seriado "orixás" - 6º episódio - orumilá ifá! - por raul longo

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6º Episódio – ORUMILÁ IFÁ! Novos Personagens William – sotaque sulista, diretor de TV. Pouco profissional. Oportunista. Sacanagem – típico malandro baiano. Paletó de terno sobre camiseta. Tranquilo e despreocupado em suas lembranças, mas nervoso e preocupado na situação contemporânea. Julinha – também sulista. Branca e bonita. Estritamente profissional. Pernambuco – sotaque pernambucano. Orgulhoso e instável. Tipo depressivo, entre delirante e obsessivo. Mulato sarará. Oruwô – negro muito velho. Calmo e sábio. Destacam-se em seu peito dois colares de grandes búzios transpassados, ao estilo de cangaceiros arriados. Jazna travesti. De uma feminilidade sem afetação. Sotaque hispano americano, mas de indefinível nacionalidade. Cena 1 – Interna, sala de espera do hotel. Andrew e Dodô Excelência adentrando a recepção do hotel de onde avistam Bibi, Marli e Ronald reunidos nas mesmas poltronas que foram ocupadas por Dodô no início do episódio anterior. Aproximam-se do grupo e Andrew tira um microfone de dentro de uma caixa, demonstrando-o ao Ronald. Andrew Look! Is god? Ronald Yes! No the best, but is enough. I tink...

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Page 1: Seriado "Orixás" - 6º Episódio - Orumilá Ifá! - Por Raul Longo

6º Episódio – ORUMILÁ IFÁ!

Novos Personagens

Wi l l iam – sotaque sul is ta, d i retor de TV. Pouco prof iss ional . Opor tunis ta.

Sacanagem – t íp ico malandro baiano. Paletó de terno sobre camiseta. Tranqui lo e despreocupado em suas lembranças, mas nervoso e preocupado na s i tuação contemporânea.

Ju l inha – também sul is ta. Branca e boni ta . Est r i tamente prof iss ional .

Pernambuco – sotaque pernambucano. Orgulhoso e instável . T ipo depressivo, entre del i rante e obsessivo. Mulato sarará.

Oruwô – negro mui to ve lho. Calmo e sábio. Destacam-se em seu pei to dois co lares de grandes búzios t ranspassados, ao est i lo de cangacei ros arr iados.

Jazna – t ravest i . De uma femin i l idade sem afetação. Sotaque h ispano amer icano, mas de indef in íve l nacional idade. Cena 1 – Interna, sala de espera do hotel .Andrew e Dodô Excelência adentrando a recepção do hote l de onde avis tam Bib i , Mar l i e Ronald reunidos nas mesmas pol t ronas que foram ocupadas por Dodô no in íc io do episódio anter ior . Aproximam-se do grupo e Andrew t i ra um microfone de dentro de uma caixa, demonstrando-o ao Ronald.

AndrewLook! Is god?

RonaldYes! No the best , but is enough. I t ink. . .

Enquanto Ronald e Andrew conversam em inglês e Mar l i presta atenção num car icato e inút i l esforço para entender a lguma coisa, Dodô quest iona Bib i .

DodôE então? Resolveram alguma coisa.

Bib iClaro! O que eu fa le i? Foi bater o o lho e reconhecer a nova is tar do f i lme, apesar da maluca começar logo se arrepiando com o gr ingo. Não fosse eu estar aqui pra conser tar tudo. . .

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DodôMas nem bem conheceu o homem! Cismou com o quê?

Bib i Ah! Só porque e le rec lamou de você ter saído e la já desentendeu, achou que não quei ra esperar . Vê se da próx ima vez arruma uma advogada que entenda ing lês.

Dodô sorr i sat is fe i to . Toca o braço de Mar l i para d izer a lguma coisa, mas é in terrompido por Andrew t raduzindo Ronald. Pr imeiro à Mar l i e em seguida aos demais.

AndrewBad g i r l ! Roubou my oppor tuni ty de revelação to wor ld movie. Yesterday Ronald quer ia exper imentar eu fazendo o locução. But now, other ide ia. Mar l i make the apresentat ion in por tuguese, af ter , in the Uni ted States we make the t ranslat ion of the engl ish. Understand?

Bib iSei como é. Mar l i faz a locução, depois lá vocês arrumam alguém para fazer a dublagem.

AndrewExact ! Is more natura l . Ronald l ike do voz de Mar l i and she is very beaut i fu l ba iana. Begin Mar l i voz, a f ter , depois, em back ground and amer ican locutora t ranslat ion to engl ish. I f wi l l need show in Brazi l , já temos o locução or ig inal de Mar l i .Ok?

DodôE vão f i lmar o quê?

Bib iIsso a gente também já resolveu. O Ronald quer mostrar a a legr ia do povo baiano. O samba de roda, carnaval , festas de largo, roda de capoei ra, festa de terre i ro, festa de santo.

DodôIxe! Já vão se meter em candomblé outra vez? Isso dá encrenca!

Mar l iNão tem encrenca nenhuma não meu re i ! Já fa le i aqui pro Ronaldo de uma festa pra Iansã que tá pra acontecer nesses d ias. Estamos indo pra lá agora combinar com Donana, a ia lor ixá do terre i ro. Vão’bora?

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DodôNão posso! Tenho uma parada para resolver antes. Mas vocês vão e deixam o endereço que depois vamos pra lá .

AndrewIf we wi l l need de você  ?

DodôÉ só l igar . Qualquer co isa eu mando Bib i buscar vocês.

AndrewNo! I t ’s not necessary, but i f we wi l l need money buy somethings. . .?

DodôAí você compra que depois eu pago.

Andrew acena um OK com os dedos, ao est i lo nor te-amer icano. Todos se põem a conversar u l t imando preparat ivos, Bib i expl ica a lguma coisa aos amer icanos e Dodô aprovei ta para um apar te com Mar l i .

DodôEsse gr ingo tá de o lho em você e não tô gostando

Mar l iQue é isso meu re i ! Pode estar de o lho, mas nem enxerga d i re i to . Não v iu que tem um olho de v idro? Acha que vou bancar guia de caolho?

DodôTô fa lando do outro. Veio fa lando de você desde que me encontrou no boteco. Não pense que vai se fazer com esse amarelo porque é só pau mandado. Tá aqui de o lhei ro do Mister Tower, mas quem manda nesse negócio de f i lme sou eu. Não dá t re la, porque quem decide sua par t ic ipação no f i lme sou eu.

Mar l iI eu quero esses le i te de coco aguado, nada! Quero mesmo é minha cocadinha queimada aqui . (be i ja o rosto de Dodô) Esse é o meu re i !

Cena 2 – Interna. Estúdio de TVNo centro do estúdio uma s i lhueta procura s imular natura l idade. Sentado em banqueta, f ina l iza texto l ido no te leponto à f rente.

Si lhueta. . .mancada imperdoável para um jogador .

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Uma vozDeu Sacanagem! F icou per fe i to . Fechou!

Apagam-se os spots. No fundo, a s i lhueta do nervoso depoente l impando o suor do rosto e em pr imeiro p lano sua imagem reproduzida no moni tor de uma câmera, repassando a f ina l ização da gravação.

Sacanagem(reproduzido no moni tor da câmara)

Uma bobagem, um pequeno deta lhe. . . Mas uma mancada imperdoável para um jogador .

Cena 3 – Mãos ret iram f i ta ejetada da câmera de vídeoO câmera entrega a f i ta para Wi l l iam

Wil l iam(mesma voz anter ior )

É isso aí ! Ju l inha! Agora é com você! Pega os croquis lá na ar te e já par te pra edição do p i lo to. Corre que o Dodô Excelência já vem v indo aí . Assim que chegar , ent ramos em reunião.

Jul inha se aproxima para pegar a f i ta

Ju l inhaDá para me inc lu i r fora dessa?

Wi l l iamDe je i to nenhum, meu anjo! Sabe que você é o co l í r io dos o lhos do Dodô. Sem você nem adianta fazer reunião porque e le só aprova o que você manda aprovar . Por fa lar em mandar, não esquece de mandar a programação reforçar na chamada para o jornal . Dodô vai querer a Bahia toda de o lho na edição das sete. É capaz de arrumar je i to de repet i r na edição nacional .

Ju l inha sai rec lamando enquanto Wi l l iam a mede pelas costas. Sorr i , levanta-se e va i a té Sacanagem que aguarda, sem noção do que fazer .

Ju l inha Porra! Não aguento esse re i da Bahia. Me v i ra o estômago.

Wi l l iam(só pra Ju l inha ouvi r ) Quem manda ser gostosa? (para o Sacanagem) E então Sacanagem, v iu como é mole? Já pode ser ator de novela! Hoje mesmo você vai f icar famoso na Bahia in te i ra!

Sacanagem

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E agora é o quê?

Wi l l iam(enquanto ret i ra microfone escondido na roupa do Sacanagem)

Agora é nada. Acabou. Vamos tomar um café e você já tá d ispensado. Não te fa le i que não t inha porque se preocupar .

Sacanagem

Mas é só isso? O Tenente mandou me t i rar do confor to do meu cafofô logo cedo e me deu a maior prensa, só pra isso? Tudo o que conte i aqui já fa le i pros jornais .

Wi l l iamPois é. . . Mas fa l tava fa lar para a te lev isão. Sabe como é: not íc ia só é not íc ia quando aparece na te l inha.

SacanagemE precisava mandar a pol íça me acordar invadindo como se eu fosse bandido? Parece que tavam achando que quem matou o Pernambuco fu i eu!

Wi l l iamÉ que a produção não descobr iu teu paradei ro e então pedimos pro Tenente Ambrósio te local izar porque prec isamos da matér ia pra hoje. Sabe como é pol íc ia? Gostam de fazer pressão pra mostrar serv iço.

