Semântica / Semântica / PragmáticaPragmática

O “E” na InterfaceO “E” na Interface

Jorge Campos

RESUMORESUMO A Semântica e suas InterfacesA Semântica e suas Interfaces ‘‘ Jorge Campos (PUCRS)Jorge Campos (PUCRS) A Semântica é a subteoria lingüística que investiga as A Semântica é a subteoria lingüística que investiga as

propriedades do significado em linguagem natural. Como tal, ela mantém relações internas, propriedades do significado em linguagem natural. Como tal, ela mantém relações internas, intradisciplinares com outras subteorias, como a Sintaxe e a Pragmática, por exemplo, e relações intradisciplinares com outras subteorias, como a Sintaxe e a Pragmática, por exemplo, e relações externas, interdisciplinares, com áreas de conexão com a Lingüística como a Lógica, as Ciências externas, interdisciplinares, com áreas de conexão com a Lingüística como a Lógica, as Ciências Cognitivas, Teorias da Comunicação Social, etc. Isso é equivalente a dizer que o significado Cognitivas, Teorias da Comunicação Social, etc. Isso é equivalente a dizer que o significado lingüístico pode ser investigado numa interface externa da Lingüística com disciplinas formais, lingüístico pode ser investigado numa interface externa da Lingüística com disciplinas formais, cognitivas ou sociais e numa interface interna com a estrutura gramatical e as inferências cognitivas ou sociais e numa interface interna com a estrutura gramatical e as inferências dependentes de contexto. Ilustremos tais investigações nas fronteiras inter/intra da Semântica, dependentes de contexto. Ilustremos tais investigações nas fronteiras inter/intra da Semântica, através do conetivo “e”, justamente, um objeto lógico-lingüístico na interface externa. Dada uma através do conetivo “e”, justamente, um objeto lógico-lingüístico na interface externa. Dada uma proposição complexa como “João foi ao banco e pegou o dinheiro”, podemos investigar qual o proposição complexa como “João foi ao banco e pegou o dinheiro”, podemos investigar qual o papel do elemento sincategoremático “e”, para saber se há equivalência ou não entre suas papel do elemento sincategoremático “e”, para saber se há equivalência ou não entre suas propriedades veritativo-funcionais no âmbito da linguagem da Lógica e suas propriedades propriedades veritativo-funcionais no âmbito da linguagem da Lógica e suas propriedades semânticas na nossa linguagem. Uma observação trivial em nossos dias é que, enquanto o “e” semânticas na nossa linguagem. Uma observação trivial em nossos dias é que, enquanto o “e” lógico mantém suas condições-de-verdade na troca da ordem entre as sentenças componentes, tal lógico mantém suas condições-de-verdade na troca da ordem entre as sentenças componentes, tal troca, em nossa linguagem cotidiana, altera o significado inferencial. Assim, “João foi ao Banco e troca, em nossa linguagem cotidiana, altera o significado inferencial. Assim, “João foi ao Banco e pegou o dinheiro” parece significar que ele retirou o dinheiro; ao contrário, em “João pegou o pegou o dinheiro” parece significar que ele retirou o dinheiro; ao contrário, em “João pegou o dinheiro e foi ao Banco”, parece que o significado implicado é que ele depositou o dinheiro. dinheiro e foi ao Banco”, parece que o significado implicado é que ele depositou o dinheiro. Paralelamente, as inferências tipo eliminação do “&”, em que da proposição complexa pode-se Paralelamente, as inferências tipo eliminação do “&”, em que da proposição complexa pode-se passar para qualquer das simples, parecem perfeitamente equivalentes na linguagem cotidiana. passar para qualquer das simples, parecem perfeitamente equivalentes na linguagem cotidiana. Uma alternativa possível é entender-se tudo como Semântica e considerar as discrepâncias de Uma alternativa possível é entender-se tudo como Semântica e considerar as discrepâncias de inferências não-autorizadas como um conflito na interface; outra hipótese é distinguir os dois inferências não-autorizadas como um conflito na interface; outra hipótese é distinguir os dois casos de inferência, a primeira como pragmática e a segunda como semântica, caracterizando-se, casos de inferência, a primeira como pragmática e a segunda como semântica, caracterizando-se, assim, a abordagem via interface interna. Uma conseqüência metodológica desse tratamento é que assim, a abordagem via interface interna. Uma conseqüência metodológica desse tratamento é que se pode construir interface externa com várias áreas de conexão, como a formal, no exemplo se pode construir interface externa com várias áreas de conexão, como a formal, no exemplo explorado aqui e que a opção assumida determina a natureza da interface interna. Assim, numa explorado aqui e que a opção assumida determina a natureza da interface interna. Assim, numa teoria lingüística, pode-se procurar uma interatividade formal entre Semântica/Sintaxe/Pragmática teoria lingüística, pode-se procurar uma interatividade formal entre Semântica/Sintaxe/Pragmática para oferecer um tratamento teórico e uniforme ao fenômeno sob análise. para oferecer um tratamento teórico e uniforme ao fenômeno sob análise.

