sônia azevedo menezes prata silva fuentes azevedo... · para se viver bem, de preferência com...
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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Sônia Azevedo Menezes Prata Silva Fuentes
AS VÁRIAS FACES DO CUIDAR DE SI
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dr.a Elisabeth Frohlich Mercadante.
SÃO PAULO
2010
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Banca Examinadora
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Dedico este trabalho
A meus queridos, com todo meu amor
Ao maridão José, grande companheiro e estímulo maior.
Aos filhos amados, Mariana, Diego e André, almas mais que importantes na
minha vida.
Yvettinha, minha mãe, com insistente interesse sempre perguntando:
“Quando é que esta coisa acaba”?
Para meus entrevistados, pela grande colaboração, disponibilidade e
confiança.
Para minha inesquecível e querida Kaká (in memoriam).
Ao mendigo anônimo que me inspirou... uma dedicatória especial:
4
... um homem, uma rua poluída
e um saco plástico com macarrão gelado...
Hoje vi um morador de rua comendo um punhado de macarrão
contido no interior de um saco plástico. Minha impressão foi a de que o
macarrão estava frio. Eram 13h e aquele homem, de aproximadamente 60
anos, sujo e maltrapilho, sob um sol escaldante de 34 graus, comia em pé,
sem cerimônia, num cruzamento localizado nas proximidades da Av. 23 de
maio, no centro de São Paulo.
Que cena! – pensei. Em que mundos vivemos? Existem, sim, vários
mundos. Naquele momento, pensei na linha a divisar esses mundos. Pensei
em meu rosto limpinho; na roupa cheirosa que vestia; no corpo físico, recém-
alimentado, coincidentemente, por um prato de macarrão quente; no carro
bom que guiava; na vida quase certinha que levava; e no único objetivo para
o qual direcionava meu olhar: estudar a temática cuidar de si e nela
aprofundar-me.
De fato, diante de mim o antídoto da tese.
Indaguei-me, então: De que valia meu estudo para aquele homem?
Concluí que ele, por razões óbvias, não poderia estar nem um pouco
preocupado com o conteúdo de minhas reflexões. Certamente, naquele
momento, sua prioridade era o macarrão frio que, retirado do interior daquele
saco plástico, ia sendo sorvido tranquilamente, com o auxílio de suas mãos
encardidas.
A distância entre ele e mim, não obstante estivéssemos a menos de
três metros um do outro, era, naquela tarde, enorme. Dois mundos
totalmente antagônicos, ainda que habitando o mesmo município.
Por que razão a imagem daquela cena ficou tão fortemente registrada
em minha mente durante todo o dia? - indaguei-me.
Fiquei curiosa por saber se o conceito cuidar de si seria, para ele, tão
diferente em comparação àquilo que pensa a maioria dos profissionais que
lidam com o envelhecimento que entrevistaria.
Decidi apropriar-me da fantasia e fiz uso da imaginação. Levantei a
hipótese de que ele não detém o domínio do conceito cuidar de si.
5
Talvez exerça tal conceito experimentalmente, da mesma forma com
que Foucault celebrou a liberdade como direito, como ética, como escolha
traduzida na forma mais genuína e verdadeira do cuidar de si. Onde, dentro
desta ótica, o não cuidar de si, é também cuidar.
Escolhi, então, mudar minha perspectiva; imaginei ser aquele
mendigo um homem livre, que optou por viver da forma como descrevi: na
rua, encardido e com vontade de transgredir todas as regras, derrubar as
mesas, acabar com as cadeiras, abolir o fogão que aquece a comida e, em
pé, incomodar e escandalizar a todos, enfiando suas mãos ensebadas num
saco plástico, para comer seu macarrão gelado, sem cerimônia alguma, sem
ter de dar satisfação a seu chefe, sua família ou a quem quer que fosse.
É certo que, neste caso, fiz uso de minha imaginação, pois se fosse
utilizar de minha racionalidade com certeza esta cena descrita acima me
levaria à seguinte dúvida: esta pessoa, este mendigo seria um ser
transgressor ou uma pessoa que não tem as mínimas condições de se
cuidar?
E que cuidar é este de que estamos falando? O discurso pronto que
habita nosso imaginário social? Produto de nosso senso comum?
Será que não é preciso desconstruir o exemplar modelo sobre a
noção ideal de “cuidar de si” dentro do processo de envelhecimento?
Analisando minhas entrevistas com sujeitos envolvidos neste estudo,
percebi que são pessoas com nível superior de escolaridade, e que
certamente também têm noções básicas de higiene, conhecem e sabem da
importância de uma boa e equilibrada alimentação, dos exercícios físicos,
dos benefícios, das relações sociais, do desenvolvimento espiritual, dos
cuidados e exames médicos preventivos; então, me pergunto: eles têm
ciência do discurso pronto, da “vacina”, da “cartilha”, do “manual” de como
“cuidar de si”, ainda que apenas um sujeito desta amostra tenha dito seguir à
risca tais passos (ou o que acredita ser o ideal)? Será que a correria, o
estresse, a falta de tempo, ou outro motivo qualquer, os impedem de se
cuidarem? Qual será o impeditivo para não praticarem o conhecimento que
detêm? Não se cuidam, ou se cuidam de outra forma? Serão eles mais
transgressores do que o mendigo?
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Agradecimentos
À minha orientadora, Dr.ª Elisabeth Mercadante, amiga, colega,
companheira de tantas conversas, sopas, jantares, cafés, e intermináveis
conversas...
À Professora Doutora Tereza Bilton, pelas valiosas sugestões na Banca de
Qualificação.
A todos os professores do mestrado: Nádia, Ruth, Vera, Beltrina, Canineu,
Maria Helena, Silvana Tótora, Suzana Cariello, Suzana Medeiros e Flamínia:
sem vocês não teria chegado onde cheguei...
Às queridas amigas, Ilza e Ligia, minhas mais recentes descobertas como
grandes companheiras; obrigada pelas intermináveis conversas regadas a
muitos cafés, e bom humor sempre... e especialmente às muitas risadas
juntas.
A Divina, Gisnelli, Vanesita, Beth, Cida, Nádia, Paulão, Fátima, Bella, Lú,
grandes descobertas do mestrado da PUC-SP, foi um prazer enorme
conhecê-los e compartilhar tanta coisa juntos: congressos, grupos de
estudos, Nepes, e gostosas viagens.
A Terezinha, Terê, Tuti, minha amiga mineirinha sempre presente me
incentivando...
Aos compadres, Lídia, Laila e Reynaldo, pela amizade eterna.
Aos meus irmãos de sangue ou não, meus sobrinhos, sobrinhos-netos,
afilhados, pela alegria incondicional acrescentada à minha vida.
A toda a turma do IDEAC, em especial a Maria Célia e Maricy, pela leitura
cuidadosa e pelas correções e sugestões precisas.
A Lucy, Ana Fraiman, Lourdes Junek, Lurdes Coutinho, Luciana, Irene,
Giulio, Waldir, Ézio, Jader, Regis, pelos momentos de expansão de
conhecimento e pelos deliciosos e memoráveis encontros semanais...
A Selminha, Vanda, Célia, Rita, Rosana, Carmem, Van, Tamako, vizinhas e
amigas do coração, pelos nossos esporádicos chás da tarde revigorantes e
imprescindíveis...
