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1 SOLSTÍCIO DE INVERNO: COMENTÁRIOS GERAIS Todas as vezes em que nos reunimos nos meses de março, junho, setembro e dezembro, para comemorarmos respectivamente o Equinócio de Outono, o Solstício de Inverno, o Equinócio de Primavera e o Solstício de Verão, saliento que a situação astronômica no hemisfério norte (conhecido também como boreal ou setentrional, onde existe, segundo dados obtidos da Internet, mais de 60% das terras emersas e de 90% da população terrestre) é inversa; em 21 de junho, por exemplo, na América do Norte, América Central, Europa, Ásia e em partes da América do Sul e da África nossos confrades comemoram o Solstício de Verão, enquanto aqui, no hemisfério sul, denominado também como austral ou meridional (que é composto principalmente de água e da Antártida, maiores partes da América do Sul, da Indonésia, países vizinhos e da Oceania, e parte da África), nós comemoramos o Solstício de Inverno. 1 Assim, por causa dessa reiteração, é provável que algum Irmão a 1 Segundo o escritor maçônico belga Delsemme a constituição da Grande Loja de Londres, em 1717, ocorreu em data de festa solsticial (Cf. DELSEMME, Paul. Les écrivains francs-maçons de Belgique; préface de Raymond Trousson. Bruxelles: Bibliothèques de l'Université libre de Bruxelles, 2004, p. 27), sendo esse fato narrado também na “Pietre-Stones Review of freemasonry” ( Cf. cronologia maçônica 2ª parte 1717/1812).

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SOLSTÍCIO DE INVERNO: COMENTÁRIOS GERAIS

Todas as vezes em que nos reunimos nos meses de

março, junho, setembro e dezembro, para comemorarmos

respectivamente o Equinócio de Outono, o Solstício de

Inverno, o Equinócio de Primavera e o Solstício de Verão,

saliento que a situação astronômica no hemisfério norte

(conhecido também como boreal ou setentrional, onde

existe, segundo dados obtidos da Internet, mais de 60% das

terras emersas e de 90% da população terrestre) é inversa;

em 21 de junho, por exemplo, na América do Norte, América

Central, Europa, Ásia e em partes da América do Sul e da

África nossos confrades comemoram o Solstício de Verão,

enquanto aqui, no hemisfério sul, denominado também

como austral ou meridional (que é composto principalmente

de água e da Antártida, maiores partes da América do Sul,

da Indonésia, países vizinhos e da Oceania, e parte da

África), nós comemoramos o Solstício de Inverno.1 Assim,

por causa dessa reiteração, é provável que algum Irmão a

1 Segundo o escritor maçônico belga Delsemme a constituição da Grande Loja de Londres, em 1717, ocorreu em data de festa solsticial (Cf. DELSEMME, Paul. Les écrivains francs-maçons de Belgique; préface de Raymond Trousson. Bruxelles: Bibliothèques de l'Université libre de Bruxelles, 2004, p. 27), sendo esse fato narrado também na “Pietre-Stones Review of freemasonry” (Cf. cronologia maçônica —2ª parte —1717/1812).

2

suponha supérflua porque, “afinal” — pensará ele —, “a

existência desses hemisférios — simbolizados em nossos

templos pelas Colunas do Norte e do Sul, entre as quais se

erige verticalmente o Eixo imaginário2, cruzado pela Grade

do Oriente, em cujo ápice fica o Trono de Salomão — é

ensinada, atualmente, nos cursos escolares”. “Demais” —

repensara ele com base nesta lição de astrologia — , “o Sol

não está em nenhum signo do Zodíaco, senão simplesmente

parece estar ao passar entre nossa pequena esfera — a

Terra — e as constelações, em qualquer estação ou tempo

determinado”.3

Pois bem, sem embargo dessas presuntivas e sábias

asserções, valho-me mais uma vez dessa repetição, na

esperança de que ela seja útil na interpretação de nossos

arcanos (ressaltando, por seu intermédio, minha condição

de aprendiz dos Mistérios Arcaicos), pois aquela divisão —

a exemplo dos pontos extremos daquele eixo, denominados

astronomicamente zénite e nadir — recorda-nos também o

aspecto dual da natureza: tudo em nosso Sistema Solar, e

2 Equivalente ao “equador solar” das teorias chinesas do Feng Shui.

3 Conforme a lição da fundadora da Sociedade Teosófica, a erudita Helena

Petrovna Blavatsky, o “Zodíaco móvel ou natural é uma série de constelações

que formam um cinturão de 47 graus de largura, localizado ao norte e ao sul do

plano da eclíptica. A precessão dos equinócios é causada pelo ‘movimento’ do

sol através do espaço, o qual faz que as constelações pareçam se mover para

frente contra a ordem dos signos à razão de 50 e 1/3 segundos por ano” (Cf.

“Glosario Teosófico”, verbete “zodíaco”, p. 1101-2. Disponível em:

<www.portadosol.org.br>).

