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Informativo Nº 03 Brasília (DF) Outubro de 2011 InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN Escravidão contemporânea persiste A forma mais aviltante de exploração do trabalhador pelo capitalismo faz vímas no campo e nas cidades Campanha ganha força Entrevista: Comunicação digital vira arma na batalha hegemônica. 14 e 15 31º Congresso do ANDES- SN acontece em janeiro Setor das Ifes: Confira a agenda de ações para mobilização e luta pela carreira docente. 4 Omissão do Estado e miséria estão na raiz do problema Tema do evento convida à luta, fazendo alusão à cul- tura popular do Amazonas, estado cuja capital será sede do próximo congresso do Sindicato Nacional. 3 Com a adesão da Anped e do Cedes e a instalação de comi- tês estaduais, a campanha pela aplicação imediata de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na Educação Pública se fortalece e ganha espaço em diversos setores da sociedade civil. Em novembro, um plebiscito deve ser realizado para pressionar os parlamentares a votar por mais invesmentos do governo federal para a educação. 16 TINTUMA AGECOM/GOV. AM A pesar de ter sido denunciada há exatos 40 anos por dom Pedro Casadáliga e re- conhecida pelo governo em 1995, o uso de mão de obra análoga à escravidão ainda está presente em diversas cadeias produtivas. Tendo o aumento das margens de lucro como motivação, empresários e fazendeiros superexploram trabalhadores, que são sub- metidos à condições degra- dantes, nas quais os direitos constitucionais, laborais e previdenciários lhes são ne- gados. 8 a 13 Cidade de Manaus sedia próximo evento nacional do ANDES-SN

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Informativo Nº 03

Brasília (DF) Outubro de 2011InformANDES

SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN

Escravidão contemporânea persisteA forma mais aviltante de exploração do trabalhador pelo capitalismo faz vítimas no campo e nas cidades

Campanha ganha força

Entrevista: Comunicação digital vira arma na batalha hegemônica. 14 e 15

31º Congresso do ANDES-SN acontece em janeiro

Setor das Ifes: Confira a agenda de ações para mobilização e luta pela carreira docente. 4

Omissão do Estado e miséria estão na raiz do problema

Tema do evento convida à luta, fazendo alusão à cul-tura popular do Amazonas,

estado cuja capital será sede do próximo congresso do Sindicato Nacional. 3

Com a adesão da Anped e do Cedes e a instalação de comi-tês estaduais, a campanha pela aplicação imediata de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na Educação Pública se fortalece e ganha espaço em diversos setores da sociedade civil. Em novembro, um plebiscito deve ser realizado para pressionar os parlamentares a votar por mais investimentos do governo federal para a educação. 16

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Apesar de ter sido denunciada há exatos 40 anos por dom Pedro Casadáliga e re-

conhecida pelo governo em 1995, o uso de mão de obra análoga à escravidão ainda está presente em diversas cadeias produtivas.

Tendo o aumento das margens de lucro como motivação, empresários e fazendeiros superexploram trabalhadores, que são sub-metidos à condições degra-dantes, nas quais os direitos constitucionais, laborais e previdenciários lhes são ne-gados. 8 a 13

Cidade de Manaus sedia próximo evento nacional do ANDES-SN

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InformANDES/20112

EXPEDIENTEO Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: [email protected] responsável: Luiz Henrique Schuch Redação: Renata Maffezoli // Colaboração: Elizângela Araújo, Adua - Seção Sindical, Adufrj - Seção Sindical, Regional SP do ANDES-SNFotos: L. Schuch, Renata Maffezoli // Edição: Renata Maffezoli MTb 37322 // Diagramação: Ronaldo Alves DRT 5103-DF

Editorial

Comemorar o Dia do Professor e da Professora, na atual conjuntura, é difícil, quer sejam docentes de instituições particulares, quer sejam de instituições públicas.

Nas primeiras prevalece a exploração, aulas e mais aulas, a instabilidade gerada pelos humores selvagens do co-mércio educacional, pouco ou quase nada lhes assegura os direitos mais elementares de liberdade de organização indepen-dente comprometida com a categoria e com um projeto social de educação. Nas outras, as públicas, em que têm carreiras estruturadas e garantias mínimas, faltam-lhes condições para uma elaboração do conhecimento condizente com um projeto transformador de sociedade. Nessas instituições persistem os ditames dos interesses mercantis diretos do privado se apro-priando do espaço público.

Em quais paradigmas devemos nos referenciar, onde buscar energias para continuar trilhando caminhos como docentes, que fazem ciência, ensinam, partilham com estudantes o sabor da conquista do conhecimento e que educam para a sociedade?

Escolhemos essa profissão porque queremos mudar o mun-do, compartilhando o conhecimento acumulado por gerações e fazendo-o avançar com a nossa contribuição, cujo resultado deve ser apropriado por todos. Sabemos, também, que a edu-cação é o instrumento de reprodução das estruturas vigentes. Assim, nos é dado. Porém, sabemos que as estruturas sociais não são imutáveis. Por isso, estamos sempre dispostos a romper com os limites impostos e criar outra cultura de realização efeti-va de democracia.

Para tanto, impõe-se que enfrentemos a ideologia do resulta-do imediato, o culto do sucesso individual que se esvai no con-fronto com a dura realidade da sociedade de classes e que nos despojemos do que nos aparteia de nossa natureza humana e da sociabilidade construída coletivamente pelo trabalho.

Mais do que nunca é necessário o resgate da profissão pelo estabelecimento de uma carreira que permita cumprir uma jor-nada de trabalho tendo como compromisso a educação pública. Opor-se sempre e derrotar os patronos da educação mercantili-zada, é outra meta. Lutar pela democracia interna nas universi-dades e combater o cerceamento à liberdade de organização, é dever de todos, e intransferível.

Tudo isso pode parecer muito, se agirmos sozinhos. Em con-junto, é diferente. Significa que temos de nos fortalecer nos locais de trabalho e, em nível nacional, no nosso sindicato que é a síntese das propostas dos professores e espaço de nossas lutas com o conjunto da sociedade. Então, podemos comemorar porque somos docentes, educadores, trabalhadores e trabalha-doras. Vida dura, mas de luta!

Apesar da incipiente organização em muitas universida-des fundacionais, o movimento docente conseguiu se mobilizar em torno dessa pauta e conquistou, com uma greve nacional em 1985, a implantação da carreira única

para as dezesseis Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) constituídas como fundações. Este foi o primeiro instrumento legal que firmou os direitos e os salários dos professores envolvidos.

O passo foi decisivo para que, dois anos depois, já em clima constituinte e com base em grande mobilização nacional, tenha sido possível conquistar a Carreira Única de todas as universi-dades federais autárquicas e fundacionais.

O Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos – PUCRCE vigora desde 1987 e foi a vitória política de um projeto de universidade, organizado sobre valores que foram consignados na Constituição de 1988, tais como:

Autonomia de gestão; Democracia; Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; Financiamento público; Regime jurídico único; Isonomia com salário integral; Estabilidade; Paridade na aposentadoria; Regime preferencial de Dedicação Exclusiva; Espaço público institucional identificado com sua função de Estado.

Por outro lado, foi a derrota dos que defendiam que as uni-versidade federais deveriam assumir estatuto jurídico privado, que os docentes deveriam ser contratados pela CLT e que os salários fossem compostos por uma série de gratificações.

