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R. Bras. Ci. Solo, 33:455-465, 2009 POTENCIAL DE QUATRO ESPÉCIES HERBÁCEAS FORRAGEIRAS PARA FITORREMEDIAÇÃO DE SOLO CONTAMINADO POR ARSÊNIO (1) Roseli Freire de Melo (2) , Luiz Eduardo Dias (3) , Jaime Wilson Vargas de Mello (3) & Juraci Alves de Oliveira (4) RESUMO A fitorremediação de solos e substratos contaminados por elementos tóxicos tem despertado crescente interesse entre pesquisadores e técnicos. Particularmente em relação ao As, o obstáculo ao emprego desta técnica é o pequeno número de espécies identificadas capazes de acumular este elemento. O objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial de plantas de estilosante (Stylosanthes humilis HBK), amendoim (Arachis pintoi Krapov. & Gregory), aveia (Avena strigosa Schreb) e azevém ( Lolium multiflorum Lam.) como espécies fitorremediadoras de áreas contaminadas por As. Amostras de Latossolo Vermelho- Amarelo foram incubadas por 15 dias com diferentes doses de As: 0; 50; 100; e 200 mg dm -3 . Em seguida, realizaram-se a semeadura das quatro espécies e as respectivas adubações. Aos 65 dias após a semeadura, as plantas foram avaliadas quanto à altura, à matéria seca da parte aérea e raízes. Determinaram-se os teores de As nas folhas jovens, intermediárias e basais, no caule e nas raízes, bem como o conteúdo e o índice de translocação (IT) de As. Por meio de análises de regressão, foram estimados os teores críticos (TC) de As disponíveis no solo, que proporcionaram redução de 50 % da matéria seca. As espécies estudadas apresentaram comportamento diferenciado quanto à tolerância ao As, com destaque para azevém, amendoim e estilosante, que não apresentaram lesões foliares decorrentes de fitotoxidez por esse elemento. Os TC para as plantas de aveia e azevém foram significativamente superiores aos observados para as demais espécies, caracterizando-as como espécies tolerantes ao As. As plantas de (1) Extraído da Tese de Doutorado apresentada, pelo primeiro autor, ao programa de Pós-graduação em Solos e Nutrição de Plantas da Universidade Federal de Viçosa – UFV. Pesquisa conduzida com recursos do CNPq, CT-Mineral e da Rio Paracatu Mineração. Recebido para publicação em dezembro de 2006 e aprovado em janeiro de 2009. (2) Pós-Doutoranda (PDJ-CNPq), Departamento de Solos, Universidade Federal de Viçosa – UFV. CEP 36570-000 Viçosa (MG). E- mail: [email protected] (3) Professor do Departamento de Solos, UFV. Bolsista do CNPq. E-mails: [email protected]; [email protected] (4) Professor do Departamento de Biologia Geral, UFV. E-mail: [email protected] SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE AMBIENTAL

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POTENCIAL DE QUATRO ESPÉCIES HERBÁCEASFORRAGEIRAS PARA FITORREMEDIAÇÃODE SOLO CONTAMINADO POR ARSÊNIO(1)

Roseli Freire de Melo(2), Luiz Eduardo Dias(3), Jaime Wilson Vargasde Mello(3) & Juraci Alves de Oliveira(4)

RESUMO

A fitorremediação de solos e substratos contaminados por elementos tóxicostem despertado crescente interesse entre pesquisadores e técnicos.Particularmente em relação ao As, o obstáculo ao emprego desta técnica é opequeno número de espécies identificadas capazes de acumular este elemento. Oobjetivo deste trabalho foi avaliar o potencial de plantas de estilosante (Stylosantheshumilis HBK), amendoim (Arachis pintoi Krapov. & Gregory), aveia (Avenastrigosa Schreb) e azevém (Lolium multiflorum Lam.) como espéciesfitorremediadoras de áreas contaminadas por As. Amostras de Latossolo Vermelho-Amarelo foram incubadas por 15 dias com diferentes doses de As: 0; 50; 100; e200 mg dm-3. Em seguida, realizaram-se a semeadura das quatro espécies e asrespectivas adubações. Aos 65 dias após a semeadura, as plantas foram avaliadasquanto à altura, à matéria seca da parte aérea e raízes. Determinaram-se os teoresde As nas folhas jovens, intermediárias e basais, no caule e nas raízes, bem como oconteúdo e o índice de translocação (IT) de As. Por meio de análises de regressão,foram estimados os teores críticos (TC) de As disponíveis no solo, queproporcionaram redução de 50 % da matéria seca. As espécies estudadasapresentaram comportamento diferenciado quanto à tolerância ao As, comdestaque para azevém, amendoim e estilosante, que não apresentaram lesõesfoliares decorrentes de fitotoxidez por esse elemento. Os TC para as plantas deaveia e azevém foram significativamente superiores aos observados para as demaisespécies, caracterizando-as como espécies tolerantes ao As. As plantas de

(1) Extraído da Tese de Doutorado apresentada, pelo primeiro autor, ao programa de Pós-graduação em Solos e Nutrição dePlantas da Universidade Federal de Viçosa – UFV. Pesquisa conduzida com recursos do CNPq, CT-Mineral e da Rio ParacatuMineração. Recebido para publicação em dezembro de 2006 e aprovado em janeiro de 2009.