3

de forma análoga no Universo, presuntivamente tudo,

submete-se ao princípio de polaridade que é representado,

em nossos templos, dentre outros símbolos, pelo Pavimento

Mosaico.4 Consequentemente, se não forem feitas as

adaptações necessárias ao estudo de nossas tradições —

ou seja, se as analisarmos sob uma forma fixa, como fossem

ajustáveis de per si às nossas situações astrais, sem

considerarmos as posições que a Terra ocupa ciclicamente

perante o Sol e as posições que esse astro ocupa

igualmente de forma cíclica perante as doze constelações

do zodíaco5 —, seus significados originais provavelmente se

perderiam (exceto, obviamente, para aqueles que já os

alcançaram), como sucederia, por exemplo, com a

modificação dos dados de uma equação no estudo da

química moderna (ciência ensinada e aplicada por meio de

símbolos), uma vez que o esquecimento ou a alteração

arbitrária do sistema da ciência sagrada implica sempre,

4 De acordo com esse princípio em tudo há dois polos ou aspectos opostos que

são, na realidade, simplesmente os dois extremos da mesma coisa, consistindo

a diferenciação em variação de graus, conforme se verifica do livro “O Caibalion”

(obra dedicada ao estudo da Filosofia Hermética do Antigo Egito e da Grécia),

do qual se extrai esta observação: “O conhecimento do Princípio habilitará o

discípulo a mudar a sua própria Polaridade, assim como a dos outros, se ele

consagrar o tempo e o estudo necessário para obter o domínio da arte.”

5 Cujo polo norte é diferente do polo norte geográfico consoante demonstrou, dentre outros, William Eisen em “A Cabala Astrológica: a linguagem do número” (Tradução: Julia Vidili. São Paulo: Madras, 2006, p. 223).

4

para dizer o mínimo, a distorção dos ensinamentos legados

pelos nossos ancestrais.6

De fato, para comprovação da veracidade dessa

assertiva (refiro-me à importância da diferenciação das

polaridades no estudo da natureza baseado na razão e na

ciência), recordo que no século 18, quando se formalizou a

fase apenas especulativa da nossa sublime instituição — já

desenvolvida desde o século 17 na opinião de historiadores

mais recentes7, porque os mais antigos nos revelam, como

é o caso de Jean Louis Laurens em livro publicado em 1805,

não só a existência de lojas maçônicas “antes do 14º

século”, “na Alemanha, na Inglaterra, na Prússia e até na

França”, mas também de regulamentos gerais “redigidos em

1340”8 —, quando se formalizou a Franco-Maçonaria no

século 18, repito para efeito de clareza, nosso objetivo

exotérico se restringia, como Grande Loja, à realização de

6 Segundo os expositores do Caibalion o Princípio de Polaridade, que é o quarto

na ordem da apresentação, e os outros seis — que são, respectivamente, o

Princípio de Mentalismo (1), de Correspondência (2), de Vibração (3), de Ritmo

(5), de Causa e Efeito (6) e de Gênero (7) — constituem os denominados Sete

Princípios da Verdade.

7 “Mais recentes”, eu disse — e não "mais modernos” —, porque a magistral obra

de Joseph Gabriel Findel, History of Freemasonry from its rise down to the

present day (“História da maçonaria desde a sua origem até o dia presente”),

foi traduzida do alemão para o inglês em 1866.

8 LAURENS, J. L. Ensaios históricos e críticos sobre a maçonaria livre ...

Tradução: Augusto Diogo Tavares. Petrópolis: M. A. de Oliveira, 1899, p. 9, nota;

______. Essais historiques et critiques sur la franc-maçonnerie ... Seconde

édition. Paris: Chez Chomel,1806, p. 9, nota 1.

5

duas reuniões anuais, “em los dias de los solstícios de

verano y de invierno”, conforme esclarece Iván Herrera

Michel no livro “Historia de la masoneria”.9 Destaco,

também, que era ou ainda é justamente “no menor dia do

inverno” que os integrantes do verdadeiro Xamanismo (que

são descritos como adoradores do Espírito, isto é, como

aqueles que não têm altares nem ídolos) realizavam ou

ainda realizam seus ritos anualmente, consoante revelou a

erudita H. P. Blavatsky em sua preciosa obra intitulada “Isis

sem Véu”.10

Como corolário, essa divisão circular de 180 graus

gerada pela “linha do meio-dia” (conhecida também como

equador solar), que nos guia intuitivamente além da visão

cosmológica e aquém da visão infinitesimal, tem uma

importância incomensurável no exame de nossos arcanos

porque, segundo o relato de Heródoto (o sábio historiador

grego da antiguidade), no vestíbulo do templo de Vulcano,

no Egito Arcaico, por exemplo, na época do lendário

“Rampsinito” (que é apontado por especialistas como faraó

sucessor de “Proteu”), foram construídas duas estátuas de

vinte e cinco côvados de altura, uma ao norte e outra ao sul,

9 MICHEL, Iván Herrera. Historia de la masonería. Barranquilla (Columbia): Edição virtual, Janeiro de 2007, vol. I, p. 17. Disponível em: <pt.escribd.com>.

10 BLAVATSKY, Helena Petrovna. Isis sem Véu: uma chave-mestra para os

mistérios da ciência e da teologia antigas e modernas. Tradução: Mário Muniz Ferreira e Carlos Alberto Feltre. São Paulo: Pensamento, 1995, vol. IV, p. 235.

6

denominadas pelos egípcios, respectivamente, Verão e

Inverno11. E mais: conforme informou Daniel Rammé (o

festejado arquiteto e historiador francês do século 19), em

sua obra denominada “Teologia Cosmológica ou

Reconstrução da Antiga e Primitiva Lei”, “2700 antes da era

vulgar, a sombra do sol ao meio-dia foi medida nos dois

solstícios de Inverno e Verão, com um gnomo de oito pés”,

experiências que tiveram lugar em Honan (nome que

significa sul do Rio Amarelo, uma província da República

Popular da China12), fato que fora narrado originariamente

pelo insigne egiptólogo do século 19 Alexandre von

Humboldt em sua obra “Cosmos: ensaio de uma descrição

física do mundo”.13

Convém pontuar ainda, antes de meu retorno ao tema

central, que esse legado do Egito Arcaico tem, entre seus

significados espiritual e psicofísicos14, uma estreita conexão

com as projeções planas ou azimutais, estudadas

11 Cf. HERÓDOTO. História. Versão eBooksBrasil: 2006, item CXXI. Disponível em: <www.books.google.com.br.>

12 RAMÉE, Daniel. Théologie cosmogonique ou Reconstitution de l'ancienne

et primitive loi. Paris: Librairie D’Amyot, 1853, p. 28.

