scenarium · fórmulas — é preciso ter 35% de independência, 50% de teimosia genovesa e 25% de...
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© Scenarium Livros Artesanais, 2017
Revista Plural Trezentos e Sessenta
www.scenariumplural.wordpress.com
Publicação: Scenarium Livros Artesanais
Responsáveis: Lunna Guedes e
Marco Antonio Guedes
Revisão: Tatiana Kielberman e Julia Bernardes
Projeto Gráfico e Edição: Lunna Guedes
A reprodução parcial ou total desta obra,
por qualquer meio, somente será permitida
com a autorização por escrito do autor.
(Lei. no. 9.610 de 19.02.1998)
Impresso em São Paulo
Ó capitão! Meu capitão!
terminou a nossa terrível viagem,
O navio resistiu a todas as tormentas,
o prêmio que buscávamos está ganho,
O porto está próximo, ouço os sinos,
toda a gente está exultante,
Enquanto segue com os olhos a firme quilha,
o ameaçador e temerário navio;
Mas, oh coração! coração! coração!
Oh as gotas vermelhas e sangrentas,
Onde no convés o meu capitão jaz,
Tombado, frio e morto.
Ó capitão! meu capitão! ergue-te e ouve os sinos;
Ergue-te — a bandeira agita-se por ti,
o cornetim vibra por ti;
Para ti ramos de flores
e grinaldas guarnecidas com fitas —
para ti as multidões nas praias,
Chamam por ti, as massas, agitam-se,
os seus rostos ansiosos voltam-se;
Aqui capitão! querido pai!
Passo o braço por baixo da tua cabeça!
Não passa de um sonho que, no convés,
Tenhas tombado frio e morto.
WALT WHITMAN
O meu capitão não responde,
os seus lábios estão pálidos e imóveis,
O meu pai não sente o meu braço,
não tem pulso nem vontade,
O navio ancorou são e salvo,
a viagem terminou e está concluída,
O navio vitorioso chega da terrível
viagem com o objetivo ganho:
Exultai, ó praias, e tocai, ó sinos!
Mas eu com um passo desolado,
Caminho no convés onde jaz o meu capitão,
Tombado, frio e morto
E D I T O R I A L
Abro minha primeira Plural: caderno em linha
dez, como a colar papel de seda em varetas diago-
nais...
Recortar... medir... começar... Entre paredes nuas e
pés descalços, novos habitantes desencaixotam so-
nhos: colunas, contos, poesias, entrevistas, cartas,
café, chuva e outros demônios espalham ideias por
cômodos vazios.
A revista se chama PLURAL, mas bem poderia se
chamar SOMA, CONFRARIA, POSSIBILIDA-
DES... Temas se sucedem cuidadosamente guiados
pela sensibilidade de Lunna e suas mudanças de fa-
se: a escrita contemporânea em exercício de ou-
sadia, derivações da palavra, fitas negras e um sóli-
do desvario.
Passarinho de toda cor | Gente de toda cor Amarelo, rosa e azul | Me aceita como eu sou Renato Luciano
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Para fazer revista em liberdade — sem índices ou
fórmulas — é preciso ter 35% de independência,
50% de teimosia genovesa e 25% de convidados
(escritores e leitores) a agregar seu universo parale-
lo: assim, a cada edição, nos reunimos nesta mesa,
psicodélicos coelhos-lagartas-Chapeleiros a degus-
tar em pesados goles, mais um chá-da-tarde.
E porque a brincadeira é sobre diversidade, a Arte-
sã prepara as festas de escrivaninha. Marços, ju-
nhos, agostos e novembros, seu desfile de capas,
personagens e fantasias... Riscos do papel em bran-
co.
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No que é sempre estação, chega o tempo da cor e o
tempo da sombra; vento frio a redemoinhar folhas
mortas, grãos rompendo terra em novo ânimo, au-
tores a soprar, La barca que segue... Pelos milênios,
rumo aos números, aos novos passageiros.
Em edições e por tantas páginas entoamos o canto
dos malditos; escrever é conhecer de perto a cidade
que somos. O desconhecido em nós, o amável em
qualquer parte, o avesso do grito.
Voam alto nossos inéditos — enquanto palavras
criam espinhos sob a pele. Fitas de cetim bordam
recados para o futuro... A mestre e seus aprendizes
no ofício de dispersar sementes.
ADRIANA ANELI...
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Olá, Quero fazer uma revista— zine com textos nos-sos que falem do cotidiano, da vida, da realidade paralela-alternativa, das coisas que vemos e so-mos. Arte, música, literatura e tudo que nos to-ca e rasga por dentro e por fora. Eu ofereço as páginas, você as linhas. Aceita ser Plural? Ah, esse é o nome que pretendo. Vem?
