sistemática vegetal, angiospermas, quimiotaxonomia e fitoquímica

12
Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química). 1 INTRODUÇÃO BIODIVERSIDADE E SISTEMÁTICA VEGETAL A diversidade de espécies vegetais que compartilham a biosfera terrestre é exuberante! Estima-se que, pelo menos, 14 milhões de diferentes tipos de organismos vivos compartilham a biosfera terrestre. Porém, só uma pequena fração destes, cerca de 1,75 milhões, foram nomeados e catalogados. Dentre os seres vivos existentes, há um total de 270.000 espécies vegetais identificadas, mas acredita-se que ainda haja 50.000 espécies a serem descritas (Status and Trends of Global Biodiversity, 2002; Seberg, 2004). Essa grande diversidade de formas vegetais tornou necessária uma sistematização com base em critérios de utilização mais fácil, agrupando indivíduos com maior semelhança externa e interna em níveis hierárquicos, dependentes do grau de uniformidade de suas características. Essa hierarquização e a caracterização dos diferentes grupos de vegetais originam os sistemas de classificação (Poser, 2001). A primeira tentativa de organizar as inúmeras espécies de plantas com flores foi proposta por Carolus Linnaeus. O sistema artificial de Linnaeus, denominado de ‘sistema sexual’, era fundamentado na teoria da imutabilidade das espécies e utilizava-se da disposição de estames para classificar os vegetais. Posteriormente, outros sistemas foram criados com intuito de organizar os vários grupos vegetais, como o sistema natural que empregava a afinidade natural das plantas utilizando-se de toda a organização do vegetal. O primeiro sistema natural foi o de Jussieu que procurou ordenar as plantas levando em consideração o número de cotilédones, a estrutura da semente e outra série de caracteres vegetativos e reprodutivos. Finalmente, com os estudos de Wallace e Darwin, surgiu o sistema filogenético, baseado na teoria da evolução, relacionando a genética dos vegetais atuais com espécies de outras eras geológicas (Barroso, 2002). Utilizando-se de estudos filogenéticos, os seres vivos foram agrupados em dois super- reinos: Prokaryonta e Eukaryonta. O super-reino Prokaryonta é composto por um único reino, Monera, que se desmembra nas divisões Bacteria e Cyanochloronta. Já os reinos Myceteae (Fungi) e Phyta (Plantae), dos quais fazem parte os organismos que possuem membrana nuclear (carioteca) e organelas delimitadas por membranas, pertencem ao super- reino Eukaryonta (Poser, 2001).

Upload: dearimateia2010

Post on 23-Dec-2015

67 views

Category:

Documents


35 download

DESCRIPTION

Aborda os aspectos da biodiverssidade, classificação de angiospermas, a quimiotaxonomia clássica e moderna e, neste contesto, a fitoquímica.

TRANSCRIPT

Page 1: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

1

INTRODUÇÃO

BIODIVERSIDADE E SISTEMÁTICA VEGETAL

A diversidade de espécies vegetais que compartilham a biosfera terrestre é exuberante!

Estima-se que, pelo menos, 14 milhões de diferentes tipos de organismos vivos compartilham

a biosfera terrestre. Porém, só uma pequena fração destes, cerca de 1,75 milhões, foram

nomeados e catalogados. Dentre os seres vivos existentes, há um total de 270.000 espécies

vegetais identificadas, mas acredita-se que ainda haja 50.000 espécies a serem descritas

(Status and Trends of Global Biodiversity, 2002; Seberg, 2004). Essa grande diversidade de

formas vegetais tornou necessária uma sistematização com base em critérios de utilização

mais fácil, agrupando indivíduos com maior semelhança externa e interna em níveis

hierárquicos, dependentes do grau de uniformidade de suas características. Essa

hierarquização e a caracterização dos diferentes grupos de vegetais originam os sistemas de

classificação (Poser, 2001).

