sim 79 sobre o fenômeno das migrações (ii)

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OLIBERAL BELÉM, DOMINGO, 14 DE DEZEMBRO DE 2014 MAGAZINE 11 sim [email protected] VICENTE CECIM Sobre o Fenômeno das Migrações Literárias (II) V ocê conhece o meu amigo an- dino Jesus Sombra? Ele já esteve conosco aqui na página Sim, e, com a ousa- dia que é sua marca pessoal, fez uma de suas intervenções contundentes, fa- lando da política brasileira, que acom- panha de perto e, segundo diz, náusea, junto com toda a política latino-ameri- cana e mundial. Jesus Sombra, ou simplesmente O Sombra, como prefere ser chamado, é assim mesmo: montado no alto dos Andes peruanos, como um abutre an- dino, observa o mundo dos homens aqui embaixo - com especial interesse pelo que eu faço - e leva absolutamen- te a sério as palavras de Kafka em seu texto À Noite sobre a Humanidade que jaz adormecida enquanto só ele, K, não dorme e ante a pergunta: - Por que vigias? , responde: - Porque alguém precisa vigiar. E foi assim, me vigiando - porque exige que lhe envie esta página toda semana - que ele leu a Sim do domingo passado sobre o Fenômeno das Migra- ções Literárias e decidiu me escrever para dizer o que pensa sobre o assunto. Que posso fazer perante um amigo tão incisivo senão publicar aqui seu texto - na verdade uma longa carta - ou- tra exigência que me impõe - me empe- nhando ao máximo para não cometer erros na tradução do seu bem pessoal espanhol-castelhano, porque se isso acontecer - ai de mim - os Andes vêm abaixo – e sobre a minha cabeça. Eis, então, com vocês, novamente o meu amigo Sombra, desta vez se pro- nunciando, eu diria que feroz e apaixo- nadamente, sobre as Migrações Literá- rias. Ah, e com os direitos que também exige para si de in- sólito escritor que se dispõe a ser. O regresso do Sombra Hermano Vicente, te mando mis saludos desde las al- tas cumbres andinas a las profundida- des de la Amazonía. Leí lo que escribiste sobre las Mi- graciones Literarias e não posso calar diante de tão grave e provocante as- sunto. Primeiro devo logo afirmar que concordo contigo quando enumeras os seguintes estágios - Liberdade, Igualda- de, Originalidade - não só na criação li- terária, também em todas as condutas humanas, mudando a repetitiva inscri- ção na bandeira ainda desfraldada da Revolução Francesa – pois igualdade me parece que já subentende frater- nidade – e substituis a palavra frater- nidade por originalidade. Com isso, se Bem, apesar disso, também cele- bremos Dino Buzzati - porque em sua dimensão original, de escritor origina- do que é, Buzzati não se deixa reduzir a um simples reflexo agonizante num Espelho irreversivelmente evanescen- te. O Deserto dos Tártaros é um livro inesquecível e um dos melhores já escritos - e seus contos, obliquamente kafkianos, são intrigantes espreitas que desvendam no banal-cotidiano as nossas miragens complacentes. Tão perto - tão longe Mais do que uma pergunta éti- ca, uma questão ontológica - que diz respeito à essencialidade da Vida - nós, escritores, devemos nos pergun- tar: - Como nos aproximar daqueles escritores que amamos? Eu, daqui destes elevados Andes, responderia ao mundo: - Sem pronun- ciar uma única vez seus nomes como se fossem ou parecem ser os Nossos Nomes, sem transcrever uma única de suas palavras como se fossem, ou pa- recessem ser Nossas Palavras Como em tudo nesta vida, também na Literatura - afirmo com a máxima convicção: Amar é preservar imacula- do o obcuro objeto do nosso amor. Kafka & Eliot: Diante da Lei Diante da Lei havia um guarda - co- nheces a parábola de Kafka, não preci- so citar na íntegra. E a Lei Severa se revela quando, no limiar da morte, após passar toda a sua vida diante da Porta da Lei, sem entrar, o homem pergunta ao guarda: - Por que ninguém mais veio tentar como eu entrar por essa porta? E o guarda lhe responde: - Porque esta Porta estava destinada unicamen- te a ti - e agora eu vou fechá-la. Oh, que Estrondo se faz ouvir em todo o Universo & no nosso Universo Interior quando a Porta se fecha. Nos lembremos dos Homens ocos de Eliot: é assim que acaba o mundo é assim que acaba o mundo é assim que acaba o mundo não com um estrondo, mas com um gemido É esse gemido cósmico que ecoa pela vida inteira, da Vida Visível à Invi- sível, quando um homem abre mão da Sua Originalidade e se perde de si. Machu Pichu Diciembre, 2014 Píndaro & a Sombra Para que não digam que deixei meu amigo falando só nesta página Sim, sinto que devo lembrar a ele, Sombra, a fugacidade das coisas, de todas as coi- sas – sem esquecer a minha e a dele. O que me leva diretamente à Antiga Grécia e a ainda ecoante voz de Pínda- ro nos dizendo: O homem é o sonho de uma som- bra. ção mortal nazista aos judeus, através de toda a Segunda Guerra Mundial, fu- gindo de país em país com os originais e se Max Broad apresentasse aos ho- mens a Obra de Kafka como obra sua? - Horror Horror Mas agora, Vicente, o que eu quero falar não é dessa história