A Clotilde, Aninha, Simoninha, Rose, colegas, amigas e companheiras de
labuta, e trocas de conhecimento.
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Aos amigos distantes, Tereza, Julio, Ana, Beatriz, demonstrando sempre
que nossa amizade é algo que não subtrai, soma.
Ao amigo Luís, pelo apoio logístico com empréstimo de câmera, para as
transcrições de fitas e suporte técnico.
À jovem amiga, Thaís Maria Lefcatito, e à Estilingue Filmes, pela ajuda
técnica e amiga com as fitas para a transcrição de DVDs.
Ao amigo Marco Antonio, pela correção do português... e sugestões de
formatação e texto.
Ao amigo Rodney, pela amizade, carinho, ajuda na correção e apoio
espiritual.
Sem me esquecer da Marlene, pela ajuda doméstica e suporte para com as
tarefas de casa. Chegar em casa, e saborear seus crepes de palmito, à
noite, é sempre muito prazeroso.
Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, pela oportunidade de realizar este
trabalho.
À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que possibilitou a conclusão
desta pesquisa.
8
SUMÁRIO
pág.
Resumo....................................................................................... 10
Abstract....................................................................................... 11
Introdução................................................................................... 12
Capítulo I
Discussão teórica sobre o Cuidar de SiTTT...........................
18
1.1 Foucault e o pensamento grego sobre o Cuidar de SiT 26
1.2 Terapêuticas anti-envelhecimento & Cuidar de SiTTT 32
1.3 O nascimento da terapêutica do cuidado........................ 34
Capítulo II – MetodologiaTTTTTTTTTT........................ 38
Capítulo III - Visão do Cuidar de Si – Representações............... 42
Capítulo IV - Cuidar de Si na juventude x Cuidar de Si na velhice.........................................................................................
53
Capítulo V - Além do meu corpo físicoTTTTTTTT........... 64
Capítulo VI - Auto-cuidadoTTTTTTT................................. 75
Capítulo VII - É preciso ter um projeto de felicidadeT.T.......... 88
Considerações Finais................................................................. 105
Referências Bibliográficas........................................................... 110
Anexo.......................................................................................... 113
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RESUMO
FUENTES, Sônia Azevedo Menezes Prata Silva. As várias faces do cuidar
de si. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Gerontologia. Programa de
Estudos Pós-Graduados em Gerontologia. Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2010.
O objetivo do presente trabalho é o de compreender a visão que os
profissionais têm sobre os significados do cuidar de si, considerando que os
sujeitos entrevistados para esta dissertação são pessoas que trabalham,
pesquisam e/ou estudam a questão do envelhecimento. Consequentemente,
examino propostas sugeridas no sentido de levantar alternativas e reflexões
sobre qualidade de vida e cuidados para os indivíduos que fazem parte do
segmento idoso.
Para isto entrevistei 10 profissionais de significativa relevância na
área, que estudam e/ou trabalham com o envelhecimento. Foram feitas
cinco perguntas aos sujeitos com a finalidade de conhecer qual a visão
pessoal que cada um tem sobre o cuidar de si, a diferença entre se cuidar
enquanto jovem e se cuidar enquanto velho, saber o que é importante para
os entrevistados, para cuidar além do corpo físico; se há a realização do
auto-cuidado por parte dos entrevistados, e finalmente o que eles
consideram importante para construir um projeto de prevenção pensando no
cuidar de si. Estabeleço na pesquisa diálogos entre os pensamentos de
vários autores como Foucault, Freud, Melaine Klein, Jung, Winnicott,
Mucida, Ayres, Birman, Carielo, Medeiros, Debert, Goldfarb, Martins, entre
outros.
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ABSTRACT
FUENTES, Sônia Azevedo Menezes Prata Silva. The Several Aspects Of
Self Care. São Paulo: Master dissertation in Gerontology. Postgraduate
studies in Gerontology; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2010.
The objective of the present work is to understand the vision that the
professionals have about the meanings of self care, considering that the
subjects interviewed for this dissertation are people that work, research,
and/or study the question of the ageing process. Consequently to that
question, I examined proposals suggested in the sense of raising alternatives
and reflections about the quality of life and special cares, for those individuals
that are part of the elderly segment. For this I interviewed ten professionals of
significant relevance in the area, that either study or work with the ageing
process, Five questions were asked to the subjects with the intention to
understand each one's personal visions about: self care, the difference
between self care while young and self care for the elderly, to know what is
important for the person being interviewed, to take care beyond the physical
body; to see if the person interviewed realizes the importance of taking care
of himself, and finally what do they consider important to build a prevention
program considering self care. I established in this research dialogues
between the thoughts of several authors as Foucault, Freud, Melaine Klein,
Jung, Winnicott, Mucida, Ayres, Birman, Carielo, Medeiros, Debert, Goldfarb,
Martins, and others.
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Introdução
Nunca se falou, nem se pesquisou tanto sobre o envelhecimento
como nestas últimas décadas. A cada dia proliferam incomensuravelmente
novas formas, novas técnicas, e novas tendências do cuidar de si. É a
época da caça! Da busca desenfreada para descobrir fórmulas e técnicas
para se viver bem, de preferência com saúde, por muitos e muitos anos,
cuidando-se desta ou daquela maneira, muitas vezes exageradamente,
como se fosse possível garantir a eternidade de uma existência. Diante
deste movimento desenfreado e febril, na busca da manutenção da
juventude eterna, acredito ser o momento atual, precioso e oportuno, para
fazer uma pausa, parar para uma reflexão, descobrir o que queremos, o que
pretendemos quando elegemos e escolhemos as formas do cuidar de si
durante nosso processo de vida e envelhecimento. Dei-me conta neste
momento que o conceito “cuidar de si” já há algum tempo vem me
causando certas inquietações, e provocações, concomitantemente ao meu
processo de desenvolvimento pessoal.
O objetivo do presente trabalho é o de compreender a visão que os
profissionais têm sobre os significados do cuidar de si, considerando que os
sujeitos entrevistados para esta dissertação são pessoas que trabalham,
pesquisam, e/ou estudam a questão do envelhecimento.
Consequentemente, examino propostas sugeridas no sentido de levantar
alternativas e reflexões sobre qualidade de vida e cuidados para os
indivíduos que fazem parte do segmento idoso.
Por meio da presente dissertação, tive a oportunidade de organizar
não apenas meu trabalho e minhas ideias, mas compreendi com mais nitidez
de que modo a Gerontologia vem ocupando espaços em minha trajetória
pessoal e acadêmica.
Os benefícios resultantes de minha aproximação com os estudos da
Gerontologia foram muitos, não somente em relação ao conteúdo, temas,
teorias e experiências diretas com os professores do programa, mas
também no que se refere ao impacto, ao envolvimento, à vivência que se
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travou indiretamente ao longo de uma jornada que vai para muito além da
experiência acadêmica propriamente dita.
Visualizo, como consequência direta de minha práxis acadêmica,
resultados que se tornam não apenas poderosos arsenais de trabalho, como
também elementos de mudança pessoal.
O interesse pelo estudo do envelhecimento teve início há alguns
anos, quando comecei a me dar conta de meu próprio processo de
envelhecimento.
Quando criança, minha percepção da velhice e do velho associava-
se às ideias de limitação, fragilidade, estagnação no tempo, cristalização das
ideias e condenação a uma morte próxima.