A primeira tentativa de organizar as inúmeras espécies de plantas com flores foi

proposta por Carolus Linnaeus. O sistema artificial de Linnaeus, denominado de ‘sistema

sexual’, era fundamentado na teoria da imutabilidade das espécies e utilizava-se da disposição

de estames para classificar os vegetais. Posteriormente, outros sistemas foram criados com

intuito de organizar os vários grupos vegetais, como o sistema natural que empregava a

afinidade natural das plantas utilizando-se de toda a organização do vegetal. O primeiro

sistema natural foi o de Jussieu que procurou ordenar as plantas levando em consideração o

número de cotilédones, a estrutura da semente e outra série de caracteres vegetativos e

reprodutivos. Finalmente, com os estudos de Wallace e Darwin, surgiu o sistema filogenético,

baseado na teoria da evolução, relacionando a genética dos vegetais atuais com espécies de

outras eras geológicas (Barroso, 2002).

Utilizando-se de estudos filogenéticos, os seres vivos foram agrupados em dois super-

reinos: Prokaryonta e Eukaryonta. O super-reino Prokaryonta é composto por um único

reino, Monera, que se desmembra nas divisões Bacteria e Cyanochloronta. Já os reinos

Myceteae (Fungi) e Phyta (Plantae), dos quais fazem parte os organismos que possuem

membrana nuclear (carioteca) e organelas delimitadas por membranas, pertencem ao super-

reino Eukaryonta (Poser, 2001).

Page 2: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

2

Entre os super-reinos propostos e o táxon gênero, foram adotadas várias categorias

taxonômicas. Espécies semelhantes morfológica, fisiológica ou quimicamente podem ser

agrupadas em níveis de gênero. Os gêneros agrupados em famílias; famílias em ordens;

ordens em classes; classes em divisões e, por fim, as divisões nos reinos já citados. O nível

gênero é dividido em espécie que é considerada como um grupo de indivíduos que possuem

características similares e que são capazes de cruzarem entre si originando descendentes

férteis, portanto, a espécie é a unidade fundamental dos sistemas de classificação (Barroso,

2002).

SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DE ANGIOSPERMAS

O maior grupo de organismos fotossintetizantes, as angiospermas ou plantas com

flores, se caracteriza por grande poder de adaptação às diversas condições ambientais. Variam

de pequenas ervas a árvores de grande porte ou lianas e plantas adaptadas para viver sobre

troncos e ramos de outras plantas, como epífitas (Barroso, 2002). Com cerca de 235.000

espécies, esta divisão tem dominado o planeta por mais de 100 milhões de anos (Raven,

2001). Devido a essa enorme variedade de espécies, houve a necessidade de desenvolver

vários sistemas de classificação baseados em diversos campos, tais como, bioquímica,

fitoquímica, morfologia, genética, citologia, paleobotânica, história geológica, desenvolvidos

na tentativa de classificar corretamente as espécies pertencentes a esta divisão.

A divisão Magnoliophyta foi dividida por Cronquist em duas classes, levando em

consideração caracteres anatômicos, presença ou ausência de endosperma, composição

química, morfologia dos órgãos reprodutores, entre outras características. A classe

Magnoliopsida (dicotiledônea), é composta por espécies que apresentam embriões com dois

cotilédones e a Liopsida (monocotiledônea) mostra, como característica principal, embriões

com apenas um cotilédone. O grupo das dicotiledôneas é composto por 6 subclasses, 64

ordens, 321 famílias e em torno de 170 mil espécies (Cronquist, 1988). O sistema de

Cronquist, sendo o mais didático devido à maior simplicidade na organização, é um dos mais

aceitos pela comunidade científica ocidental ao lado de Dahlgreen, Thorne e Takhtajam

(Barroso, 2002).

Rolf Dahlgren e Gertrud Dahlgren propuseram um sistema de classificação de

angiospermas baseado, principalmente, na morfologia, embriologia, citologia e na distribuição

de metabólitos secundários, por considerarem que não havia conhecimento do curso

Page 3: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

3

evolucionário das angiospermas suficientes para se classificar corretamente esse grupo de

plantas (Barroso, 2002).