Cena 4 – Inter ior de cantina de funcionários Wil l iam e Sacanagem entrando na cant ina, em di reção ao balcão.

Wi l l iamTambém me acordaram cedo pra produzi r essa matér ia e agora tô com fome. Vamos de um sanduba?

SacanagemSaí de casa naquele sufoco e não peguei a grana.

Wi l l iamDeixa comigo. Esse é por conta da casa. Escolhe aí .

SacanagemO que você pedi r tá bom.

Wi l l iamX salada, pode ser? E vai beber o quê?

Sacanagem

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(para a garçonete)Cerveja preta.

GarçoneteNão temos bebida a lcoól ica.

SacanagemEntão vai café mesmo. No copo

GarçoneteCom le i te?

SacanagemPuro!

Wi l l iamVamos sentar a l i que e la já t rás. Mas como era o Pernambuco? Gente boa?

SacanagemAquela co isa de pernambucano: marrento, met ido. Meio maluco também. Não era mui to cer to, não. Uma vez arrebentou um taco na cabeça de um jogador porque o su je i to . . .

Cena 5 – Inter ior de salão de jogos com mesas de bi lhar e mesas de jogo de cartas. I luminação esverdeada e di fusa.Numa das mesas joga-se dados. Chacoalhando os dados, o da vez canta incompreensível jogada. 3 dados ro lam e se estabelecem no fe l t ro da mesa, mas quando o jogador se debruça aproximando-se para confer i - los, vê um dado ro lando pelo chão. Berrando um pedido repet ido e in in te l ig íve l persegue o dado que ro la z iguezagueando, sobe pela parede, torna a descer , sempre ro lando, se enf iando por baixo de uma mesa onde jogam bi lhar . Sai do outro lado e um pé p isa esmagando o dado que esta la. Quem esmagou o dado t i ra o pé e se revela ser uma barata. O jogador que perseguia o que del i rava ser um dado encara enfurec ido o que matou a barata. Vol ta-se e toma o taco do oponente do jogo de b i lhar , go lpeando o matador da barata.

Cena 6 – Mesma mesa da cantina da Cena 3Garçonete serv indo os dois sanduíches, um copo de café e outro descar tável de ref r igerante.

Wi l l iamEle teve problemas com drogas.

Sacanagem

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Acho que não. Era jogador . E dos bons! Quem é do jogo não se mete com drogas.

Wi l l iamFoi o que desgraçou Pernambuco em Reci fe . Por isso veio pra Bahia.

SacanagemComo é que você sabe?

Wi l l iamLevantamos toda a v ida do Pernambuco. Gervásio Ribamar de Fre i tas. Fruto bastardo de uma paixão pro ib ida de a lguém de uma famí l ia de senhores de engenho, com a empregada da casa. O pai era branco e a mãe mulata. Apesar de não reconhecer of ic ia lmente a patern idade, o geni tor se afe içoou à cr iança e ensinou os t ruques de car tas. O menino fo i br incando, t re inando com os coleguinhas de seu bai r ro pobre, e v i rou um prest id ig i tador .

Sacanagem“Pre” o quê?

Wi l l iamÉ o mesmo que i lus ionis ta, mágico. Suje i to cheio dos t ruques.

SacanagemAh! Isso de t ruque tem de ter mesmo. Todo jogador tem seu t ruque. Por isso não pode nem pensar em drogas. Caiu nas drogas o cabra acaba fa lhando e se percebem a mancada, tá perd ido.

Wi l l iamFoi o que aconteceu. Depois que o pai morreu, Gervásio e a mãe passaram aper to enquanto a mulher do fa lec ido a inda era v iva. Mais tarde, com a morte da madrasta, os i rmãos resolveram dar uma força pro Gervásio e o contrataram para serv iços leves.

SacanagemServ iço leve?

Wi l l iam(com os dedos em formato de revólver)

De dedo leve, sabe como é?

Sacanagem

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O que d izem que e le faz ia pro Dodô Excelência?

Wi l l iamChi i i iuuu! Dizem lá fora Sacanagem! Aqui n inguém diz nada. Aqui a h is tór ia é outra.

SacanagemE qual é a h is tór ia verdadei ra?

Wi l l iamA his tór ia verdadei ra é sempre de quem tem dinhei ro para pagar por e la, Sacanagem. Quem tem dinhei ro para pagar a TV, é o dono da h is tór ia verdadei ra. Por fa lar n isso, toma aí para pagar o susto desnecessár io e desculpe o mau je i to do Tenente.

Wi l l iam ret i ra a car te i ra de um bolso, se lec iona t rês notas de cem e põe na mesa.

SacanagemEu não vendi minha h is tór ia , não. Conte i só o que eu sei e o que conte i é verdade. Não tem nada inventado. Só quero que vocês não incomodem meu Oruwô. Dele não fa le i antes pra n inguém e se forem incomodar meu babá, se i que fo i co isa sua.

Wi l l iamCalma Sacanagem! Não me in teressa quem é nem quero saber onde mora. Não é prec iso. Imagem de jogador de búzios temos mui tas, não prec iso do seu pai de santo. E f ica com essa grana. Não tô comprando a sua verdade. A sua verdade vai cont inuar sendo verdade, mas é com pequenas verdades que conto grandes ment i ras. Depois que for pro ar a ment i ra va i v i rar uma única verdade graças ao seu depoimento.

SacanagemÉ você o dono da verdade?

Wi l l iamNão Sacanagem. Eu só sou o empregado da ment i ra . O dono da verdade é quem me paga pra contar as ment i ras que na te l inha se tornam grandes verdades.

SacanagemE isso não te envergonha, não?

Wi l l iam

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Por quê? Você se envergonha dos seus t ruques de jogador? Você também conta pequenas ment i ras. Por v íc io , por gosto, ou para sobreviver , você também é um contador de ment i ras.

SacanagemMas eu sou negro, sou pobre, não t ive estudo. Era v i rar est ivador , t rabalhar de capacho de branco, roubar ou aprender as mancadas do jogo. Foi o que prefer i . Mas você não. É branco, estudou, e sabe t rabalhar com TV.

Wi l l iamE daí? Quem é branco e estudou também prefere não carregar peso e não quer ser capacho. Tem je i to de ser jogador sem contar ment i ra? Não têm. Trabalhar em TV é a mesma coisa. O jogador está a l i para enganar otár io , não é isso? Telev isão é a mesma coisa. Qual cu lpa você tem do outro ser otár io? Nenhuma. Você apenas v ive d isso. Eu também, não. Sou pago para isso. Ment i ra ou verdade, o dono da not íc ia não sou eu. O dono é quem me paga para contar a ment i ra . E esse d inhei ro não sou eu que estou te pagando, é o dono da ment i ra . E le nem sabe que está te pagando, mas para contar a ment i ra que e le quer , eu prec iso da tua verdade. É um dinhei ro l impo esse que você está ganhando hoje. Hoje o b lefe não é teu, entende como é?

Sacanagem(pegando e guardando o d inhei ro)

Não entendi mui to, mas acei to . Só que parece um jogo mais su jo do que os que eu jogo.

Wi l l iamPor que mais su jo?

SacanagemPorque quem joga comigo também quer me i lud i r com algum t ruque. Se o meu é melhor , eu ganho. Do contrár io , o otár io sou eu. Todo jogador tem a sua chance. O te lespectador não tem chance nenhuma. Ele não tá querendo te enganar e é sempre o enganado.

Wi l l iamNão sei , Sacanagem.. . Não sei . Que o te lespectador não quer enganar é ev idente. Nem tem como. Mas não sei se e le não quer enganar a s i própr io . Como aquele cara que joga por v íc io , mesmo sabendo que vai perder . Não é esse o que te dá mais d inhei ro? O te lespectador é a mesma coisa. Ninguém l iga a te lev isão para ouvi r verdades, para ver e ouvi r a lguém dizer a verdade. Quem acredi ta no que

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vê na TV, não está mesmo querendo acredi tar na verdade. Se o su je i to quisesse verdades, a real idade do que acontece, i r ia pra rua, ia ver o que acontece nas favelas, nos moqui fos, nas v i las misér ia . Ou pelo menos ia pegar um l ivro de um bom escr i tor . Ou ia conversar com o povo. Aí no meio do povão tem mui ta gente d isposta a contar a verdade. Você mesmo, não veio aqui e não contou a verdade?

SacanagemVim porque fu i obr igado. Da verdade do Pernambuco sei menos do que você. Nem sabia que chamava Gervásio. Já conheci como Pernambuco.

Wi l l iamComo Gervásio fo i contratado pelos própr ios i rmãos para ser o p is to le i ro da famí l ia de pol í t icos e us inei ros.

Cena 7 – Sequência de imagens de jogos em cassinos, Mesas de jogos, ro leta, snooker , bacará, caça-níqueis, car tas.

Wi l l iam (o f f )Descobr i ram ser herdei ro do dote paterno e o in t roduzi ram na roda da a l ta sociedade pernambucana para d iver t i r os barões da cana nas horas de fo lga. Gostaram de suas destrezas e recompensaram com outras d iversões.

Intercalando-se às imagens da sequência, f lashes de homens e mulheres ina lando, fumando ou in je tando drogas. Todas em est i lo sof is t icado, ambientes t íp icos de a l ta sociedade.

Wi l l iam (o f f )Foi a í que o Gervásio fo i perdendo a mão, se at rapalhando nos t ruques. Mas a co isa f icou fe ia mesmo quando retornou um pr imo que a famí l ia mandara para Europa para ev i tar escândalo e se l ivrar da vergonha de seus costumes.

Novas imagens in tercalam-se à sequência com big c loses de cenas de org ia sexual deta lhando corpos nus de homens e mulheres, cu lminando com uma ins inuação de um homem a outro que reage com explosão de mui ta v io lência.

