socrates e jesus - o debate (peter kreeft)

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7/21/2019 Socrates e Jesus - O Debate (Peter Kreeft) http://slidepdf.com/reader/full/socrates-e-jesus-o-debate-peter-kreeft 1/107  PETER KREEFT Sócrates e Jesus:  o debate Tradução Ana Schaffer www.semeadoresdapalavra.net

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Peter kreeft

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  • PETER KREEFT

    Scrates e Jesus: o debate

    Traduo Ana Schaffer

    www.semeadoresdapalavra.net

  • 2 | P g i n a

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    1987, 2002, de Peter Kreeft Ttulo do original Scrates meets Jesus

    Edio publicada por INTERVARSITY PRESS (Downers Grove, Illinois, EUA)

    Todos os direitos em lngua portuguesa reservados por Editora Vida

    PROIBIDA A REPRODUO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAES, COM INDICAO DA FONTE

    Todas as citaes bblicas foram extradas da Nova Verso Internacional (NVI), 2001, publicada por Editora Vida, salvo indicao em contrrio.

    Editor geral: Solange Mnaco Editor responsvel: Snia Lula Assistente editorial: Ester Tarrone Reviso de traduo: Alpio Franca Reviso de provas: Dida Bessana e Juliana Ribeiro Consultoria e reviso tcnica: Luiz Sayao Diagramao: Crayon Editorial Capa: Marcelo Moscheta

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Kreeft, Peter Scrates e Jesus: o debate / Peter Kreeft ; traduo Ana Schaffer. So Paulo: Editora Vida, 2006. Ttulo original: Scrates meets Jesus Bibliografra. ISBN 85-7367-895-X ISBN 978-85-7367-895-5 1. Apologtica 2. Jesus Cristo - Pessoa e misso 3. Scrates I. Ttulo 07-9092 CDD-239 Indice para catlogo sistemtico: 1. Scrates e Jesus: Apologtica : Cristianismo 239

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    SumrioSumrioSumrioSumrio Nota edio brasileira ......................................................................................................................................................... 3 Introduo ................................................................................................................................................................................... 4 1 ....................................................................................................................................................................................................... 7

    Da cicuta para a Universidade "Havalarde" .............................................................................................................. 7 2. ................................................................................................................................................................................................... 11

    Como progredir na vida fugindo do "progresso" ................................................................................................ 11 3 .................................................................................................................................................................................................... 20

    Seria Jesus um fundamentalista? ............................................................................................................................... 20 4 .................................................................................................................................................................................................... 27

    Doces confisses ............................................................................................................................................................... 27 5 .................................................................................................................................................................................................... 35

    Os milagres podem ser provados? ............................................................................................................................. 35 6 .................................................................................................................................................................................................... 45

    Como ter uma religio relativa.................................................................................................................................... 45 7 .................................................................................................................................................................................................... 60

    Jesus, o nico ...................................................................................................................................................................... 60 8 .................................................................................................................................................................................................... 71

    Que estranho, Deus escolher os judeus ................................................................................................................... 71 9 .................................................................................................................................................................................................... 86

    Vejam! Ele est vivo! ........................................................................................................................................................ 86 Posfcio diretamente do Boston Glob ....................................................................................................................... 106 ContraCapa ............................................................................................................................................................................ 107

    Nota edio brasileiraNota edio brasileiraNota edio brasileiraNota edio brasileira A publicao brasileira de Scrates e Jesus foi feita a partir da edio atualizada pelo autor e filsofo, Peter KREEFT, de Scrates meets Jesus, Downers Grove, IL : INTERVARSITY PRESS, Text 1987, New Introduction 2002.

    A traduo ficou a cargo de ANA MARIA DE MOURA SCHAFFER, doutoranda em Lingstica Aplicada pela Unicamp. A edio do texto foi feita por ALPIO CORREIA DE FRANCA NETO, doutorando em Teoria Literria pela Universidade de So Paulo. Luiz SAYO, telogo, lingista e mestre em Hebraico pela Universidade de So Paulo, encarregou-se da consultoria e reviso tcnica.

    O leitor comumente se deparar com trocadilhos e aluses a personalidades e instituies do mundo contemporneo que, aliados a personagens-tipo, conferem ao texto de KREEFT um carter diferencial.

    Para tanto, foram acrescentadas notas explicativas ao longo do texto com o objetivo de orientar o leitor a uma leitura plausvel, sem deixar de instigar nele a curiosidade para "ir alm". As abrevia-turas a seguir do a indicao desses crditos.

    N. do C, para nota do consultor tcnico N. do E., para nota do coordenador editorial N. do R., para nota do editor/revisor do texto N. do T., para nota do tradutor

    O EDITOR

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    IntroduoIntroduoIntroduoIntroduo A inspirao deste livro resulta inicialmente de duas fontes: a primeira, do captulo 1 de Philosophical Fragments1, de Soren Kierkegaard, no qual ele compara Jesus a Scrates os dois maiores mestres da Histria; a segunda, do livro de Atos, captulo 17, em que os discpulos dos dois mestres interagem pela primeira vez.

    Jesus e Scrates so certamente os dois homens mais influentes que j existiram, pois do origem aos dois principais segmentos da civilizao Ocidental: a cultura bblica (judaico-crist) e a clssica (greco-romana). Assim como Jesus o centro da primeira, Scrates o para a segunda. O que caracteriza a nossa civilizao de forma mais bvia, ou seja, o evento secular de maior sucesso da Histria, a tecnologia. Esta, por sua vez, fruto da cincia, que conseqncia da filosofia; esta ltima a grande herana de Scrates.

    Scrates e Jesus nunca escreveram um livro nem fundaram uma escola ou viajaram pelo mundo, no militaram na poltica nem tiveram alguma ambio terrena. Toms de Aquino explicou que Cristo nunca ensinou por meio da escrita porque sua doutrina era de ordem suprema; sua pessoa e sua vida eram uma doutrina perfeita e completa, que dispensava ser includa em um livro com palavras e ensino de segunda mo. Em seguida, Aquino acrescenta: " semelhana de Scrates entre os filsofos"2.

    Kierkegaard que disse que cada palavra escrita por ele foi unicamente sobre uma coisa: o que significa SER um cristo [o ponto de vista de meu trabalho como autor] via Scrates como a perfeita pedra de toque de Jesus. Como poderia algum superar Scrates? Haveria alternativa para a sua busca ardorosa e sincera da verdade, pelo modesto mtodo de questionamento? Seria possvel a Verdade nos alcanar em vez de ns a ela? A Verdade deveria chegar at ns de fora para dentro em vez de faz-lo de dentro para fora? Kierkegaard desenvolveu seu "experimento mental" adotando pormenorizadamente o ponto de vista do filsofo socrtico; em seguida, comparou, com mincias, a doutrina de Jesus com a de Scrates em "A Project of Thought" [Um projeto mental], captulo 1, da obra Migalhas filosficas. a comparao mais esclarecedora que conheo entre os dois maiores homens da Histria e, quando a li, pensei: "isso no pode parar aqui, precisa dar frutos".

    A outra fonte de inspirao deste livro relata um dos encontros mais decisivos da Histria: o primeiro encontro entre um discpulo de Jesus e os discpulos de Scrates. O dramtico relato daquele dia que mudou o mundo pode ser encontrado no Novo Testamento:

    Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de dolos. Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na praa principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam. Alguns filsofos epicureus e esticos comearam a discutir com ele. Alguns perguntavam: "O que est tentando dizer este tagarela?" Outros diziam: "Parece que ele est anunciando deuses estrangeiros", pois Paulo estava pregando as boas novas a respeito de Jesus e da ressurreio. Ento o levaram a uma reunio do Arepago, onde lhe perguntaram: "Podemos saber que novo ensino esse que voc est anunciando? Voc est nos apresentando algumas idias estranhas, e queremos saber o que elas significam". Todos os atenienses e estrangeiros que ali viviam no se preocupavam com outra coisa seno falar ou ouvir as ltimas novidades.

    Ento Paulo levantou-se na reunio do Aerpago e disse: "Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocs so muito religiosos, pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei at um altar com esta inscrio: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocs adoram, apesar de no conhecerem, eu lhes anuncio". (At 17.16-23)

    O apstolo Paulo, no legtimo centro da idolatria mundial, encontra adoradores do verdadeiro Deus e assim se expressa: "Ora, o que vocs adoram, apesar de no conhecerem, eu lhes anuncio". Como isso foi possvel? Eles devem ter sido discpulos de Scrates.

    Scrates era um lapidrio [escultor] e deve ter, literalmente, entalhado a inscrio a que Paulo se

    1 Publicado em portugus pela Vozes, Migalhas filosficas, ou, Um bocadinho de filosofia, 1995 [N. do E.].

    2 Toms de AQUINO, Summa theologiae, 3.42.4 (publicado em portugus por Edies Loyola, Suma teolgica) [N. do E.].

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    referia. Certamente, o "DEUS DESCONHECIDO" era o Deus de Scrates; na verdade, Scrates foi um mrtir desse Deus. Est claro na Apologi33 o maior discurso de Scrates em defesa de sua vida e de sua vocao filosofia "o amor da sabedoria" (uma vocao cuja origem ele sempre atribuiu a "Deus"), quando Atenas colocou sob julgamento tanto ele quanto a sua vocao filosofia. Se Scrates tivesse sido capaz to-somente de confessar verdadeira e honestamente o nome de um nico deus reconhecido por Atenas em seu julgamento, ele no teria sido executado por atesmo. Mas ele no podia fazer isso. No sabia quem era o verdadeiro Deus, mas tinha convico de quem no era. E Scrates no trairia a verdade mais que um cristo temente pudesse trair a Cristo. Sabia de uma coisa: qualquer que fosse o verdadeiro Deus, esse era o Deus da verdade.