O sistema proposto por Thorne organizou as plantas do grupo das angiospermas em

duas subclasses: Magnoliidae e Liliidae. A subclasse Magnoliidae é subdividida em 18

superordens; este táxon corresponde as Magnoliopsida dos sistemas de Cronquist e Takhtajan.

O trabalho de Thorne possibilitou um maior detalhamento na classificação de subfamílias

para família com grande número de espécies e também contribuiu com informações valiosas

quanto à distribuição geográfica dessas plantas (Texas A&M University – Botany 301, 2004).

A classificação para as angiospermas criada por Takhtajan dividiu-as em duas classes

organizadas em subclasses baseado em características e aspectos vegetais aos moldes de

Cronquist, diferindo deste pela maior complexidade dos níveis mais baixos de organização.

Takhtajan utiliza subordem como unidade básica da subclasse e este padrão, também, é

utilizado no sistema de Thorne (Texas A&M University – Botany 301, 2004).

Todas as propostas de sistemas para classificar esse e outros grupos de plantas são de

grande valia, mas não há um consenso entre os botânicos de um sistema de classificação

único e definitivo devido à grande diversidade biológica que um mesmo grupo de plantas, por

menor que seja, pode apresentar. A definição de um sistema unificado de classificação, para

alocar as várias formas de vida em suas reais posições hierárquicas na natureza, é um desafio

que não pode ser responsabilidade somente dos botânicos, mas, também, de bioquímicos, com

suas técnicas de seqüenciamento de material genético (DNA e RNA) e de fitoquímicos, com

os estudos da presença e distribuição de metabólitos secundários nos diversos grupos de

plantas.

QUIMIOTAXONOMIA E FITOQUÍMICA

No início do século XIX, a composição química de espécies vegetais despertava o

interesse de pesquisadores, tais como, DeCandolle. Este pesquisador publicou um livro

intitulado “Essai surles propriétés médicales des Plantes, compares avec leus formes

exterrieures et leur classification naturalle”, neste seu ‘Essai’ em 1816, DeCandolle observa a

constância da composição química de plantas crescendo em diferentes solos como neste

trecho de seu livro:

Page 4: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

4

“Cést um phéromene continuellement présent a notre examen, que de voir diverse plantes

nées dans um sol parfaitementsemblable, produire dês matieres três-differentes, tandes

que dês vegetaux analoguer, nées dasns lês sols differents, y forment des produits

semblables” (Gibbs, 1963).

Assim, DeCandolle conclui que plantas diferentes nascidas em solos análogos

continham substâncias diferentes e que plantas idênticas em solos diferentes apresentavam

produtos idênticos. Foi o primeiro a considerar características químicas como caráter

taxonômico. Posteriormente, vários pesquisadores contribuíram para o desenvolvimento

desse campo destacando-se Eykman que relata, em 1888, a ocorrência de alcalóides em certas

famílias e Greshoff (1891) com estudos comparando características taxonômicas e químicas

de espécies vegetais (Gibbs, 1963).

A necessidade de classificar corretamente os diversos grupos de plantas levou os

taxonomistas a utilizarem caracteres químicos para a classificação das espécies. As

características químicas como a presença ou ausência de pigmentos e a ocorrência de cristais

de natureza orgânica e inorgânica foram e ainda são usados como critério na identificação de

várias famílias, visto que algumas plantas as apresentam e, em outras espécies, essas

substâncias, são completamente ausentes (Gibbs, 1963).

A presença de cristais, como de oxalato de cálcio em forma de agulhas conhecidas

como ráfides, foi citada pela primeira vez como característica taxonômica por Robert Brown

num trabalho publicado em 1833. Outros trabalhos, relacionando a presença desse composto

de formas diversas em grupos de plantas e sua importância taxonômica, foram publicados no

início do século XX (Gibbs, 1963) e mais recentemente por William Louis Stern e Walter S.

Judd (1999), Christina J. Prychid; Paula J. Rudall (1999) e Scott Zona (2004).