Greve garantiu a conquista do PUCRCE em 87

Dia do Professor e da Professora, uma lembrança!

Docentes das Ifes conquistam unificação das carreiras por meio do PUCRCE

30 ANOS DE ANDES-SN

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InformANDES/2011 331º Congresso

O próximo congresso do ANDES--SN, que acontecerá em Ma-naus, em 2012, já tem data, local e tema definidos. A 31ª

edição do evento ocorre de 15 a 20 de janeiro e durante seis dias, docentes de todo o Brasil vão concentrar esforços na discussão do tema: “Caprichar na Educa-ção, Garantir Direitos dos Trabalhadores para Ter Futuro”.

Francisco Jacob Paiva da Silva, 2º vice presidente da Regional Norte I do ANDES--SN e membro da comissão nacional de organização do evento, justificou a escolha dos verbos “caprichar e garantir”, destaca-dos pela relação com os bois-bumbás de Parintins (a 315 km de Manaus) Caprichoso e Garantido, por conter forte significação na simbologia popular local e também elementos da ação de luta. “Usamos o termo caprichar no sentido de zelar, de cuidar da educação, buscando melhores condições de trabalho, de estudo, de qualidade do ensino como um todo. Não somente no nível superior, mas desde a educação básica”.

A respeito da palavra “garantir”, Jacob acrescenta que o léxico tem até utilização mais frequente no movimento sindical. “Esse termo traduz bem a luta dos traba-lhadores, que é a garantia de direitos. No nosso caso, o direito a um salário justo, a melhores condições de trabalho, à previ-dência pública, a livre organização sindical.

Enfim, à uma série de questões que tem relação com o futuro de uma sociedade mais justa para as próximas gerações”, afirmou. “Só por meio da educação tere-mos condições de construir uma sociedade diferente”, ressaltou.

O 31º Congresso do ANDES-SN definirá os planos de lutas geral e dos setores da entidade, que deverão pautar as ações do Sindicato Nacional durante o ano de 2012.

Organização estruturalApós avaliar as condições da universida-

de e da cidade, a comissão organizadora sugeriu a realização do evento no mesmo local de hospedagem dos delegados e observadores para evitar problemas com infraestrutura, deslocamentos e dispersão dos participantes

Segundo Jacob, Manaus passa por um processo de revitalização, com muitas obras, o que dificulta a mobilidade. Além disso, janeiro é um período de chuvas

intensas na região, durante o qual a univer-sidade costuma sofrer frequentes quedas de energia elétrica, o que poderia causar transtornos ao andamento do congresso.

“O tipo de organização pelo qual op-tamos permitirá maior integração dos participantes nas atividades do congresso e torna o evento mais funcional. Como esse é um congresso sucessório, será preciso garantir condições adequadas para responder às características próprias deste tipo de ocasião”, explica.

O professor José Michiles, da direção da Adua - seção sindical e integrante da comissão local, destaca os cuidados organi-zativos e o balanço da relação custo-bene-fício que têm pesado nas decisões diante das condições da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) que, infelizmente, não possui logística que permita sediar adequadamente um evento como esse.

“Sei das responsabilidades que um compromisso desse porte traz para os ombros de cada um de nós da diretoria da Adua. A primeira opção era prestigiar o nosso campus, mas as condições que ele oferece hoje são muito precárias, sobretudo quanto à alimentação, ao fornecimento de energia elétrica, custos de transporte e até mesmo em relação à segurança dos participantes. Por isso, a opção por centralizar as atividades em um hotel de grande porte”, informou Michiles.

Com informações da Adua – Seção Sindical do ANDES-SN

Tema do 31º Congresso do ANDES-SN faz alusão à cultura popular do Amazonas

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InformANDES/20114Movimento DocenteMovimento Docente

Dando sequência ao estabelecido no acordo emergencial, assinado no final de agosto, represen-tantes do setor das Instituições

Federais de Ensino Superior (Ifes) têm se reunido com o governo federal e outras entidades para trabalhar a reestruturação da carreira docente.

O primeiro encontro, como estava previsto no texto da minuta, aconteceu no dia 14 de setembro, para a definição de um calendário de trabalho. No final de semana seguinte (dias 17 e 18), o Setor das Ifes se reuniu em Brasília e deliberou uma agenda de ações, para mobilizar a categoria na participação ativa da dis-

cussão sobre a carreira docente.Conforme estabelecido durante a

reunião do Setor, todo o calendário deve articular as temáticas das Pautas Especí-ficas das seções sindicais, da campanha dos “10% do PIB para a educação pública já” e da mobilização contra os ataques aos direitos de aposentadoria (PL 1992/2007).

No dia 6 de outubro, os representantes do Setor se reuniram com o Ministério do Planejamento e da Educação para discutir a composição do grupo de trabalho, a metodologia das oficinas e a regula-mentação da progressão dos docentes da carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Ebtt).

Reestruturação da Carreira marca segundo semestre do Setor das Federais

Confira abaixo a agenda do SetorDia 13 de outubro – Oficina do GT/ negociação da reestruturação da carreira docente, para apresentação das propostas. Mobilização das seções sindicais, atos nos estados e presença de representantes em Brasília;

Dias 14 e 15 de outubro – Reunião do Setor das Ifes em Brasília pautando o acompanhamento do processo de negociação/mobilização, a organização do movimento nacional em torno da temática das pautas específicas, a campanha contra o PL 1992/07 e as indicações para o Caderno de Textos do 31º Congresso do ANDES-SN;

Dia 27 de outubro – Reunião do GT/ negociação da reestruturação da carreira docente para problematizar as propostas, identificando convergências e elaborar alternativas (se possíveis) para as divergências;

Entre 1 e 21 de novembro – Rodada nacional de Assembleias Gerais;

Dia 24 de novembro – Oficina do GT/ negociação da reestruturação da carreira docente, para aprofundar o debate sobre os pontos divergentes quanto à reestruturação da carreira docente. Mobilização das seções sindicais, atos nos estados e presença de representantes em Brasília;

Dias 25 e 26 de novembro – Reunião do Setor das Ifes em Brasília;

Dia 1 de dezembro – Reunião do GT/ negociação da reestruturação da carreira docente, para elaborar a síntese das divergências buscando afunilar proposições, se possível;

Entre os dias 2 e 7 de dezembro – Rodada nacional de Assembleias Gerais;

Dia 8 de dezembro – reunião GT/negociação da reestruturação da carreira docente, para avaliação do processo e elaboração de relatório.

Dias 10 e 11 de dezembro – Reunião do Setor das Ifes em Brasília.

Diretores do ANDES-SN defendem proposta de carreira do Sindicato Nacional, em reunião no Ministério do Planejamento

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O efeito da expansão das Ins-tituições Privadas de Ensino Superior (Ipes) e o acirramento da concorrência, com a mer-

cantilização da educação, vêm refletindo drasticamente nas condições de trabalho dos docentes destas instituições.

O impacto da disputa de mercado chegou inclusive às Comunitárias e Con-fessionais, que ainda mantinham certo compromisso com a autonomia universi-tária e respeito às condições de trabalho e ensino. O quadro foi evidenciado num levantamento desenvolvido pela subseção do Dieese/ANDES-SN, que avaliou as con-dições do trabalho docente e a evolução dos salários nas Ipes entre 2008 e 2010.

