sobre o academicismo cristão - alvin plantinga

Upload: vitor-grando

Post on 09-Apr-2018

236 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    1/37

    SOBRE O ACADEMICISMO CRISTO ALVIN PLANTINGA

    Traduo: Vitor Grando

    [email protected]

    VitorGrando.wordpress.com

    Nossa questo aqui : como pode uma universidade ser uma universidade

    apropriadamente catlica ou crist? Como tal universidade deveria ser? Essa

    uma questo difcil por trs razes: Primeira, como Chuck Wilber e outros

    apontaram, no temos modelos contemporneos[1]. No podemos olhar para

    Princeton (embora a amemos e a admiremos), para ver como eles fazem as

    coisas, como um modelo para ns. De fato, a verdade justamente o oposto.

    Uma lio a ser aprendida da ltima palestra de George Marsden a lio de

    que Princeton um projeto falho: outrora ela era ou almejava ser uma

    universidade crist, assim como ns; esse alvo, infelizmente, no foi alcanado.

    Assim, no podemos tomar Princeton como modelo; de fato, devemos aprender

    com seus erros. Segundo, se o que ns queremos uma universidade catlica ou

    crist, devemos, como Nathan Hatch apontou, ousar ser diferente, seguir nosso

    prprio caminho, encarar os riscos envolvidos em se aventurar em territrios

    no explorados. Isso no fcil; existem fortes presses para que ns nos

    conformemos. (Mas nossa universidade, afinal, e no temos de seguir o

    mesmo rebanho). E, terceiro, essa uma questo multifacetada; tem que ser

    pensada em conexo com a educao de ps-graduao e de graduao tambm;

    devemos pensar sobre a necessidade do tipo de conversao mencionada por

    Craig Lent tanto sobre a necessidade de tal conversao e sobre os tpicos

    apropriados; temos que pensar sobre grade curricular, sobre relacionamentos

    com outras universidades que almejam o mesmo objetivo que ns, como

    tambm sobre relacionamentos com outras universidades que almejam alvos

    diferentes; temos que pensar o que isso implica em relao s polticas de

    contratao; temos que pensar sobre essas coisas e milhares de outras.

    Eu quero considerar apenas uma questo entre esse monte de questes: como

    uma universidade crist e como a comunidade intelectual crist deveria refletir

    sobre o academicismo e a cincia? O tipo de academicismo e de cincia

    praticado numa universidade catlica deveria diferir do tipo encontrado em

    outros lugares? Se sim, de que forma? Eu quero apresentar um tipo de viso

    no pensando ser essa a verdade completa, mas como uma contribuio nossa

    conversao.

    mailto:[email protected]://vitorgrando.wordpress.com/http://vitorgrando.wordpress.com/http://vitorgrando.wordpress.com/mailto:[email protected]
  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    2/37

    Pensadores cristos desde Agostinho, pelo menos, tm visto a histria humana

    como envolvida num certo tipo de conflito, ou batalha, ou luta entre duas

    implacveis foras espirituais opostas. Agostinho falou da Cidade de Deus e da

    Cidade Terrena ou Cidade do Mundo: a Civitas Deie a Civitas Mundi.[2] A

    primeira, a prncipio, dedicada a Deus e Sua vontade e glria. A segunda dedicada a algo totalmente diferente.

    Agostinho, penso eu, est certo, mas eu quero desenvolver os seus insights da

    minha prpria forma.[3] De fato, ns precisamos fazer isso de nossa prpria

    forma e a partir de nossa perspectiva histrica. A relao entre a Cidade de Deus

    e a Cidade Terrena muda constantemente; a estrutura da Cidade Terrena muda

    constantemente; um relato das lealdades e compromissos da Cidade Terrena

    que era correto nos dias de Agostinho, hoje 15 sculos depois, no pode seraplicado diretamente nos nossos dias. Agostinho estava certo; e o mundo

    intelectual ocidental contemporneo, como o mundo de sua poca, um campo

    de batalha ou arena onde acontece uma luta por nossas almas. Essa batalha,

    creio eu, uma discusso de trs vias. H trs principais competidores, no

    mundo intelectual ocidental contemporneo, e eu quero tentar descrev-los.

    claro que uma empreitada como essa , no mximo, arriscada (e no mnimo

    deveras presunosa); o mundo ocidental contemporneo uma questo vasta e

    informe, incluindo uma enorme variedade de pessoas, numa enorme variedade

    de lugares, com tradies culturais enormemente diferentes. Ns todos sabemos

    quo difcil entender claramente o clima intelectual de uma era passada o

    Iluminismo, digamos, ou a Europa do sculo XIII, ou a Amrica do sculo XIX.

    certamente muito mais difcil chegar a uma slida compreenso do nosso

    prprio tempo. Por essas razes gerais, h de se ter tremor ao fazer isso. H

    tambm razes menos universais para esse tremor: no deveria ser do

    historiador, no do filsofo, cujo trabalho descobrir tendncias intelectuais,

    entender a intelectualidade da poca, investigar pressuposies de toda era

    contempornea? Ento aqui eu deveria transferir a tarefa aos historiadorespresentes, que so meus superiores.

    Da forma como eu vejo a questo, portanto, h trs principais competidores

    disputando supremacia espiritual: trs perspectivas ou formas de pensar sobre

    como o mundo , como ns somos, o que mais importante sobre o mundo,

    qual o nosso lugar nele, e o que devemos fazer para vivermos uma boa vida. A

    primeira dessas perspectivas o cristianismo ou o tesmo cristo, ou o tesmo

    judaico-cristo; no preciso dizer muito sobre isso. Eu quero lembr-los, no

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    3/37

    entanto, que essa perspectiva testa tem estado muito na defensiva (ao menos

    no ocidente) desde o iluminismo.

    Alm da perspectiva testa, h fundamentalmente duas outras. Ambas tm

    estado conosco desde o mundo antigo; mas cada uma delas tm recebidoexpresso muito mais forte nos tempos modernos. De acordo com a primeira

    perspectiva, no h Deus e ns, seres humanos, somos partes insignificantes de

    uma mquina csmica gigante que prossegue totalmente indiferente a ns,

    nossas esperanas e aspiraes, nossas necessidades e desejos, nosso senso do

    justo e do adequado. Essa imagem eloquentemente expressa no livro A Free

    Man's Worship de Bertrand Russell; essa imagem remonta a Epicuro,

    Demcrito, e outros no Mundo Antigo e encontra uma esplndida expresso no

    poema de Lucrcio,De Rerum Natura: chamemo-la Naturalismo Perene. aperspectiva de Carl Sagan, com sua pomposa declarao: O cosmos tudo que

    h, houve ou haver. De acordo com a segunda perspectiva, por outro lado,

    somos ns mesmos ns, seres humanos que somos responsveis pela

    estrutura bsica do mundo. Essa noo remonta a Protgoras, no mundo antigo,

    com sua alegao de que o homem a medida de todas as coisas; e encontra

    uma expresso ainda mais poderosa nos tempos modernos na Crtica da Razo

    Pura de Immanuel Kant. Chame-a de humanismo iluminista, ou subjetivismo

    iluminista, ou, mais descritivamente, antirrealismo criativo. Essas duas

    perspectivas so, de fato, muito diferentes; vou tecer algumas palavras sobre

    ambas.

    A. NATURALISMO PERENE

    Naturalismo perene (doravante naturalismo), como eu digo, remonta ao

    mundo antigo; o naturalismo tambm encontrado, de forma mais sutil, no

    mundo medieval (entre os averrostas, por exemplo). Mas coube modernidade

    e aos tempos contemporneos apresentar as mais amplas e completasmanifestaes dessa perspectiva. Thomas Hobbes, os enciclopedistas

    iluministas, e Baro de Holbach so exemplos modernos dessa abordagem;

    entre nossos contemporneos e quase-contemporneos esto John Dewey,

    Williard van Orman Quine, Bertrand Russell, Carl Sagan, um surpreendente

    nmero de telogos liberais, e um monte de outros dentro e fora da academia.

    Essa abordagem prevalece especialmente entre aqueles que se dizem baluartes

    da cincia. Do ponto de vista dessa perspectiva, no h Deus, e os seresumanos

    so vistos como simples parte da natureza. A forma de entender o que mais

    distinto em ns, nossa habilidade de amar, agir, pensar, usar a linguagem, nosso

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    4/37

    humor e dramatizao, nossa arte, filosofia, literatura, histria, nossa

    moralidade, nossa religio, nossa tendncia a se envolver em causas muitas

    vezes incomuns e devotar nossas vidas a elas a forma fundamental de

    entender tudo isso em relaes de nossa comunidade com a natureza (no

    humana). Ns somos mais apropriadamente vistos como partes da natureza edevemos ser entendidos em termos de nosso lugar no mundo natural.[4]

    Primeiro, um exemplo trivial. Aqueles que endossam essa viso muitas vezes

    parecem pensar que a forma de descobrir como ns seres humanos deveramos

    viver observar como outros animais lidam com as coisas; esse o equivalente

    naturalista da mxima bblica V ter com a formiga, preguioso. Eu assisti

    recentemente um talk show na TV onde um cientista depreciava a tica e os

    costumes tradicionais acerca da sexualidade - 'lao heterossexual entre umcasal, era como ele dizia baseando-se no fato de que somente trs por cento

    dos animais agem dessa forma. Ele no disse nada sobre plantas, mas, sem

    dvida, concluses ainda mais interessantes poderiam ser tiradas disso. Em

    outro talk show recente, o entrevistado dizia que havia observado (em um nvel

    cotidiano e no cientfico) que primos so muitas vezes mutuamente atrados

    romanticamente, ela ento acrescentou que recentemente havia descoberto

    confirmao cientfica dessa observao: seres humanos, ele disse, se

    assemelham s codornizes (ao pssaro, no ao ex-vice-presidente) [5] nesse

    quesito, e de fato codornizes primas se atraem mutuamente.

    Um segundo e mais importante exemplo: uns anos atrs eu ouvi um eminente

    filsofo americano contemporneo refletir sobre conhecimento, crena, e toda a

    empreitada cognitiva humana. A forma de entender isso tudo, ele disse a

    forma de ver o que h de mais bsico e importante sobre isso no , claro,

    v-la como uma das manifestaes da imagem de Deus, uma forma pela qual

    ns nos assemelhamos ao Senhor, que o primeiro-conhecedor, e que nos criou

    de tal forma que sejamos espelhos finitos e limitados de sua perfeio ilimitadae infinita. Esse filsofo seguiu uma linha bem diferente. Os seres humanos, ele

    disse, tm crenas (e at aqui h pouco para objetar); e essas crenas podem

    fazer com que eles ajam de determinadas formas. Colocando em termos mais

    sofisticados, as crenas de uma pessoa podem ser parte de uma explanao

    causal de suas aes. Como isso pode ser? Como isso acontece, como podem os

    seres humanos serem tais que eles podem ser levados a fazer certas coisas pelo

    que eles creem? Como pode minha crena de que h uma cerveja na geladeira

    causar ou causar parcialmente esse objeto fsico letrgico, que o meu corpo,erguer-se de um confortvel sof, ir at a geladeira e abrir a porta?