Muitos anos depois, assim como mudei, meu olhar também passou
por mudanças. Hoje, aprecio a velhice, consigo vislumbrar, com otimismo,
essa fase da vida, em que a experiência, o amadurecimento e a sabedoria,
decorrentes do avanço da idade, possam ser postos a serviço do idoso.
Compreendi que, mediante uma postura ativa e dinâmica por parte do
idoso, haverá sempre uma maior possibilidade de que essa população
desfrute de uma melhor qualidade de vida. Também acredito que, apesar
das várias perdas por que passamos ao longo da senescência, a velhice, em
todos os aspectos de nossas vidas funcional, cognitivo, social e
psicológico , pode ser uma fase repleta de conquistas, alegrias e novas
experiências.
Em minha trajetória pessoal e profissional, o tema Qualidade de vida
sempre esteve presente, seja em meu entusiasmo e paixão pelos esportes,
seja no estudo do movimento do corpo experimentado por cursos de
Cinesiologia e técnicas de relaxamento , seja em grupos de estudo com o
Dr. Petho Sandor, que me fez perceber com maior clareza a evidência da
integração deste corpo com a mente. Posteriormente na especialização em
Medicina Psicossomática, entendi a relação deste mesmo corpo com a
doença; e mais tarde, durante pesquisa sobre a dinâmica do Estresse,
consegui fazer a leitura de um corpo frágil e de sua luta para adaptação e
suas implicações na busca de uma melhor qualidade de vida.
Posteriormente, busquei, na especialização em Geriatria e Gerontologia na
Unifesp, a compreensão do envelhecimento enquanto metamorfose.
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Ao iniciar o mestrado em Gerontologia na PUC-SP, deparei-me com
um currículo diferenciado, que possibilitou um envolvimento mais sistemático
com estudos voltados mais para as áreas sociais e humanas e menos para a
área biológica, que seria talvez a mais provável em um curso ligado ao
envelhecimento.
Em todos os cursos promovidos pela PUC-SP, o critério
subjetividade esteve presente, o que foi preponderante em minha trajetória.
Senti que estava navegando na minha ‘praia’.
Encantaram-me as opções de que dispus. Consegui tirar proveito das
várias disciplinas, recebendo, de cada docente, contribuições significativas
para o aprimoramento da pesquisa que me propus desenvolver e, por
conseguinte, para a minha formação de mestre em Gerontologia.
Um dos benefícios que obtive ao adentrar neste universo de trabalho
interdisciplinar foi a oportunidade de levantar questões importantes, as quais
me levaram a refletir acerca das justificativas e finalidades do ensino da
Filosofia, o que me estimulou a pensar e a duvidar daquilo que parece
evidente, uma vez que já nos acostumamos à aceitação pacífica de certos
valores e à reprodução, muitas vezes irrefletida, dos chamados lugares
comuns. Acabamos lidando com valores e ideias como se fossem naturais.
Por meio da aventura do estudo da Filosofia e da Antropologia, vimos que as
ideias, assim como alguns conceitos de vida, não brotam de sementes, mas
têm prazos de validade, passam por transformações históricas, são criações
culturais expressas de forma única. O pensamento de Ponty, em Pokladek,
vai ao encontro desta máxima acima, quando diz que um dos objetivos do
processo filosófico é:
... reaprender a ver o mundo, revelando os mistérios do
mundo, o mistério da razão no mundo, no modo como o ser
expressa e compreende este mundo através da linguagem
como horizonte de sentidos. (Ponty, 2002: 15)
Dessa forma, é muito importante observar e compreender as
diferentes maneiras que o ser humano tem de ver, de dizer, de expressar-se
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no mundo. Como enfatiza Pokladek, “...revelando assim o seu modo de ser
no mundo.” De existir neste mundo.
Simultaneamente, acho pertinente lembrar aqui o conceito de Dasein,
de Heidegger; que significa “ser-aí”, isto é, o homem só pode ser no mundo
de uma forma de ser, a qual se dá como existência. Almeida faz uma síntese
deste pensamento:
O homem é entendido como aquele ente que percebe, se
dá conta e responde ao ser; essa é sua marca distintiva
ante os demais entes. (Almeida,1995: 7)
Ele só existe, pois enquanto interagindo com o mundo, visto em
Almeida (1995):
... o homem só é o que é num mundo. Se este mundo faltar
ao homem, ele próprio deixa de ser, pois perde o “aí” onde
pode existir, desdobrar seu ser... é de ser que ele sempre
está a fim. Ser é algo que acontece como uma possibilidade
peculiar em cada homem. (p.29)
Heidegger também aponta que no trajeto de vida do homem, cabe a
ele cuidar do seu cuidar de ser. E esta tarefa não é muito fácil, visto que
para cuidar de nosso ser, temos que levar em conta a perspectiva de que o
homem habita o mundo, ao mesmo tempo em que constrói uma tessitura de
relações significativas na constituição de sua própria história.
Foi um grande privilégio conhecer, dialogar e escutar cada um
desses profissionais que entrevistei. Cada um com suas singularidades e
características próprias responderam às perguntas e contribuíram
significativamente com sua experiência de vida, na manifestação de sua
linguagem peculiar.
A presente dissertação é constituída, além desta introdução, por sete
capítulos e considerações finais.
No primeiro capítulo, Discussão Teórica do Cuidar de Si, desenvolvo
a compreensão e a contextualização da busca pelo cuidado de si; para
isso, utilizo as obras de Winnicott, Melaine Klein, Freud e Jung. Também
faço um levantamento do pensamento grego relacionado ao cuidar de si,
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trazido por Foucault. Fecho este capítulo com as contribuições do geriatra
Renato Guimarães, com um breve relato histórico sobre o desejo de
prolongar a vida.
No segundo, Metodologia, apresento a abordagem da pesquisa, as
perguntas selecionadas que compõem o roteiro das entrevistas, a
problematização, e o perfil dos entrevistados.
No terceiro, retorno à questão da Visão do cuidar de si. Discuto e
analiso a opinião dos entrevistados sobre a visão pessoal de cada um a
respeito do cuidar de si. A discussão teórica aponta para a ampliação do
conceito do cuidar de si, considerando-o composto de várias dimensões:
física, espiritual, social, psicológica e cultural, em que autonomia e liberdade
de escolha aparecem como forma de cuidado prioritária para os
entrevistados.
No quarto, uma compreensão mais ampla sobre o Cuidar de Si na
juventude X Cuidar de Si na velhice, analiso as diferenças apontadas pelos
entrevistados relativas a essas duas etapas da vida e do cuidar de si. Neste
capítulo utilizo o pensamento de Hillman, Grosiman, Medeiros e Martins, que
não generalizam as noções tanto de juventude quanto de velhice.
No quinto capítulo, discuto sobre Além de meu Corpo Físico e
discorro sobre os aspectos subjetivos importantes que estão implicados na
questão do cuidar de si.
No sexto capítulo Auto-cuidado...é possível?, analiso e discuto as
sugestões apresentadas pelos entrevistados. Faço uso também de uma
discussão do filósofo Pondé, que critica o modelo de cuidado apresentado e
preconizado pela mídia, contrapondo-o aos pensamentos de Debert e
Antonucci.