comovente, de como Max Broad não apenas lutou pa- ra que o mundo conhecesse a obra de Kafka mas, também, como ele resistiu à sedução originante da obra de Kafka. Minha outra história é tam- bém comovente – mas por outros motivos. Kafka & Dino Buzzati Deves conhecer O Deserto dos Tár- taros de Dino Buzzati, não? Não é mesmo um romance - uma parábola fábula alegoria - extraordiná- rio? O que se chama uma obra prima? Mas - que pena - por mais deslum- brante que seja temo que venha a ser corroído pelo Tempo, progressiva- mente. E sabes por quê? Porque se fez à sombra de Franz Kafka - porque é, ah, um reflexo genial de Kafka - e corre o risco de não permanecer por isso. Bu- zzati não é um daqueles casos que tu chamas: escritores originais origina- dos? Talvez exatamente não, mas não creio que Buzzati e outros - e entre eles até Jorge Luis Borges - houvessem escrito suas obras como escreveram sem a existência da sedutora & fasci- nante obra de Kafka - esse mistério humano sobre o qual Alexandre Via- late um dia escreveu: - De Kafka, nada a dizer, a não ser agradecermos por ele ter existido. Devemos buscar o muro das la- mentações dos leitores, e sofrer, em nós mesmos, sinceramente, quando coisas assim se dão. Porque: quanto ganharíamos com uma nova Originalidade Originária se nosso Dino nos tivesse dado, em vez de um mágico & belo reflexo de Kafka, uma fulgurante, única e incontamina- da cintilação de Si mesmo. de um homem entre os outros homens pode realizar, isto é: como queria Hof- mannsthal - falar a linguagem na qual as coisas brutas falam a mim. Se enten- da isso como a possibilidade de falar a própria linguagem das pedras. - Oh. O que talvez exorcizaria todas as vaidades literárias humanas, sopran- do para longe o vento da nossa voz, escrita e oral, pois - Vento de Vento, tu- do é Vento, nos adverte Coélet no seu Eclesiastes. Mas voltemos à su- perfície das coisas, hermanito, nos limi- temos a falar sobre tua divisão dos es- critores em originais, originantes, originados. Da minha parte, gostaria que todos os escritores seduzíveis – os tais origi- nados dos escritores originais - insta- lassem nos Portais, ou portinhas, das suas Obras maiores ou menores, um mecanismo de defesa contra as conta- minações, todas as contaminações dos seus livros pelos livros que não fossem seus, adotando, rigorosamente, a ad- vertência Dada de Tristan Tzara: - Os elefantes são contagiosos. Só assim, quem sabe, cada um preservando sua essência única, dei- xaremos um dia de ver através de um cristal escuro e veremos como somos vistos - segundo profetizou para si mesmo São Paulo, em seu Hino à Ca- ridade. Vicente, hermano humano, tu men- cionaste o caso de Poe & Baudelaire e a generosa devoção pública do segundo pelo primeiro. Bem, eu gostaria de fa- zer aqui uma outra comparação – mas de uma perspectiva hipotética, diga- mos: escandalosa. Kafka & Max Broad Imaginemos, por um segundo in- fernal, esta horrenda hipótese: E se Max Broad não apenas não cumprisse o último pedido do Ami- go, feito, como se diz, em seu leito de morte, para que queimasse tudo o que Kafka havia escrito. E se Max Broad, estando Kafka já imerso no simulado silêncio dos mor- tos, e quase nada havendo publicado na eloquência dos vivos, em vez de es- crever a Biografia de Kafka e se lançar à dura lida de editar toda a sua obra, que protegeu com a vida da persegui- preserva a liberdade de ser diferente sem nos afastarmos da igualdade entre os homens. Só entre nós, te confesso que nunca havia pensado isso e, sem dúvida, apreciaria muitíssimo que tal pensamento houvesse ocorrido a mim - e não a ti. Mas não vou perder tempo dispu- tando mesquinhas glórias pioneiras contigo – a quem apenas desejo boa sorte com teu recém-lançado novo livro de Andara: Breve é a febre da terra, e ingresso, imediatamente, nas elevadas implicações a que nos remete o questionamento do Fenômeno das Migrações Literárias. Adiante. Comecemos pela vertiginosa, e apavorante, busca descrita na Carta de Lord Chandos, do poeta Hugo von Ho- fmannsthal, em que ele diz: A lingua- gem em que me seria dado não apenas escrever mas também pensar, não é nem o latim nem o inglês nem o italia- no nem o espanhol, e sim a linguagem de que não conheço uma só palavra, a linguagem na qual as coisas brutas falam para mim. Essa recusa, total, de uma lingua- gem comum, sem dúvida vai muito além daquela outra que mencionaste em tua página, quando disseste: No ca- so específico da Literatura, nem pensar em escrever igual a outros – se dizem os grandes escritores que criaram, ca- da um deles, um mundo novo através da imaginação verbal. E vai além, assim abissal- mente, porque quer su- perar os limites da lin- guagem huma- na – o que nem mesmo a ori- ginalidade única Sabemos, como sabia Blake, que as Influências Poéticas são um ganho e uma perda irreparavelmente entretecidos nos labirintos da História. HAROLD BLOOM A Angústia da Influência Cordilheira dos Andes Condor dos Andes