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    5/37

    A resposta: pense em um termostato: ele tambm tem crenas simplrias

    crenas, sem dvida, mas ainda assim crenas. O que ele cr so coisas do tipo

    est ficando quente aqui, est muito frio aqui ou exatamente aqui; e

    fcil ver como essas crenas causam a ligao de uma fornalha ou ar

    condicionado. E agora a ideia bsica: ns deveramos ver o pensamento humanoe sua conexo com a ao como algo um pouco mais complicado em relao ao

    que acontece com o termostato. A ideia era que se pensarmos como funciona

    com o termostato, ento teremos a chave para entender como acontece com os

    seres humanos. Outros sugerem os computadores: o pensamento humano um

    forma de computao similar feita pelos computadores. E, claro, isso s

    mais um exemplo de um projeto muito mais amplo: o projeto de ver tudo que

    distinto em ns literatura, arte, divertimento, humor, msica, moralidade,

    religio, cincia, academicismo, as tendncias de se alistar em causasimprovveis, mesmo que custe alto a ns mesmos o projeto de explicar todas

    essas coisas em relao nossa comunidade com a natureza no humana.

    A forma que essa perspectiva tem nos nossos dias amplamente evolucionista:

    ns devemos tentar entender os fenmenos humanos bsicos atravs de suas

    origens na mutao gentica aleatria ou algum tipo de variabilidade e sua

    perpetuao atravs da seleo natural. Considere as explanaes

    sociobiolgicas do amor, por exemplo: amor entre homens e mulheres, entre

    pais e filhos, amor de amigo, pelos alunos, amor

    igreja, universidade, pas amor em suas mais diversas formas de

    manifestao. Tomado nessa amplitude, o amor um dos mais significantes

    fenmenos humanos e uma poderosa fora em nossas vidas. Como deveramos

    pensar sobre o amor no contexto da explicao evolutiva em questo? Bem, a

    ideia bsica que o amor surgiu, de forma ltima e originalmente, atravs de

    alguma forma de variao gentica (mutao gentica aleatria, talvez);

    persistiu atravs da seleo natural por ter tido ou ainda ter algum valor para asobrevivncia. Seres humanos macho e fmea, assim como hipoptamos macho

    e fmea, se juntam para ter filhos (cria) e permanecem juntos para faz-los

    crescer; isso tem valor para a sobrevivncia. Quando entendemos isso, ns

    entendemos esse tipo de amor e passamos a ver sua importncia bsica e o

    mesmo vale para as outras variedades e manifestaes de amor. E isso,

    fundamentalmente, tudo que h para se dizer sobre o amor.

    De uma perspectiva testa ou crist, claro, essa abordagem totalmente

    inadequada como um relato da importncia e do lugar do amor no mundo. O

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    6/37

    fato que o amor reflete a estrutura e a natureza bsica do universo; pois o

    prprio Deus, o primeiro Ser do universo, amor, e ns amamos porque ele nos

    criou sua imagem. Da perspectiva naturalista, alm do mais, o que vale para o

    amor vale para aqueles fenmenos tipicamente humanos: arte, literatura,

    msica; diverso e humor; cincia, filosofia e matemtica; nossa tendncia dever o mundo a partir de uma perspectiva religiosa, nossas inclinaes

    moralidade, e assim por diante. Todas essas coisas devem ser entendidas em

    relao nossa comunidade com a natureza no humana. Todas essas coisas

    devem ser vistas como tendo surgido atravs de mecanismos evolutivos e devem

    ser entendidas em relao a seu lugar na histria evolutiva. O naturalismo

    perene tem feito enormes progressos na cultura ocidental; de fato, o filsofo de

    Oxford John Lucas disse que essa a ortodoxia contempornea. Para sustentar

    a alegao de Lucas, podemos notar, como mencionado acima, o surpreendentefato de que o naturalismo perene seguido por muitos telogos

    supostamente cristos. Assim o telogo de Harvard Gordon Kaufman sugere

    que nessa era nuclear moderna, no podemos mais pensar em Deus como o

    criador transcendente dos cus e da terra; em vez disso, devemos pensar sobre

    ele, diz Kaufman, como a fora evolucionria histrica que nos trouxe at aqui

    [6] (Talvez possa se perdoar algum por refletir sobre o que a era nuclear tem a

    ver com o fato de Deus ser o criador transcendente ou simplesmente uma fora

    evolucionria histrica; poderamos imaginar um ctico aldeo antigo fazendouma afirmao similar sobre, digamos, a inveno do motor a vapor, ou talvez

    do arco longo, ou a catapulta, ou a roda)

    O naturalismo perene particularmente popular entre aqueles cientistas ou

    outros que tm uma viso elevada da cincia moderna. O naturalismo perene

    tambm influencia e, na minha opinio, corrompe o pensamento cristo. Os

    cristos que refletem sobre cincia, por exemplo, s vezes dizem que a cincia

    no pode usar Deus como explicao de suas teorias; a cincia

    necessariamente restrita, tanto em seu objeto de estudo quanto em suasexplicaes e narrativas, ao mundo natural. Mas por que pensar dessa forma?

    claro que a alegao pode ser simplesmente verbal: a palavra 'cincia', podem

    dizer, deve ser definida como um relato emprico e experimental do mundo

    restrita, tanto em seu objeto de estudo quanto em suas concluses, ao mundo

    natural. Mas ento a questo seria: os cristos deveriam se engajar na cincia?

    Ou, mais exatamente, ao tentar entender a ns mesmos e ao nosso mundo

    deveramos nos engajar somente na cincia, assim definida? Por que eles no

    poderiam, em vez de ou alm de, se engajar numa atividade explanatriaparalela que d conta de tudo que sabemos, incluindo fatos tais como os seres

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    7/37

    humanos terem sido criados pelo Senhor sua imagem, que caram no pecado,

    e assim por diante? Provavelmente essas verdades sero importantes em relao

    aos estudos empricos da humanidade, ao pensar, por exemplo, sobre a

    agresso, altrusmo, e outros tpicos estudados nas cincias humanas. difcil

    superestimar a predominncia e a influncia do naturalismo perene nas nossasuniversidades. Ainda assim, acho que Lucas erra ao promov-lo ao status de

    ortodoxia contempornea, embora seja, de fato, ortodoxia entre aqueles que

    colocam sua confiana na cincia. Mas h outra fundamental forma de ver o

    mundo, que , penso eu, quase to influente e to contrria ao cristianismo

    quanto o naturalismo. O naturalismo perene encara uma acirrada competio

    do humanismo iluminista, ou, como devo chamar, antirrealismo criativo

    B. ANTIRREALISMO CRIATIVO

    Aqui a ideia fundamental em ntido contraste com o naturalismo que ns,

    seres humanos, de alguma forma profunda e importante, somos ns mesmos

    responsveis pela estrutura e natureza do mundo; somos ns,

    fundamentalmente, os arquitetos do universo. Essa ideia recebeu uma

    expresso magnfica, ainda que obscura, na Crtica da Razo Pura de Immanuel

    Kant. Kant no negou, claro, que h coisas tais como montanhas, cavalos,

    planetas e estrelas. Em vez disso, sua alegao caracterstica que a existncia

    de tais coisas e suas estruturas fundamentais foram conferidas a elas pela

    atividade conceitual de pessoas no pela atividade conceitual de um Deus

    pessoal, mas pela nossa prpria atividade conceitual, a atividade conceitual de

    ns seres humanos. De acordo com essa viso, todo o mundo da experincia o

    mundo das rvores e planetas e dinossauros e estrelas recebem sua estrutura

    bsica da atividade constituinte da mente. Tais estruturas fundamentais do

    mundo como as estruturas do espao e do tempo, objeto e propriedade, nmero,

    verdade e falsidade, possibilidade e necessidade, e at existncia e inexistncia,

    no devem ser encontradas no mundo como tal (no caracterizam a dinge ansich[N. do T.: coisa em si] ), mas so de alguma forma constitudas pela nossa

    prpria atividade conceitual ou mental. So contribuies nossas; no devem

    ser encontradas nas coisas em si. Ns as impomos sobre o mundo; ns no as

    descobrimos no mundo. Se no houvesse pessoas como ns engajadas em

    atividades noticas e conceituais, ento no haveria nada no espao-tempo,

    nada apresentando estrutura objeto-propriedade, nada que fosse verdadeiro ou

    falso, possvel ou impossvel, nenhum tipo de coisas encontradas em um certo

    nmero nada disso.

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    8/37

    Ns podemos pensar que impossvel que as coisas que conhecemos casas e

    cavalos, couves e reis[7], planetas e estrelas estejam l de alguma forma, mas

    fracassem em se conformar categoria de existncia; de fato, podemos pensar

    que impossvel que haja algo de qualquer tipo que no tenha propriedades ou

    que no exista. Se for o caso, ento a viso de Kant implica que no haveria nadade forma alguma se no fosse pela criativa atividade estruturante de pessoas

    como ns. claro, no estou dizendo que Kant claramente chegou a essa

    concluso; de fato, ele pode ter chegado obscuramente concluso oposta: isso

    parte de seu encanto. Mas a principal investida da autointitulada Revoluo

    Copernicana de Kant que as coisas no mundo devem sua estrutura bsica e

    talvez at sua existncia atividade notica de nossas mentes. Ou talvez eu no

    deveria dizer mentes, mas mente; pois se h, na viso de Kant, um s ego

    transcendente ou vrios isso , certamente, uma questo problemtica, comoso a maior parte das questes da exegese das obras de Kant. De fato, essa

    questo mais do que problemtica; dada a viso de Kant de que quantidade,

    nmero, uma categoria humana imposta sobre o mundo, ento provavelmente

    no h nenhum nmero n, finito ou infinito, tal que a resposta questo

    Quantos desses egos transcendentes existem? seja n.

    At voc compreender essa forma de ver as coisas, essa viso pode parecer um

    tanto presunosa, para no dizer absurda. Ns estruturamos ou criamos os cus

    e a terra? Alguns de ns acham que houve animais dinossauros, digamos

    vagando pela terra antes de os seres humanos aparecerem; como poderia ser o

    caso de os dinossauros deverem sua estrutura nossa atividade notica? O que

    fizemos ns para lhes dar a estrutura que eles tinham? E o que dizer de todas as

    estrelas e planetas que nem sequer ouvimos falar: como ns os estruturamos?

    Quando fizemos tudo isso? Estruturamos a ns mesmos dessa mesma forma? E

    se a forma de que so as coisas compete, portanto, a ns e nossa atividade

    estruturante, por que no melhoramos as coisas um pouco?