    Quatro sculos depois da morte de Scrates, viveu um homem que afirmava ser esse o Deus verdadeiro, o Criador torna-se criatura, o Filho primognito do Pai, a eterna Palavra (Logos, Mente, Razo) de Deus. Esse homem, que declarava ser a Verdade (Jo 14.6), prometeu que todos os que buscassem encontrariam (Mt 7.8; Lc 11.10). Ele certamente no estava falando sobre poder, dinheiro ou sucesso terrestre, pois esses eram os anseios que dominavam o corao daqueles que no o reconheciam como seu Messias e Salvador, pois ele no os livrou desses inimigos nem dos romanos. Quando ele disse que todo aquele que busca encontra, referia-se verdade, porque prometeu que "a verdade os libertaria". (Jo 8.32). Tambm estava falando de si mesmo, porque disse: " 'Portanto, se o Filho os libertar, vocs de fato sero livres' " (Jo 8.36). Se Jesus a Verdade e se Scrates buscou a verdade de todo o corao (o que, naturalmente, s Deus sabe), e se a Verdade no mente, e prometeu que todos os que buscam o encontraro, ento temos todas as razes para acreditar que Scrates a encontrou. No nos possvel ter certeza sobre Scrates, mas podemos ter certeza sobre Cristo.

    Entretanto, Scrates no se encontrou com Cristo neste mundo, nem mesmo ouvimos falar de uma possvel conversa entre eles no futuro. E possvel imaginar isso? Ou, em caso contrrio, podemos imaginar algo parecido aqui mesmo?

    Uma vez que tolos e filsofos se aventuram em terrenos onde anjos temeriam pr os ps, tentei imaginar essa conversa "celestial" e comecei a escrever um dilogo imaginrio. Mas eu simplesmente no podia fazer isso, pois, segundo Dorothy Sayers, impossvel a qualquer escritor mortal retratar, com sucesso, Cristo como personagem literria. S consigo lembrar-me de duas tentativas parcialmente bem-sucedidas na literatura. Uma a fbula de Dostoievski, O grande inquisidor4, na qual Cristo no fala uma palavra sequer e realiza apenas um nico ato (um beijo, como o que Judas lhe deu no jardim). A outra Aslam, o grande senhor-leo de Nrnia, de C. S. Lewis. Entretanto, esta s foi bem-sucedida pelo artifcio de um duplo distanciamento: de Cristo como homem para Cristo como leo, e do globo terrestre para a terra imaginria de Nrnia. Lewis, assim, deitou fora os "drages despertos" da convivncia e da obrigao que impedem nosso esprito de reagir com o mesmo respeito e admirao naturais que todos os contemporneos de Cristo sentiam na sua presena. Assim, a criana, o eu em ns, sente diante de Aslam o que deveria sentir diante de Cristo: Aslam no um leo manso.

    Seja como for, um simples filsofo e escritor de fico de segunda categoria nem mesmo sonha com tamanho sucesso. O dilogo imaginrio entre Scrates e Jesus, seja no cu, seja na terra, no sentido literal est alm das minhas foras.

    Entretanto, Atos dos Apstolos, captulo 17, deu-me uma pista. Se o apstolo Paulo, o discpulo de Cristo, encontrou a tradio de Scrates ainda viva entre os discpulos confusos do filsofo, sculos mais tarde no Arepago, em Atenas o centro do mundo idlatra por que Scrates no poderia ter encontrado alguns discpulos confusos de Cristo, sculos mais tarde, na Escola de Teologia "Havalarde"5, na cidade que se denomina "a Atenas da Amrica", no centro do mundo heterodoxo? Os epicureus e esticos que Paulo menciona em Atos 17 consideravam-se discpulos de Scrates. (Os epicureus eram apstatas socrticos, mas os esticos eram apenas socrticos heterodoxos). Na "Havalarde", os telogos consideram-se discpulos de Cristo. Os telogos injustos so cristos apstatas, e os justos so cristos heterodoxos. E irnico, mas no impossvel, que Scrates

    3 Publicado em portugus pela Ediouro, Apologia de Scrates [N. do E.].

    4 Ou, Noites Brancas, Editora 34, 2005 [N. do E.].

    5 "Have It Divinity School", em ingls. Obviamente, "Have It" (qualquer coisa como "Pegue-a") expresso trocadilhesca, apresentando

    similitude de som com Harvard, a famosa universidade americana [N. do R.].

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    encontre o Deus verdadeiro ali, no lugar menos provvel do mundo, j que Paulo encontrou verdadeiros seguidores de Deus no Arepago, tambm o lugar menos provvel. Tal como havia feito Atenas primitiva, Scrates no se devia deixar influenciar por nossas falcias, fantasias, fraquezas e tolices, nossos discursos acadmicos improdutivos, disfarces, exibicionismos e conversas frvolas, e ainda assim encontrar a Verdade.

    Se o apstolo Paulo descobriu os verdadeiros seguidores de Jav no corao da mais elevada idolatria, julguei igualmente possvel que Scrates encontrasse o Deus verdadeiro no centro da mais alta heresia. Scrates como o menininho de A roupa nova do Imperador6. A pea teatral apresentada neste livro concentra-se no s no modo pelo qual Scrates refuta as confuses entre alunos e professores, mas tambm em como ele se vale dessas mesmas confuses como estratgia para chegar ao Deus verdadeiro, que finalmente encontra e se converte. S algum maravilhado com o amor de Deus teria perseverado em meio a indcios to comprometedores; s algum faminto pela verdade teria mergulhado no entulho de lixo moderno e fascinante da "Havalarde", na esperana de encontrar algumas migalhas do que procurava.

    Se eu tivesse de reescrever o livro hoje, no teria muito a acrescentar, pois as heresias so quase to perenes quanto a verdade. O Scrates que exps as pretenses dos sofistas certamente perceberia os igualmente presunosos Jesus Seminar [Seminrio de Jesus]7 e Bible Code [Cdigo da Bblia] .8

    Entretanto, teria Scrates cogitado sua passagem ao cristianismo? A razo humana assim to poderosa? Claro que no! O cristianismo no o fim de um debate filosfico, mas conseqncia de um milagre divino inacreditvel e totalmente inesperado. provvel, porm, que os ecos desse milagre, embora abafados e corrompidos, no passem de impresses digitais suficientes para que esse Deus detetive revele o Deus verdadeiro a partir deles.

    Apesar de tudo, a razo humana, embora decada, projetada por Deus. No h nada de errado com essa espada, apenas a forma como a empunhamos, tendo em vista que foi moldada no cu, no na Universidade "Havalarde". Falando de modo menos espiri-tuoso: Deus no enviou apenas alguns profetas especiais, como Moiss, para um povo especial, mas tambm o profeta interior universal da razo e da conscincia para todos os povos. Os homens medievais gostavam de dizer que Deus havia escrito dois livros: a natureza e as Escrituras. Uma vez que Deus o Autor, e esse mestre nunca se contradiz, os dois livros nunca se contradizem. Esse Deus que nunca se contradiz tambm nos deu dois detectores da verdade, a f e a razo; conclui-se que a f e a razo, se empregadas corretamente, nunca se contradizem; as heresias, no entanto, so totalmente contrrias razo. Embora nem todas as verdades da f possam ser provadas pela razo, todos os argumentos contra essas verdades podem ser refutados racionalmente.

    Desse modo, possvel que Scrates, representante da razo natural, em sua melhor forma, perceba muito das irracionalidades e incoerncias das heresias modernas contra a religio que ele nunca conheceu. Que encontre seu caminho de volta para a verdadeira religio, ao ler as Escrituras judaicas, sem o "auxlio" das inocula-es de professores cristofbicos contra a temvel doena do verdadeiro cristianismo.

    Scrates no teve profetas para gui-lo, exceto o profeta universal da razo. No entanto, os cristos sabem que isso no meramente um poder humano, mas um feixe de luz que emana do Filho de Deus: "a verdadeira luz, que ilumina todos os homens" (Jo 1.9), o Logos, a lgica de Deus. No incio era a lgica, e a lgica estava com Deus, e a lgica era Deus. Scrates tinha apenas a lgica, no entanto ela no um punhado de regras humanas que se usa numa partida como se os conceitos fossem fichas de pquer, mas a cincia da natureza divina. A lei da identidade fundamenta-se na verdadeira identidade e imutabilidade divinas. A lei da no-contradio fundamenta-se na integridade da natureza divina e na realidade de que Deus jamais se contradiz. O princpio do terceiro excludo9 fundamenta-se no fato de que todas as alternativas tm sua base no nico Deus:

    6 Hans Christian ANDERSEN. (Martins Fontes, 2001) [N. do EJ.

    7 Um grupo de aproximadamente cem pesquisadores em Novo Testamento, fundado em 1985 por Robert Funk e patrocinado pelo Wester

    Institute. A finalidade da pesquisa que resultou inicialmente em duas publicaes: The Five Gospels: The Search for the Authentic Words of Jesus (1993) e The Acts of Jesus: The Search for the Authentic Deeds (1998) determinar o que Jesus, como personalidade histrica, deve ou no ter dito e feito sob perspectiva crtica [N. do E.]. 8 Michael DROSNIN. The Bible Code. (USA Simon & Schuster, 1997) [N. do T.].

