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    As dimenses tico-polticas e terico-metodolgicas no Servio

    Social contemporneo. Trajetria e desafios.

    Dra. Marilda Villela Iamamoto.

    El tiempoTiene color de nocheDe una noche quieta.

    ...Y el tiempo se ha dormido

    para siempre en su torre.Nos engaan

    Todos los relojes.El tiempo tiene ya horizontes

    (Lorca )

    1. Introduo

    Vivemos uma poca de regresso de direitos e destruio do legado das

    conquistas histricas dos trabalhadores, em nome da defesa quase religiosa do mercado e

    do capital, cujo reino se pretende a personificao da democracia, das liberdades e da

    civilizao. A mistificao inerente ao capital, enquanto relao social alienada, que

    monopoliza os frutos do trabalho coletivo, obscurece a fonte criadora que anima o

    processo de acumulao em uma escala exponencial no cenrio mundial: o universo do

    trabalho. Intensifica-se a investida contra a organizao coletiva de todos aqueles que,

    Texto base da conferncia inaugural do XVIII Seminrio Latinoamericano de Escuelas deTrabajo Social, que tem como tema central: La cuestin social y la formacin profesional en elcontexto de las nuevas relaciones de poder y la diversidad latinoamericana. San Jos, CostaRica, 12 de julio de 2004.

    Assistente social, Doutora em Cincias Sociais, Professora Titular da Escola de Servio Social

    da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atualmente aposentada, e Prof. Visitante doPrograma de Mestrado em Servi o Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).Autora dos seguintes livros, publicados em lngua espanhola: Servicio Social y Divisin delTrabajo. Un anlisis critico de sus fundamentos (So Paulo, Cortez Ed., BibliotecaLatinoamericana de Servicio Social, vol. 2, 1992) e El Servicio Social en la Contemporaneidad:trabajo y formacin profesional(So Paulo, Cortez Ed., Biblioteca Latinoamericana de Servicio

    Social, vol. 9, 1992.); e em co-autoria com Raul de Carvalho, Relaciones Sociales y TrabajoSocial. Lima, Celats, 1983.

    LORCA, Federico Garcia. Meditacin primera y ltima. In: Obra potica Completa. SoPaulo, Martins Fontes,1966, pp. 610.

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    destitudos de propriedade, dependem de um lugar nesse mercado, cada dia mais restrito

    e seletivo, que lhes permita produzir o equivalente de seus meios de vida. Crescem, com

    isso, as desigualdades e, com elas, o contingente de destitudos de direitos civis, polticose sociais. Esse processo potenciado pelas orientaes (neo) liberais, que capturam os

    Estados nacionais, erigidas, pelos poderes imperialistas, como caminho nico para

    animar o crescimento econmico, cujo nus recai sobre as grandes maiorias.

    Transformaes histricas de monta alteraram a face do capitalismo e, em

    especial, de nossas sociedades na Amrica Latina. Na contra-tendncia de um longo

    perodo de crise da economia mundial, o capitalismo avanou em sua vocao de

    internacionalizar a produo e os mercados, requerendo polticas de ajustes estruturais

    por parte dos Estados. Preconizadas pelos pases imperiais por intermdio dos

    organismos multilaterais, essas polticas do livre curso ao capital especulativo

    financeiro, destitudo de regulamentaes e lucratividade dos grandes conglomerados

    multinacionais. Um mundo internacionalizado requer um Estado dcil aos influxos

    neoliberais mas, ao mesmo tempo, forte internamente - ao contrrio do que propalado

    pelo iderio neoliberal da minimizao do Estado - para traduzir essas demandas em

    polticas nacionais e resistir oposio e protestos de muitos, comprometendo asoberania das naes.

    O projeto neoliberal expresso dessa reestruturao poltica e ideolgica

    conservadora do capital em resposta a perda de rentabilidade e governabilidade, que

    enfrentou durante a dcada de 1970 (Fiori, apud Soares, 2003), no marco de uma onda

    longa de crise capitalista (Mandel, 1985). O capital cria as condies histricas

    necessrias para a generalizao de sua lgica de mercantilizao universal, submetendo

    aos seus domnios e objetivos de acumulao o conjunto das relaes sociais, a

    economia, a poltica, a cultura.

    O carter conservador do projeto neoliberal se expressa de um lado, na

    naturalizao do ordenamento capitalista e das desigualdades sociais a ele inerentes

    tidas como inevitveis, obscurecendo a presena viva dos sujeitos sociais coletivos e

    suas lutas na construo da histria; e de outro lado, em um retrocesso histrico

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    condensado no desmonte das conquistas sociais acumuladas, resultantes de embates

    histricos das classes trabalhadoras, consubstanciadas nos direitos sociais universais de

    cidadania, que tm no Estado uma mediao fundamental. As conquistas sociaisacumuladas so transformadas em problemas ou dificuldades, causa de gastos sociais

    excedentes, que se encontrariam na raiz da crise fiscal dos Estados. A contrapartida tem

    sido a difuso da idia liberal de que o bem-estar social pertence ao foro privado dos

    indivduos, famlias e comunidades. A interveno do Estado no atendimento s

    necessidades sociais pouco recomendada, transferida ao mercado e filantropia, como

    alternativas aos direitos sociais.,

    Como lembra Yazbek (2001), o pensamento liberal estimula um vasto

    empreendimento de refilantropizao do social, j que no admite os direitos sociais,

    uma vez que os metamorfoseia em dever moral. Opera uma profunda despolitizao da

    questo social, ao desqualific-la como questo pblica, questo poltica e questo

    nacional. nesse sentido que a atual desregulamentao das polticas pblicas e dos

    direitos sociais desloca a ateno pobreza para a iniciativa privada ou individual

    impulsionada por motivaes solidrias e benemerentes, submetidas ao arbtrio do

    indivduo isolado, e no responsabilidade pblica do Estado. As conseqncias dotrnsito da ateno pobreza da esfera pblica dos direitos para a dimenso privada do

    dever moral so: a ruptura da universalidade dos direitos e da possibilidade de sua

    reclamao judicial, a dissoluo de continuidade da prestao dos servios submetidos

    deciso privada, tendentes a aprofundar o trao histrico assistencialista e a regresso

    dos direitos sociais. O resultado no campo das polticas pblicas na rea social, na

    Amrica Latina, tem sido o reforo de traos de improvisao e inoperncia, o

    funcionamento ambguo e sua impotncia na universalizao do acesso aos servios dela

    derivados. Permanecem polticas casusticas e fragmentadas, sem regras estveis e

    operando em redes pblicas obsoletas e deterioradas. (Yazbek, 2001:37).

    Como reafirma Soares (2003:12):

    A filantropia substitui o direito social. Os pobres substituem os cidados. A ajudaindividual substitui a solidariedade coletiva. O emergencial e o provisriosubstituem o permanente. As micro-situaes substituem as polticas pblicas. O

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    local substitui o regional e o nacional. o reinado minimalismo do social paraenfrentar a globalizao da economia. Globalizao s para o grande capital. Dotrabalho e da pobreza cada um cuida do seu como puder. De preferncia com um

    Estado forte para sustentar o sistema financeiro e falido para cuidar do social.

    O resultado tem sido uma ampla radicalizao da concentrao de renda, da

    propriedade e do poder, na contrapartida de um violento empobrecimento da populao,

    uma ampliao brutal do desemprego e do subemprego, o desmonte dos direitos

    conquistados e das polticas sociais universais, impondo um sacrifcio forado a toda a

    sociedade. reestruturao da produo e dos mercados, apoiada mais em mtodos de

    consumo intensivo da fora de trabalho que em inovaes cientficas e tecnolgicas de

    ltima gerao, somam-se mudanas regressivas na relao entre o Estado e sociedade

    quando a referncia a vida de todos e os direitos conquistados pelas grandes maiorias.

    A cultura da ps-modernidade, na sua verso neoconservadora, produzida no

    lastro do atual estgio de acumulao flexvel do capital (Harvey, 1993). Ela

    condizente com a mercantilizao universal e sua indissocivel descartabilidade,

    superficialidade e banalizao da vida. Gera tremores e cismas nas esferas dos valores e

    da tica orientadas emancipao humana. O pensamento ps-moderno contrape-se s

    teorias sociais que, apoiadas nas categorias da razo moderna, cultivam as grandes

    narrativas. Questiona, nivelando, os paradigmas positivista e marxista e dilacera

    projetos e utopias. Reitera, em contrapartida, a importncia do fragmento, do efmero,

    do intuitivo e do micro-social. Invade a arte, a cultura, os imaginrios e suas crenas, os

    saberes cotidianos, as dimenses tnicas, raciais, religiosas e culturais na construo de

    identidades esvaziadas de histria (Cf. Netto, 1996).

    Mas, ao mesmo tempo, essa sociedade apresenta um terreno minado de

    resistncias e lutas travadas no dia a dia de uma conjuntura adversa para os

    trabalhadores, as quais carecem de maior organicidade para terem fora na cena

    pblica. Este cenrio avesso aos direitos atesta, contraditoriamente, a urgncia de seu

    debate e de sua afirmao na realidade latino-americana, em sua unidade de

    diversidades. Um debate que considere as particulares condies scio-histricas e

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    culturais de nossos pases que fundam a construo dos direitos enquanto conquistas

    e/ou concesses do poder e os dilemas de sua efetivao na prtica social. Estes so

    tambm, dilemas do Servio Social.

    Um contexto scio-histrico refratrio aos influxos democrticos exige,

    contraditoriamente, a construo de uma nova forma de fazer poltica que impregne a

    formao e o trabalho dos assistentes sociais. E que acumule foras na construo de

    novas relaes entre o Estado e a sociedade civil, que reduzam o fosso entre o

    desenvolvimento econmico e o desenvolvimento social, entre o desenvolvimento das

    foras produtivas e das relaes sociais. Requer, portanto, uma concepo de cidadania

    e de democracia para alm dos marcos liberais. A cidadania entendida como capacidade

    de todos os indivduos, no caso de uma democracia efetiva, de se apropriarem dos bens

    socialmente produzidos, de atualizarem as potencialidades de realizao humana, abertas

    pela vida social em cada contexto historicamente determinado. Nessa concepo

    abrangente, a democracia inclui a socializao da economia, da poltica e da cultura na

    direo da emancipao humana, como sustenta Coutinho (2000).