    O antirrealismo criativo pode parecer um tanto difcil de engolir; ainda assim

    amplamente aceito e uma surpreendente fora no nosso mundo intelectual

    ocidental contemporneo. Muitos ramos da filosofia continental

    contempornea, por exemplo, so antirrealistas. H o existencialismo, de

    acordo com o qual, ao menos em sua vertente sartreana, cada um de ns

    estrutura ou cria o mundo atravs de nossas prprias decises. H tambm a

    filosofia hermenutica heideggeriana contempornea de vrios tipos; h a

    filosofa francesa contempornea, em grande parte impossvel de sercompreendida, mas at onde sabemos sobre, ela claramente antirrealista. Na

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    9/37

    filosofia anglo-americana, h o antirrealismo criativo de Hilary Putnam e

    Nelson Goodman e seus seguidores; isso o reflexo do antirrealismo continental

    e de filsofos americanos tais como Richard Rorty; e, talvez mais importante, h

    o antirrealismo lingustico de Wittgenstein e seus muitos seguidores. uma

    caracterstica de todas essas ideias afirmar que ns, seres humanos, somos dealguma forma responsveis pela forma como o mundo atravs de nossa

    lingustica ou, mais amplamente, atravs de nossa atividade simblica, ou

    atravs de nossas decises, ou de alguma outra forma. E, claro, o antirrealismo

    no est limitado filosofia; ele fez profundos progressos em muitas reas das

    cincias humanas e at no direito.[8]

    Como o naturalismo perene, o anti-realismo criativo pode ser encontrado at

    mesmo na teologia, que est fortemente sobre a influncia de Kant. De fato, um tanto ingnuo dizer que podemos encontr-lo at mesmo na teologia; pois

    no tipo de teologia que, de acordo com seus expoentes, a mais avanada e au

    courant, essas noes correm absolutamente livres. O antirrealismo criativo

    desenvolvido (falando de forma sucinta) em carter teolgico no livro Creation

    out of Nothing de Don Cupitt. A sinopse na contracapa do livro explica sua

    principal tese:

    A consequncia de tudo isso que a criatividade humana e divina vieram a ser

    vistas como coincidentes no presente momento. A criao do mundo acontece a

    todo o tempo, em ns e atravs de ns, medida que a linguagem surge em ns

    e se derrama de ns para formar e reformar o mundo da experincia. A

    realidade... afetada pela linguagem...

    Diz-se que isso uma filosofia da religio para o futuro (esperamos que seja

    num futuro muito distante) e uma alternativa genuna ao pietismo e ao

    fundamentalismo (como tambm, poderamos dizer, a qualquer forma de

    cristianismo). A mesma ideia tem adentrado a fsica ou, ao menos, a filosofia dafsica. dito que no h realidade at que faamos as necessrias observaes;

    no h realidade em si mesma e no observada, ou se h, no nem um pouco

    parecida como qualquer coisa que imaginemos. Na tica, essa viso tem a forma

    da ideia de que nenhuma lei moral impe obrigao sobre mim, a menos que eu

    mesmo (ou talvez a sociedade) edite ou estabelea essa lei.

    O naturalismo perene e o antirrealismo criativo esto relacionados de uma

    forma interessante: o primeiro subestima o papel dos seres humanos no

    universo, e o segundo superestima. De acordo com o primeiro, os seres

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    10/37

    humanos so nada mais do que mquinas complexas, sem criatividade real,

    num sentido importante ns nem sequer podemos agir, no mais do que uma

    vela de ignio, ou um moedor de caf, ou um trator. No somos a origem de

    qualquer cadeia causal. De acordo com o segundo, ao contrrio, ns seres

    humanos, a medida que conferimos a estrutura bsica ao mundo, tomamos olugar de Deus. O que h e o que se parece cabe totalmente a ns e um

    resultado de nossa atividade.

    C. RELATIVISMO

    Alm do tesmo, ento, as duas vises ou perspectivas bsicas hoje no ocidente,

    na minha opinio, so o naturalismo e o antirrealismo criativo. Mas aqui devo

    chamar ateno a algumas complicaes importantes. Primeiro, eu digo

    baseado nas ideias antirrealistas, somos ns, os usurios da linguagem, os

    usurios dos smbolos, ou os pensadores de pensamentos categorizantes, ou os

    fazedores de decises bsicas, os responsveis pelas caractersticas

    fundamentais da realidade; nas palavras de Protgoras, o homem a medida

    de todas as coisas. Mas frequentemente uma lio bem diferente surge de

    algumas das mesmas consideraes. Suponha que voc pense que nosso mundo

    de alguma forma criado ou estruturado pelos seres humanos. Voc pode,

    ento, notar que os seres humanos aparentemente no constroem os mesmos

    mundos. O seu Lebenswelt pode ser bem diferente do meu; Jerry Falwell, Carl

    Sagan e Richard Rorty no parecem viver no mesmo Lebenswelt de forma

    alguma; eles pensam bem diferente sobre o mundo; qual, ento (se que

    algum), representa o mundo como ele realmente , i.e, como ns realmente o

    construmos?

    Aqui um passo fcil para outro pensamento caracterstico da

    contemporaneidade: o pensamento de que simplesmente no h qualquer coisa

    como a forma como o mundo , nada de verdade objetiva, ou uma forma como omundo que seja a mesma para todos ns. Em vez disso, h a minha verso da

    realidade, a forma que eu de alguma forma estruturei as coisas e tambm a sua

    verso, e muitas outras verses: e o que verdadeiro em uma verso no

    precisa s-lo em uma outra. Como o Dr. Faustus do dramaturgo Marlowe diz, O

    homem a medida de todas as coisas; eu sou um homem; portanto, eu sou a

    medida de todas as coisas[9] Mas, ento, no h tal coisa como a verdade

    simpliciter. No h tal coisa como a forma que o mundo ; h, em vez disso,

    muitas verses diferentes, talvez tantas verses diferentes quanto pessoas

    diferentes; e cada uma to aceitvel quanto qualquer outra. (De uma

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    11/37

    perspectiva crist, parte do que est envolvido aqui, claro, o mpeto, to

    antigo quanto a terra, da raa humana cada por autonomia e independncia,

    entre outras coisas, em relao s demandas de Deus). Assim uma proposio

    realmente poderia ser, como nossos estudantes gostam de dizer, verdadeira

    para mim, mas falsa para voc. Talvez voc sempre tenha pensado que essanoo era uma confuso caracterstica de calouros universitrios; mas na

    verdade ela se encaixa bem com essa formidvel e importante, para no dizer

    lamentvel, forma de pensar. Uma ideia de verdade objetiva, a mesma para

    todos ns, nessa viso, uma iluso, ou um compl burgus, ou uma imposio

    sexista, ou um erro tolo. Assim, o antirrealismo fomenta o relativismo. E esse

    relativismo , talvez, a mais proeminente forma de antirrealismo criativo nos

    nossos dias.

    De alguma forma isso parece um declnio da viso de que h, de fato, uma forma

    de que o mundo , e o fato de ser como tal devido nossa atividade. Ainda

    assim, h uma profunda conexo: em cada viso o que quer que exista de

    verdadeiro fruto de nossa prpria construo. A mesma ambiguidade

    encontrada no prprio Protgoras o homem a medida de todas as coisas: ns

    podemos entender isso como o pensamento de que h uma determinada forma

    de que o mundo e dessa forma devido ao que ns, seres humanos, - todos os

    seres humanos fazemos, ou podemos entender isso como a ideia de que cada

    grupo de pessoas talvez at cada indivduo a medida de todas as coisas.

    Assim no haveria uma nica forma de como tudo , mas somente verses

    diferentes para indivduos diferentes. Essa forma de antirrealismo criativo,

    como a anterior, sofre, penso eu, de profundos problemas de incoerncia

    autorreferente; mas no tenho tempo de explicar por que eu acho isso.

    Uma segunda dificuldade: Alasdair MacIntyre apontou (por comunicao

    pessoal) que meu relato aqui omite um grupo muito importante de intelectuais e

    acadmicos contemporneos. H muitos intelectuais que no se veemcompromissados com nada; eles pairam acima de todo compromisso e aliana

    intelectual. Eles so como pessoas sem um pas, sem um lar estabelecido; na

    alegoria de Kant, eles so como nmades errantes, uma ameaa aos caminhos

    civilizados e estabelecidos da vida intelectual. No s eles no demonstram

    compromisso; eles desdenham do compromisso taxando-o de ingnuo ou mal

    informado, uma falha tola por no entender algo bvio e importante. Ento,

    disse MacIntyre, eles no esto comprometidos nem com o naturalismo perene

    do qual eu falei, ou a qualquer forma de antirrealismo; eles no esto

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    12/37

    comprometidos com nada. Mas ainda assim eles so uma parte importante do

    quadro contemporneo.

    Isso verdade e importante. MacIntyre est bem certo; a atitude que ele

    descreve , de fato, comum entre intelectuais e na academia. Alis, h umaprofunda conexo entre o antirrealismo e o relativismo, por um lado, e esse

    nomadismo ou anomia intelectual (ou seja l a forma que chamemos isso), por

    outro lado. Talvez seja da seguinte forma. Essa dialtica comea com alguma

    verso do antirrealismo kantiano: as caractersticas fundamentais do mundo

    competem a ns e nossa atividade estruturante e no so reflexo da dinge an

    sich. O prximo passo o relativismo: notrio que pessoas diferentes tm

    vises diferentes sobre como o mundo ; o resultado a noo de que no h

    uma nica forma de como as coisas so (uma forma que devida nossaatividade notica), mas um amplo espectro de diferentes verses (como Nelson

    Goodman as chama), talvez tantas quanto h pessoas. Nessa viso no h tal

    coisa como uma proposio sendo verdadeira simpliciter: o que h uma

    proposio sendo verdadeira numa determinada verso ou a partir de uma

    perspectiva. (E, assim, o que verdadeiro pra mim pode no ser para voc).

    "Entender esse ponto, entretanto, , de certa forma, entender a verdadeira

    natureza de qualquer tipo de compromisso em relao vida intelectual.

    Compromisso anda junto ideia de que h tal coisa como a verdade; ser

    comprometido com algo afirmar que esse algo verdadeiro, no apenas dizer

    que verdadeiro em alguma verso, mas simpliciter ou absolutamente i.e.,

    no somente verdadeiro em relao a algum outro discurso ou verso, ou em

    relao ao que um ou outro grupo de seres humanos pensa ou faz. Ser

    comprometido com algo pensar que esse algo verdadeiro, no apenas

    verdadeiro em relao ao que voc ou algum acredita. Mas assim que voc

    entende (como voc pensa) que no h tal coisa como a verdade enquanto tal,

    ento voc provavelmente vai pensar que tambm entende a ftil, tola edesprezvel natureza autoilusria do comprometimento intelectual. Voc

    pensar, ento, que o nico caminho de sabedoria o do intelectual que vaga

    errante por a e que percebeu as pretenses ou ingenuidade daqueles que fazem

    srios compromissos morais ou intelectuais. (E talvez voc pode at chegar a se

    juntar ao Richard Rorty e taxar tais pessoas de insanas sendo o caso de,

    provavelmente, no permitir que elas possam votar ou participar da sociedade

    liberal, e talvez devessem ser confinadas aos seus Gulags at se recuperarem

    de seus desvios). Como observou MacIntyre, essa falta de comprometimento,essa percepo da desprezvel autoiluso do compromisso crescente na

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    13/37

    academia; isso , penso eu, algo prximo ao cerne da desconstruo

    contempornea.