“O que salta aos olhos é a precariza-ção extrema do trabalho no Setor das Privadas. Observamos uma grande con-centração de docentes trabalhando com carga de 12 horas semanais, atuando em diversas instituições para complementar sua remuneração”, observa Marco Aurélio Ribeiro, 2º vice presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN e coordenador do Setor das Ipes.

Segundo Ribeiro, a pesquisa aponta que a evolução salarial, considerando a inflação do período, entre 2008 e 2010, foi irrisória e não recompõe a massa salarial dos professores. “O que se vê é uma gran-de rotatividade de docentes nos quadros das Ipes, o que dificulta a organização da categoria nas Particulares”, completa.

Para fortalecer a mobilização e aprofun-dar a análise do estudo, o Setor das Ipes realiza no final de outubro um encontro

nacional em Brasília. O evento quer envol-ver, além das seções sindicais, docentes de outras Ipes que estão iniciando a sua organização, com ênfase em antigas seções sindicais que por algum motivo se afastaram do ANDES-SN ou estão de-sativadas, inclusive devido à perseguição sofrida por parte do patronato.

O Encontro Nacional do Setor das Ipes acontece entre os dias 29 e 30 de outubro, na Sede do ANDES-SN em Brasília.

Estudo aponta precarização extrema do trabalho docente nas ParticularesSetor das Ipes realiza encontro no final de outubro para fortalecer mobilização

Movimento Docente

“Autonomia e democracia nas Universidades Estaduais e Municipais” e “Políticas de reestruturação do Estado brasileiro e sua implementação nos estados e municípios” serão os tema das palestras de abertura do 8° Encontro do Setor das Iees e Imes. Diagnóstico sobre a carreira docente no Setor está sendo desenvolvido pela subsede do Dieese/ANDES-SN, com base em relatos das seções sindicais, e será apresentado no evento. As palestras e o estudo também servirão para embasar as discussões durante o encontro e traçar um panorama de lutas conjuntas.

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InformANDES/20116

Inúmeras categorias de trabalhadores deflagraram movimentos paredistas este ano. O primeiro semestre foi mar-cado por greves de destaque nacional,

como a dos Bombeiros do Rio de Janeiro, dos professores das quatro universidades estaduais da Bahia e de docentes muni-cipais e estaduais de vários estados, dos policiais de Minas Gerais e dos operários da Wolkswagen no Paraná, por exemplo.

O segundo semestre, que traz as datas--bases de grandes categorias como ban-cários, metalúrgicos e trabalhadores dos Correios, também começou com luta. Até o fechamento desta edição, bancários e ecetistas continuavam parados. Embora a mídia comercial apresente esses movi-mentos apenas como consequência de reivindicações salariais, eles são bem mais do que isso. Concretizam a insatisfação da classe trabalhadora com o sucateamento do Estado e a superexploração, seja no setor público ou privado.

Segundo José Maria de Almeida, da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas, 2011 trouxe “um crescimento importante das lutas salariais em ambos os setores”. No público, a reação dos servidores ex-pressa a revolta com o sucateamento da estrutura que deveria garantir serviços essenciais de boa qualidade a todos os brasileiros. No setor privado, a luta se dá principalmente contra a superexploração do trabalhador. Em comum, ambas as categorias se opõem às políticas públi-cas que incentivam lucros dos grandes empresários e banqueiros e impõem

prejuízos também crescentes a quem produz a riqueza do Brasil.

O trabalhador vê o país crescer continu-amente nos últimos anos, mas não vê o re-sultado no seu bolso. Em 2010, a economia cresceu 7,5%. Este ano continua crescendo, embora mais modestamente. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apesar das recentes medidas fiscais do governo, que aumentaram em mais R$ 10 bilhões o superávit primário, e da redução de meio ponto percentual da taxa básica de juros, a inflação não tem recuado. Alimentação e transporte, que têm gran-de impacto no bolso da classe trabalhadora, ocu-pam o primeiro e segundo lugares na lista dos itens que mais pressionam a inflação.

“E enquanto isso o Plano Brasil Maior destina às grandes indústrias isenções fiscais no valor de R$ 24 bilhões em apenas um ano, os bancos continuam lucrando alto, mais de R$ 47 bilhões no ano passado. Contraditoria-mente, esse lucro, que superou em cerca de R$ 10 bilhões o de 2009, não é capaz de sensibilizar os capitalistas para as rei-vindicações dos trabalhadores do setor”, lembra Zé Maria.

Marina Barbosa, presidente do ANDES--SN, destaca a relação entre o aumento do superávit primário, que reduz ainda mais a possibilidade de investimento público, e a

luta dos professores por melhores salários e contra o sucateamento da educação em todo o país. “Enquanto o governo continua privilegiando industriais e banqueiros com a justificativa de que o país precisa estar preparado para mais um capítulo da inter-minável crise capitalista, os movimentos sociais lutam para que os investimentos em educação cheguem a 10% do Produto Interno Bruto (PIB)”.

Para Marina, a situação descrita acima é apenas um dos motivos que legitimam as mobilizações e as greves no setor educacional.

Tanto Marina quanto Zé Maria são bastante realistas sobre as possi-bilidades dos movimentos paredistas. "Embora essa ciclo de greves não mude o cenário político brasilei-ro e nem a relação entre as classes, permite o acú-

mulo de forças e experiências que podem levar a classe trabalhadora a superar a fragmentação que hoje marca sua orga-nização. É preciso unificar o movimento classista, mas infelizmente ainda preci-samos lutar contra a direção de algumas centrais sindicais que apóiam o governo e muitas vezes estabelecem relações espúrias com os patrões", acredita ele.

O economista José Menezes Gomes, professor da Universidade Federal do Maranhão, lembra que, "se de um lado o governo subsidia os exportadores com renuncia fiscal que acabará reduzindo as receitas da União, de outro continua to-mando recursos a 12,5% para rolar a dívida pública, enquanto libera verbas aos grandes capitalistas à taxa de 6% ao ano". Segundo ele, isso representa uma transferência de R$ 20 bilhões por ano ao setor privado. "Este é o valor do orçamento das Universidades federais para 2011", ressalta.

Menezes conclui afirmando que quan-to maior é a fatura da crise capitalista mundial, maior é a pressão por cortes nas despesas sociais, que acabam por recair sobre os serviços públicos e por sua vez sobre os servidores públicos. "Por isso, é chegada a hora dos trabalhadores não permitirem que o dinheiro público seja usado para salvar os grandes capitalistas e fundos de pensão. Mais greves certa-mente virão".

Mundo do Trabalho

Greves por todo o país refletem revolta contra superexploração e sucateamento do Estado

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Embora a mídia comercial apresente esses movimentos apenas como consequência de reivindicações salariais, eles são bem mais do que isso

Greve dos Correios foi à julgamento no Tribunal Superior do Trabalho

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InformANDES/2011 7

Professores UniversitáriosDocentes de diversas universidades es-

taduais e federais realizaram uma série de paralizações, a maioria iniciada ainda no primeiro semestre. Várias suspenderam a paralisação com saldo positivo do movi-mento, como foi o caso das Estaduais do Rio Grande do Norte, da Bahia e do Piauí e da Federal do Paraná, que manteve o esta-do de greve. No fechamento desta edição, a Universidade Federal de Rondônia (Unir), ainda estava com as atividades suspensas. Os professores e estudantes reivindicam melhores estruturas e pedem a saída do reitor, o qual acusam de cometer vários atos ilegais e ilegítimos à frente da admi-nistração da universidade.