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Com uma carta do Sombra

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Page 1: Sim 79 Sobre o Fenômeno das Migrações (II)

O LIBERALBELÉM, DOMINGO, 14 DE DEZEMBRO DE 2014 MAGAZINE 11

sim [email protected] CECIM

Sobre o Fenômeno das Migrações Literárias (II)

Você conhece o meu amigo an-dino Jesus Sombra?

Ele já esteve conosco aqui na página Sim, e, com a ousa-

dia que é sua marca pessoal, fez uma de suas intervenções contundentes, fa-lando da política brasileira, que acom-panha de perto e, segundo diz, náusea, junto com toda a política latino-ameri-cana e mundial.

Jesus Sombra, ou simplesmente O Sombra, como prefere ser chamado, é assim mesmo: montado no alto dos Andes peruanos, como um abutre an-dino, observa o mundo dos homens aqui embaixo - com especial interesse pelo que eu faço - e leva absolutamen-te a sério as palavras de Kafka em seu texto À Noite sobre a Humanidade que jaz adormecida enquanto só ele, K, não dorme e ante a pergunta: - Por que vigias?, responde: - Porque alguém precisa vigiar.

E foi assim, me vigiando - porque exige que lhe envie esta página toda semana - que ele leu a Sim do domingo passado sobre o Fenômeno das Migra-ções Literárias e decidiu me escrever para dizer o que pensa sobre o assunto.

Que posso fazer perante um amigo tão incisivo senão publicar aqui seu texto - na verdade uma longa carta - ou-tra exigência que me impõe - me empe-nhando ao máximo para não cometer erros na tradução do seu bem pessoal espanhol-castelhano, porque se isso acontecer - ai de mim - os Andes vêm abaixo – e sobre a minha cabeça.

Eis, então, com vocês, novamente o meu amigo Sombra, desta vez se pro-nunciando, eu diria que feroz e apaixo-nadamente, sobre as Migrações Literá-rias. Ah, e com os direitos que também exige para si de in-sólito escritor que se dispõe a ser.

O regresso do Sombra Hermano Vicente, te mando mis saludos desde las al-

tas cumbres andinas a las profundida-des de la Amazonía.

Leí lo que escribiste sobre las Mi-graciones Literarias e não posso calar diante de tão grave e provocante as-sunto. Primeiro devo logo afirmar que concordo contigo quando enumeras os seguintes estágios - Liberdade, Igualda-de, Originalidade - não só na criação li-terária, também em todas as condutas humanas, mudando a repetitiva inscri-ção na bandeira ainda desfraldada da Revolução Francesa – pois igualdade me parece que já subentende frater-nidade – e substituis a palavra frater-nidade por originalidade. Com isso, se

Bem, apesar disso, também cele-bremos Dino Buzzati - porque em sua dimensão original, de escritor origina-do que é, Buzzati não se deixa reduzir a um simples reflexo agonizante num Espelho irreversivelmente evanescen-te. O Deserto dos Tártaros é um livro inesquecível e um dos melhores já escritos - e seus contos, obliquamente kafkianos, são intrigantes espreitas que desvendam no banal-cotidiano as nossas miragens complacentes.