    Assim, temos, como eu disse, trs perspectivas principais, trs perspectivas

    profundamente opostas e totalmente diferentes: tesmo cristo, naturalismoperene, e o antrrealismo criativo e seus descendentes como o relativismo e o

    anticomprometimento. Mas claro que o que ns temos tambm, como William

    James disse de outra maneira, uma florescente e atordoante confuso. A

    descrio acima apenas uma aproximao no muito precisa; faz-se necessrio

    uma apresentao mais precisa. Essas perspectivas fluem juntas e se misturam

    em milhares de maneiras diferentes. Cada uma incita um tipo de reao a si

    mesma; pode muito bem haver um tipo de dialtica ou desenvolvimento dentro

    de um determinado paradigma ou forma de pensar; h, certamente, canais deinfluncia fluindo entre elas. Essas trs perspectivas principais ou formas

    integrais de se ver o homem e o mundo podem ser encontradas em toda sorte de

    combinao e mistura concebvel e inconcebvel. H muitas correntes

    secundrias e turbilhes de pontos intermedirios; as pessoas pensam e agem

    de acordo com essas formas bsicas de ver as coisas sem estarem totalmente

    conscientes delas, tendo no mximo alguma vaga compreenso delas. Assim,

    por exemplo, aqueles que adotam esse anticomprometimento ctico, irnico e

    desembaraado em relao s grandes questes, nem sempre o fazem pelas

    mesmas motivaes que eu sugeri sobre aquilo que sustenta isso i.e., a

    percepo das posies mais comprometidas. Isso pode acontecer ou comear

    a acontecer a partir de uma simples imitao dos tutores ou professores de

    algum; essa a forma mais legal de pensar, ou a forma que os estudantes do

    segundo ano pensam, ou a forma que os meus professores ou as pessoas em

    Harvard pensam. Nossas formas de pensar so tanto adquiridas por imitao

    daqueles que admiramos quanto por reflexo racional.

    Como vimos acima, ironicamente, tanto o naturalismo perene quanto oantirrealismo criativo (com seus descendentes relativismo e

    anticomprometimento) encontram expresso na teologia supostamente crist.

    Essas formas de pensar so apresentadas como a maneira mais avanada

    e atual de se refletir sobre essas coisas e como uma maneira atual de ser cristo.

    uma caracterstica comum dos seres humanos alegar que finalmente

    encontraram a verdade (ou a correta atitude a se tomar, visto que no h

    verdade) negada pelos nossos pais. Mas aqui h um outro tipo de ironia: essas

    posies remontam claramente at o mundo antigo; na verdade, elas antecedemo cristianismo clssico. O que h de novo nelas o fato de nos serem

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    14/37

    apresentadas como desenvolvimentos ou formas de fato, as formas mais

    intelectualmente viveis de cristianismo. Isso novo e moderno, tudo bem,

    mas tambm absurdo. Isso to sbio quanto tentar apresentar o Credo

    Niceno ou, digamos, o Catecismo de Heidelberg como a mais nova e moderna

    forma de ser ateu.

    Eu acho que no preciso dizer que essas formas de pensar no so s

    alternativas ao cristianismo; elas so profundamente contrrias ao cristianismo.

    De uma perspectiva crist o naturalista est, claro, profundamente errado ao

    rejeitar ou ignorar Deus. Isso j ruim o bastante; mas ao fazer isso ele tambm

    se exclui da possibilidade de entender a ns e o mundo apropriadamente. E

    quanto ao antirrealista criativo a ideia de que somos realmente ns, seres

    humanos, que fizemos ou estruturamos o mundo, de uma perspectiva crist, nada mais do que um exemplo de tolice, mais quixotesca do que um herosmo

    de Prometeu;[10] e, pela perspectiva crist, a ideia de que no h verdade no

    menos absurda. Essas formas de pensar, ento, so predominantes, difusas, e

    profundamente enraizadas na nossa cultura; elas tambm so profundamente

    antagnicas maneira crist de se ver o mundo. E a triste verdade que essas

    formas de pensar, no presente momento, tm um lugar especial nas nossas

    universidades e na cultura intelectual de um modo geral.

    D. A CINCIA E O ACADEMICISMO SO NEUTROS?

    A primeira coisa que temos que ter em mente que a resposta no; cincia e

    academicismo no so neutros em relao a essa luta pelas nossas almas. No

    como se as principais reas do academicismo fossem neutras em relao a essa

    luta, com o desacordo em questes espirituais ou religiosas surgindo apenas

    quando o assunto a religio propriamente dita. Os fatos so muito diferentes:

    o mundo do academicismo est intimamente envolvido na batalha entre essas

    vises opostas; o academicismo contemporneo est repleto de projetos,doutrinas e programas de pesquisa que refletem uma ou outra dessas maneiras

    de pensar. O triste fato que muitos desses projetos refletem essas maneiras

    no-crists de pensar que eu mencionei. H inmeros exemplos: eu darei s

    alguns, e cada um de vocs pode adicionar o que lhes vier a mente.

    Primeiro, o antirrealismo criativo, com seu acompanhante squito do

    relativismo e do anticomprometimento, uma fora dominante nas cincias

    humanas. A filosofia contempornea, por exemplo, est repleta de variedades de

    relativismo e antirrealismo. Uma verso muito popular de relativismo a noo

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    15/37

    de Richard Rorty de que a verdade o que o meu grupo social deixe que eu fale

    impunemente. Nessa viso o que verdadeiro para mim, naturalmente, pode

    ser falso pra voc; meu grupo social pode deixar que eu saia impune ao dizer

    algo que os seu grupo social no deixaria voc sair impune se dissesse: pois

    temos diferentes grupos sociais. (E mesmo se tivssemos o mesmo grupo, noh razo para que eles sejam obrigados a deixar voc e eu sairmos impunes ao

    dizermos as mesmas coisas. Apesar de essa viso ser extremamente influente,

    muito au courante atual, ela tem consequncias que so, digamos, peculiares.

    Por exemplo, muitos de ns pensamos que as autoridades chinesas fizeram algo

    de monstruoso ao assassinar centenas de jovens na Praa de Tian'anmen; eles,

    ainda agravaram sua perversidade ao negarem que tivessem feito tal coisa. Na

    viso de Rorty, entretanto, isso talvez seja um insensvel mal entendido. O que

    as autoridades estavam, de fato, fazendo, ao negarem o assassinato em massados estudantes, era algo totalmente louvvel: eles estavam tentando mostrar

    que o suposto massacre jamais aconteceu. Pois eles estavam tentando fazer com

    que o seu grupo social deixasse que eles dissessem impunemente que o

    massacre jamais ocorreu; se fossem bem-sucedidos, ento (na viso rortyana)

    seria verdade que isso nunca ocorreu, em tal caso, claro, tal massacre jamais

    teria ocorrido. Ento ao negar que eles cometeram esse horrvel crime, eles

    estavam tentando fazer com que fosse verdade que o massacre jamais ocorrera;

    e quem pode culp-los por isso? O mesmo vale para os neonazistascontemporneos que alegam que no houve holocausto; de uma perspectiva

    rortyana, eles esto apenas tentando fazer com que esse horrvel evento jamais

    tenha ocorrido; por que deveramos culp-los por isso? Ao invs de culp-los,

    ns deveramos torcer por eles. Essa forma de pensar tem possibilidades reais

    para lidar com a pobreza e a misria: se deixssemos que cada um sasse

    impune ao dizer que no h pobreza e misria nada de cncer ou AIDS,

    digamos ento seria verdade que no h nada disso; e se fosse verdade, ento,

    certamente, no haveria nada de pobreza ou misria. Isso parece muito mais

    barato e simples do que os mtodos convencionais de luta contra a pobreza e a

    misria. Num nvel mais pessoal, se voc fez algo errado, ainda no tarde:

    minta sobre isso, assim fazendo que seu grupo social permita que voc saia

    impune ao dizer isso; ento ser verdadeiro tanto que voc no fez isso e, como

    um bnus adicional, que voc nem sequer mentiu sobre isso. Espera-se que

    Rorty esteja apenas brincando conosco. (Mas no est).

    Como era de se esperar, h muitos exemplos desse tipo na filosofia. Mas o ponto

    principal aqui que isso no s um problema para filsofos e, talvez, telogos:exemplos desse tipo podem ser encontrados nos mais diversos espectros

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    16/37

    disciplinares e intelectuais, e eu darei alguns exemplos de outras reas. Nisso eu

    acabo por correr um risco; eu sou bem familiarizado com a filosofia (e at isso

    no algo unnime entre meus colegas de profisso), mas estou me

    aventurando num campo interdisciplinar ao mencionar exemplos de outras

    reas. Ainda assim, isso precisa ser feito. Ento, meu segundo exemplo apresentado pelo estruturalismo, ps-estruturalismo e o desconstrucionismo

    nos estudos literrios. Todos esses, no fundo, devem tributo noo de que ns

    seres humanos somos a fonte da verdade, a fonte da maneira como o mundo ,

    se, de fato, h tal coisa como verdade ou maneira como o mundo . s vezes isso

    explcito e claro, como em Roland Barthes:

    Uma vez que o autor removido, a alegao de se decifrar um texto se torna um

    tanto ftil. Dar a um texto um autor impor um limite ao texto, lhe fornecerum significado final, fechar o escrito... Precisamente dessa maneira a

    literatura (seria melhor doravante dizermos escrita) ao rejeitar atribuir um

    segredo, um sentido ltimo, ao texto (e ao mundo como texto) libera o que pode

    ser chamado de atividade antiteolgica, uma atividade que verdadeiramente

    revolucionria, j que se recusar a atribuir sentido , no fundo, rejeitar Deus e

    suas hipstases razo, cincia e lei[11]

    O passo do estruturalismo ao ps-estruturalismo e desconstruo, alm do

    mais, recapitula o passo do antirrealismo kantiano ao relativismo. De acordo

    com o estruturalista, ns seres humanos constitumos e estruturamos o mundo

    pela linguagem e fazemos isso comunalmente; h profundas estruturas comuns

    envolvidas em ns atravs das quais ns estruturamos nosso mundo. Os ps-

    estruturalistas e os desconstrucionistas afirmando em sua maneira incisiva que

    pessoas diferentes estruturam o mundo diferentemente, insistem que no h

    estruturas comuns; cada um por si; cada um estrutura o seu mundo sua

    maneira. Falando seriamente, essas ideias podem parecer difceis de serem

    levadas a srio. Mas o fato que elas so bastante sedutoras: primeiro, elasgeralmente no so apresentadas claramente; e segundo, elas vm em diferentes

    verses antirrealismo wittgensteiniano, por exemplo que so muito mais

    sutis e, assim, muito mais atrativas.