Substâncias de reserva, tais como o amido, podem ser identificadas na célula vegetal

por reações de coloração e servirem como parâmetro de classificação e identificação de

grupos vegetais, pois apresenta grãos de diversas formas que variam de um grupo para outro.

Os grãos de amido foram estudados inicialmente por Fritzsche em 1834. Em seu trabalho, este

autor descreve grãos de diversas espécies. Outros pesquisadores utilizaram esta característica

para classificar grupos de plantas, mas foi Reichert que, em 1913, publicou um trabalho

relatando um estudo detalhado sobre o amido e a relação entre as características de material

de reserva e a classificação taxonômica. Estes estudos revelaram que os diversos tipos de

grãos de amido presentes nos diferentes grupos de plantas podem ser de grande valia para se

classificar corretamente uma determinada espécie (Gibbs, 1963).

Page 5: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

5

A presença ou ausência de inclusões sólidas e substâncias de reserva se mostraram de

grande importância para a classificação taxonômica, tornando-se uma característica ainda

utilizada para tal finalidade. Atualmente, no entanto, com o aperfeiçoamento e

desenvolvimento de técnicas analíticas, houve um maior interesse no intuito de utilizar a

distribuição de compostos químicos, em particular, de metabólitos secundários como uma

característica auxiliar para a adequada classificação das espécies de plantas.

Em meados do século XX, os botânicos consideravam os compostos originados do

metabolismo secundário de plantas superiores como resíduo de produtos do metabolismo

primário, e que a grande diversidade e complexidade estrutural apresentada era nada mais que

uma ‘brincadeira da natureza’. Hoje, a justificativa mais aceita para a existência destes

compostos é que a produção está intimamente relacionada com a adaptação da espécies ao

meio (Wink, 2003).

Como uma regra, esses metabólitos secundários estão distribuídos em um dado táxon e

uma pequena quantidade de compostos pode ser encontrada em maior concentração em meio

a uma série de componentes em menor concentração. Além disso, o padrão dessa distribuição

em uma espécie vegetal é muito complexo, variando nos diferentes órgãos da planta, nos

diferentes estágios e entre indivíduos e populações (Wink, 2003). Esses produtos do

metabolismo secundário apresentam várias características como estrutura química diversa,

função metabólica não definida em certos casos, ocorrência limitada dentro dos grupos

vegetais que mostra correlação com outras características como morfologia e fisiologia

vegetal (Cronquist, 1980).

Nesse contexto, a quimiotaxonomia baseada na distribuição de compostos secundários

e apoiada por estudos fitoquímicos, tem um considerável impacto na evolução dos sistemas de

classificação existentes. A prospecção fitoquímica em várias famílias de plantas, em

particular, da subclasse Magnoliopsida tem fornecido subsídios para estudo da relação entre a

evolução química e a distribuição de compostos secundários em diversos grupos de vegetais

superiores. Como exemplo, pode-se citar o padrão sistemático de distribuição de alguns

metabólitos nas classes Rosidae e Asteridae é uma grande evidência coevolucionária nas

dicotiledôneas, que se reflete principalmente na distribuição de taninos e o constante

isolamento de substâncias de extratos de folhas, caules e raízes em espécies da família

Celastraceae como a β-amirina, quinonametídeos e dulcitol, sendo, portanto, constituintes

característicos deste grupo de plantas (Dharmassree, 1982).

Analisando o perfil de distribuição de metabólitos secundários nas dicotiledôneas,

pode-se observar que, algumas vezes, quase todos os membros de um grupo de plantas

Page 6: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

6

partilham um mesmo padrão químico; isso poderia justificar o uso de marcadores químicos

em taxonomia como a budleína A, uma lactona sesquiterpênica derivada do caurano, e

alcalóides pirrolizidínicos para família Asteraceae (Costa, 1999; Trigo, 1999), cumarinas

como a xantiletina, o limonóide perforatina e alcalóides 4-quinolonas para a família Rutaceae