13 HUMBOLDT, Alexandre de. Cosmos: Essai d’une description physique du

monde. Tradução de: H. Faye. Paris: Gide et J. Baudry, 1860, tome troisiéme

(primière partie), p. 499-500; ______. Tradução de: CH. Galusky. Paris: Gide et

J. Baudry, 1855, tome deuxieme, p. 478; ______. Tradução de: CH. Galuskt.

Paris: Gide et J. Baudry, 1852, tome trosième (seconde partie), p. 499-500;

______. Tradução de: H. Faye. Paris: Gide et J. Baudry,1851, tome trosième

(primière partie), p. 499-500.

14 Nos quais os estudiosos incluem os dois hemisférios do cérebro.

7

modernamente no âmbito das ciências geodésicas15, e os

enigmáticos Disco de Festo (conhecido também como Disco

de Faisto ou Disco de Phaisto), Manuscrito de Voynich e os

alinhamentos e monumentos megalíticos espalhados em

torno de nosso planeta.16

Nesse ponto, abrindo um parêntese, ressalto que se

justifica a extensão do princípio de polaridade ao universo,

conforme a regra de analogia recomendada por Hermes

Trismegisto em sua conhecida “Tábua de Esmeralda”

(recomendação que é aplicável do átomo ao cosmos),

porquanto, consoante advertiu Jesus Iglesias Janeiro (o

insigne escritor e cabalista argentino), a Lua gira em torno

da Terra, a Terra ao redor do Sol17, o Sol em torno de um

centro comum aos componentes da nossa Galáxia ou Via

Láctea, e ela, nossa galáxia espiral, por sua vez, em torno

de outro centro (gravitacional) comum a muitas galáxias.18

Isso significa, em termos de nosso Sistema Solar, nas

15 Que englobam a Engenharia Cartográfica e de Agrimensura. 16 Dos quais se destacam, respectivamente, os de Carnac e Stonehenge.

17 Fato percebido anteriormente à era do cristianismo pelo astrônomo e

matemático grego Aristarco de Samos. Aliás, conforme informação de Daniel

Ramée, “Tales e Anaximandro, ambos de Mileto, conheciam a esfericidade da

Terra, e Anaximenes, também de Mileto, fazia percorrer os astros em torno dela”

(Cf. op. cit., p. 142). Esclareço, de acordo com informações obtidas por meio da

Internet, que Mileto é o nome de uma antiga cidade-estado grega no sul da Jônia,

localizada na costa ocidental da península da Anatólia (Ásia Menor), cuja região

é atualmente parte do território da Turquia.

18 JANEIRO, J. Iglesias. La Arcana de los Numeros. Buenos Aires: Editorial Kier, 1985, p. 121.

8

palavras de William Eisen, que, “(...) do mesmo modo como

o polo zodiacal gira em torno do polo norte geográfico a cada

24 horas, assim o polo geográfico gira em torno do polo

zodiacal a cada 26 mil anos”19 — eu diria, com apoio no

ensinamento de H. P. Blavatsky, em 25.868 anos.20

Observa-se, assim, que essa movimentação de

componentes cósmicos — cuja duração em nosso sistema

é denominada esotericamente Grande Ano, Grande Era ou

Ano do Sol, e astronomicamente, ano platônico, e

corresponde à circulação elipsoide do Sol pelas doze

constelações zodiacais — tem conexão com a forma pela

qual caminhamos em nosso Templo, os raios cintilantes, as

três viagens de iniciação, as purificações, a Escada de Jacó,

a construção e cobertura da Loja, ao local que não podemos

transpor e as linhas limítrofes, a orientação da Loja, as doze

19 EISEN, William. A Cabala da Astrologia: a linguagem do número. Tradução: Júlia Vidili. São Paulo: Madras, 2006, p. 253. 20 Théophile Moreaux (renomado astrônomo francês do século 19, conhecido

como abade Moreaux) limita esse período em 25.800 anos e afirma que a estrela

que recebia a qualificação de polar, na época da construção da Grande Pirâmide

egípcia, pertencia à constelação do Dragão (Cf. MOREAUX, Théophile. La

ciencia misteriosa de los faraones. Buenos Aires: Safian, 1956, pp. 20 e 51).

O insigne escritor norte-americano Albert Churchward, por sua vez, baseando-

se em sistema de cálculo extraído de ritual egípcio arcaico, assevera serem

necessários 25.827 anos na consumação de um Grande Ano (Cf.

CHURCHWARD, Albert. The Arcana of freemasonry. 5. ed. London: George

Allen & Unwin, 1915, p. 65; ______. The Signs and Symbols of Primordial

Man: the evolution of religious doctrines from the eschatology of the

ancient egyptians. London: Georg Allen, 1913, p. 15), enquanto Gérard

Encausse (“Papus”) quantifica esse espaço temporal em 25.765 anos (Cf.

Iniciación Astrológica. Tradução: Grupo Editorial. Barcelona: Humanitas, 1990,

p. 33).