    Um terceiro exemplo da cincia. Considere O Grande Mito Evolucionrio

    (GME). De acordo com essa histria, a vida orgnica, de alguma forma, surgiu

    de matria sem-vida atravs de meios puramente naturais e atravs da operao

    das regularidades fundamentais da fsica e da qumica. Um vez tendo surgido a

    vida, toda a vasta profuso da fauna e flora contemporneas surgiu desses

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    17/37

    ancestrais antigos atravs de uma descendncia comum. A enorme variedade

    contempornea da vida surgiu atravs de processos tais como seleo natural

    operando em tais fontes de variabilidade gentica como mutao gentica

    aleatria, tendncia gentica e similares. Eu chamo essa histria de mito no

    porque no acredito nela (apesar de realmente no acreditar), mas porque elatem um certo tipo de papel semirreligioso na cultura contempornea: uma

    maneira comum a todos de entender a ns mesmos no nvel mais profundo da

    religio, uma profunda interpretao de ns mesmos para ns mesmos, uma

    maneira de nos dizer o motivo de estarmos aqui, de onde viemos, e para onde

    vamos.

    certamente possvel epistemicamente possvel [12] que o GME seja

    verdadeiro; Deus poderia ter feito as coisas dessa forma. Algumas partes dessahistria, entretanto, so no mnimo epistemicamente duvidosas. Por exemplo,

    no temos nem sequer pistas decentes sobre como a vida surgiu de matria

    inorgnica simplesmente atravs das regularidades conhecidas pela fsica e

    qumica. [13] (Darwin achava essa questo altamente perturbadora); [14] hoje o

    problema ainda mais difcil do que era nos dias de Darwin, agora que algumas

    das impressionantes complexidades das formas mais simples de vida foram

    reveladas). Sem dvida, Deus poderia ter feito as coisas dessa maneira se ele

    quisesse; mas, at ento, parece que Ele no escolheu fazer as coisas dessa

    forma.

    Agora suponha que ns separemos essa tese sobre a origem da vida. Suponha

    que usemos o termo 'evoluo' para denotar a alegao muito mais fraca de que

    todas as formas contemporneas de vida so relacionadas genealogicamente. De

    acordo com essa alegao, voc e as flores no seu jardim compartilham os

    mesmos ancestrais comuns, apesar de talvez termos que retroceder um bocado

    at encontr-los. (Ento talvez um herbicdio seja uma espcie de fratricdio.)

    Muitos especialistas e porta-vozes contemporneos Francisco Ayala, RichardDawkins, Stephen Gould, William Provine e Philip Spieth, por exemplo se

    unem ao declarar que a evoluo no uma simples teoria, mas fato

    estabelecido. De acordo com eles, essa histria no apenas uma certeza virtual,

    mas uma certeza real.[15] Isso algo to slida e firmamente estabelecido, eles

    dizem, quanto o fato de a terra ser redonda e girar em torno do sol. (Todos esses

    que eu mencionei explicitamente fazem essa comparao com esse fato

    astronmico). No somente declaram que isso algo absolutamente certo; se

    voc se aventurar a sugerir que isso no absolutamente certo, se voc levantardvidas ou questionar, ou estiver menos do que certo quanto a isso, provvel

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    18/37

    que voc seja abafado; voc provavelmente vai ser declarado um

    fundamentalista obscurantista ignorante ou algo pior. De fato, isso no apenas

    provvel; voc j foi chamado assim: numa recente entrevista ao New York

    Times, Richard Dawkins, um bilogo de Oxford de credencias impecveis,

    afirma que absolutamente seguro dizer que se voc encontrar algum quealega no acreditar na evoluo, essa pessoa ignorante, estpida ou insana (ou

    perversa, mas prefiro no considerar isso). (Dawkins indulgentemente

    acrescenta que voc provavelmente no estpido, insano ou perverso, e

    ignorncia no um crime...)

    Qual seria a fonte dessas estridentes declaraes de certeza, essas crticas sobre

    o carter ou sanidade daqueles que pensem de outra forma? Dado o frgil

    carter das evidncias um registro fssil que apresenta aparncia sbita esubsequente paralisao e poucos, se que genunos, exemplos de

    macroevoluo essas alegaes de certeza parecem ser no mnimo deveras

    excessivas. De uma perspectiva crist, a evoluo no nem remotamente certa

    quanto parece. Tome como evidncia o que o cristo conhece como cristo junto

    s evidncias cientficas as evidncias fsseis, a evidncia experimental e coisa

    do tipo: no mximo um exagero absurdo dizer que, em relao s evidncias, a

    evoluo to certa quanto o fato de a terra ser redonda. O testa sabe que Deus

    criou os cus e a terra e tudo que eles contm; ele sabe, portanto, que de uma

    maneira ou de outra Deus criou toda a vasta diversidade da vida animal e

    botnica. Mas, claro, nem por isso ele est comprometido com alguma

    maneira particular pela qual Deus fez isso. Ele poderia ter feito isso por meios

    evolucionrios; mas por outro lado Ele poderia ter feito isso de uma maneira

    totalmente diferente. Por exemplo, ele pode ter feito isso criando diretamente

    alguns tipos de criaturas seres humanos, ou bactrias, ou to relevante

    quanto, pardais e moscas assim como muitos cristos ao longo dos sculos

    imaginaram. Alternativamente, ele poderia ter feito isso da forma que

    Agostinho sugeriu: implantando sementes e potencialidades de vrios tipos nomundo, para que os vrios tipos de criaturas surgissem depois, embora no

    sendo por interrrelao genealgica. Ambas sugestes so incompatveis com a

    histria evolucionista. E dado o tesmo e as evidncias absurdo dizer que a

    evoluo (entendida como descrita acima) seja uma certeza to slida que

    somente um tolo ou patife pudesse rejeit-la.

    Ento por que essa insistncia na certeza e a recusa a tolerar qualquer

    disseno? A resposta pode ser encontrada, penso eu, quando voc percebe queo que voc pensa sobre essas alegaes de certeza depende em parte do que voc

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    19/37

    pensa sobre o tesmo. Se voc rejeita o tesmo em favor do naturalismo, essa

    histria evolucionista a nica resposta vivel questo De onde vieram toda

    essa enorme variedade de flora e fauna? Como chegaram at aqui?. Mesmo se

    os registros fsseis forem no mximo irregulares ou, pior, indicarem justamente

    o contrrio, mesmo se houver anomalias de outros tipos, essa histria a nicaresposta (de uma perspectiva naturalista) a essas questes; ento as objees

    no sero toleradas.

    Um cristo, portanto, tem uma certa liberdade que a sua contraparte naturalista

    no tem: ele pode seguir a evidncia [16] aonde quer que elas o levarem. Se elas

    parecem sugerir que Deus fez algo especial ao criar os seres humanos (de tal

    forma que eles no sejam genealogicamente relacionados ao resto da

    criao[17]), ou rpteis ou o que quer que seja, ento nada o impede de crer queDeus tenha feito exatamente isso. De uma perspectiva naturalista, por outro

    lado, a evoluo muito mais provvel e tem muito mais a ser dito em relao a

    ela. Primeiro, h a avaliao da prpria evidncia cientfica, que num contexto

    naturalista tende a ser muito mais forte do que num contexto testa. Por

    exemplo, visto que a vida surgiu por acaso, sem a direo de Deus, o fato de que

    todas as criaturas vivas possuem o mesmo cdigo gentico fortemente sugere

    uma origem comum para todas as criaturas vivas. Novamente, dada a enorme

    dificuldade de vermos como a vida poderia ter surgido mesmo que uma nica

    vez por meios naturais e no-teolgicos, muito mais improvvel que tenha

    surgido dessa maneira mais do que uma vez; mas se surgiu dessa forma pelo

    menos uma vez, segue-se da ento a tese do ancestral comum.

    Segundo, de uma perspectiva naturalista a evoluo a nica opo. a nica

    resposta disponvel questo Como tudo aconteceu? Como todas essas formas

    de vida chegaram at aqui? De onde vm essa vasta profuso de vida? E o que

    responde pelo aparente design (fino ajuste de meios aos fins, nas palavras de

    Hume) encontrado em toda forma de natureza viva? O cristo tem umaresposta fcil a essas questes: O Senhor criou a vida em todas suas formas, e

    elas chegaram aqui atravs de sua atividade criativa; e quanto ao aparente

    design, isso justamente o que esperaramos, j que as criaturas vivas foram, de

    fato, projetadas. Mas o naturalista tem aqui um problema muito mais

    complicado. Como a vida comeou e como ela veio a assumir sua presente forma

    multifacetada? deveras implausvel pensar que essas formas simplesmente

    surgiram do nada; isso contraria toda nossa experincia. Ento como isso

    aconteceu? A histria evolucionista d a resposta. De alguma forma a vidasurgiu de matria sem-vida atravs de meios puramente naturais, sem a direo

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    20/37

    de Deus ou de qualquer entidade; e uma vez tendo surgido a vida, toda a vasta

    profuso contempornea de vida animal e botnica surgiu desses antigos

    ancestrais atravs de descendncia comum, dirigida por variao aleatria e

    seleo natural. Voltando a Richard Dawkins:

    Apesar de tudo aparentar o contrrio, o nico relojoeiro na natureza so as

    foras cegas da fsica, apesar de organizadas numa maneira bastante especial.

    Um verdadeiro relojoeiro prev seu produto final: ele desenha suas engrenagens

    e molas e planeja suas interconexes com um propsito futuro em mente. A

    seleo natural, o processo cego e inconsciente que Darwin descobriu, e que ns

    hoje sabemos ser a explicao para a existncia e aparente propsito de toda

    forma de vida, no tem propsito algum em mente. No tem mente. No planeja

    o futuro. No tem viso, ou previso, nenhuma viso sequer. Se possvel dizerque tal processo exerce o papel de um relojoeiro na natureza, esse relojoeiro o

    relojoeiro cego [18]

    Aqui temos um bom resumo (completo com uma pitada obrigatria de as-we-

    now-knowism[N. do T.: esse parece ser um neologismo do prprio Alvin

    Plantinga e, assim, no tem correlao direta com a lngua portuguesa. A

    expresso refere-se tpica atitude contempornea de colocar o conhecimento

    atual como necessariamente superior e mais preciso do que o conhecimento

    pregresso associado, muitas das vezes, s tradies religiosas e/ou metafsicas.