    A cena contempornea reclama, com urgncia, um tempo de poltica dos

    cidados, como qualifica Nogueira (2001:58):

    concentrada no bem comum, no aproveitamento civilizado do conflito e da

    diferena, na valorizao do dilogo, do consenso e da comunicao, na defesa

    da crtica e da participao, da transparncia e da integridade numa operao

    que se volta para uma aposta na inesgotvel capacidade criativa dos homens.

    a poltica com muita poltica, em contraposio pequena poltica e

    poltica dos tcnicos, a contra-poltica. Em outras palavras, o novo que perseguimos

    o compromisso com a prevalncia do debate pblico e da participao democrtica, que

    abra caminhos para que cidados organizados interfiram e deliberem nas questes de

    interesse coletivo, na busca de consensos possveis para resolver os conflitos, organizar e

    viver a vida. (idem).

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    Esse o terreno que atualiza a luta por direitos, fundamental em uma poca que

    descaracterizou a cidadania ao associ-la ao consumo, ao mundo do dinheiro e posse

    das mercadorias. Sabemos que umprojeto democrtico se constri no jogo de poderes econtra-poderes, na receptividade s diferenas, na transparncia das decises, com

    publicizao e controle constante dos atos de poder e na afirmao da soberania popular.

    Dele somos parte, sem abrir mo da crtica e do controle social do Estado. Este terreno

    em que um projeto tico-poltico profissional comprometido com a universalizao dos

    direitos pode enraizar-se e expandir-se.

    O Servio Social latino-americano est reconstruindo uma face acadmica,

    profissional e social renovada, cujas origens remontam ao movimento de

    reconceituao, voltada defesa dos direitos de cidadania e dos valores democrticos,

    na perspectiva da liberdade, da equidade e da justia social. Na contramo dos dogmas

    oficiais, segmentos da categoria dos assistentes sociais tm buscado um compromisso

    efetivo com os interesses pblicos, atuando na defesa dos direitos sociais dos cidados e

    cidads e na sua viabilizao junto aos segmentos majoritrios da populao, o que

    coloca a centralidade da questo social para o trabalho e a formao profissional no

    contexto latino-americano.

    Poder-se-ia dizer que, na Amrica Latina, os assistentes sociais h muito

    acenaram a bandeira da esperana - essa rebeldia que rejeita o conformismo e a derrota-

    , contradizendo a cultura da indiferena, do medo e da resignao que conduz

    naturalizao das desigualdades sociais, da violncia, de preconceitos de gnero, raa e

    etnia. E conseguiram manter viva a capacidade de indignao ante o desrespeito aos

    direitos humanos e sociais de homens e mulheres, crianas, jovens e idosos das classes

    subalternas com os quais trabalhamos cotidianamente. A categoria profissional

    desenvolve uma ao de cunho scio-educativo na prestao de servios sociais,

    viabilizando o acesso aos direitos e aos meios de exerce-los, contribuindo para que

    necessidades e interesses dos sujeitos de direitos adquiram visibilidade na cena pblica e

    possam, de fato, ser reconhecidos.

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    Afirmamos o compromisso profissional com os direitos e interesses dos usurios,

    na defesa da qualidade dos servios prestados, em contraposio herana conservadora

    do passado. Importantes investimentos acadmico-profissionais foram realizados nosentido de se construir uma nova forma de pensar e fazer o Servio Social, orientadas

    por uma perspectiva terico-metodolgica apoiada na teoria social crtica e em

    princpios ticos de um humanismo radicalmente histrico, norteadores do projeto de

    profisso que defendemos. nesse quadro de renovao do Servio Social nos campos

    da formao acadmica - em suas indissociveis dimenses de pesquisa, ensino e

    extenso e do trabalho profissional na rbita das polticas sociais, que se atualiza o

    debate sobre a questo social e a formao profissional em Servio Social no contextodas novas relaes de poder e da diversidade latino-americana, tema central deste XVIII

    Seminrio Latino-americano de Escolas de Servio Social.

    A exposio, a seguir, considera: a) O Servio Social contemporneo:

    fundamentos histricos, terico-metodolgicos, e tico-polticos; b) o projeto

    profissional c) Servio Social e as estratgias para o enfrentamento da questo social:

    desafios para a formao e para o trabalho profissional.

    2. O Servio Social contemporneo: fundamentos histricos, terico-

    metodolg icos e ticos-polticos.

    2. 1. Perspectiva de anlise

    Para analisar a profisso como parte das transformaes histricas da sociedade

    presente, necessrio transpor o universo estritamente profissional, isto , romper com

    uma viso endgena da profisso, prisioneira em seus muros internos. E buscar entender

    como essas transformaes atingem o contedo e direcionamento da prpria atividade

    profissional, as condies e relaes de trabalho nas quais se realiza, afetam as

    atribuies, competncias e requisitos de formao do assistente social.

    Exige alargar os horizontes para o movimento das classes sociais e do Estado em

    suas relaes com a sociedade. No para perder ou diluir as particularidades

    profissionais, mas, ao contrrio, para ilumin-las com maior nitidez. Extrapolar o

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    Servio Social para melhor apreend-lo na histria da sociedade da qual ele parte e

    expresso. O atual quadro scio-histrico no se reduz, portanto, a um pano de fundo

    para que se possa, depois, discutir o trabalho profissional. Ele atravessa e conforma ocotidiano do exerccio profissional do Assistente Social, afetando as suas condies e as

    relaes em que se realiza o exerccio profissional, assim como a vida da populao

    usuria dos servios sociais.

    A anlise crtica desse quadro requer um diagnstico no liberal sobre os

    processos sociais e a profisso neles inscrita. Uma anlise do Servio Social que afirme

    a centralidade do trabalho na conformao da questo social e dos direitos sociais

    consubstanciados em polticas sociais universais, em contraposio s alternativas

    focalizadas e fragmentadas de combate pobreza e misria, que trata as maiorias como

    residuais.

    Como pensar o Servio Social nesse contexto?

    Desde a dcada de oitenta vem sendo reiterado que a profisso de Servio Social

    uma especializao do trabalho da sociedade, inscrita na diviso social e tcnica do

    trabalho social1, o que supe afirmar o primado do trabalho na constituio dos

    indivduos sociais 2. Ao indagar sobre significado social do Servio Social no processo de

    produo e reproduo das relaes sociais, tem-se um ponto de partida e um norte.

    Este no a prioridade do mercado - ou da esfera da circulao -, to cara aos liberais.

    Para eles, a esfera privilegiada na compreenso da vida social a esfera da distribuio

    da riqueza, visto que as leis histricas que regem a sua produo so tidas como leis

    naturais, isto , assemelhadas quelas da natureza, de difcil alterao por parte da ao

    humana.

    1Essa perspectiva de anlise foi introduzida no Servio Social brasileiro, em 1982. Cf.

    IAMAMOTO, M. V. e CARVALHO, R. Relaciones Sociales y Servicio Social. Lima, Celats,1983.IAMAMOTO, M. V. Servicio Social y Divisin del Trabajo. Un anlisis critico de sus fundamentos

    So Paulo, Cortez Ed., Biblioteca Latinoamericana de Servicio Social, vol. 2, 1992.2 A centralidade do trabalho na constituio dos indivduos sociais foi diludo nas interpretaesdo marxismo herdadas do movimento de reconceituao, - um marxismo sem Marx carregadocom fortes marcas do estruturalismo francs de Althusser e do marxismo sovitico e/ou deinspirao maosta.

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    A anlise do Servio Social no mbito das relaes sociais capitalistas visa

    superar os influxos liberais, que grassam as anlises sobre a chamada prtica

    profissional como prtica do indivduo isolado, desvinculada da trama social que criasua necessidade e condiciona seus efeitos na sociedade. Os processos histricos so

    reduzidos a um contexto distinto da prtica profissional, que a condiciona

    externamente. A prtica tida como uma relao singular entre o assistente social e

    o usurio de seus servios, seu cliente, desvinculada da questo social e das polticas

    sociais. Esta viso a-histrica e focalista tende a subestimar o rigor terico-metodolgico

    para a anlise da sociedade e da profisso, - desqualificado como teoricismo - em

    favor das vises empiristas, pragmticas e descritivas da sociedade e do exerccioprofissional, enraizadas em um positivismo camuflado sob um discurso progressista de

    esquerda. Nesta perspectiva, a formao profissional deve privilegiar a construo de

    estratgias, tcnicas e formao de habilidades centrando-se no como fazer a partir

    da justificativa que o Servio Social uma profisso voltada interveno no social.

    Este caminho est fadado a criar um profissional que aparentemente sabe fazer, mas no

    consegue explicar as razes, o contedo, a direo social e os efeitos de seu trabalho na

    sociedade. Corre o perigo de ser reduzido a um mero tcnico, delegando a outros -

    cientistas sociais, filsofos, historiadores, economistas, etc - a tarefa de pensar a

    sociedade. O resultado um profissional mistificado e da mistificao, dotado de uma

    frgil identidade com profisso. Certamente o Servio Social uma profisso que, como

    todas as demais, envolve uma atividade especializada - que dispe de particularidades na

    diviso social e tcnica do trabalho coletivo - e requer fundamentos terico-

    metodolgicos, a eleio de uma perspectiva tica, a formao de habilidades, densas de

    poltica. A perspectiva de anlise da profisso, ora apresentada, contrape-se s

    concepes liberais e (neo)conservadoras do exerccio profissional.