No sétimo e último capítulo É preciso ter um Projeto de Felicidade,
discuto os projetos de prevenção sugeridos pelos entrevistados, fazendo um
levantamento dos aspectos relevantes mencionados para uma melhora na
qualidade de vida e manutenção da saúde, priorizando as dimensões
citadas: econômica, saúde, alimentação, exercícios físicos, desenvolvimento
intelectual, relacionamento social e com o mundo. Para tal, uso reflexões
dos autores como Ayres, Varenne, Gadamer, concluindo com as
considerações acerca do Projeto de Felicidade apontadas por Ayres.
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Por último, nas Considerações Finais, apresento uma reflexão
pessoal e experiência diante da minha imersão ao adentrar no universo das
Várias Faces do Cuidar de Si. A interpretação que proponho, é importante
ressaltar, como toda a interpretação, é apenas uma; portanto, sujeita a
novas interpretações.
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CAPÍTULO I
Discussão Teórica sobre o Cuidar de Si
Penso que o universo do cuidar de si não se esgota, não se
enquadra numa fórmula, enquanto manual de sobrevivência, oferecendo
uma única alternativa ou solução de como se cuidar. Seria tão irreal quanto
seguir os modelos e padrões de envelhecimento vigentes,
despersonalizados e uniformes, que acabam por inibir todas as formas de
criatividade e singularidade de viver. Prefiro acreditar e compreender que
existe, sim, uma multiciplicidade de sentidos e opções do cuidar de si.
Tendo como ponto de partida a reflexão pessoal sobre a observação
do mendigo idoso e seu saco de macarrão gelado, antes descrito, tento
ampliar o conceito do cuidar de si, vislumbrando, mesmo que na
imaginação, outras possibilidades ou outras formas do cuidar de si.
Premissa esta que ficou muito mais evidente e clara quando finalizei as
entrevistas com os profissionais escolhidos.
À procura de mais autenticidade e vigor sobre o tema, considero
importante lembrar de uma outra experiência pessoal passada, que me
serviu também de ponto de partida para este estudo.
Até há alguns anos, acreditava que, com o conhecimento adquirido
sobre o envelhecimento, poderia ajudar e modificar a conduta de algumas
pessoas, em especial parentes e amigos envelhescentes próximos. E nesse
primeiro, inocente e prematuro envolvimento, chegava a sugerir caminhos,
que supunha serem os ideais, os melhores, os desejáveis, os corretos e os
mais adequados para o cuidar de si. Pensava também que, com estas
sugestões, poderia garantir a essas pessoas uma vida mais saudável, ainda
mais longeva, com qualidade, saúde e mais prazer. Até que um dia... Até
que um dia escutei de uma pessoa muito próxima e querida o seguinte:
As condutas que você acredita serem as mais benéficas, as
mais prazerosas, nem sempre conferem com as desejáveis
por mim, por exemplo, e talvez não sejam as ideais. Pode
ser que eu consiga um prazer não fazendo nada, ou
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fazendo outras coisas totalmente diferentes daquelas que
você preconiza.
Naquele momento me dei conta da diversidade de desejos, diferenças
e até das limitações que existem dentro deste complexo universo humano,
no qual o conceito do cuidar de si pode ser tão diverso, quanto às diversas
velhices existentes.
Encontrei também ressonância deste meu pensamento na postura
emblemática da jornalista Eliane Brum, que tece algumas considerações
pertinentes consoante à edição precoce de nossas verdades, como se
pudéssemos ousar um dia eleger verdades absolutas e universais. Em
recente reflexão, no seu artigo: “Deus e a Eutanásia - Por que temos tantas
certezas sobre o que é melhor para a vida dos outros?” Eliane Brum salienta
como é possível vislumbrar com que facilidade o ser humano dispara
sugestões e conselhos ao outro sem parar suficientemente para tecer
considerações de forma efetiva e muitas vezes inescrupulosa sobre
assuntos polêmicos, neste caso sobre a eutanásia. Eliane Brum faz uma
crítica que nos leva à reflexão, e conclui:
A certeza de que a verdade pessoal deve valer para todos
é um comportamento corriqueiro. Todos nós sofremos,
cotidianamente, com o excesso de certezas dos que nos
rodeiam, suspensos alguns metros do chão pelo volume de
suas verdades absolutas. A lógica, me parece, é a de que,
se alguém conseguir impor sua verdade, não precisará
nunca questioná-la. Embutido nesse comportamento, além
do desrespeito ao outro, à surdez ao outro, parece estar o
terror de ser assaltado por uma dúvida, ainda que bem
pequena. (Lebrun, Revista Época, 23/11/2009).
Sendo assim apoio-me na premissa de que ninguém é dono da
verdade absoluta, especialmente sobre temas de ordem subjetiva. Portanto,
para me aproximar não de uma verdade, mas de uma reflexão sobre as
várias verdades de cada profissional que entrevisto, procuro respeitar as
certezas de cada um, e a pessoa que expressa estas mesmas certezas. Ao
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mesmo tempo, Martins compactua deste pensamento, na medida em que
incentiva os pesquisadores e educadores a saberem romper com as
amarras das verdades pré-dadas, e buscarem mergulhar dentro de si,
procurando suas próprias verdades. (Martins, 1992: 12).
O universo do cuidar de si, que decidi explorar, vai além da noção
palpável do cuidado, levando-me a refletir sobre a subjetividade singular de
cada sujeito, como proposta, e discutida por Guattari. Percebo neste
momento que o conceito cuidar de si – por mim eleito como tema de
pesquisa – transformou-se, superando a definição estabelecida a priori.
Concomitantemente ao meu desenvolvimento pessoal e acadêmico,
verificou-se um amadurecimento significativo em meu modo de pensar para
a realização deste estudo.
Ao mesmo tempo em que ingressei no estudo da Gerontologia, tive a
oportunidade de conhecer um pouco mais de Filosofia e as diversas
Ciências Sociais, com as quais me sinto profundamente envolvida até hoje.
Foi de uma felicidade ímpar o encontro com as obras de Foucault, que foi
buscar em Deleuze, Sêneca, Platão, Epicuro, Nietzsche e Cícero, outras
explanações acerca do conceito do cuidar de si, o qual transcende o
simples cuidado extrínseco ao sujeito, o discurso pronto tão preconizado
pela mídia. Dentro deste patamar também me utilizo de Ayres e Heidegger,
que compactuam similarmente com a busca de uma nova práxis do cuidar
de si. Uma escolha autônoma pelo sujeito do cuidar de si, individual,
desvinculada de um conjunto de práticas normativas e uniformizadas e que
incluem um projeto de felicidade.
E assim considero estes acontecimentos e personagens, os
responsáveis iniciais, pelo meu mergulho no universo deste novo olhar
dirigido ao conceito de cuidar de si.
Refletir sobre as várias formas do cuidar de si faz-se extremamente
útil e importante nos dias de hoje, principalmente na fase do envelhecimento,
quando se deseja e se almeja um tempo de maior e melhor proveito e
qualidade. Evita-se, assim, desperdiçar cada pedaço deste tempo,
desperdiçar vida. Como bem disse Sêneca, “Vivendo o infinito de cada
instante”, o que significa aproveitar cada minuto como se fosse a maior
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preciosidade que a vida nos dá. E daí, pergunto: é preciso ficar velho para
aproveitar cada instante?
Diz-se que ninguém quer envelhecer, pois a velhice está sempre
associada a perdas, ao declínio físico e à proximidade temerosa de nossa
finitude. Será?