    Uma possvel traduo seria, talvez, como-agora-sabemozismos]) do papel

    que tem a evoluo no pensamento naturalista. Dawkins uma vez fez um

    comentrio a A.J. Ayer num daqueles pomposos e elegantes jantares de Oxford:

    Apesar de o atesmo ter sido logicamente defensvel antes de Darwin, ele

    disse, Darwin tornou possvel ser um ateu intelectualmente realizado. [19] E

    aqui Dawkins parece estar certo. Eu no estou endossando sua alegao de que

    possvel ser um ateu intelectualmente realizado; eu acredito que tal alegao

    falsa. A questo sobre a evoluo, entretanto, que um esforo plausvel deretirar um dos maiores obstculos para o ateu. A evoluo uma parte essencial

    de qualquer forma naturalista de pensar razoavelmente completa; ela preenche

    um espao considervel nessas maneiras de pensar; da vm a piedosa devoo

    a ela, as sugestes de que dvidas em relao a ela no deveriam vir a pblico, e

    a repulsa com que a disseno encarada Na academia contempornea, a

    evoluo se tornou um dolo da tribo; ela serve como um xibolete, um teste para

    distinguir os bodes ignorantes fundamentalistas das ovelhas iluminadas e

    apropriadamente aculturadas. Ela exerce um papel mtico.

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    21/37

    A questo aqui pode ser colocada da seguinte forma: a probabilidade da grande

    histria evolucionista bem diferente para o testa do que para o naturalista. A

    probabilidade dessa histria em relao s evidncias junto das ideias que o

    testa afirma muito menor do que a probabilidade em relao s evidncias

    junto das ideias que o naturalista afirma. Ento a maneira pela qual a evoluono religiosamente neutra no que seja incompatvel com o ensinamento

    cristo; que ela em relao ao naturalismo muito mais provvel do que em

    relao ao tesmo.[20] E meu ponto : a comunidade crist precisa reconhecer

    que h muito mais no evolucionismo da academia contempornea do que um

    papel de cincia pura que tem as mesmas credenciais vistas de qualquer

    perspectiva[21].

    Um terceiro exemplo da mesma rea, mas um pouco diferente: escritoresevolucionistas proeminentes por exemplo, Dawkins, Futuyama, Gould,

    Provine e Simpson, unidos declaram que a biologia evolucionista mostra que os

    seres humanos so resultado de processos acidentais e, assim, no foram

    desenhados por Deus ou qualquer outra entidade. Gould escreve: Antes de

    Darwin, ns pensvamos que um Deus benevolente havia nos criado. Aps

    Darwin, entretanto, diz Gould, ns percebemos que Nenhum esprito

    interveniente observa amorosamente os acontecimentos da natureza (apesar de

    que o deus que deu corda no relgio, descrito por Newton, possa ter arrumado o

    maquinrio no incio do tempo e, ento, deixado-o correr por si). Nenhuma

    fora vital impulsiona a mudana evolucionria. E o que quer que pensemos

    sobre Deus, Sua existncia no manifesta nos produtos da natureza. Os

    sentimentos de Gould so apresentados mais claramente por Futuyama:

    Ao juntar as variaes no-dirigidas e sem propsito ao processo cego e

    descuidado da seleo natural. Darwin tornou suprfluas as explicaes

    teolgicas ou espirituais dos processos da vida. Junto teoria materialista de

    histria e da sociedade de Marx e a atribuio freudiana do comportamentohumano a processos sobre os quais temos pouco controle, a teoria da evoluo

    de Darwin foi o apoio crucial plataforma do mecanicismo e do materialismo

    de muito da cincia, resumidamente que desde ento tm sido o palco de

    muito do pensamento ocidental [22].

    Ainda mais clara, talvez, a afirmao de George Gaylord Simpson:

    Apesar de muitos detalhes ainda precisarem ser trabalhados, j evidente que

    todos os fenmenos objetivos da histria da vida podem ser explicados por

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    22/37

    fatores puramente naturalistas ou, no sentido apropriado de uma palavra

    muitas vezes usada inadequadamente, materialistas. Eles so prontamente

    explicveis atravs dos processos de reproduo diferencial nas populaes (o

    principal fator na concepo moderna de seleo natural) e da interao

    aleatria dos processos conhecidos de hereditariedade... O homem resultadode um processo natural e sem propsito que no o tinha em mente. [23]

    Esses cientistas proeminentes declaram em unssono que o pensamento

    evolucionista moderno mostrou ou nos deu razo para crer que os seres

    humanos so, numa maneira importante, um mero acidente; no houve

    nenhum plano, nenhuma previso, nenhuma mente, nada disso envolvido no

    processo de formao do ser humano. Mas claro que nenhum testa cristo

    poderia levar isso a srio. Os seres humanos foram criados, e criados imagemde Deus. Sem dvida Deus poderia ter nos criado atravs de processos

    evolucionistas; mas se Ele fez dessa maneira, ento ele deve ter guiado,

    orquestrado e dirigido os processos atravs dos quais ele trouxe tona seu

    projeto. Poderamos dizer, claro, que estritamente falando, quando essas

    pessoas fazem essas declaraes, eles no esto falando como cientistas e no

    esto fazendo cincia. Talvez sim, talvez no (tem sido tornado incrivelmente

    difcil traar uma linha distinguindo cincia de outras atividades); em ambos os

    casos ns temos um profundo envolvimento da cincia em questo com os

    conflitos espirituais que Agostinho apontou; em ambos os casos esse

    envolvimento tem que ser notado e lidado pela parte da comunidade intelectual

    crist envolvida na cincia em questo.

    Um outro exemplo: Herbert Simon ganhou o Prmio Nobel de Economia, mas

    atualmente professor de cincia da computao e psicologia no Carnegie-

    Mellon. Num artigo recente, "A Mechanism for Social Selection and Successful

    Altruism,"[24] [Traduo livre: Um Mecanicismo para Seleo Natural e

    Altrusmo Bem-Sucedido ], ele trata da questo do altrusmo: por qu, e lepergunta, pessoas como Madre Teresa, ou o missionrio escocs, Eric Liddel; ou

    as Irmzinhas dos Pobres, ou os missionrios jesutas do sculo XVII, ou os

    missionrios metodistas do sculo XIX por que essas pessoas fizeram o que

    fizeram? Por que eles entregaram seu tempo, e energia, e toda a sua vida para o

    bem-estar de outras pessoas? claro, so somente os grandes santos deste

    mundo que apresentam esse tipo de impulso; a maioria de ns somos altrustas

    em um ou outro nvel. Muitos de ns d dinheiro para ajudar a alimentar e

    vestir pessoas que jamais vimos; ns sustentamos missionrios em pases

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    23/37

    estrangeiros; ns tentamos, talvez de maneiras impotentes e desajeitadas, fazer

    o que podemos para ajudar a viva e o rfo.

    Agora, como, diz Simon, podemos explicar esse tipo de comportamento? A

    maneira racional de se comportar, diz ele, agir ou tentar agir de tal maneiraque possa aumentar a aptido pessoal, i.e., agir de tal maneira que os genes do

    agente possam ser disseminados nas prximas e subsequentes geraes,

    procedendo bem, ento, na corrida evolutiva.[25] Um paradigma de

    comportamento racional, de acordo com o pensamento de Simon, foi relatado

    no South Bend Tribune de 21 de Dezembro de 1991 : "Cecil B. Jacobson, um

    especialista em infertilidade, foi acusado de usar seu prprio esperma para

    engravidar suas pacientes; 'ele pode ter sido pai de at 75 crianas', disse um

    promotor. Ao contrrio de Jacobson, entretanto, tais pessoas como MadreTeresa e Toms deAquino ignoram o destino de seus genes, seja a curto ou a

    longo-prazo; qual a explicao para esse comportamento bizarro?

    A resposta, diz Simon, so dois mecanismos:

    docilidade e racionalidade limitada: Pessoas dceis tendem a aprender e a

    acreditar naquilo que eles percebem que os outros na sociedade querem que eles

    aprendam e acreditem. Assim o contedo do que aprendido no ser

    totalmente projetado para sua contribuio para a aptido pessoal (p. 1666).

    Devido racionalidade limitada, o indivduo dcil frequentemente no

    distinguir o comportamento socialmente prescrito que contribui para a aptido

    do comportamento altrusta [i.e., comportamento socialmente prescrito que no

    contribui para a aptido AP]. De fato, a docilidade reduzir a inclinao de

    avaliar independentemente as contribuies do comportamento aptido...

    Devido racionalidade limitada, a pessoa dcil no pode adquirir o aprendizado

    vantajoso para si que prov o incremento, d, de aptido sem adquirir tambm ocomportamento altrusta que custa o decremento, c (p. 1667).

    A ideia que Madre Teresa ou um Toms de Aquino apresentam racionalidade

    limitada; eles so incapazes de distinguir entre comportamento socialmente

    prescrito que contribui para a aptido e o comportamento altrusta

    (comportamento socialmente prescrito que no contribui). Como resultado eles

    falham em adquirir o aprendizado vantajoso para si que prov o incremento d

    de aptido sem, infelizmente, sofrerem o decremento c exigido pelo

    comportamento altrusta. Eles consentem, sem pensar, com o que a sociedadelhes diz que a maneira certa de se comportar; e eles no tm a inteligncia

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    24/37

    necessria para fazer suas prprias avaliaes independentes sobre a provvel

    implicao de seu comportamento no destino de seus genes. Se eles fizessem tal

    avaliao independente (e fossem racionais o bastante para evitar erros tolos)

    eles provavelmente veriam que esse tipo de comportamento no contribui para

    aptido pessoal, ento o largariam como uma batata quente e voltariam atrabalhar no seu esperado nmero de descendentes.

    Claramente nenhum cristo poderia aceitar esse relato nem sequer como o

    comeo de uma explicao vivel do comportamento altrusta das Madres

    Teresas deste mundo. De uma perspectiva crist, esse relato sequer erra o alvo;

    no est nem sequer perto de ser um erro. Comportar-se como Madre Teresa

    no apresentar uma racionalidade limitada - como se, se ela refletisse sobre

    essa questo com mais clareza e profundidade, ela pararia com esse tipo decomportamento e, no lugar, focaria sua ateno no seu esperado nmero de

    descendentes. Seu comportamento apresenta um exemplo de Cristo; ela est

    refletindo o esplendor magnfico da ao sacrificial de Cristo na expiao. (Sem

    dvida ela est acumulando um tesouro no cu). De fato, haver qualquer coisa

    que um ser humano possa fazer que seja mais racional do que o que ela fez? De

    uma perspectiva crist, a ideia de que o comportamento dela irracional (e to

    irracional que precisa ser explicada em relao a mecanismos como docilidade e

    racionalidade limitada!) difcil de ser levada a srio. Primeiro, dessa

    perspectiva, o comportamento de Madre Teresa tudo menos manifestao de

    racionalidade limitada. Pelo contrrio: seu comportamento muito mais

    racional do que o comportamento de algum que, como Cecil Jacobson, executa

    seus maiores esforos para garantir que seus genes estejam presentes in

    excelsisna prxima e subsequente gerao. Segundo, o relato de racionalidade

    que uma ao racional para mim se e somente se aprimorar minha aptido

    tambm incompatvel com o ensinamento cristo.