    A reproduo das relaes sociais na sociedade capitalista, a partir da teoria

    social crtica, entendida como reproduo da totalidade concreta desta sociedade, em

    seu movimento e em suas contradies. reproduo de um modo de vida que envolve o

    cotidiano da vida social: um modo de viver e de trabalhar socialmente determinado.

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    O processo de reproduo das relaes sociais no se reduz, pois, reproduo da

    fora viva de trabalho e dos meios materiais de produo, ainda que os abarque. Refere-

    se reproduo das foras produtivas sociais do trabalho e das relaes de produo nasua globalidade, envolvendo sujeitos e suas lutas sociais, as relaes de poder e os

    antagonismos de classes. Desdobra-se a reproduo da vida material e espiritual, ou seja,

    das formas de conscincia social jurdicas, religiosas artsticas, filosficas e cientficas

    - atravs das quais os homens tomam conscincia das mudanas ocorridas nas condies

    materiais de produo, pensam e se posic ionam perante a vida em sociedade.

    Este modo de vida implica contradies bsicas. Por um lado, a igualdade

    jurdica dos cidados livres inseparvel da desigualdade econmica, derivada do

    carter cada vez mais social da produo, contraposta apropriao privada do trabalho

    alheio (quem produz no quem se apropria da totalidade do produto do trabalho, da

    riqueza criada coletivamente). Por outro lado, ao crescimento do capital corresponde a

    crescente pauperizao relativa do trabalhador. Esta a lei geral da produo capitalista,

    que se encontra na raiz da questo social nesta sociedade.

    Assim, o processo de reproduo das relaes sociais no mera repetio ou

    reposio do institudo. , tambm, criao de novas necessidades, de novas foras

    produtivas sociais do trabalho. Aprofunda desigualdades e cria novas relaes sociais

    entre os homens na luta pelo poder, pela hegemonia entre diferentes classes e grupos na

    sociedade. uma noo aberta ao vir a ser histrico, criao do novo. Captura o

    movimento e a tenso das relaes sociais entre as classes e sujeitos que as constituem,

    as formas mistificadas que as revestem, assim como as possibilidades de ruptura com a

    alienao pela ao criadora dos homens na construo da histrica.

    Este rumo da anlise recusa vises unilaterais, que apreendem dimenses isoladas

    da realidade, sejam elas de cunho economicista, politicista ou culturalista. A

    preocupao afirmar a tica da totalidade na apreenso da dinmica da vida social e

    procurar identificar como o Servio Social participa no processo de produo e

    reproduo das relaes sociais.

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    As condies que peculiarizam o trabalho do assistente social so uma

    concretizao da dinmica das relaes sociais vigentes na sociedade. Como as classes

    sociais s existem em relao, pela mtua mediao entre elas, o trabalho profissional necessariamente polarizado pela trama de suas relaes e interesses, tendendo a ser

    cooptado pelas que tm uma posio dominante. Reproduz, tambm pela mesma

    atividade, interesses contrapostos que convivem em tenso. Responde tanto a demandas

    do capital e do trabalho, e s pode fortalecer um ou outro plo pela mediao de seu

    oposto. Participa tanto dos mecanismos de explorao e dominao, como ao mesmo

    tempo, e pela mesma atividade, da resposta s necessidades de sobrevivncia da classe

    trabalhadoras, da reproduo do antagonismo desses interesses sociais, reforando ascontradies que constituem o motor da histria. A partir dessa compreenso que se

    pode estabelecer uma estratgia profissional e poltica coletiva para fortalecer as metas

    do capital ou do trabalho, embora no se possa excluir esses atores do contexto do

    trabalho profissional.

    Isto significa que o exerccio profissional participa de um mesmo movimento que

    permite a continuidade da sociedade de classes e cria as possibilidades de sua

    transformao. Como a sociedade nas quais se inscreve o exerccio profissional atravessada por projetos sociais distintos - projeto de classes para a sociedade -, cria o

    terreno scio-histrico para a construo de projetos profissionais tambm diversos,

    indissociveis dos projetos mais amplos para a sociedade. Tem-se, portanto, a presena

    de foras sociais e polticas reais no mera iluso -, que permitem categoria

    profissional estabelecer estratgias poltico-profissionais no sentido de reforar interesses

    das classes subalternas, alvo prioritrio das aes profissionais. Sendo a profisso

    atravessada por relaes de poder, dispe de um carter essencialmente poltico, o que

    no decorre apenas das intenes pessoais do assistente social, mas dos condicionantes

    histrico-sociais dos contextos em que se insere e atua.

    Em sntese, o Servio Social situa-se no processo de reproduo das relaes

    sociais como uma atividade auxiliar e subsidiria no exerccio do controle social e da

    ideologia, isto , na criao de bases polticas para a hegemonia das classes

    fundamentais. Intervm, ainda, atravs dos servios sociais, na criao de condies

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    favorecedoras da reproduo da fora de trabalho. Por outro lado, se essas relaes so

    antagnicas; se, apesar das iniciativas do Estado visando o controle e atenuao dos

    conflitos, esses se reproduzem, o Servio Social contribui, tambm, para a reproduodessas mesmas contradies que caracterizam a sociedade capitalista.

    A profisso tanto um dado histrico, indissocivel das particularidades

    assumidas pela formao e desenvolvimento de nossas sociedades, quanto resultante dos

    sujeitos sociais que constroem sua trajetria e redirecionam seus rumos. Considerando a

    historicidade da profisso - seu carter transitrio e socialmente condicionado - ela se

    configura e se recria no mbito das relaes entre o Estado e a sociedade, fruto de

    determinantes macro-sociais que estabelecem limites e possibilidades ao exerccio

    profissional, inscrito na diviso social e tcnica do trabalho e apoiado nas relaes de

    propriedade que a sustentam.

    Pensar o projeto profissional supe articular essa dupla dimenso: a) de um lado,

    as condies macro-societrias que estabelecem o terreno scio-histrico em que se

    exerce a profisso, seus limites e possibilidades, que vo alm da vontade do sujeito

    individual; b) e, de outro lado, as respostas de carter tico-poltico e tcnico-operativo -

    apoiadas em fundamentos tericos e metodolgicos - dos agentes profissionais a esse

    contexto. Elas traduzem como esses limites e possibilidades so analisados, apropriados

    e projetados pelos assistentes sociais. O exerccio da profisso exige, portanto, um

    sujeito profissional que tem competncia para propor, para negociar com a instituio os

    seus projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas qualificaes e atribuies

    profissionais. Requer ir alm das rotinas institucionais e buscar apreender no movimento

    da realidade as tendncias e possibilidades nela presentes passveis de serem apropriadas

    pelo profissional, desenvolvidas e transformadas em projetos de trabalho.

    2.2. Os fundamentos do processo de institucionalizao e desenvolvimento da

    profisso: trajetria e desafios.

    freqente a afirmativa que o Servio Social se torna profisso quando impe

    uma base tcnico-cientfica s atividades de ajuda, filantropia . Em outros termos,

    quando se processa uma tecnificao da filantropia. Est a tnica do discurso dos

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    pioneiros e de grande parte da literatura especializada, abrangendo, inclusive, autores do

    movimento de reconceituao. uma viso de dentro e por dentro das fronteiras do

    Servio Social, como se ele fosse fruto de uma evoluo interna e autnoma dos sujeitosque a ele se dedicam.

    A profissionalizao do Servio Social pressupe a expanso da produo e de

    relaes sociais capitalistas, impulsionadoras da industrializao e urbanizao, que traz,

    no seu verso, a questo social. A luta dos trabalhadores por seus direitos invade a cena

    poltica, exigindo do Estado o seu reconhecimento pblico. O Estado amplia-se, nos

    termos de Gramsci (1978), e passa a administrar e gerir o conflito de classe no apenas

    via coero, mas buscando construir um consenso favorvel ao funcionamento da

    sociedade no enfrentamento da questo social.

    O Estado, ao centralizar a poltica scio-assistencial efetivada atravs da

    prestao de servios sociais, cria as bases sociais que sustentam um mercado de

    trabalho para o assistente social. O Estado e os estratos burgueses tornam-se uma das

    molas propulsoras dessa qualificao profissional, legitimada pelo poder. O Servio

    Social deixa de ser um mecanismo da distribuio da caridade privada das classes

    dominantes - rompendo com a tradicional filantropia -, para se transformar em uma das

    engrenagens da execuo das polticas pblicas e de setores empresariais, que se tornam

    seus maiores empregadores.

    O Servio Social desenvolve-se dentro de um padro de desenvolvimento do ps-

    guerra, nos chamados trinta anos gloriosos que marcaram uma ampla expanso da

    economia capitalista sob a hegemonia do capital industrial3. A expanso industrial,

    inspirada no padro fordista-taylorista, voltada produo em massa para o consumo demassa, dinamiza a acumulao de capital gerando excedentes, parcela dos quais

    canalizada para o Estado, no financiamento de polticas pblicas, contribuindo para a

    socializao dos custos de reproduo da fora de trabalho. A poltica keynesiana,

    direcionada ao pleno emprego e manuteno de um padro salarial capaz de manter o

    3Resgato a seguir elementos da anlise contida no meu livro: IAMAMOTO, M. V. El Servicio

    Social en la Contemporaneidad: trabajo y formacin profesional. So Paulo, Cortez Ed.,Biblioteca Latinoamericana de Servicio Social, vol. 9, 1992.

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    poder de compra dos trabalhadores, implicou o reconhecimento do movimento sindical

    em sua luta por reivindicaes polticas e econmicas. Permitiu assim que famlias

    pudessem aplicar sua renda monetria para consumir e dinamizar a economia. Aprestao de servios sociais pblicos foi estimulada criando condies para a

    constituio e desenvolvimento da profisso.

    Esse padro de acumulao entrou em crise em meados dos anos 1970. Somou-

    se, na dcada de 1880, uma reorientao do poder no cenrio internacional, em

    decorrncia da dbcle do Leste Europeu.