Não é possível fazer nosso relógio biológico retroceder no tempo, mas
existem, sim, as inúmeras tentativas de se viver mais e por mais tempo com
qualidade e felicidade, trabalhando não contra o tempo, mas com o tempo
que ainda nos resta. Para tal, a procura de formas de manter-se jovem, ativo
e funcionando bem durante a fase do envelhecimento nunca foi tão discutida
e nem causou e causa tanta polêmica como neste século XXI.
Não é preciso ficar velho para aproveitar a vida nem a velhice. O ideal
seria eliminarmos as nomenclaturas relativas às idades, que caracterizam as
pessoas como velhos ou idosos e que muitas vezes vêm associadas aos
sinônimos de improdutividade e infelicidade, não dando lugar para
investirmos nosso tempo precioso em aproveitar os modos de viver de cada
época ou fase, cada qual a seu próprio modo.
Alguns dizem que a velhice pode ser tão melhor quanto mais nos
preparamos para ela. Planejar uma boa velhice implica não apenas nos
alimentarmos de práticas ditas saudáveis, mas também escolhermos, com
liberdade, os rumos que desejamos trilhar em nossa jornada e percurso do
cuidar de si.
Durante minha investigação sobre o tema cuidar de si, pude
constatar que muitos autores já realizaram diferentes trabalhos, estudos e
pesquisas sobre o mesmo tema. Vou tentar fazer um resumo de algumas
das ideias, as mais importantes, a meu ver, de pesquisadores que
evidenciam o foco do conceito do cuidar de si, dentro de uma perspectiva
voltada à prevenção das doenças, à promoção da saúde e qualidade de
vida.
Primeiramente, para muitos autores da Psicologia, é importante
lembrar que antes de cuidar de si, cada ser humano individualmente nasce
dependente do outro e precisa ser cuidado e de preferência por alguém que
lhe devote amor. Nascemos para sermos cuidados.
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O animal humano é o único que não sobrevive sem o outro da
espécie. Precisa do outro para satisfazer suas necessidades básicas para se
alimentar, para ser acolhido e para ser reconfortado.
O ideal é que este conforto fisiológico que recebemos venha
carregado de afeto.
É através deste acolhimento que nos validamos, nos reconhecemos
como indivíduos e nos significamos. Quando alguém nos recebe em seus
braços, acontece uma troca; há a incidência do outro neste corpo.
Um exemplo disto é a fala. Quando iniciamos o balbucio tentamos nos
comunicar; a fala que nos envolve e nos incide. Há a incidência da
linguagem no corpo, a fim de produzir determinados sons; desta forma
Carielo pontua que ocorre o atravessamento do corpo humano pelo
aparelho fonatório. Não somos somente matéria orgânica. De acordo com o
psicanalista Didier Weill, somos uma mestiçagem, isto é, o conjunto formado
pelo imaginário social, o simbólico e o real. Cada ser humano pertence a
uma determinada cultura. E a cultura é o lugar da significação. Há um corpo
socializado.
Desta forma, se a criança representa ser mais que um organismo, o
velho também é mais que um organismo. Isto é, um organismo que requer
cuidados, não só para satisfazer-se fisiologicamente, mas também para se
satisfazer emocional e socialmente. Sem o outro não vivemos, não
sobrevivemos. Inúmeros estudos científicos já foram realizados para
confirmar esta premissa. Psicanaliticamente falando, o ser humano implica
sempre uma falta. Pensemos nesta falta como um cuidado. O cuidado de
dar a ele o peito, o acolhimento, o afeto, a troca de fraldas, o banho.
Cada cuidado que se efetua com este bebê, outros cuidados vão
sendo realizados sucessivamente e as faltas, os desejos se sucedem.
E com esta premissa, destaco em muitos autores e estudiosos do
desenvolvimento infantil e da Psicologia a relevância deste acontecimento:
Winnicott, Melaine Klein, Freud, Jung e muitos outros confirmam esta
urgência e necessidade do cuidado. Transcorro resumidamente, sobre a
teoria de cada um destes pesquisadores, ressaltando suas ideias principais
acerca do cuidado de si.
22
Winnicott compreende o cuidado materno como a possibilidade de
uma adaptação feliz da mãe para com o bebê e vice-versa. Relação vista
inicialmente como simbiótica, mas que, com o passar do tempo, precisará
ser rompida para garantir a saúde emocional; este cordão deverá ser
gradualmente cortado a fim de que o bebê se desenvolva e tenha mais tarde
a capacidade de cuidar de si. Conforme o autor:
A mãe suficientemente boa começa com uma adaptação
quase completa às necessidades de seu bebê, e, à medida
que o tempo passa, adapta-se cada vez menos
completamente, de modo gradativo, segundo a crescente
capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela.
(Winnicott, 1975: 25)
Do desenvolvimento da ilusão e do pensamento mágico, o bebê vai
precisar se frustrar gradativamente. Esta é a base do cuidado materno para
Winnicott; a mãe dá e a mãe tira. Mas antes de tirar, ela cuida, assim
conforme este autor:
(...) através de uma adaptação quase completa, propicia ao
bebê a oportunidade para a ilusão de que o seio dela faz
parte do bebê, de que está, por assim dizer, sob o controle
mágico do bebê. O mesmo se pode dizer em função do
cuidado infantil em geral. (Winnicott, 1975: 26)
Também para Melaine Klein, os sentimentos de amor e cuidado são
essenciais ao bebê que, em troca, dá como resposta espontânea os
sentimentos de gratidão e amor para com ela. De acordo com Melaine Klein,
o cuidado inicial é traduzido num movimento de contenção, isto é, cuidar é
saber conter a excitação que o bebê carrega. Segundo a autora, o bebê
nasce com uma desorganização emocional muito grande, devido a receber
inúmeros estímulos externos. A pessoa que tem a capacidade de conter
todo este excitamento e fornecer este suporte inicial é a mãe. O cuidado
23
necessário para Klein se traduz num bom suporte, boas experiências,
alimentação adequada, amor e gratificação.
Já para Freud, o cuidado essencial é traduzido em compreensão; isto
é, além de tomar conta das necessidades básicas do bebê, a mãe ou a
pessoa que cuida do bebê deve compreender suas necessidades
emocionais, a fim de controlar seu excitamento e contê-lo. Para melhor
compreender a teoria de Freud e as necessidades do bebê, ou desejos, é
preciso compreender o processo primário. A teoria de Freud salienta que, no
início, a realidade psíquica infantil é composta de um mundo repleto de
objetos.
Entre estes objetos, o organismo ocupa um lugar importante, pois
atua e é guiado pelas necessidades: de fome, sede, evitação da dor e
desejo sexual. De acordo com Freud, o homem é guiado primeiramente pela
libido, ou seja, pela energia sexual. Esta força principal, básica, é chamada
"pulsão" (em lugar de instinto).
Jung amplifica esta noção do cuidado materno primordial e vai além,
colocando o cuidado materno com alto grau de importância e como a mais
significativa e memorável experiência que o homem pode ter durante sua
vida. No artigo intitulado "Tribute to the Mother Arcchetype" (Tributo ao
arquétipo materno), Jung dá ênfase ao amor e cuidado materno, traduzindo-
os como abrigo, um acolhimento de ser bem-vindo e por um longo silêncio
pelo qual tudo se inicia e no qual tudo termina.