    Ento aqui temos um exemplo de uma teoria cientfica que claramente no neutra em relao aos compromissos cristos. claro, algum poderia dizer que

    o tipo de coisa apresentada pelo artigo de Simon no cincia; mas podemos

    realmente alegar isso nessa era ps-kuhniana? A coisa chamada de cincia

    por cientistas e outros; recebe auxlio da National Science Foundation; envolve

    experimentos, modelos matemticos, e a ateno, habitual na cincia, de

    encaixar modelo e dados; escrita naquele estilo impessoal e rigoroso comum

    aos escritos cientficos; podemos razoavelmente dizer, ento, que isso no

    cincia?

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    25/37

    Um quinto exemplo, esse da fsica: ajuste-fino na cosmologia. Comeando

    no final da dcada de 60 e incio de 70, os astrofsicos e outros notaram que

    muitas das constantes fsicas bsicas precisam estar dentro de limites muito

    estreitos para que qualquer vida inteligente possa se desenvolver ao menos de

    maneira similar maneira que pensamos que de fato a vida surgiu. Assim Car eRees dizem:

    As caractersticas bsicas das galxias, estrelas, planetas e do mundo cotidiano

    so determinadas por algumas poucas constantes microfsicas e pelos efeitos da

    gravitao... muitos aspectos de nosso universo alguns que parecem ser pr-

    requisitos para a evoluo de qualquer forma de vida dependem

    delicadamente de aparentes coincidncias entre as constantes fsicas [26]

    Por exemplo, se a fora da gravidade fosse um pouco mais maior, todas estrelas

    seriam gigantes azuis; se fosse um pouco menor, todas seriam ans vermelhas;

    em nenhum dos casos a vida poderia ter se desenvolvido [27]. O mesmo vale

    para as foras nucleares fortes e fracas; se fossem ligeiramente diferentes, a

    vida, ao menos a vida como ns conhecemos, provavelmente no se

    desenvolveria.

    Ainda mais interessante nessa conexo o to chamado problema do

    achatamento: a existncia da vida tambm parece depender muitodelicadamente da velocidade de expanso do universo. Diz Stephen Hawking:

    ...reduo da velocidade de expanso por apenas uma parte em 10 no

    momento em que a temperatura do Universo era 10K teria feito com que o

    universo entrasse em colapso quando seu raio era somente 1/3000 do valor

    presente e a temperatura ainda era 10.000K[28]

    muito quente para qualquer conforto. Hawking conclui que a vida possvel

    somente porque o universo est se expandindo na velocidade necessria para

    evitar um colapso. Num tempo ainda mais antigo, o ajuste-fino teve que ser

    ainda mais extraordinrio:

    ...sabemos que precisou haver um equilbrio muito preciso entre o efeito

    competidor da expanso explosiva e a contrao gravitacional, a qual, no mais

    antigo momento do qual ns podemos falar (chamado de Era de Planck, 10-43

    segundos aps o Big Bang), teria correspondido a um grau incrvel de preciso

    representado por uma variao de uma parte em 10 elevado a sexagsimapotncia [29]

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    26/37

    Esses so fatos impressionantes; como disse Paul Davies: o fato de que essas

    relaes so necessrias para nossa existncia uma das mais fascinantes

    descobertas da cincia moderna.[30]

    Uma reao a essa aparente enormidade de coincidncias v-las comoevidncias da alegao testa de que o universo foi criado por um Deus pessoal e

    v-las como material para um razovel argumento testa[31]. Uma outra reao

    alegar que nada disso requer explicao: afinal, qualquer que tivesse sido a

    forma que as coisas aconteceram, seria altamente improvvel de qualquer

    forma. Talvez isso esteja certo; mas como isso relevante? Estamos jogando

    pquer, cada vez que eu dou as cartas eu fico com quatro ases e um curinga;

    voc passa a suspeitar; eu tranquilizo sua suspeita afirmando que o fato de eu

    ficar com essas cartas cada vez que eu as distribuo no menos provvel quequalquer outra distribuio igual especfica sobre o nmero de distribuio de

    cartas. Isso seria aceito em Dodge City ou Tombstone?

    Uma outra possvel reao invocar o chamado Princpio Antrpico, que

    extremamente difcil de entender e surge de formas variadas[32], mas (na

    verso que mais faz sentido) parece apontar que uma condio necessria para

    que possamos estar aqui observando esses valores das constantes cosmolgicas

    que eles tenham justamente um valor ao menos prximo ao que eles, de fato,

    tm; estamos aqui a observar essas constantes somente porque elas tm o valor

    que tm. Novamente, isso parece correto, mas o que isso consegue explicar?

    Ainda assim parece um enigma o fato de esses valores estarem justamente onde

    esto. Por que eles no so ao menos ligeiramente diferentes? No se pode

    explicar isso apontando o fato de que estamos aqui presentes assim como eu

    no posso explicar o fato de que Deus decidiu me criar (em vez de escolher

    criar um outro algum) afirmando que se Deus no tivesse me criado, ento eu

    no estaria aqui para fazer a pergunta.

    Mas a reao que mais me interessa aqui ainda diferente, e muito

    surpreendente: modelos espaciais homogneos podem ser divididos em trs

    categorias: aqueles que tm menos do que a velocidade de escape (i.e., aqueles

    cuja taxa de expanso insuficiente para prevenir o universo de entrar em

    colapso), aqueles que tm justamente a velocidade de escape, e aqueles que tm

    mais do que a velocidade de escape. Modelos da primeira categoria existem

    somente por um tempo finito e, portanto, no se aproximam da isotropia.

    Mostramos que modelos da terceira categoria em geral tendem isotropia na

    maioria das vezes. Esses modelos da segunda categoria que so suficientemente

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    27/37

    prximos aos modelos Robertson-Walker em geral tendem isotropia, mas essa

    categoria a medida zero [N. do T.: na teoria das probabilidades, medida zero

    indica probabilidade zero.] no espao dos modelos homogneos. Portanto,

    parece que no se pode explicar a isotropia do universo sem postular condies

    iniciais especiais...

    A resposta mais atrativa parece vir da ideia de Dickie-Carter de que h uma

    ampla variedade de universos, com todas as combinaes possveis de condies

    iniciais e de valores das constantes fundamentais. Nesses universos com

    velocidade menor do que a de escape, perturbaes de pequena densidade no

    teriam tempo de se tornarem galxias e estrelas antes do universo entrar em

    colapso. Naqueles universos com velocidade maior do que a de escape,

    perturbaes de pequena densidade ainda teriam mais do que a velocidade deescape, e assim no formariam sistemas seguros. Somente naqueles universos

    os quais tm uma velocidade muito prxima velocidade de escape se poderia

    esperar que galxias se formassem, e sabemos que tais universos em geral

    tendero isotropia. Visto que a existncia de galxias uma condio

    necessria ao desenvolvimento da vida inteligente, a resposta questo Por

    que o universo isotrpico? porque estamos aqui[33]

    A ideia aqui clara: esses valores das constantes cosmolgicas e a taxa de

    expanso do nosso universo so realmente enigmticas e carecem de explicao.

    A explicao que h um nmero infinito de universos diferentes, apresentando

    todas as possveis combinaes de condies iniciais e de valores de constantes

    fundamentais; e, claro, no nos surpreendente o fato de que ns ocupamos

    um desses universos no qual esses valores permitem o desenvolvimento da vida

    inteligente[34]. Suponho que haveria no mnimo um nmero incontvel de

    universos como esse, na hiptese de Hawking, visto que provavelmente h um

    intervalo real aproximado de 1 tal que para qualquer nmero real R nesse

    intervalo, a razo entre o efeito da expanso explosiva e a contraogravitacional poderia ter sido R.

    Para deixar claro meu ponto, seria suficiente o que j foi exposto; mas para ser

    um pouco mais au courante informado, eu menciono alguns desenvolvimentos

    posteriores dessa histria fascinante. [35] Comeando em 1980, Alan Guth

    sugeriu uma soluo a esse alegado problema que est interessantemente

    relacionada sugesto de Hawking-Collins dos muitos universos.[36] De acordo

    com Guth, no precisamos supor que h mais de um universo; esse universo

    nico, entretanto, enormemente maior do que o universo observvel de uns 10

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    28/37

    bilhes de anos luz de dimetro. O universo que podemos observar nada mais

    do que uma partcula minscula do universo todo. O modelo de Guth,

    entretanto, estava sujeito a certos problemas; um sucessor foi proposto por A.D.

    Linde [37]. Nesse modelo, o universo consiste num vasto nmero de mini

    universos; esses mini universos so enormemente maiores do que nossouniverso observvel; e diferentes mini universos apresentam condies iniciais

    diferentes; de fato, as leis da fsica de baixa-energia e at a dimensionalidade

    do espao-tempo podem ser diferentes em cada um desses desses muitos

    universos.

    O ponto que eu gostaria de colocar pode ser posto da seguinte forma. Considere

    a sugesto de Hawking-Collins de 1973, ou a mais recente sugesto de Linde.

    Suponha, alm do mais, que a principal motivao para apresentao dessassugestes evitar as coincidncias csmicas; para essas teorias no h nada

    notvel no fato de nosso universo apresentar os valores que apresenta; todos os

    valores possveis acontecem em um ou outro lugar e, claro, ns observadores

    humanos estaramos presentes apenas onde os valores so tais que permitem a

    vida. Em outras palavras, suponha que a motivao para apresentao dessas

    teorias seja o que McMullin chama de Princpio da Indiferena. Esse princpio

    no fcil de explicar exatamente; mas parte de sua ideia bsica que a teoria

    fsica deveria evitar qualquer coisa semelhante a essas coincidncias, esses

    aparentes ajustes-finos.

    J o testa, assim me parece, no precisa se impressionar por esse princpio de

    maneira alguma. Se Deus criou o mundo, por que o mundo no deveria

    apresentar singularidades ou ajustes-finos, ou 'coincidncias' desse tipo? Por

    que deveramos imaginar que no temos uma teoria fsica apropriada at que

    nos livremos de tais coisas? Se houvesse duas teorias que fossem empiricamente

    equivalentes ou quase equivalentes, uma delas envolvendo violaes ao

    Princpio da Indiferena e a outra envolvendo a postulao de um incontvelnmero de outros universos ou um enorme nmero de mini universos, o testa

    pode muito bem preferir a primeira em nome da simplicidade. Novamente,

    pode haver uma diferena entre a probabilidade epistmica de uma teoria de

    muitos universos como a de Hawking em relao ao tesmo e as evidncias por

    um lado, e a probabilidade epistmica de tal teoria em relao ao naturalismo e

    aquela evidncia por outro lado.