    Profundas alteraes nas formas de produo e de gesto do trabalho tm sidointroduzidas ante as novas exigncias do mercado oligopolizado em um contexto de

    internacionalizao do capital. Internacionalizao orquestrada no mais pelo capital

    industrial, mas pela financeirizao da economia. As mudanas na produo de bens e

    servios se complementam com novas relaes entre o Estado e sociedade, fundadas

    numa viso que atribui ao Estado a responsabilidade prioritria pelas desgraas e

    infortnios que afetam a sociedade. A contrapartida uma santificao do mercado e da

    iniciativa privada, esferas da eficincia, da probidade, da austeridade (Born, 1995). A

    resultante um amplo processo de privatizao da coisa pblica: um Estado cada vez

    mais submetido aos interesses econmicos e polticos dominantes no cenrio

    internacional e nacional, renunciando a dimenses importantes da soberania da nao,

    em nome das exigncias do grande capital financeiro e dos compromissos com as dvidas

    interna e externa.

    Tais processos atingem no s a economia e a poltica, mas afetam tambm as

    formas de sociabilidade. Vive-se a sociedade de mercado (Lechner, 1999) e oscritrios de racionalidade do mercado - tido como o eixo regulador da vida social -,

    invadem diferentes esferas da vida social. Estas passam a ser analisadas segundo uma

    lgica pragmtica e produtivista que erige a competitividade, a rentabilidade, a eficcia e

    eficincia como critrios para referenciar as anlises sobre a vida em sociedade. Forja-se

    assim uma mentalidade utilitria, que refora o individualismo, onde cada um chamado

    a se virar no mercado. Ao lado da naturalizao da sociedade assim mesmo, no

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    h como mudar -, ativam-se os apelos morais solidariedade, na contraface da

    crescente degradao das condies de vida das grandes maiorias.

    Esse cenrio, de ntido teor conservador, atinge as formas culturais, a

    subjetividade, a sociabilidade, as identidades coletivas, erodindo projetos e utopias.

    Estimula um clima de incertezas e desesperanas. O enfraquecimento das redes de

    sociabilidade e sua subordinao s leis mercantis estimulam atitudes e condutas

    centradas no indivduo isolado, em que cada um livre para assumir os riscos, as

    opes e responsabilidades por seus atos em uma sociedade de desiguais.

    A competitividade internacional erige a qualidade dos produtos como requisitopara enfrentar a concorrncia, exigindo ao mesmo tempo reduzir custos e ampliar as

    taxas de lucratividade. Nesta lgica, o rebaixamento dos custos do chamado fator

    trabalho tem peso importante: envolve cortes de salrio e de direitos conquistados.

    Surge o trabalhador polivalente, chamado a exercer vrias funes no mesmo tempo e

    com o mesmo salrio. Verifica-se um amplo enxugamento das empresas com a

    terceirizao e a decorrente reduo do quadro de pessoal, tanto nas empresas, quanto no

    Estado.

    Esse processo estimula um acelerado desenvolvimento cientfico e tecnolgico

    para enfrentar a concorrncia intercapitalista, contribuindo para a reduo de custos e

    ampliao dos nveis de lucratividade. Resulta em mudanas nas formas de organizar a

    produo e consumir a fora de trabalho, envolvendo ampla reduo dos postos de

    trabalho. Reduz-se a demanda de trabalho vivo ante o trabalho passado incorporado nos

    meios de produo, com elevao da composio tcnica e de valor do capital. Apoiada

    na robtica, na micro-eletrnica, na informtica, dentre outros avanos cientficos, areestruturao produtiva afeta radicalmente a produo de bens e servios, a organizao

    e gesto do trabalho, as condies e relaes de trabalho, assim como o contedo do

    prprio trabalho.

    Complementam esse quadro radicais mudanas nas relaes Estado/sociedade

    civil, orientadas pela teraputica neoliberal, traduzidas nas polticas de ajuste,

    recomendadas pelo Consenso de Washington. (Baptista,1994). Por meio de vigorosa

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    interveno estatal a servio dos interesses privados articulados no bloco do poder,

    contraditoriamente conclama-se, sob inspirao liberal, a necessidade de reduzir a ao

    do Estado na questo social mediante a restrio de gastos sociais, em decorrncia dacrise fiscal do Estado. A resultante um amplo processo de privatizao da coisa

    pblica: um Estado cada vez mais submetido aos interesses econmicos e polticos

    dominantes no cenrio internacional e nacional, renunciando a dimenses importantes da

    soberania da nao, em nome dos interesses do grande capital financeiro e de honrar os

    compromissos morais com as dvidas interna e externa.

    A crtica neoliberal sustenta que os servios pblicos, organizados base de

    princpios de universalidade e gratuidade, superdimensionam o gasto estatal. Da a

    proposta reduzir despesas (e, em especial, os gastos sociais), diminuir atendimentos,

    restringir meios financeiros, materiais e humanos para implementao dos projetos.

    Programas focalizados e seletivos substituem as polticas sociais de acesso universal.

    Requerem cadastro e comprovao da pobreza como se ela fosse residual, com todos os

    constrangimentos burocrticos e morais s vtimas de tais procedimentos. Dentre as

    caractersticas daqueles programas sociais, como sintetiza Soares (2003), tem-se a

    dependncia de recursos externos para o seu financiamento; o carter transitrio queimpede sua continuidade no espao e tempo, comprometendo seus impactos e a sua

    efetividade; o estmulo ao autofinanciamento via pagamento direto em detrimento de

    formas pblicas e distributivas, tpicas de regimes tributrios mais justos; a substituio

    de agentes pblicos estatais por organizaes comunitrias ou no governamentais

    financiadas por recursos pblicos e que, nem sempre, preservam o carter pblico de

    suas aes no acesso aos programas e nos contratos de trabalho de seus agentes. Estes

    so geralmente submetidos ao trabalho temporrio, aos baixos salrios e precarizao.

    Os critrios de gesto empresarial custo-benefcio, terceirizao, produtividade etc-

    passam a ser incorporados pelos organismos estatais, ao mesmo tempo em que

    estimulada a privatizao, com alto grau de mercantilizao dos servios sociais. A

    descentralizao das polticas e programas sociais, nem sempre acompanhada de

    correspondente transferncia de recursos.

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    Diante de tais caractersticas, o assistente social, que chamado a implementar e

    viabilizar direitos sociais e os meios de exerc-los, v-se tolhido em suas aes, que

    dependem de recursos, condies e meios de trabalho cada vez mais escassos para aspolticas e servios sociais pblicos.

    Esse novo momento de expanso capitalista altera a demanda de trabalho do

    assistente social, modifica o mercado de trabalho, altera os processos e as condies de

    trabalho nos quais os assistentes sociais ingressam enquanto profissionais assalariados.

    As relaes de trabalho tendem a ser desregulamentadas e flexibilizadas. Verifica-se uma

    ampla retrao dos recursos institucionais para acionar a defesa dos direitos e dos meios

    de acess-los. Enfim, tem-se um redimensionamento das condies do nosso exerccio

    profissional, porque ele se efetiva pela mediao do trabalho assalariado.

    2.3 Questo social e Servio Social.

    O Servio Social tem na questo social a base de sua fundao enquanto

    especializao do trabalho, Questo social apreendida enquanto o conjunto das

    expresses das desigualdades da sociedade capitalista que tem uma raiz comum: a

    produo social cada vez mais social, enquanto a apropriao dos seus frutos mantm-

    se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. Os assistentes sociais, por meio

    da prestao de servios scio-assistenciais nas organizaes pblicas privadas -

    inseparveis de uma dimenso educativa ou poltico- ideolgica -, interferem nas relaes

    sociais cotidianas, no atendimento s mais variadas expresses da questo social, tais

    como so experimentadas pelos indivduos sociais no trabalho, na famlia, na luta pela

    moradia e pela terra, na sade, na assistncia social pblica, etc. Questo social que,

    sendo desigualdade tambm rebeldia, por envolver sujeitos que ao vivenciam asdesigualdades a elas resistem e expressam seu inconformismo. nesta tenso entre

    produo da desigualdade e produo da rebeldia e da resistncia, que trabalham os

    assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos

    quais no possvel abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade.

    Exatamente por isso, decifrar as novas mediaes atravs das quais se expressa a questo

    social hoje de fundamental importncia para o Servio Social em uma dupla

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    perspectiva: para que se possa apreender as vrias expresses que as desigualdades

    sociais assumem na atualidade e os processos de sua produo e reproduo ampliada; e

    para projetar e forjar formas de resistncia e de defesa da vida. Formas de resistncia jpresentes, por vezes de forma parcialmente ocultas, no cotidiano dos segmentos

    majoritrios da populao que dependem do trabalho para a sua sobrevivncia. Assim,

    apreender a questo social tambm captar as mltiplas formas de presso social, de

    inveno e de re- inveno da vida construdas no cotidiano.

    Na atualidade, a questo social diz respeito ao conjunto multifacetado das

    expresses das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura,

    impensveis sem a intermediao do Estado. A questo social expressa desigualdades

    econmicas, polticas e culturais das classes sociais, mediadas por disparidades nas

    relaes de gnero, caractersticas tnico-raciais e formaes regionais. Coloca em

    causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilizao. Dispondo

    de uma dimenso estrutural, ela atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta

    aberta e surda pela cidadania. (Ianni, 1992), no embate pelo respeito aos direitos civis,

    sociais e polticos e aos direitos humanos. Esse processo denso de conformismos e

    rebeldias, expressando a conscincia e a luta pelo reconhecimento dos direitos de cadaum e de todos os indivduos sociais. nesse terreno de disputas que trabalhamos

    Foram as lutas sociais que romperam o domnio privado nas relaes entre

    capital e trabalho, extrapolando a questo social para a esfera pblica exigindo a

    interferncia do Estado no reconhecimento e a legalizao de direitos e deveres dos

    sujeitos sociais envolvidos, consubstanciados nas polticas e servios sociais.