(Lima, 1999). São relatados, também, na literatura os triterpenos friedelina e β-friedelinol

como marcadores químicos de espécies do gênero Maytenus, em especial a M. ilicifolia

(Alberton, 2002). Por outro lado, vários compostos secundários podem ocorrer em famílias

não relacionadas, devido à evolução convergente na qual, genes codificadores de uma

determinada via biossintética ocorrem, independentemente, em vários ramos da árvore

evolutiva das Angiospermas. A utilização de dados obtidos da prospecção fitoquímica em

classificação taxonômica enfrenta outros problemas. Um deles é que, apesar do aumento das

pesquisas, o número de espécies de plantas investigadas quimicamente é muito pequeno,

levando à insuficiência de dados disponíveis. Há, também, a tendência (talvez viciosa) de

buscar determinados compostos em taxa que têm a maior chance de serem encontrados,

deixando de investigar a ocorrência desses produtos em outras famílias nas quais teriam

grande relevância em taxonomia. O fenômeno chamado de convergência química pode

ocorrer, muitas vezes, em plantas não relacionadas que produzem as mesmas substâncias

mostrando que tais produtos não devem ser usados como marcadores químicos. Variações

entre uma mesma espécie podem ocorrer em função das condições edáficas, climáticas,

estágio de crescimento e interações com outros organismos, causando alterações metabólicas

e, conseqüentemente, químicas. Os custos nos processos de fracionamento e identificação,

bem como as dificuldades no isolamento de substâncias presentes em pequenas concentrações

tornam esse procedimento, às vezes, inviável. Mesmo com limitações, o conhecimento da

composição química se mostra de grande valor para a reestruturação dos sistemas de

classificação taxonômica (Falkenberg, 2001).

Recentemente, técnicas de análise utilizadas para o isolamento e caracterização de

metabólitos secundários passaram a ser empregadas diretamente na identificação de espécies.

As análises cromatográficas (Rogers, 2000; Hilly, 2004), espectroscópicas (Schrader, 1999;

Zochow, 2003) e espectrométrica (Smedsgaard, 1995) de extratos e órgãos vegetais se

revelaram métodos auxiliares rápidos e eficientes na identificação e classificação de espécies.

Apesar de serem necessárias pesquisas mais profundas com intuito de validar esses métodos e

provar suas eficiências, não há duvidas sobre as contribuições neste campo de estudo tão

vasto e complexo que é a sistemática vegetal.

Page 7: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

7

DESCRIÇÃO BOTÂNICA DAS FAMÍLIAS E ESPÉCIES ESTUDADA S

As angiospermas ou Magnoliophyta constituem o grupo maior e mais diversificado no

Reino Vegetal atual. Caracterizam-se por grande plasticidade e poder de adaptação às mais

diversas condições ambientais (Barroso, 2002) e são agrupadas em 321 famílias distintas

(Cronquist, 1988). As espécies analisadas neste trabalho pertencem à classe Magnoliopsida,

pertencentes a quatro subclasses e seis famílias.

Celastraceae

Esta família de plantas cosmopolitas, com 98 gêneros e 1264 espécies, que estão

distribuidas em regiões de clima tropical e temperado (Simmons, 2001). Os seus

representantes são constituídos de ervas, subarbustos ou árvores que podem medir cerca de 20

metros (Carvalho-Okano, 1992). Apresentam folhas simples alternas ou opostas, herbáceas,

pelicular ou membranosa, peciolada e com lâmina inteira. As folhas são estípulas

inconspícuas com ou sem estípulas e sem meristema basal persistente. O caule se apresenta

com cavidades secretoras, com o córtex contendo células cristárquicas e nodos unicelulares.

Pode-se observar, em algumas espécies, ausência de floema interno e xilemas com ou sem:

traqueídos, fibras traqueídicas e fibras libriformes. As veias das paredes terminais são simples

ou escalariformes. Conforme a espécie, a madeira apresenta parênquima apotraqueal, ou

paratraqueal. As inflorescências ocorrem em cimeiras ou em fascículos. As flores, em geral,

são pequenas e regulares, sendo que a maioria delas são pentâmeras e radialmente simétricas.

