sedimentos superficiais da plataforma continental ... · figueira da foz, encontra-se actualmente...

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401 Sedimentos Superficiais da Plataforma Continental Portuguesa entre Espinho e Figueira da Foz Superficial Sediments of the Portuguese Continental Shelf between Espinho and Figueira da Foz Luz, C.I, Morgado, A., Pombo, J., Matos, M. Instituto Hidrográfico – Divisão de Geologia Marinha, R.das Trinas, 49, 1249-093 Lisboa [email protected] SUMÁRIO A plataforma continental entre Espinho e a Figueira da Foz está coberta por uma camada de sedimentos, em cuja superfície é possível identificar diferentes depósitos sedimentares. Estes depósitos foram discriminados utilizando a metodologia seguida no Instituto Hidrográfico, no âmbito do seu programa SEPLAT. Neste trabalho será apresentada uma primeira cartografia dos depósitos sedimentares, apenas com base na sua granulometria. A distribuição dos depósitos foi relacionada com alguns aspectos da dinâmica sedimentar pós-glaciária e actual. Palavras-chave: Plataforma Continental, Depósitos sedimentares, Granulometria SUMMARY The continental shelf between Espinho and Figueira da Foz is covered by a non-consolidated sediment layer. In its surface different sedimentary deposits were recognized following the methodology used in the Hydrographic Institute, in the Framework of the SEPLAT Program. In this presentation, a preliminary distribution of the granulometry of the superficial sedimentary deposits will be presented Its regional distribution was associated to some aspects of the pos-glacial and actual sedimentary dynamics processes. Key-words: Continental shelf; Sedimentary deposits; Granulometry 1 – Introdução A cartografia sedimentar da plataforma continental portuguesa, que tem vindo a ser evidenciada ao longo dos anos em aplicações associadas a um vasto campo de actividades (cartas de apoio à pesca e a actividades de lazer, zonas favoráveis à exploração de materiais inertes, delimitação de fundeadouros, instalação de estruturas submarinas para aproveitamento de energia das ondas, actividades de natureza militar no âmbito das minas submarinas e estudos de propagação do som no meio marinho), originou o desenvolvimento do programa SEPLAT., cujo objectivo se traduziu na realização de um levantamento sistemático da natureza do fundo da plataforma continental e vertente superior. A finalidade do programa visou a publicação de uma série de oito cartas, à escala 1: 150 000, dos sedimentos superficiais da plataforma continental portuguesa. A carta SED2, compreendida entre Espinho e Figueira da Foz, encontra-se actualmente em fase de elaboração, pelo que o principal objectivo do presente trabalho é a apresentação da delimitação preliminar da distribuição dos depósitos sedimentares existentes na plataforma continental portuguesa na área entre a linha de costa e os 500 m de profundidade. 2 – Metodologia O Instituto Hidrográfico (IH) realizou diversas campanhas de colheita de amostras de sedimentos superficiais, assim como para obtenção de outro tipo de informação essencial à delimitação da cobertura sedimentar, nomeadamente perfis de reflexão sísmica ligeira, batimetria de precisão e de sonar de pesquisa lateral. Esta informação, não considerada no presente resumo, é essencial à delimitação das zonas rochosas (manchas a preto representadas na figura 2). As campanhas de colheita de amostras e dados geofísicos foram realizadas a bordo dos navios oceanográficos e lanchas hidrográficas da Marinha. A amostragem dos sedimentos superficiais foi efectuada segundo uma rede regular de cerca de 1

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Sedimentos Superficiais da Plataforma Continental Portuguesa entre

Espinho e Figueira da Foz

Superficial Sediments of the Portuguese Continental Shelf between

Espinho and Figueira da Foz Luz, C.I, Morgado, A., Pombo, J., Matos, M.

Instituto Hidrográfico – Divisão de Geologia Marinha, R.das Trinas, 49, 1249-093 Lisboa [email protected]

SUMÁRIO A plataforma continental entre Espinho e a Figueira da Foz está coberta por uma camada de sedimentos, em cuja superfície é possível identificar diferentes depósitos sedimentares. Estes depósitos foram discriminados utilizando a metodologia seguida no Instituto Hidrográfico, no âmbito do seu programa SEPLAT. Neste trabalho será apresentada uma primeira cartografia dos depósitos sedimentares, apenas com base na sua granulometria. A distribuição dos depósitos foi relacionada com alguns aspectos da dinâmica sedimentar pós-glaciária e actual.