Wi l l iam (o f f )Mas o rapaz não deixou os costumes na Europa e se entus iasmou por outros dotes do Gervásio que não gostou e machucou fe io o pr imo. Daí fo i abandonado pela famí l ia e a co isa f icou a inda p ior . Para manter seus novos hábi tos, acabou ingressando nas drogas mais baratas das ruas.

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Cena 8 – Externa. Noturno de ruas do Recife de dentro, às margens dos canais do Capibaribe

Wil l iamIa acabar se afogando nas sar je tas da Veneza Brasi le i ra , mas a mãe conseguiu a complacência da famí l ia que como úl t ima bondade arrumou vaga na c l ín ica de outro parente, um médico. A c l ín ica especia l izada em dependentes químicos f ica em Camaçar i e depois de ter se l ivrado do víc io , Gervásio resolveu não vol tar mais.

Cena 9 – Mesa da cantinaRestos de guardanapos e sachês de molhos de sanduíches nos pratos. Wi l l iam e Sacanagem tomam f ina l de café e ref r igerante.

SacanagemEle d iz ia ter t i rado umas fér ias numa c l ín ica de repouso da famí l ia .

Wi l l iamEstá vendo! É só usar uma meia verdade que a ment i ra co la.

Wi l l iam atende a uma chamada por comunicador t ipo walk ta lk .

Voz femin ina no walk ta lkBi l l . Seu Dodô Excelência chegou.

Wi l l iam(para o walk ta lk)

Excelente! Acompanhe-o à sa la de reunião, peça café e av ise a Ju l inha. Já tô chegando aí . (para Sacanagem): E aí? Quer i r conhecer o homem?

SacanagemDeus me l ivre!

Wi l l iamÉ f r ia , né Sacanagem? Mas pode f icar t ranqui lo , coma mais a lguma coisa. (para a garçonete) : Ó boni t inha! Si rva o que meu amigo aqui pedi r que é comigo, tá bom? Depois eu acer to. (novamente para o Sacanagem). F ique a vontade pra. . .

Sacanagem

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Não quero mais nada, não. A única coisa que quero é que você me garanta que não vão incomodar meu pai de santo.

Wi l l iamJá te fa le i ! Não esquenta que dele não queremos nada. E desculpa aí pela presepada da pol íc ia .

SacanagemSe precisar , de outra vez é só chamar. Mas não pelo Tenente que é pra não assustar a v iz inhança.

Na por ta da cant ina se despedem com um úl t imo aceno.

Cena 10 – Sala de reunião. Dodô e Bib i sentados em algumas das pol t ronas que contornam a mesa. Uma copei ra serv indo café. Ju l inha a je i tando uma mesa de ret ropro jeção. Wi l l iam adentra a sa la se d i r ig indo efus ivamente a Dodô.

Wi l l iamDodô Excelência, o Rei da Bahia!

Dodô( impassível e sem se levantar)

O que você arrumou pra mim?

Wi l l iamA his tór ia Dodô! A h is tór ia tod inha do Pernambuco. Como nasceu, como se cr iou, como f icou adul to e ve io parar na Bahia. Já temos pra hoje e estamos produzindo mater ia l para as próx imas edições da semana. Hoje vamos atacar logo no f ina l verdadei ro da h is tór ia . Exatamente como fo i que e le morreu. ( reparando em Bib i ) . E o companheiro aqui , quem é?

Bib iBib i de Brotas, seu cr iado.

Wi l l iam(para Dodô, conf i rmando)

Bib i de Brotas?

DodôÉ. Bib i de Brotas. Pode conf iar . Trabalha pra mim e sabe que não tenho nada a ver com essa morte. Pernambuco era meu homem de conf iança. Trabalhava pra mim.

Wi l l iam exper imenta o café enquanto a copei ra deixa a sa la observada pelo o lhar cúpido de Dodô.

Wi l l iam

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Quem é que não t rabalha para Dodô Excelência na Bahia? Todos nós! E estamos preparando um excelente t rabalho pra você. Nossa equipe já está nas ruas colhendo depoimentos das ú l t imas pessoas que est iveram com Pernambuco, momentos antes de ser morto.

DodôO que é que tá fa lando, rapaz? O cara tava sumido desde o domingo e os leg is tas d isseram que morreu na madrugada da quar ta.

Wi l l iamNós temos isso também, não temos Jul inha? Manda aí pra gente, ass im o Dodô já va i acompanhando a l inha de rac iocín io. (pro Dodô) Veja que vamos par t i r do ponto de v is ta da imprensa.

DodôDa imprensa, não. Daquele bosta de jornal is tas inho de d ip loma comprado.

Wi l l iam(cochichando para Dodô)

Dá mesmo pra conf iar na f rut inha aí?

Dodô(em seu natura l a l t issonante volume de voz)

Tô d izendo que s im! É veado, mas é de minha conf iança.

Bib i sorr i orgulhoso e sem nenhum constrangimento. O o lhar sér io de Jul inha vaga de um para outro e apesar do ev idente desagrado atende ao comando de Wi l l iam dig i tando o star t deum apare lho de reprodução de vídeo.

Wi l l iamIsso aí Ju l inha! A produtora mais competente e gostosa do Brasi l !

Zoom-in na imagem de um moni tor f ixo à parede.

Cena 11 – Externa. Fachada do Inst i tuto Nina Rodrigues.

Wil l iam (o f f )Aí vamos pôr uma locução para conf i rmar a ident i f icação e local ização e depois já vem depoimento.

Cena 12 – Interna. Sala de autópsia do Inst i tuto Nina Rodrigues

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Na l iv idez cadavér ica de um corpo na mesa de autópsias destacam-se manchas roxas e escor iações. O leg is ta depõe com prof iss ional ind i ferença.

LegistaApanhou mui to e morreu de pancada. Pelas escor iações se nota que fo i ro lando pela escadar ia que desce ao vale.

Cena 13 – Externa. Fachada de delegacia

Wil l iam (o f f )E vamos contrapor o depoimento do leg is ta com o da pol íc ia .

Cena 14 – Interna. Close no Tenente Ambrósio

TenenteQuando a v iatura chegou, encontraram o corpo boiando. F icou a l i a manhã in te i ra. A pr incíp io pensamos que t inha resolv ido dar um mergulho e se afogou .

Cena 15 – Interna. Idem Cena 12

LegistaNão tem água no pulmão. Quando o jogaram no d ique já era defunto. Até parece que sabia que ia morrer . T inha o endereço na morta lha para fac i l i tar a ident i f icação.

Cena 16 – Idem Cena 14

TenenteO indiv íduo deve ter dado a lguma mancada. Ninguém i r ia espancá- lo tanto se não desse mot ivo. Assal to não pode ser . . . Quem haver ia de assal tar um fo l ião só de sunga e morta lha, num f im de carnaval?

Cena 17 – Mesma sala de reunião da emissora

DodôPôrra Wi l l iam! Tá querendo me fodê a inda mais? O Ambrósio fez a beste i ra de dar essa declaração pro outro merda de jornal is ta e é n isso que está se baseando pra me ameaçar com essa h is tór ia de que mandei queimar arquivo. Arquivo o cara lho! Pernambuco era meu amigo.

Wi l l iam se in t imida com a explosão de Dodô. Guagueja e não sabe o que fa lar . Ju l inha toma a palavra.

Ju l inha

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Mas n inguém sabe. Não sabem e não é para saber . Se houver fo to sua com Pernambuco é bom esconder . Dá f im logo. Apesar de que na Bahia toda sempre se fa lou que Pernambuco t rabalhava pro senhor , não ex is te nada que comprove. Ou há?

Dodô gest icu la uma negat iva.

Wi l l iamSó que o Tenente nunca fez questão de esconder e mui tas vezes fo i v is to com Pernambuco.

Jul inhaAí é que está a mancada. O Tenente não devia ter se refer ido ao Pernambuco como “ ind iv íduo” , como se não o conhecesse. Daí a desconf iança.

DodôFoi só uma força de expressão. Pra pol íc ia todo suspei to é ind iv íduo e todo ind iv íduo é suspei to .

Ju l inhaAcontece que no caso Pernambuco não é suspei to , é v í t ima. E o Tenente o t ransformou numa ví t ima suspei ta . Para conser tar a pr imeira a legação contradi ta pelo leg is ta, o Tenente t ransformou a ví t ima em suspei to e a inda suger iu que a morte fo i uma execução. Foi onde a versão do jornal is ta cresceu.

DodôE vocês vão repi t i r a beste i ra do Tenente?

Jul inhaPra desment i r não dá mais, então o melhor é usar a bobagem já fe i ta como do veneno se faz o ant ídoto. Veja aqui o depoimento que gravamos agora há pouco.

Jul inha ac iona outra vez o apare lho de reprodução de vídeo cassete e a imagem do Sacanagem surge no moni tor , sentado na mesma banqueta e sobre mesmo fundo da Cena 2.

SacanagemNão regulava bem. Era meio fora da casinha. Quando ganhava uma rodada, f icava doidão pra apostar qualquer co isa. Diz ia que era pra conf i rmar a sor te. T inha de apostar qualquer beste i ra. Nessas horas f icava mais desesperado pra apostar do que no começo do jogo. Sentava numa mesa e levava a noi te toda t ranqui lo . Quando o jogo acabava é que f icava nervoso. Para e le era mais importante conf i rmar que t inha sor te com qualquer

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joguinho besta, apostando qualquer merreca, do que ganhar a bolada. Podia ser até porr inha, jogo de pal i to de fósforo. Depois do pocker , do p i f , de qualquer jogo fechado, quanto mais ganhava e mais d i f íc i l o adversár io , maior o desespero de conf i rmar a sor te nem que fosse apostando um c igarro.