    9 BAUMGARTEN (1714-62) completou o conceito aristotlico de contradio fundando o "princpio do terceiro excludo" na prpria esttica da lgica clssica [N.

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    Deus ou no-Deus, verdade ou falsidade, luz ou trevas, realidade ou fico. O princpio da razo suficiente fundamenta-se no fato de que Deus a razo suficiente em si, a inteligncia infinita.

    A histria repete-se muitas vezes neste livro, e inclui trs estgios: (1) a razo em busca da Verdade; (2) a surpreendente descoberta da Razo de que a Verdade ltima requer F; (3) a feliz descoberta da Razo de que essa F mais racional do que qualquer Razo j tenha descoberto antes. Esse o padro das narrativas de todos os grandes cristos amantes da sabedoria. S para citar alguns: Justino Mrtir, Agostinho Blaise Pascal, Soren Kierkegaard, John Henry Cardinal Newman, G. K. Chesterton, C. S. Lewis. Ser que Scrates ficaria de fora?

    Ele foi apenas um pago, naturalmente, mas Deus, de forma generosa, proporcionou sinais em toda parte: natureza, homem e Histria. A alma do homem, concebida e criada imagem de Deus, dotada de trs faculdades, presentes unicamente no homem: o intelecto, a vontade moral e a imaginao (idias). Deus deixou pistas, em abundncia, em todos os trs. Comunica-se com a vontade por meio da conscincia universal e de profetas inspirados; com a imaginao, por intermdio dos (falveis, mas s vezes muito belos) mitos de cada cultura; e com o intelecto, pelos filsofos gregos. O primeiro filsofo verdadeiro, av de todos os filsofos, Scrates. Todas as trs pistas so indicadores de Cristo. Portanto, neste livro, Scrates no faz outra coisa seno realizar o que Deus, basicamente, designou razo.

    1111 Da cicuta para a UniversidDa cicuta para a UniversidDa cicuta para a UniversidDa cicuta para a Universidade "Havalarde"ade "Havalarde"ade "Havalarde"ade "Havalarde"

    Scrates, em seu habitual traje grego (manto do filsofo), repousa totalmente coberto por um lenol em uma pedra ou laje de mrmore de funo incerta, situada em um amplo poro, na Biblioteca Engrandecer na Universidade "Havalarde", um renomado centro de aprendizagem, em Camp Rich, Massachusetts, no ano de Nosso Senhor de 1987. O lenol se move; lentamente Scrates, como que sondando o ambiente, surpreende um visitante e aparece, com um olhar de soslaio e indagador.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Fdon! Fdon! Voc ainda est aqui? Acho que a cicuta no est funcionando como deveria. (Movimenta os ps, olha-os, ento senta-se devagar. Estica os braos) Na verdade, sinto-me mais vivo do que nunca! (Joga o lenol.) Ou... ser possvel que estou... (Olha em volta, com mais ansiedade ainda.) Onde estou? Crton? Fdon? Smias? Cebes? Onde esto os meus amigos, pessoal...! (Hesita e olha em volta) Apoio? (Longa pausa, totalmente imvel, olha para o corao) O DEUS DESCONHECIDO? (Trmulo)

    Flanagan Flanagan Flanagan Flanagan (Entrando com uma vassoura): Ei! Que agitao essa e por que tanta conversa? (V Scrates) Oh!, perdo, senhor, eu no sabia que o clube de teatro estava ensaiando aqui. E voc, quem ento?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Toda a minha vida procurei por essa resposta.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ah? Foi? Voc est louco, homem? Acha que voc est morto?

    Scrates Scrates Scrates Scrates (Perdido dessa vez): Eu... eu, realmente no sei, para ser franco. (Pondera consigo mesmo) Eu sempre acreditei e ensinei que o eu real (a conscincia subjetiva interior) era a alma, e que a alma era imortal; no entanto, eu, esse eu-essncia, que sou imortal. Mas eu pensava que era o meu corpo que tinham acabado de executar, j que bebi a taa inteira de cicuta. O carcereiro no per-mitiria que eu deixasse escorrer uma gota sequer como libao aos deuses. Ele disse que prepararam a quantia exata.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Vou dizer uma coisa, voc mesmo um bom ator. Esse o traje de ensaio?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Hum... Uma das ltimas coisas que ensinei aos meus amigos antes de tomar o veneno foi que o verdadeiro filsofo vive a vida como se fosse um ensaio geral com vestimentas para a morte. Ento, falei-lhes que "praticar a filosofia corretamente um ensaio para a morte". Mas pensei que minha noite de estria havia terminado. J no tenho mais certeza disso. Aprendo novamente um

    do T].

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    algo j conhecido, que a minha certeza mais certa est em saber que no estou certo. Parece que nunca aprendemos a primeira lio. Mas... que lugar este? No se parece com as Ilhas Afortunadas10, ao menos no do jeito que eu imaginava. Mas, ento, aprendo a suspeitar de todas as expectativas e preconceitos, sobretudo dos meus, e a acolher as surpresas e esperar o inesperado. (Olha pelo vo da porta) O que vejo aqui? Livros?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Naturalmente. H quinhentos mil aqui.

    Scrates Scrates Scrates Scrates (Desconfiado): Quinhentos mil livros! Oh... talvez sejam as Ilhas Afortunadas, afinal. Mas onde esto os autores? No posso conversar com um livro, pois ele sempre d as mesmas respostas, no importa o que pergunte. Certamente, alguns de seus autores chegaram s Ilhas. Homero est aqui? Espero h muitos anos para lhe perguntar centenas de coisas sobre aqueles deuses do seu...

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ah, entendi... voc ainda est representando seu papel... Tudo bem, amigo, vamos representar juntos. H alguma fala para eu ler, ou isso , como dizem, ad lib?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Agora estou duplamente confuso: no consigo entender sua pergunta, mas entendo perfeitamente sua lngua primitiva, embora ela no seja minha lngua nativa clssica e eu nunca a tenha estudado. E possvel que seja anamnsia. Eu costumava ensinar que aprender realmente recordar, mas no achava que inclusse lnguas estrangeiras, apenas verdades universais eternas. Hum... (Pensa por segundos, perplexo, faz um gesto de cabea e se volta para Flanagan.) E voc? Voc no se parece com uma divindade nem com um esprito abenoado. Mais uma vez, preciso aprender a no ter expectativas. Qual seu nome? E, mais importante, qual a sua raa?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Meu nome Flanagan, e sou o porteiro aqui. E no sou divindade nem esprito, a menos que um ousado escocs-irlands vivo seja realmente um esprito abenoado, e ainda duplamente abenoado, eu imagino. Mas, voc que o enigma aqui, no eu; tambm parece velho demais para um aprendiz... a menos que eles maquiem as pessoas e as transformem em uma obra-prima...

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Oh, no, nunca tarde demais para aprender.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ento voc est matriculado aqui?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Aqui? Onde "aqui", por favor?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ora, Havalarde, claro.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Faz alarde? Quem est fazendo alarde?

    FlanagFlanagFlanagFlanagan: an: an: an: No, refiro-me Universidade Havalarde, aqui em Camp Rich, Massachusetts. O corao da academia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Academia! O meu discpulo Plato tinha planos grandiosos para algo que ele chamava sua "academia", no bosque de Academe. Significa que a Havalarde realmente leva a isso? Esse...? (Gesticula.)

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Sim, pode-se dizer que... sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O que tem aqui? E o corao do Estado Ideal?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: No! s a Biblioteca Engrandecer. O que se espera que acontea aqui que todos acreditem que esses livros "engrandeam" a mente. Embora eu sempre fale que o que esse saber faz com as pessoas transformar os seus acessos leves de loucura em verdadeira loucura. Mas, voc no sabe mesmo onde est? Tem amnsia?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: S na mesma proporo em que todos tm, eu acho; esquecimento mesmo, esquecimento de quem somos de verdade.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ah, entendo. Ento, quer dizer que voc j faz parte deste lugar; muito bem, normal entre os loucos... um filsofo, isso?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Sim, o que sou. Algum que ama a sabedoria.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Agora voc est s representando, no est?

    10 Referncia lenda clssica e cltica Isles of the Blest ou Fortunate Isles [N. do T.].t

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    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu lhe asseguro que estou falando srio. A ltima coisa de que me lembro antes de acordar neste lugar foi de tomar o veneno e esperar que a morte me levasse. Voc no a morte, ?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ser que a Morte um porteiro?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Muitos de minha famlia pensavam que ela fosse um barqueiro.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Mas ento o que o levou a tomar veneno?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ah, no foi suicdio, eu garanto; fui executado.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Executado, que trgico! E por quem, me diga, por favor?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Pelos quinhentos mais um, claro. A mo do carcereiro que me deu a taa no estava mais manchada de sangue do que a minha11. Ambas foram comandadas por vontade do povo. Aqueles democratas ignorantes acreditavam que "a voz do povo fosse a voz de Deus". Eu realmente espero que vocs tenham superado essa superstio aqui, onde quer que seja aqui.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Eu acabei de lhe falar onde aqui. E no v criticar os democratas. As roupas que voc usa no parecem caras o suficiente para um republicano.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu no entendo... Este lugar no a minha cela da priso e voc no um ateniense. Ser que fui levado ao exlio no ltimo minuto por meus amigos? Pedi tanto a Crito que no fizesse isso. Que tipo de terra estrangeira Cabbage, Massachusetts?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Se voc realmente fala srio, ento deve ter tido um pesadelo e acordou com amnsia.