Palavras-chave: Plataforma Continental, Depósitos sedimentares, Granulometria

SUMMARY

The continental shelf between Espinho and Figueira da Foz is covered by a non-consolidated sediment layer. In its surface different sedimentary deposits were recognized following the methodology used in the Hydrographic Institute, in the Framework of the SEPLAT Program. In this presentation, a preliminary distribution of the granulometry of the superficial sedimentary deposits will be presented Its regional distribution was associated to some aspects of the pos-glacial and actual sedimentary dynamics processes. Key-words: Continental shelf; Sedimentary deposits; Granulometry

1 – Introdução A cartografia sedimentar da plataforma continental portuguesa, que tem vindo a ser evidenciada ao longo dos anos em aplicações associadas a um vasto campo de actividades (cartas de apoio à pesca e a actividades de lazer, zonas favoráveis à exploração de materiais inertes, delimitação de fundeadouros, instalação de estruturas submarinas para aproveitamento de energia das ondas, actividades de natureza militar no âmbito das minas submarinas e estudos de propagação do som no meio marinho), originou o desenvolvimento do programa SEPLAT., cujo objectivo se traduziu na realização de um levantamento sistemático da natureza do fundo da plataforma continental e vertente superior. A finalidade do programa visou a publicação de uma série de oito cartas, à escala 1: 150 000, dos sedimentos superficiais da plataforma continental portuguesa. A carta SED2, compreendida entre Espinho e Figueira da Foz, encontra-se actualmente em fase de elaboração, pelo que o principal objectivo do

presente trabalho é a apresentação da delimitação preliminar da distribuição dos depósitos sedimentares existentes na plataforma continental portuguesa na área entre a linha de costa e os 500 m de profundidade. 2 – Metodologia O Instituto Hidrográfico (IH) realizou diversas campanhas de colheita de amostras de sedimentos superficiais, assim como para obtenção de outro tipo de informação essencial à delimitação da cobertura sedimentar, nomeadamente perfis de reflexão sísmica ligeira, batimetria de precisão e de sonar de pesquisa lateral. Esta informação, não considerada no presente resumo, é essencial à delimitação das zonas rochosas (manchas a preto representadas na figura 2). As campanhas de colheita de amostras e dados geofísicos foram realizadas a bordo dos navios oceanográficos e lanchas hidrográficas da Marinha. A amostragem dos sedimentos superficiais foi efectuada segundo uma rede regular de cerca de 1

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milha quadrada, diminuindo a distância entre estações em zonas mais próximas de costa e a menores profundidades (Figura 1). As amostras foram colhidas utilizando o colhedor de sedimentos Smith-McIntyre.

Todas as amostras, devidamente geo-referenciadas

deram entrada no Laboratório de Sedimentologia do IH para realização de análises granulométricas. Para

além das classes dimensionais consideradas de acordo com os limites descritos por Wenthworth (intervalos de 1φ) [2] foram calculados alguns

parâmetros de análise estatística clássica. Os métodos utilizados foram a crivagem, para as

fracções superiores a 63 µm, e a pipetagem, para a separação das fracções inferiores a 63 µm.

3 – Enquadramento da área em estudo De perfil bem desenvolvido a plataforma continental portuguesa setentrional, entre os paralelos considerados na Figura 1, apresenta-se como uma superfície francamente inclinada para W [8], longa e estreita, podendo ser subdividida em três zonas distintas de acordo com a morfologia: zona interna – entre linha de costa e os 20m; zona intermédia – até aos 100m de profundidade; zona externa – até ao bordo da plataforma [8]. A batimetria é regular, paralela à linha de costa em toda a sua extensão, localizando-se a zona mais estreita da plataforma em frente a Aveiro. A região é marcada pela existência do canhão submarino de Aveiro, que se individualiza a mais de 30 km da costa [4] e que drena indirectamente para a Planície Abissal Ibérica.