Educação básica, profissional e tecnológicaAté o fechamento desta edição, os ser-

vidores públicos organizados no Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educa-ção Básica Profissional e Tecnológica (Si-nasefe) estavam em greve há mais de dois meses. De acordo com a entidade, a ade-são superou 70% da categoria. Constam da pauta de reivindicações a reestruturação de carreiras, democratização das institui-ções federais de educação básica, profis-sional e tecnológica, concursos públicos para contratação de docentes e técnicos administrativos e negociação de benefícios como auxílio-creche, pré-escola e materni-dade, entre outros.

Bancários Até a finalização desta edição, traba-

lhadores dos bancos públicos e privados em todos os 26 estados e no Distrito Fe-deral estavam em greve, completando a segunda semana de paralisação. Segundo informações das entidades representantes da categoria, o movimento já parou 8,951 agências e vários centros administrativos.

A categoria quer reajuste de 12,8%, va-lorização do piso, maior participação nos lucros e resultados (PLR), mais contrata-ções, fim da rotatividade, combate ao as-sédio moral, fim das metas abusivas mais segurança, igualdade de oportunidades e melhoria do atendimento aos clientes.

CorreiosNo momento do fechamento desta

edição, os trabalhadores da Empresa Brasi-leira de Correios e Telégrafos estavam em greve há quase 30 dias. Como não houve acordo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) estava para julgar o impasse em seção extraordinária marcada para o dia 14 de outubro. A categoria reivindicava jornada de seis horas para atendente, vale--alimentação/refeição de R$ 30 e cesta de R$ 300, reajuste salarial real de R$ 400, piso salarial de R$ 1.635, contratação de novos funcionários, entre outros.

Professores das redes estaduaisNo Ceará, os professores da rede esta-

dual chegaram a ficar de greve por dois meses sem que o governo tenha se sen-sibilizado para as justas reivindicações. A adesão foi crescente e atingiu mais de 70% dos docentes. O episódio mais gritante do descaso do governador Cid Gomes (PSB) foi a declaração de que professor deveria

trabalhar por amor. No dia 29, a adminis-tração estadual foi mais longe e adotou violência para dispersar um protesto na Assembleia Legislativa.

Mesmo sem acordo, o sindicato da catego-ria (Apeoc) decidiu, no dia 7 de outubro, sus-pender a greve por 30 dias. A expectativa era que a negociação avançasse. A principal rei-vindicação dos professores é a repercussão do salário entre os professores com ensino superior. Os professores com ensino médio tiveram o salário reajustado de R$ 800 para R$ 1.187. Segundo a Apeoc, o reajuste não foi repassado aos demais professores.

Em Minas Gerais, a greve durou mais de três meses. Os professores voltaram às salas de aula no dia 28 de setembro, após vários protestos, inclusive greve de fome, com a garantia de que o governo abriria negociação. A mobilização teve apoio de diversas entidades, inclusive dos movimen-tos sociais, como o Movimento dos Sem Terra (MST). Junto com policiais militares e civis e bombeiros, os professores fizeram uma manifestação que levou 20 mil traba-lhadores à sede do governo para protestar contra a política de arrocho salarial do governo Antonio Anastasia (PSDB).

Técnico e administrativos das universidadesDepois de quase quatro meses em greve,

os servidores técnico administrativos das universidades federais voltaram ao traba-lho no dia 26 de setembro. Os servidores reivindicavam aumento do piso salarial da categoria, fixado em R$ 1.034 e reajuste do auxílio-alimentação. Segundo a coor-denação da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra Sindical), esses itens haviam sido negociados em 2007, mas não foram cumpridos pelo governo.

Mundo do Trabalho

Panorama da paralisação em algumas categorias

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Greve dos bancários é a maior dos últimos 20 anos

Em greve desde primeiro de agosto, o Sinasefe tenta negociar com governo, que segue intransigente

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InformANDES/20118

A escravidão moderna, uma das facetas mais perversas do capi-talismo, conquistou espaço na grande mídia nos últimos dois

meses, quando a marca multinacional Zara apareceu entre as empresas que subme-tem seus trabalhadores a situação análoga a de escravos, em oficinas no Brasil.

O caso estampou a primeira página dos principais jornais, rodou a internet, sendo inclusive um dos assuntos mais comentados mundialmente na rede de relacionamentos Twitter.

No entanto, a marca espanhola não é a única, tão pouco será a última empresa no Brasil a ter, em sua produção, a mancha da escravidão contemporânea. No ramo das confecções, outras empresas como Pernambucanas, Collins, Marisa e 775 também já foram autuadas pelo Ministério Público do Trabalho.

Em comum, todas têm o aumento das margens de lucro como motivação. Para isso, terceirizam a produção para empresas que exploram a força trabalho de migrantes e imigrantes, os quais têm seus direitos laborais e previdenciários negados.

Porém, submeter os trabalhadores a condições análogas a de escravos não é exclusividade dos "ateliês" clandestinos de

São Paulo. Ao contrário, a prática está pre-sente também na cadeia produtiva de bens consumidos por toda a sociedade como açúcar, álcool, aço, carvão, soja e carne bovina, entre outros. No entnto, esses casos dificilmente chegam ao conhecimento do público, e, quando isto ocorre, despertam pouca atenção e indignação social.

Matéria Central

Combate à escravidão contemporânea avança, mas realidade persiste no campo e na cidade Apesar de ter sido denunciada há 40 anos por dom Pedro Casadáliga e reconhecida pelo governo em 1995, a forma mais aviltante de exploração do trabalhador pelo capitalismo só agora ganha as manchetes da grande imprensa

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“Eles realizam um trabalho pesado, desgastante, perigosíssimo e são tratados com menos cuidado do que o são os maquinários destes empresários”, relata um auditor

Antes valiosos, os escravizados de agora são descartáveis

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InformANDES/2011 9Matéria Central

₪ Por três vezes, trabalhadores estrangeiros submetidos a condições análogas à escravidão foram flagrados produzindo peças de roupa da marca internacional Zara, do grupo espanhol Inditex.

₪ Na mais recente operação, 15 pessoas, incluindo uma adolescente de apenas 14 anos, foram libertadas de escravidão contemporânea de duas oficinas em São Paulo.

₪ As vítimas resgatadas foram aliciadas na Bolívia e no Peru.

₪ 48 autos de infração foram lavrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) contra a Zara devido as irregularidades nas duas oficinas.

₪ Esta foi a maior operação do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano da SRTE/SP, desde a criação do Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo - Cadeia Produtiva das Confecções.

₪ Executivos do grupo espanhol Inditex compareceram ao Congresso Nacional brasileiro para pedir desculpas públicas pelo ocorrido, mas descartaram por completo a possibilidade de rever o sistema de produção de peças de roupa no Brasil baseado em subcontratações.

Outras marcas₪ Em abril deste ano, 16 imigrantes

bolivianos foram resgatados de condições análogas à escravidão. O grupo foi encontrado costurando blusas de uma coleção da rede varejista Pernambucanas. Entre as vítimas, dois irmãos com 16 e 17 anos de idade e uma mulher com deficiência cognitiva.