    Scrates Scrates Scrates Scrates (Confuso epensativo.): Muitas vezes, eu costumava comparar a vida a um sonho, porque a morte sempre me pareceu um despertar. No entanto, a vida sempre me pareceu mais real que qual-quer sonho. E ento acontece isso.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ao menos sabe seu nome?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E evidente que sim. Meu nome Scrates.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ora, com certeza . E o meu Einstein.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No estou entendendo, achei que voc havia dito que era Flanagan.

    Flanagan Flanagan Flanagan Flanagan (A parte.): Que horror, acho que o sujeitinho est maluco mesmo! (Para Scrates.) Veja bem, vamos tentar acomod-lo de algum jeito. Tem alguma identificao com voc?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O meu rosto bastava para qualquer um em Atenas.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ah, ah! Logo vejo por qu. Olha... voc tem uma cara de r!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: o que as pessoas costumam dizer. E eu que pensei que havia sido "espetado" como uma r como dizem. Mas agora... (Procura no manto e tira um carto de matrcula)) Parece que eu tinha um pedao de papel comigo, um papel colorido. Que estranho. Como rosa. O que significa isso? (L, balana a cabea e entrega o papel a Flanagan) Pode interpretar para mim? Eu entendo as palavras, mas no o significado, pois todos parecem substantivos. No consigo perceber a seqncia. Que gramtica primitiva esquisita! Como possvel um substantivo modificar outro?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Vejamos... (Faz caretas, l, relaxa.) Ah, Escola de Teologia Havalarde. Sim, aqui a Escola de Teologia e este o seu formulrio de matrcula. Que interessante, tem at seu nome nele e est matriculado com o nome de Scrates. Acho que o computador tem senso de humor. Em todo caso, voc um aluno da Escola de Teologia Havalarde.

    ScratesScratesScratesScrates: : : : Escola de Teologia? Ento isso aqui o cu? Eu vou aprender a ser um deus?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Voc est querendo me fazer rir, Scrates?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No, Einstein, no estou.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ora, deixa disso, no me chame de Einstein!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Como quiser, Flanagan. Voc o porteiro dos deuses?

    11 Provvel aluso a Bloody Hand, pea herldica pertencente nobreza, isto , todos (os heraldistas) so culpados [N. do T.].

  • 10 | P g i n a

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Por Deus, voc insensato como um menino!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc jura por Deus em vez de pelos deuses! Poucos conheciam esse grande segredo na minha cidade. Aqui devem ser as Ilhas Afortunadas, certamente!

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Oh, pare de mentir, homem! Ningum mais fala em deuses nos dias de hoje.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ser que estou em outra poca e em outro lugar?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Bem, se voc Scrates, eu diria que sim. H alguns milhares de anos, pelo menos, calculo eu. (Refletindo, de repente.) Ei! Tem magia negra acontecendo aqui? Eu no tenho nada a ver com a obra do Diabo! Se voc est fingindo, vou entrar no seu jogo, e, se estiver doente, vou ajud-lo, mas se estiver envolvido com magia negra, ento est doente demais para eu poder ajud-lo.

    SSSScrates: crates: crates: crates: Como eu j lhe disse, Flanagan, no tenho idia de como vim parar aqui. Mas parece ser bom demais para ser obra da magia negra, mas no bom o suficiente para ser o paraso. Embora eu desconfie da intuio, no h nada mais a fazer, por enquanto, e, at que haja outras evidncias, devo concluir que provavelmente ainda estou na terra.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ora, claro que est, homem. Sinta seus ossos, ento. Isso no esprito, com toda a certeza.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O importante, entretanto, no onde eu, matria, estou, mas por que eu, o esprito, sou o alvo. Tem alguma idia de por que me colocaram aqui?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Nenhuma. A no ser que esteja aqui para me ajudar a limpar esse chiqueiro, porque esse pessoal joga o lixo em qualquer lugar, e este velho porteiro tem de pr em ordem dois dias de baguna em um nico dia. Acho que h outros afazeres para voc, como a Escola de Teologia, por exemplo.

    Scrates: Sim, este parece ser o lugar ideal para mim. Sou um estudante vitalcio; por uma razo ou por outra, esse papel de matrcula parece ser um sinal para eu continuar. Sempre acreditei que todas as coisas, mesmo as mais estranhas, so governadas por um plano divino perfeito e nenhum mal pode atingir um homem de bem, seja nesta vida, seja na outra. Ento devo prosseguir nesta aventura que me foi enviada por Deus, seja ela qual for. (Prepara-separa sair, olha para suas roupas e em seguida para as de Flanagan)) Imagino que eu me sentiria um tanto quanto deslocado, se todos aqui se vestissem como voc.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Oh, no se preocupe. No existem leis contra togas. Tem de tudo por aqui: sonhadores, feministas liberais e at fundamentalistas.

    Scrates: Algum dia, ainda preciso explorar essas estranhas criaturas. Certamente h tantas perguntas que quero fazer...

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Escute, eis um conselho, se no se importa: no pergunte demais nem faa as perguntas erradas, se que voc quer ficar longe de problemas.

    Scrates: Meu Deus, esse conselho me pareceu to familiar! (Pausa) Agora sei que no estou no paraso. Porque, como disse em meu ltimo discurso, no admitiria que os filsofos tivessem problemas aqui por fazerem perguntas, como acontecia comigo em Atenas. Hum... parece que temos outra Atenas aqui. Ento a Escola de Teologia no uma escola para deuses aprendizes.

    Flanagan:Flanagan:Flanagan:Flanagan: R, r, essa boa! Acho que algumas das personagens de l agem como se pensassem que so aprendizes de deuses, realmente, e possvel que no sejam nem mesmo aprendizes.

    Scrates: Creio que fui enviado para c pelo mesmo motivo de ter ido a Atenas e pelo mesmo Deus, com a misso de ajudar as pessoas a se lembrarem de quem elas realmente so.

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Veja, eu queria poder acompanhar voc, porque j posso at prever confuso com gente do seu tipo e os que no aceitam que faam gracejos das profecias de um velho irlands. Mas estou aqui para arrumar esta baguna, e voc parece ter vindo para arrumar outro tipo de baguna, ou experimentar, sei l... algo assim; no sei bem ao certo. Cuidado, porque, quando d na veneta do profeta, ele perde o controle do que faz, sabia?

    Scrates: Acho que sei, amigo, e obrigado pelo conselho camarada. Acho que gostaria de pesquisar

  • 11 | P g i n a

    com voc, se no se importa, depois que tentar na Escola de Teologia. Voc parece dar segurana minha jornada, uma ncora na terra e o bom senso medida que me aventuro pelos mares e ares da filosofia. Ser que podemos conversar novamente mais tarde?

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Ora, claro, estava escrito que isso deveria acontecer, eu acho. Agora v. Estarei por perto, quando precisar de mim. Estou sempre perambulando para l e para c e s vezes voc vai me ver, mas outras, no.

    Scrates: Obrigado, Flanagan. Deus esteja com voc. (Sai.)

    Flanagan: Flanagan: Flanagan: Flanagan: Oh, ele est, ele est! (Olhando em direo a porta, enquanto acompanha a sada de Scrates) Agora, por que ser que ele veio parar aqui? Estou curioso para saber.

    2.2.2.2. Como progredir na vida fugindo do "progresso"Como progredir na vida fugindo do "progresso"Como progredir na vida fugindo do "progresso"Como progredir na vida fugindo do "progresso"

    Scrates est na esquina de uma rua na Havalarde Square, em Camp Rich, Massachusetts, parecendo totalmente ultrapassado. Ele se demora olhando o trnsito, tanto de veculos quanto de pessoas, com uma sensao de encanto e desencanto, parecendo, de incio, fascinado, em seguida pensativo e, ento, sentimental. Ou seja: primeiro perplexo; em seguida reflexivo; e por ltimo piedoso. Essas trs sensaes levam certo tempo para passar, como a mar, fazendo desaparecer o dilema estampado em sua face. Assim que passa a ltima sensao, Bertha Broadmind [Beth Cabea], uma estudante da Escola de Teologia Havalarde, reconhece-o e presta ateno nele. A princpio, ela tambm est perplexa; em seguida, assume ar de reflexo e, por fim, de piedade. A medida que Scrates comea a andar sem destino, procurando, em vo, por um ponto de referncia, Bertha alcana-o de repente.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Scrates! voc mesmo?