Nesta zona da plataforma continental são de salientar a existência de dois relevos importantes, relacionados com afloramentos cretácicos, o Pontal da Galega e o Pontal da Cartola, ambos condicionados pela existência de falhas [8]. estes relevos na plataforma adjacente poderão influenciar a dinâmica sedimentar, bem como contribuir como fonte sedimentar local. A rede hidrológica que existe no continente adjacente, responsável como fonte de partículas sedimentares para a plataforma continental, é pouco densa, sendo os rios com principal caudal o Douro e o Vouga. O rio Douro, cuja bacia está instalada numa região acidentada e de alta pluviosidade, contribui, mais do que qualquer outro sistema fluvial ocidental, com um elevado volume de partículas sedimentares de origem continental. As partículas mais grosseiras depositam-se imediatamente após a sua entrada no sistema marinho, alimentando os corpos sedimentares costeiros e a deriva litoral. É no entanto de referir que actualmente, com a regularização de leitos dos rios e construção de barragens, diminuiu o transporte de carga sedimentar para a plataforma, o que se traduz numa contribuição deficitária de origem fluvial [1] [4] [6]. O rio Vouga, de perfil envelhecido, não possui capacidade para drenar directamente para a plataforma os sedimentos transportados [4]. A laguna de Aveiro encontra-se ligada ao oceano por uma barra artificial, e é caracterizada por canais e esteiros que apresentam reduzida profundidade. O assoreamento progressivo desta laguna (com perda de competência das águas fluviais) reduziu o fornecimento de material sedimentar, acentuando o carácter transgressivo na zona [1]. O litoral arenoso deste sector, constitui a segunda fonte de alimentação sedimentar, eventualmente contribuindo com um maior volume sedimentar do que a descarga fluvial, dada a exposição deste troço de litoral ao hidrodinâmismo atlântico. O clima de agitação marítima ao longo do ano na costa oeste portuguesa apresenta variação sazonal dos parâmetros Altura Significativa (HM0), Período Médio (T02) e Período de Pico (TP), apresentando os mesmos valores máximos durante o período de inverno [3]. A direcção dominante situa-se entre W10N e W20N [4], com rumos predominantes de NW que originam uma corrente de deriva litoral, em geral de norte para sul. Em alguns troços costeiros podem ocorrer inversões na direcção das correntes. Na HM0 as médias mensais oscilam entre 1.1m e 2.6m na Figueira da Foz, o T01 situa-se entre 5 e 9s e no TP os valores médios oscilam entre 8 e 13s. É de referir que a Figueira da Foz apresenta os valores mais elevados de altura significativa na costa oeste [3]. As marés são do tipo semi-diurno, propagando-se de sul para norte.

Figura 1. Localização dos pontos de amostragem dos sedimentos superficiais.

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As correntes superficiais N-S são as principais correntes verificadas na costa ocidental portuguesa, fazendo-se sentir para S e para N, de acordo com a influência dos ventos [10] e junto à costa a acção das correntes de deriva litoral [4], faz-se essencialmente para sul. A profundidades superiores a 200 m, a circulação, originada na “corrente Este” tem sentido S-N, e a maiores profundidades gera-se uma corrente fraca de direcção N-S [1]. Segundo [4] e [8], as características morfo-sedimentares da plataforma continental são

consequência da evolução atlântica verificada nos últimos 20 000 anos, altura em que ocorreu o Último Máximo Glaciário [7]. Vários movimentos de natureza eustática e isostática induziram episódios de natureza transgressiva e regressiva que afectaram profundamente os sistemas sedimentares [8]. De acordo com o esquema referido pelos autores citados e ainda [9], as variações do nível do mar, reflectiram-se na evolução dos ambientes sedimentares e na natureza dos depósitos sedimentares da margem ocidental ibérica [9].

Fig 2. Esboço da distribuição dos depósitos sedimentares da Folha SED 2, de acordo com as suas características granulométricas e localização. A elevação do nível do mar até à actualidade não se traduziu numa subida gradual, verificando-se curtos períodos de abaixamento [9]. O nível do mar encontrava-se situado a -130 a -140 m durante o Último Máximo Glaciário e, progressivamente, terá subido para os -100 m, altura em que estabilizou, há 16000 anos. Há 13000 anos, iniciou novamente o seu movimento de subida de cota, atingindo os –40 m entre 12000 e 11000 anos, altura em que devido ao episódio ocorrido no Dryas Recente, desceu rapidamente até atingir a cota –60 m. No início do Holocénico, há cerca de 10000 anos, deu-se o último período rápido de subida do nível médio do mar, até atingir a cota actual, há cerca de 3500 anos [9].

A preservação dos traços morfológicos costeiros (paleo-litorais), associado a determinado período, está relacionada não só com a submersão rápida e consequente diminuição dos níveis energéticos por forma a preservar a deposição efectuada em regimes hidrodinâmicos de alta energia, como também com o regime hídrico e respectivo caudal sólido. Segundo [2] e [4] o comportamento provável do nível relativo do mar na região estudada apontam os períodos mais favoráveis para a geração de formas costeiras preservadas, os que ocorreram há cerca de 14 000 anos e 11 000 anos. 4. Resultados