Cena 18 – Close em SacanagemMesma s i tuação da cena reproduzida no moni tor , mas em zoom out revela-se que o fundo é o da parede de um bar .Aproximando-se ao balcão do bar , Pernambuco entra na cena.

PernambucoE ai Sacanagem? Diz agora quem é o melhor jogador da Bahia?

SacanagemÉ.. . E também é o mais car teador . Toma o seu uísque e vê se não se gaba tanto. . . A sor te sempre pode mudar.

PernambucoMas aqui não é só sor te não, meu chapa. Aqui também tem per íc ia , mal íc ia , técnica, est ratégia. . . Sabe como é?

SacanagemQualé rapaz? Cê tem é sor te demais, s im. Pra ganhar de você, só mesmo I fá .

PernambucoI fá? Quem é esse cara?

Sacanagem não responde. Dá um sorr iso de mofa enquanto v i ra a cachaça do copo.

PernambucoDiz aí : onde acho esse cara? Tu vai lá comigo pra ver e testemunhar que na Bahia não tem bom pra mim.

SacanagemNão se pode achar I fá . Mas quem sabe um dia te levo na roça do meu Oruwô, só pra ver tu af inar essa banca.

PernambucoIsso é papo de cr iou lo baiano!

Sacanagem toma o f ina l da dose e pede outra.

SacanagemVê a saidei ra aí e t raz a conta porque tá na hora de i r embora pra não f icar aguentando marra de pernambucano.

Pernambuco

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Tá vendo! É isso aí : negro só serve pra ter superst ição e tomar cachaça. Nem beber , não sabe!

SacanagemQualé? Tu também é f i lho de preto!

PernambucoSou mulato, mas sou mulato c laro. Negro aqui passou longe. Meu cabelo pode ser a l isado, mas é louro. Descendo de holandês, das Oropa.

Sacanagem sorr i , confere a conta, paga.

PernambucoComo é Sacanagem? Dá pra i r pra casa do teu avô agora, conhecer o ta l do I fá?

SacanagemNão é avô. É Oruwô, sacerdote de I fá que não é ta l de coisa nenhuma, é or ixá.

PernambucoE que jogo joga or ixá?

SacanagemJogo de búzios, mas a l i só quem ganha é I fá mesmo. Ninguém tem chance, adiv inha todas. . . A v ida de qualquer um: presente, passado e fu turo.

PernambucoBeste i ra!

SacanagemHoje não dá: a roça do Oruwô é longe, adiante do São Gonçalo. Mas se quiser outro d ia te levo até lá pra você conhecer .

PernambucoNada! Tu acha que vou até aquele f im de mundo só pra conhecer? A menos que quei ra apostar . Aposto cont igo como esse ta l de I fá não vai ad iv inhar nada de minha v ida. Nessa c ibola n inguém me conhece. A Bahia não sabe nada de mim. Só o que vocês sabem é que sou o melhor jogador do Brasi l . Nunca perco! Quero vê esse I fá adiv inhar minha v ida. Mas só vou ver , se tu topar uma aposta de como ganho também de or ixá. Topas?

Pernambuco estende à mão em s inal de amarração de aposta. Sacanagem a aper ta, acei tando.

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Cena 19 – Sala de reunião da emissora

DodôE daí? Aí não tem nada de novo. É tudo o que esse cabra já fa lou pra todos os jornais da Bahia.

Wi l l iamAí é que está a jogada. Esse Sacanagem é a única testemunha que depôs até agora. Se mudarmos ou escondermos o depoimento dele, passamos por ment i rosos. Mas podemos rever ter a nosso favor . Aquele jornal is ta só tem a palavra escr i ta , nos temos a imagem. Temos o testemunho fa lado. Com isso a gente tem mui to mais credib i l idade para o que d iz Sacanagem, apesar de ser a mesma coisa. Vê só?

Dodô o lha para Jul inha pedindo socorro e e la assume o encaminhamento da conversa fazendo s inal para Wi l l iam sol tar a f i ta , mas e le se at rapalha.

No moni tor , Sacanagem em meio a depoimento.

Sacanagem.. .desde que a gente vo l tou de São Gonçalo.

Wi l l iamAi cacete! Acho que aper te i a lguma coisa errada.

Cena 20 – Noite. Inter ior de colet ivo urbano, superpondo-se a imagem do monitorSentados lado a lado em acento de ônibus, Pernambuco resmunga o lhando para o afora da janela.

PernambucoPapo-furado!

SacanagemTá bom! Se não quer acredi tar , não acredi te . Mas se cuide! O Velho é foda! Quando e le fa la, acontece.

PernambucoEntão eu é que vou d izer o que vai acontecer : Vai acontecer que no pr imeiro d ia depois do carnaval , eu vol to aqui e levo aquele co lar do Velho. Deve valer a lguma coisa com aquele tanto de conchas grandonas.

SacanagemNão fac i l i te ! Se cuide! É bom tomar um banho de fo lha, um amacy. Com I fá não se br inca.

Cena 21 – Sala de reunião da emissora

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Jul inha afastando Wi l l iam de per to do equipamento de reprodução de vídeo.

Jul inhaVocê adiantou! Aqui é e le contando das tantas vezes que a ler tou Pernambuco. (para Dodô) Pernambuco chegou a br igar com o Sacanagem que passou meses pedindo a e le que se cuidasse.

Cena 22 – Close em Pernambuco

PernambucoPorra! Tá me agourando? Só vou pensar n isso depois do carnaval , quando for cobrar a aposta. Aí tu va i comigo! F ique t ranqüi lo que você vai ser o pr imeiro a ver aqueles buzião do seu avô pendurado aqui no pei to do Degas. Mas até lá vê se não me enche mais o saco!

Cena 23 – Sala de Reunião. Close em Jul inha

Jul inhaEsse depoimento é bom para nós porque mexe com o imaginár io popular . Pernambuco já estava marcado para morrer . Não se cuidou, abusou da sor te. Percebe a ps ico logia da coisa?

Jul inha se dobra para a justar o contro le ret rocedendo a f i ta e, a tento ao in teresse de Dodô no movimento da moça, Wi l l iam o cutuca fa lando em volume de voz natura l , mas como se est ivesse cochichando:

Wi l l iamMulheraço, né Dodô? Boni ta e ef ic iente pra cacete.

Ju l inha(vol tando-se rápido)

Bom.. . A h is tór ia da aposta com o or ixá o senhor já leu nos jornais . Não in teressa vol tar .

Dodô se a je i ta na cadei ra para melhor enxergar Ju l inha

DodôNão, não. É bom ver . A inda não me convenci de que isso tudo vai mudar a lguma coisa e quero ver .

Wi l l iamÉ aqui lo que d igo. Na imagem é outra co isa! Até Dodô está in teressado. Prende a atenção e f ica mui to mais verdadei ro. Aí a gente entra com outros depoimentos que o pessoal está produzindo na rua e mais os que vão

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chegar de Reci fe , com os parentes do Pernambuco contando como ele era v io lento, envolv ido com drogas e tudo o mais. Quanto mais depoimentos houver , melhor . Falando n isso, tô tendo uma ideia aqui (para Bib i ) Você já pensou em ser ator?

Bib iEuuuuuu?

Wi l l iamÉ! Sabe que você leva je i to pra co isa. Vem cá, vamos fazer um teste. (para Dodô, já segurando Bib i pe la mão em di reção à por ta) : Aguenta aí Dodô que já- já vamos ter mais um importante depoimento bastante real is ta.

Ju l inha dá o star t , a imagem se reproduz no moni tor , mas e la sa i apressada at rás de Wi l l iam.

Jul inhaUm moment inho Seu Dodô. Vai ass is t indo aí enquanto eu dou um recado aqui pro Wi l l iam.

Cena 24 – Jul inha fechando a porta atrás de si

Jul inha(para Bib i , enquanto puxa Wi l l iam pela mão)

Dá l icença um moment inho só.

Enquanto Bib i se afasta lentamente, Ju l inha puxa Wi l l iam para uma entrada de corredor . Logo que desaparecem, Bib i a tenta para o d iá logo sussurrado, mas audível .

Voz de Jul inhaQue porra é essa Bi l l? Tá me vendendo? “Gostosa!” “Mulheraço!” Quem te deu essa in t imidade? E agora sai fora pra me deixar sozinha com esse tarado.

Voz de Wi l l iamCalma quer ida! Você é esper ta e safa o bastante para escapar do homem. Acontece que e le nunca vai entender co isa a lguma do que estamos fazendo. O que o id io ta quer é que a gente detone com o ta l jornal is ta e isso só vai p iorar as co isas pro lado dele. Acontece que se as coisas f icarem ru im pro lado dele, f ica ru im pro nosso lado também. Então só tem um je i to de e le deixar a gente fazer a co isa cer ta, e esse je i to é você.

Cena 25 – Wil l iam encostado à parede, frente à Jul inha

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Jul inhaTá achando que sou mulher de abr i r as pernas pra defender emprego? Sei que e le come todo mundo aqui na Bahia desse je i to , na chantagem. Mas eu não sou baiana. Não prec iso d isso.

Wi l l iamSei que não, amor. Eu mesmo tente i e não deu cer to, tá lembrada? Você não vai ter de abr i r perna pra n inguém. É só saber levar a tara que e le tem por você. Tenho cer teza de que quando vol tar , você já arrancou a aprovação e fez o babaca assinar a autor ização de produção.

Wi l l iam bei ja a testa de Jul inha e v i ra a esquina do corredor . Ju l inha bufa e repete a mesma saída de cena.

Cena 26 – Sala de reunião da emissora i luminada pelo ref lexo de imagem do monitorJul inha adentra e se mantém encostada à por ta, enquanto Dodô cont inua assis t indo a imagem de c lose de Sacanagem em depoimento.