9

colunas postas em torno do nosso Templo (seis no Norte,

seis no Sul), ao pórtico elevado por três degraus, as duas

colunas de bronze (erigidas uma em cada lado da entrada

do Templo), as três romãs abertas, ao tamanho dessas duas

colunas21, as três janelas da Loja, ao Pavimento Mosaico,

aos horários do início e término dos nossos trabalhos, as

Três Luzes da Loja, a Corda de Oitenta e Um Nós (cuja

divisão pela quantidade de viagens nos dá uma ideia

aproximada da duração de cada ronda), e, enfim, com todos

os símbolos maçônicos verdadeiros, ou seja, os que

compõem efetivamente a linguagem dos mistérios arcaicos

conhecida também como “alfabeto dos iniciados”. No

entanto, como a análise das correspondências não se inclui

no objeto deste trabalho (inclusive porque eu não disporia de

capacidade perceptiva para execução da tarefa), atenho-me

a lhes recomendar a leitura destes livros: “O Sistema Solar”,

do teosofista Arthur Edward Powell (cuja análise faz parte do

programa da denominada “Loja Esotérica Virtual”22), e “O

Sistema Planetário”, de Bovisio Santiago (o insigne escritor

ocultista italiano que se radicou, propagou seus

conhecimentos e desencarnou na Argentina no século 2023).

21 Que nos recorda o teorema de Pitágoras (Proposição 47 de Euclides, o matemático grego de Alexandria) e o Zodíaco móvel ou natural. 22 Disponível em: <www.levir.com.br/>. 23 SANTIAGO, Bovisio. El Sistema Planetário (Libro XVII). Disponível em:

<www.santiagobovisio.com.>

10

Com efeito; fiz essas alusões tão-somente para lhes

lembrar que os egípcios do período arcaico — isto é, os

ancestrais que nos legaram a Filosofia Esotérica ministrada

em nossos templos — utilizavam-se dos signos do zodíaco

para representar a marcha da natureza e de suas

operações, durante as revoluções do Sol e da Lua,

consoante nos disse, dentre outros, o famoso filósofo

platónico Lucius Apuleius no livro “O Asno de Ouro”.24

Charles François Dupuis (o célebre historiador francês), por

exemplo, pronunciando-se em igual sentido, assim se

expressou em seu “Compêndio da Origem de Todos os

Cultos”:

“No templo de Heliópolis ou cidade do Sol havia doze

colunas cheias de símbolos relativos aos doze signos e

os elementos.

As vastas massas de pedra consagradas ao astro do

dia eram de figura piramidal, a mais apta para

representar os raios do sol, e a forma em que se eleva

a chama.

A estátua de Apolo Agieo era uma coluna terminada em

ponta, e Apolo era o sol.

24 APPULEIO. O Burro de Ouro. Tradução portuguesa. Lisboa: Tipografia de José Baptista Morando, 1847, p. 444.

11

No Egito não se confiava aos artistas ordinários a

modelação das efígies e estátuas dos deuses. Os

sacerdotes faziam os desenhos determinando suas

formas por esferas, isto é, pela inspeção do céu e suas

imagens astronômicas. Por isso vemos que em todas

as religiões os números sete e doze, este que é dos

signos, e aquele o dos planetas, são números sagrados

que se reproduzem sob todas as formas. Tais são os

doze grandes deuses; os doze apóstolos; os doze filhos

de Jacob ou as doze tribos; os doze altares de Jano; os

doze trabalhos de Hércules ou o sol; os doze escudos

de Marte; os doze irmãos Arvales25; os doze deuses

Consentes26; os doze membros da luz; os doze

governadores no sistema maniqueu; os doze adityas

dos Hindus; os doze azos (?) dos Escandinavos; as

doze portas do Apocalipse; os doze bairros da cidade

ideada por Platão ...

O mesmo sucede com o número sete. Tal é o

candelabro de sete acendedores, que figurava o

sistema planetário no Templo de Jerusalém; os sete

recintos do templo; (...) os sete pisos da torre da

Babilônia; (...) os sete arcanjos dos Caldeus e Judeus;

25 Espécie de sacerdotes romanos (Cf. NASÃO, Publio Ovídio. Os Fastos.

Tradução: Antonio Feliciano de Castilho. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1862, p. 532). 26 “Deuses maiores” (poderes naturais), na mitologia de Roma, que formavam o conselho supremo.

12

(...) os sete sacramentos dos cristãos, etc. A cada

página do livro astrológico e cabalístico, intitulado o

Apocalipse de João, estão os números doze e sete: o

primeiro está repetido quatorze vezes, e o segundo

vinte e quatro.

O número trezentos e sessenta, que é o dos dias do

ano, sem contar os epagómenos27, lembram também

os trezentos e sessenta deuses que admitia a teologia

de Orfeu; os trezentos e sessenta vasos de água do

Nilo, que despejavam os sacerdotes egípcios, um em

cada dia, em um tonel sagrado que havia na cidade de

Acanta; os trezentos e sessenta eons ou gênios dos

gnósticos; (...) os trezentos e sessenta gênios que

capturam a alma na hora da morte, segundo a doutrina

dos cristãos de São João; os trezentos e sessenta

templos situados na montanha de Louham (Lushan?)

na China;28 o muro de trezentos e sessenta estádios,

com que cercou Semíramis a cidade de Belo ou Sol, na

célebre Babilônia. Todos esses monumentos nos

retratam a mesma distribuição do mundo, e do círculo

dividido em graus que anda o sol. Finalmente também

27 Nome grego dos cinco dias que os egípcios acrescentaram para complementação do ano solar. 28 Acredito que houve equívoco na citação do nome da montanha chinesa em

que existem esses templos porque o correto é, ao que tudo indica, Montanha

Lushan, localizada no norte da província de Jiangxi e à margem sul do curso

médio do rio Yangtsé, que foi tombada como patrimônio mundial.

