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SÍNTESE DO COMPÓSITO FORMADO POR HIDROGEL E CRISTAL LÍQUIDO (MBBA) E SUA CARACTERIZAÇÃO
ÓPTICA E MORFOLÓGICA
Keila A. da Silva, Paulo R.G. Fernandes*, Hatsumi Mukai, Edvani C. Muniz
Universidade Estadual de Maringá - UEM, Maringá-PR
Os hidrogéis são materiais poliméricos baseados em redes tridimensionais (3D) hidrofílicas com vastas aplicações tecnológicas. Na última década, essas aplicações se expandiram devido a inserção (ou confinamento) de outros tipos de materiais tais como: cristais líquidos, partículas magnéticas, enzimas, entre outros, na rede 3D do hidrogel. Tais compósitos apresentam tanto as propriedades físico-químicas dos hidrogéis puros (isotropia óptica, hidrofilicidade, biocompatibilidade, etc.) quanto as do material confinado na rede 3D. Neste trabalho, apresentamos um compósito formado por hidrogel de poliacrilamida (PAAm) e cristal líquido termotrópico (MBBA) que atinge a sua estabilidade mecânica em apenas sete dias. Essa conquista se deve ao uso da acetona na síntese desse compósito. A caracterização óptica e morfológica desse novo material se fez com o uso da microscopia óptica de luz polarizada (MOLP), da microscopia eletrônica de varredura (MEV) e da espectrofotometria de transmitância óptica (ETO). Dos compósitos sintetizados somente aqueles com 1% de MBBA apresentaram um comportamento óptico inesperado; fato ainda em aberto. A compreensão desse fato está entre os objetivos de futuras investigações. Palavras-chave: compósitos, hidrogel, cristal líquido, caracterização óptica e morfológica
Synthesis of the Composite formed by Hydrogel and Liquid Crystal MBBA and their Optical and Morphological Characterization.
Hydrogels are materials based on hydrophilic tridimensional network (3D) with wide technological applications. In the last decade, these applications have increased due to the confinement of materials such as liquid crystals, magnetic particles, enzymes, nano-structured particles, among others, in the 3D polymeric matrix of the hydrogel. These composites present, at the same time, the physical chemistry properties of hydrogels (optical isotropy, hydrophilicity, biocompatibility, etc.) and that associated to confined material in the 3D network. In this work, we present the composite formed by polyacrylamide (PAAm) hydrogel and the thermotropic liquid crystal (MBBA) that reaches their mechanical stability in only seven days. This conquest is due to use of acetone in the hydrogel synthesis. The optical and morphological characterizations of this new material were performed by the use of Light Polarized Optical Microscopy (LPOM), Scanning Electronic Microscopy (SEM) and Optical Transmittance Spectroscopy (OTS). From all synthesized composites only that with 1% MBBA show an unexpected optical behavior. This fact is still open and the understanding of this fact is in the goals of future investigations.
Keywords: composites, hydrogel, liquid crystal, optical and morphological characterization. Introdução Os hidrogéis são materiais formados por redes de polímeros hidrofílicos que possuem habilidade de
absorver grande quantidade de água1-3. Devido à sua satisfatória bio-compatibilidade, são
candidatos em potencial para serem aplicados principalmente na área médica e farmacêutica
(biotecnologia). Dentre as diversas aplicações, pode-se destacar: lentes de contato, processos de
separação, condutores de medicamentos, substratos para cultura de células e implantes
terapêuticos4,5.Para que um hidrogel seja de fácil aplicação, é muito importante que apresente boa
resistência mecânica. Uma das maneiras de obter hidrogéis com tais características é sintetizá-los
como sistemas semi-IPN ou IPN6. Esses hidrogéis são formados pela combinação de um polímero
na forma reticulada e outro na forma linear. Os hidrogéis tipo IPN, são formados pela combinação
de dois polímeros diferentes reticulados. Neste trabalho foi utilizado os hidrogéis de PAAm, que
quando intumescidos apresentam boa estabilidade mecânica, sendo assim amplamente usados como
suporte mecânico para materiais que possuem propriedades mecânicas de baixa qualidade. Os
PAAm também são frequentemente aplicados como biomateriais7. Quanto aos cristais líquidos
(CL's) estes são substâncias caracterizadas por possuírem grau de ordem molecular intermediário
entre a ordem orientacional dos sólidos cristalinos e líquidos isotrópicos8,9. Os CL's são
classificados em duas grandes categorias: os termotrópicos e os liotrópicos. Os cristais líquidos
termotrópicos (CLTs) são constituídos por arranjos de moléculas anisométricas orgânicas
(moléculas alongadas ou em forma de discos), e suas transições de fases ocorrem essencialmente
em função da temperatura9,10. O confinamento desses materiais líquido-cristalinos em matrizes
poliméricas tem despertado um especial interesse devido às suas aplicações tecnológicas. As mais
conhecidas são os PDLC’s (Polymer Dispersed Liquid Crystals – Cristais Líquidos Dispersos em
Polímeros), que são utilizados em mostradores (displays) e em “cortinas eletrônicas”11,12. Outra
forma de confinamento de materiais eletro-ópticos consiste em introduzi-los no interior de
hidrogéis. Esse novo material compósito apresenta diferentes propriedades13-15 em relação aos
componentes puros. Nesse trabalho apresentamos a síntese do hidrogel utilizando acetona, e os
resultados de caracterização óptica e morfológica do hidrogel puro e desses novos compósitos.