₪ Em agosto de 2010, a SRTE/SP flagrou nove imigrantes sul-americanos oriundos da Bolívia e do Paraguai submetidos a trabalho escravo contemporâneo em oficina, na zona Norte de SP, subcontratada pela Collins. Eles residiam no local onde trabalhavam.

₪ Em fevereiro de 2010, uma oficina de costura ligada à Marisa foi flagrada

com 17 trabalhadores imigrantes em condições análogas à escravidão.

QuadrOs cOmuns encOntradOs:

₪ Contratações completamente ilegais;₪ Trabalho infantil;₪ Jornadas exaustivas de até 16h diárias;₪ Servidão por dívida;₪ Cerceamento de liberdade (desconto

irregular de dívidas dos salários e proibição de deixar o local sem prévia autorização);

₪ Assédio moral e ameaças de violência;₪ Desrespeito a todas as normas

referentes à Saúde e Segurança do Trabalho;

Com informações da ONG Repórter Brasil

Entenda o Caso Zara

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Oficina com precárias instalações elétricas, sem janela e extintor, apresentava risco iminente de incêndio

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InformANDES/201110Matéria Central

“O caso da Zara envolve uma empresa multinacional que alcança o público de classe média e média alta. Esse detalhe faz a diferença, porque mexe com uma parcela da sociedade que é formadora de opinião e se utiliza das redes sociais para a divulgação da prática irregular. A partir do momento que a notícia de que uma empresa como essa explora traba-lhadores é divulgada, mexe com os brios dos consumidores da marca e mancha o nome de uma empresa que, até então, estava acima de qualquer suspeita”, analisa Rosângela Rassy, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

Rosângela avalia que, apesar de pou-co divulgadas (quando comparadas ao caso Zara), as ações de fiscalização de utilização de mão de obra escrava têm conquistado mais espaço na mídia nos últimos anos. Segundo a auditora, os ve-ículos de comunicação locais são os que mais se preocupam em cobrir o tema. Já a mídia televisiva é a que menos aborda a questão, especialmente em noticiários de alcance nacional.

Engrenagem do sistema capitalistaO trabalho escravo contemporâneo,

diferente do que possam pensar alguns, não é um resquício do modelo de produção mercantilista escravocrata que encontrou sobrevida nos rincões brasileiros.

Afastados de suas origens, envolvidos num ciclo de miséria e falta de oportunida-de, os trabalhadores são submetidos a uma realidade tão vergonhosa e cruel quanto a escravidão praticada no país, durante o período colonial, abolida em 1888.

“Se no período colonial o escravo era comprado, valia como mercadoria para o Senhor de Engenho que, de alguma forma tinha que preservar a vida dele, hoje não há essa preocupação, é muito cruel. Eles são descartáveis, se um não servir, pegam outro”, avalia a auditora fiscal.

Essa forma extrema de exploração da mão de obra é elemento constituinte do modelo capitalista vigente, sendo utilizada como meio de acumulação de riqueza dentro deste sistema.

Basta analisar a “lista suja” do Ministé-rio do Trabalho (MTE) para perceber que

“Para os peões não há moradia. Logo que chegam, são levados para a mata, para a zona da derrubada onde tem que construir, como puderem, um barracão para se agasalhar, tendo que providenciar sua própria alimentação. As condições de trabalho são as mais precárias possíveis”.

"Quando alguma denúncia chega a mobilizar a opinião pública, os proprietários lavam-se as mão dizendo desconhecer o que se passa, colocando toda a responsabilidade sobre gerentes e empreiteiros".

“O peão, depois de suportar este tipo de tratamento, perde sua personalidade. Vive, sem sentir que está em condições infra-humana. Peão já ganhou conotação depreciativa por parte do povo das vilas, como sendo pessoa sem direito e sem responsabilidade. Os fazendeiros mesmo consideram o peão como raça inferior, com o único dever de servir a eles, os "desbravadores". Nada fazem pela promoção humana dessa gente. O peão não tem direito à terra, à cultura, à assistência, à família, a nada. É incrível a resignação, a apatia e paciência destes homens, que só se explica pelo fatalismo sedimentado através de gerações de brasileiros sem pátria, dessas massas deserdadas de semi-escravos que se sucederam desde as Capitanias Hereditárias.”

Os relatórios dos auditores fiscais demonstram que muito pouco mudou na superexploração do trabalhador no campo, desde a denúncia feita por dom Pedro Casaldáliga, há exatos quarenta anos. Confira o relato feito em trechos da Carta Pastoral - São Félix do Araguaia, 10 de outubro de 1971.

Pobreza e desemprego deixam os trabalhadores vulneráveis à exploração. Sem opção, são impedidos de reclamar seus direitos ou exigir melhores condições de trabalho

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InformANDES/2011 11Matéria Central

aqueles que utilizam o trabalho escravo são, em expressiva maioria, tanto no campo quanto na área urbana, grandes empresários, que usam de alta tecnologia em sua produção e comercializam o pro-duto final no mercado interno e externo. Logo, estão plenamente inseridos na lógica e dinâmica do sistema capitalista.

Em entrevista à revista Sem Fronteiras, o sociólogo José de Souza Martins aponta que “em nosso país, o revigoramento da escravidão por dívida se deu com a expansão capitalista na região amazôni-ca, durante o período militar. A primeira grande denúncia foi feita em 1971 por dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, numa carta pastoral”.

Segundo Martins, a partir desse mo-mento se criou um esquema de vigilância para acompanhar os casos. “A Comissão Pastoral da Terra (CPT) descobriu então que essa prática estava ocorrendo em toda a região amazônica. Mais recentemente, os problemas começaram a aparecer em outras áreas. Há certo número de ocorrên-cias, inclusive, nas regiões metropolitanas de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Nos

cinturões de pobreza das grandes cidades estão as populações mais vulneráveis. As pessoas aceitam trabalhar nessas condi-ções porque não têm nenhuma alternativa. Ou é isso ou é morrer de fome”, conta ao periódico.

Exploração tira vantagem da esperançaFatores socioeconômicos, como a falta

de oportunidade de inserção no mercado de trabalho e a miséria extremada, são os

principais motivos que levam os traba-lhadores a serem submetidos a situações análogas à de escravos.

“Trabalhadores são aliciados com pro-messas que não se concretizam depois, e que vão caracterizar o descumprimento da legislação trabalhista básica, como pagamento de salários, fornecimento de alimentação, alojamentos, equipamentos de proteção individual - EPI, condições bá-sicas de higiene e segurança no trabalho. Em regiões urbanas, o caso mais comum tem sido de estrangeiros que chegam aqui mais ou menos pelo mesmo mecanismo que o trabalhador brasileiro: promessas de uma vida melhor, o que acaba não acontecendo”, conta a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.

Essas pessoas são submetidas à es-cravidão por dívida, jornadas exaustivas e muitas vezes proibidas de deixarem o local sem permissão, tendo seu direito básico de ir e vir totalmente aniquilado.

Nos registros da Comissão Pastoral da Terra, a grande maioria dos trabalhadores libertados dessas condições denunciou estar sob constante ameaça de morte e sofrer agressões físicas e morais. Os re-latos apontam que, ao tentar se livrar da situação, os trabalhadores eram acusados de estar em dívida com o empregador.

