraves de la société néo-coloniale et pour l’édification d’une
société nouvelle. Elle sera associée, à tous les niveaux de conception, de
décision et d’exécution, à l’organisation de la vie de la nation entière. Le but
final de toute cette entreprise grandiose, c’est de construire une société libre
et prospère où la femme sera l’égale de l’homme dans tous les domaines.
Cependant, il convient d’avoir une juste compréhension de la question de
l’émancipation de la femme. Elle n’est pas une égalité mécanique entre
l’homme et la femme. Acquérir les habitudes reconnues à l’homme : boire,
fumer, porter des pantalons. Ce n’est pas cela l’émancipation de la femme.
Ce n’est pas non plus l’acquisition de diplômes qui rendra la femme égale à
l’homme ou plus émancipée. Le diplôme n’est pas un laisser-passer pour
l’émancipation. La vraie émancipation de la femme, c’est celle qui
responsabilise la femme, qui l’associe aux activités productives, aux
différents combats auxquels est confronté le peuple. La vraie émancipation
de la femme c’est celle qui force le respect et la considération de l’homme.
L’émancipation tout comme la liberté ne s’octroie pas, elle se conquiert. Et il
incombe aux femmes elles-mêmes d’avancer leurs revendications et de se
mobiliser pour les faire aboutir. En cela, la Révolution démocratique et
populaire créera les conditions nécessaires pour permettre à la femme
voltaïque de se réaliser pleinement et entièrement. Car, serait-il possible de
liquider le système d’exploitation en maintenant exploitées ces femmes qui
constituent plus de la moitié de notre société ?
3°. Une économie nationale indépendante, auto-suffisante et planifiée au
service d’une société démocratique et populaire.
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Le processus des transformations révolutionnaires entreprises depuis le 4
août met à l’ordre du jour de grandes réformes démocratiques et populaires.
Ainsi, le Conseil national de la révolution est conscient que l’édification
d’une économie nationale, indépendante, auto-suffisante et planifiée passe
par la transformation radicale de la société actuelle, transformation qui elle-
même suppose les grandes réformes suivantes :
– La réforme agraire – La réforme de l’administration
– La réforme scolaire – La réforme des structures de production et de distribution dans le secteur
moderne.
* La réforme agraire aura pour but :
– L’accroissement de la productivité du travail par une meilleure
organisation des paysans et l’introduction au niveau du monde
rural de techniques modernes d’agriculture
– Le développement d’une agriculture diversifiée de pair avec la
spécialisation régionale
– L’abolition de toutes les entraves propres aux structures socio-
économiques traditionnelles qui oppriment les paysans
– Enfin, faire de l’agriculture le point d’appui du développement
de l’industrie.
Cela est possible en donnant son vrai sens au slogan d’auto-suffisance
alimentaire, trop vieilli à force d’avoir été proclamé sans conviction. Ce sera
d’abord la lutte âpre contre la nature qui, du reste, n’est pas plus ingrate
chez nous que chez d’autres peuples qui l’ont merveilleusement vaincue sur
le plan agricole. Le Conseil national de la révolution ne se bercera pas
d’illusions en projets gigantissimes, sophistiqués. Au contraire, de
nombreuses petites réalisations dans le système agricole permettront de
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faire de notre territoire un vaste champ, une suite infinie de fermes. Ce sera
ensuite la lutte contre les affameurs du peuple, spéculateurs et capitalistes
agricoles de tout genre. Ce sera enfin la protection contre la domination
impérialiste de notre agriculture, dans l’orientation, le pillage de nos
ressources et la concurrence déloyale à nos productions locales par des
importations qui n’ont de mérite que leur emballage pour bourgeois en mal
de snobisme. Des prix rémunérateurs et des unités industrielles agro-
alimentaires assureront aux paysans des marchés pour leurs productions en
toute saison.
* La réforme administrative vise à rendre opérationnelle l’administration
héritée de la colonisation. Pour ce faire, il faudra la débarrasser de tous les
maux qui la caractérisent, à savoir la bureaucratie lourde, tracassière et ses
conséquences, et procéder à une révision complète des statuts de la Fonction
publique. La réforme devra déboucher sur une administration peu coûteuse,
plus opérante et plus souple.
* Le Réforme scolaire vise à promouvoir une nouvelle orientation de
l’éducation et de la culture. Elle devra déboucher sur la transformation de
l’école en un instrument au service de la révolution. Les diplômés qui en
sortiront devront être, non au service de leurs propres intérêts et (de celui)
des classes exploiteuses, mais au service des masses populaires. L’éducation
révolutionnaire qui sera dispensée dans la nouvelle école devra inculquer à
chacun une idéologie, une personnalité voltaïque qui débarrasse l’individu
de tout mimétisme. Apprendre aux élèves étudiants à assimiler de manière
critique et positive les idées et les expériences des autres peuples, sera une
des vocations de l’école dans la société démocratique et populaire. Pour
arriver à bout de l’analphabétisme et de l’obscurantisme, il faudra mettre
l’accent sur la mobilisation de toutes les énergies en vue de l’organisation
des masses pour les sensibiliser et créer en elles la soif d’apprendre en leur
montrant les inconvénients de l’ignorance. Toute politique de lutte contre
l’analphabétisme, sans la participation même des principaux intéressés est
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vouée à l’échec. Quant à la culture dans la société démocratique et
populaire, elle devra revêtir un triple caractère : national, révolutionnaire et
populaire. Tout ce qui est anti-national, anti-révolutionnaire et anti-
populaire devra être banni. Au contraire, notre culture qui a célébré la
dignité, le courage, le nationalisme et les grandes vertus humaines sera
magnifiée. La Révolution démocratique et populaire créera les conditions
propices à l’éclosion d’une culture nouvelle. Nos artistes auront les coudées
franches pour aller hardiment de l’avant. Ils devront saisir l’occasion qui se
présente à eux pour hausser notre culture au niveau mondial. Que les
écrivains mettent leur plume au service de la révolution. Que les musiciens
chantent non seulement le passé glorieux de notre peuple mais aussi son
avenir radieux et prometteur. La révolution attend de nos artistes qu’ils
sachent décrire la réalité, en faire des images vivantes, les exprimer en notes
mélodieuses tout en indiquant à notre peuple la voie juste conduisant vers
un avenir meilleur. Elle attend d’eux qu’ils mettent leur génie créateur au
service d’une culture voltaïque, nationale, révolutionnaire et populaire. Il
faut savoir puiser ce qu’il y a de bon dans le passé, c’est-à-dire dans nos
traditions, ce qu’il y a de positif dans les cultures étrangères, pour donner
une dimension nouvelle à notre culture. La source inépuisable, pour
l’inspiration créatrice des masses, se trouve dans les masses populaires.
Savoir vivre avec les masses, s’engager dans le mouvement populaire,
partager les joies et les souffrances du peuple, travailler et lutter avec lui,
devraient constituer les préoccupations majeures de nos artistes. Avant de
produire, se poser la question : à qui destinons-nous notre création ? Si
nous avons la conviction que c’est pour le peuple que nous créons, alors
nous devons savoir clairement ce qu’est le peuple, quelles sont ses
composantes, quelles sont ses aspirations profondes.
* La réforme dans les structures de production et de distribution de notre
économie : les réformes dans ce domaine visent à établir progressivement le
contrôle effectif du peuple voltaïque sur les circuits de production et de
distribution. Car sans une véritable maîtrise de ces circuits, il est
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pratiquement impossible d’édifier une économie indépendante au service du
peuple.
Peuple de Haute-Volta, Camarades militantes et militants de la révolution :
Les besoins de notre peuple sont immenses. La satisfaction de ces besoins
nécessite des transformations révolutionnaires à entreprendre dans tous les
domaines. Ainsi dans le domaine sanitaire et (celui) de l’assistance sociale en
faveur des masses populaires, les objectifs à atteindre se résument en ceci :
– Une santé à la portée de tous.
– La mise en oeuvre d’une assistance et d’une protection maternelle et infantile.
– Une politique d’immunisation contre les maladies transmissibles par la multiplication des campagnes de vaccination.
– Une sensibilisation des masses pour l’acquisition de bonnes
habitudes hygiéniques. Tous ces objectifs ne peuvent être atteints sans l’engagement conscient des masses populaires elles-mêmes dans le combat sous l’orientation révolutionnaire des services de
santé. Dans le domaine de l’habitat, domaine d’une importance cruciale, il nous faudra entreprendre une politique vigoureuse pour
mettre fin aux spéculations immobilières, à l’exploitation des travailleurs par l’établissement des taux de loyers excessifs. Des mesures importantes devront être prises dans ce domaine pour :
– Établir des loyers raisonnables. – Procéder aux lotissements rapides de quartiers.
– Développer sur une grande échelle la construction de maisons d’habitation modernes en nombre suffisant et accessibles aux
travailleurs. Une des préoccupations essentielles du CNR, c’est l’union des différentes
nationalités que compte la Haute-Volta dans la lutte commune contre les
ennemis de notre révolution. II existe en effet dans notre pays, une
multitude d’ethnies se distinguant les unes des autres par leur langue et
leurs coutumes. C’est l’ensemble de ces nationalités qui forment la nation
voltaïque. L’impérialisme dans sa politique de diviser pour régner, s’est
évertué à exacerber les contradictions entre elles, pour les dresser les unes
contre les autres. La politique du CNR visera à l’union de ces différentes
Página CCXX
nationalités pour qu’elles vivent dans l’égalité et jouissent des mêmes
chances de réussite. Pour ce faire, un accent particulier sera mis pour : – Le
développement économique des différentes régions. – Encourager les
échanges économiques entre elles. – Combattre les préjugés entre les
ethnies, régler les différends qui les opposent dans un esprit d’union. –
Châtier les fauteurs de divisions. Au vu de tous les problèmes auxquels
notre pays se trouve confronté, la révolution apparaît comme un défi que
nous devons, animés de la volonté de vaincre, surmonter avec la
participation effective des masses populaires mobilisées au sein des CDR.