Figura 1 – Esquema mostrado os taxa aos quais pertencem cada família das espécies analisadas.

Magnoliopsida

Celastrales Myrtales Caryophyllales Violales Theales Scrophulariales

Celastraceae Myrtaceae Portulacaceae Flacourtiaceae Ochnaceae Bignoniaceae

Rosidae Cariophyllidae AsteridaeDilleniidae

Page 8: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

8

O disco hipoginoso é encontrado nas flores, em posição intraestaminal e anular. A

placentação é axilar e apresenta perianto com cálice e corola distintos. Os frutos são carnudos,

capsulares, ou capsulares indeiscentes, bagas, aquenóides ou sâmaras. As sementes

usualmente são endospérmicas. Quando presente nos frutos, o endosperma é bastante oleoso.

As sementes são aladas ou foliáceas e contém um embrião bem diferenciado. Apresentam

dois cotilédones; largos, foliáceos (Vieira Filho, 2002). No Brasil a família Celastraceae é

representada por quatro gêneros: Maytenus Juss., Goupia Reiss., Austroplenckia Lund. e

Franhofera Mart. (Carvalho-Okano, 1992).

• Maytenus salicifolia Reiss. – árvore que pode alcançar cerca de 20 metros de

altura, é reconhecida por seus ramos novos geralmente achatados, folhas

membranáceas com ápice acuminado, margem dentado-serrada, nervuras primárias

salientes em ambas as superfícies e suas inflorescências plurirramosas, multifloras

(Carvalho-Okano, 1992).

• Maytenus gonoclada Mart. – árvore ou arbusto medindo até 4,0 metros, apresenta

ramos glabros quadrangulares inclusive os bianuais que tendem a cilíndricos e

conservam os ângulos. Esta espécie apresenta muitas similaridades com a

Maytenus salicifolia, o que distingue ambas são os ramos, nitidamente mais

quadrangulares e as folhas mais rijas (Carvalho-Okano, 1992).

• Maytenus acanthophylla Reiss. – arbusto ou árvore de cerca de 3,0m de altura.

Ramos novos glabros, quadrangulares; folhas coriáceas de forma estreitamente

elíptica ou oblongo-elíptica; limbo de 7,4-15,2 cm de comprimento e 2,3-4,2 cm de

largura; margem com muitos espinhos, serrada. Inflorescência em fascículos com

nodosidade (Carvalho-Okano, 1992).

• Maytenus truncata Reiss. – arbusto com cerca de 2,0 m de altura. Caule bastante

ramificado desde a base; tem ramos glabros, cilíndrico-achatados. Suas folhas são

coriáceas, subcarnosas, glabras; pecioladas e com estípulas deltóides, ciliadas;

apresenta-se na forma oblonga ou oblongo-elíptica, com nervuras evidentes, não

salientes; base truncada ou hastada. O ápice das folhas é truncado espinescente e

margem pinatifida, espinoso–dentada. Possui inflorescências em fascículos

multiflorais (Carvalho-Okano, 1992).

• Maytenus imbricata Mart. Ex Reiss. – subarbusto ou árvore com cerca de 3m de

altura. Ramos novos glabros cilíndrico-carenados. Folhas congestas, eretas,

Page 9: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

9

imbricadas, coriáceas, glabras e com cerosidade em ambas as superfícies; pecíolo

com cerca de 0,1 a 0,2 cm de comprimento; estípulas inconspícuas. Fruto capsular,

bivalvar, orbicular, pericarpo maduro de coloração amarelo-alaranjado (Carvalho-

Okano, 1992).

• Maytenus ilicifolia Mart. Ex Reiss. – subarbusto ou árvore ramificada desde a

base, podendo chegar à cerca de 5,0 metros de altura. Ramos novos glabros

angulosos, tetra ou multicareados. Folhas congestas, coriáceas, glabras; pecíolo

com cerca de 0,2 a 0,5 cm de comprimento; estípulas inconspícuas; margem inteira

ou com espinhos de um a vários, distribuídos regular ou irregularmente no bordo.