    Ento, aqui temos alguns exemplos: cada um um exemplo que mostra que a

    teoria cientifca e as conquistas acadmicas frequentemente no so, nas

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    29/37

    maneiras especificadas, religiosa ou metafisicamente neutras. Haver, claro,

    muito mais (e sero ainda mais bvios e abundantes nas humanas do que na

    fsica e na qumica). Considere, por exemplo, a cincia cognitiva

    contempornea: a rea que inclui psicologia cognitiva, inteligncia artificial, e

    filosofia da mente. Isso um conjunto agregado de projetos de pesquisa (outalvez um amplo projeto de pesquisa com diversos subprojetos) dedicados

    tentativa de prover uma explicao naturalista dos fenmenos da mente: tais

    fenmenos mentais como conscincia, desejo, crena, intencionalidade, e coisa

    do tipo. Esses projetos de pesquisa descobriram muitas coisas que so

    realmente fascinantes, teis e informativas. Mas a busca fundamental o

    empenho em prover explicaes naturalistas dos fenmenos humanos no

    mnimo questionvel em se tratando de uma perspectiva testa. O testa no

    sentir, certamente, a necessidade de uma explicao naturalista da mente. Ouconsidere Jean Piaget (o grande psiclogo suio) e sua alegao de que uma

    criana de sete anos de idade cujas faculdades cognitivas estejam funcionando

    apropriadamente acreditar que tudo no universo tem um propsito em algum

    plano ou design abrangente; uma pessoa madura, no entanto, aprender a

    pensar cientificamente e perceber que tudo tem ou uma causa natural ou

    acontece por acaso[38]. Ou considere o academicismo bblico, certamente uma

    rea onde no esperaramos que questes desse tipo se fizessem presentes. Essa

    esperana, infelizmente, frustrada. Muitos acadmicos bblicos nos ensinamque um projeto adequado nessa rea deve se conformar a certos padres de

    'objetividade'; isso significa que ao empreender tais projetos, o acadmico deve

    colocar de lado suas pressuposies teolgicas por exemplo, a ideia crist

    tradicional de que a Bblia tem uma autoridade divina especial, ou uma

    revelao humanidade por Deus. Assim, por exemplo, John Collins, de Notre

    Dame: O mtodo crtico incompatvel com a f confessional medida que

    esta requer que ns aceitemos concluses especificas sobre bases

    dogmticas.[39] E Barnabas Lindars, um proeminente acadmico do Novo

    Testamento, parece sugerir que de alguma forma errado ou imprprio se

    apoiar sobre aquilo que se sabe ou se cr pela f na interpretao bblica:

    H duas razes pelas quais muitos acadmicos so muito cautelosos em relao

    a histrias de milagres.... A segunda razo histrica. A literatura religiosa do

    mundo antigo repleta de histrias de milagres, e no podemos acreditar em

    todas elas. O acadmico no pode decidir que, s por ser cristo, ele aceita as

    histrias miraculosas do Evangelho, mas ao mesmo tempo repudia os milagres

    atribudos a Iss. Todos esses relatos tm que ser examinados com a mesmaimparcialidade.[40]

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    30/37

    Muitos outros exemplos poderiam ser dados da psicologia, sociologia,

    economia oriundos de todas as disciplinas acadmicas; e muitos de vocs so

    mais competentes para apont-los do que eu. Academicismo e a cincia no so

    neutros, mas esto profundamente envolvidos na luta entre o tesmo cristo,

    naturalismo perene e o anti-realismo criativo. E o triste fato que hoje (nanossa parte do mundo) este que est em ascenso, o tesmo cristo talvez

    tenha dado alguns passos no anos recentes; mas certamente a opinio

    minoritria entre nossos colegas nas universidades ocidentais.

    E. O QUE OS CRISTOS DEVERIAM FAZER?

    O que os cristos deveriam fazer a respeito desse triste fato? Como eles

    deveriam reagir a isso? De muitas maneiras, sem dvida; mas quero chamar a

    ateno para uma dessas maneiras. Os cristos, e especialmente os acadmicos

    cristos, devem se tornar bastante srios em relao ao academicismo cristo.

    Dois tipos, em particular, so necessrios. Primeiro, precisamos de formao de

    conscincia, crtica cultural crist. A comunidade crist como um todo

    tem de estar ciente dos fatos que eu apresentei acima; deve estar atenta a eles, e

    sensvel em relao a eles. Devemos perceber que a cultura intelectual est, de

    fato, envolvida na disputa pela fidelidade humana. No o bastante fazer a

    ocasional referncia cerimonial (na abertura de reunies, talvez) vida

    intelectual crist ou catlica. Devemos realmente entender que h uma batalha

    aqui, e devemos saber quem e o que so os principais concorrentes e como essa

    disputa permeia as mais variadas disciplinas acadmicas. Essas perspectivas so

    sedutoras; so muito difundidas; so a opinio majoritria nas universidades e

    na cultura intelectual no Ocidente. Vivemos num mundo dominado por elas,

    nos as absorvemos j no leite materno; fcil abra-las e se engajar em seus

    projetos em algum tipo de maneira inconsciente e no-refletida, simplesmente

    pelo fato de que elas dominam nossa cultura intelectual. Mas essas perspectivas

    so tambm altamente prejudiciais ao cristianismo; essas maneiras de pensardistorcem nossas vises sobre ns mesmos e o mundo. Ao ponto que sequer

    estamos cientes delas e no entendemos suas implicaes, elas criam confuso e

    falta de integridade intelectual e espiritual entre ns, cristos. Cristos de todas

    as vertentes, catlicos, protestantes, e ortodoxos, precisam estar cientes dessas

    coisas. Na verdade, todos os tipos de crentes em Deus cristos, judeus,

    muulmanos e outros precisam estar cientes dessas coisas.

    Segundo, precisamos trabalhar nas vrias reas da cincia e do academicismo

    de uma maneira que seja apropriada perspectiva crist ou testa. No

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    31/37

    deveramos presumir, automaticamente, que seja apropriado para o cristo

    trabalhar nessas disciplinas da mesma maneira que o resto do mundo

    acadmico. Tome como exemplo alguma rea do academicismo: filosofia,

    digamos, ou histria, ou psicologia, ou antropologia, ou economia, ou

    sociologia; ao trabalharmos nessas reas, no deveramos presumir a respostacrist s mais abrangentes questes envolvendo Deus e a criao e, ento,

    partindo dessa perspectiva responder s mais especficas questes dessa

    disciplina? Ou isso seria, de alguma forma, ilcito ou imprudente? Colocando de

    outra maneira: a que tipo de premisas podemos apelar ao trabalharmos as

    respostas s questes levantadas numa determinada rea acadmica ou da

    pesquisa cientfica? Poderamos apelar apropriadamente ao que sabemos como

    cristos? Na psicologia (que eu menciono porque uma rea na qual no estou

    sobrecarregado pelo conhecimento dos fatos relevantes): deveria a comunidadecrist aceitar a estrutura e pressuposies bsicas da prtica contempornea

    dessa disciplina ao tentar compreender seu objeto de estudo? Deveriam os

    psiclogos cristos apelar somente a premissas aceitas por todos os partidos

    envolvidos na discusso, sendo cristos ou no? Penso que no. Por que

    haveramos de nos limitar e nos restringir dessa maneira?

    Considere o amor, mais uma vez, o amor em todas suas numerosas

    manifestaes. Quando um psiclogo cristo se envolve com esse fenmeno,

    pode ele apropriadamente partir daquilo que ele sabe como cristo que, por

    exemplo, ns fomos criados imagem de Deus, que Deus amor, que o nosso

    amor um reflexo do amor dele? Ou como deveramos entender o sentimento

    de beleza que ns seres humanos compartilhamos? Ns exultamos nos

    maravilhosos e luminosos dias do outuno alguns meses atrs; Kathleen Battles

    ou um concerto de Mozart podem trazer lgrimas aos nossos olhos. Como

    deveramos pensar sobre a sensibilidade beleza que ns possumos? Como

    deveramos entender esse fenmeno? Sem dvida alguns nos diro que isso

    surgiu, de alguma forma, pela mutao gentica; sua importncia deve ser vistano fato de que isso foi, de alguma forma, adaptativo, contribuiu aptido, ou foi

    de alguma forma relacionado a algo que foi adaptativo. Mas se presumirmos o

    conhecimento explanatrio cristo, teremos uma opinio totalmente diferente.

    O que precisamos aqui de academicismo que considera o que sabemos, e

    assim considera o que sabemos como cristos. O mesmo vale para um psiclogo

    cristo que busca entender a agresso e o dio em todas suas formas: ele deve

    considerar a realidade do pecado.

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    32/37

    Na verdade, o mesmo vale para milhares de tpicos e questes diferentes. Se

    precisamos entender o amor, ou o conhecimento, ou a agresso, ou nosso senso

    de beleza, ou o humor, ou nosso senso moral, ou nossas origens, ou mil outras

    coisas se importante nossa sade intelectual e espiritual entender essas

    coisas, ento o que devemos fazer, obviamente, usar tudo aquilo que sabemos,no somente algum segmento limitado daquilo que sabemos. Por que

    deveramos nos sujeitar a tentar entender essas coisas de uma perspectiva

    naturalista? Ento o argumento central aqui a prpria simplicidade: como

    cristos ns queremos e precisamos de respostas s questes que surgem nas

    disciplinas interpretativas e tericas; numa enormidade de casos, o que

    sabemos como cristos crucialmente relevante para chegarmos num

    entendimento apropriado; portanto, ns cristos deveramos exercer essas

    disciplinas de uma perspectiva especificamente crist.

    Para concluir, ento: o academicismo contemporneo uma arena na qual um

    conflito fundamentalmente religioso est sendo travado: a batalha entre a

    perspectiva crist, por um lado; e o naturalismo perene e o antirrealismo

    criativo (junto ao relativismo e ao anticomprometimento que dele se derivam),

    do outro. Esses ltimos dominam o academicismo contemporneo; alm do

    mais, eles so profundamente opostos perspectiva crist. O que a comunidade

    crist e testa precisa, portanto, primeiro de crtica cultural crist, e segundo

    de academicismo cristo

    NOTAS:

    [1] H, claro, modelos medievais; mas as circunstncias deles so muito

    diferentes das nossas, to diferentes que se torna praticamente impossvel

    aprender algo deles em relao a isso.

    [2] Veja o livro14, captulo 28, de A Cidade de Deus

    [3] Minha maneira de desenvolv-los foi influenciada pela tradio do

    agostinianismo holands associada ao trabalho de Abraham Kuyper (primeiro-

    ministro holands que foi tambm um telogo de ponta.) Veja sua obra

    Calvinismo. Ed. Cultura Crist, 2002.

    [4] Veja J.J.C. Smart: Our Place in the Universe (Oxford: Blackwell, 1989) para

    uma afirmao clara e simples de uma viso naturalista.

  • 8/7/2019 Sobre o Academicismo Cristo - Alvin Plantinga

    33/37

    [5] Nota do Tradutor: Codorniz, no ingls quail e a pronncia similar do

    nome do ex vice-presidente Dan Quayle.

    [6] Theology for a Nuclear Age (Manchester: Manchester University Pr