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Sociedade em rede e cultura digital

Semana 4Texto base 3

Exclusão digital: desigualdade tecnológica e cultural

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Semana 4Texto base 3

Apesar da sensação de que “todo mundo tem internet”, de acordo com dados da Internet

World Stats (http://www.internetworldstats.com/stats.htm), entidade que monitora a difusão

da internet no mundo, somente 42,4% da população mundial têm acesso à rede (dados de

31/12/2014), correspondendo a 3,08 bilhões de pessoas conectadas, o que signifi ca que a

centralidade da internet em grande parte das áreas da atividade social, econômica e política

corresponde à marginalidade para quase 60% dos habitantes do planeta, que a ela não têm

acesso, ou têm acesso limitado por algum motivo.

Essa desigualdade é mais gravemente percebida quando se leva em conta a disparidade

existente no percentual de pessoas conectadas em cada região, em acentuado contraste com

a parcela da população mundial que vive em cada uma delas: enquanto na América do Norte

o percentual da população conectada é de 86,9%, na África esse número cai para 27,5%,

passsando por 34,8% na Ásia (incluindo o Japão); 48,1% no Oriente Médio; 52,4% na América

Latina e Caribe1; 70,4% na Europa e 72,1% na Oceania/Austrália.

Quando se considera todos os internautas do mundo, 75% deles estão em 20 países (o Brasil

está em quinto lugar nesse ranking). Os 25% restantes estão distribuídos entre 178 países,

cada um com penetração de menos de 1% de sua população. Estados Unidos, Alemanha,

França, Reino Unido e Canadá têm, todos eles, mais de 80% de suas populações conectadas.

Esses números representam a chamada “divisão digital” ou “brecha digital” e traçam o mapa

da exclusão digital no mundo. Sobre esse quadro, Manuel Castells faz um alerta:

Por intermédio da tecnologia, redes de capital, de trabalho,

de informação e de mercados conectaram funções, pessoas e

locais valiosos ao redor do mundo, ao mesmo tempo em que

desconectaram as populações e territórios desprovidos de valor

1 A América Latina e Caribe têm 182,8 milhões de usuários conectados. A taxa de penetração em cada país (percentual da população conectada) é liderada pelo Chile, com 50,4%, seguido da Argentina, com 48,9%, Colômbia, com 47,6%, e Brasil, com 36,2%. A média de crescimento na América Latina e Caribe, de 2000 a 2009, é de 927,2%, sendo que o crescimento do Brasil no período foi de 1.340,6%.

Exclusão digital: desigualdade tecnológica e cultural

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e interesse para a dinâmica do capitalismo global. Seguiram-se

exclusão social e não-pertinência econômica de segmentos de

sociedades, de áreas urbanas, de regiões e de países inteiros,

constituindo o que eu chamo de “o quarto mundo”.

Castells considera que a sociedade pode sufocar, incentivar ou priorizar caminhos para seu

desenvolvimento tecnológico, principalmente por intermédio do Estado:

Sem dúvida, a habilidade ou inabilidade de as sociedades

dominarem a tecnologia e, em especial, aquelas tecnologias

que são estrategicamente decisivas em cada período histórico,

traça seu destino a ponto de podermos dizer que, embora

não determine a evolução histórica e a transformação

social, a tecnologia (ou sua falta) incorpora a capacidade de

transformação das sociedades, bem como os usos que as

sociedades, sempre em um processo confl ituoso, decidem dar

ao seu potencial tecnológico.

Nesse sentido, é muito importante ressaltar as primeiras políticas culturais voltadas ao

cenário das redes, lançadas em 2004 pelo Ministério da Cultura e representadas pelos Pontos

de Cultura, frente principal do Programa Cultura Viva, que começamos a tratar em nossa

última aula. A concepção dos Pontos de Cultura previa um aspecto singular, dotado de grande

potência transformadora: a instalação de um pequeno estúdio digital de produção audiovisual,

com recursos mínimos de gravação de áudio e vídeo e microcomputadores conectados à

internet. Além da criação de uma teia, orgânica e articulada, de Pontos, essa confi guração dava

a cada unidade a possibilidade de gerar conteúdos culturais em mídia digital (vídeos, fotos,

sites, blogs), com narrativas produzidas a partir de seus próprios pontos de vista, promovendo

em consequência a já mencionada diversidade na rede.