Tão perto - tão longeMais do que uma pergunta éti-

ca, uma questão ontológica - que diz respeito à essencialidade da Vida

- nós, escritores, devemos nos pergun-tar: - Como nos aproximar daqueles escritores que amamos?

Eu, daqui destes elevados Andes, responderia ao mundo: - Sem pronun-ciar uma única vez seus nomes como se fossem ou parecem ser os Nossos Nomes, sem transcrever uma única de suas palavras como se fossem, ou pa-recessem ser Nossas Palavras

Como em tudo nesta vida, também na Literatura - afirmo com a máxima convicção: Amar é preservar imacula-do o obcuro objeto do nosso amor.

Kafka & Eliot: Diante da Lei

Diante da Lei havia um guarda - co-nheces a parábola de Kafka, não preci-so citar na íntegra.

E a Lei Severa se revela quando, no limiar da morte, após passar toda a sua vida diante da Porta da Lei, sem entrar, o homem pergunta ao guarda: - Por que ninguém mais veio tentar como eu entrar por essa porta?

E o guarda lhe responde: - Porque esta Porta estava destinada unicamen-te a ti - e agora eu vou fechá-la.

Oh, que Estrondo se faz ouvir em todo o Universo & no nosso Universo Interior quando a Porta se fecha.

Nos lembremos dos Homens ocos de Eliot:

é assim que acaba o mundoé assim que acaba o mundoé assim que acaba o mundo não com um estrondo,mas com um gemido

É esse gemido cósmico que ecoa pela vida inteira, da Vida Visível à Invi-sível, quando um homem abre mão da Sua Originalidade e se perde de si.

Machu PichuDiciembre, 2014

Píndaro & a Sombra Para que não digam que deixei meu

amigo falando só nesta página Sim, sinto que devo lembrar a ele, Sombra, a fugacidade das coisas, de todas as coi-sas – sem esquecer a minha e a dele.

O que me leva diretamente à Antiga Grécia e a ainda ecoante voz de Pínda-ro nos dizendo:

O homem é o sonho de uma som-bra.

ção mortal nazista aos judeus, através de toda a Segunda Guerra Mundial, fu-gindo de país em país com os originais – e se Max Broad apresentasse aos ho-mens a Obra de Kafka como obra sua?

- Horror HorrorMas agora, Vicente, o que eu quero

falar não é dessa história comovente, de como Max Broad não apenas lutou pa-ra que o mundo conhecesse a obra de Kafka mas, também, como ele resistiu à sedução originante da obra de Kafka.

Minha outra história é tam-bém comovente – mas por outros motivos.

Kafka & Dino BuzzatiDeves conhecer O Deserto dos Tár-

taros de Dino Buzzati, não?Não é mesmo um romance - uma

parábola fábula alegoria - extraordiná-rio? O que se chama uma obra prima?

Mas - que pena - por mais deslum-brante que seja temo que venha a ser corroído pelo Tempo, progressiva-mente.

E sabes por quê? Porque se fez à sombra de Franz Kafka - porque é, ah, um reflexo genial de Kafka - e corre o risco de não permanecer por isso. Bu-zzati não é um daqueles casos que tu chamas: escritores originais origina-dos? Talvez exatamente não, mas não creio que Buzzati e outros - e entre eles até Jorge Luis Borges - houvessem escrito suas obras como escreveram sem a existência da sedutora & fasci-nante obra de Kafka - esse mistério humano sobre o qual Alexandre Via-late um dia escreveu: - De Kafka, nada a dizer, a não ser agradecermos por ele ter existido.

Devemos buscar o muro das la-mentações dos leitores, e sofrer, em nós mesmos, sinceramente, quando coisas assim se dão.

Porque: quanto ganharíamos com uma nova Originalidade Originária se nosso Dino nos tivesse dado, em vez de um mágico & belo reflexo de Kafka, uma fulgurante, única e incontamina-da cintilação de Si mesmo.

de um homem entre os outros homens pode realizar, isto é: como queria Hof-mannsthal - falar a linguagem na qual as coisas brutas falam a mim. Se enten-da isso como a possibilidade de falar a própria linguagem das pedras. - Oh.

O que talvez exorcizaria todas as vaidades literárias humanas, sopran-do para longe o vento da nossa voz, escrita e oral, pois - Vento de Vento, tu-do é Vento, nos adverte Coélet no seu Eclesiastes.