    Scrates (Scrates (Scrates (Scrates (Surpreso e satisfeito): Ora, sou eu! Como me conhece? Mandaram-na aqui para me encontrar? Eu esperava um mensageiro de Deus, mas me perdoe, voc no parece um.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, Scrates! Voc to, to socrtico! voc ou no ?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: claro que eu sou eu, a menos que a lei da no contradio tenha sido anulada aqui. Mas, onde aqui?.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Scrates, voc est no centro da academia, o principal crebro do mundo, na Universidade Havalarde que conseqncia da grande inveno de seu discpulo Plato. E aqui onde so ensinados muitos dos nossos reis da filosofia ou coisas do gnero. Na verdade, vamos ver... ah... aquele carto que voc tinha em mos... que se parece com um carto de inscrio para a Escola de Teologia Havalarde. Olha, e mesmo! Genial, voc vai fazer alguns cursos comigo. Fantstico! Venha, eu o ajudo a encontrar o local da sua inscrio.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E, tenho impresso de que preciso ser conduzido por voc. Enquanto estamos indo, poderia me explicar algumas dessas estranhas vises que meus cansados olhos esto vendo? Parece que no h lembrana alguma delas na minha mente.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Seria um prazer, Scrates. E um privilgio para mim ensin-lo! Falar sobre todo o progresso do mundo desde a sua poca. Deve ser extraordinrio para voc ver cerca de dois mil anos de progresso em um dia!

    Scrates (Scrates (Scrates (Scrates (Parando repentinamente no meio da rua.): Voc disse dois mil anosl

    Bertha (Bertha (Bertha (Bertha (Agarrando-opor trs.): Cuidado, Scrates! Os txis no param para filsofos aqui.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Flanagan? Nossa, que estranho. Achei que tinha visto... Deixe para l. Aquela... aquela coisa era um "txi"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: As pessoas no costumam mais caminhar longas distncias, mas andam de carro. Sim, todas aquelas coisas so carros. Gostaria de dar uma volta em um desses?

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    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu acho que prefiro caminhar.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Voc est com medo?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No, adoro caminhar. As pessoas no gostam mais de caminhar? Aquelas coisas carro parecem uma forma de no se caminhar mais, no so?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc quer dizer que as mulheres tambm trabalham?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Geralmente sim!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento as mulheres de sua poca se acham to escravizadas quanto os homens?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Escravizadas?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Escravizadas pela necessidade de trabalhar em funes desagradveis s por causa do dinheiro.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Scrates, tente no ser to crtico.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc quer dizer, tentar no ser eu mesmo? Tarefa difcil!

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu quis dizer, tentar olhar do nosso ponto de vista.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Estou tentando, mas no consigo. No entendo por que o rosto da maioria das pessoas para quem olho to triste, se vocs progrediram tanto? Por que todos correm nervosamente apressados como escravos preocupados em desagradar seus senhores?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No to ruim assim, Scrates.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Vamos ver. (Ele pra um grupo de vrios tipos de pessoas.) Com licena, meus amigos: algum entre vocs teria uma ou duas horas disponveis para conversarmos sobre as melhores coisas da vida, como virtude e verdade?

    Transeunte 1: Transeunte 1: Transeunte 1: Transeunte 1: Voc deve estar brincando!

    Transeunte 2: Transeunte 2: Transeunte 2: Transeunte 2: Quem esse excntrico?

    Transeunte 3: Transeunte 3: Transeunte 3: Transeunte 3: Virtude e verdade! E alguma marca importante?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc entende, Bertha? E isso que eu no consigo entender.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Ah, Scrates, eles s no tm tempo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas se as mquinas do comodidade, quem a rouba de vocs?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Ningum.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento a entregam assim, de graa? Isso ainda mais surpreendente!

    Bertha (Bertha (Bertha (Bertha (Puxando Scrates de volta para o meio-fio, no momento exato.): Olhe a luz vermelha! Que coisa, voc precisa prestar mais ateno por onde anda em vez de ficar com a cabea nas nuvens, falando sobre virtude e verdade!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc acabou de salvar a minha vida? Tenho a impresso de ver... Bem, obrigado. Realmente, at as caladas so perigosas aqui. Mas voc parece desviar-se da coisa mais perigosa de todas.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Do qu?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Da filosofia.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Ah, temos filsofos aqui.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Onde eles esto?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No departamento de filosofia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: A filosofia no departamento.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: S sei que temos filsofos.

  • 13 | P g i n a

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eles so perigosos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Claro que no.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento eles no so filsofos de verdade. Diga-me, ningum no mundo de vocs obedece ao primeiro mandamento do deus?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O que isso?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Conhece-te a ti mesmo.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, claro. Muitos vo a psiquiatras e psiclogos...

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eles so filsofos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: So como mdicos da alma. As pessoas vo at eles para se libertarem de seus problemas.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Neste caso, eles no so filsofos, pois os filsofos criam problemas.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Voc afirmava isso, Scrates; entretanto, hoje, ningum executado por filosofar.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ser que porque se interessam ou porque no se interessam por filosofia?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu acho que a maioria no se interessa, pois est ente-diada com a filosofia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Espere, h uma palavra que no entendo. O que estar "entediada"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu no entendo o que acontece, pois voc fala to bem portugus. Como no entende a palavra?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O portugus... na verdade... Mas estou aqui, sem saber como falo sua lngua primitiva sem nunca t-la aprendido. Contudo, no me esqueci da minha e eis uma palavra que no tem equivalente algum nela. Talvez as pessoas s tenham comeado a empreg-la na poca de vocs. possvel relacionar essa palavra com a adorao ao seu novo deus?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Deus?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Progresso.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O progresso no um deus, Scrates.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Se voc j sabe disso, ento por que o trata como se fosse?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Acha que fazemos isso? A maioria de ns acredita em um nico Deus, exatamente como voc.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Bem que eu vi! Quer dizer que meu segredo conhecido depois de todos esses anos? Diga-me, ento, mais uma coisa: como encontra sossego e momentos a ss nesse mundo para que possa conversar com o seu Deus, com voc mesma e com seus pensamentos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Pensando bem, no temos muito sossego ou momentos a ss em nosso mundo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E o que parece. E por qu?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Acho que no gostamos muito disso. Para dizer a verdade e pensando bem, isso que damos como castigo aos nossos criminosos mais perigosos, o pior castigo que entendemos.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc no est falando srio? A grande ddiva dos momentos a ss? Aquilo a que os sbios anseiam como algo mais precioso que o ouro?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Receio que assim, Scrates.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Comeo a entender por que fui enviado para c. Mas no vejo por que voc chama tudo isso de "progresso". Todo o seu mundo to abominvel quanto este lugar?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Calma, Scrates! Voc vai ofender os nativos, pois este lugar a Havalarde Square, um dos lugares mais populares para morar. As pessoas pagam o dobro para morar aqui em vez da zona rural (campo).

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Oh, ento vocs ainda tm zona rural tambm?

  • 14 | P g i n a

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Onde h grama verde, rvores que fazem bem sade e ar com cheiro de ar?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim, ainda h abundncia de reas no devastadas.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas, se vocs preferem viver em lugares como este, por que qualificam a regio campestre de "no devastada"? E por que escolhem viver em lugares que classificam como "devastados"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No sei. Imagino que seja por acharmos o campo entediante.

    Scrates Scrates Scrates Scrates (Com um suspiro.): Eis esta palavra de novo! Uma inveno de vocs que eu acho que no conhecamos.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: As pessoas nunca ficaram entediadas em sua Atenas, Scrates?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Acho que no, pois, se tivessem ficado, teriam inventado uma palavra para isto. Ns, gregos, ramos muito bons nisso, voc entende, na inveno de palavras.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Mas voc viveu na cidade em vez de no campo, no foi?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E que Atenas era uma cidade bonita. (Outro suspiro.) Imagino que tudo tenha se acabado.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No, as runas ainda esto de p e a maior parte do Partenon tambm; um ponto turstico muito popular.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Oh! Eu amaria visit-la a qualquer preo! A que distncia est? Podemos ir andando at l?

    Bertha (Bertha (Bertha (Bertha (Sorrindo.): No, Scrates, so milhares de quilmetros adiante, do outro lado do oceano. Voc precisaria voar at l.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Acho que voc est confundindo a minha identidade: o nome Scrates, no caro.

    Bertha Bertha Bertha Bertha (Sorrindo mais ainda.): No, eu quero dizer, em um avio, um pssaro mecnico que voa quilmetros em uma hora.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Como se fosse um deus! (Refletidamente.) E de modo to diferente! Mas me diga, por que os turistas ainda visitam as runas da velha Atenas?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Ora, porque eram muito bonitas, naturalmente.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu no entendo, ento! Se voc admite que Atenas mais bonita que Camp Rich, Massachusetts, ento por que no constrem cidades como Atenas em vez de como Camp Rich? Es-queceram-se de como se faz ou perderam a prtica?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Como, "no"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Simplesmente, porque no podemos voltar no tempo, Scrates.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No s podem como deveriam voltar, caso o presente se torne insustentvel, como parece ser o caso do mundo em que vocs esto vivendo.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Isso muito sagaz, Scrates.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No, no sagaz, mas simples e srio. Por que no ? Porque no foi uma questo retrica, mas uma objeo em favor de uma resposta.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: E porque no se pode desfazer o progresso, claro.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Oh, sim, eu tinha esquecido. O deus destrutivo de vocs est muito exigente e muito ciumento.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O progresso no um deus; ele nos serve, no ns a ele.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ah, assim? Ento ele os tornou mais felizes?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu... Eu acho que no sei.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E acha que deveria?