Na sequência, nos argumentos extraídos dos estudos de Joel Birman,
aparece o amor como elemento indispensável ao cuidado do outro e de si,
no processo de desenvolvimento humano. Como bem coloca:
(...) a saúde mental é identificada com o sentimento
amoroso, tornando-se como paradigma o amor dos pais
aos filhos (...) o alienado mental seria um ser privado de
suas possibilidades amorosas. (Birman, 1978: 157).
Esta relação inicial de dependência do bebê discutida pela psicologia
anteriormente, pode–se pensar comparativamente na relação de uma
possível dependência do idoso na fase da velhice. A analogia em muitos
24
casos feita entre a dependência inicial do bebê e a “final” do velho é
geralmente muito falada. A frase dita é a seguinte: “O velho volta a ser
criança”. Para o estabelecimento desta relação comparativa não se encontra
um número significativo de estudos na literatura, mas atualmente com o
aumento demandado pela longevidade, isto é, a possibilidade de se viver
muito tempo na fase da velhice, esta discussão começa a ser refletida. É
importante ressaltar que o velho jamais vira um infante, mas que pode, a
partir de uma repetição da relação de dependência (aparente). Há na velhice
a possibilidade de reviver o desamparo psíquico original. Discurso
reconhecido na psicogerontologia, ressaltado por Goldfarb:
Se pensarmos na origem da vida psíquica, podemos
observar que o bebê nasce em condição de grande
fragilidade, necessitando de um outro que o cuide, é
necessário que alguém o alimente, o proteja, senão ele
morre e o bebê deverá poder confiar nessa proteção. Esta
condição de recém-nascido, de ser desamparado e de
precisar dos cuidados de outro, deixará marcas e será
revivida cada vez que se apresentem situações de
sofrimento, necessidade, abandono. Com o desamparo
originário inaugura-se então uma modalidade de confiança
no vínculo, a confiança no fato de ser socorrido sempre que
se precisar. Assim, a situação de desamparo originário atua
como condição de estruturação psíquica que marca o
modelo vincular e a forma dos laços sociais. Desde o início
da vida ensaiam-se formas de relação com os outros dos
quais se vai depender em diferentes situações ao longo da
existência. Serão experiências de medo, confiança, prazer,
agressividade ou amor, dependendo da qualidade dos
cuidados que foram oferecidos ao bebê nessa primeira fase
de sua vida. Isto trará como reação, a necessidade e
produção de vínculos solidários que ofereçam apoio e
cuidados fundamentais sempre que a vida se apresente
ameaçadora, cada vez que ela nos confronta com aquilo
que sentimos que não podemos enfrentar em solidão. A
partir desta experiência, uma das maiores ameaças vitais
25
será a fragilidade dos vínculos e o medo de perder o amor
do outro, o que deixa o ser humano no maior desamparo,
fragilizado, sem proteção ante uma série de perigos e
sofrimentos. (Goldfarb, 2006)
Na presente pesquisa a reflexão do cuidar de si passa pela
reflexão do retorno e ou possibilidade de voltar e reviver o desamparo
psíquico original. Mas a ideia é refletir sobre as outras possibilidades que
estão por vir, amparada nas ideias de Foucault, poder ultrapassar e
estimular uma reforma de pensamento em relação à velhice não comparada
somente à infância. Antecipando a discussão que se desenvolve nesta
dissertação com Foucault, é possível afirmar que na velhice o homem pode
vir a desfrutar de um apogeu. Para se chegar neste apogeu que movimento
se faz necessário? Com o auxílio das ideias de Foucault produz-se um novo
pensamento; a possibilidade de um indivíduo que se produz a cada instante,
um produtor de si mesmo, e não somente um reprodutor.
1.1 Foucault e o pensamento grego sobre o cuidar de si
Com a leitura da obra A Hermenêutica do Sujeito, de Foucault, dei-me
conta da forma cativante com que ele vislumbra a velhice e a elege como um
tema frequente e de substantiva relevância em suas reflexões, mesmo não
minimizando certas consequências desagradáveis que o envelhecimento
pode trazer. São considerações bastante realistas, como podemos perceber
neste trecho do autor:
(...) na cultura antiga, a velhice tem um valor, valor
tradicional e reconhecido, mas em certa medida, por assim
dizer, limitado, restrito, parcial. Velhice é sabedoria, mas
também fraqueza. Velhice é experiência adquirida, mas
também incapacidade de estar ativo na vida de todos os
dias... é também estado de fraqueza no qual se depende
dos outros. (Foucault, 2006: 134)
26
O pensamento tradicional na cultura grega sobre a velhice é exposto
de forma respeitosa, realista, não exagerando uma perspectiva de futuro
otimista. Percebe-se que a dependência do idoso para com o jovem é
significativa. Desta forma, na Grécia, preconizava-se o cuidado de si como
sendo um trabalho necessário de uma vida toda. Como uma preparação
para ficar velho, e se houver de fato esta preparação, é possível que haja
uma recompensa, como se vê:
(...) a partir do momento em que o cuidado de si precisa ser
praticado durante a vida, principalmente na idade adulta, e
em que assume todas as dimensões e efeitos durante o
período da plena idade adulta, compreende-se bem que o
coroamento, a mais alta forma do cuidado de si, o momento
de sua recompensa, estará precisamente na velhice.
(Foucault, 2006: 134).
A ideia de expor o princípio cuidar de si como uma vocação universal
impeliu-me a alargar a acepção desse conceito. Estudando o pensamento
grego, Foucault busca descrever algumas importantes incursões sobre o
cuidar de si e os diferentes modos do cuidado.
Foucault busca no pensamento grego, em especial o Socrático, a
reflexão acerca do conceito de cuidar de si. Elege a famosa prescrição
délfica do “gnothi seauton” (Conhece-te a ti mesmo), como questão
fundadora das relações entre sujeito e verdade. Assim se detêm nas
relações existentes entre “gnothi seauton”, conhece-te a ti mesmo, e
“epimeleia heautou”, ou cuidado de si. Foucault constata que existe uma
relação complementar entre estes dois pressupostos; conhecer e cuidar,
considerando que para cuidar de si é preciso antes conhecer-se. A função
de Sócrates, que era confiada pelos deuses, era a de incitar, estimular os
outros a se ocuparem consigo mesmo, e a não descurarem de si. Sócrates
fica então com a função daquele que desperta. No livro A Hermenêutica do
Sujeito, há uma interessante comparação entre Sócrates e o tavão. Tavão é
um inseto, tal qual o aguilhão que pica os animais e os faz mover e correr:
27
O cuidado de si é uma espécie de aguilhão que deve ser
implantado na carne dos homens, cravado na sua
existência, e constitui um princípio de agitação, um princípio
de movimento, um princípio de permanente inquietude no
curso da existência. (Foucault, 2006: 11)
Sócrates, na obra de Foucault, A Hermenêutica do Sujeito era
considerado o homem do cuidado de si, pois instigava os homens nas ruas:
“É preciso que cuideis de vós mesmos”. O cuidado de si na epimileia
heautou aparece fundamentando uma atitude filosófica na cultura grega,
helenística e também romana. Alguns autores principalmente Foucault
(2006) apontam Platão e Epicuro como importantes na discussão do cuidado
de si. O cuidar de si na visão dos epicuristas relacionava-se imediatamente
ao cuidado da alma; sendo assim, a Therapeuein era empregada.