    Atualmente, a questo social passa a ser objeto de um violento processo decriminalizao que atinge as classes subalternas (Ianni:1992; Guimares:1979) Recicla-

    se a noo de classes perigosas - no mais laboriosas-, sujeitas represso e extino.

    A tendncia de naturalizara questo social acompanhada da transformao de suas

    manifestaes em objeto de programas assistenciais focalizados de combate

    pobreza ou em expresses da violncia dos pobres, cuja resposta a segurana e a

    represso oficiais. Evoca o passado, quando era concebida como caso de polcia, ao

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    invs de ser objeto de uma ao sistemtica do Estado no atendimento s necessidades

    bsicas da classe operria e outros segmentos trabalhadores. Na atualidade, as propostas

    imediatas para enfrentar a questo social, no Brasil, atualizam a articulao assistnciafocalizada/represso, com o reforo do brao coercitivo do Estado em detrimento da

    construo do consenso necessrio ao regime democrtico, o que motivo de

    inquietao.

    Uma dupla armadilha pode envolver a anlise da questo social quando suas

    mltiplas e diferenciadas expresses so desvinculadas de sua gnese comum,

    desconsiderando os processos sociais contraditrios -na sua dimenso de totalidade - que

    as criam e as transformam.

    Corre-se o risco de cair na pulverizao e fragmentao das questes sociais,

    atribuindo unilateralmente aos indivduos e suas famlias a responsabilidade pelas

    dificuldades vividas. Deriva na tica de anlise dos problemas sociais como

    problemas do indivduo isolado e da famlia, perdendo-se a dimenso coletiva e

    isentando a sociedade de classes da responsabilidade na produo das desigualdades

    sociais4. Por uma artimanha ideolgica, elimina-se, no nvel da anlise, a dimenso

    coletiva da questo social, reduzindo-a a uma dificuldade do indivduo. A pulverizao

    da questo social, tpica da tica liberal, resulta na autonomizao de suas mltiplas

    expresses as vrias questes sociais,- em detrimento da perspectiva de unidade.

    Impede, assim, resgatar a origem da questo social imanente organizao social

    capitalista, o que no elide a necessidade de apreender as mltiplas expresses e formas

    concretas que assume.

    Outra armadilha aprisionar a anlise em um discurso genrico, que redundaem uma viso unvoca e indiferenciada da questo social, prisioneira das anlises

    estruturais, segmentadas da dinmica conjuntural e da vida dos sujeitos sociais. A

    questo social passa a ser esvaziada de suas particularidades, perdendo o movimento e a

    riqueza da vida, ao desconsiderar suas expresses especficas que desafiam a pesquisa

    4A maioria dos programas focalizados de combate fome e misria tem as famlias como alvo.

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    concreta de situaes concretas. (como a violncia, o trabalho infantil, a violao dos

    direitos humanos, os massacres indgenas, etc.).

    Concluindo, constata-se hoje uma renovao da velha questo social, inscrita na

    prpria natureza das relaes sociais capitalistas, sob outras roupagens e novas

    condies scio-histricas na sociedade contempornea, aprofundando suas

    contradies. Alteram-se as bases histricas na periferia dos centros mundiais, em um

    contexto de internacionalizao da produo e dos mercados, da poltica e da cultura, sob

    a gide do capital financeiro, acompanhadas de lutas surdas e abertas, nitidamente

    desiguais, na cena contempornea.

    Nesse cenrio a velha questo social metamorfoseia-se, assumindo novas

    roupagens. Ela evidencia hoje a imensa fratura entre o desenvolvimento das foras

    produtivas do trabalho social e as relaes sociais que o sustentam. Crescem as

    desigualdades e afirmam-se as lutas no dia a dia contra as mesmas na sua maioria

    silenciada pelos meios de comunicao - no mbito do trabalho, do acesso aos direitos e

    servios no atendimento s necessidades bsicas dos cidados, das diferenas tnico-

    raciais, religiosas, de gnero, etc.

    A hiptese de anlise a de que na raiz do atual perfil assumido pela questo

    social na Amrica Latina, encontram-se as polticas governamentais de favorecimento da

    esfera financeira e do grande capital produtivo das instituies e mercados financeiros

    e empresas multinacionais -, como fora que captura o Estado, as empresas nacionais, o

    conjunto das classes e grupos sociais que passam a assumir o nus das exigncias dos

    mercados (Salama, 1999; Chesnais, 1996). Existe uma estreita dependncia entre a

    responsabilidade dos governos no campo monetrio e financeiro e a liberdade dada aosmovimentos de capital concentrado para atuar no pas sem regulamentaes e controles,

    transferindo lucros e salrios oriundos da produo para valorizar-se na esfera financeira

    e especulativa, que re-configuram a questo social na cena contempornea5.

    5Este tema ser aprofundado em outro debate, do qual participo, no XVIII Seminrio

    Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social: Questo social e poltica social na formaoprofissional em Servio Social.

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    Nessa perspectiva, a questo social no se identifica com a noo de excluso

    social, hoje generalizada, dotada de grande consenso nos meios acadmicos e polticos.

    Ela torna-se uma palavra mgica, que tudo e nada explica, ocorrendo uma fetichizaoconceitual da noo de excluso social (Martins,1997).

    Castel (1997) refere-se s armadilhas da excluso, denunciando a sua

    inconsistncia terica: uma palavra valise, utilizada para definir todas as misrias do

    mundo. uma noo que se afirma pela qualificao negativa a falta de , empregada

    com uma heterogeneidade de usos, sem dizer, com rigor, no que consiste e de onde vem.

    No amplo estudo desenvolvido por Castel (1998) sobre as metamorfoses da questo

    social, parte de uma noo fortemente enraizada na escola sociolgica francesa, na tica

    da integrao social: uma dificuldade central a partir da qual uma sociedade se

    interroga sobre sua coeso social e tenta conjurar os riscos de sua fratura (Castel, 1997,

    1998). Todavia, sua pesquisa leva-o a afirmar a centralidade do trabalho assalariado na

    emergncia e desenvolvimento da questo social. Na atualidade, sua base encontra-se no

    questionamento da funo integradora do trabalho assalariado, com a desmontagem do

    sistema de proteo e garantia do trabalho protegido e com status, ou seja, da sociedade

    salarial. Ela fruto da desestabilizao dos estveis, da instalao da precariedade, dacultura do aleatrio -em que cada um chamado a viver o dia a dia -, do crescimento dos

    sobrantes, aqueles que no tm lugar nesta sociedade. E o caminho anunciado

    encontra-se na trilha da luta pelo direito ao trabalho.

    Martins (1997, 2002) tambm questiona o rigor analtico e a novidade da noo

    de excluso. Sustenta ser sua novidade a sua velhice renovada, resultado de uma

    metamorfose de conceitos - passando pelas teorias da marginalidade social e da pobreza-

    , que procuravam explicar a ordenao social capitalista e o descompasso crnico que a

    caracteriza entre o desenvolvimento econmico e o desenvolvimento social. Em outros

    termos, indica a necessidade de compreenso de uma antiga questo: as desigualdades

    sociais, um dos aspectos da crise da sociedade de classes. Supe a insuficincia da teoria

    das classes, diluindo a figura da classe trabalhadora na do excludo, que no um sujeito

    de destino, destitudo da possibilidade de fazer histria. O protesto social e poltico em

    nome dos excludos se resolve no horizonte da integrao na sociedade que os exclui, na

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    reproduo ampliada dessa mesma sociedade. Salienta que os excludos no

    protagonizam nem realizam uma contradio no interior do processo produtivo, mas so

    tidos como o resduo crescente de um desenvolvimento econmico consideradoanmalo. Redunda em uma luta conformista e fala de um projeto de afirmao do

    capitalismo, dos que a ele aderiram. Segundo o autor, o discurso da excluso expresso

    ideolgica de umapraxis limitada da classe mdia e no de um projeto um anticapitalista

    e crtico, cujo desafio tornar a sociedade beneficiria da acumulao. Considera a

    excluso social um sintoma grave de uma transformao social, que vem, rapidamente,

    fazendo de todos seres humanos descartveis, reduzidos condio de coisa, forma

    extrema da vivncia da alienao e da coisificao da pessoa , como j apontava Marxem seus estudos sobre o capitalismo (Martins, 2002:20).

    2.4 O assistente social como trabalhador assalariado.

    O Servio Social regulamentado como uma profisso liberal, dispondo de

    estatutos legais e ticos que atribuem uma autonomia terico-metodolgica, tico-

    poltica e tcnico-operativa e conduo do exerccio profissional. Ao mesmo tempo, o

    exerccio da profisso se realiza mediante um contrato de trabalho com organismos

    empregadores - pblicos ou privados-, em que o assistente social figura como

    trabalhador assalariado. Estabelece-se uma tenso entre autonomia profissional e

    condio assalariada.

    Assim, assistente social tambm um(a) trabalhador(a) assalariado(a),

    qualificado(a), que depende da venda de sua fora de trabalho especializada para a

    obteno de seus meios de vida. A objetivao dessa fora de trabalho qualificada

    enquanto atividade (e/ou trabalho) ocorre no mbito de processos e relaes de trabalho,organizados por seus empregadores, que detm o controle das condies necessrias

    realizao do trabalho profissional. Assim, as alteraes que incidem no chamado

    mundo do trabalho e nas relaes entre o Estado e a sociedade - que tm resultado em

    uma radicalizao da questo social , atingem diretamente o trabalho cotidiano do

    assistente social. O trabalho profissional , pois, parte do trabalho coletivo produzido

    pelo conjunto da sociedade, operando a prestao de servios sociais que atendem a

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    necessidades sociais e realizando, nesse processo, prticas scio-educativas, de carter

    poltico-ideolgico, que interferem no processo de reproduo de condies de vida de

    grandes segmentos populacionais alvos das polticas sociais.