Lunna Guedes — agosto / 2013
Correspondência...
Querida Myriam,
Hoje, unicamente devido a um jornal velho,
lembrei-me de você. Sua notícia, na verdade a no-
tícia de seu filme. Minto! A notícia de um filme
baseado em seu livro, virou fundo de lixo. Eu cos-
tumo guardar jornais antigos com notícias que que-
ro conhecer melhor.
Não, a notícia não citava você. Mas claro, a
gente lê “baseado” e obviamente não somos vicia-
dos em nada concreto, procuramos o baseado em
que. Foi o que fiz. Vi o filme. Comprei o livro ba-
seado. Que quase tem esse sentido de viciar a gen-
te. Na tristeza.
para Myriam Campello, autora de
“Como esquecer – anotações quase inglesas”
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Mais que suporte para um filme, esse
monólogo sem exatamente ser uma conversa
teatral, me derrubou. Suas “anotações quase
inglesas” (abro parêntesis para dizer: que sub-
título!) me derrubaram. Tudo meu por um
tempo se chamou Júlia. Meu dicionário, mi-
nha escrivaninha, minha bolsa, enfim, qual-
quer coisa que não exigisse nome tinha-se por
Júlia. Consequentemente eu me chamava Jú-
lia já que não necessito de nenhum nome.
Você cortou minha alma, fatiou minhas
verdades. Seu poço de tristeza era real, era
meu, era das pessoas que têm coragem de vi-
ver. Viver a tristeza da quase morte por ter
que viver. Continuar. Tem que continuar sabe-
se lá porquê. Que raio é esse de continuar essa
vida? Nada de Rimbaud, ou aspectos pesqui-
sáveis.
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Aden Leonardo...
Não vou aqui dissecar um livro, mesmo
porque é inútil. Não gosto da parte exata dos
estudiosos. Seja literatura ou matemática. Cla-
ro, não gosto de matemática inteira. Mas a li-
teratura tem essa capacidade de se tornar exa-
ta, naquelas palestras que os doutores de ex-
tensões difíceis de seus mestrados (subtítulos
mais tristes que a Júlia) usam.
Eu sangrei quando li. Leões e faquires
me cortaram. Alguns egípcios que guardei na
minha mente quando fui de uma tal Ordem
Mística embeberam mel numas faixas e aos
poucos fui cicatrizando. Não foi fácil tirar a
Júlia dos meus olhos castanhos com olheiras
cansadas.
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Aden Leonardo...
Eu sou a Júlia. Mas não posso ser. Quan-
do dá tempo, bem à noite visto minha oração.
Como a Júlia lamento existir.
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Minha cena — é a pele onde hábito. É dela que
sangue e alma fluem em torrentes de palavras e fa-
ço constantes rasgos em minha cena, qual se corta
uma cortina que o tempo todo tenta desbaratinar o
poeta dentro de um ridículo esconderijo.
Eu admiro aqueles que fazem de suas letras algo
desonesto, fazer tipos e caras o tempo todo é algo
que preserva a cena de qualquer crime, mas eu sou
péssimo em esconder evidências e daqui sai tudo
impregnado de mim, do que me é mais caro.
Ademais, uma mesa que permita fotos limpas e be-
las, nada exótico, apenas uma grande janela para
fluir a luz de dia e olhar apaixonado a noite lá fora.
No outono gosto do quintal, as folhas caindo dou-
radas, a árvore querendo florir e a poesia da pele
para as teclas silenciosas marcarão queimadas a la-
ser num papel para a eternidade.
Essa minha cena não é passageira, mudam-se os
planos físicos e segue a energia invisível até o dia
em que por desencanto ou desacato não mais respi-
rar.
O seu Scenarium... Marcelo Moro...
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O seu Scenarium...
Adornos são apenas flores e ervas para o chá, ocu-
pando os espaços opacos e sem alma entre os li-
vros e cadernos de anotações, e sem engano algum
nada aqui é metódico.
A escrita é sempre turbulenta, tempestade, vento e
rangeres de dentes, a organização é a calmaria, o
olho do furacão, minha cena e seu palco vistos de
um espelho.
Sempre tem café, e quase sempre vinho, ritualisti-
camente bebidos, um xamã tragando os vapores do
mundo para soltar suas visões mais enigmáticas.
Daqui me imagino atingir, ferir, fazer vibrar, sorri-
sos já me foram importantes e únicos, hoje não
mais, acho que cresci.