(2) Pós-Doutoranda (PDJ-CNPq), Departamento de Solos, Universidade Federal de Viçosa – UFV. CEP 36570-000 Viçosa (MG). E-mail: [email protected]

(3) Professor do Departamento de Solos, UFV. Bolsista do CNPq. E-mails: [email protected]; [email protected](4) Professor do Departamento de Biologia Geral, UFV. E-mail: [email protected]

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amendoim e estilosante apresentaram maior capacidade de absorção e maior ITde As para a parte aérea. As plantas de amendoim apresentaram maiores teoresnas folhas basais e raízes, mostrando potencial para serem utilizadas em programasde fitorremediação. As plantas de azevém, amendoim e estilosante podem serutilizadas na fitoestabilização e, ou, na revegetação de áreas contaminadas por As,uma vez que apresentaram tolerância a esse elemento. Por se tratar de espéciesforrageiras, quando utilizadas para esses fins, cuidados especiais são necessários,como o isolamento da área, para evitar a entrada do elemento na cadeia trófica.

Termos de indexação: arsenato, Stylosanthes humilis, Arachis pintoi, Avena sativa,Lolium multiflorum.

SUMMARY: POTENTIAL OF FOUR HERBACEOUS FORAGE SPECIES FORPHYTOREMEDIATION OF A SOIL CONTAMINATED WITHARSENIC

The decontamination of soils and substrates contaminated with arsenic throughphytoremediation techniques has attracted increasing interest of researchers and specialists ofenvironmental sciences. This study aimed to evaluate the potential of the species townsvillestylo (Stylosanthes humilis HBK), forage peanut (Arachis pintoi Krapov. & Gregory), oat(Avena strigosa Schreb), and ryegrass (Lolium multiflorum Lam.) for phytoremediation ofarsenic-contaminated soils. Samples of a Red Yellowh Latossol (Oxisol) were incubated withdifferent doses of arsenic (0; 50; 100 and 200 mg dm-3). After this incubation period, the fourspecies were sown and, after germination, soil samples were fertilized accordingly. Sixty fivedays after sowing, plants were evaluated for height and biomass weight of roots and shoots.Arsenic content in young, intermediate, and old leaves, stem and roots and the As-translocationindex (IT) were determined. By regression analysis we estimated the critical contents foravailable arsenic (TC) in soil which reduced the biomass production by 50 %. The speciesdiffered in As-tolerance; no morphologic symptoms of As toxicity were observed for ryegrass,forage peanut and townsville stylo. The TC values for oat and ryegrass were high. In foragepeanut and townsville stylo plants the absorption and shoot translocation of arsenic werehigher, but the potential of forage peanut for phytoremediation programs is greater. Ryegrass,peanut and stylo plants can be used in phytostabilization and / or the revegetation of As-contaminated areas. When forage species are used with phytoremediation purposes, specialcare is needed, such as the isolation of the area, to avoid the entry of the element into the food chain.

Index terms: arsenate, Stylosanthes humilis, Arachis pintoi, Avena sativa, Loliummultiflorum.

INTRODUÇÃO

A destruição da cobertura vegetal em áreascontaminadas por elementos tóxicos agrava adegradação do solo, promovendo erosão hídrica e eólicae a lixiviação dos contaminantes para o lençol freático,desencadeando progressivo grau de contaminação deoutras áreas. A recuperação desses ambientes exigeestudos de diversas naturezas sobre solo, vegetação eágua (Cunningham et al., 1996) e, em se tratando derevegetação, a identificação de espécies tolerantes oucom capacidade de acumular os contaminantesmostra-se fundamental para o sucesso do processo.

O As é um elemento-traço altamente tóxico paraos seres vivos. Em solos não contaminados, podemser encontrados teores inferiores a 10 mg kg-1

(Adriano, 2001). Em áreas contaminadas, seu teor

pode chegar a valores três mil vezes superiores a esse(Vaughan, 1993). A fitorremediação tem sidoconsiderada uma técnica emergente e de baixo custopara a “limpeza” de áreas contaminadas por elementostóxicos (Accioly & Siqueira, 2000). No entanto, aindaé restrito o número de espécies com capacidade paraacumular As.