Parte Experimental Amostras Para a síntese do hidrogel/compósito foi preparada uma solução aquosa (20% de água e 80% de
acetona) de KIO4 (5,0 x 10-3 molL-1). À solução foi adicionada o monômero acrilamida (AAm), o
agente reticulante MBAAm e o cristal líquido (MBBA) com concentrações descritas na Tabela 1.
Esta solução foi mantida sob agitação (~15minutos) e após a homogeneização borbulhou-se N2
durante 15 minutos para desoxigenação. A solução resultante foi inserida em um capacitor de vidro
recoberto com filme de SnO2 com espaçador de 25 µm de espessura. Após o preenchimento do
capacitor, a amostra foi exposta por 40 minutos em lâmpada de vapor de Hg (λ = 254 – 580 nm).
Para a caracterização das amostras foi adotada a notação (A-M-X), onde A é a concentração molar
de AAm, M é a concentração de MBAAm (% molar em relação a AAm) e X é a quantidade de
MBBA (em % v/v).
Tabela 1: Concentrações de AAm, MBAAm e MBBA utilizadas nas soluções de síntese dos compósitos (A-M-X).
Hidrogel
(2-1-X)
AAm
(mol L-1)
MBAAm
(mol L-1)
MBBA
(% v/v)
(2-1-0) 2,0 0,02 0
(2-1-0,5) 2,0 0,02 0,5
(2-1-1,0) 2,0 0,02 1,0
(2-1-3,0) 2,0 0,02 3,0
Porta – amostra O porta-amostra consiste de capacitores de vidro recoberto com filme de SnO2 com espaçador de 25
µm de espessura. A temperatura da amostra foi controlada utilizando-se um banho de água
termostatizada (0,1oC de precisão). Os capacitores de vidro com filme condutor foram
confeccionados no Laboratório de Tecnologia de Mostradores de Informação (LTMI) do Centro de
Pesquisas Renato Archer (CenPRA), Campinas, SP com o intuito de utilizá-los em
impedanciometria que necessita de área e espessura controladas.
Técnicas Experimentais:
1. Microscopia Óptica de Luz Polarizada (MOLP) A Microscopia Óptica de Luz Polarizada (MOLP) é uma técnica importante para a análise da
estrutura formada do compósito (hidrogel + CL), através da observação da textura obtida. O
microscópio utilizado neste trabalho (Microscópio DM - LP Leica com Câmera CCD – DXC –
107A Sony acoplada) possui um polarizador situado na base do microscópio e um analisador a 90º,
localizado acima da lente objetiva. A amostra fica entre os dois polarizadores. Ao passar pela
amostra, a luz sofre modificação no seu plano de polarização em virtude da anisotropia óptica do
material, revelando texturas típicas de cada fase. Neste trabalho foram obtidas as texturas do
sistema PAAm-MBBA em uma ampliação de 200 vezes.
2. Espectrofotometria de Transmitância Óptica
As medidas de transmitância óptica dos hidrogéis com cristal líquido termotrópico (MBBA)
confinado foram realizadas em temperatura ambiente (25 ºC), utilizando um espectrofotômetro UV-
Visible Cary 50 Conc com intervalo de leitura de 400 nm a 900 nm. Assim, obtivemos os espectros
de transmitância da amostra em função do comprimento de onda para toda a região do visível.