    O Servio Social reproduz-se como uma especializao do trabalho por ser

    socialmente necessrio: o agente profissional produz servios que tm um valor de uso,

    porque atendem as necessidades sociais. Por outro lado, os assistentes sociais tambm

    participam, enquanto trabalhadores assalariados, do processo de produo e/ou de

    redistribuio da riqueza social. Seu trabalho no resulta apenas em servios teis, mas

    ele tem um efeito na produo -ou na redistribuio- do valor e/ou da mais valia e nas

    relaes de poder poltico e ideolgico. Assim, por exemplo, na empresa industrial, o

    assistente social, como parte de um trabalhador coletivo, participa do processo de

    reproduo da fora de trabalho, essencial produo da riqueza. Na esfera estatal

    participa do processo de redistribuio da mais valia, via fundo pblico. A seu trabalho

    se inscreve, tambm, no campo da defesa e/ou realizao de direitos sociais de cidadania,

    na gesto da coisa pblica. Pode contribuir para o partilha do poder e sua

    democratizao - no processo de construo de uma contra-hegemonia no bojo das

    relaes entre as classes - ou ainda, para o reforo das estruturas e relaes de poder pr-existentes.

    Em outros termos, passar da anlise profisso para o seu processamento no

    mbito de condies de trabalho e relaes sociais determinadas representa um avano

    importante. Incorpora os avanos terico-metodolgicos, tico-polticos e tcnico-

    operativos acumulados, nas ltimas dcadas e, ao mesmo tempo, abre um leque de

    possibilidades, ainda no integralmente exploradas, no sentido de afinar, com maior

    rigor, as propostas analticas sobre o Servio Social com as provocaes e desafios

    enfrentados no dia a dia do trabalho cotidiano.

    Embora o assistente social disponha de uma relativa autonomia na sua conduo

    de seu trabalho o que lhe permite atribuir uma direo social ao exerccio profissional

    - os organismos empregadores tambm interferem no estabelecimento de metas a atingir.

    Detm poder para normatizar as atribuies e competncias especficas requeridas de

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    seus funcionrios, definem as relaes de trabalho e as condies de sua realizao

    salrio, jornada, ritmo e intensidade do trabalho, direitos e benefcios, oportunidades de

    capacitao e treinamento, o que incide no contedo e nos resultados do trabalho. Eoferecem o back-groundde recursos materiais, financeiros, humanos e tcnicos para a

    realizao do trabalho no marco de sua organizao coletiva. Portanto articulam um

    conjunto de condies que informam o processamento da ao e condicionam a

    possibilidade de realizao dos resultados projetados6.

    Todavia as atividades desenvolvidas sofrem outro vetor de demandas: as

    necessidades dos usurios, que, condicionadas pelas lutas sociais e pelas relaes de

    poder, se transformam em demandas profissionais, reelaboradas na tica dos

    empregadores no embate com os interesses dos usurios dos servios profissionais.

    nesse terreno denso de tenses e contradies sociais que se situa a atividade

    profissional.

    Portanto, as condies de trabalho e relaes sociais em que se inscreve o

    assistente social articulam um conjunto de mediaes que interferem no processamento

    da ao e nos resultados individual e coletivamente projetados, pois a histria o

    resultado de inmeras vontades projetadas em diferentes direes que tm mltiplasinfluncias sobre a vida social. Os objetivos e projetos propostos, que direcionam a

    ao, tm uma importncia fundamental, na afirmao da condio dos indivduos

    sociais como sujeitos da histria. Como assinala Engels (1977):

    6A anlise do significado social do trabalho profissional, na tica da totalidade, supe decifrar as

    relaes sociais nas quais se realiza em contextos determinados: as condies de trabalho, ocontedo e direo social atribudas ao trabalho profissional, as estratgias acionadas e osresultados obtidos, o que passa pela mediao do trabalho assalariado e pela correlao deforas econmica, poltica e cultural no nvel societrio. Articula, pois, um conjunto de

    determinantes a serem considerados: as particulares expresses da questo social na vida dossujeitos, suas formas de organizao e luta; o carter dos organismos empregadores, seu

    quadro normativo, polticas e relaes de poder que interferem na definio de competncias eatribuies profissionais; os recursos materiais, humanos e financeiros disponveis viabilizaodo trabalho. Aliam-se a estes determinantes os compromissos firmados no contrato de trabalho(salrio, jornada, benefcios, etc) e sua efetivao, envolvendo padres de produtividade, formasde gesto, entre outras dimenses, que afetam o contedo do trabalho do assistente social.Certamente as respostas acionadas dependem do perfil social e profissional dos assistentes

    sociais e, em particular, da apropriao terico-metodolgica para leitura dos processos sociais,princpios ticos, a clareza quanto s competncias, atribuies e o domnio de habilidadesadequadas ao trabalho concreto realizado, o que condiciona a eleio das estratgiasacionadas, a qualidade e resultados dos servios prestados.

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    a vontade move-se pela reflexo e pela paixo. Mas a reflexo e a paixo tmtambm uma determinao social, porque so impulsionadas por foraspropulsoras que agem por detrs dos objetivos. Se os objetivos visados, ao

    nvel individual e coletivo, so produto da vontade, no o so os resultados quedela decorrem, que passam por mltiplos vnculos sociais no mbito dos quaisse realiza a ao

    Logo, no h uma identidade imediata entre a intencionalidade do projeto

    profissional e resultados derivados de sua efetivao. Para decifrar esse processo

    necessrio entender as mediaes sociais que atravessam o campo de trabalho do

    assistente social.

    Concluindo, para atribuir densidade histrica ao projeto profissional necessrio

    reconhecer asforas sociais que o polarizam. E, concomitantemente, efetuar a anlise da

    organizao dos processos de trabalho em que se inscreve o assistente social para

    estabelecer uma base realista -, sem perder o encanto do sonho e da utopia -, s projees

    profissionais e sua viabilizao. Exige caminhar da anlise da profisso ao seu efetivo

    exerccio, o que supe articularprojeto profissional e trabalho assalariado.

    3. O projeto profissional.

    Segundo Netto (1999:95), os projetos profissionais, construdos coletivamente

    pela categoria profissional, apresentam a auto-imagem da profisso, elegem valores que

    a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funes, formulam

    requisitos (tcnicos, institucionais e prticos) para o seu exerccio, prescrevem normas

    para o comportamento dos profissionais e estabelecem balizas de sua relao com os

    usurios dos seus servios, com outras profisses e com as organizaes e instituies,

    pblicas e privadas (entre estes, tambm e destacadamente, com o Estado, ao qual coube

    historicamente o reconhecimento jurdico dos estatutos profissionais).

    Os projetos profissionais so indissociveis dos projetos societrios que lhes

    oferecem matrizes e valores. Expressam um processo de lutas pela hegemonia entre as

    foras sociais presentes na sociedade e na profisso. So, portanto, estruturas dinmicas,

    que respondem s alteraes das necessidades sociais sobre as quais opera, fruto das

    transformaes econmicas, histricas e culturais da sociedade. Mas expressam,

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    tambm, o desenvolvimento terico e prtico da profisso e as mudanas na categoria

    profissional (idem).

    O Servio Social brasileiro, nas ltimas dcadas, redimensionou-se e renovou-se

    no mbito da sua interpretao terico-metodolgica no campo dos valores, da tica e da

    poltica. Realizou um forte embate com o tradicionalismo profissional e seu lastro

    conservador. Buscou adequar criticamente a profisso s exigncias do seu tempo,

    qualificando-a academicamente. E fez um radical giro na sua dimenso tica e no debate

    nesse plano. Constituiu democraticamente a sua base normativa, expressa na Lei da

    regulamentao da profisso que estabelece as competncias e as atribuies

    profissionais e no Cdigo de tica do Assistente Social, de 1993. Ele prescreve direitos e

    deveres do assistente social, segundo princpios e valores humanistas, guias para o

    exerccio cotidiano:

    - o reconhecimento da liberdade como valor tico central, que requer o reconhecimento

    da autonomia, emancipao e plena expanso dos indivduos sociais e de seus direitos;

    - a defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbtrio e autoritarismo;

    - a defesa, aprofundamento e consolidao da cidadania e da democracia da

    socializao da participao poltica e da riqueza produzida;- o posicionamento a favor da equidade e da justia social, que implica a universalidade

    no acesso a bens e servios e a gesto democrtica;

    - o empenho na eliminao de todas as formas de preconceito, e a garantia do pluralismo;

    - o compromisso com a qualidade dos servios prestados na articulao com outros

    profissionais e trabalhadores.

    A efetivao desses princpios remete luta, no campo democrtico-popular,pela

    construo de uma nova ordem societria. E os princpios ticos ao impregnarem o

    exerccio quotidiano, indicam um novo modo de operar o exerccio profissional. Aqueles

    princpios estabelecem balizas para a sua conduo nas condies e relaes de

    trabalho em que se realiza e para as expresses coletivas da categoria profissional na

    sociedade.

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    nos limites dos princpios assinalados, que se move o pluralismo, que

    reconhece a existncia de distintas orientaes terico-metodolgicas e tico-polticas,

    que marcam presena na arena profissional. Impe o embate respeitoso com astendncias regressivas do Servio Social, cujos fundamentos liberais e conservadores

    legitimam a ordem vigente. Porm o pluralismo propugnado no se identifica com a sua

    verso liberal, em que todas as tendncias profissionais so consideradas no mesmo

    nvel, mascarando os desiguais arcos de influncia que exercem na profisso, os

    diferentes vnculos que estabelecem com projetos societrios distintos e antagnicos,

    apoiados em foras sociais tambm diversas.

    Os outros pilares em que se apia o projeto profissional so: a legislao relativa

    regulamentao da profisso 7, que representa uma defesa da profisso na sociedade e

    as diretrizes curriculares para a formao em Servio Social, que vm sendo

    construdas coletivamente no bojo do processo de renovao do Servio Social nos

    vrios pases.

    O desafio maior para a efetivao desse projeto na atualidade torn-lo um guia

    efetivo para o exerccio profissional. Exige num radical esforo de integrar o dever ser

    com sua realizao, sob o risco de se deslizar para uma proposta ideal, abstrada da

    realidade histrica.