Dans un proche avenir, avec l’élaboration des programmes sectoriels, tout le
territoire de Haute-Volta sera un vaste chantier de travail où le concours de
tous les Voltaïques valides et en âge de travailler sera requis pour le combat
sans merci que nous livrerons pour transformer ce pays en un pays prospère
et radieux, un pays où le peuple sera le seul maître des richesses matérielles
et immatérielles de la nation. Enfin, il nous faut définir la place de la
révolution voltaïque dans le processus révolutionnaire mondial. Notre
révolution fait partie intégrante du mouvement mondial pour la paix et la
démocratie contre l’impérialisme et toute sorte d’hégémonisme. C’est
pourquoi nous nous efforcerons d’établir des relations diplomatiques avec
les autres pays sans égard à leur système politique et économique sur la
base des principes suivants : – Le respect réciproque pour l’indépendance,
l’intégrité territoriale et la souveraineté nationale. – La non-agression
mutuelle. – La non-intervention dans les affaires intérieures. – Le commerce
avec tous les pays sur un pied d’égalité et sur la base d’avantages
réciproques. Notre solidarité et notre soutien militants iront à l’endroit des
mouvements de libération nationale qui combattent pour l’indépendance de
leur pays et la libération de leurs peuples. Ce soutien s’adresse
particulièrement : – Au peuple de Namibie sous la direction de la SWAPO. –
Au peuple Sahraoui dans sa lutte pour le recouvrement de son territoire
national. – Au peuple Palestinien pour ses droits nationaux. Dans notre
lutte, les pays africains anti-impérialistes sont nos alliés objectifs. Le
rapprochement avec ces pays est rendu nécessaire par les regroupements
Página CCXXI
néo-coloniaux qui s’opèrent sur notre continent. Vive la Révolution
démocratique et populaire ! Vive le Conseil national de la révolution ! La
patrie ou la mort, nous vaincrons !
Página CCXXII
DISCOURS DE THOMAS SANKARA À L’ONU LE 04 OCTOBRE 1984
Le 4 octobre 1984, Sankara s’adresse à la Trente-neuvième session de
l’Assemblée générale des Nations Unies. La source de son discours ci-après
est une brochure distribuée par la représentation du Burkina Faso auprès des
Nations Unies.
Disponível em: http://www.thomassankara.net/discours-de-sankara-
devant-lassemblee-generale-de-lonu-le-4-octobre-1984-texte-integral/.
Acesso em: 20 jun. 2018. Version audio du discours à
www.thomassankara.net/?p=1217.
Monsieur le Président, Monsieur le secrétaire Général,
Honorables représentants de la Communauté internationale
Je viens en ces lieux vous apporter le salut fraternel d’un pays de 274000
km², où sept millions d’enfants, de femmes et d’hommes, refusent désormais
de mourir d’ignorance, de faim, de soif, tout en n’arrivant pas à vivre
véritablement depuis un quart de siècle d’existence comme Etat souverain,
siégeant à l’ONU.
Je viens à cette Trente-neuvième session vous parler au nom d’un peuple
qui, sur la terre de ses ancêtres, a choisi, dorénavant de s’affirmer et
d’assumer son histoire, dans ses aspects positifs, comme dans ses aspects
négatifs, sans complexe aucun.
Je viens enfin, mandaté par le Conseil National de la Révolution (CNR) du
Burkina Faso, pour exprimer les vues de mon peuple concernant les
problèmes inscrits à l’ordre du jour, et qui constituent la trame tragique des
évènements qui fissurent douloureusement les fondements du monde en
cette fin du vingtième siècle. Un monde où l’humanité est transformée en
cirque, déchirée par les luttes entre les grands et les semi-grands, battue par
les bandes armées, soumise aux violences et aux pillages. Un monde où des
nations, se soustrayant à la juridiction internationale, commandent des
Página CCXXIII
groupes hors-la-loi, vivant de rapines, et organisant d’ignobles trafics, le fusil
à la main.
Monsieur le Président
Je n’ai pas ici la prétention d’énoncer des dogmes. Je ne suis ni un messie ni
un prophète. Je ne détiens aucune vérité. Ma seule ambition est une double
aspiration : premièrement, pouvoir, en langage simple, celui de l’évidence et
de la clarté, parler au nom de mon peuple, le peuple du Burkina Faso ;
deuxièmement, parvenir à exprimer aussi, à ma manière, la parole du
« Grand peuple des déshérités », ceux qui appartiennent à ce monde qu’on a
malicieusement baptisé Tiers Monde. Et dire, même si je n’arrive pas à les
faire comprendre, les raisons que nous avons de nous révolter.
Tout cela dénote de l’intérêt que nous portons à l’ONU, les exigences de nos
droits y prenant une vigueur et la rigueur de la claire conscience de nos
devoirs.
Nul ne s’étonnera de nous voir associer l’ex Haute-Volta, aujourd’hui le
Burkina Faso, à ce fourre-tout méprisé, le Tiers Monde, que les autres
mondes ont inventé au moment des indépendances formelles pour mieux
assurer notre aliénation culturelle, économique et politique. Nous voulons
nous y insérer sans pour autant justifier cette gigantesque escroquerie de
l’Histoire. Encore moins pour accepter d’être « l’arrière monde d’un Occident
repu ». Mais pour affirmer la conscience d’appartenir à un ensemble
tricontinental et admettre, en tant que non-alignés, et avec la densité de nos
convictions, qu’une solidarité spéciale unit ces trois continents d’Asie,
d’Amérique latine et d’Afrique dans un même combat contre les mêmes
trafiquants politiques, les mêmes exploiteurs économiques.
Reconnaître donc notre présence au sein du Tiers Monde c’est, pour
paraphraser José Marti, « affirmer que nous sentons sur notre joue tout
coup donné à n’importe quel homme du monde ». Nous avons jusqu’ici tendu
l’autre joue. Les gifles ont redoublées. Mais le cœur du méchant ne s’est pas
Página CCXXIV
attendri. Ils ont piétiné la vérité du juste. Du Christ ils ont trahi la parole. Ils
ont transformé sa croix en massue. Et après qu’ils se soient revêtus de sa
tunique, ils ont lacéré nos corps et nos âmes. Ils ont obscurci son message.
Ils l’ont occidentalisé cependant que nous le recevions comme libération
universelle. Alors, nos yeux se sont ouverts à la lutte des classes. Il n’y aura
plus de gifles.
Il faut proclamer qu’il ne peut y avoir de salut pour nos peuples que si nous
tournons radicalement le dos à tous les modèles que tous les charlatans de
même acabit ont essayé de nous vendre vingt années durant. Il ne saurait y
avoir pour nous de salut en dehors de ce refus là. Pas de développement en
dehors de cette rupture.
Du reste, tous les nouveaux « maîtres-à-penser » sortant de leur sommeil,
réveillés par la montée vertigineuse de milliards d’hommes en haillons,
effrayés par la menace que fait peser sur leur digestion cette multitude
traquée par la faim, commencent à remodeler leurs discours et, dans une
quête anxieuse, recherchent une fois de plus en nos lieu et place, des
concepts-miracles, de nouvelles formes de développement pour nos pays. Il
suffit pour s’en convaincre de lire les nombreux actes des innombrables
colloques et séminaires.
Loin de moi l’idée de tourner en ridicule les efforts patients de ces
intellectuels honnêtes qui, parce qu’ils ont des yeux pour voir, découvrent
les terribles conséquences des ravages imposés par lesdits « spécialistes » en
développement dans le Tiers Monde. La crainte qui m’habite c’est de voir les
résultats de tant d’énergies confisquées par les Prospéro de tout genre pour
en faire la baguette magique destinée à nous renvoyer à un monde
d’esclavage maquillé au goût de notre temps.
Cette crainte se justifie d’autant plus que la petite bourgeoisie africaine
diplômée, sinon celle du Tiers Monde, soit par paresse intellectuelle, soit
plus simplement parce qu’ayant goûté au mode de vie occidental, n’est pas
prête à renoncer à ses privilèges. De ce fait, elle oublie que toute vraie lutte
Página CCXXV
politique postule un débat théorique rigoureux et elle refuse l’effort de
réflexion qui nous attend. Consommatrice passive et lamentable, elle se
regorge de vocables fétichisés par l’Occident comme elle le fait de son whisky
et de son champagne, dans ses salons à l’harmonie douteuse.
On recherchera en vain depuis les concepts de négritude ou d’ »African
Personality » marqués maintenant par les temps, des idées vraiment neuves
issues des cerveaux de nos « grands » intellectuels. Le vocabulaire et les
idées nous viennent d’ailleurs. Nos professeurs, nos ingénieurs et nos
économistes se contentent d’y adjoindre des colorants parce que, des
universités européennes dont ils sont les produits, ils n’ont ramené souvent
que leurs diplômes et le velours des adjectifs ou des superlatifs.