Fruto capsular bivalvar, orbicular, pericarpo maduro de coloração vermelho-

alaranjado (Carvalho-Okano, 1992).

• Austroplenckia populnea Lundell Ex Reiss. – árvore que pode atingir altura de até

dez metros. As folhas são alternas, oblongas, longo pecioladas, com as bordas

serrilhadas, e a extremidade é puntiforme. As flores são esverdeadas ou branco-

amareladas, dispostas em cimeiras axilares ou subterminais. O fruto é uma sâmara

grande, pendente e de cor esverdeada. É encontrada principalmente nos estados da

Bahia e de Minas Gerais (Vieira Filho, 2002).

Myrtaceae

Composta por cerca de 100 gêneros com 3.000 espécies, Myrtaceae é uma família

distribuída por todo o mundo, mas ocorrendo com maior concentração nas Américas e na

Austrália. São plantas lenhosas, arbustivas, ou arbóreas, com folhas inteiras, de disposição

alterna ou oposta e às vezes oposta cruzada, com estípulas muito pequenas. Flores em geral

brancas ou às vezes vermelhas, efêmeras, hermafroditas, de simetria radial, em geral

pentâmera, mono ou diclamídia, muitas vezes com um receptáculo desenvolvido. Corola às

vezes suprimida e então cálice gamossépalo com deiscência transversal. Estames muito

numerosos. Ovário súpero a semi-ínfero até ínfero, pentacarpelar e pentalocular, com muitos

óvulos. Fruto baciforme ou capsular loculicida. Semente muitas vezes mostrando

poliembrionia. Podendo apresentar sementes aladas. (Joly, 1998).

• Eucalyptus sp – planta com porte arbóreo, pode chegar a 20 ou 30m; casca

persistente em quase todo o tronco. As folhas são simples e persistentes, alternas,

Page 10: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

10

pecioladas, falciformes, de bordo inteiro, apresentando heteromorfismo de grande

importância sistemática. Não há diferença entre o cálice e a corola, são soldadas

formando um receptáculo com opérculo saliente na floração. Os frutos são muito

variáveis na forma e tamanho (Centro de Investigación y Documentación del

Eucalipto, 2005).

• Myrtus communis L. – Arbusto de 2-3 m, de folhas persistentes, opostas simples,

rígidas, ovaladas a lanceoladas, membranáceas, ápice acuminado e base

arredondada, margens do limbo inteiras; pecíolo discreto. Flor pequena e branca;

estames numerosos, solitários ou em pequenos grupos. Frutos ligeiramente

alongados, globosos, remanescentes, de cor avermelhada quando maduro (Arnold,

2004).

Portulacaceae

Compreende esta família 20 gêneros e 500 espécies de distribuição predominantemente

tropical e subtropical. A maioria dos representantes é constituída por ervas anuais, com folhas

suculentas, de disposição espiralada ou oposta cruzada, com flores pequenas e inconspícuas

ou com flores grandes e vistosas, reunidas em inflorescências axilares ou em panícula

terminal (daí o termo Talinum). Flores cíclicas mono ou diclamídeas de simetria radial.

Tépalas em número de 4 a 5, raramente muitas, livres ou soldadas na base. Estames tantos

como as tépalas ou muito numerosos. Quando em número igual, sempre inseridos em frente

às tépalas e sobre elas (Joly, 1998; Ramos, 2003).

• Talinum patens – A planta atinge até 30 cm de altura, apresenta raiz carnosa e

suculenta. As folhas são opostas pecioladas bem carnosas e suculentas de bordo

liso. As flores são pequenas, aparecem na extremidade da haste floral, de coloração

amarela ou rósea e se abrem somente com a luz do sol. O fruto é uma cápsula

globosa e pequena contendo sementes. (Ramos, 2003).