3. Microscopia Eletrônica de Varredura
Para efetuar as análises das propriedades morfológicas da superfície dos hidrogéis e dos
compósitos, utilizou-se a técnica de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV). As amostras
foram inseridas em porta-amostras de vidro com espaçamento de aproximadamente 0,5mm. Após o
preenchimento, retira-se uma das placas e, com uma pinça, descola-se cuidadosamente o filme do
hidrogel/compósito. Para a realização das análises, tanto os filmes de hidrogel quanto dos
compósitos foram congelados por imersão em nitrogênio líquido. Posteriormente, foram liofilizadas
utilizando o equipamento Christ gefriertrocknungsanlagen. Durante a liofilização, a temperatura foi
mantida em -55 ºC e este processo permaneceu por aproximadamente 4 horas. Após a liofilização,
as amostras foram recobertas com uma fina camada de ouro para torná-las eletricamente
condutoras. As micrografias dos hidrogéis foram obtidas utilizando um microscópio eletrônico de
varredura Shimadzu, modelo SS-550 Superscan.
Resultados e Discussões 1. Microscopia Óptica de Luz Polarizada (MOLP) A orientação média das moléculas de uma amostra de cristal líquido (CL) é caracterizada por um
vetor diretor nr
, que possui a propriedade de que nnrr −= . A técnica da MOLP foi utilizada da
seguinte forma: giramos a amostra a 450 em relação a sua posição inicial (00). A posição inicial foi
sempre aquela com a amostra paralela ao polarizador. Assim, quando observamos uma amostra
opticamente isotrópica entre polarizadores cruzados sua textura é de um escuro homogêneo
caracterizando a inexistência de uma direção preferencial das moléculas de CL dentro do hidrogel
(rede). No entanto, fazendo o mesmo com uma amostra em que há uma direção preferencial em seu
interior, expressa pelo vetor diretor, mesmo que localmente, observam-se alterações na textura
óptica da amostra; nos locais em que o vetor diretor é paralelo a um dos polarizadores, observa-se
uma região escura e nas regiões em que o vetor diretor possui uma direção diferente à dos
polarizadores observa-se uma região clara. Assim, a MOLP constitui uma importante técnica
experimental para verificar a presença de cristal líquido no interior do compósito. Colocando um
capacitor contendo uma amostra de hidrogel puro na mesa giratória do microscópio e observando a
textura formada quando o capacitor é girado de 0o e 45o em relação aos polarizadores cruzados
vemos que não há alteração na textura formada. No entanto, quando se faz o mesmo procedimento
com um capacitor preenchido com um compósito percebe-se nitidamente a presença de pontos
brilhantes. Esses pontos brilhantes desaparecem quando a amostra é girada de 45o em relação aos
polarizadores e surgem quando o capacitor é colocado novamente na posição inicial (0o). As
fotografias apresentadas nas Figuras 1 ilustram as texturas ópticas do hidrogel puro (a) 0% e dos
compósitos com (b) 0,5%, (c) 1% e (d) 3% de cristal líquido (MBBA) na temperatura de 15.0 0C em
dois ângulos de rotação da amostra: 0o e 45o em relação aos polarizadores cruzados. Na Figura 1 (a)
vemos claramente que a textura do hidrogel puro não é alterada quando a amostra é girada entre os
polarizadores cruzados, constituindo assim um material opticamente isotrópico. Já os compósitos
apresentaram alterações em suas texturas indicando a presença de cristal líquido no interior do
hidrogel. As setas nas Figuras 1(b) e 1(d) indicam pontos brilhantes que são observados quando a
amostra está na posição 00. Tais pontos desaparecem quando a amostra é girada de 450 em relação
aos polarizadores cruzados. Observando a textura do compósito contendo 1% de CL (Figura 1(c)),
percebemos um fato inusitado; a textura desse compósito possui uma certa similaridade com a do
hidrogel puro (1a), porém se distingue pela presença de pontos brilhantes que desaparecem quando
a amostra é girada entre os polarizadores cruzados. Assim, somente o compósito contendo 1% de
CL constitui um gel birrefringente com uma textura óptica muito similar à do hidrogel puro. Esse
fato curioso, e ainda em aberto, constitui objeto de investigação.
Figura 1 - Micrografias ópticas: (a) hidrogel (2-1-0), (b) compósito (2-1-0,5), (c) compósito (2-1-1,0) e (d) compósito (2-1-3,0). Texturas obtidas entre polarizadores cruzados e ampliação de 200 vezes. Os ângulos são medidos em relação à borda do capacitor.