Ah! E vento corrente, sempre... trazendo e levando
perfumes e mensagens etéreas, é o tal fluir ... e o
tal do fluir, nada mais.
Marcelo Moro...
Correspondência...
“Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo”.
Manoel de Barros
Fico imaginando como começo essa carta e escrevo
mil vezes — dentro do meu exagero conhecido —
bom dia, mestre! Ou seria boa tarde? Também ten-
tei o Querido Manoel, Caríssimo e achei que ficou
um tanto quanto comum. Como se começam as car-
tas para quem a gente se dobra em reverência sem
ser muito igual?
Vi que Drummond em uma das cartas que te escre-
veu usou simplesmente seu nome e me encorajou a
dizer:
para Manoel de Barros.
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para Manoel de Barros.
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Manoel,
Hoje venta muito no meu quintal e desde cedo
penso nas palavras que quero te dizer. Talvez você
gostaria de saber que aquela menina que chorou ao
te entrevistar, cresceu. Ganhou poesias vida afora
e abre os braços para dançar com o vento.
Ah, é, eu falava do vento no meu quintal e a leveza
das folhas correm para um canto do muro. Olhan-
do de perto não tem tanta folha seca no pé de algo-
dão. Mas como cai!!
Quero te contar dos calangos que vivem aqui, en-
tre meu muro e a parede da casa vizinha... já vi
muitos e até fotografei eles e seus olhinhos assus-
tados. Sempre os salvo dos cães que por vezes, são
mais rápidos do que eles. Cada vez que vejo um,
lembro de você e de seu poema que fala da lagarti-
xa. Tem até a Rabicó, que perdeu parte de seu rabo
em uma dessas fugas desastradas da Lolla e Yoshi.
Aqui, a vida me parece ensaiada dentro de poemas
seus. Quando as borboletas enfeitam meu pé de
Maria Sem Vergonha e cismam de brincarem nas
minhas mãos, quando a nuvem chacoalham dentro
da bacia de água e a lua banha dentro do balde e
arranca meu riso, quando os insetos vem morar no
meu pé de boldo — hoje surgiu a lagartinha que
mede os centímetros — e eu carrego a ilusão de
que seus poemas foram desenhados aqui... bem no
meu quintal.
Mariana Gouveia... Tenho sorte de ter olho para o encanto. De ver ima-
gens nos estuques das paredes do muro. De ver o
portal que dá lugar para minhas emoções esparra-
madas na grama verde e de poder viver o lambeijo
dos meus cães quando deito no chão. De enxergar
coração em tudo que é coisa.
Tenho sorte porque lá fora, para além dos instantes
de encanto, o mundo está de ponta cabeça e não sei
se você gostaria de vê-lo como se apresenta hoje.
Talvez, aqui, no meu lugar seja um daqueles acha-
douros que você criava em seu mundo.
O meu quintal é desabitado de realidade e levo ele
na bolsa sempre que saio calçadas afora para viver
o mundo real e lá, quando o baque vem em grau
maior eu retiro um pequeno bocado para sobrevi-
ver.
O mundo está moderno demais e atravessado. En-
tão, eu busco como escape essa inteireza de criança
que meu pai ainda acha que sou e com isso tento
dar verbo às coisas que me rodeiam e bem ali, no
cantinho do espaço imaginário, perto das lanternas
chinesas eu te abraço e agradeço pela inspiração
que me ofereceu diante da palavra e tentando en-
tender a cor dos pássaros, faço o verbo: esperançar
renascer cada vez mais dentro de mim.
Um abraço,
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A palavra Espaço pode se referir ao Espaço geo-
gráfico — qualquer região ou fração de espaço do
planeta.
Público — o meio físico que é de uso comum e
posse coletiva. Sinal — um caractere invisível, re-
presentado por um intervalo unitário vazio.
A Física ainda nos brinca com o Espaço — o meio
físico que nos envolve.
Sideral — o meio físico do universo e o Espaço-
Tempo — um sistema de coordenadas.
...podemos avançar de encontro a Matemática,
com suas questão de Espaço compacto — que é
um tipo de espaço topológico ou o Euclidiano...
um tipo de espaço vetorial, que é uma ‘entidade
matemática’ formada por um conjunto de vetores,
um corpo e uma operação entre os dois.
E por fim, há entre nós o Scenarium que, enquanto
espaço — é o lugar onde respiro, alimento e regur-
gito. Me abandono e sou conduzido. Por onde ca-
minho e espero caminhar enquanto me permitir e
me permitirem. Onde sou Ser... humano, talvez.
O seu Scenarium...
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Falível e vencedor de mim.