Teores elevados de As no solo podem ser resultantesde ações antropogênicas, por meio do uso de pesticidas(herbicidas e fungicidas), fertilizantes, mineração deAu, Pb, Cu e Ni, e combustão de carvão (Smith et al.,1998; Baird, 2002).

Substratos contaminados por As são encontradosem áreas de mineração de Au, Cu, U, por exemploassociados a sulfetos metálicos como a arsenopirita(AsFeS) (Benzaazoua et al., 2004). No Brasil, umadas áreas mais problemáticas quanto à presença de

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As em substratos, e consequentemente em águas deconsumo humano, é a região do Quadrilátero Ferríferono Estado de Minas Gerais. Os locais de maiorimpacto são áreas próximas a minas de Au, como nosmunicípios de Nova Lima, Ouro Preto, Raposos,Mariana, Santa Bárbara (Deschamps et al., 2003,Borba et al., 2004) e João Pinheiro (Ribeiro Jr., 2002).

A revegetação desses substratos é dificultada pelafalta de informações sobre espécies tolerantes, oumesmo fitorremediadoras de As. Nesse sentido, aseleção de espécies tolerantes ao As para revegetaçãode solos e substratos contaminados tem papelfundamental no processo inicial de recuperaçãoambiental.

O conhecimento dos padrões de absorção, detranslocação e de acúmulo de íons como o As; doslimites de tolerância e dos sintomas de fitotoxidez dasespécies com potencial para a fitorremediação torna-se de grande importância acadêmica e tecnológica(Huang & Cunningham, 1996). Nesse âmbito,técnicas de aplicação in situ com o uso de plantas naimobilização e, ou, estabilização de elementos-traçono solo possuem custo-benefício mais atraente do queoutras técnicas de remediação físico-química ex situ(Glass, 1997; Susarla et al., 2002).

O acúmulo de As nos tecidos vegetais varia comsua disponibilidade no meio e com o metabolismo daplanta, o qual está diretamente relacionado amecanismos de tolerância (Marin et al., 1993). Emplantas, a toxicidade por As pode ser evidente sobdiversas maneiras, tais como murchamento das folhas,crescimento lento das raízes e parte aérea, folhas comnecrose, cor arroxeada, e finalmente morte da planta(Woolson et al., 1971; Adriano, 1986).

Um dos objetivos iniciais do uso de plantasforrageiras em áreas degradadas é a cobertura do soloa fim de reduzir os processos erosivos e aumentar aentrada de nutrientes no sistema, principalmente oN, por leguminosas forrageiras. Assim, umacaracterística importante a ser considerada é ahabilidade dessas plantas em cobrir o solo rapidamentee melhorar sua fertilidade (Barradas et al., 2001), bemcomo sua eficiência em ciclar seus nutrientes. Porémalguns cuidados devem ser tomados quando se tratade espécies forrageiras, pois elas podem apresentarpotencial para acumular os metais e entrar na cadeiatrófica, por isso é importante o isolamento da área.

Este trabalho teve como objetivo avaliar o potencialde quatro espécies herbáceas forrageiras para seremutilizadas como espécies fitorremediadoras de um solocontaminado por As.

MATERIAL E MÉTODOS

O ensaio foi realizado em casa de vegetação doDepartamento de Solos, na Universidade Federal deViçosa. Amostras subsuperficiais de Latossolo

Vermelho-Amarelo (20–40 cm) provenientes do mu-nicípio de João Pinheiro-MG (Quadro 1) foramdestorroadas, peneiradas (∅ < 4 mm) e incubadaspor 15 dias com As nas doses de 0; 50; 100; e200 mg dm-3, na forma de Na2HAsO4. As doses de Asforam calculadas por meio de curvas de incubação,com base no valor de As e P remanescentes. Os bai-xos valores de P-rem e As-rem refletem a alta capaci-dade de adsorção de As pelo solo (Quadro 1), que re-sultaram em teores disponíveis de 0,0; 12,8; 26,8; e58,7 mg dm-3, de As pelo extrator Mehlich-3, para asdoses aplicadas. Para o controle do método das aná-lises de As foi utilizada uma amostra-padrão de refe-rência GBW07603, composta por ramos e folhas dearbustos cultivadas em áreas de mineração de Zn ePb na China, fornecida pelo Institute of Geophysicaland Geochemical Exploration-Langtang-China.

As doses de Na foram, respectivamente, de 15,4;30,8; 61,6 mg dm-3 para as doses de 50, 100 e200 mg dm-3 de As. Em teste com feijão-de-porco, nãoforam detectados efeitos de toxicidade nas plantas comas doses equivalentes de Na na forma de NaCl. Nesseteste, realizado com o mesmo solo, a condutividadeelétrica no solo (relação solo-água de 1:1, conformeCamargo et al., 1986) variou de 116 a 314 μS cm-1.