  • 15 | P g i n a

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu penso que sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Vamos ver se podemos melhorar seu conhecimento de uma suposio para uma certeza, ao encontrarmos uma evidncia. Se um senhor se serve do trabalho de um escravo, esse senhor espera se tornar mais feliz, sob certo aspecto, por esse trabalho?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Naturalmente. Do contrrio ele no teria um escravo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E o progresso, voc diria que escravo em vez de mestre em sua poca?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento vocs esperam que ele os faa mais felizes?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Prossiga...

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: A prxima pergunta, ento, se o progresso fez isso por vocs. As pessoas em sua poca esto mais felizes do que eram antes de o progresso chegar?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No sei.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Se vocs no sabem se os fez mais felizes ou no, ento por que optaram por ele?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu creio que ele, de fato, nos faz mais felizes hoje. Mas no sei como voc falaria isso; como ser possvel comparar duas culturas diferentes?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ora, indo em busca de pistas. E parece haver muitas: por exemplo, h menos descontentamento expresso na literatura da poca? Menos agitao e revoluo poltica? Menos mudanas agitadas no mundo? Poucas guerras e sem muito alcance? Poucos mudando de vida, de emprego, de casa, de esposa ou de marido, por insatisfao? Menos alienao mental? Poucos crimes? Poucos estupros, abuso infantil, infanticdio, abortos? Menos medo da morte por causa dos indivduos e da sociedade? Menos incerteza se a vida vale a pena ser vivida?

    Bertha Bertha Bertha Bertha (Suspirando.): No, Scrates. H muito mais!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mais do qu?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: De todas estas coisas. ScratScratScratScrates es es es (Sem acreditar.): Mais de todas estas coisas?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates Scrates Scrates Scrates (Ainda incrdulo.): Todas?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim, todas!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Uma coisa, ento, ao menos, parece bastante clara: as pessoas da sua sociedade esto mais infelizes que as da minha.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Penso que preciso admitir isto.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E voc, apesar disso, ainda acredita no progresso?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: E claro que acredito.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Que grande f voc tem em seu deus.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Isto no f, Scrates.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Bem, na certa, no razo nem evidncia.

    BerthBerthBerthBertha: a: a: a: Estou totalmente confusa. Preste ateno, ns estamos na avenida Divindade. L est o hall da Escola, logo abaixo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No tem ar de um local que lembre coisas divinas. Aquela a Escola de Teologia?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No, ela fica na avenida Franciscano.

    SSSScrates: crates: crates: crates: Podemos ir por esse caminho da avenida Divindade? Ser que vamos encontrar alguns deuses?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No, a avenida Divindade no tem sada.

  • 16 | P g i n a

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu j devia ter-lhe dito isso.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O qu?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Quero dizer que a ambio de ser uma divindade no muito promissora.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: A minha nica ambio neste momento voltar para uma rua que tenha sada.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas penso que voc est tentando se transformar em um deus, em seu novo deus progresso. Parece que voc j se tornou semelhante a seu deus, sempre mudando, nunca pensando. Ah, existe tambm um banco. Voc se lembra se agimos contra a natureza de seu deus, por um momento sequer? Quero dizer, se paramos e pensamos? Vamos nos sentar aqui e terminar nossa conversa antes de alcanarmos outro exemplo de progresso chamado "matrcula".

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Tudo bem. Eu gostaria de chegar ao fundo dessa coisa de progresso.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Sorte sua. Ora, isso que eu chamo de progresso.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Voc falou que o progresso nosso senhor, no nosso escravo; no entanto, no assim, pois somos os senhores do Universo, subjugamos a natureza. Progresso isso, e pelo menos isto voc no pode negar.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Talvez negar no, mas podemos investigar?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Certamente.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc me disse que vocs controlam a natureza agora?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim, muito mais que no passado, em todos os aspectos.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Diga-me, o que voc comentaria sobre este caso: imagine uma carruagem puxada por quatro cavalos teimosos. Suponha que voc tambm possa empregar uma daquelas coisas-carro de vocs, como exemplo. Agora, imagine uma criancinha com as rdeas, no controle. Ao mais leve toque da criana, os cavalos obedecem; a criana controla os cavalos e os cavalos, a carruagem. Mas o que tem o controle da criana? Pense que a criana seja to cega e to teimosa quanto os cavalos; ento imagine que ela no controla a si mesma, nem o prprio controle. Voc diria que essa criana est sob o controle da carruagem?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Voc est querendo dizer que isso a imagem do nosso mundo?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu que pergunto: vocs dominam o controle? Costumam ser pessoas de grande autocontrole?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No. Acho que somos pessoas muito violentas.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Neste caso, a carruagem da sociedade em que vocs vivem est em perigo.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Voc no sabe nem da metade, Scrates: bem neste momento, duas naes rivais tm armas chamadas bombas nucleares, que podem destruir cada nico ser vivente na Terra, basicamente por suspeitarem um do outro.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Por Zeus! Uma criana desobediente com uma arma gigantesca! Que combinao perigosa!

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Tambm parece que estamos preocupados com o nosso controle, porque uma das nossas histrias mais populares sobre um doutor Frankenstein, que cria um monstro mecnico, com fria assassina.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Oh, eu no vi as mquinas com fria assassina funcionando. Parece que vocs as esto controlando muito bem. Mas do a impresso de estarem preocupados com vocs mesmos; por exemplo, sobre se sero imprudentes o bastante para usar essas armas terrveis.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu no acho que sejamos to imprudentes, Scrates.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento, por que no se livram de todas essas armas? Assim, ambas as partes respiraro aliviadas e ficaro mais felizes.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Possivelmente somos esses tais tolos, Scrates. O que voc diz perfeitamente lgico, mas

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    no agimos assim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E mesmo que vocs no fossem to imprudentes quanto ao uso dessas armas, as mquinas no parecem estar fazendo vocs felizes, nem trabalhando como seus escravos; so, por isso, um indcio deficiente de progresso e poder.

    BBBBertha: ertha: ertha: ertha: Tornaram-nos mais sbios, em todo caso; sabemos muito mais que vocs, os gregos primitivos, sabiam.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc quer dizer que o conhecimento sozinho faz de voc um sbio? Conhecimento a mesma coisa que sabedoria?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No, mas ns, pelo menos, temos mais conhecimento.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Qual mais valioso, o conhecimento ou a sabedoria?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: A sabedoria.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento, onde est sua sabedoria moderna?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Na verdade, falamos, em geral, de "sabedoria antiga" e "conhecimento moderno", em vez de falarmos o contrrio.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Desse modo, voc concorda que os povos da Antigidade eram mais sbios, enquanto os modernos tm mais conhecimento?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Acho que sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E voc sabe que essa sabedoria a mais valiosa?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento por que vocs substituram a coisa mais valiosa pela menos valiosa? E por que chamam isso de "progresso"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Bem, pelo menos sabemos mais. Evolumos nessa rea, de alguma forma.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Vocs conhecem coisas como: nascer e morrer; amar e odiar; vida e Deus, mais do que ns?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Certamente. Sabemos milhares de coisas sobre estes que voc nunca soube.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Vocs podem at conhecer mais sobre elas, mas vocs as conhecem mais?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No entendo a distino que voc est fazendo.

    ScratesScratesScratesScrates: : : : Por exemplo, vocs devem saber qual a temperatura de amanh de modo bem mais exato que ns, eu suspeito.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas vocs pensam que conhecem o clima em si melhor que um marinheiro ou um fazendeiro que convivem com o clima, companhia constante de toda a vida?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, eu entendo. Bem, de certa forma no, mas de outra sim. Podemos control-lo mais. Por causa do nosso conhecimento, podemos controlar muitas foras da natureza que voc nunca so-nhou controlar. Fomos capazes de voar at a Lua, por exemplo...

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Realmente incrvel! E um lugar gostoso de se viver?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No, no h vida l. E impossvel viver l.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento, por que foi bom ir at l?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Voc precisa questionar tudo?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Sim.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Observe algo mais: podemos nos comunicar com algum a dez mil quilmetros de distncia em um instante, mais rpido que o mensageiro dos deuses. Com certeza, isto progresso.

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    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Sim. Voc tem mais alguma coisa que valha a pena dixer?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Podemos cultivar o alimento com dez vezes mais eficincia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E assim vocs acabaram com a fome?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Bem, no... Mas podemos curar milhares de doenas.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No sabia que existiam milhares de doenas. Vocs j inventaram alguma nova?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu... eu mal posso acreditar no que estou ouvindo, Scrates. Sempre pensei que voc fosse um progressista.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O que um progressista?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Algum que est frente de sua poca.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Como algum pode estar frente de sua poca? possvel viajar mais rpido para o futuro que o tempo?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Significa frente de outras pessoas de seu tempo. Por exemplo, voc no se manifestou em favor da liberdade de expresso dos direitos do homem e da sacralidade da opinio de todo homem em sua Apologia, no ltimo discurso antes de o tribunal conden-lo morte?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Se Plato registrou o meu discurso corretamente, vocs no vo encontrar sequer uma idia dessas l. Talvez vocs tenham interpretado de modo equivocado.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O qu? Voc nega aquelas idias?