Nesse terrarium se organizam Plurais... seres estra-
nhos-estrangeiros-e-múltiplos em demonstrar a e-
terna angústia de ser tanto e nada ser.
Nesse espaço faz-se a Arte artesanal — minimalis-
ta, o que não é simples neste mundo de desejos in-
satisfeitos e voragens de consumo, quando quase
nunca se consuma o prazer de beijos quentes nos
corpos dos textos expostos à paixão, porque vive-
mos tempos de dar selinhos e esquecimento da lín-
gua.
Obdulio Nuñes Ortega...
| minhas cartas de Clarice |
Correspondência...
amiga minha,
saudações sem tempo.
preciso compartilhar contigo imperioso e
fugidio sentimento de ineditus
que se avizinha desse nosso tempo e que
chega até mim como se para espalhar
por meus ossos incontido sentido de impotência . estarei
no futuro, mas há dúvidas . sinto por intuir . agora já não
sei em quais bifurcações nos encontraremos em vias
indiretas e já serão outros tempos/templos .
preciso de edição constante, feita em coletivo . não tenhas
dúvida: janelas substituem portas por onde passo e as
quero somente entreabertas,
à espera de cada uma de nossas indefinições previsíveis .
passaremos por marés intermitentes . abalos sísmicos
pelas cercanias conscientes nos farão
melhores (ou arquivos) . aprenderemos sem querer com o
leme automático que costuma receber a alcunha de
inconsciente . nuvens em tons de cinza soltarão chuva
colorida a nos pintar pele e alma . trovoada se nos apre-
sentará arco-íris de bonitezas que sequer imaginamos .
inventaremos tradução nova para o amor
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de toda espécie, alijado enfim de certezas . esperança
pede fôlego nessas suposições impertinentes .
terreno movediço, a cada milímetro — pisada em falso .
incerto arrepio impele esta sina desgarrada e segue à
frente, independente do que quero
vaticinar . em vão . a pena sem bardo se cala em alma
pintada de finito . descarnados ideais somem de vista .
passado envergonha fotos e futuros: demolições . cores
saem de cena, das ruas, antes de serem apagadas,
gentileza . apoio lamentos em muro invisível e não há
guarida possível para os tempos que nascem em nossas
faldas . mesmo assim podemos sorrir de nossa feliz
pequenez, compará-la a não tão distante insignificância
dimensional de estrelas, ínfimas em meio ao universo .
somos quase nada e assim nad.a.mos em
inconformismo, rio nascente . tenho os mesmos sonhos
de jardim suspenso . bordo felicidade
em qualquer dia, qual pó de aurora em horas raras .
quanto mais velhos, melhores são teus entremeios —
epistemologias de saia passadas a limpo .
nuances de improbabilidade e imprecisão .
por hora, meditemos em meio a essa queda d’água,
antes que sejamos le(a)vadas abismo a dentro .
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Andrea Mascarenhas...
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Tatiana Kielberman
O seu Scenarium... meio-mundo
entre parênteses.
Xícara de café em repouso, pensamentos à solta, ideias
de um universo particular em ebulição… Permaneço à
esquina do abismo, a esmiuçar silêncios para atentar ao
meu próprio sussurro, numa lentidão nunca antes reco-
nhecida…
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Em meu íntimo, ouço um punhado de vozes alhei-
as, que não se furtam a gritar cada uma das impre-
cisões espelhadas nesse avesso que sou… delinei-
am perversidades e acabam por somar desconfor-
tos.
Sempre me incomodaram os ruídos de dentro…
mas tenho encontrado presenças barulhentas em
excesso, cuja liberdade de apontar o dedo ao outro
se mostra absolutamente invasiva.
Enquanto sorvo mais um gole do café, busco digerir as
senhoras verdades de um mundo que não se quebra…
Por ora, tira-me o fôlego a sensação de que algumas
coisas apenas habitam outros cenários, assim como a
ansiedade pelo momento seguinte, que ainda não me
pertence…
á
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carta à Mário de Andrade
Correspondência...
Como está, Mário?
Eu, o vejo cada vez melhor, protegido dos
olhares ávidos dos marqueteiros da arte que in-
flam nomes para depois jogá-los no ocaso.
Você não o sabe, mas nascemos na mesma
data, com 68 anos de diferença. Vim à luz talvez
no mesmo lugar — Maternidade São Paulo. Não
a encontraria mais, se viesse a procura-la. A vo-
ragem desta cidade autofágica a engoliu poucos
anos antes.