13

foram assuntos das divisões políticas e religiosas a

partição do Zodíaco em vinte e sete partes, que indicam

as estações, e em trinta e seis, que é a mesma que a

dos decanos”.29

Essas observações são dignas de reflexões, mas,

como salientei, tudo isso tem correlações e significados

esotéricos complexos que eu não teria atualmente

condições de analisar e desenvolver, principalmente, em um

trabalho com as características do presente; por se tratar de

matérias abstrusas elas devem ser versadas, a meu ver,

exclusivamente por aqueles que possuem um profundo

conhecimento da Arte Real. Para chegar-se a essa

conclusão é bastante observar que Jámblico (o famoso

filósofo platônico grego da antiguidade) nos revelou, em sua

obra “Sobre Os Mistérios Egípcios”, que por meio da

doutrina simbólica os egípcios demonstravam não só

aqueles fenômenos astronômicos, que constituíam uma

parte muito pequena do sistema hermético, mas também, e

principalmente, a unidade da Divindade.30

29 DUPUIS, Charles François. Compendio del origen de todos los cultos.

Tradução: D. Josef Marchena. Burdeos: Don Pedro Beaume, 1820, tomo I, p. 56-62. 30 Cf. JÂMBLICO. Sobre los mistérios egípcios. Tradução: Enrique Ángel Ramos Jurado. Madry: Gredos, 1997, pp. 197 e 207.

14

Isso não me impede, entretanto, de fazer um bosquejo

das ideias sublimes que nos foram legadas pelos nossos

ancestrais com fundamento na síntese de um Mestre da

Sabedoria Arcaica (refiro-me ao oriental Djual Khool [Djwhal

Khul], conhecido como “o tibetano”). Em suas palavras, que

me limitarei a lhes retransmitir, o espaço é considerado uma

entidade e a “abóbada celeste” — como poeticamente se a

denomina — é a aparência fenomênica dessa entidade.

Uma ideia vaga desse entendimento, que proporciona uma

analogia (embora falha pelas proporções), obtém-se da

consideração da família humana, o quarto reino da natureza,

como uma entidade-unidade que se expressa através das

inumeráveis e diversificadas formas de homem. Cada um de

nós, como indivíduos, participa da humanidade, não

obstante cada um viva sua própria vida, reaja às suas

próprias impressões, responda às influências e impactos

externos, e, por sua vez, imane influências, envie radiações

temperamentais e expresse alguma qualidade ou

qualidades, afetando assim, em certa medida, seu meio-

ambiente e àqueles com quem entra em contato. Ampliando-

se essa ideia ao sistema solar, verifica-se que essa entidade

fenomênica é em si mesma parte integrante de uma vida

bem maior, a qual se expressa por meio de sete sistemas

solares, dos quais o nosso — a Via Láctea — é um. Dessa

forma, a vida, as influências, as radiações e emanações

15

dessa entidade macrocósmica e o efeito que produzem

sobre nossa vida planetária, em os reinos da natureza e nas

civilizações humanas em desenvolvimento é que constituem

o objeto final do nosso aprendizado.31 Encerrando esse

resumo, destaco que esse assunto pode parecer

inadequado à nossa mente analítica, por expressar o objeto

da ciência antiga denominada por alguns estudiosos como

Astrologia Científica ou Astrologia Judiciária, porém é

inerente aos mistérios egípcios arcaicos.

Com efeito; segundo a narração do conhecidíssimo

filósofo e historiador grego Plutarco, em sua não menos

famosa obra intitulada “De Ísis e Osíris”, no Solstício de

Inverno os egípcios realizavam uma procissão e levavam

uma vaca, uma vaca sagrada, para dar sete voltas em torno

do templo do Sol e denominavam esse procedimento de

“Busca de Osíris” — ritual que se destinava à manifestação

do desejo da deusa por ver a água que o sol produzia e que

não existia em tempo de inverno32. Portanto, em razão do

nome atribuído a esse ritual, os atuais mestres maçons se

lembrarão, provavelmente, da busca que realizaram à

procura do Mestre Hiram Abiff, que, a exemplo de Osíris no

31 Cf. BAILEY, Alice Ann. Astrologia esotérica pelo mestre tibetano Djwhal Khul, p. 4. Disponível em: <www.formarse.com.ar.> 32 Ploutarchou peri Isidos kai Osiridos: Plutarchi de Iside et Osiride liber, p. 72. Disponível em: <http://books.google.com.br>; ______. De Isis y Osiris, p.

41. Disponível em: <http://pt.scribd.com>.

16

antigo Egito, foi assassinado por forças das trevas.33 Como

consequência, não terão dificuldade em concluir que a festa

do Solstício de Inverno naquela época era também

concernente à procura da Palavra Perdida, que representa,

na franco-maçonaria, nada mais, nada menos, que a

compreensão daquilo que permanece ininteligível e

incompreensível aos profanos e aos iniciados imperfeitos.