Mas voltemos à su-perfície das coisas, hermanito, nos limi-temos a falar sobre tua divisão dos es-critores em originais, originantes, originados.

Da minha parte, gostaria que todos os escritores seduzíveis – os tais origi-nados dos escritores originais - insta-lassem nos Portais, ou portinhas, das suas Obras maiores ou menores, um mecanismo de defesa contra as conta-minações, todas as contaminações dos seus livros pelos livros que não fossem seus, adotando, rigorosamente, a ad-vertência Dada de Tristan Tzara: - Os elefantes são contagiosos.

Só assim, quem sabe, cada um preservando sua essência única, dei-xaremos um dia de ver através de um cristal escuro e veremos como somos vistos - segundo profetizou para si mesmo São Paulo, em seu Hino à Ca-ridade.

Vicente, hermano humano, tu men-cionaste o caso de Poe & Baudelaire e a generosa devoção pública do segundo pelo primeiro. Bem, eu gostaria de fa-zer aqui uma outra comparação – mas de uma perspectiva hipotética, diga-mos: escandalosa.

Kafka & Max BroadImaginemos, por um segundo in-

fernal, esta horrenda hipótese:E se Max Broad não apenas não

cumprisse o último pedido do Ami-go, feito, como se diz, em seu leito de morte, para que queimasse tudo o que Kafka havia escrito.

E se Max Broad, estando Kafka já imerso no simulado silêncio dos mor-tos, e quase nada havendo publicado na eloquência dos vivos, em vez de es-crever a Biografia de Kafka e se lançar à dura lida de editar toda a sua obra, que protegeu com a vida da persegui-

preserva a liberdade de ser diferente sem nos afastarmos da igualdade entre os homens. Só entre nós, te confesso que nunca havia pensado isso e, sem dúvida, apreciaria muitíssimo que tal pensamento houvesse ocorrido a mim - e não a ti.

Mas não vou perder tempo dispu-tando mesquinhas glórias pioneiras contigo – a quem apenas desejo boa sorte com teu recém-lançado novo livro de Andara: Breve é a febre da terra, e ingresso, imediatamente, nas elevadas implicações a que nos remete o questionamento do Fenômeno das Migrações Literárias.

Adiante.Comecemos pela vertiginosa, e

apavorante, busca descrita na Carta de Lord Chandos, do poeta Hugo von Ho-fmannsthal, em que ele diz: A lingua-gem em que me seria dado não apenas escrever mas também pensar, não é nem o latim nem o inglês nem o italia-no nem o espanhol, e sim a linguagem de que não conheço uma só palavra, a linguagem na qual as coisas brutas falam para mim.

Essa recusa, total, de uma lingua-gem comum, sem dúvida vai muito além daquela outra que mencionaste em tua página, quando disseste: No ca-so específico da Literatura, nem pensar em escrever igual a outros – se dizem os grandes escritores que criaram, ca-da um deles, um mundo novo através da imaginação verbal. E vai além, assim abissal- mente, porque quer su- perar os limites da l i n -guagem huma-

na – o que nem

mesmo a ori-ginalidade única

Sabemos, como sabia Blake, que as Influências Poéticassão um ganho e uma perdairreparavelmente entretecidosnos labirintos da História.HAROLD BLOOMA Angústia da Influência

Cordilheira dos Andes

Condor dos Andes

erros na tradução do seu bem pessoal , porque se isso

acontecer - ai de mim - os Andes vêm abaixo – e sobre a minha cabeça.

Eis, então, com vocês, novamente o meu amigo Sombra, desta vez se pro-nunciando, eu diria que feroz e apaixo-

Migrações Literá-direitos que

Sombra

os grandes escritores que criaram, ca-da um deles, um mundo novo através da imaginação verbal.assim abissal-porque quer su-os limites da guagem

ginalidade única

ca, uma questão diz respeito à essencialidade da Vida

- nós, escritores, devemos nos pergun-

e se Max Broad apresentasse aos ho-mens a Obra de Kafka como obra sua?

- Horror HorrorMas agora, Vicente, o que eu quero

falar não é dessa história comovente, de como Max Broad não apenas lutou pa-ra que o mundo conhecesse a obra de Kafka mas, também, como ele resistiu à sedução originante da obra de Kafka.originante da obra de Kafka.originante

Minha outra história é tam-bém comovente – mas por comovente – mas por comoventeoutros motivos.

Kafka & Dino BuzzatiDeves conhecer

de Dino Buzzati, não?

o vento da nossa voz, Vento de Vento, tu-

nos adverte Coélet no seu

, nos limi-temos a falar sobre

Da minha parte, gostaria que todos origi-