    7A Lei da regulamentao da profisso de Servio Social no Brasil estabelece as competncias

    e atribuies privativas do assistente social, que expressam a capacidade de apreciar e darresolutividade a determinados assuntos: 1)coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar

    estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na rea de Servio Social; com aparticipao da sociedade civil; 2) planejar, organizar e administrar programas e projetos emunidades de Servio Social; 3) prestar assessoria e consultoria a rgos da administraopblica direta e indireta, empresas privadas e outras entidades em matria do Servio Social; 4)

    realizar visitas, percias tcnicas, laudos periciais, informaes e pareceres em matria doServio Social; 5) encaminhar providncias e prestar orientao social a indivduos, grupos e

    populao; 6) realizar estudos scio-econmicos com os usurios para fins de benefcios eservios sociais, junto a rgos da administrao pblica direta e indireta, a empresas privadase outras entidades.Considera-se que a matriadiz respeito ao objeto ou assunto sobre o que se exerce a fora deum agente; rea o campo delimitado ou o mbito de atuao do Servio Social; e a unidadedo Servio Social, mais do que uma unidade administrativa pode ser interpretada como o

    conjunto de profissionais dentro da unidade de trabalho.Atribuir contemporaneidade s funes e atribuies profissionais pressupe, certamente,apreender e explicar o que o assistente social faz na realidade, elucidando os fundamentos dotrabalho profissional e seu significado social no processo de reproduo das relaes sociais.

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    Assim considerado, o projeto profissional expressa uma condensao das

    dimenses tico-polticas, terico-metodolgicas e tcnico-operativas no Servio Social,

    englobando a formao e o exerccio profissional.

    4. O Servio Social e as estratgias para o enfrentamento da questo social.

    As estratgias para o enfrentamento da questo social tm sido tensionadas por

    projetos sociais distintos, que presidem a estruturao e a implementao das polticas

    sociais pblicas e que convivem em luta no seu interior. Vive-se uma tenso entre a

    defesa dos direitos sociais e a mercantilizao e re-filantropizao do atendimento s

    necessidades sociais, com claras implicaes nas condies e relaes de trabalho doassistente social (Oliveira e Salles:1998; Bravo:1996; Pereira:1998).

    Oprimeiro projeto, de carter universalista e democrtico aposta no avano da

    democracia, fundado nos princpios da participao e do controle popular, da

    universalizao dos direitos, garantindo a gratuidade no acesso aos servios, a

    integralidade das aes voltadas defesa da cidadania de todos na perspectiva da

    equidade. Pensar a defesa dos direitos requer afirmar a primazia do Estado enquanto

    instncia fundamental sua universalizao - na conduo das polticas pblicas, o

    respeito ao pacto federativo, estimulando a descentralizao e da democratizao das

    polticas sociais no atendimento s necessidades das maiorias. Implica partilha e

    deslocamento de poder, combinando instrumentos de democracia representativa e

    democracia direta, o que ressalta a importncia dos espaos pblicos de representao e

    negociao. Supe, portanto, politizar a participao, considerando a gesto como arena

    de interesses que devem ser reconhecidos e negociados 8.

    No Brasil, no mbito governamental, da maior importncia o trabalho que vem

    sendo realizado na seguridade social e, em especial junto aos Conselhos de Sade e de

    Assistncia Social nas esferas nacional, estadual e municipal. Somam-se os Conselhos

    Tutelares e Conselhos de Direitos, responsveis pela formulao de polticas pblicas

    8 Conforme pronunciamento de Marco Aurlio Nogueira no II Encontro Nacional de ServioSocial e Seguridade Social.Porto Alegre (RS), nov. de 2000.

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    para a criana e o adolescente, para a terceira idade e pessoas portadoras de necessidades

    especiais9.

    O propsito promover uma permanente articulao poltica no mbito da

    sociedade civil organizada, para contribuir na definio de propostas e estratgias

    comuns ao campo democrtico. Esse projeto requer aes voltadas ao fortalecimento dos

    sujeitos coletivos, dos direitos sociais e a necessidade de organizao para a sua defesa,

    construindo alianas com os usurios dos servios na sua efetivao. Nesse sentido

    fundamental estimular inseres sociais que contenham potencialidades de

    democratizar a vida em sociedade, conclamando e viabilizando a ingerncia de

    segmentos organizados da sociedade civil na coisa pblica. Ocupar esses espaos

    coletivos adquire maior importncia quando o bloco do poder passa a difundir e

    empreender o trabalho comunitrio sob a sua direo, tendo no voluntariado seu maior

    protagonista. Representa uma vigorosa ofensiva ideolgica na construo e/ou

    consolidao da hegemonia das classes dominantes em um contexto econmico adverso,

    que passa a requisitar ampla investida ideolgica e poltica para assegurar a direo

    intelectual e moral de seu projeto de classe em nome de toda a sociedade, ampliando

    suas bases de sustentao e legitimidade.

    Nesse sentido faz-se necessrio reassumir o trabalho de base, de educao,

    mobilizao e organizao popular, que parece ter sido submerso do debate profissional

    ante o refluxo dos movimentos sociais10. necessrio ter a clareza que a qualidade da

    participao nesses espaos pblicos no est definida a priori. Podem abrigar

    experincias democrticas, que propiciem a partilha do poder e a interveno em

    processos decisrios, ou estimular vcios populistas e clientelistas quanto ao trato da

    coisa pblica.

    9 Segundo dados do MPAS/SEAS, em fevereiro de 2000, existiam conselhos de assistncia

    instalados em 4383 municpios, dos 5 506 existentes no Brasil. (Cf. Demonstrativo dosConselhos, Fundos e Planos de Assistncia Social, fevereiro, 2000).10

    CARDOSO (1995), ABREU (2002) e SILVA (1995) so partes de um grupo de intelectuaisque vem mantendo vivo este debate no interior do projeto profissional de ruptura como oconservadorismo.

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    de suma importncia impulsionar pesquisas e projetos que favoream o

    conhecimento do modo de vida e de trabalho - e correspondentes expresses culturais -

    dos segmentos populacionais atendidos, criando um acervo de dados sobre as expressesda questo social nos diferentes espaos ocupacionais do assistente social. O

    conhecimento criterioso dos processos sociais e de sua vivncia pelos indivduos sociais

    poder alimentar aes inovadoras, capazes de propiciar o atendimento s efetivas

    necessidades sociais dos segmentos subalternizados, alvos das aes institucionais.

    Aquele conhecimento pr-requisito para impulsionar a conscincia crtica e uma

    cultura pblica democrtica para alm das mistificaes difundidas pela mdia. Isso

    requer, tambm, estratgias tcnicas e polticas no campo da comunicao social noemprego da linguagem escrita, oral e miditica -, para o desencadeamento de aes

    coletivas que viabilizem propostas profissionais capazes para alm das demandas

    institudas.

    Esse primeiro projeto polarizado por um outro tipo de requisio, de

    inspirao neoliberal, que subordina os direitos sociais lgica oramentria, a

    poltica social poltica econmica, em especial s dotaes oramentrias e, no Brasil,

    subverte o preceito constitucional. Observa-se uma inverso e uma subverso: ao invsdo direito constitucional impor e orientar a distribuio das verbas oramentrias, o

    dever legal passa a ser submetido disponibilidade de recursos. So as definies

    oramentrias - vistas com um dado no passvel de questionamento - que se tornam

    parmetros para a implementao dos direitos sociais, justificando as prioridades

    governamentais. A leitura dos oramentos governamentais, apreendidos como uma pea

    tcnica, silencia os critrios polticos que norteiam a eleio das prioridades nos gastos,

    estabelecidas pelo bloco do poder. A viabilizao dos direitos sociais e em especial

    aqueles atinentes seguridade social - pauta-se segundo as regras de um livro-caixa, do

    balano entre a crdito e dficit no cofre governamental. Conforme foi discutido no II

    Encontro de Servio Social e Seguridade Social, realizado no Brasil, o oramento

    pblico a caixa preta das polticas sociais governamentais, em especial da seguridade

    social.A elaborao e interpretao dos oramentos passam a ser efetuadas segundo os

    parmetros empresariais de custo/benefcio, eficcia/inoperncia,

    produtividade/rentabilidade. O resultado a subordinao de respostas s necessidades

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    sociais mecnica tcnica do oramento pblico, orientada por uma racionalidade

    instrumental. A democracia v-se reduzida um modelo de gesto, desaparecendo os

    sujeitos e a arena pblica em que expressam e defendem seus interesses. 11

    As condies de trabalho e relaes sociais em que esto inscritos os assistentes

    sociais so indissociveis da contra-reforma do Estado (Behring, 2003) . Segundo a

    tica oficial, verifica-se um esgotamento da estratgia estatizante, afirmando-se a

    necessidade de ultrapassar a administrao pblica tradicional, centralizada e

    burocrtica. Considera-se que o Estado deva deslocar-se da linha de frente do

    desenvolvimento econmico e social e permanecer na retaguarda, na condio de

    promotor e regulador desse desenvolvimento.

    Observa-se uma clara tendncia de deslocamento das aes governamentais

    pblicas de abrangncia universal- no trato das necessidades sociais em favor de sua

    privatizao, instituindo critrios de seletividade no atendimento aos direitos sociais.

    Esse deslocamento da satisfao de necessidades da esfera pblica para esfera privada

    ocorre em detrimento das lutas e de conquistas sociais e polticas extensivas a todos.

    exatamente o legado de direitos conquistados nos ltimos sculos, que est sendo

    desmontado nos governos de orientao neoliberal, em uma ntida regresso da

    cidadania que tende a ser reduzida s suas dimenses civil e poltica, erodindo a

    cidadania social. Transfere-se, para distintos segmentos da sociedade civil, significativa

    parcela da prestao de servios sociais, afetando diretamente o espao ocupacional de

    vrias categorias profissionais, dentre as quais os assistentes sociais.