Nesse passo é conveniente salientar que aquela

declaração aparentemente confusa de Plutarco, relativa ao

desejo da deusa Isis (pretensão de natureza mística

semelhante à nossa de encontrar a Palavra Perdida),

corresponde também a um fato narrado por Heródoto (o

historiador e geógrafo grego da antiguidade), cuja

explicação ele legou à posteridade, referente ao regime

completamente diferenciado do Nilo comparativamente aos

outros rios do planeta, uma vez que começava a encher no

Solstício de Verão, retraía-se depois de cem dias, e

permanecia pouco volumoso, inclusive durante o inverno,

até o novo Solstício de Verão34 — situação que se modificou

33 Consulte-se, nesse sentido, LAVAGNINI, Aldo. Manual del Maestro, p. 18-9.

Digitalizado por: Biblioteca Upasika. Disponível em: <www.liberdade7.com.br.>

34 Fato narrado também pelo famoso escritor italiano de história da antiguidade Diodoro, originário da Sicília (conhecido igualmente como “Diodoro de Sicíia” ou “Diodoro Sículo” e como “historiador grego”), que salientou, em outra passagem, que o transbordamento começava “a partir do solstício de verão” e terminava “depois do equinócio de outono” (Cf. DIODORO DE SICILIA. Biblioteca histórica. Tradução: Francisco Parreu Alasà. Madri: Gredos, 2001, tomo I, pp. 216, 217 e 223; e ______. Histoire universelle. Tradução em Francês: Abade

17

provavelmente, a meu ver, com as construções das represas

de Assuã.35

Pois bem, retornando ao tema principal de meus

comentários — o que faço com uma preliminar

recomendação de leitura do livro de Joseph Paul Oswald

Wirt (o famoso ocultista suíço e escritor maçônico)

denominado “O Simbolismo Astrológico”36 —, lhes

repassarei agora os ensinamentos de Roso de Luna (o sábio

teosofista espanhol) sobre a divisão daquela movimentação

cósmica. Disse ele: “Mas a roda da Evolução, o incessante

Sopro Eterno que deste modo liberta todas suas inteligentes

energias empregadas na Manifestação, tem um ‘ponto de

inflexão em sua curva’, como diriam os matemáticos; tornar-

se o ponto a encarnar, ou seja, a manifestar-se em um novo

universo, como o Sol quando, passado o solstício de

inverno, começa desde aquele mesmo instante a grande

ascensão simbolizada no conceito abstrato de ‘Primavera’,

e dizemos ‘conceito abstrato’, porque dentro da eterna lei de

toda curva ascendente ‘primavera’ não é só, por assim dizer,

a primavera do ano, senão que podem determinar-se cem

outras analógicas ‘primaveras’: a do dia (ascensão vital do

Terrasson, da Academia francesa. Paris: [s.n.],1787, nova edição, primeiro volume, p. 76). 35 Conforme dados obtidos da Internet, duas foram as barragens construídas com objetivo de controlar as enchentes do rio Nilo: Assuã Baixa e Assuã Alta (concluída em 1970). 36 Disponível em: <www.liberdade7.com.br.>

18

meio-dia à meia-noite); a da lunação (desde a lua nova até

a lua cheia); a da vida (desde o nascimento até a idade

adulta)... Por isso os deuses de todas as Teogonias, como

pálidos reflexos que são da Ciência-Religião Primitiva da

Natureza, nascem sempre no solstício de inverno, ou seja,

começam desde o ponto mais baixo de cada ciclo, grande,

pequeno ou ínfimo, sua obra de construção ou organização

com os relativos e respectivos theoi ou ‘deuses’ na

interminável cadeia de suas organizações, desde o protilo

em íons e elétrons de diferente disposição ou número, a teor

da universal Alquimia, para construir o átomo, e passando

em seguida pela molécula simples de água, etc., à complexa

de ácidos, gases e sais, à complexíssima das moléculas

gigantes, como a das albuminas, até chegar triunfalmente ao

mundo ou cosmos da célula petrográfica, vegetal ou animal,

mundo ou harmonia que, por sua vez, não é senão o

elemento primordial das organizações vivas do vegetal, do

animal, do homem ou do astro...”.

“Essa é” — continuou ele —, “ao contrário da anterior,

a marcha de Shiva a Brahma; da desorganização à

organização; do Pralaya ao Manvántara; da Morte à Vida; do

Inverno ao Verão; do nascimento à virilidade; em uma

palavra: do Caos a Deus, ou, em termos também de filosofia

matemática da função eterna: C x T= K, em que, ao tomar T

valores infinitamente grandes, ele vai reduzindo o C (o Caos)