    ScraScraScraScrates: tes: tes: tes: Eu no disse aquilo. Deveramos investig-las.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No, agora no. No h tempo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Na minha poca, teria tempo, mas vocs vivem em

    meio a tanto progresso...

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No que acredita, Scrates, se no cr naquelas coisas ou no progresso?

    ScScScScrates: rates: rates: rates: Como eu disse em meu julgamento, acredito no deus, embora no possa nomea-lo.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Mas um deus imutvel, no ?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Sim. Esta foi uma das razes pelas quais eu no dei nome ao deus Zeus ou mesmo a Apolo. Os deuses nos quais meus companheiros atenienses acreditavam eram to inconstantes como o vento ou como um daqueles semforos de vocs.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Mas, se o seu deus imutvel, voc vive em um mundo esttico; logo, no h possibilidade de progresso.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu considero exatamente o contrrio.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O qu?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: S podemos progredir se o deus no alcanar o progresso. Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Como imagina isto?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc no definiu progresso como uma mudana para melhor?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E "melhor" significa "o mais perto do mximo"?

    BerBerBerBertha: tha: tha: tha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E o deus o melhor?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Bom. Tambm acredito nisso. Meus compatriotas acreditavam em deuses que eram alguma coisa inferior ao que o melhor. Bem, ento, se o progresso significa mudana para melhor, e se o deus o melhor, nesse caso o progresso significa mudar em relao ao deus.

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    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: E da?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O deus, portanto, o objetivo do progresso.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu ainda no entendo qual a questo bsica de tudo isso.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Suponha que o deus, o objetivo do progresso, esteja mudando; portanto, o progresso torna-se impossvel. Como avanar na direo de um objetivo que se manifesta em retrocesso? Se-ria possvel um atleta evoluir at a linha de chegada, se algum ficasse movimentando a linha enquanto ele corre?

    BerBerBerBertha: tha: tha: tha: No.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento, se o deus avana, voc no pode avanar, porque deus o seu objetivo. Sem uma meta imutvel, no se pode julgar qualquer mudana como progresso. Assim voc no pode ter nenhuma esperana.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: claro que temos esperana.

    SSSScrates: crates: crates: crates: Qual a sua esperana?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Um mundo melhor.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas o que um mundo melhor? Como pode saber que mundo melhor sem o melhor como padro?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Vivemos apenas de esperanas.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E sem definir seu objeto?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim, sem definir o objeto, pois isso o limitaria. Atingir uma extremidade pode ser entediante, pois o percurso para chegar l que bom. "A viagem melhor que a chegada."

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Oh, no, no pode ser.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Por que no?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Se voc no tem esperana de chegar, ento como pode viajar esperanosamente? No h nada pelo que esperar.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Mais esperana o que esperamos. Um dos nossos sbios homens disse: "No h nada a temer seno o temor em si mesmo". A esperana tambm assim, pois no h nada pelo que esperar, seno a esperana em si.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas como esperar na prpria esperana? Esperana na esperana? Esperana de qu? Imagino que voc tambm esteja apaixonada pelo amor, e no por algum? Voc tem f na f em vez de f no deus?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O que h de errado com isso?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E como um salo de espelhos, que no tem nada fora dele para aparecer neles. Como Narciso, voc v apenas o prprio reflexo.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Scrates, estou realmente decepcionada com voc. Pensei que voc fosse mais atualizado que isso. Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Atualizado? Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: 1987.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E estou aqui, portanto estou bem atualizado. Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Mas voc no acredita em 1987. Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Claro que no. Como se pode acreditar em um nmero? Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Quis dizer que voc no acredita em progresso. ScraScraScraScrates: tes: tes: tes: Estou tentando lhe dizer isso por muito tempo, mas sem muito sucesso. No, eu no. Eu no acreditava nos deuses modernos e atuais, em que meus compatriotas acreditavam tambm, e fui executado por isso. Diga-me, as pessoas ainda acreditam em Zeus hoje?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No. Ningum mais.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Bem, ento voc no percebe? As crenas mais atuais do meu mundo eram aquelas que foram datadas logo, e a mesma coisa vai acontecer com as suas, eu lhe asseguro, incluindo este novo deus progresso. E quando isso acontece, a ser progresso verdadeiro.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, preste ateno, chegamos Escola de Teologia. L est a fila de matrcula. Olhe, preciso

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    me matricular no segundo andar. Acha que pode ficar s por alguns minutos, sem problemas? Eu creio que no. Aqui est um jornal; por que no vai lendo enquanto espera na fila? Ele vai lhe dar alguma idia ainda do que est acontecendo com nosso mundo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O New Yuck Times?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim, este o nome do nosso maior jornal.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Prefiro ler as eternidades. Eu no imaginava que vocs tivessem tamanha publicao aqui.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Gostamos de nos manter atualizados aqui na Escola de Teologia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Imaginava que fosse tempo demais para esperar, mas eu esperava realmente que a "Escola de Teologia" teria algo a fazer com as eternidades. Os deuses de vocs no so eternos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Esta outra coisa sobre a qual discutimos aqui.

    Scrates (Scrates (Scrates (Scrates (Animado.): mesmo? Ento talvez este seja o lugar certo para mim, depois de tudo.

    3333 Seria Jesus um fundamentalista?Seria Jesus um fundamentalista?Seria Jesus um fundamentalista?Seria Jesus um fundamentalista?

    Bertha Broadmind percebe Scrates andando, de modo confuso, de um lado a outro durante o processo de matrcula na Escola de Teologia Havalarde. Scrates parece meio perdido, ento Bertha abre caminho em meio multido e o alcana.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: J terminou de fazer a matrcula, Scrates?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Acho que sim. Meu carto de identificao j est com os meus cursos listados, portanto deduzi que seja quem for que providenciou para que eu estivesse aqui tambm o fez para os meus cursos. Ainda no tenho idia de quem seja. Pelo jeito, s um deus poderia influenciar pessoas em um momento como este, assim o melhor que tenho a fazer seguir a sua direo, seja quem for. E provvel que eu tenha sido enviado para c a fim de descobrir algo; ou, quem sabe, descobrir quem sou eu ou as duas coisas. De algum modo, essas duas questes parecem interligar-se de modo inexplicvel.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Deixe-me ver em que cursos voc est matriculado, Scrates. Hum... Cincias da Religio, Religies Comparadas, Fundamentos da Desmitificao... Que bom! Faremos alguns cursos juntos.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O que, pelo amor de Deus, "desmitificao"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: E uma sada para o fundamentalismo. Os fundamentos da desmitificao pretendem desmitificar o fundamentalismo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas o que fundamentalismo?

    BerthaBerthaBerthaBertha: : : : Fundamentalismo basicamente uma estreiteza de viso que passa a considerar tudo a partir de categorias rgidas, limitadas e preconcebidas.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E uma daquelas mquinas pensantes que vocs tm, os computadores? Ento um computador um fundamentalista?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, acho que preciso tornar a minha definio um pouco mais especfica.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Quer dizer que um pensamento limitado transforma a pessoa em fundamentalista?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No sei se levo voc a srio ou no. No, o fundamentalismo no significa apenas ter um pensamento limitado, mas um termo religioso. Um fundamentalista obriga a tudo e a todos a aceitarem suas categorias religiosas limitadas e insuficientes.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Que categorias so essas?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: A salvao e a condenao, principalmente. O discurso deles que, se voc no nascer de novo como eles, ir para o inferno.

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    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: A meu ver, esta idia, independentemente do que signifique, repulsiva para voc. isso mesmo?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: claro que . a atitude mais anticrist.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O que ser cristo? Pelo que percebo voc crist?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Estou tendo aulas de Estudos Religiosos aqui.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No foi esta a minha pergunta!

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: possvel at que eu seja ordenada como obreira.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Voc ainda no respondeu minha pergunta.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Tudo bem. S no posso acreditar que, se voc no nascer de novo, ir para o inferno.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Acho que voc no quer responder a minha pergunta. Bem, vamos tentar outra. Suponho que voc tenha razes para acreditar e no acreditar, no tem?