Após o período de incubação, amostras de 1,39 dm3

de solo (equivalente a 1,8 kg de solo) foramacondicionadas em vasos plásticos onde foramplantadas (sementes pré-germinadas) as espécies deestilosante (Stylosanthes humilis HBK), amendoimforrageiro (Arachis pintoi Krapov. & Gregory), azevém(Lolium multiflorum L.) e aveia-forrageira (Avenasativa L.). Oito dias após a emergência, realizou-se odesbaste mantendo-se três plantas por vaso, paraamendoim e estilosante, e 20 plantas por vaso, paraazevém e aveia. A fim de garantir o adequadosuprimento de N às plantas e por não ser o objetivodeste trabalho avaliar a fixação simbiótica de N2,optou-se pela não-inoculação das sementes combactérias fixadoras de N2.

A adubação com macronutrientes foi realizada aosnove dias após a emergência, aplicando-se 60 mg dm-3

de N, 100 mg dm-3 de P e de K e 50 mg dm-3 de Mg,na forma de soluções de fosfato de amônio, nitrato deamônio, fosfato de cálcio, fosfato de potássio e sulfatode magnésio. Para todas as espécies, a adubaçãonitrogenada foi parcelada em duas aplicações: aos novee aos trinta e cinco dias após emergência.

As adubações com micronutrientes foramrealizadas na forma de soluções e parceladas em quatroaplicações (aos 15, 30, 45 e 60 dias após a emergência),nas doses totais de 0,81; 3,66; 4,00; 1,33; 0,15; e1,56 mg dm-3 de B, Mn, Zn, Cu, Mo e Fe,respectivamente (Alvarez V., 1974).

O experimento foi conduzido em casa de vegetação,num delineamento em blocos casualizados com trêsrepetições. Durante o período experimental, astemperaturas variaram de 20,4 a 31,3 °C, e a médiamensal da umidade relativa variou de 69,0 a 49,8 %.

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Aos 65 dias após a semeadura, foram determina-dos a altura e o diâmetro das plantas. A seguir, alasforam cortadas ao nível do solo. Os tecidos vegetaisforam separados em folhas jovens (FJ), folhas inter-mediárias (FI), folhas basais (FB), caule (C) e raízes(R). Como folhas jovens foram consideradas as folhastenras, não expandidas completamente, e os brotos.As folhas maduras e em estádio de senescência (ama-reladas) foram consideradas basais, e as demais comofolhas intermediárias. As raízes das plantas foramlavadas com água de torneira até a retirada completado solo e, posteriormente, permaneceram por aproxi-madamente 1 min em solução de HCl 0,1 mol L-1 pararemoção do As aderido superficialmente às raízes (Tu& Ma, 2003). Em seguida, as raízes foram lavadasvárias vezes com água deionizada. Para a determi-nação do peso da matéria seca, as diferentes partes daplanta foram secas em estufas de circulação forçadade ar, a 60–70 °C, até peso constante (aproximada-mente 72 h).

Para determinar o teor de As nas diferentes partesdas plantas, amostras de 1,00 g de material seco efinamente triturado foram submetidas à digestãonítrico-perclórica 3:1 (Tedesco et al., 1995). Asamostras foram levadas para bloco digestorcontrolando a temperatura: inicialmente de 50 °C, poraproximadamente 30 min; 100 °C, por mais 30 min,e finalmente entre 160 e 180 °C até completar adigestão. A determinação dos teores de As nos extratosdas plantas e As disponível no solo (Mehlich-3) foirealizada por espectrometria de emissão atômica, complasma induzido em argônio (ICP/AES).

Em função da quantidade acumulada de As nosseus diferentes compartimentos, e dos sintomas detoxicidade apresentados pelas espécies, as plantasforam classificadas quanto ao caráter de tolerância epotencialidade para fitorremediação ao As. Por meioda análise de regressão, considerando-se a matériaseca da parte aérea produzida em função das doses de

As aplicadas, foram estipuladas as doses de As queproporcionaram a redução de 50 % da matéria secada testemunha. As equações de regressão para osteores de As disponíveis no solo, em função das dosesde As aplicadas, permitiram estimar o teor de Asdisponível (teor crítico) no solo que proporcionou aredução de 50 % da matéria seca produzida.