Cena 27 – Reprodução da mesma imagem do Sacanagem monitor, abrindo-se em zoom-outNa aber tura se in t roduz a f igura de Pernambuco ao lado e de um negro velho em f rente aos dois , jogando búzios. Todos estão sentados sobre chão bat ido. Ao lado do velho há uma pequena foguei ra de gravetos que se queimam nas pontas.Depois de lançar os búzios, espalhando-os sobre um cí rcu lo r iscado na terra do chão, o ve lho os cobre com uma penei ra de palha. De o lhos cerrados in ic ia um canto. Sacanagem debruça-se em di reção ao Pernambuco.

Sacanagem (sussurrando)

Agora e le va i lê seu futuro. O futuro lê com os búzios tapados pelo taraméssu, a penei ra.

Pernambuco (sussurando)

Vai ler como, se tá tapado?

Repent inamente o ve lho in terrompe o canto e erguendo a cabeça encara Pernambuco f ixamente. Depois af i rma calmamente:

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OruwôInhô vai morrê.

Sacanagem se assusta. Pernambuco não reage e mantém olhar f ixo no Oruwô. Depois de a lgum tempo, Pernambuco sorr i e por f im r i .

PernambucoClaro que eu vou morrer . E quem não vai?

OruwôVai morrê logo. . . Mui to logo.

PernambucoDeixe de bobagem, velho. Tu morre antes do que eu.

O velho levanta a penei ra, e observa as posições dos búzios.

Oruwô (murmurando)Uncê morre logo. . . Mui to logo. O bará revelou.

PernambucoO bará errou!

O velho recolhe um graveto do fogo e esf rega a ponta na terra apagando a brasa. Com a ponta apagada do graveto rev i ra cada búzio lenta e atentamente. Pernambuco permanece desconf iado e Sacanagem assustado e estát ico. Por f im, derrubando o beiço, o ve lho vol ta a af i rmar categór ico:

Oruwô I fá vat ic inou!

PernambucoQuer apostar ve lho? Quer apostar como não vou morrer? Me dê um prazo para morrer . Se eu morrer nesse prazo, tu ganha uma grana que deixo na mão do Sacanagem aqui . Mas se eu não morrer , o que é que tu me dá?

Oruwô (sempre sorr indo)

Do que tenho, o que uncê quizé meu f i lho, mas não quero de seu d inhei ro, não.

PernambucoEsse colar . Me amarre i no teu colar .

Dessa vez é o ancião quem r i .

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OruwôEu dar ia esse colar , se uncê ganhasse meu f i lho .

PernambucoEu vou ganhar . Eu nunca perco. Mas para ser aposta, fa l ta d izer o que vai querer se ganhar . O que tem de ru im com meu d inhei ro?

OruwôNum si procupe. O que esse velho qué, não vale nada pru ’ncê.

PernambucoO que você sabe sobre o que vale ou não vale para mim?

O velho toma de um cachimbo de barro no acento de tosca e pequena banqueta ao lado. Apanhando outro graveto, acende o fumo na chama e devolve o graveto ao fogo.

Oruwô Sô tão velho que perd i conta de minha idade. Sei que fu i cr iança e jove pruque lembro de tudo que amei quando era cr iança e jove, mas nem consigo mais mi lembrá de antes, como se sempre t ivesse s ido esse mesmo véio desdi cr iança, desdi jove. . . Só lembro du que amei , mas num lembro de mim.. . Acho que num lembro porque já v iv i mui tas v idas. . . Mui tas v idas! E onde consegui tantas v idas? Aprendi a recolhê a v ida de quem não qué v ivê. . . É isso! Tem mui ta gente que não qué v ivê. Tem mui ta gente que vem aqui querendo sabê do futuro porque tem medo de v ivê, ou tem preguiça de v ivê. Então só faço recolhê essas v ida de quem num qué v ivê.

PernambucoAí é que você se lascou, meu velho, pois eu gosto de v iver .

OruwôGostar todo mundo gosta, mas tem gente que gosta de outra v ida, que não é a v ida que v ive. Querem v ivê outra v ida, de outro je i to , com outra gente. Num tão contente com a v ida que têm. Pra mim toda v ida é boa, num perc iso de v ida melhó. Pra quê melhó? Só o que eu quero é v ivê.

PernambucoBom.. . Num tô aqui pra d iscut i r f i losof ia . Vamos resolver um prazo, mas não vem com his tór ia de mui to tempo, que é capaz do senhor não aguentar e se eu aposto é pra receber o que ganho na aposta. Def ina logo um prazo que

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quero fazer f igura com seu colar pra mostrar pro povo todo da Bahia que ganho até de or ixá.

OruwôAntes do f im do fer iado da sumana de carnavá, pruque no d ia despois é d ia de I fá e num f ica bem cobrá d iv ida de jogo em aniversár io de meu babá.

Cena 28 – Sala de reunião i luminada pelo ref lexo do monitor sem imagemApoiado a parede, Dodô in tercede Jul inha a inda encostada à por ta.

DodôComo vou conf iar se você não conf ia em mim.

Jul inhaNada a ver Seu Dodô. Problema é que aqui é lugar de t rabalho.

DodôPara com isso de “Seu Dodô” Pra você não sou senhor , não. Você sabe que na hora que eu quiser nem você nem o bost inha do seu colega t rabalham mais aqui . E le não serve pra nada mesmo, mas você é prof iss ional competente, entende do negócio e sabe o que faz. Devia estar no lugar dele e eu posso conser tar isso.

Jul inhaDaí que o melhor é ass inar logo a autor ização de produção pra gente estar com a matér ia pronta e no ar a inda hoje, porque se a versão de queima de arquivo começar a se cr is ta l izar na cabeça das pessoas, aí não tem mais je i to .

DodôE nossa re lação como é que f ica?

Jul inha ac iona o in terruptor i luminando a sala.

Ju l inhaFica pra outra hora e outro lugar , porque aqui pode chegar a lguém.

DodôHoje tenho compromisso, mas depois te le fo. . .

Ju l inha é arro jada sobre Dodô ao abr i r da por ta. Entra Wi l l iam seguido de dois jovens e, por ú l t imo, Bib i . Um dos rapazes segura uma câmara de vídeo e o outro um ref le tor e um

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rebatedor de luz. Wi l l iam têm duas f i tas de vídeo na mão e vai d i reto ao apare lho de reprodução de imagens.

Wi l l iamPronto Dodô Excelência! O pessoal já vo l tou com os depoimentos colh idos. Vamos ver qual a impressão que t iveram as ú l t imas pessoas que est iveram com o Pernambuco.

Jul inha faz escorregar sobre a mesa, à f rente de Dodô, uma caneta e fo lha de papel t imbrado, com aspecto de documento.

Jul inhaEspera um pouco. Pr imeiro deixa o Dodô assinar a autor ização de produção, pra gente poder começar a montagem.

Depois de Jul inha acenar com uma piscadela conf idencia l , Dodô assina a autor ização. Wi l l iam sorr i já co locando a f i ta que anuncia aos demais:

Wi l l iamPr imeiro vamos à nossa ú l t ima revelação, aqui . Vejam que show de in terpretação. Dá banho nos ast ros de novela.

Todos se vol tam para o moni tor reproduzindo um c lose de Bib i em depoimento.

Bib i (na imagem do moni tor)

Eu v i esse cara, s im. Lembro bem porque e le engrossou comigo. Suje i to bruto! Eu v inha descendo a l i a Avenida Sete, a inda cur t indo aquela animação de f im de carnaval .

Cena 29 – Noturno. Externa. Av. Sete de Setembro com decoração de carnaval ref let indo no asfal to molhadoA imagem se abre a par t i r do c lose no Bib i , revelando-o de combinação, roupa ínt ima femin ina. Puxa e balança a morta lha pela grande aber tura la tera l nas pernas, revelando por baixo uma calc inha. Pelas ca lçadas a lguns grupos d ispersos de pessoas em ní t ida bebedeira e a legr ia cansada, mas cantando e dançado no meioda rua, Bib i cruza com Pernambuco que vem em sent ido contrár io , percept ive lmente bêbado.

Bib iAtrás do Tr io Elét r ico só não vai quem já. . . (para Pernambuco) Quê que há boneco? Vamos cur t i r as c inzas juntos?

Pernambuco

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Vá-te à porra, veado de merda!

Bib i segue cantando e dançando sozinho. Pernambuco cont inua x ingando no meio da rua.

PernambucoCom tanta mulher nessa c idade quem é que vai querer ch ibungo? Vai dar prum jegue b ichona f i lha da puta!

Cena 30 - Sala de reunião da emissoraTomada da te la do moni tor l igado, mas sem imagem, abr indo para Wi l l iam t rocando de f i ta .

Wi l l iamPercebeu como é Dodô? Com os depoimentos que estão para chegar , mais os do Sacanagem e outros como esse do Bib i , a gente va i constru indo no espectador a percepção da s i tuação de r isco do Pernambuco naquela madrugada. Vamos ver estes aqui e você vai sent i r d i re i t inho.

No moni tor surge a imagem de um jovem casal.

Rapaz do CasalLembro s im. Lembro porque os que fazem inscrever a lguma coisa na morta lha, sempre usam f rase engraçada.

Cena 31 – Big close de mortalhas em peitos osci lantes de homem e mulherPela osci lação d is t ingui -se que este jam bêbados e comemorando. No pei to da morta lha do rapaz o desenho de uma porca de parafuso com pernas femin inas fugindo de um parafuso com pernas mascul inas. Da porca de parafuso uma indicação de fa la em balão de h is tór ia em quadr inhos: “ - Não! Sem arruela não!” . No pei to da morta lha da moça, a inscr ição: “O Min is tér io da Saúde Adver te: Pro ib ido para quem sofre de in to lerância à lactose”

Rapaz do Casal (o f f )Na dele só estava escr i to “Degustação grát is” e um endereço.