“O que acontece, na prática, é que eles já saem de suas casas devendo o transpor-te, a comida, a bebida, e isso vira dívida, que vai se acumulando no armazém da fazenda, virando uma bola de neve. O que ele ganha, muitas vezes, não dá nem para pagar a “venda” e ele vai ficando porque

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Rosângela Rassy: fiscais são vítimas de constantes ameaças

Fiscais que participam dos resgates definem a situação como caótica

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InformANDES/201112Matéria Central

não tem como ir embora sem quitar a dívida, e habitualmente é impedido de sair por vigilantes fortemente armados. Os imigrantes ficam com documentos retidos pelos aliciadores e têm medo de denunciar e serem deportados”, explica Rosângela.

Ameaça ao latifúndioAs ameaças e agressões não ficam

restritas aos trabalhadores escravizados. Aqueles que apuram as denúncias também são alvo de violência. Para os fazendeiros, os auditores representam uma ameaça ao lucro obtido com superexploração de mão de obra.

Em 2004, os auditores fiscais Eratóste-nes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram mortos numa emboscada por investigar denúncias de trabalho escravo numa fazenda da região na cidade de Unaí, Minas Gerais.

Apesar da grande repercussão do caso e pressão da sociedade, as tentativas de coibir a ação dos fiscais são uma constante. “Depois da chacina de Unaí, houve outros casos graves de violência, como em Mato Grosso, em que os auditores ficaram sob fogo cruzado em uma fazenda. Em outro episódio, no Pará, houve perseguição e assalto ao grupo em uma estrada”, conta a presidente do Sinait.

A auditora explica que as equipes do Grupo Móvel, responsáveis pela fiscaliza-ção e averiguação das denúncias, sempre têm escolta da Polícia Federal e as ações rurais, normalmente, também têm apoio das forças policiais estaduais.

No entanto, Rosângela aponta que as

medidas preventivas de segurança não são suficientes para conter a violência a que são submetidos os auditores. “Ape-nas recentemente os auditores fiscais do Trabalho conseguiram o porte de arma de fogo. Mas é só. Não há uma política de prevenção, não há treinamento na área de segurança pessoal e coletiva. Continuamos sendo alvos fáceis. Casos de pequenas agressões e constrangimentos à fiscaliza-ção acontecem quotidianamente”, relata.

Efetivo, mas não suficienteEmbora ainda trabalhando em condi-

ções às vezes precárias, o Grupo Espe-cial de Fiscalização Móvel, em parceria com outras entidades, tem conseguido

resultados na erradicação do trabalho escravo no país. Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), o Brasil é referência no combate à escravidão contemporânea.

De 1995, quando o governo federal admitiu a existência de condições de trabalho análogas à escravidão no país, até o ano passado 39.180 trabalhadores foram resgatados, de acordo com dados do Ministério do Trabalho.

As operações inspecionaram, em 15 anos, 2.844 estabelecimentos, no campo e nas cidades, sendo que a maioria se concentra na zona rural. Mais de R$ 62 milhões foram pagos em indenizações.

No entanto, segundo subprocurador geral do Trabalho, Luís Antonio Camargo, por falta de pessoal e infraestrutura, so-mente 50% das denúncias são apuradas. Além disso, outro problema é a efetiva punição dos crimes constatados.

Apesar do artigo 149 do Código Penal brasileiro prever que a pena para aqueles que reduzem a condição análoga à de escravo é de reclusão de dois a oito anos e multa, quase nunca os responsáveis são presos.

“Quase ninguém é punido, há poucas ações judiciais, a Justiça ainda é tímida e lenta nesta área. A impunidade funciona, na prática, como um incentivo à continui-dade do ilícito. Isso é um problema grave que tem que ser resolvido”, denuncia a auditora fiscal.

Na tentativa de tornar mais severa a punição àqueles que praticam o trabalho escravo, o Senado aprovou em 2004 a

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Trabalhadores são submetidos a jornadas exaustivas, sem equipamentos mínimos de proteção

Apesar da fiscalização ter aumentado, falta de punição severa contribui para que a escravidão continue a fazer vítimas

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InformANDES/2011 13

proposta de emenda constitucional PEC 438/01, que está desde então parada na Câmara dos Deputados.

A proposta determina a expropriação das propriedades rurais e urbanas onde houver trabalho escravo. No campo, essas áreas serão destinadas à reforma agrária e, nas cidades, à programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Além disso, serão confiscados os produtos apreendidos em decorrência da exploração do trabalho escravo.

Um dos grandes entraves na aprovação da PEC 438/01, segundo vários parlamen-tares, é a atuação da bancada ruralista na Câmara e de empresários que exploram mão de obra em situação análoga à de escravidão.

Na avaliação do deputado Domingos Dutra (PT-MA), apesar dos avanços na fiscalização, o Poder Público também tem sido omisso. “Hoje já existe a sanção penal e a administrativa, mas falta a patrimonial, que é prevista na PEC”, afirma, segundo a Agência Câmara.

Para o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AM) “a PEC atinge o lado mais sensível do latifúndio improdutivo, que se utiliza do trabalho escravo: seu bolso e/ou sua propriedade” e por isso é preciso “reunir forças dos parlamentares para a aprovação da proposta”, conclama o parlamentar, em entrevista à TV Senado.

Como contribuir para a erradicação Conscientização e pressão da socie-

dade, aliadas à punição efetiva, podem contribuir no processo de erradicação da escravidão moderna no Brasil. Aliadas a isso, são necessárias um conjunto de políticas públicas que retirem os trabalha-dores da situação vulnerável em que se encontram quando são aliciados. Ou seja, é preciso investir em educação e geração de emprego, principalmente nas áreas de maior incidência desta prática.

Outra medida, no caso da escravidão ur-bana é a revisão das políticas de imigração brasileiras. “O principal caso de escravidão urbana no Brasil é a dos imigrantes ilegais latino-americanos - com maior incidência para os bolivianos - nas oficinas de costura da região metropolitana de São Paulo. A solução passa pela regularização da situ-ação desses imigrantes e a descriminali-zação de seu trabalho no Brasil”, aponta a ONG Repórter Brasil.

A denúncia é outra forma de colaborar para o fim desta prática. Para isso, segundo a presidente do Sinait, é preciso conhecer

o que é trabalho degradante, análogo a escravo. “A Comissão Pastoral da Terra desenvolve um grandioso trabalho de conscientização de trabalhadores que são explorados nas regiões mais longínquas do país. Conhecendo seus direitos, o tra-balhador pode denunciar em qualquer órgão do Ministério do Trabalho”, conta Rosângela Rassy.

A auditora destaca também que Comis-são Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), composta por inúme-ros órgãos e entidades da sociedade civil organizada, vem realizando oficinas em todos os estados, para alertar a população quanto a existência da prática do trabalho análogo a escravo.

Segundo ela, “quando o cidadão passa a conhecer as cadeias produtivas dos vários segmentos, por exemplo, desde a derrubada das árvores na floresta para a criação de gado para corte, até o trabalho sem o mínimo de higiene e proteção à saúde, que é realizado nos matadouros, até a venda do produto ao consumidor final, esse consumidor se revolta e sente a necessidade de deixar de consumir o produto final, dando, dessa forma, sua con-tribuição para o combate a essa prática”.

Matéria Central

A atualização da “lista suja” é feita com a inclusão de

empregadores cujos autos de infração não estejam mais sujeitos aos recursos na esfera

administrativa e da exclusão daqueles que, ao longo de dois anos, contados de sua inclusão

no Cadastro sanaram as irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho, bem

como, atendem aos requisitos previstos Portaria Interministerial nº 2, de 15/5/2011.