    Esse processo expressa-se em uma dupla via: de um lado, na transferncia de

    responsabilidades governamentais para organizaes da sociedade civil de interessepblico e, de outro lado, em uma crescente mercantilizao do atendimento s

    necessidades sociais, o que evidente no campo da sade, da educao entre muitos

    outros.

    11Essas consideraes tambm desafiam as instncias de formao universitria no sentido de

    capacitar os futuros assistentes sociais, mediante elementos tericos e tcnicos, para a leituracrtica dos oramentos sociais, de modo a viabilizar estratgias voltadas negociao derecursos para programas e projetos sociais que fortaleam o projeto tico-poltico ora emconstruo.

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    O chamado terceiro setor, na interpretao governamental, tido como distinto

    do Estado (primeiro setor) e do mercado (segundo setor). O chamado terceiro setor

    considerado como um setor no governamental, no lucrativo e voltado aodesenvolvimento social, e daria origem a uma esfera pblica no estatal, constituda

    por organizaes da sociedade civil de interesse pblico. No marco legal do terceiro

    setor no Brasil so includas entidades de natureza as mais variadas, que estabelecem

    um termo deparceria entre entidades de fins pblicos de origem diversa (estatal e social)

    e de natureza distinta (pblica ou privada). Engloba, sob o mesmo ttulo, as tradicionais

    instituies filantrpicas; o voluntariado e organizaes no governamentais: desde

    aquelas combativas que emergiram no campo dos movimentos sociais, quelas comfiliaes poltico-ideolgicas as mais distintas, alm da denominada filantropia

    empresarial. Chama ateno a tendncia de estabelecer uma identidade entre terceiro

    setor e sociedade civil. Esta passa a ser reduzida a um conjunto de organizaes as

    chamadas entidades civis sem fins lucrativos-, sendo dela excludos os rgos de

    representao poltica, como sindicatos e partidos, dentro de um amplo processo de

    despolitizao. A sociedade civil tende a ser interpretada como um conjunto de

    organizaes distintas e complementares, destituda dos conflitos e tenses de classe,

    onde prevalecem os laos de solidariedade. Salienta-se a coeso social e um forte apelo

    moral ao bem comum, discurso esse que corre paralelo reproduo ampliada das

    desigualdades, da pobreza e violncia. Estas tendem a ser naturalizadas, onde o horizonte

    a reduo de seus ndices mais alarmantes.

    A universalidade no acesso nos programas e projetos sociais, abertos a todos os

    cidados, s possvel no mbito do Estado, ainda que no dependam apenas do Estado.

    Sendo um Estado de classe expressa a sociedade politicamente organizada e condensa

    um campo de lutas e compromissos em que a sociedade civil joga um papel decisivo

    para democratiza-lo e controla-lo. Ao mesmo tempo, necessrio que o Estado se

    expanda para a sociedade de modo a fazer prevalecer interesses mais coletivos e

    compartilhados, o que depende da luta entre as foras sociais.

    Os projetos levados a efeito por organizaes privadas apresentam uma

    caracterstica bsica, que os diferencia: no se movem pelo interesse pblico e sim pelo

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    interesse privado de certos grupos e segmentos sociais, reforando a seletividade no

    atendimento, segundo critrios estabelecidos pelos mantenedores. Portanto, ainda que o

    trabalho concreto 12 do assistente social seja idntico no seu contedo til e formas deprocessamento - o sentido e resultados sociais desses trabalhos so inteiramente

    distintos, visto que presididos por lgicas diferentes: a do direito privado e do direito

    pblico, alterando-se, pois, o significado social do trabalho tcnico-profissional e seu

    nvel de abrangncia.

    Constata-se uma progressiva mercantilizao do atendimento s necessidades

    sociais, decorrente da privatizao das polticas sociais. Nesse quadro, os servios

    sociais deixam de expressar direitos, metamorfoseando-se em atividade de outra

    natureza, inscrita no circuito de compra e venda de mercadorias. Estas substituem os

    direitos de cidadania, que, em sua necessria dimenso de universalidade, requerem a

    ingerncia do Estado. O que passa a vigorar so direitos atinentes condio de

    consumidor (Mota,1995). Quem julga a pertinncia e qualidade dos servios prestados

    so aqueles que, atravs do consumo, renovam sua necessidade social. O dinheiro

    aparece em cena como meio de circulao, intermediando a compra e venda de servios,

    em cujo mbito se inscreve o assistente social. O grande capital ao investir nos serviossociais, passa a demonstrar uma preocupao humanitria, coadjuvante da ampliao

    dos nveis de rentabilidade das empresas, moralizando sua imagem social. Trata-se de

    um reforo necessidade de transformar propsitos de classes e grupos sociais

    especficos em propsitos de toda a sociedade: velha artimanha, historicamente assumida

    pelo Estado e que hoje tem a mdia importante aliada nesse empreendimento.

    Os assistentes sociais trabalham com as mais diversas expresses da questo

    social, esclarecendo populao seus direitos sociais e os meios de ter acesso aos

    mesmos. O significado desse trabalho muda radicalmente ao voltar-se aos direitos e

    deveres referentes s operaes de compra e da venda. Enquanto os direitos sociais so

    fruto de lutas sociais e negociaes com o bloco do poder para o seu reconhecimento

    legal, a compra e venda de servios no atendimento a necessidades sociais de educao,

    12Trabalho concreto aqui utilizado no sentido de Marx, como trabalho de uma qualidade

    determinada que produz valores de uso voltados satisfao de necessidades sociais de umadada espcie.

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    sade, habitao, assistncia social, etc. pertencem a outro domnio - o do mercado -,

    mediao necessria realizao do valor e eventualmente da mais valia decorrentes da

    industrializao dos servios.

    Historicamente, os assistentes sociais dedicaram-se implementao de polticas

    pblicas, localizados na linha de frente das relaes entre populao e instituio ou, nos

    termos de Netto (1992), executores terminais de polticas sociais. Embora este seja

    ainda o perfil predominante, no mais exclusivo, sendo abertas outras possibilidades. O

    processo de descentralizao das polticas sociais pblicas - com nfase na sua

    municipalizao - requer dos assistentes sociais como de outros profissionais - novas

    funes e competncias. Esto sendo chamados a atuar na esfera da formulao e

    avaliao de polticas e do planejamento e gesto, inscritos em equipes

    multiprofissionais. Os assistentes sociais ampliam seu espao ocupacional para

    atividades relacionadas implantao e orientao de conselhos de polticas pblicas,

    capacitao de conselheiros, elaborao de planos de assistncia social,

    acompanhamento e avaliao de programas e projetos. Tais inseres so acompanhadas

    de novas exigncias de qualificao, tais como o domnio de conhecimentos para realizar

    diagnsticos scio-econmicos de municpios, para a leitura e anlise dos oramentospblicos identificando recursos disponveis para projetar aes; o domnio do processo

    de planejamento; a competncia no gerenciamento e avaliao de programas e projetos

    sociais; a capacidade de negociao, o conhecimento e o know-how na rea de recursos

    humanos e relaes no trabalho, entre outros. Somam-se possibilidades de trabalho nos

    nveis de assessoria e consultoria para profissionais mais experientes e altamente

    qualificados em determinadas reas de especializao. Registram-se ainda requisies no

    campo da pesquisa, de estudos e planejamento, dentre inmeras outras funes.

    A categoria dos assistentes sociais, articulada s foras sociais progressistas, vem

    envidando esforos coletivos no reforo da esfera pblica, de modo a inscrever os

    interesses das maiorias nas esferas de deciso poltica. O horizonte a construo de

    uma democracia de base que amplie a democracia representativa, cultive e respeite a

    universalidade dos direitos do cidado, sustentada na socializao da poltica, da

    economia e da cultura. Tais elementos adquirem especial importncia em nossas

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    sociedades latino-americanas, que se constroem no reverso do imaginrio igualitrio da

    modernidade; sociedades que repem cotidianamente e de forma ampliada privilgios,

    violncia, discriminaes de renda, poder, gnero, etnias e geraes, alargando o fossodas desigualdades no panorama diversificado das manifestaes da questo social.

    na dinmica tensa da vida social que se ancoram a esperana e a possibilidade

    de defender, efetivar e aprofundar os preceitos democrticos e os direitos de cidadania

    preservando inclusive a cidadania social, cada vez mais desqualificada. E para

    impulsionar a construo de um outro padro de sociabilidade, regido por valores

    democrticos, o que requer a redefinio das relaes entre o Estado e a sociedade, a

    economia e a sociedade, o que depende uma crescente participao ativa da sociedade

    civil organizada.

    Orientar o trabalho nos rumos aludidos, requisita um perfil profissional culto,

    crtico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva

    democratizao das relaes sociais. Exige-se, para tanto, compromisso tico-poltico

    com os valores democrticos e competncia terico-metodolgica na teoria crtica em

    sua lgica de explicao da vida social. Estes elementos, aliados pesquisa da realidade

    possibilitam decifrar as situaes particulares com que se defronta o assistente social no

    seu trabalho, de modo a conecta-las aos processos sociais macroscpicos que as geram e

    as modificam. Mas, requisita, tambm, um profissional versado no instrumental tcnico-

    operativo, capaz de potencializar as aes nos nveis de assessoria, planejamento,

    negociao, pesquisa e ao direta, estimuladora da participao dos sujeitos sociais nas

    decises que lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de

    exerce-los.

    Para finalizar, a sugesto do poeta brasileiro Carlos. Drummond de Andrade: "Eu

    tropeo no possvel, mas no desisto de fazer a descoberta que tem dentro da casca do

    impossvel". Tropear no possvel, mas sem desistir de fazer a descoberta que tem dentro

    da casca do impossvel. O projeto tico-poltico do Servio Social certamente um

    desafio, mas no uma impossibilidade: o que se apresenta como obstculo apenas a

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    casca do impossvel, que encobre as possibilidades dos homens construrem sua prpria

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