Os conteúdos de As nas raízes e na parte aérea e ototal foram calculados com base nos teores e nasproduções de matéria seca. A partir desses valores,calculou-se o índice de translocação (IT) do As, de acordocom a seguinte equação (Abichequer & Bohnen, 1998):

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sintomas de toxidez, produção de matériaseca e altura de plantas

A partir da primeira semana de exposição ao As,as plantas de aveia submetidas à dose de 200 mg dm-3

apresentaram redução no crescimento e lesões nasfolhas basais, resultantes da toxidez por As (Figura 1),sintomas descritos por diversos autores ( Ma et al.,2001; Shaibur et al., 2008). Apesar desses sintomas,essas plantas toleraram o estresse causado pelo Asdurante todo o período experimental. Houve reduçãosignificativa na produção de matéria seca e nocrescimento, sem, contudo, ocorrer morte das plantas.Ribeiro Jr. (2002) observou a morte de plantas de sorgoem solos com um teor de As disponível de 26,9 mg dm-3.Nas plantas de aveia, teor disponível a partir de13,4 mg dm-3 provocou queda na produção de matériaseca. Entretanto, neste estudo, o teor de 58,7 mg dm-3

de As disponível (dose de 200 mg dm-3) ainda não foisuficiente para provocar a morte das plantas.

Quadro 1. Características químicas e físicas da amostra do solo utilizado no experimento

(1) Extrator Mehlich-1 (Mehlich, 1978, 1984). (2) Extrator KCl 1 mol L-1. (3) Acidez potencial em pH 7,0 extraída com acetato decálcio 1 mol L-1. (4) Método da pipeta (Embrapa, 1997). (5) Embrapa (1997). LVA: Latossolo Vermelho-Amarelo; P-rem: fósfororemanescente e As-Rem: arsênio remanescente do solo, conforme Alvarez V. et al. (2001) e Ribeiro Jr. (2002), respectivamente.

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As plantas de aveia, amendoim e estilosante tive-ram a matéria seca severamente alterada, sendo maisevidente nas plantas da última espécie esse retarda-mento no crescimento das plantas pode ser devido àtoxicidade causada pelo As, porém as plantas de amen-doim e estilosante não apresentaram lesões foliares,quando submetidas à dose de 200 mg dm-3. As plan-tas de azevém apresentaram maior tolerância ao As,

sendo menos influenciada que as demais, com redu-ções da produção de matéria seca na ordem de 17 % e38 % para parte aérea e de 13 % e 15 % para o siste-ma radicular, nas doses de 100 e 200 mg dm-3, res-pectivamente, em relação às plantas-controle. Na dosede 100 mg dm- 3 de As, as plantas de aveia, amendo-im e estilosante apresentaram alguma tolerância comdecréscimos na produção de matéria seca de 10 , 42 e51 %, respectivamente. A redução de matéria secafoi resultante dos efeitos das doses no crescimento dasplantas, as quais apresentaram efeito significativosobre a altura de plantas (p ≤ 0,01). A análise de re-gressão resultou no ajuste de modelos de resposta raizquadrada, quadrático e linear, indicando redução daaltura das plantas com o aumento das doses de As(Figura 3). Entre as espécies estudadas, a aveia teve aaltura mais afetada, com redução de até 45 %, seguidade estilosante (33 %), azevém (29 %) e amendoim (25 %)em relação às plantas do tratamento controle.

As plantas de estilosante e amendoim apresentaramcerta tolerância, pois, mesmo com redução na altura(Figura 3) e na matéria seca da parte aérea e raízes,não apresentaram lesões foliares durante o períodoexperimental. Deve-se levar em consideração que, aofinal do experimento (65 dias), as plantas estavamemitindo botões florais, indicando que possivelmentecompletariam o ciclo reprodutivo.

Figura 2. Matéria seca de raízes (MSR), parte aérea (MSPA) e total (MST) de aveia (a), azevém (b) amendoim(c), estilosante (d) submetidas a diferentes doses de As, cultivadas em amostras de um LVA de JoãoPinheiro-MG. **, * e ns: significativo de doses a 1 e 5 % e não-significativos, respectivamente.

Figura 1. Redução no crescimento e sintomas visuaisde toxidez por arsênio em folhas de aveiasubmetidas às doses de 0 mg dm-3 de As(controle) e 200 mg dm-3 aos 65 dias após asemeadura.

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Teores e conteúdos de As nos diferentes com-partimentos das plantas

Como método de controle das análises de As, foiutilizada uma amostra-padrão de referênciaGBW07603, que resultou em uma taxa de recuperaçãode 94 % do As contido na amostra.

O aumento das doses de As no solo resultou noaumento significativo (p ≤ 0,01) dos teores de As nasdiferentes partes das plantas para todas as espéciesestudadas (Quadros 2 e 3). As diferentes folhas (jovens,

intermediárias e basais) das plantas de aveia, azevéme amendoim apresentaram teores elevados de Asquando comparados com a faixa considerada normal,que é de 0,1–5,0 mg kg-1 (Wauchope, 1983).