Il est nécessaire, il est urgent que nos cadres et nos travailleurs de la plume
apprennent qu’il n’y a pas d’écriture innocente. En ces temps de tempêtes,
nous ne pouvons laisser à nos seuls ennemis d’hier et d’aujourd’hui, le
monopole de la pensée, de l’imagination et de la créativité. Il faut, avant qu’il
ne soit trop tard, car il est déjà trop tard, que ces élites, ces hommes de
l’Afrique, du Tiers Monde, reviennent à eux-mêmes, c’est-à-dire à leur
société, à la misère dont nous avons hérité pour comprendre non seulement
que la bataille pour une pensée au service des masses déshéritées n’est pas
vaine, mais qu’ils peuvent devenir crédibles sur le plan international, qu’en
inventant réellement, c’est-à-dire, en donnant de leurs peuples une image
fidèle. Une image qui leur permette de réaliser des changements profonds de
la situation sociale et politique, susceptibles de nous arracher à la
domination et à l’exploitation étrangères qui livrent nos Etats à la seule
perspective de la faillite.
C’est ce que nous avons perçu, nous, peuple burkinabè, au cours de cette
nuit du 4 août 1983, aux premiers scintillements des étoiles dans le ciel de
notre Patrie. Il nous fallait prendre la tête des jacqueries qui s’annonçaient
dans les campagnes affolées par l’avancée du désert, épuisées par la faim et
la soif et délaissées. Il nous fallait donner un sens aux révoltes grondantes
des masses urbaines désoeuvrées, frustrées et fatiguées de voir circuler les
Página CCXXVI
limousines des élites aliénées qui se succédaient à la tête de l’Etat et qui ne
leur offraient rien d’autre que les fausses solutions pensées et conçues par
les cerveaux des autres. Il nous fallait donner une âme idéologique aux
justes luttes de nos masses populaires mobilisées contre l’impérialisme
monstrueux. A la révolte passagère, simple feu de paille, devait se substituer
pour toujours la révolution, lutte éternelle contre la domination.
D’autres avant moi ont dit, d’autres après moi diront à quel point s’est élargi
le fossé entre les peuples nantis et ceux qui n’aspirent qu’à manger à leur
faim, boire à leur soif, survivre et conserver leur dignité. Mais nul
n’imaginera à quel point » le grain du pauvre a nourri chez nous la vache du
riche ».
Dans le cas de l’ex Haute Volta, le processus était encore plus exemplaire.
Nous étions la condensation magique, le raccourci de toutes les calamités
qui ont fondu sur les pays dits « en voie de développement ». Le témoignage
de l’aide présentée comme la panacée et souvent trompetée, sans rime ni
raison, est ici éloquent. Très peu sont les pays qui ont été comme le mien
inondés d’aides de toutes sortes. Cette aide est en principe censée œuvrer au
développement. On cherchera en vain dans ce qui fut autrefois la Haute-
Volta, les signes de ce qui peut relever d’un développement. Les hommes en
place, soit par naïveté, soit par égoïsme de classe, n’ont pas pu ou n’ont pas
voulu maîtriser cet afflux extérieur, en saisir la portée et exprimer des
exigences dans l’intérêt de notre peuple.
Analysant un tableau publié en 1983 par le Club du Sahel, Jacques Giri
dans son ouvrage « Le Sahel Demain », conclut avec beaucoup de bon sens
que l’aide au Sahel, à cause de son contenu et des mécanismes en place,
n’est qu’une aide à la survie. Seuls, souligne-t-il, 30 pour cent de cette aide
permet simplement au Sahel de vivre. Selon Jacques Giri, cette aide
extérieure n’aurait d’autres buts que de continuer à développer les secteurs
improductifs, imposant des charges intolérables à nos petits budgets,
désorganisant nos campagnes, creusant les déficits de notre balance
commerciale, accélérant notre endettement.
Página CCXXVII
Juste quelques clichés pour présenter l’ex Haute-Volta :
– 7 millions d’habitants, avec plus de 6 millions de paysannes et de paysans
– Un taux de mortalité infantile estimé à 180 pour mille
– Une espérance de vie se limitant à 40 ans
– Un taux d’analphabétisme allant jusqu’à 98 pour cent, si nous concevons
l’alphabétisé comme celui qui sait lire, écrire et parler une langue.
– Un médecin pour 50000 habitants
– Un taux de scolarisation de 16 pour cent
– et enfin un produit intérieur brut par tête d’habitant de 53356 francs CFA
soit à peine plus de 100 dollars.
Le diagnostic à l’évidence, était sombre. La source du mal était politique. Le
traitement ne pouvait qu’être politique.
Certes nous encourageons l’aide qui nous aide à nous passer de l’aide. Mais
en général, la politique d’assistance et d’aide n’a abouti qu’à nous
désorganiser, à nous asservir, à nous déresponsabiliser dans notre espace
économique, politique et culturel.
Nous avons choisi de risquer de nouvelles voies pour être plus heureux.
Nous avons choisi de mettre en place de nouvelles techniques.
Nous avons choisi de rechercher des formes d’organisation mieux adaptées à
notre civilisation, rejetant de manière abrupte et définitive toutes sortes de
diktats extérieurs, pour créer ainsi les conditions d’une dignité à la hauteur
de nos ambitions. Refuser l’état de survie, desserrer les pressions, libérer
nos campagnes d’un immobilisme moyenâgeux ou d’une régression,
démocratiser notre société, ouvrir les esprits sur un univers de
responsabilité collective pour oser inventer l’avenir. Briser et reconstruire
l’administration à travers une autre image du fonctionnaire, plonger notre
armée dans le peuple par le travail productif et lui rappeler incessamment
que sans formation patriotique, un militaire n’est qu’un criminel en
puissance. Tel est notre programme politique.
Página CCXXVIII
Au plan de la gestion économique, nous apprenons à vivre simplement, à
accepter et à nous imposer l’austérité afin d’être à même de réaliser de
grands desseins.
Déjà, grâce à l’exemple de la Caisse de solidarité nationale, alimentée par des
contributions volontaires, nous commençons à répondre aux cruelles
questions posées par la sécheresse. Nous avons soutenu et appliqué les
principes d’Alma-Ata en élargissant le champ des soins de santé primaires.
Nous avons fait nôtre, comme politique d’Etat, la stratégie du GOBI FFF,
préconisée par l’UNICEF.
Par l’intermédiaire de l’Office du Sahel des Nations Unies (OSNU), nous
pensons que les Nations unies devraient permettre aux pays touchés par la
sécheresse la mise sur pied d’un plan moyen et long termes afin de parvenir
à l’autosuffisance alimentaire.
Pour préparer le vingt et unième siècle, nous avons, par la création d’une
tranche spéciale de la Tombola, « Instruisons nos enfants », lancé une
campagne immense pour l’éducation et la formation de nos enfants dans
une école nouvelle. Nous avons lancé à travers l’action salvatrice des
Comités de Défense de la Révolution un vaste programme de construction de
logements sociaux, 500 en trois mois, de routes, de petites retenues d’eau
etc… Notre ambition économique est d’œuvrer pour que le cerveau et les
bras de chaque burkinabè puissent au moins lui servir à inventer et à créer
de quoi s’assurer deux repas par jour et de l’eau potable.
Nous jurons, nous proclamons, que désormais au Burkina Faso, plus rien
ne se fera sans la participation des burkinabè. Rien qui n’ait été au préalable
décidé par nous, élaboré par nous. Il n’y aura plus d’attentat à notre pudeur
et à notre dignité.
Forts de cette certitude, nous voudrions que notre parole s’élargisse à tous
ceux qui souffrent dans leur chair, tous ceux qui sont bafoués dans leur
Página CCXXIX
dignité d’homme par un minorité d’hommes ou par un système qui les
écrase.
Permettez, vous qui m’écoutez, que je le dise : je ne parle pas seulement au
nom du Burkina Faso tant aimé mais également au nom de tous ceux qui
ont mal quelque part.
Je parle au nom de ces millions d’êtres qui sont dans les ghettos parce qu’ils
ont la peau noire ou qu’ils sont de culture différente et bénéficient d’un
statut à peine supérieur à celui d’un animal.
Je souffre au nom des Indiens massacrés, écrasés, humiliés et confinés
depuis des siècles dans des réserves afin qu’ils n’aspirent à aucun droit et
que leur culture ne puisse s’enrichir en convolant en noces heureuses au
contact d’autres cultures, y compris celle de l’envahisseur.
Je m’exclame au nom des chômeurs d’un système structurellement injuste
et conjoncturellement désaxé, réduits à ne percevoir de la vie que le reflet de
celle des plus nantis.
Je parle au nom des femmes du monde entier, qui souffrent d’un système
d’exploitation imposé par les mâles. Pour ce qui nous concerne, nous
sommes prêts à accueillir toutes les suggestions du monde entier, nous
permettant de parvenir à l’épanouissement total de la femme burkinabè. En
retour, nous donnons en partage à tous les pays, l’expérience positive que
nous entreprenons avec des femmes désormais présentes à tous les échelons
de l’appareil de l’État et de la vie sociale au Burkina Faso. Des femmes qui
luttent et proclament avec nous, que l’esclave qui n’est pas capable
d’assumer sa révolte ne mérite pas que l’on s’apitoie sur son sort. Cet esclave
répondra seul de son malheur s’il se fait des illusions sur la condescendance
suspecte d’un maître qui prétend l’affranchir. Seule la lutte libère et nous en
appelons à toutes nos sœurs de toutes les races pour qu’elles montent à
l’assaut pour la conquête de leurs droits.