O Debate sobre a Interface O Debate sobre a Interface Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática

1 Há um intenso debate sobre as 1 Há um intenso debate sobre as relações entre Semântica e Pragmática;relações entre Semântica e Pragmática;

Origens teóricas: O debate Origens teóricas: O debate Russell/Strawson/GriceRussell/Strawson/Grice

Referências recentes: Bach(87), Referências recentes: Bach(87), Turner(99), Carston(99), Bianchi(2004), Turner(99), Carston(99), Bianchi(2004), Jaszczolt(2006)Jaszczolt(2006)

A questão central é: qual a natureza da A questão central é: qual a natureza da interface? interface?

A Concepção Clássica de A Concepção Clássica de Interface Interface

Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática Dadas sentenças como (A), (B) e (C)Dadas sentenças como (A), (B) e (C) (A) ‘João é político, mas não é corrupto’, o dito é (A) ‘João é político, mas não é corrupto’, o dito é

que João é político e que ele não é corrupto; além que João é político e que ele não é corrupto; além do dito, sugere-se que político é corrupto;do dito, sugere-se que político é corrupto;

(B)‘João se elegeu/A memória do eleitor é fraca’(B)‘João se elegeu/A memória do eleitor é fraca’ além do dito, sugere-se que o eleitor não deveria além do dito, sugere-se que o eleitor não deveria

ter votado em João;ter votado em João; (C)’Alguns acusados voltaram ao cenário político(C)’Alguns acusados voltaram ao cenário político Sugere-se, além do explícito, que nem todos Sugere-se, além do explícito, que nem todos

voltaramvoltaramGrice(75) chama tais inferências pragmáticas de Grice(75) chama tais inferências pragmáticas de

implicaturas implicaturas

A Visão Clássica A Visão Clássica AmpliadaAmpliada

A Pragmática não só complementa a A Pragmática não só complementa a Semântica através de implicaturas via dito; A Semântica através de implicaturas via dito; A sentença (D) ilustra o caso:sentença (D) ilustra o caso:

(D)’Ele lidera as pesquisas para Presidente (D)’Ele lidera as pesquisas para Presidente porque seu concorrente não está com o povoporque seu concorrente não está com o povo

O dito depende de se ter a referência para O dito depende de se ter a referência para ‘ele’, Lula, por exemplo; também depende de ‘ele’, Lula, por exemplo; também depende de se completar o sintagma ‘Presidente do se completar o sintagma ‘Presidente do Brasil’, e de se desambiguar ‘está com o povo’Brasil’, e de se desambiguar ‘está com o povo’

A Semântica depende da Pragmática ; a A Semântica depende da Pragmática ; a constituição do dito depende de fatores constituição do dito depende de fatores contextuais.contextuais.

A Tese da Indeterminação A Tese da Indeterminação da Semânticada Semântica

Carston / Interface e Relevância Carston / Interface e Relevância Blakemore / ExplicaturaBlakemore / Explicatura Bach / Dito, Implicatura e ImplicituraBach / Dito, Implicatura e Implicitura Levinson / Implicaturas GeneralizadasLevinson / Implicaturas Generalizadas Recanati / Pragmática RadicalRecanati / Pragmática Radical

O fortalecimento da tese de Strawson / O fortalecimento da tese de Strawson / da sentença para o enunciado da sentença para o enunciado

Argumentos Problemáticos Argumentos Problemáticos para a Interface para a Interface

Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática Russel e Strawson / a questão era Russel e Strawson / a questão era

metodológica metodológica A Interface interna ou intradisciplinar A Interface interna ou intradisciplinar

depende da Interface externa ou depende da Interface externa ou Interdisciplinar;Interdisciplinar;

O objeto da Interface lingüística entre O objeto da Interface lingüística entre Semântica/Pragmática pode ser desenhado Semântica/Pragmática pode ser desenhado na fronteira com a Lógica, com as Ciências na fronteira com a Lógica, com as Ciências Cognitivas ou com Teorias do Discurso;Cognitivas ou com Teorias do Discurso;

O significado é aquilo que a teoria do O significado é aquilo que a teoria do significado assumida diz que ele é.significado assumida diz que ele é.