Os teores de As na parte aérea das plantas deamendoim foram menores em relação aos das demaisespécies. Essa diferença de comportamento entre asespécies pode ter base genética ou fisiológica, como apossível existência de fitoquelatinas nas raízes, capa-zes de complexar e transportar o As para o vacúolo,evitando assim a toxidez das plantas (Ma et al., 2001).De modo geral, o As na parte aérea de todas as espéci-es obedeceu ao sentido acrópeto, com os maiores teo-res nas folhas basais seguida de folhas intermediári-as, folhas jovens e caule, indicando pequenatranslocação. Nesse sentido, foram observados maio-res teores de As no sistema radicular (Quadro 2), evi-denciando assim pouca translocação para a parte aé-rea. Esse comportamento também foi constatado porTu & Ma (2003). Diante das inúmeras comprovaçõescitadas na literatura de que o As e P são análogosquimicamente no solo (Schmöger et al., 2000; Tu &Ma, 2003), na planta eles têm comportamento dife-renciado (Creger & Peryea, 1994; Tu & Ma 2003;Schmöger et al., 2000). A distribuição do As na plan-ta se dá no sentido inverso ao do P, que é bastantemóvel, sendo redistribuído com facilidade dos tecidosmais velhos para os mais novos (Novais & Smyth,1999).

Quadro 2. Teores de As em folhas jovens (FJ), folhas intermediárias (FI), folhas basais (FB), no caule (C) enas raízes (R) de plantas de aveia, azevém, amendoim e estilosante em resposta a diferentes doses de Asaplicadas em amostras de um LVA de João Pinheiro-MG

nd: concentrações abaixo do limite de detecção pelo método de dosagem.

Figura 3. Altura de plantas de aveia ( ), azevém ( ),amendoim ( ) e estilosante ( ) em diferentesdoses de As cultivadas em amostras de um LVAde João Pinheiro-MG. ** e *: significativo a 1 e5 % respectivamente, pelo teste F.

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Os maiores teores de As no sistema radicular foramencontrados com a dose de 200 mg dm-3, com valoresde até 111 (aveia); 74 (azevém); 62 (amendoim) e 56(estilosante) vezes superiores ao limite consideradonormal para plantas, que é de no máximo de5,0 mg kg-1 segundo Wauchope (1983).

As plantas de azevém apresentaram teoressuperiores aos encontrados nas plantas de aveia emtodos os compartimentos da parte aérea; no entanto,as plantas de aveia chegaram a apresentar teores nosistema radicular 33 % superior aos encontrados nasplantas de azevém, para dose de 200 mg dm-3. Essecomportamento permite evidenciar a elevadatolerância apresentada pelas plantas de azevém, que,mesmo apresentando teores superiores ao consideradonormal na parte aérea, não manifestaram sintomasde toxidez visíveis, durante o período experimental.

Todas as espécies estudadas emitiram botões floraisna fase final do experimento (65 dias após asemeadura). Entre essas, foi possível coletar aspanículas em quantidade suficiente para arealização das análises apenas nas plantas de aveia.De acordo com os resultados, foi possível constatarteores de As superiores aos considerados normais emplantas (0,1 a 5,0 mg kg) para a dose de 200 mg dm-3

nas flores de aveia (Figura 4). Teores elevados de Asna parte aérea de plantas forrageiras despertampreocupação quando se pensa em pastagem cultivadacrescendo em áreas contaminadas, devido àpossibilidade do As entrar na cadeia trófica. Nessesentido, o uso de espécies forrageiras como as utilizadasneste trabalho não seria uma boa opção pararevegetação ou mesmo para descontaminação de áreassujeitas ao pastejo.

Quadro 3. Equações de regressão para teores de As em folhas jovens (FJ), intermediárias (FI), basais (FB),no caule (C) e nas raízes (R), conteúdo de As na parte aérea (CAsPA), nas raízes (CAsR) e total na planta(CAsT) em plantas de aveia, azevém, estilosante e amendoim, e As disponível no solo após a coleta dasplantas (AsDisp) em função das diferentes doses de As aplicadas em amostras de um LVA coletada emJoão Pinheiro-MG

(1) Teores de As (mg kg-1). (2) Conteúdos de As (mg/vaso). (3) As disponível extraído por Mehlich-3 após a coleta do experimento(mg dm-3). ** e * : significativo a 1 e 5 % pelo teste F, respectivamente.

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As doses de As testadas exerceram grandeinfluência sobre o acúmulo de As nos tecidos dasplantas (Quadro 4). O acúmulo total de As nasespécies variou de 0,048 a 1,85 mg/vaso indicandocomportamento muito diferenciado entre espécies. Amaioria das plantas apresentou maior quantidaderelativa de As nas raízes, destacando-se a aveia e oazevém, com valores 0,95 e 1,21 mg/vaso. Por outrolado, o estilosante apresentou maior quantidaderelativa desse elemento na parte aérea. Porém, devidoà baixa produção de matéria seca dessa espécie, osvalores de conteúdos foram muito baixos.