Página CCXXX
Je parle au nom des mères de nos pays démunis, qui voient mourir leurs
enfants de paludisme ou de diarrhée, ignorant qu’il existe, pour les sauver,
des moyens simples que la science des multinationales ne leur offre pas,
préférant investir dans les laboratoires de cosmétiques et dans la chirurgie
esthétique pour les caprices de quelques femmes ou d’hommes dont la
coquetterie est menacée par les excès de calories de leurs repas trop riches
et d’une régularité à vous donner, non, plutôt à nous donner, à nous autres
du Sahel, le vertige. Ces moyens simples recommandés par l’OMS et
l’UNICEF, nous avons décidé de les adopter et de les populariser.
Je parle aussi au nom de l’enfant. L’enfant du pauvre, qui a faim et qui
louche furtivement vers l’abondance amoncelée dans une boutique pour
riches. La boutique protégée par une vitre épaisse. La vitre défendue par une
grille infranchissable. Et la grille gardée par un policier casqué, ganté et
armé de matraque. Ce policier, placé là par le père d’un autre enfant qui
viendra se servir ou plutôt se faire servir parce que représentant toutes les
garanties de représentativité et de normes capitalistiques du système.
Je parle au nom des artistes (poètes, peintres, sculpteur, musiciens,
acteurs), hommes de bien qui voient leur art se prostituer pour l’alchimie
des prestidigitations de show-business.
Je crie au nom des journalistes qui sont réduits soit au silence, soit au
mensonge pour ne pas subir les dures lois du chômage.
Je proteste au nom des sportifs du monde entier dont les muscles sont
exploités par les systèmes politiques ou les négociants de l’esclavage
modernes.
Mon pays est un concentré de tous les malheurs des peuples, une synthèse
douloureuse de toutes les souffrances de l’humanité, mais aussi et surtout
des espérances de nos luttes. C’est pourquoi je vibre naturellement au nom
des malades qui scrutent avec anxiété les horizons d’une science accaparée
par les marchands de canons. Mes pensées vont à tous ceux qui sont
Página CCXXXI
touchés par la destruction de la nature et à ces trente millions d’hommes qui
vont mourir comme chaque année, abattus par la redoutable arme de la
faim.
Militaire, je ne peux oublier ce soldat obéissant aux ordres, le doigt sur la
détente, et qui sait que la balle qui va partir ne porte que le message de la
mort.
Enfin, je veux m’indigner en pensant aux Palestiniens qu’une humanité
inhumaine a choisi de substituer à un autre peuple, hier encore martyrisé.
Je pense à ce vaillant peuple palestinien, c’est-à-dire à ces familles
atomisées errant de par le monde en quête d’un asile. Courageux,
déterminés, stoïques et infatigables, les Palestiniens rappellent à chaque
conscience humaine la nécessité et l’obligation morale de respecter les droits
d’un peuple : avec leurs frères juifs, ils sont antisionistes.
Aux côtés de mes frères soldats de l’Iran et de l’Irak, qui meurent dans une
guerre fratricide et suicidaire, je veux également me sentir proche des
camarades du Nicaragua dont les ports sont minés, les villes bombardées et
qui, malgré tout, affrontent avec courage et lucidité leur destin. Je souffre
avec tous ceux qui, en Amérique latine, souffrent de la mainmise
impérialiste.
Je veux être aux côtés des peuples afghan et irlandais, aux côtés des
peuples de Grenade et de Timor Oriental, chacun à la recherche d’un
bonheur dicté par la dignité et les lois de sa culture.
Je m’élève ici au nom des tous ceux qui cherchent vainement dans quel
forum de ce monde ils pourront faire entendre leur voix et la faire prendre en
considération réellement. Sur cette tribune beaucoup m’ont précédé,
d’autres viendront après moi. Mais seuls quelques uns feront la décision.
Pourtant nous sommes officiellement présentés comme égaux. Eh bien, je
me fais le porte voix de tous ceux qui cherchent vainement dans quel forum
de ce monde, ils peuvent se faire entendre. Oui je veux donc parler au nom
Página CCXXXII
de tous les « laissés pour compte » parce que « je suis homme et rien de ce
qui est humain ne m’est étranger ».
Notre révolution au Burkina Faso est ouverte aux malheurs de tous les
peuples. Elle s’inspire aussi de toutes les expériences des hommes depuis le
premier souffle de l’Humanité. Nous voulons être les héritiers de toutes les
révolutions du monde, de toutes les luttes de libération des peuples du Tiers
Monde. Nous sommes à l’écoute des grands bouleversements qui ont
transformé le monde. Nous tirons des leçons de la révolution américaine, les
leçons de sa victoire contre la domination coloniale et les conséquences de
cette victoire. Nous faisons nôtre l’affirmation de la doctrine de la non-
ingérence des Européens dans les affaires américaines et des Américains
dans les affaires européennes. Ce que Monroe clamait en 1823, « L’Amérique
aux Américains », nous le reprenons en disant « l’Afrique aux Africains », « Le
Burkina aux Burkinabè ». La Révolution française de 1789, bouleversant les
fondements de l’absolutisme, nous a enseigné les droits de l’homme alliés
aux droits des peuples à la liberté. La grande révolution d’octobre 1917 a
transformé le monde, permis la victoire du prolétariat, ébranlé les assises du
capitalisme et rendu possible les rêves de justice de la Commune française.
Ouverts à tous les vents de la volonté des peuples et de leurs révolutions,
nous instruisant aussi de certains terribles échecs qui ont conduits à de
tragiques manquements aux droits de l’homme, nous ne voulons conserver
de chaque révolution, que le noyau de pureté qui nous interdit de nous
inféoder aux réalités des autres, même si par la pensée, nous nous
retrouvons dans une communauté d’intérêts.
Monsieur les Président,
Il n’y a plus de duperie possible. Le Nouvel Ordre Economique Mondial pour
lequel nous luttons et continuerons à lutter, ne peut se réaliser que :
– si nous parvenons à ruiner l’ancien ordre qui nous ignore,
– si nous imposons la place qui nous revient dans l’organisation politique du
monde,
Página CCXXXIII
– si, prenant conscience de notre importance dans le monde, nous obtenons
un droit de regard et de décision sur les mécanismes qui régissent le
commerce, l’économie et la monnaie à l’échelle planétaire.
Le Nouvel Ordre Economique international s’inscrit tout simplement, à côté
de tous les autres droits des peuples, droit à l’indépendance, au libre choix
des formes et de structures de gouvernement, comme le droit au
développement. Et comme tous les droits des peuples, il s’arrache dans la
lutte et par la lutte des peuples. Il ne sera jamais le résultat d’un acte de la
générosité d’une puissance quelconque.
Je conserve en moi la confiance inébranlable, confiance partagée avec
l’immense communauté des pays non-alignés, que sous les coups de boutoir
de la détresse hurlante de nos peuples, notre groupe va maintenir sa
cohésion, renforcer son pouvoir de négociation collective, se trouver des
alliés parmi les nations et commencer, de concert avec ceux qu peuvent
encore nous entendrez, l’organisation d’un système de relations
économiques internationales véritablement nouveau.
Monsieur le Président,
Si j’ai accepté de me présenter devant cette illustre assemblée pour y
prendre la parole, c’est parce que malgré les critiques qui lui sont adressées
par certains grands contributeurs, les Nations Unies demeurent la tribune
idéale pour nos revendications, le lieu obligé de la légitimité des pays sans
voix.
C’est cela qu’exprime avec beaucoup de justesse notre Secrétaire général
lorsqu’il écrit : « L’organisation des Nations Unies est unique en ce qu’elle
reflète les aspirations et les frustrations de nombreux pays et gouvernements
du monde entier. Un de ses grands mérites est que toutes les Nations, y
compris celles qui sont faibles, opprimées ou victimes de l’injustice, (il s’agit
de nous), peuvent, même lorsqu’elles sont confrontées aux dures réalités du
pouvoir, y trouver une tribune et s’y faire entendre. Une cause juste, même
Página CCXXXIV
si elle ne rencontre que revers ou indifférence, peut trouver un écho à
l’Organisation des Nations Unies ; cet attribut de l’Organisation n’est pas
toujours prisé, mais il n’en est pas moins essentiel ».
On ne peut mieux définir le sens et la portée de l’Organisation.
Aussi est-il, pour chacun de nous, un impératif catégorique de consolider les
assises de notre Organisation, de lui donner les moyens de son action. Nous
adoptons en conséquence, les propositions faîtes à cette fin par le Secrétaire
Général, pour sortir l’Organisation des nombreuses impasses,
soigneusement entretenues par le jeu des grandes puissances afin de la
discréditer aux yeux de l’opinion publique.
Monsieur le Président,
Reconnaissant les mérites mêmes limités de notre Organisation, je ne peux
que me réjouir de la voir compter de nouveaux adhérents. C’est pourquoi la
délégation burkinabè salue l’entrée du 159ème membre de notre
Organisation : l’Etat du Brunei Daressalam.
C’est la déraison de ceux entre les mains desquelles la direction du monde
es tombée par le hasard des choses qui fait l’obligation au Mouvement des
pays non alignés, auquel je l’espère, se joindra bientôt l’Etat du Brunei
Darussalam, de considérer comme un des objectifs permanents de sa lutte,
le combat pour le désarmement qui est un des aspects essentiels et une
condition première de notre droit au développement.