Page 11: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

11

Flacourtiaceae

Compreende 86 gêneros com cerca de 1.300 espécies encontradas nas regiões da

América do Sul. São plantas lenhosas, arbustivas ou arbóreas, com folhas inteiras, de

disposição alterna em geral dística, com estípulas caducas. Flores pequenas, esverdeadas, em

inflorescências auxiliares, hermafroditas ou de sexos separados, cíclicas, diclamídeas, de

simetria radial. Ovário súpero a ínfero com 2 a 10 carpelos e sempre unilocular com muitos

óvulos (Joly, 1998).

• Casearia sp – árvores, arbustos ou subarbustos, tronco de casca lisa a fissurada,

ramos cilíndricos, patentes, delgados, levemente flexuosos a eretos, de cor

acinzentada ou amarronzada. Folhas dísticas, estípulas de ovadas a subuladas,

caducas ou persistentes, com ou sem pontuações e traços translúcidos, pecíolo

subcilíndrico a cilíndrico. Inflorescências fasciculadas, multifloras ou paucifloras.

Flores hermafroditas, pequenas, pedicelos não articulados a articulados acima da

base, esverdeadas, sépalas em número de 5, soldadas na base, reflexas na antese.

Estames em número de 10, unisseriados, perigíneos; filetes filiformes, livres na

base, conados ao disco e anteras globosas. Os lobos do disco são claviformes,

alternados com os estames. O ovário é séssil, com estilete inteiro, estigma simples

ou trífido no ápice, globoso ou capitado. O fruto é cápsula, globoso e trivalvar

(Marquete, 2001).

Ochnaceae

Família com aproximadamente 28 gêneros e 500 espécies amplamente distribuídas nas

regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo, são plantas essencialmente arbóreas ou

arbustivas, com folhas em geral inteiras, de distribuição alterna, com estípulas, raramente

ervas. Com flores vistosas, de coloração amarela, simetria radial, diclamídeas e hermafroditas.

Sépalas e pétalas, em geral livres entre si, são em número de 5. Fruto apocárpico com tantos

frutículos quantos carpelos foram fecundados, indeiscente tipo drupa, capsular seco ou

baciforme. Óvulos numerosos ou só um (Joly, 1998).

Page 12: Sistemática Vegetal, Angiospermas, Quimiotaxonomia e Fitoquímica

Como citar: VALLADÃO, F.N. Estudo quimiotaxonômico em folhas de espécies da classe Magnoliopsida e estudo fitoquímico em polpa de fruto de Maytenus salicifolia Reissek. Departamento de Química, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 2005 (Dissertação, mestrado em química).

12

• Ouratea sp – arbusto ou árvore de pequeno porte. Folhas simples, margem do

limbo crenada ou serrilhada, coriáceas, alterna ou suboposta, indumento de limbo

ausente. Tricomas ausentes no limbo e presentes nos ramos (Dias Filho, 2002;

Morais, 2002; Mahmoud, 2003).

Bignoniaceae

Compreende 120 gêneros e 700 espécies distribuídas nas regiões tropicas de todo o

mundo. São lenhosas, arbustiva ou arbóreas e trepadeiras. Podem apresentar gavinhas foliares,

às vezes modificadas em fixadores com unhas. Folhas compostas, raramente simples, de

disposição oposta. Flores grandes e vistosas, diclamídeas, hermafroditas, pentâmeras, de

simetria zigomorfa. Ovário sempre súpero, bicarpelar, bilocular com 2 lóculos e muitos

óvulos. Fruto capsular seco, com sementes aladas e raramente indeiscente com sementes não

aladas (Joly, 1998).

• Tabebuia heptaphylla Tol. Ex Vell.– árvore de médio a grande porte, caducifólia.

Folhas digitadas, composta, obovada, de inserção oposta, consistência foliácea,

com nervação nítida, peninérvea com saliência na face dorsal. Pecíolos longos,

lisos e cilíndricos. Pecíolos médios, lisos e cilíndricos. Os folíolos são serreados.

Flor em campânula, roxa, do tipo inflorescência. O Fruto contém numerosas

sementes (Falkenberg, 2001; Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais, 2004).