De modo geral, o acúmulo de As nos tecidos dasespécies estudadas pode contribuir para suaimobilização na vegetação, tornando essas espéciespromissoras para programas de fitorremediação, desdeque tolerem o teor de As disponível no local. Espéciescom essas características podem facilitar o processode imobilização do As, evitando seu transporte paraos componentes do ecossistema, tendo-se em vista queos metais ligam-se facilmente aos compostos orgânicose formam complexos mais estáveis e menos tóxicosao ambiente (Accioly & Siqueira, 2000; Chen et al.,2001).

Quanto ao As disponível no solo no término doexperimento, houve efeito significativo de doses (p ≤0,01) para todas as espécies estudadas (Quadros 3 e4). Entretanto, foram observadas diferenças nos teoresdisponíveis nas amostras de solo coletadas nos vasosdas diferentes espécies. Este resultado pode estarrelacionado à possível liberação de ácidos orgânicospelo sistema radicular, e, ou, outros mecanismos aindadesconhecidos, já que o acúmulo de As não foiproporcional ao crescimento do sistema radicular,tomando por base a produção de matéria seca. Isto foiobservado nas plantas de azevém, que tiveram seusistema radicular pouco influenciado pelas doses deAs, quando comparadas às plantas de aveia, queapresentaram maior absorção. Esses valores de Asdisponíveis são superiores ao valor de referência dequalidade para solos do Estado de São Paulo, que é de

Quadro 4. Conteúdo de As na parte aérea (PA), nas raízes (R), total (T) em plantas de aveia, azevém, estilosantee amendoim e As disponível (AsDisp), cultivadas em amostras de um LVA de João Pinheiro-MG, após acoleta das plantas em resposta a diferentes doses de As

nd: não-detecção pelo método de dosagem (ICP/AES).

Figura 4. Teores de As em flores de plantas de aveiasubmetidas a diferentes doses de As cultivadasem amostras de um LVA de João Pinheiro-MG.**: significativo a 1 % pelo teste F.

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3,5 mg kg-1 de As total (CETESB, 2005), determinadopelo método da Agência de Proteção Ambiental dosEUA (USEPA, 1998), 3050b ou 3051.

O comportamento das espécies quanto à capacidadede absorção e acúmulo divergem dos resultados obtidospor Gonzaga et al. (2005). Esses autores afirmamque a maior capacidade de absorção e acúmulo de Aspor plantas acumuladoras e não-acumuladoras deve-se ao volume do sistema radicular. A espéciehiperacumuladora de As “Chinese brake fern” (Pterisvitatta) apresentou volume de sistema radicularquatro vezes superior e acumulou 29 vezes mais Asdo que Nephrolepis exaltata L. (não acumuladora deAs) (Gonzaga et al., 2005).

Índice de translocação e teores críticos de Asno solo

O índice de translocação de As para a parte aéreadas plantas variou entre as espécies, sendo o efeito dedoses altamente significativo (p ≤ 0,01), possibilitandoo ajuste de modelos raiz quadrada e quadrático(Figura 5). O resultado indica que a translocação deAs atingiu um ponto máximo antes da maior dose deAs aplicada ao solo e depois decresceu, sugerindo quemecanismos de saturação de transportadores e, ou,de desintoxicação ocorreram com as doses maiores. Atranslocação de As foi maior nas plantas de estilosantee de amendoim, com maiores valores na dose de50 mg dm-3. Nesses casos, os índices de translocaçãoatingiram valores de 66 % e 55 % respectivamente.Os menores índices foram constatados nas plantas deaveia, atingindo valor máximo de 32,6 %, na dose de50 mg dm-3, seguido de decréscimo com o aumentodas doses de As no solo. O índice de translocação deAs nas plantas de estilosante foi consideravelmenteelevado, quando comparado com o das demais espécies.Isso pode indicar ausência de um mecanismo adicionalde proteção, ocasionando maior impacto dacontaminação no crescimento das plantas, o que podeexplicar a menor produção de matéria seca por essaespécie.

Nas plantas de azevém, os índices de translocaçãoforam crescentes com o aumento das doses, atingindocerca de 35 % na dose de 200 mg dm-3 (Figura 6). Omaior acúmulo de As no sistema radicular pode indicara baixa capacidade de controle na absorção do As e,ou, maior eficiência de controle na translocação,evitando que o As chegue aos tecidos metabolicamentemais ativos da parte aérea. Esse mecanismo podeestar relacionado à síntese de fitoquelatinas nas raízesque tem papel fundamental na desintoxicação de Asem plantas (Sneller et al., 1999; Schmöger et al., 2000;Meharg & Hartley-Whitaker, 2002).