Importa aqui observar que Therapeuein se refere a um verbo de
múltiplos valores, que diz respeito a cuidados médicos (uma espécie de
terapia da alma de conhecida importância para os epicuristas), mas
Therapeuein é também o serviço que um servidor presta a seu mestre, e
também ao serviço de culto, culto que se presta a uma divindade, ou a um
poder divino.
Este percurso da noção de cuidar de si teve início com a
personagem de Sócrates. Surgiu assim na Filosofia antiga e se estendeu até
o limiar do Cristianismo, quando se deu a espiritualidade alexandrina,
percebida nos escritos sobre Filón e a vida contemplativa.
No curso desta história, a noção do cuidado de si ampliou-se e suas
significações também se multiplicaram. Agregado ao tema cuidado de si,
visualizamos na história diferentes fases.
Primeiramente, o tema refere-se a uma atitude, uma forma de encarar
o mundo. Então, a epimileia heautou é uma atitude para consigo, para com
os outros, e para com o mundo.
Em segundo lugar, a epimeleia é uma forma de olhar, de atenção. O
cuidado de si é uma atitude de converter o olhar para si, estar atento ao
que se pensa e ao que se passa.
28
Em terceiro lugar, além da atenção para si, o cuidado de si implica
sempre algumas ações que são exercidas de si para consigo, ações pelas
quais nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos
transfiguramos.
Assim, o tema Cuidado de Si tem uma formulação filosófica precoce
que vai desde o século V a.C. até os séculos IV e V d.C., percorrendo toda a
filosofia grega, helenística, romana, e a espiritualidade cristã. Vimos neste
percurso, o nascimento da história das práticas da subjetividade, como
Foucault sinaliza:
Com a noção de epimeléia heautou, temos todo um corpus
definindo uma maneira de ser, uma atitude, formas de
reflexão, práticas que constituem uma espécie de
fenômeno extremamente importante não somente na
história das representações e teorias, mas também na
história das práticas da subjetividade. (Foucault, 2006: 15)
Não só na Grécia Antiga, mas também em Roma, a ética do como
cuidar de si compreendia um conjunto de atitudes nomeadas como
exercícios de si e que também incluía posterior reflexão sobre estas
condutas. Exemplos destes comportamentos foram verificados com Epicteto,
um estóico, e em Sêneca e Marco Aurélio. Os romanos costumavam
também problematizar questões como a relação consigo mesmo, com a
amante, com a família, com os amigos, e com a responsabilidade individual
e histórica para com Roma. Um clássico exemplo que é citado diz respeito a
um costume de Marco Aurélio (imperador romano): enquanto comandava
exércitos e debatia com o Senado, costumava redigir cartas, contando
detalhes e minúcias de seus atos, assim como pensamentos e textos
escritos na forma de conselhos. Este era para Marco Aurélio um momento
especial para voltar-se para si mesmo. Podemos fazer uma comparação e
uma analogia com estudos atuais sobre esta técnica de escrita, com estudos
científicos recentes, validados por Pennebacker (1997), pesquisador do
Texas, que confirma o poder da escrita reflexiva e terapêutica, exemplificada
a seguir:
29
Na última década um aumento no número de estudos tem
demonstrado que quando os indivíduos escrevem sobre
experiências emocionais, segue-se uma melhora
significativa em relação à saúde física e à saúde emocional.
O paradigma básico é que os achados estão sumarizados
com algumas condições de contorno. Apesar da redução da
inibição poder contribuir para abrir mudanças no fenômeno
de deslocamento cognitivo e processos linguísticos durante
as implicações de melhora de saúde previstas pela escrita
para a teoria e tratamento discutido. (de minha tradução).1
Com Alcebíades, general e político ateniense 450 a.C., a alma ganhou
lugar e tornou-se objeto do cuidar de si. A posteriori, na fase dos estóicos,
percorrer-se-ia o caminho da integração corpo-alma.
Na fase dos epicuristas, é o sistema filosófico ensinado por Epicuro
de Samos, filósofo ateniense do século IV a.C., juntamente com os estoicos,
o corpo reemergiria, adicionando a alma para o cuidar de si. A junção
corpo-alma, essa integração psico-corporal, é que vai constituir o centro do
cuidado. Sêneca, por seu turno, ocupa-se com a alma e com o próprio
corpo, surgindo daí uma nova ética da velhice, vista agora como um porto
seguro, um polo positivo ao qual se deve tender.
Deve-se viver para ser velho, pois é nessa fase que se encontrará a
tranquilidade, o abrigo, o gozo de si. A velhice ideal é a que fabricamos e
para a qual nos preparamos. Numa atitude entendida como a de desapego,
deveríamos consumar a vida antes da morte (Carta 32). Deve-se atingir a
saciedade perfeita e completa de si, havendo, pois, uma urgência em viver.
Valoriza Sêneca (4 a.C.- 65 d.C), escritor e intelectual do Império
Romano, a ideia de que se deve organizar a vida com vistas à velhice. E
uma das formas de organizar a vida é aprender o exercício da morte, que
1 “For the past decade, an increasing number of studies have demonstrated that when individuals write about emotional experiences, significant physical and mental health improvements follow. The basic paradigm and findings are summarized along with some boundary conditions. Although a reduction in inhibition may contribute to the disclosure phenomenon changes in basic cognitive and linguistic processes during writing predict better health Implications for theory and treatment are discussed.” (Pennebacker (1997: 162-6).
30
nada mais é do que um exercício de meditação sobre a morte. A vida deve
ser vivida como se fosse este o derradeiro dia.
Sófocles (497 ou 496 a.C. - inverno de 406 ou 405 a.C.), dramaturgo
grego, ressignifica a velhice como o momento de coroamento do cuidar de
si. A velhice, nesse sentido, seria vista como um momento positivo, de
completude. Liberto dos desejos físicos e das ambições políticas e agraciado
pela experiência, o idoso tornar-se-á soberano de si, podendo satisfazer-se
inteiramente consigo próprio.
O idoso pôde, enfim, depositar em si toda a alegria, sem esperar
satisfação em mais nada, nem nos prazeres físicos, dos quais não é mais
capaz de desfrutar, nem nos prazeres da ambição.
A velhice deveria ser considerada uma meta positiva de existência.
Deve-se tender para a velhice e não se resignar em ter de afrontá-la.
Na cultura greco-latina, o cuidado de si jamais foi efetivamente
percebido, colocado, afirmado, validado para todo o indivíduo, qualquer que
fosse seu modo de vida. O cuidado de si nada mais seria do que a opção
por um modo de vida.
Claro está que somos seres relacionais e que, portanto, necessitamos
do outro para viver e sobreviver. O poder permeia as relações humanas,
familiares, políticas, pedagógicas; delas decorrem as mais variadas formas
de dominação e controle.
A liberação deve ser entendida, aqui, como condição política ou
histórica para a prática da liberdade. E a ética não é outra coisa senão a
prática refletida dessa liberdade.
O cuidado de si é representado, no mundo greco-latino, como o
modo pelo qual a liberdade do indivíduo, ou a liberdade cívica, foi pensada
enquanto ética.
Para os gregos, o conceito de liberdade já abarcava a ideia de
superar-se no sentido de dominar os desejos que arrebatam. A liberdade
individual era muito importante, tendo sido, na cultura antiga, durante oito
séculos, tema de preocupação; toda uma ética girou em torno do conceito
cuidar de si. Cuida-te de ti mesmo. Não é possível cuidar de si sem se
conhecer, como vimos anteriormente.