O Conetivo ‘E’ na Interface O Conetivo ‘E’ na Interface Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática

Considere-se as sentenças (E)e (F) abaixo:Considere-se as sentenças (E)e (F) abaixo: (E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’(E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’ (F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’ (F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’ A primeira pode ser interpretada como ele A primeira pode ser interpretada como ele

tendo depositado o dinheiro e a segunda, tendo depositado o dinheiro e a segunda, como ele tendo retirado o dinheiro.como ele tendo retirado o dinheiro.

Aceita tal interpretação, as condições de Aceita tal interpretação, as condições de verdade são diferentes para (E) e (F).verdade são diferentes para (E) e (F).

Assumindo-se essa interpretação, fatores Assumindo-se essa interpretação, fatores pragmáticos, como a ordem, determinam as pragmáticos, como a ordem, determinam as condições de verdade, sendo a Semântica condições de verdade, sendo a Semântica não suficientemente determinada. não suficientemente determinada.

O Conetivo ‘E’ na Interface O Conetivo ‘E’ na Interface Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática

Nessa perspectiva, tudo ficaria esclarecido se (E) Nessa perspectiva, tudo ficaria esclarecido se (E) e (F) fossem completadas como (E’) e (F’).e (F) fossem completadas como (E’) e (F’).

(E’) Ele pegou o dinheiro e foi ao banco depositá-lo.(E’) Ele pegou o dinheiro e foi ao banco depositá-lo.(F’) Ele foi ao banco e pegou o dinheiro retirado.(F’) Ele foi ao banco e pegou o dinheiro retirado. Tais condições de complementação informativa Tais condições de complementação informativa

reforçariam a tese da indeterminação semântica.reforçariam a tese da indeterminação semântica. Consideradas essas condições, elas certamente Consideradas essas condições, elas certamente

podem ser expandidas para referências de nomes , podem ser expandidas para referências de nomes , descrições definidas, dêiticos, desambiguação, descrições definidas, dêiticos, desambiguação, implícitos em geral, etc..implícitos em geral, etc..

Mas isso levaria a uma trivialização pragmática.Mas isso levaria a uma trivialização pragmática.

Problemas Adicionais para Problemas Adicionais para a Tese da Indeterminação a Tese da Indeterminação

da Semânticada Semântica Como determinar o conjunto de informações Como determinar o conjunto de informações

necessárias e suficientes para estabelecer as necessárias e suficientes para estabelecer as condições-de-verdade, ou condições-de- condições-de-verdade, ou condições-de- compreensão? compreensão?

- Ele comeu no restaurante do centro com amigosEle comeu no restaurante do centro com amigos- Ele quem?, comeu o quê? Qual restaurante?, Ele quem?, comeu o quê? Qual restaurante?,

centro de onde? Quais amigos? Quando? Quem centro de onde? Quais amigos? Quando? Quem disse isso? Onde e quando? ...disse isso? Onde e quando? ...

Como evitar a trivialização da tese de que Como evitar a trivialização da tese de que qualquer proposição pode ser complementada qualquer proposição pode ser complementada pragmaticamente? pragmaticamente?

Confusão de InterfacesConfusão de Interfaces

A nossa hipótese é a de que as interfaces A nossa hipótese é a de que as interfaces externas (IE), ou interdisciplinares, são externas (IE), ou interdisciplinares, são compromissos metodológicos primeiros que compromissos metodológicos primeiros que determinam as interfaces internas (II), ou determinam as interfaces internas (II), ou intradisciplinares. intradisciplinares.

Por exemplo, uma IE pode ser caracterizada a Por exemplo, uma IE pode ser caracterizada a partir da relação Lingüística/Lógica, ou partir da relação Lingüística/Lógica, ou Lingüística/Psicologia, etc. Lingüística/Psicologia, etc.

Uma II pode ser ilustrada, por exemplo, pela Uma II pode ser ilustrada, por exemplo, pela relação Sintaxe/Semântica, relação Sintaxe/Semântica, Semântica/Pragmática, etc. Semântica/Pragmática, etc.