As gramíneas (aveia e azevém) apresentarambaixa translocação de As quando comparadas àsleguminosas (amendoim e estilosante), o que pode estarrelacionado a mecanismos de controle interno, evitandoque o As seja translocado para os tecidosmetabolicamente ativos da parte aérea. Poucos são

os estudos relacionados com a influência dacontaminação de As sobre o índice de translocação desteem plantas herbáceas.

Os resultados sugerem que entre as espéciesestudadas, as plantas de estilosante apresentarammaior capacidade de translocação do As, o quepossivelmente contribuiu para redução das variáveisde crescimento, já que essas foram influenciadasnegativamente pelas doses de As aplicadas,principalmente na dose de 200 mg dm-3 (Quadro 4).Por outro lado, levando-se em consideração a ausênciade lesões foliares durante o período experimental, todasas espécies apresentaram alguma tolerância ao As,destacando-se o estilosante, o azevém e o amendoim.Desse modo, seriam necessários estudos,principalmente em campo, para observar o limite e opotencial dessas espécies, como indicadoras dacontaminação por As e, ou, fitorremediadora, já queplantas indicadoras refletem a contaminação local nostecidos da planta (Accioly & Siqueira, 2000).

O teor crítico de As disponível no solo para reduzir50 % da matéria seca (TC50 %), variou entre as espécies(Quadro 5). Para as plantas de azevém, o TC50 % dematéria seca da parte aérea foi superior ao das demaisespécies, mostrando assim maior tolerância dessaespécie ao As. Por outro lado, as plantas de aveiaapresentaram maior TC50 % para matéria secaradicular, sendo necessário um teor disponível no solode 62,83 mg dm-3, valor este 20,5 % superior ao TC50 %para redução da matéria seca da parte aérea(Quadro 5).

Os valores de TC50 % para amendoim e estilosantesugerem mecanismos diferenciados de tolerância aoAs. O amendoim apresentou maior valor de TC50 %para a produção de raízes, quando comparado com oestilosante que apresentou menor valor de TC50 % paraprodução de matéria seca da parte aérea (Quadro 5).As plantas de azevém tinham maior valor de TC50 %na parte aérea, provavelmente devido a sua capacidadede controle na translocação do As aos tecidos

Figura 5. Índice de translocação de arsênio emplantas de aveia ( ), azevém ( ), amendoim ( )e estilosante ( ) cultivadas em amostras de umLVA de João Pinheiro-MG em solos comdiferentes doses de As. **: significativo a 1 % peloteste F.

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metabolicamente ativos da parte aérea (Figura 5).Raciocínio inverso poderia ser realizado para as plantasde aveia, sugerindo maior habilidade da espécie paraprogramas de fitorremediação de As, uma vez que estaapresentou maior valor de TC50 % nas raízes(Quadro 5).

Nenhuma das espécies apresentou potencial dehiperacumulação de As, caracterizado quando a espécieapresenta teores foliares superiores a 1.000 mg kg-1

(Ma et al., 2001). No entanto, em se tratando deprogramas de revegetação de áreas contaminadas porAs, desde que estejam isoladas da possibilidade depastejo animal, todas apresentaram potencial,principalmente o azevém que se mostrou com maiortolerância e capacidade de acumular o As (Quadro 4).

CONCLUSÕES

1. As plantas de azevém, amendoim e estilosanteapresentam potencial para fitorremediação de áreascontaminadas por As, principalmente parafitoestabilização, pois elas não apresentaram lesõesfoliares em nenhuma das doses testadas.

2. Os teores de As nas raízes de todas as espéciesforam bastante elevados, indicando que hámecanismos de compartimentalização, em especial nasplantas de azevém, amendoim e estilosante, a fim dereduzir a translocação do As aos tecidos jovens daparte aérea.

3. As plantas de azevém mostraram bom potencialpara programas de revegetação de áreas contaminadaspor As. Estas não apresentaram lesões foliares portoxidez ao As mesmo com teores acima do consideradonormal na parte aérea.

4. A maior sensibilidade da aveia a elevados teoresde As disponível no solo sugere que essa espécie possaser utilizada como planta bioindicadora docontaminante.

AGRADECIMENTOS

Os autores manifestam agradecimentos ao CNPq(CT-Mineral) e à Rio Paracatu Mineração pelo apoio

financeiro, e ao Acadêmico do Curso de EngenhariaAmbiental, Wiliam Gomes Nunes, pelo apoio nacondução da pesquisa.

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Quadro 5. Teores críticos de As disponível (Mehlich-3) no solo necessário para reduzir em 50 % a produçãode matéria seca de raízes e parte aérea de aveia, azevém, amendoim e estilosante cultivadas em amostrasde um LVA de João Pinheiro-MG, tratados com doses crescentes de As

1) TC: teor crítico de As no solo para reduzir 50 % a produção de matéria seca.

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