Il faut, à notre avis des études sérieuses prenant en compte tous les
éléments qui ont conduit aux calamités qui ont fondu sur le monde. A ce
titre, le Président Fidel Castro en 1979, a admirablement exprimé notre
point de vue à l’ouverture du sixième sommet des Pays non alignés lorsqu’il
déclarait : « Avec 300 milliards de dollars, on pourrait construire en un an
600000 écoles pouvant recevoir 400 millions d’enfants ; ou 60 millions de
logements confortables pour 300 millions de personnes ; ou 30000 hôpitaux
Página CCXXXV
équipés de 18 millions de lits ; ou 20000 usines pouvant employer plus de
20 millions de travailleurs ou irriguer 150 millions d’hectares de terre qui,
avec les moyens techniques adéquats pourraient alimenter un milliard de
personnes… »
En multipliant aujourd’hui ce chiffre par 10, je suis certainement en deçà de
la réalité, on réalise ce que l’Humanité gaspille tous les ans dans le domaine
militaire, c’est-à-dire contre la paix.
On perçoit aisément pourquoi l’indignation des peuples se transforme
rapidement en révolte et en révolution devant les miettes qu’on leur jette
sous la forme ignominieuse d’une certaine « aide », assortie de conditions
parfois franchement abjectes. On comprend enfin pourquoi dans le combat
pour le développement, nous nous désignons comme des militants
inlassables de la paix.
Nous faisons le serment de lutter pour atténuer les tensions, introduire les
principes d’une vie civilisée dans les relations internationales et les étendre à
toutes les parties du monde. Ce qui revient à dire que nous ne pouvons
assister passifs, au trafic des concepts.
Nous réitérons notre résolution d’être des agents actifs de la paix ; de tenir
notre place dans le combat pour le désarmement ; d’agir enfin dans la
politique internationale comme le facteur décisif, libéré de toute entrave vis-
à-vis de toutes les grandes puissances, quels que soient les projets de ces
dernières.
Mais la recherche de la paix va de pair avec l’application ferme du droit des
pays à l’indépendance, des peuples à la liberté et des nations à l’existence
autonome. Sur ce point, le palmarès le plus pitoyable, le plus lamentable _
oui, le plus lamentable_ est détenu au Moyen Orient en termes d’arrogance,
d’insolence et d’incroyable entêtement par un petit pays, Israël, qui, depuis,
plus de vingt ans, avec l’inqualifiable complicité de son puissant protecteur
les Etats-Unis, continue à défier la communauté internationale.
Página CCXXXVI
Au mépris d’une histoire qui hier encore, désignait chaque Juif à l’horreur
des fours crématoires, Israël en arrive à infliger à d’autres ce qui fut son
propre calvaire. En tout état de cause, Israël dont nous aimons le peuple
pour son courage et ses sacrifices d’hier, doit savoir que les conditions de sa
propre quiétude ne résident pas dans sa puissance militaire financée de
l’extérieur. Israël doit commencer à apprendre à devenir une nation comme
les autres, parmi les autres.
Pour l’heure, nous tenons à affirmer du haut de cette tribune, notre
solidarité militante et agissante à l’endroit des combattants, femmes et
hommes, de ce peuple merveilleux de la Palestine parce que nous savons
qu’il n’y a pas de souffrance sans fin.
Monsieur, le Président,
Analysant la situation qui prévaut en Afrique sur les plans économique et
politique, nous ne pouvons pas ne pas souligner les graves préoccupations
qui sont les nôtres, face aux dangereux défis lancés aux droits des peuples
par certaines nations qui, sûres de leurs alliances, bafouent ouvertement la
morale internationale.
Certes, nous avons le droit de nous réjouir de la décision de retrait des
troupes étrangères au Tchad, afin que le Tchadiens entre eux, sans
intermédiaire, cherchent les moyens de mettre fin à cette guerre fratricide, et
donner enfin à ce peuple qui n’en finit pas de pleurer depuis de nombreux
hivernages, les moyens de sécher ses larmes. Mais, malgré les progrès
enregistrés çà et là par les peuples africains dans leur lutte pour
l’émancipation économique, notre continent continue de refléter la réalité
essentielle des contradictions entre les grandes puissances, de charrier les
insupportables apories du monde contemporain.
C’est pourquoi nous tenons pour inadmissible et condamnons sans recours,
le sort fait au peuple du Sahara Occidental par le Royaume du Maroc qui se
livre à des méthodes dilatoires pour retarder l’échéance qui, de toute façon,
Página CCXXXVII
lui sera imposée par la volonté du peuple sahraoui. Pour avoir visité
personnellement les régions libérées par le peuple sahraoui, j’ai acquis la
confirmation que plus rien désormais ne saurait entraver sa marche vers la
libération totale de son pays, sous la conduite et éclairée du Front Polisario.
Monsieur le Président,
Je ne voudrais pas trop m’étendre sur la question de Mayotte et des îles de
l’Archipel malgache. Lorsque les choses sont claires, lorsque les principes
sont évidents, point n’est besoin d’élaborer. Mayotte appartient aux
Comores. Les îles de l’archipel sont malgaches.
En Amérique Latine, nous saluons l’initiative du Groupe de Contadora, qui
constitue une étape positive dans la recherche d’une solution juste à la
situation explosive qui y prévaut. Le commandant Daniel Ortega, au nom du
peuple révolutionnaire du Nicaragua a fait ici des propositions concrètes et
posé des questions de fond à qui de droit. Nous attendons de voir la paix
s’installer dans son pays et en Amérique Centrale, le 15 octobre prochain et
après le 15 octobre et nous prenons à témoin l’opinion publique mondiale.
De même que nous avons condamné l’agression étrangère de l’île de
Grenade, de même nous fustigeons toutes les interventions étrangères. C’est
ainsi que nous ne pouvons pas nous taire face à l’intervention militaire en
Afghanistan.
Il est cependant un point, mais dont la gravité exige de chacun de nous une
explication franche et décisive. Cette question, vous vous en doutez, ne peut
qu’être celle de l’Afrique du Sud. L’incroyable insolence de ce pays à l’égard
de toutes les nations du monde, même vis-à-vis de celles qui soutiennent le
terrorisme qu’il érige en système pour liquider physiquement la majorité
noire de ce pays, le mépris qu’il adopte à l’égard de toutes nos résolutions,
constituent l’une des préoccupations les plus oppressantes du monde
contemporain.
Página CCXXXVIII
Mais le plus tragique, n’est pas que l’Afrique du Sud se soit elle-même mise
au banc de la communauté internationale à cause de l’abjection des lois de
l’apartheid, encore moins qu’elle continue de maintenir illégalement la
Namibie sous la botte colonialiste et raciste, ou de soumettre impunément
ses voisins aux lois du banditisme. Non, le plus abject, le plus humiliant
pour la conscience humaine, c’est qu’elle soit parvenue à « banaliser » le
malheur de millions d’êtres humains qui n’ont pour se défendre que leur
poitrine et l’héroïsme de leurs mains nues. Sûre de la complicité des grandes
puissances et de l’engagement actif de certaines d’entre elles à ses côtés,
ainsi que de la criminelle collaboration de quelques tristes dirigeants de pays
africains, la minorité blanche ne se gêne pas pour ridiculiser les états d’âme
de tous les peuples, qui, partout à travers le monde, trouvent intolérable la
sauvagerie des méthodes en usage dans ce pays.
Il fut un temps où les brigades internationales se constituaient pour aller
défendre l’honneur des nations agressées dans leur dignité. Aujourd’hui,
malgré la purulence des plaies que nous portons tous à nos flancs, nous
allons voter des résolutions dont les seules vertus, nous dira-t-on, seraient
de conduire à résipiscence une Nation de corsaires qui « détruit le sourire
comme la grêle tue les fleurs ».
Monsieur le Président,
Nous allons bientôt fêter le cent cinquantième anniversaire de l’émancipation
des esclaves de l’Empire britannique. Ma délégation souscrit à la proposition
des pays d’Antigua et de la Barbade de commémorer avec éclat cet
événement qui revêt, pour les pays africains et le monde noir, une
signification d’une très grande importance. Pour nous, tout ce qui pourra
être fait, dit ou organisé à travers le monde au cours des cérémonies
commémoratives devra mettre l’accent sur le terrible écot payé par l’Afrique
et le monde noir, au développement de la civilisation humaine. Ecot payé
sans retour et qui explique, sans aucun doute, les raisons de la tragédie
d’aujourd’hui sur notre continent.
Página CCXXXIX
C’est notre sang qui a nourri l’essor du capitalisme, rendu possible notre
dépendance présente et consolidé notre sous-développement. On ne peut
plus escamoter la vérité, trafiquer les chiffres. Pour chaque Nègre parvenu
dans les plantations, cinq au moins connurent la mort ou la mutilation. Et
j’omets à dessein, la désorganisation du continent et les séquelles qui s’en
sont suivies.
Monsieur le Président,
Si la terre entière, grâce à vous, avec l’aide du Secrétaire Général, parvient à
l’occasion de cet anniversaire à se convaincre de cette vérité-là, elle
comprendra pourquoi, avec toute la tension de notre être, nous voulons la
paix entre les nations, pourquoi nous exigeons et réclamons notre droit au
développement dans l’égalité absolue, par une organisation et une
répartition des ressources humaines.
C’est parce que de toutes les races humaines, nous appartenons à celles qui
ont le plus souffert, que nous nous sommes jurés, nous burkinabè, de ne
plus jamais accepter sur la moindre parcelle de cette terre, le moindre déni
de justice. C’est le souvenir de la souffrance qui nous place aux côtés de
l’OLP contre les bandes armées d’Israël. C’est le souvenir de cette souffrance
qui, d’une part, nous fait soutenir l’ANC et la SWAPO, et d’autre part, nous
rend intolérable la présence en Afrique du Sud des hommes qui se disent
blancs et qui brûlent le monde à ce titre. C’est enfin ce même souvenir qui
nous fait placer l’Organisation des Nations Unies toute notre foi dans un
devoir commun, dans un tâche commune pour un espoir commun.