19

a valores infinitamente pequenos, até que, no limite, esse

último se reduza a zero, e a constante K do Cosmos se

identifique ou iguale com a Divindade ou Deus, ou seja, até

que essa chegue à apoteose de sua manifestação ou

Manvántara, como o Sol ao meio-dia, a lua em sua lua cheia,

a Vida em o verão, o Homem em sua virilidade, e tudo, tudo,

enfim, quando culmina... Esse é o momento supremo do

equilíbrio entre o crescimento universal do grande, pequeno

ou ínfimo; esse é Vichnú, o ‘Conservador de um dia’,

dominado no colo da serpente de Shecha, a eterna Serpente

dos Ciclos evolutivos de todo raio; a curva ou espiral sem

fim, o Grande Labirinto da Vida em que os números ou

unidades simples vão se integrando em unidades superiores

(dezena, centena, milhar...) sem limite conhecido! Por isso

Vichnú é Cosmos: a suprema harmonia daqueles dois

opostos evolutivos de Brahma e Shiva; por isso Vichnú

abstrato aparece na apoteose de todo o evolutivo ao

culminar em sua ascensão e iniciar sua descida, para novas

e intermináveis ascensões e descidas; por isso também

cuidaram de dizer Platão, David e Jesus, que ‘éramos

deuses, e o havíamos esquecido’! Deuses não somos só

nós, senão todos os seres, porque tudo quanto evoluciona

pelo Grande Alento é potencialmente divino, como eterna

20

Manifestação do sempre inesgotável e nunca plenamente

Manifestado!”37

Nesse mesmo sentido, mas com a projeção dessas

ideias diretamente sobre o “padroeiro” da nossa sublime

instituição, colhem-se estes apontamentos do livro

“Cosmogonia Maçônica: símbolo, rito, iniciação”, publicado

em 2007, na Argentina, sob o pseudônimo de “sete mestres

maçons”: “As duas festas mais importantes que se celebram

em nossa Ordem (e que por certo foram celebradas por

todos os povos), são as dos dois solstícios, de verão e de

inverno — eixo vertical da roda —, que correspondem

respectivamente ao sul e ao norte, ao meio-dia e a meia-

noite e aos signos zodiacais de Câncer e de Capricórnio.

Esses dois pontos do tempo eram chamados pelos gregos

‘porta dos homens’ e ‘porta dos deuses’, e a tradição hindu

os identificava como o pitr-loka e o deva-loka, e estão

relacionados com os dois perfis do Jano dos romanos e com

os dois Joãos (Batista e Evangelista) da tradição cristã. Se

diz que pela primeira das portas saem as almas dos não

iniciados que, depois da morte, haverão de retornar a outro

estado de manifestação; e pela segunda a dos que, graças

à morte e ao processo iniciáticos, hão conhecido os estados

37 LUNA, Roso de. Simbología Arcaica: comentários a “La Doctrina Secreta”,

de H. P. Blavatsky, fundadora de la sociedad teosófica. Madry: Pueyo, 1921, p.

87-8.

21

múltiplos do ser e as diversas dimensões do tempo e do

espaço, conseguindo desse modo realizar o retorno à

Unidade, onde se recupera a inamovibilidade da origem e se

obtém a Grande Luz oculta na não-manifestação. É esse o

sentido esotérico de que nossos trabalhos se realizam do

meio-dia à meia-noite; pois se é certo que para o profano a

maior luz surge ao meio-dia e em o solstício de Verão (o dia

mais longo do ano), o iniciado, pelo contrário, encontra a

Grande Luz no solstício de Inverno, pois em sua busca

interna se há dirigido até o conhecimento do Sol da Meia-

noite. E também é esse o sentido simbólico de que o Cristo

nasça justamente a zero hora e no solstício invernal de

Capricórnio, e que a partir desse nascimento o tempo

comece a contar de novo.”38

Esclareço-lhes que essa transformação do “deus”

romano de duas faces opostas (Jano, ou Janus em latim)

nos dois “santos” da religião cristã e sua posterior introdução

na Maçonaria como “patrono” são aludidas pelos ilustres

escritores Jean Palou e Albert G. Mackey nas obras,

respectivamente, “O Simbolismo Maçônico” e “Simbolismo

Franco-Maçônico”. O primeiro vincula as festas daí

38 Cosmogonia masónica: símbolo, rito, iniciación. Buenos Aires: Kier, 2007, p.

173-4. Disponível em: <www.books.google.com.br>

22

decorrentes aos artesões construtores da Idade Média39,

enquanto o segundo — em tom de explicação, mas sem

nada explicar realmente com clareza — acrescenta: “Se

supormos que o círculo representa o curso aparente do sol,

os paralelos indicarão os limites Sul e Norte da declinação

solar, quando esse astro chega aos pontos solsticiais de

Câncer e de Capricórnio. Os dias em que o sol chega a

esses pontos são 21 de junho e 22 de dezembro, os quais

explicarão facilmente que se hajam dedicado aos santos

Joãos, cujos aniversários a Igreja celebra nesses dias”.40

De minha parte e apenas para registrar a opinião deste

famoso estudioso e escritor francês do século 19 (porquanto

o culto à Divindade sob seu tríplice aspecto remonta,

induvidosamente, à era do Egito Arcaico), informo-lhes que

Emílio Burnouf, após asseverar na obra “A Ciência das

Religiões” que aquele rito anual “constitui o culto cristão por

excelência” e está também distribuído “de acordo com a

marcha do sol e da luz” (coincidindo o nascimento do Cristo

39 PALOU, Jean. El simbolismo masónico: las logias de San Juan, p. 5.

Disponível em: <www.pt.escribd.com.>

40 MACKEY, Albert Gallatin. El simbolismo francmasónico, p. 99-100.

Disponível em:<www.liberdade7.com.br.>

23

com o Solstício de Inverno e a festa do precursor com o

Solstício de Verão), advertiu que “as outras festas são

distribuídas metodicamente nas outras partes do ano, de

acordo com uma ordem que deve ser comparada com a de

cerimônias védicas”. Afirmou, ainda, ser muito provável que

o Natal e o São João hajam coincidido primitivamente com

os solstícios e situa esse fato, essa provável coincidência,

com base em cálculo astronômico em que considerou a

precessão equinocial em cinquenta segundos por ano, em

aproximadamente 7.000 (sete mil) anos.41

Nesse ponto, antes de fazer uma última observação

sobre nossa antiga tradição (e aproveitando o espaço para

enfatizar que a Maçonaria não surgiu com a moderna

formalização dos ritos, mas no instante em que a Sabedoria

Arcaica começou a ser transmitida por meio de símbolos e

alegorias), utilizo-me do glossário teosófico de H. P.