Moça do Casal (o f f )É. . . A p iada estava no “Degustação Grát is” . Mas que graça tem isso?

Cena 32 – Sala de reunião. No monitor se ajusta imagem de início de gravaçãoDodô faz cara de insat is fe i to . O rapaz da câmera comenta sobre a nova imagem:

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CâmeraEsse aí é bom. É ót imo esse depoimento. E o cara fa lou de pr imeira. Não fo i prec iso nem ensaiar . Por sor te eu já estava gravando o que dever ia ser o ensaio. Foi tão convincente que f icou essa mesma.

Cena 33 – Enquadramento da cena do monitor, em close.Percept ive lmente, a imagem é de um mendigo.

MendigoPuta maluco! . . . Dormindo aqui . . . 5 noi te sem dormi pru causo de carnaval . . . Fr io pra cacete! Chuvendo! . . .

Cena 34 – Externa. Noite.Big c lose de uma face de moeda de 1 real em pr imeiro p lano e ao fundo a cara de Pernambuco do ponto de v is ta de quem o vê de baixo. A imagem surge e some em blackout , p iscando, até f i rmar-se.

PernambucoEh i rmão! Acorda! Acorda aí i rmão.

Cena 35 - Mendigo deitado, aparentando olhar para Pernambuco

Mendigo Porra de i rmão, nada! Tenho i rmão nenhum.

Pernambuco (o f f )Tenho um negócio pra te propor . Um negócio pra você.

Mendigo E eu quero lá sabe de negócio? Eu bebo, mas meu negócio é o outro. (em of f ) Mas o homê lá, com a moeda na mão, ins is t indo.

Pernambuco (o f f )Olha aqui uma prat inha! Vamo t i rá no cara-ou-coroa. Se eu ganhá, tu me passa o lugar e eu dei to aí . Se tu ganhá, a prata é tua e cont inua dormindo aí mesmo. Vamo lá! Cara ou coroa?

O mendigo se apruma em expressão ameaçadora e puxando uma peixe i ra do meio de seus t rapos a aponta enquanto a câmara abre revelando o câmera e o i luminador assustados.

Mendigo

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Aí puxei da per igosa. Calma! Não vô furá n inguém, não. Mas aquele maluco eu furava! Por sor te se escafedeu por esta c idade do Salvador . . . Porque eu furava.

Cena 36 – Sala de reuniãoWil l iam e os rapazes animados. Ju l inha e Bib i impassíveis . Dodô insat is fe i to .

Wi l l iamRapaz! F icou mui to bom mesmo. Esse cara deve ter s ido mesmo importunado por a lgum bêbado.

I luminadorFoi o que a gente f icou achando. Prometemos uma garrafa de cachaça em pagamento, o cara topou e enquanto o Rafa tava a je i tando a câmera, expl iquei mais ou menos o que e le t inha de fa lar . De repente o cara saiu fa lando. Por sor te o Rafa já estava gravando.

Wi l l iam(ret i rando a f i ta do apare lho)

Genia l pessoal ! Genia l ! Essa é a melhor equipe de produ. . .

DodôÔ Wi l l iam! O que é que tem de genia l n isso aí que até agora eu não v i nada? Assinei o papel conf iando na moça, mas até agora vocês não me convenceram de coisa nenhuma.

Wi l l iamMas a inda não percebeu Dodô?

Jul inhaÉ que a inda não deu pra mostrar os croquis das s imulações.

Wi l l iamAh! É por isso. Aí não dá para entender nada mesmo. Apresente então Jul inha, por favor .

Ju l inhaÉ o seguinte Seu Dodô: a importância desses depoimentos mais os que estão chegando do Reci fe , é que at ravés deles nós vamos embasando, dando consis tência para a nossa h is tór ia . A h is tór ia dos ú l t imos momentos de v ida de Pernambuco e o mot ivo da morte dele.Veja só! Lembra o que o único amigo que t inha, o Sacanagem, contou que f icava desesperado para apostar qualquer beste i ra depois de ganhar uma mão, um jogo? Foi daquele depoimento que montamos toda a h is tór ia .

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Pedi ao pessoal da ar te pra preparar esse story board só pra apresentar a ide ia pra você, mas as cenas serão in terpretadas por atores, numa s imulação do que ocorreu. Hoje vamos apenas sol tar a lguns desses depoimentos e apresentar o mater ia l co letado pelo Tenente Ambrósio no local do cr ime.

DodôQue mater ia l é esse que não tô sabendo?

Wi l l iamO Tenente não te fa lou nada dos restos de fantas ias dos Apaches encontrados na escadar ia do Tororó?

DodôQue d iabo é isso?

Wi l l iamÉ o jornal ismo de h ipóteses, Dodô! Expl ica pra e le Ju l inha.

Jul inhaOlha só Dodô: hoje so l tamos aquele depoimento sobre os del í r ios do Pernambuco. Amanhã repet imos o mesmo t recho outra vez e já sabemos que tem algo a respei to no que está chegando de Reci fe . Montaremos a edição para dar a sequência desejada e entraremos com a pr imeira cena da nossa s imulação. (para Bib i ) Desl igue a luz, por favor .

Bib i levanta e desl iga o in terruptor . Na te la branca na parede em f rente pro jeta-se desenho de homem que caminha no asfa l to chutando la ta de cerveja. Zoom-in lento na pro jeção do desenho.

Jul inha (o f f )Dependentes químicos, mesmo depois de curados do víc io , em qualquer s i tuação de est resse f ís ico ou menta l exper imentam recaídas de a luc inações. Três ou quatro noi tes de carnaval , o cansaço, o não dormir , pouca a l imentação e bebida provocaram esse est resse em Pernambuco.

Cena 37 – Ao desenho funde-se a mesma imagem em ação, ret irada da seguência da Cena 29Pernambuco caminhando e cambaleando É a mesma imagem da sequência 29, mas dessa vez, d i ferentemente da anter ior , as mesmas pessoas dos grupos d ispersos pelas ca lçadas, menos animadas e fest ivas, chutam latas de cerveja. Repent inamente a imagem se acelera reproduzindo takes da d iscussão com Bib i ,

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para vol tar ao normal quando Pernambuco também começa chutar la tas.

Ju l inha (o f f )Uma t radição dos fo l iões na madrugada de quar ta- fe i ra de c inzas em Salvador é chutar la tas de cerveja. Talvez para d is farçar o s i lêncio que subst i tu i o samba, o f revo, os t r ios e lét r icos. Como todos, Pernambuco também chutou la tas que repicaram entre as cores dos luminosos ref le t idos no asfa l to molhado.

Cena 38 – Acompanhamento de latas de cerveja repicando no asfal to, até enquadrá- las em close

Julh inha (o f f )Nos o lhos cansados e in tox icados de cores e imagens, Pernambuco v iu nas la tas boiando no chão da avenida, peças de jogo. Qual jogo?

Cena 39 – Desfoque das latas em close. Corte para as mesmas latas sobre o asfal to em segundo plano de tomada de Pernambuco por trásPernambuco esf rega os o lhos. As la tas se t ransformam em peças de jogos, acompanhando a descr ição de Jul inha, sempre em of f .

Ju l inha (o f f )Pedras de dominó? De jogo de damas? Fichas de cassino? Dados? Bolas de b i lhar? Cartas de Bara lho? Ou Búzios! Peças do jogo de I fá !

A pr incíp io espantado com as t ransformações das la tas, ao se f ixarem na reprodução dos búzios g igantes do colar do Oruwô, Pernambuco começa a r i r . O r iso progr ide à gargalhada e se torna eufor ia .

Ju l inha (o f f )Pernambuco então entendeu porque as la tas se t ransformaram em búzios. Entendeu que fo i para lembrá- lo de que amanhecia o pr imeiro d ia depois da terça- fer ia de carnaval . O d ia em que e le ganhou de I fá . Ganhou até no jogo dos búzios!

Mui to exc i tado, Pernambuco caminha rápido a inda que osci lante, procurando a lgo pela rua e pelo própr io corpo. De dentro do calção por baixo da morta lha puxa um saquinho p lást ico. A joelha-se e rev i ra o que há dentro do saco no p iso da calçada: chaves, isquei ro, um maço de poucos e amassados c igarros e uma moeda de um real . Separa a moeda e retorna o resto ao saco que vol ta a guardar dentro do calção. Com a

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moeda na mão o lha para os lados como se procurando. Repent inamente at ravessa a rua.

Jul inha (o f f )E então é atacado pela compulsão incontro lável de conf i rmar a sor te que o fez vencer até um or ixá.

Takes acelerados da Cena do mendigo (34) seguidos de sequências de caminhada de Pernambuco, sempre em exci tada procura. Breaks e acelerações, in tercaladas por sobreposição de takes da Cena da le i tura dos búzios (27) f ina l izando com c lose do Oruwô.

Oruwô (o f f )Antes do f im do fer iado da sumana de carnavá.

Cena 40 – Sala de reunião em penumbraNo desenho pro jetado, o in ter ior de um boteco, com algumas mesas e f regueses.

Jul inhaSol ic i tamos imagens do bar da escadar ia do d ique do Tororó e temos a lguma coisa em arquivo.

Câmera(apontando para o apare lho de reprodução de vídeo)

Também gravamos imagens do bar hoje. Está aí nessa mesma f i ta , um pouco mais adiante.

Ju l inhaNão é necessár io . Seu Dodô cer tamente conhece o bar e deve também saber que a l i se reúnem os aposentados da v iz inhança que entre uma cervej inha e outra preenchem o tempo jogando dominó, dama ou dados.