Nous réclamons :
– Que s’intensifie à travers le monde la campagne pour la libération de
Nelson Mandela et sa présence effective à la prochaine Assemblée générale
de l’ONU comme une victoire de fierté collective.
– Que soit créé en souvenir de nos souffrances et au titre de pardon collectif
un Prix international de l’Humanité réconciliée, décerné à tous ceux qui par
leur recherche auraient contribué à la défense des droits de l’homme.
Página CCXL
– Que tous les budgets de recherches spatiales soient amputés de 1/10000e
et consacrés à des recherches dans le domaine de la santé et visant à la
reconstitution de l’environnement humain perturbé par tous ces feux
d’artifices nuisibles à l’écosystème
Nous proposons également que les structures des Nations Unies soient
repensées et que soit mis fin à ce scandale que constitue le droit de veto.
Bien sûr, les effets pervers de son usage abusif sont atténués par la vigilance
de certains de ses détenteurs. Cependant, rien ne justifie ce droit : ni la taille
des pays qui le détiennent ni les richesses de ces derniers.
Si l’argument développé pour justifier une telle iniquité est le prix payé au
cours de la guerre mondiale, que ces nations, qui se sont arrogé ces droits,
sachent que nous aussi nous avons chacun un oncle ou un père qui, à
l’instar de milliers d’autres innocents arrachés au Tiers Monde pour
défendre les droits bafoués par les hordes hitlériennes, porte lui aussi dans
sa chair les meurtrissures des balles nazies. Que cesse donc l’arrogance des
grands qui ne perdent aucune occasion pour remettre en cause le droit des
peuples. L’absence de l’Afrique du Club de ceux qui détiennent le droit de
veto est une injustice qui doit cesser.
Enfin ma délégation n’aurait pas accompli tous ses devoirs si elle n’exigeait
pas la suspension d’Israël et le dégagement pur et simple de l’Afrique du Sud
de notre organisation. Lorsque, à la faveur du temps, ces pays auront opéré
la mutation qui les introduira dans la Communauté internationale, chacun
de nous nous, et mon pays en tête, devra les accueillir avec bonté, guider
leur premier pas.
Nous tenons à réaffirmer notre confiance en l’Organisation des Nations
Unies. Nous lui sommes redevables du travail fourni par ses agences au
Burkina Faso et de la présence de ces dernières à nos côtés dans les durs
moments que nous t traversons.
Página CCXLI
Nous sommes reconnaissants aux membres du Conseil de Sécurité de nous
avoir permis de présider deux fois cette année les travaux du Conseil.
Souhaitons seulement voir le Conseil admettre et appliquer le principe de la
lutte contre l’extermination de 30 millions d’êtres humains chaque année,
par l’arme de la faim qui, de nos jours, fait plus de ravages que l’arme
nucléaire.
Cette confiance et cette foi en l’Organisation me fait obligation de remercier
le Secrétaire général, M. Xavier Pérez de Cuellar, de la visite tant appréciée
qu’il nous a faite pour constater, sur le terrain, les dures réalités de notre
existence et se donner une image fidèle de l’aridité du Sahel et la tragédie du
désert conquérant.
Je ne saurai terminer sans rendre hommage aux éminentes qualités de notre
Président (Paul Lusaka de Zambie) qui saura, avec la clairvoyance que nous
lui connaissons, diriger les travaux de cette Trente-neuvième session.
Monsieur le Président,
J’ai parcouru des milliers de kilomètres. Je suis venu pour demander à
chacun de vous que nous puissions mettre ensemble nos efforts pour que
cesse la morgue des gens qui n’ont pas raison, pour que s’efface le triste
spectacle des enfants mourant de faim, pour que disparaisse l’ignorance,
pour que triomphe la rébellion légitime des peuples, pour que se taise le
bruit des armes et qu’enfin, avec une seule et même volonté, luttant pour la
survie de l’Humanité, nous parvenions à chanter en chœur avec le grand
poète Novalis :
« Bientôt les astres reviendront visiter la terre d’où ils se sont éloignés
pendant nos temps obscurs ; le soleil déposera son spectre sévère,
redeviendra étoile parmi les étoiles, toutes les races du monde se
rassembleront à nouveau, après une longue séparation, les vieilles familles
orphelines se retrouveront et chaque jour verra de nouvelles retrouvailles, de
nouveaux embrassement ; alors les habitants du temps jadis reviendront
Página CCXLII
vers la terre, en chaque tombe se réveillera la cendre éteinte, partout
brûleront à nouveau les flammes de la vie, le vieilles demeures seront
rebâties, les temps anciens se renouvelleront et l’histoire sera le rêve d’un
présent à l’étendue infinie ».
A bas la réaction internationale !
A bas l’impérialisme !
A bas le néocolonialisme !
A bas le fantochisme !
Gloire éternelle aux peuples qui luttent pour leur liberté !
Gloire éternelle aux peuples qui décident de s’assumer pour leur dignité !
Victoire éternelle aux peuples d’Afrique, d’Amérique latine et d’Asie qui
luttent !
La Patrie ou la mort, nous vaincrons !
Je vous remercie.
Página CCXLIII
Canções (letras) presentes na tese
1. ZÉNABO: Issouf Compaoré
É perto de um riacho que dois burkinabê se encontraram
E eu disse a Zenabo que a amo
Zénabo soriu e sacodiu a cabeça
Se for para sermos junto, me disse, fique tranqüilo
Contudo, se for sem respeito
Isso nunca poderia ser
Então virei e me sentei na raiz de um árvore (ruanga)
Para falar a Zénabo, lhe agradecendo e lhe parabenizando
Sabe, sou pobre Zénabo – não vou te enganar
Meu pai é agricultor Zénabo. É igualmente minha profissão
De comida, nunca te faltará
E se Deus providencia, nunca faltará do que se vestir
Mas trantando dos demais assuntos Zénabo, isso, só Deus sabe
E Zénabo de me dizer que isso não é um problema
Pois se vê rico se tornar pobre
Da mesma forma, o pobre também pode vir a possuir mais dinheiro
O humano só consegue que no dia certo
Por conta disso, temos que ser humildes em fé diante de Deus pois é ele
que faz e desfaz
Muitos dizam que meninas não têm mais honra
Página CCXLIV
E quem estiver a procura de namoro, é com quem tem dinheiro
Entretanto, de tudo isso, digo eu que nesta terra, há ainda mulheres
íntegras
Pois se casamento fosse dinheiro,
Ainda estaria solteiro, sofrendo aqui
Portanto, temos que ser humildes em fé diante de Deus
Pois nisso, há coisas boas.
Canção: Issouf Compaoré - Zénabo (p. XIV)
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
OUMOU SANGARÉ, N’guatu
Moço, não tenha medo do trabalho pois ali tem uma riqueza
Moço, não tenha medo da terra pois ela carrega com si uma riqueza
Plante árvores; é uma riqueza
Crie gados; é uma riqueza
Uma riqueza não acessível a qualquer um
Incentive e ensine o trabalho
Moço, não tenha medo do trabalho campestre pois tem ali uma riqueza
A sua [o trabalho campestre] riqueza não é acessível ao preguiçoso
Onde estão os grandes de ontem
Eles se extinguiram
Sim, os grandes de ontem sumiram
Pergunte aos Fula (comunidade) do Wassulu (região do Mali), eles te informarão
Página CCXLV
Pergunte aos Malinké (comunidade); eles te dirão
que não existem mais
Pergunte às pessoas de Koutiala/Ségou/Bamako;
esses últimos estão sumidos
Pergunte ao povo de Sikasso (região); eles te dirão que hoje dia, esses grandes são pouquíssimos mas
que estão trabalhando.
Canção: Oumou Sangaré (2009) - N’guatu (p.75) Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
2. YELEEN, Vision de vie
Deus Todo Poderoso, me mostre o caminho (Refrão)
Não quero me erguer como quem dá lição
Não venho para me inserir na sua vida e suas visões
filho
Não venho para botar fogo nas suas casas
Venho só trazer minha contribuição à verdade
Há muitos jovens hoje que não sabem que somos 28
milhões no mundo a ter o HIV
A cada vez que na África seu sexo ralhar
Pense que somos 20 milhões já no túmulo filho
Matematicamente, somos os mais doentes
A juventude em falta de informação diz que são
besteiras
A gente se entrega ao sexo, ao álcool e à droga
Uns acabam na prisão e outros no necrotério
É a inconsciência crescente nas escolas
Pessoas se prostituem para a obtenção do diploma
A classe honesta vê seu sonho inacabado
Na África, os advogados terminam nos campos de
trigo
1360 FCFA (≈ R$ 10,60) por dia para as vacas na
França; tais são seus direitos
Eu choro para o cidadão médio de meu país
Página CCXLVI
Quando sei que a gente vive com menos de 600
FCFA (≈R$ 3,85)/ mês
A pobreza a uma dimensão infernal
Esta imagem se vende – mendicidade internacional
Os ONGs pululam em nossos países
Fundos são mobilizados, mas a quem isso beneficia?