Divisão por estados do cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo

No total, são 245 infratores, entre pessoas físicas e jurídicas, na “Lista Suja” do MTE, atualizada em 4/10/2011.

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Auditores evitam ser identificados nas fotos, por medida de segurança

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InformANDES/201114Entrevista

contrário nos mudaremos de mala e cuia para o mundo virtual só que não levaremos o mais importantes da vida: nosso corpo, a nossa sociedade e a relação com o meio ambiente.

Qual a necessidade de estarmos co-nectados a esse mundo virtual? Existe uma demanda real ou ela é criada pela sociedade de consumo, como for-ma de manipulação e controle?

Acho que há uma demanda real na medida em que a nossa cultura está jogando todas as fichas na relação com o computador. Esco-lhemos a máquina digital como mediadora da nossa relação com o mundo, inclusive nos de-finimos como Sociedade da Informação. Por-tanto, nessa altura do campeonato não existe mais retorno para uma vida sem a presença da tecnologia. Só que a cultura tecnológica que prevaleceu em relação à máquina é profunda-mente tecnocrática, autoritária, consumista e desigual. Ou a máquina está acima de nós ou tratamos a técnica como um conjunto de es-cravos (não é a toa que esmurramos aparelhos quando não funcionam como gostaríamos!). Somos incapazes de perceber o gesto humano fixado e cristalizado numa máquina, o que nos ajudaria muito a dialogarmos com ela.

Agora, é importante destacar que desco-brimos o mundo digital, mas rapidamente ele foi colonizado pelos mesmos valores do capitalismo real. Além disso, transformou-se no instrumento por excelência do controle.

Qual a influência dessa nova relação na forma como as pessoas recebem e processam informação?

A informação passou a ser o denominador de tudo. Ou seja, tudo virou informação. Na medida em que tudo (esteja no estado animal, mineral ou vegetal) passa a ser di-gitalizado e transformado num pacote de informação, é claro que posso transformar, alterar, reduzir, coisificar à vontade. O pe-sadelo de Marx finalmente se concretizou. A economia enlouqueceu de vez e a vida se coisificou. Os nossos próprios genes viraram pacotes de informações genéticas. É claro que nessa mudança, quando tudo vira uma sequência de zeros e uns, fica fácil colocar um preço e vender no que eu costumo cha-mar de “mercado de impressões digitais”. Assim sendo, não somos mais seres humanos expostos a qualidades e valores éticos, mas “processadores de informações”, espécies de máquinas leitoras de códigos de barras. Chegou a hora de redimensionarmos a nossa relação com a vida a partir de uma nova de-finição do próprio conceito de informação. Informação não é um dado, um número, mas um valor, uma qualidade, uma possibi-lidade de transformação social e política.

Com o advento da internet, a relação do homem com a máquina e com a tecnologia assume novos patamares provocando mudanças profundas no convívio social e nas práticas democráticas. As formas de dominação e con-trole se apropriam das tecnologias, exigindo um novo posicionamento na

batalha hegemônica.O jornalista e professor da PUC-SP, Silvio Mieli, denuncia que vivemos em uma

Sociedade de Controle, na qual a perda da liberdade se dá de forma consentida. “Nós mesmos abrimos mão das nossas garantias e direitos de cidadania e infesta-mos as nossas ruas com câmeras de vigilância, isso quando não as colocamos den-tro das nossas casas e transmitimos tudo ao vivo. Descrevemos detalhadamente as nossas atividades cotidianas nas redes sociais”, alerta.

Para Mieli, vivemos um misto de neodarwinismo social - graças às práticas ne-oliberais - com uma hiper sociedade do espetáculo, onde o exibicionismo passa a ser uma prática positiva. Esse novo parâmetro de sociabilidade é transmitido peda-gogicamente, segundo o docente, sem nenhum tipo de questionamento e análise desde a mais tenra idade.

Doutor em Comunicação e Semiótica, Mieli pesquisa a noção tecnocientífica de informação e seus desdobramentos na vida, no conhecimento, no trabalho, na linguagem e na arte contemporânea. Em entrevista ao InformANDES, o professor provoca a reflexão sobre as novas formas de relação construídas nesta Sociedade de Controle e aponta como é possível se apropriar das ferramentas digitais para fortalecer a luta contra-hegemônica. Confira:

Comunicação digital vira ferramenta na batalha hegemônica

Gostaria que você fizesse uma análise da relação entre homem e tecnologia digital, dentro do contexto da intera-ção através das redes sociais.

A questão é ampla, mas poderia resumir dizendo que a cada descoberta tecnológica descobrimos um novo nível de realidade. Não foi diferente com a informática. É como se descobríssemos a senha para um mundo virtual digital. Só que a qualidade da nossa

relação com esse novo mundo depende do tipo de relação entre essa esfera virtual e a vida atual. Acho que se esses dois níveis não se relacionarem direito a experiência se em-pobrece. Assim, toda e qualquer experiência na internet deve, necessariamente, estar relacionada com o núcleo duro da realidade, este aqui no qual estamos pisando, comendo, bebendo, respirando. É o corpo social que deve se relacionar com as redes virtuais, caso

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InformANDES/2011 15Entrevista

Você acredita que com a transferência das relações para o mundo virtual ocorre também uma transferência das práticas sociais?

Sim, tudo muda. Mesmo numa comu-nidade que não tem acesso à internet a cabeça das pessoas já sofreu um impacto das mudanças. Pela própria velocidade do fluxo de informações, pela vertigem das ima-gens, pela aceleração da própria vida. Ora, é exatamente isso que devemos começar a estudar, avaliar e debater socialmente. O que está mudando e até onde queremos chegar. E aqui não se trata de decidir que voltaremos à Idade da Pedra e recusaremos toda e qualquer tecnologia. Ao contrário, debateremos como, onde e por que incluir determinadas tecnologias no nosso cotidiano.

Você aponta a colonização da internet pelos valores capitalistas. Gostaria que você aprofundasse a questão.

Ocorreu com a internet o mesmo que aco-meteu o nosso continente quando da chegada de espanhóis, portugueses, ingleses e fran-ceses. Removeram os índios e começaram a exploração. Por sorte, no início da história da internet havia a troca de informações entre universidades, o que garantiu uma espécie de ‘Mata Atlântica’ qualitativa, fundamental para a preservação de uma biodiversidade expe-rimental na rede. Mas logo o espaço virtual da internet passou a ser usado como espaço de troca, mais valia e controle. Um exemplo importante foi o grande provedor AOL ter comprado a gigante da mídia Time Warner em 2001. Foi a senha para os valores éticos e estéticos da televisão dominarem os grandes portais que surgiam. Em pouco tempo a inter-net foi transformada num grande shopping center virtual, mas também num lugar onde as pessoas passaram a entregar gratuitamente todas as suas informações para bancos de dados como Orkut, Facebook, Myspace.

Qual a mais valia de que o capital se apropria no mundo virtual? Como exerce o controle?