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A observação dos perfis de natureza geofísica permitiu a delimitação de afloramentos rochosos, de expressão morfológica irregular. Esses afloramentos encontram-se distribuídos numa faixa que se estende paralelamente à linha de costa, na plataforma média. Na Figura 2, está representado um esboço da distribuição dos depósitos sedimentares superficiais, tendo como critério unicamente a respectiva granulometria. Conforme se pode constatar, a cobertura sedimentar apresenta granulometria bastante grosseira, predominando os depósitos arenosos, que apresentam uma disposição paralela à batimetria e que se alinham segundo a direcção N-S. As amostras com características mais grosseiras (areia cascalhenta e cascalho arenoso), observam-se preferencialmente na zona da plataforma média, onde ocupam uma grande extensão. A análise da evolução de paleoambientes, bem como o carácter grosseiro destes depósitos, permitiu adiantar que, provavelmente, se tratarão de depósitos herdados de antigos ambientes litorais, quando o nível do mar se encontrava entre os 110 m e os 60 m de profundidade [5]. Estes depósitos encontrar-se-ão expostos possivelmente devido à ausência de sedimentação actual. A plataforma externa está, na generalidade, coberta por areias lodosas. Estes depósitos poderão ter uma origem mista, ou seja, são constituídos por partículas mais grosseiras, herdadas de ciclos de sedimentação antigos, misturadas com as partículas mais finas de origem provavelmente mais recente ou mesmo actual. Na actual plataforma interna, a profundidades inferiores a 30-40 m e associadas aos processos de deriva litoral, verifica-se existência de areias finas. O volume sedimentar actual deverá apresentar-se pouco acentuado, o que poderá traduzir-se no favorecimento à preservação de antigos depósitos. Os depósitos mais finos deste sector da margem portuguesa são encontrados a sul da área cartografada, em áreas protegidas por afloramentos rochosos. 5. Conclusões A cobertura de sedimentos não consolidados, na zona entre Espinho e a Figueira da Foz, parece reflectir as condições hidrodinâmicas e os processos de alimentação sedimentar actuais e herdados de ciclos sedimentares de idade inferior a 18 000 anos. De uma forma geral, a cobertura sedimentar é muito grosseira, não se verificando locais privilegiados de acumulação de depósitos finos. Os depósitos que reflectem uma dinâmica actual são os depósitos junto ao litoral (Areia Fina) e os depósitos de Areia Lodosa da plataforma externa. Nestes últimos a componente actual é dada pelas fracções mais finas. Todos os restantes depósitos são, maioritariamente herdados de ambientes passados, em que partículas muito mais grosseiras eram debitadas para a plataforma e havia um forte dinamismo litoral.

Futuros estudos, a efectuar nesta área e tendo em vista a publicação da Folha SED 2, versarão sobre a natureza destes depósitos. 6. Referências Bibliográficas [1] Abrantes, I. (1994) - A cobertura sedimentar da plataforma e da vertente continental superior entre Espinho e Aveiro. Dissertação de mestrado, Univ. Aveiro. 178 pp. (não publicado). [2] Boogs, S. (1995) – Principles of Sedimentology and stratigraphy. 2ndedition. Prentice-Hall, New Jersey [3] Costa, M.D. (1992/93/94) – Agitação marítima na costa portuguesa. Anais do Instituto Hidrográfico 13, 35-40 pp. [4] Dias, J.M.A. (1987) - Dinâmica Sedimentar e Evolução Recente da Plataforma Continental Portuguesa Setentrional. Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa. 384 pp. (não publicado). [5] Dias, J.M.A. Boski, T.;Rodrigues, A.; Magalhães, F. (2000) – Coast line evolution in Portugal since the Last Glacial Maximum until present – a synthesis. Marine geology, 170:177-186 pp. [6] Magalhães, F. (1999) - Os sedimentos da plataforma continental portuguesa. Contrastes espaciais, perspectiva temporal, potencialidades económicas”. Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa, 289 pp. (não publicado). [7] McIntyre, A.,Kipp, N.C.,Be, A.W., Crowley, T.,Kellog, T., Gardner, J.V., Prell, W., Ruddiman, W.F. (1976) – Glacial North Atlantic 18000 years ago:a CLIMAP reconstruction. Geol.Soc. Am. Memoir 145, 43-76 pp. [8] Rodrigues, A. (2004) - Tectono-estratigrafia da plataforma continental setentrional portuguesa. Documentos Técnicos do IH, 35:227pp. [9] Rodrigues, A.,Dias, J.M.A. (1989) – Evolução pós-glaciária da plataforma continental portuguesa a norte do cabo Mondego. Anais do Instituto Hidrográfico 10, 39-50 pp. [10] Oliveira, A. (2001). Dinâmica da Matéria Particulada em Suspensão na Plataforma continental Minhota e sua relação com a cobertura sedimentar. Tese de Doutoramento, Univ. de Faro, 278pp (não publicado).