Sucessões de colóquios e seminários
Subvenções para uma das numerosas festas dos
milionários
Milhões de estudantes são diplomados enquanto
uma minoria nos leva ao panteão dos suicidados
Longe de suscitar alguma rebelião
Gostaria que a gente pensa aos jovens além das
eleições
Quantos apodrecem nos campos de arroz no Sourou
enquanto você leva uma vida de churrasco
O cachorro late e a caravana passa
Do que se diz, para os pobres não tem mais lugar
É a bagunça nos supermercados
E ainda somos nós que consumimos os produtos
fora de prazo de vocês
Ao pensar nisso, temo para nossa saúde
As farmácias são caras demais e nossas mães não
podem pagar
O que explica o forte índice de mortalidade, a forte
taxa de comprimidos expostos em nossas ruas
Eu não tenho resultados às soluções
É só uma inquietação que desvendo numa canção
Certos pais não têm mais limites em sua vida
Bebem e embriagam-se com suas filhas no mesmo
bar
Qual educação herdarão os bebês de hoje em dia
Página CCXLVII
Se aos 9 anos têm a disposição um vídeo
pornográfico
Ano 2000 ou a época do numérico
Sinto vir os trompetes apocalípticos
São palavras de coração feitas para te tocar
E se não gostar, vai pode zapar.
Canção: Yeleen (2006) - Visions de vie (p. 78) Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
3. TIKEN JAH FAKOLY, Baba
Vamos pôr a nossa fé em Deus; Deus defenderá a
verdade (Refrão)
Cada dia bem cedo, baba percorre uma longa
distância a pé para ir ao campo
Ele trabalha sempre no sol, torturado pelos
wororowo1
Suas mãos carregam as feridas deixadas pela
enxada
Os talos de milhete fazem igual
Depois de tudo isso, a colheita não oferece nada a
baba
Não vejam o quanto baba o pobre sofre
Cada dia, ouço pela televisão e pela rádio que o
sucesso do país o basea-se sobre a agricultura
Mas nossos pais vivem e morem numa grande
miséria
A cidade de Abidjan (Costa de Marfim) é repleta de
braços valentes capazes de cultivar
1 Nome em línguas diula e bambara de um inseto (particularmente "chato") atraído pelo suor.
Página CCXLVIII
Não o fazem. Entretanto gostam tanto do arroz
quanto da banana
O governo abunda de braços válidos capazes de
trabalhar
Não o farão; entretanto, são eles que gerenciam as
riquezas do país
Será que não veem como baba o pobre sofre!?
Canção: Tiken Jah Fakoly (2000) - Baba (p. 81)
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
4. SALIF KEÏTA, Nou pas bouger
Do tempo da escravidão
Os africanos sofreram, padeceram
Eles foram lesados
Os brancos são em todos lugares na África
São no Senegal, na Costa do Marfim, no Mali
E como os chamam?
Chamam-se de cooperadores
Cooperadores franceses, chineses japoneses
E nós, os chamamos nossos irmãos
Minha irmã, guarde minhas bagagens
Há CRS [militares] em todos cantos com apitos nos lábios
para nos repatriar
Nou pas bouger (Não vamos ir embora) – Refrão
O branco está em todos cantos em África
E cada dia, sofremos vergonhas e humiliações
Os bombeiros são cotidianamente mobilizados
E cada dia nos matam
Os policiais são permanentemente em alerta
Cada dia são apreensões e aviões são constantemente
fretados para nos expulsar
Enquanto os negros falam o francês, o inglês, o chinês, o
japonês
Página CCXLIX
Tudo isso a fim de provar a sua digna humanidade aos
brancos
Mas sem sucesso; esforços e trabalho perdidos
Minha irmã, guarde minhas bagagens
Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios
Nos ordenando de ir embora do país
Os filhos dos brancos e dos negros nascidos aqui são
infelizes
Seus pais falam francês e suas mães falam francês
Minha irmã, guarde minhas bagagens
Pois têm policiais em todos cantos com apitos nos lábios
Nos ordenando de ir embora do país
Mas ‘’nou pas bouger’’ (não vamos ir embora).
Canção: Salif Keïta (1989), Nou pas bouger (p. 83) Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
Página CCL
5. FASO KOMBAT, Sabaabo
Desenrasque-se, trabalhe, procure obter o que
precisa, pois consegue-se na vida sempre por um
intermediário
A vida é como um karitê quase maduro. Se
acompanhar o processo devidamente, poderá
alimentar-se disso no futuro
O que você diz/faz pode te tornar escravo da vida.
Nunca se torne escravo de ninguém
Seja forte como a rocha contra a qual, impotente, o
vento resigna-se a apenas levar a folhagem a seus
pés.
Filho de família modesta, profundamente devoto, me
banhei no Alcorão por mais de uma década
Naturalmente, seu ensinamento influencia minhas
ações e comportamento, embora que cada vez menos
ao meu redor eu o manifesto
Eu poderia ter sido hustaz (erudito, mestre religioso)
ou imã em uma mesquita
Optei para o rap e o hip-hop me embarcou
Sinto muito por todos meus pais indignados
Vocês sabem muito bem que cada homem segue o
seu destino
Só vai acontecer o que Deus decidiu
Fiz cem vezes o estado da minha fé e vejo que às
vezes está estável outras vezes aumenta. Mas só o
supremo sabe se nele eu tenho fé
Eu acredito no destino, no fim do mundo e no
julgamento último
O hip-hop é um aliado, ele não me impede de rezar
Página CCLI
O hip-hop é minha profissão e se consigo manejá-lo,
pretendo mesmo trocá-lo por dinheiro
Está mal e sofre!? Então trabalhe - isso poderia te
trazer benefício de volta no futuro
Tem raiva e o ódio te anima!? Então, que não te falte
força pois a vida em si é oportunidade
Desenrasque-se, trabalhe, busca seu caminho pois a
vida dá oportunidades
Eu tenho o hip-hop na alma e o purifico no islã
Sim, siga seu caminho - a vida é oportunidade
Eu luto contra todos esses demônios com tudo que
tenho como armas
Sim, é através de um intermediário que se consegue
a vida.
Canção: Faso Kombat (2012) - Sabaabo2 (p. 112)
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
6. FASO KOMBAT, Martyrs
Foram, deixaram este mundo almejando algo
Que a terra vos seja leve
Suas almas estão no céu, mas o que almejam ficou
aqui nesta terra
Que a terra vos seja leve
As coisas boas não duram
Os grandes homens também
Seja que vêm de Durban ou do Reino Mossi
Isto não é um fato novo
2 Noção islâmica trauzindo tudo aquilo pelo qual acontece as manifestações/vontades
de Deus.
Página CCLII
Desde a época do Messia, homens lúcidos demais
são alvos – genocídios
O sistema não gosta daqueles que têm um sexto
sentido, pois são supostos ter um terceiro olho
Não faremos o luto daqueles que se atreveram a
dizer, comprometendo sua vida,
Recusar de mentir ao nome da dignidade da massa
Diante das pressões das ameaças, manter o mesmo
discurso
Não corre as ruas, homens desta estatura
Aqueles homens que desafiam tudo sem armas e
sem armaduras
Imagina a Turquia sem Ankara
Isso diz bastante não é - penso em Sankara
Os cérebros do continente são vítimas de
mascaradas
Vítimas de denunciadores covardes que se
mascaram, que rondam
Em todo o país, ainda há possibilidade de vontade
Eles posaram seu tijolo, nos pedindo de nos agarrar
nisso firmemente
Aqui no Burkina, já teve pessoas que se ilustraram
Do que colheram, nos pedem de cuidar disso
Por que a Bélgica treme quando ouve falar
‘’Lumumba’’ - selvagemente eliminado
O Ocidente caiu se rebaixando, mas Patrice
[Lumumba] não te preocupe, a África não te esquece
Aqueles que morrerem em batalha permanecerão
eternos
Página CCLIII
Independente como o nome de seu jornal, ele queria
que nenhum mal seja feito ao seu povo
Norbert Zongo é para você que minha caneta vibra -
partiu violentamente por querer uma imprensa livre
Que suas almas descansem em paz; que a terra vos
seja leve
O que está acontecendo meus? Por que as coisas
estão nesse estado?
Ao contrário do que eles queriam - seus algozes, a
gente vos imortaliza
Oraremos por vocês nas mesquitas e nas igrejas
Eu continuo minha listagem; Che Guevara, Ghandy,
Luther King, em nossas memórias permanecerão
sempre gravados como Mandela, Malcom X ou
Marcus Garvey
Nesse ritmo, o continente só pode afundar
Pois seus ativistas estão todos morrendo.
Canção: Faso Kombat feat Alif Naaba (2009) - Martyrs (p. 115)
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
7. YELEEN, Dar Es Salam
Dar es Salaam, Blaise Compaoré
Ao receber minha carta, leia-a bem antes de postar-la
Uns estão tão longe do seu palácio
Que o eco de suas queixas morre em sigilo
Dê ouvido ao povo - eles dizem a verdade
Eles gritam justiça e esperança em uma terra de paz
Mande em seguida esta pomba branca a Laurent
Gbagbo
Página CCLIV
A fim que ela acalma o fogo ardendo o coração de
Guillaume Soro
E que ela diga alto a Abdoulaye Wade que o nascer do
sol em Casamança atrasa
Será que poderia também despachar uma cópia
Para a igualdade do Norte ao Sul a Idriss Deby
Que Jacques Chirac confessa isto a Sarkozy:
A verdadeira França são as periferias, os estrangeiros
das colônias
Diga a eles, a George Bush e a Tony Blair de regar o
Iraque com rosas e eles terão o fim da guerra
Por que ódio, dor e raiva nos dizimam
Rabin, Arafat, Sharon, Israel e Palestina
Para o homem que eu sou e as palavras escritas
Há apenas Deus nos separando e me ditando
Que a conclusão de tudo está nas suas mãos
Dar-es-Salam, era a porta do destino
Amigavelmente, vossa [Excelência] Blaise Compaoré
Era o estrangeiro vindo de longe para te falar
Esta música não é feita para agradar
Ela é feita para um mundo mais equivalente.