Enquanto fa la, Ju l inha t roca o desenho do pro jetor . A nova imagem é da fachada de um bar onde se inscreve: “Bar da Escada do Tororó” , com mesas e f regueses na calçada.

Cena 41 – Externa. Dia. Detalhes do entorno do dique do Tororó – movimento normal de moradores pelas margens do d ique, no bar e na base da escadar ia, com uma v iatura pol ic ia l estac ionada.

Jul inha (o f f )Uma v iatura da pol íc ia faz ponto regular no pé da escadar ia de onde pode v ig iar toda a margem do entorno do d ique. Na verdade a pol íc ia não está a l i para proteger o pecúl io da aposentador ia dos velh inhos otár ios, mas todos os moradores de assal tos que eram comuns nos degraus

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da escadar ia. Assim mesmo a malandragem se sente in t imidada e só aparece por a l i para atender a ansiedade dos velh inhos em arr iscar uma fez inha, nos f ina is de semana. Exatamente entre o meio d ia de sábado até à ½ noi te de domingo para segunda-fe i ra, quando a pol íc ia suspende a v igí l ia .

Na cont inu idade da sequência tomada do Dique do Tororô, com a câmara subindo pela escadar ia. A imagem t ranscorre em efe i to de aceleração revelando a v iatura par t indo, um entardecer sucedido pela noi te , amanhecer , um dia, outro anoi tecer e chegada da v iatura quando a câmara at inge o topo da escada e se in terrompe o efe i to de aceleração de tempo. Girando ¼ a tomada revela a extensão da rua do topo da escada em amanhecer . V indo do outro ext remo da rua, apenas um t rôpego fo l ião ao fundo caminhando em di reção à câmera.

Jul inha (o f f )Bêbado e cansado, o tempo gasto por Pernambuco entre a Sete de Setembro e o Tororó ser ia suf ic iente para a aber tura das por tas do Bar da Escada. E a l i havia a cer teza da possib i l idade de enganar a lguém no cara e coroa com sua ú l t ima moeda.

Dobrando uma esquina at rás do fo l ião, surge um casal fantas iado de índios nor te-amer icanos. Caminham rápido, na mesma di reção. Percebendo-os at rás de s i , o fo l ião os aguarda.

Jul inha (o f f )Mas Pernambuco lembrou que ter ia de aguardar até aparecer a lgum dos aposentados. Isso poder ia demorar , a f ina l era o pr imeiro d ia depois do carnaval e todos ter iam ido dormir mais tarde. Foi quando deu a sor te de encontrar a lguns in tegrantes do temido b loco dos Apaches.

Cena 42 – Imagens de arquivo do Bloco dos Apaches

Jul inha (o f f )Pernambuco sabia que os Apaches é o maior e mais temido b loco do carnaval da Bahia, famoso pela v io lência com que t rata os in t rusos que tentam penetrar ou at ravessar seus desf i les. Mas is to não in t imidou sua compulsão e necessidade de reaf i rmar a sor te depois da v i tór ia no jogo com o or ixá.

Sobreposição de c lose do Oruwô sobre o ú l t imo take da sequência de imagens do Bloco dos Apaches

Oruwô

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Antes do f im do fer iado da sumana de carnavá.

Cena 43 – Externa. Câmera no mesmo ponto da Cena 39 Fol ião conversando com o casal que caminha sem se deter . Da mesma esquina pela qual o casal adentrou a rua, surgem mais in tegrantes do b loco, com idênt ica fantas ia, enquanto o fo l ião bêbado, apressando-se para fa lar ao casal que segue caminhando rápido, acaba se in tercedendo a f rente dele.

Ju l inha (o f f )Todos sabem na Bahia que os Apaches só andam em grupos. Onde se vê um, é porque há outros por per to. São conhecidos por essa tát ica de defesa. Cer tamente o Apache a quem Pernambuco ofereceu seu “cara ou coroa” , não topou a aposta, mas ao perceber os demais entravam, imaginou um jogo mais arr iscado.

Cena 44 – Zoom-in rápido no grupo fol ião e casal até big close em Pernambuco num rápido olhar para trásAo fundo, desfocados, mas reconhecíveis , os outros in tegrantes do b loco.

Pernambuco (o f f )Se dou uma tapa nesse neguinho, vou ter de escapar dessa turma toda. Se me pegam, tô acabado. Se não pegam, ganhei o prazer de dar uma porrada em um Apache. Ai s im é que vou provar que essa negrada da Bahia são tudo uns merda. Ganho dos or ixás e ganho do Bloco. Vai ser a maior façanha acontec ida em toda a h is tór ia do carnaval baiano.

Cena 45 – Interna. Sala de reuniãoJul inha acena para Bib i ac ionar o in terruptor acendendo a luz e enquanto fa la se lec iona outra f i ta de vídeo e carrega o apare lho de reprodução de vídeo.

Jul inhaMas como todo bom jogador , Pernambuco t inha um t runfo, uma car ta marcada. Só não t ivera t ruque no bará, que para e le era jogo desconhecido. Mesmo assim ganhou, porque tem sor te. Mas não ser ia louco de arr iscar a sor te com os Apaches se não t ivesse seu t ruque. O t ruque do Pernambuco naquele jogo era o carro de pol íc ia que invar iavelmente está a l i na base da escadar ia, exceto nos fer iados. Mas o fer iado acabou. Os b locos, t r ios e lét r icos, a foxés, já foram todos recolh idos. O carnaval termina à meia noi te de terça- fe i ra e a v ia tura sempre retorna à meia-noi te de todos os f ina is de fer iados, protegendo os t rabalhadores noturnos e madrugadores. A pol íc ia nunca fa lha e Pernambuco t inha cer teza de que o proteger iam

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dos Apaches. Sequer ousar iam descer os pr imeiros degraus da escadar ia que, pela d is tância, fac i lmente a lcançar ia antes que o pegassem. E a lcançou. Derrubou o rapaz do casal , correu e chegou à escada bem antes do pessoal do b loco.

Cena 46 – Zoom-in enquadrando somente Jul inha Aproxima-se ao moni tor , com o contro le remoto à mão

Aí era só entrar no bar e esperar pelo pr imeiro aposentado a comprar o pão da manhã. Mas Pernambuco fa lhou num pequeno deta lhe, exatamente no deta lhe que a rot ina da v iatura de pol íc ia nunca fa lha, aparecendo somente no ú l t imo minuto de um f ina l de fer iado. Seja à meia-noi te ou ao meio-d ia.

Ju l inha ac iona o apare lho e no moni tor reaparece depoimento de Sacanagem num t recho completo.

Sacanagem(no moni tor)

A mancada do Pernambuco fo i esquecer que o ú l t imo fer iado da semana do carnaval é a quar ta- fe i ra. Deve ser o único fer iado do ano que termina ao meio-d ia. E à meia noi te da quar ta- fe i ra, começa a quinta- fe i ra, que é o d ia de I fá . Eu fa le i pra e le se cuidar , mas não deu bola, achava que era tudo bobagem.. . Uma bobagem, um pequeno deta lhe. Mas uma mancada imperdoável para um jogador .

Cena 47 - Wil l iam ret irando a f i ta do aparelho

Wil l iamÉ isso aí Dodô. Fechamos a h is tór ia . Estes foram os ú l t imos momentos e os mot ivos da morte de Pernambuco

Cena 48 – Geral da reuniãoTodos o lham Dodô em expectat iva e e le corresponde impassível ao o lhar de cada um, até explodi r :

DodôFechou a h is tór ia o cacete! Aquele jornal is taz inho de merda desmonta essa h is tór ia em uma única matér ia . O que é que vocês têm aí? Depoimentos para comprovar que Pernambuco fo i prof iss ional de jogo? Isso a Bahia in te i ra sabe! Que era meio maluco? Claro que era! Era só eu não i r com os cornos de a lguém, que ia lá fazê beste i ra. E essa h is tór ia de Apaches, aí? De quem fo i a ide ia?(pra Jul inha) Foi sua?

Jul inha

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Não. Mas o Tenente Ambrósio d isse que é comum se responsabi l izar os Apaches pelas mortes sem expl icação nos carnavais da Bahia. Até um que morreu de ataque cardíaco, já se t inha not ic iado como estrangulado pelos Apaches.

DodôO Ambrósio é outro bosta. Não estão vendo que o porra do jornal is ta va i usar essa mesma his tór ia do homem que morreu do coração? Quer saber qual va i ser a manchete do jornal? “Mais uma vez a ve lha desculpa dos Apaches!” Qualquer co isa assim.

Wi l l iamMas exis tem provas Dodô. O Tenente reuniu um monte de adereços de fantas ia dos Apaches que caíram na escadar ia enquanto espancavam o Pernambuco. Tem até duas penas vermelhas.

DodôUma pro teu rabo e outra pro rabo do Ambrósio! Não ouviu e la d izer que o Bloco dos Apaches é o maior do carnaval da Bahia? Tem pedaço de fantas ia dos Apaches pela c idade in te i ra, tem pena vermelha pro rabo de cada um dessa TV. Vocês só não têm alguém que v iu o que aconteceu naquela escada! Têm um monte de depoimento montado, mas não têm ninguém dizendo que v iu os Apaches ro lando o Pernambuco pela escadar ia do Tororó. Se é montado ou não, não me in teressa, mas não tem nenhum que desmonte a versão daquele jornal is ta. O que vocês têm de fazer é que a Bahia compreenda que o f i lho da puta me persegue porque é um comunista! Um subvers ivo!

Wi l l iamDodô! Esquece o jornal is ta! Assim só vai p iorar as co i . . .