Blavatsky para lhes dizer o seguinte: 1º) na concepção dos

egípcios, Hórus (cuja imagem, em forma de um menino

recém-nascido, era retirada do santuário, no Solstício de

Inverno, para ser exposta à multidão local) representava não

41 BURNOUF, Émile. La Science des religions. Quatriéme édition revue et complétée. Paris: Libraire Ch. Delagrave, 1885, p. 181-2; _______. deuxiême édition. Paris: Maisonneuve et Cie., 1872, p. 284 (digitalizado pela Google). Disponível em: <www.books.google.com.br.>

24

só a abóbada celeste (oriunda da matriz do mundo), mas

também, cosmicamente, o Sol de inverno (substância de seu

pai, Osíris, de quem seria uma encarnação e com ele se

identificaria); 2º) a água era o primeiro princípio das coisas

(o fluído potencial contido no espaço infinito); e 3º) a vaca

era consagrada a Isis (a mãe universal, a natureza, a aurora

da criação védica). E mais: 4º) os planos espiritual, mental,

psíquico e físico da existência humana eram comparados —

na Alquimia arcaica — aos quatro elementos: fogo, ar, água

e terra, sendo cada um deles suscetível de uma tripla

constituição: fixa, variável e volátil.

Pois bem, chegado o momento da conclusão destes

comentários, reservei-o para lhes falar de uma possível

dúvida decorrente da adoção, pelos nossos ancestrais, do

Solstício de Inverno (que corresponde ao período de

chuvas), em lugar do Solstício de Verão (que corresponde

ao período de maior radiação solar42), como representação

do denominado Fogo Cósmico. Suponho-a existente,

porque, baseando-se no hierograma I.N.R.I., os mais

adiantados na Arte Real indagariam: não é o fogo que

renova a natureza inteira? Assim, para equacionamento e

42 Para aprofundamento da análise dessa matéria, sugiro-lhes a leitura do

capítulo XXXV do livro “Simbolos fundamentales de la Ciência Sagrada”, de

René Guénon, disponível em: <www.liberdade7.com.br.>

25

solução dessa questão me utilizarei da lição de Jean-Marie

Ragon Bettignies (o eminente escritor maçônico francês do

século 19), constante em seu “Curso Filosófico das

Iniciações” (aceitando-a momentaneamente, portanto, como

a melhor), assim expressada:

“Pode parecer paradoxal que o emblema do fogo

corresponda ao inverno em lugar do verão. Se homens

vulgares houvessem escrito esses emblemas, teria

ocorrido que, enganados pelo testemunho de seus

sentidos, fariam que o fogo coincidisse com a época do

ano em que o sol aquece mais intensamente a terra e,

seguindo o mesmo raciocínio, teriam feito que a terra

fria e inerte correspondesse com o inverno.

Mas esses quadros engenhosos foram elaborados por

sábios que não esqueceram que não deviam pintar o

que viam, senão o que era realmente. Vejamos como

raciocinaram para chegar a semelhante conclusão.

A época do ano com que deve se relacionar o elemento

terrestre é aquela em que a terra é coberta em todos os

lugares de flores e vegetação, devolvendo ao homem

os tesouros que lhe foram confiados.

Portanto, a terra deve corresponder à primavera.

26

No verão parece que o ar puro brilha de modo

extraordinário; o ar, rarefeito pelo calor, é mais vivo. Por

isso o ar corresponde ao estio.

O outono é a estação das chuvas, e deve caracterizar-

se por meio da água.

Enfim, no inverno — nesta estação em que o calor se

concentra e em que, enquanto a geada atapeta a

superfície da terra, a Natureza prepara as maravilhas

da primavera e os frutos do outono — é quando atua

com maior energia o fogo central (o fogo elementar ou

da Natureza); então é quando ele opera, apesar de

estar oculto, suas mais deslumbrantes maravilhas:

ignis ubique latet; então é quando queima a Natureza,

e a fecunda e realiza no universo inteiro esse

movimento que volta a nos trazer o sol e os dias

bonitos: naturam amplectitur omnem. O fogo oculto e

sempre ativo é o que produz e conserva todas as

coisas: cuncta parit, cuncta que alit. O fogo, alma da

Natureza cujas formas renova perpetuamente, é que

divide os elementos dos corpos ou reúne suas

moléculas dispersas: cuncta renovat, cuncta que dividit.

Esse elemento é o que, uma vez que há sido o princípio

de todos os seres, converte-se em causa ativa de sua

destruição e de sua agregação a outros mistos: cuncta

urit.

27

Os antigos acreditaram que esse elemento era tão ativo

que supuseram, primeiro, que era o primeiro agente da

Natureza, depois afirmaram que era o emblema da

Divindade e, por último, que era própria Divindade”.43

Em sendo essas as observações que eu pretendia lhes

apresentar sobre o Solstício de Inverno, e recordando aos

interessados a existência de um interessante trabalho sobre

os hemisférios norte e sul à luz do Feng Shui (“Fan Shuêi”)

chinês44, declaro o cumprimento de minha tarefa, agradeço

fraternalmente a atenção dispensada e afirmo que esses

comentários, mesmo que nada de novo lhes tenham

proporcionado, foram compilados com um propósito inverso.

Ayña (33º)

43 RAGON, Jean Marie. Curso Filosófico de las iniciaciones antiguas y

modernas, p. 180-1. Tradução: Salvador Valera. Disponível em:

<www.liberdade7.com.br.>

44 Disponível em: <www.fengshui.com.br.>