Quem visita a sede da Google vê pouquíssi-mas pessoas trabalhando. Quem está traba-lhando para o Google? Nós. Existem setores inteiros da indústria do entretenimento que já estão em condições de reduzirem a zero os custos de marketing ou de desenvolvimento e pesquisa porque são alimentados gracio-samente pelos “consumidores-produtores” da própria rede. Na esfera da comunicação, Youtube, Myspace ou Facebook operam dentro da mesma lógica. Sem contar que, nesses casos, o objetivo é manter o consu-midor enclausurado nessas redes o maior tempo possível. Em nome da interação e de

práticas “colaborativas”, estamos sendo ex-plorados e entregamos gratuitamente a nossa força de trabalho para o capitalismo digital. É preciso atentar para isso com cuidado.

Então, qual pode ser o interesse em fazer uso destas tecnologias?

Quando a experiência nas redes sociais nos ajuda a redesenharmos algum tipo de socia-bilidade, inventando e criando novas formas de vida em comunidade acho fundamental. Aspectos dessa situação ocorreram na Prima-vera Árabe, na Espanha, Grécia, Itália e agora na ocupação em Wall Street. Redes como Facebook e Twitter, que existem basicamente para alargar o espectro do consumo, foram subvertidas para um outro uso, principalmen-te aquele de reunir virtualmente pessoas que acabaram se encontrando depois nas ruas e praças. Mas, além disso, quando a qualidade

da informação trocada nessas redes subver-te o fluxo da mídia corporativa, revelando outros significados e sentidos para os fatos, é claro que começamos a perceber que até o Google pode se transformar numa zona liberada do capitalismo e transformada num outro projeto de relação homem/técnica.

Quais os reflexos na academia?A academia tem referendado todo e qual-

quer discurso que coloca em primeiro lugar a tecnologia como sucessora da religião ou, se quisermos, do próprio Deus. Em segun-do lugar, salvo raras e honrosas exceções, não procura questionar, criticar e analisar os aspectos negativos dos impactos e dos projetos tecnológicos. Quem ousa criticar a Monsanto num curso de agronomia? O mesmo acontece em relação à internet e às próprias Redes Sociais. Ora, se estamos mer-gulhando totalmente nessa esfera virtual e já vivemos mais para lá do que para cá (tem gente que inclusive almoça diante de um computador) não seria o caso de estabelecer novos parâmetros de análise? E esse é o papel da universidade, principalmente da área de humanas, que sempre procurou dar dignifi-cados e sentidos para a existência humana.

Você aponta a necessidade de politizar a questão da relação com a tecnolo-gia. Como isso deve ser feito? Você acha que é papel da academia fazê-lo?

Não há outro papel para a academia do que aquele de colocar a tecnologia sobre a mesa e estudá-la. A filosofia e a sociologia da técnica podem nos ajudar muito. É tarefa difícil, mas absolutamente necessária. O termo “politi-zar” não se refere aqui à partidarização ou qualquer forma de institucionalização, mas principalmente da relação entre tecnologia e movimentos sociais. Qual é o projeto dos movimentos em relação à tecnologia? Será que não seria o caso de nos perguntarmos? Caso contrário, seremos usados pela técnica ao invés de usarmos a tecnologia a nosso favor até para potencializarmos as nossas ações.

Como pode se dar a luta contra hege-mônica nesse contexto?

Sugiro que desde o ensino fundamental os alunos estudem a Mídia e as relações com a Tecnologia, ao invés de ficarem perdendo tempo em laboratórios de infor-mática com exercícios inúteis do ponto de vista didático-pedagógico. Num segundo estágio, é preciso tomar posse da internet para projetos ousados de retomada dos meios de comunicação. Paralelo a tudo isso, devemos acabar com o preconceito e colocar os temas ligados à tecnologia nas nossas pautas de discussões sociais.

É importante destacar que descobrimos o mundo digital, mas rapidamente ele foi colonizado pelos mesmos valores do capitalismo real. Além disso, transformou-se no instrumento por excelência do controle.

O pesadelo de Marx finalmente se concretizou. A economia enlouqueceu de vez e a vida se coisificou

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Para Mieli, cabe à Academia questionar o papel da internet

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InformANDES/201116

Campanha “10% do PIB na Educação Pública, Já!” ganha força

Com a instalação de comitês locais e o aumento da divulgação na internet, a campanha por mais investimento na educação pública

começa conquistar a adesão de diferentes setores da sociedade civil e ganhar espaço também fora dos movimentos organizados.

Durante os meses de setembro e ou-tubro, diversos estados fizeram o lança-mento local da campanha “10% do PIB na Educação Pública, já!”, com manifestações nas ruas, aulas públicas e palestras para explicar a importância da reivindicação.

Agora, o próximo passo do movimento é a realização de um plebiscito popular em novembro, como forma de pressionar o Legislativo federal a aprovar o percentual para a educação pública.

Enquanto o governo dá incentivo e isenções fiscais para grupos empresariais (R$ 144 bilhões em 2010), compromete

outros R$ 40 bilhões com obras para a Copa e Olimpíadas e prevê pagar, em 2011, R$ 950 bilhões para banqueiros na forma de juros e amortização de dí-vidas, os investimentos reservado para a Educação e Saúde juntas não superam 7% do total do orçamento, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida. A proposta do governo federal é que os investimentos na educação cheguem à marca de 7% do PIB apenas em 2020.

Por que 10%?No Brasil, 7ª potência econômica mun-

dial, existem hoje 14 milhões de analfa-betos, sendo que cerca de um quarto dos cidadãos não tem acesso nem a escolari-zação mínima.

Estudos apontam que, para começar a reverter a grave situação educacional à qual tem sido submetida a maioria da

população brasileira, é necessário aplicar anualmente na Educação Pública, no mí-nimo, R$ 10 para cada R$ 100 da riqueza produzida no Brasil. Atualmente, o país investe apenas cerca de R$ 4 por R$ 100, patamar inferior ao destinado à educação em países como Argentina e Portugal.

Na redePara ampliar o alcance do movimento

pela aplicação imediata de 10% do PIB na educação pública, foram lançados no mês de setembro um abaixo-assinado e um blog na internet. A página com o ma-nifesto da campanha pode ser acessada no endereço http://dezporcentoja.blogspot.com/. A petição online pode ser assinada no endereço http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N13990.

Com colaboração de Silvana Sá (Adufrj) e Regional SP do ANDES-SN.

Campanha

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e o Centro de Estudos Educação & Sociedade (Cedes) declaram apoio à campanha “10% do PIB para Educação Pública, já!”. O movimento por mais investimentos do governo na edu-cação pública se fortalece com a adesão de duas entidades acadêmicas e científicas, referências na área da Educação.

As presidentes da Anped e do Cedes, Dalila Andrade Oliveira e Ivany Rodrigues Pino, respectivamente, assinaram o ma-nifesto em prol da aplicação imediata de

10% do PIB na Educação durante a 34ª Reunião Anual (RA) da Anped.

O ANDES-SN montou um estande no encontro para coletar assinaturas dos participantes no abaixo-assinado, que foi endossado por quadros históricos da asso-ciação, professores, estudantes e pesqui-sadores de todo o país.

Na assembleia geral da Anped, realizada ao final da 34ª RA, os sócios deliberaram ainda por incluir a campanha na pauta da entidade, inserindo o ponto na Carta de Natal.

Noruega: US$ 15.578

França: US$ 7.884

Botsuana: US$ 2.203

Argentina: US$ 1.578

Brasil: US$ 959

Portugal: US$ 5.592

Cuba: US$ 3.322* Dados da Unesco/2010

Veja o investimento anual por pessoa em idade escolar em alguns países Anped e Cedes endossam manifesto