Vivi os meus primeiros anos perto de onde
viveu os seus — Arouche x Aurora — caminha-
mos pelas mesmas quadras centrais. Tivemos re-
gistros fotográficos nos mesmos logradouros —
Teatro Municipal, Praça da República... Reserva-
das as devidas diferenças, gosto de pensar que,
tanto quanto eu, deve ter vivido a instabilidade
assimétrica da Balança. À vista de todos, o equi-
líbrio em pessoa, enquanto bárbaras emoções
rompem nossas fronteiras internas, a derrubar
nossa falsa integridade pétrea.
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Morreu quatro anos mais novo do que a ida-
de que tenho agora. Fico a imaginar que, ainda
assim, tenha vivido quatro vezes mais intensa-
mente do que eu, que me precavi de mim durante
muito tempo. Estou em maturação tardia, como
tudo em minha vida, contudo, eu só valho como
contraponto à sua libriana altivez. Tanto quanto
você, carrego um segredo singelamente munda-
no, que instiga a minha escrita. O seu, ainda que
dubiamente, é motivo de discussões se teria in-
fluenciado a sua produção. O que eu percebo co-
mo escritor é um homem ciente das contradições
humanas, típico de quem caminha nos limites en-
tre o corpo e a alma.
Esta nossa cidade de inspiração e vivenda,
de caminhos cruzados fora do tempo em comum,
criou um poderoso nexo de sonhos idealizados e
cumpridos, que têm como pano de fundo “Mário
de Andrade”. Essa chancela Andradina, demons-
tra a sua generosidade como pessoa, acima da
mesquinhez.
Emerson Braga
Quando comecei a tomar conhecimento de
sua obra, bem como a de outros modernistas, a-
pesar da minha simpatia ao companheiro de zo-
díaco, me aproximei mais facilmente do Os-
wald, o achei mais radical e raivoso, bem ao
gosto da fase que vivia. A sua obra só iria pene-
trar em minha perspectiva como autor mais tar-
de. Quando Macunaíma veio até mim, finalmen-
te percebi a grandeza de sua criação. Com ele, a
sua erudição quanto aos temas brasileiros, as i-
magens e as metáforas caçadas nas matas e nas
cidades, alcançaram a mitologia brasileira. Só u-
ma condição evitaria a assimilação de tamanha
força, como ocorre ainda — a nossa proverbial
preguiça.
Ter o prazer de reencontrá-lo espalhado pela
nossa cidade, como aliás desejou, através de seu
olhar imaginado pelo meu, é um exercício per-
manente. Não sou tão fiel quanto gostaria, mas
saiba que ainda que não quisesse, você gerou u-
ma prole que sonha fazer arte — a minha, pela
palavra. E é como um dos seus filhos, que eu lhe
peço a benção, pai...
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Há coisas que tardam a chegar?...
Os sucessos aos quais estamos fadados
nos alcançam por destino
ou os buscamos na via circular
que é a vida?...
360 – minha senha para operações virtuais –
homenagem à graduação da circunferência:
figura geométrica, perfeita em si mesma.
Completa, una, integral...
Porém, microscopicamente,
os percalços angulares se impõem.
Em alguma esquina do mundo,
uma topada com o dedão da unha encravada,
pode nos fazer mergulhar
na mais abjeta desintegração...
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360 : SENHA PARA A VIDA
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Muitas vezes, também vou pelo raio —
reta para cortar caminho —
direto ao desconhecido...
Estarei evitando percalços
ou chegando antes ao que me é de direito —
ao amor,
a dor,
ao prazer circulador:
ao Café,
ao cinema,
ao encontro sempre adiado,
ao supermercado,
onde compramos as nossas satisfações
mais imediatas?...
Círculo — conformação estrutural do Universo —
culto à roda: eterno retorno da energia que não se per-
de...
Passagem de estágio para estágio,
de dimensão para dimensão,
preenchido de matéria escura
que a tudo une, invisível
à nossa limitada percepção —
o Presente-Deus — deus presente,
infinito (só há o Presente),
ainda que passemos por Buracos Negros
ou De Minhocas — De Vermes
a explicar tudo...
Só não explicam o que é amar...
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Somos vermes —
assim como as ideias,
nossos corpos fenecem,
a restituírem os nossos solos — a lavrar,
em voos solos, a eternidade
em metano, hidrogênio e amônia.
Multiplicado em larvas,
em palavras...
Putrefação. Criação. Confusão.
Dissolução. Fusão. Circulação...
360 vezes 300 zilhões —
imensa massa, volume pontual — Ponto —
ponto a ponto,
sempiterno três pontos
que é viver...
OBDULIO NUÑES ORTEGA
WIL
D
NIG
HTS
Próxima edição | Novembro — 2017
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poemas, missivas, artigos literários,
contos, prosa, crônica... para:
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