Ju l inhaPera aí B i l l ! O Dodô está cer to. Nós não temos um depoimento que realmente seja def in i t ivo. Que realmente mate esse caso! E eu já se i . . . Já vamos ter esse depoimento.

Jul inha tec la num inter fone.

Dodô( i r r i tado, para Bib i )

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Liga aí pro pessoal e av isa que estamos indo pra lá . Isso aqui não vai dar em nada.

Jul inha(no in ter fone)

Eu quero a Jazna. . . Então qualquer um da maquiagem.

Bib i se movimenta para atender a ordem, mas lembra-se de a lgo

Bib iAi Dodô! Esqueci que perd i meu celu lar . Deixe i ca i r na água do mar e est ragou tudo. Não funciona mais.

Ju l inha(no in ter fone)

Eu quero todo mundo no estúdio. Levem aquele creme ondulante. E vê se local iza a Jazna.

DodôArrumem um te lefone aí .

Ju l inha desl igando o in ter fone.

Jul inhaVem comigo Bib i . Tem um te lefone aqui do lado e você pode fa lar sossegado enquanto e les conversam aí . (para o Câmera e o I luminador) Vocês também vêm comigo.

Cena 49 – Corredor da emissoraO Câmera e o I luminador seguem em di reção às por tas grandes, t íp icas de estúdio de gravação de imagens, enquanto Jul inha abre a por ta de uma saleta para Bib i .

Ju l inhaFeche a por ta que aqui n inguém vai te incomodar. É só d iscar zero para dar l inha. Mas vou te pedi r um favor : espere eu te chamar para vol tar à reunião. Vou demorar um pouco, mas não é mui to. Se você vol tar antes o Dodô vai querer i r embora e eu já tenho a so lução da h is tór ia toda. Espera que venho te chamar.

Bib iAi co lega! O homem tá tão brabo que dá medo.

Jul inha

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Fique t ranqui lo . Eu vou resolver isso já ! Feche a por ta e f ique escondid inho aí . Pode estar cer to de que o Dodô vai gostar .

Cena 50 – Inter ior de pequena sala. Apenas uma mesa, poltrona e telefoneSaindo, a própr ia Ju l inha fecha a por ta. B ib i se benze ao je i to cató l ico.

Bib iAi minha Pomba! Epa Babá! Daí paz a esse povo est ressado. Cadê o número da monga?

Revi rando os bolsos Bib i encontra um papelz inho. Dig i ta zero e depois de uma pausa os demais números.

Cena 51 – Sala de reuniãoWil l iam desconfor tável , levantando o in ter fone. Dodô impaciente.

Wi l l iamCafé Dodô?

DodôUísque!

Wi l l iam(no in ter fone)

Dois uísques. . .

Dodô acena ind icando apenas um.

Wi l l iamÉ.. . Um uísque e um café.

Wi l l iam desl iga.

DodôVocê está t rabalhando e prec isa agi tar para resolver a lguma coisa a inda hoje. Quem precisa re laxar pra se acalmar com vocês sou eu.

Cena 52 – Interna. Camarim de TVReconhecive lmente t ravest i , Jazna espalha a lgum creme esfregando as mãos que suavemente acar ic iam mechas dos cabelos de Jul inha.

Jazna

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Siempre te d i jo ! T ienes que ser act r iz ! Hasta que me oíste!

Ju l inhaNada d isso quer ida. Acontece que tenho de defender meu emprego e o daquele id io ta que quase põe tudo a perder .

Cena 53 – Tela dividida em close de Bibi no telefone ocupando quase toda a área e de Marly em celular no canto direi to A medida que t ranscorre o d iá logo te lefônico, gradat ivamente a porção referente a imagem de Mar ly va i ocupando o quadro, até a to ta l idade no f ina l da cena.

Bib iOi poderosa! É a sua i rmã de jura.

Mar l iOi quer ida! Como é que tá aí?

Bib iUma merda! Não deu nada cer to. O dragão da maldade tá com as ventas bufando fogo e pediu pra av isar que já estamos indo pra ’ í .

Mar l iIh Bib i ! Não estamos mais lá , não. Também não deu cer to.

A boca de Bib i ar t icu la, mas apenas as respostas de Mar l i são audíveis .

Mar l iA festa va i ser de Iansã, mas o Ronald achou de querer usar preto e vermelho que é mais (em inglês macarrônico) “p last ic” , mas misturar cor de Exu em festa de Iansã, já v iu né? Não dá e nem Donana deixou.

Diz que fu i v is i tar minha t ia em Pira já.

Nem te conto! (o lhando para o lado) Está aqui .

Então e le que procure o Andrew e vê se me acha.

Claro quer ido! . . . Está aqui , te d isse. Oxum não é f raca, não. Só fa l ta pedido de casamento e nossa passagem pros Is te i tes está garant ida.

A ú l t ima fa la de Mar l i co inc ide com complementação de sua imagem no quadro com Ronald ao lado, ao qual acar inha o pei to sem camisa. Ambos em espreguiçadei ra de pra ia, f rente ao mar

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e mesa com cocos, copos e garrafa de uísque. Mar l i desl iga o ce lu lar e t roca com Ronald um bei jo ester io t ipado de Hol lywood.

Cena 54 – Sala de ReuniãoEntra Bib i , seguido do I luminador com seu ref le tor e Jazna com uma val ise. Por ú l t imo Jul inha já fa lando e com os cabelos a inda sol tos, mas, de l iso escorr ido, agora t ransformado em mechas onduladas, aparentando ter s ido lavado.

Jul inha(apontando uma f i ta de vídeo em sua mão)

Pronto Seu Dodô! Tá aqui o que fa l tava.

Dodô(acar ic iando uma ponta do cabelo de Jul inha)

Huuuuum.. . F icou a inda mais boni ta ! Só esse “seu Dodô” é que cont inua fe io.

Ju l inha l ivra-se da car íc ia d i r ig indo-se ao apare lho de vídeo, onde in t roduz a f i ta enquanto apresenta Jazna.

Ju l inhaObra de nossa quer ida Jazna aqui . Mas é o seguinte Dodô: isso de fa lar do jornal is ta não é uma boa. Ele tem mui to mais a fa lar de você do que você dele. E nem precisa. O que você prec isa é de um fato. E aqui está o fa to.

Ju l inha ac iona o apare lho e no moni tor surge em s i lhueta a imagem de uma mulher de costas. Ident idade indef in íve l , mas pelo formato dos cabelos reconhecive lmente negra ou mulata.

S i lhueta(voz d is torc ida)

Aí o maluco chegou todo a loprado, querendo apostar . Só quer ia apostar , mas parecia chapado, mui to doido.

Cena 55 – Idem Cena 43 com zoom-in lento em grupo de Pernambuco e o casal do Bloco dos Apaches

PernambucoÔ Cacique! Tenho uma moedinha aqui , vamos t i rar um cara-ou-coroa?

ApacheQualê a tua rapaz?

PernambucoCara-ou-coroa! Rapid inho! Só uma par t ida, uma só.

Apache

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Não quero nada, não. Se p ique!

PernambucoDiz aí : cara ou coroa? Diga! Eu só quero comemorar uma v i tór ia desse carnaval . Só quero ver se cont inuo na sor te.

ApacheNão torra não, cara! F ica na tua!

PernambucoMas é só d izer e eu jogo a moeda pra c ima. Se cai r o que tu escolher , a moeda é tua. Se sai r o que eu escolher , tu me dá qualquer co isa: uma pena do teu cocar ou uma bicoca da tua garota.

ApacheSe p ique, seu porra!

O zoom enquadra o grupo em c lose no momento em que com um empurrão o rapaz faz Pernambuco g i rar e no g i ro, equi l ibrando-se para não cai r , vê os demais do b loco v i rando a esquina at rás, v indo na mesma di reção. Complementando o desequi l ibro, Pernambuco dá for te pancada no rapaz e já corre em desabalada no momento do gr i to da garota.

Cena 56 – Sala de reunião. Zoom-out lento a part ir de close na imagem do monitor: a si lhueta da negra ou mulata

Si lhuetaAlcançaram ele na escada. Eu também tava na bronca, mas achei mui ta jud iar ia . Não prec isava daqui lo tudo! Depois nunca mais v i n inguém. Só tô delatando porque não quero suje i ra pro meu lado. Não sou cúmpl ice. Não tenho nada a ver com o causo.

DodôÉ isso aí ! É o que fa l tava! Agora convence.

O moni tor é desl igado.

Wi l l iamOnde você arrumou essa aí? Tá no orçamento?

Jul inha acena para Jazna que rebusca a lgo na val ise.

Ju l inha

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Custo menor do que uma garrafa de cachaça. E nosso âncora só prec isa expl icar que a d is torção de voz é para segurança da testemunha.

Wi l l iamIsso o Tenente Ambrósio pode conf i rmar depois.

DodôServ iço de Proteção às Testemunhas. . . Dessa vez vai serv i r pra a lguma coisa que preste.

Jazna entrega a lguma coisa para Jul inha.

JaznaQuizo ondular e l pe lo, pero no se quedo bueno n i le prende por arr iba de la cabeza.

Jul inha se adianta para f rente da te la de pro jeção.

Jul inha(pr imeiro para Bib i , depois pro i luminador)

Apague a luz, por favor . Posic iona o ref le tor .

Cena 55 – Close em Jul inha no escuroDepois de enf iar a lgo indef in íve l na cabeça, acende-se o ref le tor e de peruca Jul inha reproduz a mesma posição e s i lueta do testemunho no pro jetor .

Ju l inha(vol tando meio rosto onde se d is t ingue um sorr iso)

Agora é só d is torcer a voz.

Sobre Jul inha se sobrepõe a imagem de a lguém caracter izado com o f igur ino de I fá , exatamente na mesma posição.

Fim do episódio 6