Canção: Yeleen (2006) - Dar Es Salam (p. 116)
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul-Hadi Savadogo
8. OUMOU SANGARÉ, Maladon
Reconhecer e respeitar a humanidade alheia leva ao
melhor conhecimento da diversidade, da vida
É reconhecendo e respeitando a humanidade alheia
que pessoas se juntam à sua causa; se entrega a ti
Página CCLV
Sim, trata-se da delicadeza, da ternura que se
dedica ao humano
Preste atenção! Perceberá que filhos até deixam de
ser por falta disso
Ser anfitrião faz apelo ao mesmo princípio
E mais, vale igualmente diante dos animais
Disso, não há arrependimentos
Se acontece que ninguém te o reconhece,
Pode ter certeza que Deus o fará
Vem na minha terra!
Verá casais românticos
Experimentará também o sabor da fraternidade e da
irmandade
Ao chegar na minha terra, descobrirá como pessoas
sabem reconhecer e respeitar o humano.
Canção: Oumou Sangaré (1990) Maladon (p. 156)
Tradução: Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
9. GERALDO VANDRÉ, Pra não dizer que não falei das flores
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Página CCLVI
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Pra não dizer que não falei das flores (p. 159)
Geraldo Vandré
Página CCLVII
Oratória – defesa da tese
Boa tarde ilustres mestres - Boa tarde minhas famílias!!!!
Fala em bambara (...)
Tradução: Os Bambara dizem que: onde termina o seu
conhecimento é aí mesmo que se inicia a aprendizagem do outro.
Quer dizer que: ao ver alguém na sombra, significa sem nenhuma
dúvida que alguém fico antes no sol.
Portanto, gostaria agradecer vocês meus ilustres mestres assim
que os que me acompanharam e e vieram participar desse
momento solene e abranger igualmente meus agradecimentos a
todas e todos que, acadêmicos ou não, travaram as devidas lutas
que honram a vida e o humano para que, hoje, nesta instituição,
a minha geração e os por vir estejam se deliciando do sabor do
conhecimento.
Página CCLVIII
Dito isso, saúdo a Ufrn assim que o departamento de pós-
graduação em ciências sociais assim que todos os seus
funcionários.
Minhas saudações particulares nesse momento vão primeiramente
à minha orientadora – a Profa. Norma Missae Takeuti e em
seguida a toda a banca, meus mestres, que aceitaram se
debruçar sobre a minha tese.
Finalizo essa primeira parte agradecendo todas minhas famílias
aqui presentes ou não, pelo calor e a qualidade do
acompanhamento que para sempre fica gravado em mim.
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O que dizer sobre a tese!?
Confrontados à lógica pós-colonial, a juventude do Burkina Faso,
herdeira do espirito de resistência de Thomas Sankara – o che
africano, contra os ditames da cultura ocidental expressas
através do projeto da globalização, se destacou tanto dentro
quanto fora do continente pela sua cidadania cultural. Esta
juventude se autodeclara: Geração Sankara.
Página CCLIX
Através da Geração Sankara, nos debruçamos mais
especificamente sobre a juventude muçulmana e sua
intelectualidade que rompeu com uma tradição islâmica ancorada
na grande dinâmica do islã na África do Oeste, desde o advento
do islã na Arábia Saudita no século VII, junto ao
desenvolvimento do comércio transsaariano entre as duas
margens do Saara – o maior deserto do mundo.
Reapropriando-se da ética do islã diante da vida e das lutas
sociopolíticas, os muçulmanos da geração sankara reinventaram
as armas de luta para transformar a sua própria realidade e,
do outro lado, abraçar as justas lutas das demais sociedades
africanas através da história assim que dos diferentes povos ao
redor do mundo que, enquanto humanos, lidam no cotidiano
contra as lógicas necrófilas do capitalismo e de seus avatares.
Tratou-se na tese de analisar como pela apropriação do espaço
público burkinabê, a juventude muçulmana discute a centralidade
da questão do humano e das problemáticas sociais atreladas
nela, e aos quais, necessariamente e obrigatoriamente se deve
dar as devidas respostas.
Página CCLX
Discutimos deste modo, a proposta intrinsecamente
emancipatória da ética do islã para o desenvolvimento de
sociedades plurais e justas, conscientes da necessidade
incondicional de viver junto em bom acordo, conforme as
exigências dos direitos humanos.
Meus ilustres mestres, eis como através dos conceitos de
cidadania cultural, de espaço público, da geração sankara e da
intelectualidade da sua juventude muçulmana, eu discuti a ética
islâmica diante do humano, tanto dentro das fronteiras do
Burkina Faso, na sob região oeste africana quanto a nível
continental e mais que isso, no que diz respeito à humanidade
além das contingências geográficas, políticas e socioculturais.
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Antes de encerrar minha fala, gostaria que junto, através de
uma sabedoria africana, que refletirmos a respeito do que nos
reuniu aqui hoje, nesta tarde, além do conhecimento...
Página CCLXI
Projeção – vídeo:
1) Homenagem à ‘’Causa’1
A arte do Griot – filosofia africana
https://www.youtube.com/watch?v=AWVeC6kbNH0
2) Homenagem-sentimental à ‘’Famille’’
Lokua Kanza: Famille feat. Fally Ipupa
https://www.youtube.com/watch?v=u1H_pMGCSvI
.....
Aos que por amor e/ou
dignidade salvam almas da vida!!!
1 Sabaab (Noção islâmica traduzindo tudo aquilo pelo qual acontece as manifestações/vontades de
Deus).
P á g i n a CCLXII
CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM
BURKINA FASO: a intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da juventude muçulmana para o
desenvolvimento
Convite para a Defesa da Tese de Doutorado
Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo
Natal – RN
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
P á g i n a CCLXIII
CIDADANIA CULTURAL E ESPAÇO PÚBLICO EM BURKINA
FASO: a intelectualidade e as estratégias sociopolíticas da
juventude muçulmana para o desenvolvimento
PINGRÉWAOGA BÉMA ABDOUL HADI SAVADOGO
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como parte dos requisitos
para obtenção do título de Doutor em
Ciências Sociais.
Orientadora: Profa. Dra. Norma Missae
Takeuti
Banca Examinadora
Profª.Drª. Norma Missae Takeuti (Orientadora) Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Profª. Drª. Vânia de Vasconcelos Gico
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Profª.Drª. Ana Laudelina Ferreira Gomes Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
P á g i n a CCLXIV
Profª. Drª. Karlla Christine Araújo Souza
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.
Prof. Dr. Cláudio Alves Furtado Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos
e Africanos da Universidade Federal da Bahia.
Prof. Dr. Jose Willington Germano
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Profª. Drª. Catarina da Silva Souza Programa de Cursos de Administração e Engenharia Civil do Centro Universitário
do Rio Grande do Norte (UNI-RN).
Natal – RN 2018
P á g i n a CCLXV
Com foco na juventude urbana e muçulmana, o estudo trata da
sociedade burkinabê (Burkina Faso), apreendida em seu contexto
sociopolítico da África Ocidental, trazendo algumas informações
essenciais, do ponto de vista histórico, desde a Idade Média até os dias
atuais, como suporte de compreensão da situação econômica, social,
cultural e política do país. A região islamizada, após o advento do islã
no século VII, foi o cenário de uma corrente de reafirmação de uma
identidade islâmica que marcou a África Ocidental Francesa desde sua
independência e ao longo de todo o processo de sua descolonização. As
reivindicações da juventude burkinabê denunciando as questões sociais
que o país enfrenta no contexto da globalização oferecem muitos
elementos para a compreensão das novas dinâmicas intelectuais que,
baseadas na ética islâmica, se erguem contra a lógica neoliberal e
defendem práticas cidadãs nos espaços públicos religiosos da África do
Oeste. O islã é abordado enquanto uma epistemologia do saber que
nutre, junto aos jovens burkinabê, a sua busca e a sua vontade de
transmissão do conhecimento, não apenas religioso, mas também
cultural, político, social e científico. Através da noção de cidadania
cultural e de sua expressão no espaço público, trata-se, na presente
tese, de interrogar-se sobre a definição das "origens", bem como das
características da intelectualidade muçulmana em curso, no segmento
jovem, na sociedade burkinabê. Por outro lado, trata-se igualmente de
apreender esta mesma intelectualidade através de uma África devastada
pela cobiça dos países do Norte, o que leva a questionar a configuração
das relações no campo social e político, orientando assim as
negociações entre a pluralidade dos atores em presença.
« Assim a tarefa não é de
contemplar o que ninguém
contemplou até então. Mas sim de meditar sobre o que
está exposto ao olhar de
todos como ninguém ainda o
fez. » Schopenhauer
P á g i n a CCLXVI
Como diz a sabedoria moaga1, com uma única mão, não se apanha
a farinha necessária para cozinhar a refeição do dia. Você que acompanhou
e faz parte desse importante processo, te convido a mais um momento
de conversa com a África, a respeito do humano.
Acontecerá in-cha-Allah, terça-feira, dia 31 de julho de 2018 na Ufrn,
no Setor II de aula – CCHLA, na sala C4 às 14h 30mn.
Desde já, seja bem-vinda/bem-vindo!!!
Abdoul-Hadi
1 Comunidade sociolingüística do Burkina Faso chamado no plural de “Mossé”,
geralmente chamado ‘’Mossi’’.