    BBBBertha: ertha: ertha: ertha: Claro.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O que quer dizer com ento? Ah, entendo. Voc quer saber por que no acredito no fundamentalismo. Ora, porque uma limitao maldita.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Achei que voc disse que eles se consideravam os salvos e, por isso, a atitude deles era mesquinha demais. Assim, seriam "salvos egostas" e no "condenados egostas", no seriam?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Hein?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Por favor, s me diga por que acredita que o fundamentalismo no verdade?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, bem, porque, se fosse, a maioria do mundo estaria no inferno, e s uma elite reduzida e seleta estaria no cu.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Sim, mas como sabe isso?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Ora, porque a lgica, claro. Voc no percebe?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Perceberia, se eu observasse. Vamos observar. Essa concluso fruto de que premissa?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: E to simples, Scrates. Se s os nascidos de novo esto salvos e apenas alguns nasceram de novo, logo, somente alguns esto salvos. Voc no parte sempre da lgica?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Partir dela? Eu a dei ao mundo.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, desculpe. Esqueci.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Certo, mas vamos observar o seu silogismo, se voc no se importa. Certamente ele parece irrepreensvel, mas eu gostaria de tangenciar o irrepreensvel, se possvel. O seu argumento realmente reductio ad absurdurn12, como se diz. Voc nega a premissa fundamentalista de que s os nascidos de novo esto salvos porque ela logicamente impe a concluso absurda de que apenas alguns esto salvos. No est certo?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento, a minha pergunta : como sabe que a concluso absurda?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: E voc no acha que seja?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: No estamos considerando o que eu penso, mas o que voc pensa. Eu no sei nada sobre essa coisa nova e estranha chamada fundamentalismo, mas voc sabe. Voc est me ensinando, lembra? Assim, por favor, faa isso por mim e continue me ensinando.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: O que quer saber?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O que j perguntei duas vezes e no foi respondido, ou seja: como sabe que a concluso de

    12 Expresso latina que significa reduo ao absurdo.

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    que s alguns esto salvos falsa?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No posso acreditar nisso, simplesmente; isso tudo. E um absurdo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Vocs no tm justificativa alguma para essa crena?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Ser que preciso justificar tudo em que acredito?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Se concorda que a vida sem questionamento no vale a pena ser vivida, ento precisa realmente justificar. "Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razo da esperana que h em vocs."13

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Bem que eu vi! Voc acabou de revelar o seu disfarce, "Scrates". De onde tirou essa citao?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Sobre vida sem questionamento? Ora, eu a inventei h milhares de anos, em minha cano do cisne, na Apologia. Eu sei que ainda est por a porque acabei de ver uma cpia naquela estante l. O que quer dizer com "acabou de revelar o seu disfarce"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Refiro-me outra citao, sobre dar uma justificativa a tudo; bblico. Quando foi que leu a Bblia?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu no a li. E o que eu disse no era citao; s falei porque pensava ser verdade.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Significa que voc disse exatamente a mesma coisa que o apstolo Paulo?

    SSSScrates: crates: crates: crates: Eu no sei quem ele, mas no seria bastante surpreendente se a verdade fosse a mesma na forma de dizer de duas pessoas diferentes?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eu diria que voc quase to inteligente quanto ele. Veja bem, se voc j terminou tudo referente matrcula, melhor darmos isso por encerrado! Vejo voc na aula.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Eu no entendo por que voc no quer terminar a nossa investigao. Ns s comeamos. E como ouvir uma cano pela metade; voc no quer ficar e cantar a outra metade para mim, por mim, se no for por voc? Eu ainda no tenho sequer uma idia do que realmente seja essa coisa terrvel chamada fundamentalismo.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Certo, tudo bem. Onde estvamos?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O argumento era que o fundamentalismo deve ser falso porque diz que somente os nascidos de novo so salvos e se somente alguns so nascidos de novo, ento apenas alguns sero salvos, caso o fundamentalismo esteja certo. Mas voc achou esta concluso absurda, sem dar nenhuma razo para isso. Agora, j que voc no vai apresentar uma razo para isso, vou tentar outra abertura na cmara interna do entendimento que est ligada a esse argumento. A segunda premissa pode ser uma porta. Podemos discutir se voc quiser. Como sabe que s alguns so nascidos de novo, independentemente do que isso signifique?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: As pesquisas todas dizem isso.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Essa coisa de nascer de novo, se d por dentro ou por fora de ns?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Por dentro de ns; isto , no corao ou na alma.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E as pesquisas avaliam o corao ou a alma?

    BerthBerthBerthBertha: a: a: a: No.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento como podem saber quantos realmente nasceram de novo?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Eles no podem, eu acho. Mas ainda discordo da estrei-teza dos fundamentalistas. Este o princpio bsico. Quem eles pensam que so para dizer que vo para o cu?

    ScratScratScratScrates: es: es: es: Esta parece ser uma pergunta extremamente importante, em qualquer caso, no parece? Como ir para o cu? Como ter uma eternidade feliz?

    Bertha: Sim...Bertha: Sim...Bertha: Sim...Bertha: Sim...

    13 1 Pedro 3.15.

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    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Por isso, devemos tentar encontrar a verdadeira resposta para isto, talvez antes de todas as outras.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Agora voc est comeando a falar como um deles.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Se isto que significa eles isto , as pessoas que fizeram aquela pergunta ento parece que elas so racionais; j os que no a fizeram so tolos e limitados.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No. Vamos fazer a pergunta. Eu sou tolerante; por isso, admitiria qualquer pergunta.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Que bom. Ora, como poderamos encontrar a resposta a uma pergunta desse tipo? Voc j esteve no cu?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: E bvio que no.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Quer dizer que isso ainda no faz parte da sua experincia?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Quando queremos descobrir a verdade sobre uma questo que no faz parte de nossa experincia, o que fazemos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No sei o que voc quer dizer.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Quando queremos descobrir o que se sente quando se rico, o que fazemos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Perguntamos a algum que rico, lgico.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E no a seus colegas estudantes daqui? *

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E quando queremos descobrir como se faz um grande poema, o que fazemos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Perguntamos a um grande poeta.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E no a este New Yuck Times que tenho debaixo do brao?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No, porque isso no poesia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E quando queremos descobrir como viajar pelo Egito, a quem perguntamos?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: A um egpcio.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E no s pesquisas?

    BBBBertha: ertha: ertha: ertha: No, seria tolice. Por que est fazendo estas perguntas?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Para encontrar um princpio. Voc entende isso?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Imagino que voc queira dizer que, quando queremos conhecer a verdade sobre algo que no faa parte de nossa experincia, perguntamos a um especialista, o nico que realmente conhece por experincia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Exatamente. Bem, ento, quando voc quiser saber como ir para cu, h algum a quem perguntar?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: No sei.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Que pena! Que tema voc disse que estuda aqui?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Cristianismo.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: E o que isso?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Cristianismo a nossa religio.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Por que chamado "cristianismo"?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Porque fundamenta-se em Jesus, que tambm chamado "Cristo".

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Este Jesus, voc diria que ele foi um fundamentalista?

  • 24 | P g i n a

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Certamente no!

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ele o seu especialista em cu e em como chegar l?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Se existe algum que pode ser, esse algum ele.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mais que as pesquisas, o Times ou os seus colegas estudantes?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Com certeza.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Assim, se houvesse diferena de opinio sobre esse assunto, Jesus seria a autoridade mais confivel?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Bem, sim...

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ora, qual a resposta de Jesus para a nossa pergunta de como chegar ao cu?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, mas essa uma questo muito controversa. H muitas escolas teolgicas cujas opinies so diferentes, denominaes e igrejas diferentes e no h sequer uma simples resposta com a qual todos concordem. E uma questo de interpretao; por isso, acredito que deveramos ser to imparciais e tolerantes quanto possvel: liberdade de interpretao, nisso que insisto. O que Jesus quis dizer est longe de ser simples, e cada um precisa interpret-lo a prpria maneira.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Oh, ento esse Jesus no era um homem comum, um homem do povo, que falava com pessoas simples e para elas?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim, era o que ele mais fazia.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ento ele no era um bom professor?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim, era tambm. Por que a pergunta?

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Um bom professor aquele que verdadeiramente sabe se comunicar, voc no diria? Algum que se faa entender?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Bem, aparentemente, esse tal Jesus no era um professor muito eficiente, j que os discpulos dele, da atualidade, discordam tanto sobre o elemento mais importante da sua doutrina: como ir para o cu.

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Como eu disse, uma questo de interpretao.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Mas certamente h uma questo anterior: o que ele disse? Antes de interpretarmos um enunciado, devemos conhec-lo. Diga-me, ento: Jesus falou que havia muitas maneiras de chegar ao cu ou s uma? Falou que essa maneira era uma entre muitas ou a nica?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Ah! Bem, ele disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ningum vem ao Pai, a no ser por mim". Mas o que ele quis dizer com isto, eu acho que era...

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Ser que inicialmente podemos entender o que ele disse, antes de investigarmos o que ele pde ter tido a inteno de dizer?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Que vantagem teramos se no entendssemos? Por que repetir as suas palavras como papagaios, se no sabemos interpret-las corretamente? E assim que os fundamentalistas fazem.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Diga-me, voc acha que devamos agir cientificamente por meio de nossas atitudes, diante de sua Escritura?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Oh, com certeza, porque so os fundamentalistas que no agem com cientificidade, alm de desconfiarem da cincia, principalmente quando aplicadas Escritura. Por que temos de ouvir as coisas horrveis que dizem sobre a crtica superior...

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Uma coisa de cada vez, por favor. No estamos nem mesmo acima da baixa crtica ainda, apenas agrupando dados. Podemos abordar os dados mais frente? Esse tal Jesus disse que o caminho para o cu era largo e fcil, e que muitos o encontrariam?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Na verdade, ele disse o contrrio. Mas isso no quer dizer que...

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    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Desculpe-me por interromp-la outra vez, mas podemos reunir os nossos dados primeiro, antes de interpret-los? Talvez voc esteja prestes a falar alguma verdade, mesmo uma verdade essencial; entretanto, a verdade tambm tem uma estrutura e uma ordem, no tem? No deveramos conhecer a coisa interpretada antes de conhecermos a interpretao?

    Bertha: Bertha: Bertha: Bertha: Exato.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: Agora, Jesus falou da questo defendida pelos fundamentalistas, isto , de nascer de novo?

    Bertha: Sim.Bertha: Sim.Bertha: Sim.Bertha: Sim.

    Scrates: Scrates: Scrates: Scrates: O que exatamente ele disse sobre isso, no que se refere a entrar no cu?

    Bertha: Bertha: Bertha: Be