Mais que o download, ganhou espaço o upload, a possibilidade de produzir conteúdos

culturais em mídia digital (fotos, vídeos, textos, blogs, músicas, manifestações culturais de

todas as naturezas e linguagens etc.) e postá-los na rede, o que contribui para uma internet

com mais diversidade cultural, estética e linguística. A Convenção sobre a Proteção e Promoção

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da Diversidade das Expressões Culturais, elaborada pela Unesco, com grande participação do

Brasil em sua elaboração, preconiza a utilização das novas tecnologias “para incrementar o

compartilhamento de informações, aumentar a compreensão cultural e fomentar a diversidade

das expressões culturais”, registrando, ainda, o alerta sobre os riscos de desequilíbrio entre

países ricos e pobres.

Um case de cultura digital no que tange ao upload foi, nos últimos três anos, o fenômeno do

“passinho”. Jovens da periferia começaram a gravar com seus celulares os passos – mistura de

funk, break, frevo e samba – que criavam para se destacar nos bailes. Em seguida, corriam às lan

houses ou aos próprios computadores, para postá-los no YouTube, divulgando-os em seguida

no Facebook. Cada novo passinho é inventado a partir das combinações de outros já criados

antes, em uma constante recriação coletiva que remete ao remix e às colagens do funk.

O passinho se transformou imediatamente em um fenômeno, com milhões de visualizações

na rede. Deu origem a inúmeras competições (“batalhas”) presenciais e virtuais envolvendo

diferentes comunidades e gerou um documentário de longa-metragem2. De acordo com

Julio Ludemir, idealizador, com Rafael Nike, das Batalhas do Passinho, o que começou como

brincadeira se transformou em uma forma de romper a invisibilidade social que afeta o jovem

da favela:

O passinho é uma expressão estética genuína do moleque

da periferia que cresceu dentro da lan house, fuçando o mundo

do outro lado da tela, que, em princípio, não estaria disponível

para ele, mas que ele se apossou. Aprendeu inclusive a usar

o Youtube como ferramenta de divulgação. A Batalha leva

os meninos para o centro e rompe a lógica do tráfi co que

fazia com que eles não pudessem ir à comunidade vizinha. A

estratégia da Batalha é apostar na circulação na cidade, numa

cidade de todo mundo...3

2 O fi lme A batalha do passinho, dirigido por Emilio Domingos.3 Disponível em: http://uppsocial.org/2013/03/esta-dada-a-largada-para-a-batalha-do-passinho-2013/

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O Brasil é considerado um fenômeno na assimilação das redes sociais e das tecnologias

digitais. Em uma de suas várias visitas de observação sobre a apropriação dos paradigmas

ciberculturais, no ano de 2007, John Perry Barlow, fundador da Electronic Frontier Foundation

(EFF), uma das mais importantes organizações dedicadas à defesa das liberdades civis no

mundo digital, registrou: “O Brasil é, naturalmente, uma sociedade em rede”.4

No mesmo ano, o sociólogo francês Michel Maff esoli, fundador, na Sorbonne, do prestigioso

Centro de Estudos sobre o Atual e o Cotidiano (CEAQ), vaticinava: “O Brasil é um laboratório

vivo da pós-modernidade”.5

4 Entrevista de Barlow ao blog Ecologia Digital, em setembro de 2007. Disponível em: http://ecodigital.blogspot.com.br/2008/02/john-barlow-explica-o-fenmeno-orkut-no.html5 Entrevista de Maff esoli ao nominuto.com, em 9/9/2007. Disponível em: http://nominuto.com/noticias/brasil/maff esoli-o-brasil-e-um-laboratorio-vivo-da-pos-modernidade/26972/