2. Transmitância Óptica Na Figura 2, são mostrados os espectros de transmitância óptica entre 400 nm a 900 nm, isto é, na
região do visível obtidos para os sistemas: (2-1-X), MBBA e hidrogel de PAAm. Pode-se observar
que para o hidrogel puro a transmitância de luz permanece em torno de 20 a 22 %, indicando que a
luz não é totalmente transmitida através da amostra. A amostra apresenta uma coloração
esbranquiçada que estamos atribuindo ao uso da acetona (80%) na formulação do hidrogel.
Observa-se ainda que, para o compósito (2-1-X), a transmitância aumenta quando a quantidade de
cristal líquido no compósito é maior. Novamente, observa-se um fato que ocorre somente com a
concentração de 1% de MBBA na qual a transmitância é menor em relação àquelas obtidas com as
demais concentrações de cristal líquido. Tal comportamento diferenciado também foi observado na
textura óptica obtida com MOLP nesta mesma concentração.
Figura 2 - Dependência da transmitância óptica com o comprimento de onda para as amostras. As medidas foram realizadas a 25
ºC.
3. Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV)
(a)
(b)
(c)
(d)
Figura 3 - Micrografias, obtidas por MEV, das superfícies de: (a) hidrogel puro; (b) hidrogel com 0,5% de MBBA: (c) hidrogel com
1,0% de MBBA; (d) hidrogel com 3,0% de MBBA; Aumento de 500 vezes.
Pela análise das micrografias da Figura 3 vê-se que a superfície do hidrogel de PAAm torna-
se mais rugosa à medida que se aumenta a concentração do MBBA no compósito. As partes mais
esbranquiçadas salientes (figuras 3 (b) e (d)) é consequência do descolamento da placas do porta
amostra. Ao comparar essas micrografias com aquelas obtidas com compósitos sintetizados sem
acetona (Figura 4) verificamos uma nítida diferença; as amostras que utilizam acetona em sua
síntese formam uma rede com maior porosidade (a estrutura da rede possui cavidades menores)
quando comparadas com a estrutura formada nas amostras sintetizadas sem a acetona (redes com
cavidades maiores). Assim, a acetona desempenha um papel fundamental na formação da
porosidade da rede do hidrogel;
(a) (b)
Figura 4 - Micrografias, obtidas por MEV, da superfície de hidrogéis de PAAm sintetizado sem acetona; (a) Aumento de 400 vezes;
(b)Aumento de 1000 vezes.
Conclusões Nesse trabalho concluímos que:
− A estabilidade da amostra se tornou mais rápida com o uso da acetona na síntese do
hidrogel; em amostras sintetizadas sem a acetona a estabilidade é obtida após 40 dias da
síntese enquanto que utilizando a acetona o tempo é reduzido para 7 dias;
− As texturas ópticas, obtidas por MOLP, indicam a presença do cristal líquido no interior do
hidrogel e a textura dos compósitos contendo 1% de MBBA possui uma certa similaridade
com a textura do hidrogel puro sendo que este último não apresenta birrefringência.
− As medidas de espectroscopia de transmitância no visível mostram que a transmitância
óptica aumenta consideravelmente com a adição de cristal líquido (CL), com exceção da
amostra contendo 1% de MBBA; A compreensão desse fato inusitado, ainda em aberto, está
entre os objetivos de futuras investigações.
− As micrografias de MEV mostram que a adição de cristal líquido torna a superfície do
hidrogel mais rugosa;
Agradecimentos Esse trabalho foi apoiado financeiramente pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fluidos Complexos (INCT – FCx)/CNPq, pela Fundação Araucária e CNPq. Referências Bibliográficas 1. E.C. Muniz, G. J. Geuskens Memb. Sci. 2000, 172, 287. 2. H. Muta, M. Miwa, M. Satoh Polymer 2001, 42, 6313. 3. A.V. Reis, O.A. Cavalcanti, A.F. Rubira, E.C. Muniz Inter. J. Pharm. 2003, 267, 13. 4. V. Hendrick, E.C. Muniz, G. Geuskens, J. Wérenne Cytotechnology 2001, 36, 49. 5. M. Kobayashi, Y.S. Chang, M. Oka Biomaterials 2005, 26, 3243. 6. M. Zeng, Z. J. Fang Membr. Sci. 2004, 245, 95. 7. H. Shirota, E.W Costner. J. Am. Chem. Soc. 2001, 123, 51. 8. G. H. Gray; P. A Winson, Liquid Crystals and Plastic Crystals, vol.1, Ellis Horwood Limited,
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