Interfaces ExternasInterfaces Externas

Interface Formal : o objeto é o Interface Formal : o objeto é o argumento dedutivo e sua expressão argumento dedutivo e sua expressão em linguagem natural;em linguagem natural;

Interface Comunicativa : o objeto é Interface Comunicativa : o objeto é intenção comunicativa, informativa e intenção comunicativa, informativa e a compreensão;a compreensão;

Interface Cognitiva : o objeto é o Interface Cognitiva : o objeto é o modelo cognitivo para a relação modelo cognitivo para a relação causa e efeito, por exemplo.causa e efeito, por exemplo.

Interfaces InternasInterfaces Internas Constituídas a partir das subteorias Constituídas a partir das subteorias

lingüísticas.lingüísticas. Fonologia/Morfologia/Lexicologia/Sintaxe/ Fonologia/Morfologia/Lexicologia/Sintaxe/

Semântica/PragmáticaSemântica/Pragmática Nessa direção, uma opção metodológica Nessa direção, uma opção metodológica

Lingüística/Lógica vai determinar a perspectiva Lingüística/Lógica vai determinar a perspectiva de uma Semântica/Pragmática enquanto de uma Semântica/Pragmática enquanto interface formal;interface formal;

De maneira similar, a opção por uma IE De maneira similar, a opção por uma IE Lingüística/Comunicação vai determinar uma II Lingüística/Comunicação vai determinar uma II Semântica/Pragmática adequada a essa opção;Semântica/Pragmática adequada a essa opção;

De forma análoga, a IE Lingüística/Ciência De forma análoga, a IE Lingüística/Ciência Cognitiva vai determinar uma II Cognitiva vai determinar uma II Semântica/Pragmática cognitiva.Semântica/Pragmática cognitiva.

Ilustração FinalIlustração Final Suponhamos novamente (E) e (F)Suponhamos novamente (E) e (F)(E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’(E) Ele pegou o dinheiro e foi ao Banco’(F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’(F) Ele foi ao Banco e pegou o dinheiro’ De um ponto de vista formal, se o argumento De um ponto de vista formal, se o argumento

dedutivo válido é o ponto, P & Q e Q & P são dedutivo válido é o ponto, P & Q e Q & P são equivalentes à medida que determinam equivalentes à medida que determinam inferências necessárias equivalentes, ou inferências necessárias equivalentes, ou monotônicas;monotônicas;

As inferências de depositar/retirar são As inferências de depositar/retirar são canceláveis, ou não-monotônicas.canceláveis, ou não-monotônicas.

Tais diferenças inferenciais podem ser Tais diferenças inferenciais podem ser relevantes para o exame de uma interface relevantes para o exame de uma interface formal.formal.

Ilustração FinalIlustração Final

Se se assume como relevante uma IE Se se assume como relevante uma IE Lingüística/Comunicação, então Lingüística/Comunicação, então questões como por que as pessoas questões como por que as pessoas entendem que P antecede entendem que P antecede temporalmente Q, ou que P leva a crer temporalmente Q, ou que P leva a crer que houve depósito e que Q dá a que houve depósito e que Q dá a entender que houve retirada, são entender que houve retirada, são relevantes para uma II relevantes para uma II Semântica/Pragmática inserida no Semântica/Pragmática inserida no processo comunicacional. processo comunicacional.

Ilustração FinalIlustração Final

Se uma IE Lingüística/Cognição é Se uma IE Lingüística/Cognição é assumida, então P & Q pode ser assumida, então P & Q pode ser investigada no que diz respeito à investigada no que diz respeito à forma de processamento, à forma de forma de processamento, à forma de aquisição de estruturas complexas aquisição de estruturas complexas com conetivos por crianças, à questão com conetivos por crianças, à questão da relação estruturas lingüísticas da relação estruturas lingüísticas como determinando estruturas como determinando estruturas cognitivas, hipótese Sapir-Whorf, etc.cognitivas, hipótese Sapir-Whorf, etc.

ConclusãoConclusão

Se isso é correto, seguem-se duas Se isso é correto, seguem-se duas alternativas de conclusão:alternativas de conclusão:

(1)(1) De uma interface comunicativa, faz-se De uma interface comunicativa, faz-se uma constatação de que uma Semântica uma constatação de que uma Semântica de condições de verdade é imprópria e de condições de verdade é imprópria e indeterminada. – Mas isso é trivial.indeterminada. – Mas isso é trivial.

(2)(2) Assume-se que a interface formal com a Assume-se que a interface formal com a Lógica é irrelevante. – Mas isso é Lógica é irrelevante. – Mas isso é quebrar uma relação que desde quebrar uma relação que desde Aristóteles foi construída na interface.Aristóteles foi construída na interface.