31
Os gregos problematizavam a liberdade como uma questão ética. O
ethos, tomado como a maneira de ser do sujeito, é a maneira de se
conduzir as coisas. O ethos é traduzido pelos atos praticados, pela liberdade
concreta ao se portar, pelo modo de ser, de caminhar, pela calma de reagir;
enfim, pela capacidade de se responder aos acontecimentos da vida.
Logo, uma pessoa que apresenta um bom ethos é alguém que pratica
a liberdade pensada enquanto ethos. Liberdade, para os gregos, é a não
escravidão, liberdade é política. Ser livre significa não ser escravo de si
mesmo nem de seus apetites; é estabelecer uma relação de controle e de
domínio das próprias ações.
O cuidado de si é ético em si mesmo, mas implica relações
complexas com os outros, de forma que esse ethos da liberdade é, também,
uma forma de cuidar dos outros, incluindo, pois, a arte de governar. O
cuidado de si visa sempre ao bem dos outros, visa a administrar bem o
poder presente em qualquer relação.
O cuidado de si como ética ultrapassa a noção de dependência na
esfera física/biológica, pois não dá conta da questão relativa à liberdade na
relação com os outros.
1.2 Terapêuticas anti-envelhecimento & o Cuidar de Si
O tempo tem mostrado que o desejo de prolongar a vida é bastante
evidenciado no ser humano. Nos tempos mais remotos da nossa história, a
preocupação com o cuidar de si na velhice era viabilizada com terapêuticas
anti-envelhecimento, e ocorria de forma bastante experimental. Guimarães,
no Tratado de Geriatria e Gerontologia, faz um levantamento histórico
bastante interessante deste momento:
A prática conhecida por “Shunamatismo”, descrita no Velho
Testamento, foi imaginada por súditos do rei David, velho e
enfraquecido, como alternativa de trazer de volta calor ao
corpo do rei fragilizado. (Guimarães, 2002: 749)
32
Acreditava-se que se colocasse uma jovem virgem dormindo ao lado
do rei, esta iria transferir energia e calor ao velho, como se fosse possível
usar do calor da jovem para auxiliar a circulação sanguínea do rei.
Da mesma forma, Aristóteles e Galeno acreditavam que todo o ser
humano nascia dotado de certa quantidade de calor interno, que se
dissiparia com o passar do tempo. Aristóteles pregava a necessidade de
desenvolver formas de manter esse calor.
Muitos poetas gregos escreveram acerca da longevidade. Um deles,
Hesíodo, acreditava existir uma raça dourada, constituída por pessoas que,
sem envelhecer, viviam centenas de anos e que, chegada sua hora, morriam
enquanto dormiam.
Vários rituais foram encontrados em relatos de culturas diversas. Um
dos mais conhecidos dizia respeito aos famosos banhos quentes, de ervas e
de leite, tomados pela rainha Cleópatra.
Objetivando a imortalidade e a perfeição, os alquimistas, na Idade
Média, pesquisavam poções mágicas e unguentos. Alguns anos atrás, Jean
Ponce Léon, um navegador espanhol, enlouqueceu ao tentar encontrar a
fonte da juventude e, por conseguinte, a vida eterna.
Há relatos que indicam que uma parcela das pessoas fazia uso da
fantasia para buscar a fonte da juventude. Alguns acreditavam que poderiam
encontrá-la em terras distantes, em rios caudalosos ou até mesmo nos
testículos de cães. Guimarães cita no artigo "Terapias anti-envelhecimento":
Em 1889, Charles Edouard Brown-Séquard, eminente
médico e fisiologista, relatou ter rejuvenescido e melhorado
sua saúde após se auto-injetar uma solução preparada com
testículos macerados de cães. (Guimarães, 2002: 749)
Com o tempo, esta terapia mostrou-se ineficiente, mas foi largamente
comercializada e utilizada. Muitos outros estudos vieram na sequência tentar
entender como se dava o processo de envelhecer, caso de Jean M. Charcot,
que elaborou o primeiro trabalho científico sobre a velhice. Ele não se
preocupava com os estudos da imortalidade, mas com a compreensão das
causas e efeitos do processo de envelhecimento. E depois dele, muitos
33
outros também se preocuparam com o envelhecimento e as formas de
manter-se jovem.
Ilya Ilych Metchnikov, cientista russo, recebeu, em 1908, o Prêmio
Nobel de Medicina, devido a uma importante pesquisa, segundo a qual
acreditava ser o processo de envelhecimento o resultado do veneno
produzido no intestino grosso pela deterioração dos alimentos. Com o intuito
de limpar e esterilizar o intestino, preconizava o uso regular do leite, do
iogurte e de laxantes.
Pesquisas revelam e garantem a longevidade; todavia, o homem
continua a buscar a juventude eterna, a beleza e o corpo ‘sarado’, tentando
concretizar, pois, o mito da imortalidade ou da beleza eterna, assim como as
ninfas, que, mesmo não sendo imortais, mantinham-se jovens até a morte.
1.3 O nascimento da Terapêutica do cuidado
Como se estabeleceu a terapia deste cuidado? Filón de Alexandria,
filósofo judeo-helenista (13-54 a.C.) descreve uma comunidade de
“terapeutas” que cultivava o cuidado de si através de práticas culturais,
intelectuais e médicas. O registro psíquico não é dissociado do resto da vida.
O homem, nessa época, era visto como ser total, isto é, uma
totalidade, que compreendia corpo, alma e espírito. Os terapeutas
acreditavam que era a natureza quem cuidava. Cuidar do que não é doente
em nós, do ser, do sopro que nos habita e inspira. Leloup expande o cuidar
de forma holística e ampla em suas reflexões:
Também cuidar do corpo, templo do espírito, cuidar do
desejo, reorientando-o para o essencial, cuidar do
imaginável, das grandes imagens arquetípicas que
estruturam a nossa consciência e cuidar do outro, o serviço
à comunidade, implicando o próprio centramento do ser.
(Leloup,1993: 9)
34
É muito interessante também a expressão do cuidar percebida por
Filón, em Platão. Ele apresenta o termo Therapeutes, como tendo dois
sentidos: “servir, cuidar, render culto” e “tratar, sarar”. Já em Górgias, no
início de sua carreira, Platão qualifica o cozinheiro, um tecelão como
therapeutes somatos, aquele que cuida do corpo, pois tudo o que está no
nosso prato é nosso melhor remédio.
Os terapeutas, no tempo de Filón de Alexandria, dirigiam sua atenção
e prestavam o cuidado para estes quatro elementos que formavam um
quartênio: o corpo, o imaginável, o desejo e o outro. Qualificação muito
pertinente, se pensarmos que o corpo representa nossa fisiologia, o
imaginável e o desejo; nossa mente, psique e alma, e o outro, nosso mundo,
nosso ambiente. Há uma força enorme, globalizante, nesta abordagem
terapêutica.
Reforço a ideia do outro. Somos seres relacionais, seres da cultura.
Considera também a existência do cuidado do corpo e da alma acontecendo
juntos, não dispensando a dimensão ontológica e espiritual do homem,
exemplificado muito bem neste trecho de Leloup:
(...) cuidar do corpo de alguém é prestar atenção ao sopro
que o anima... a doença e a morte se achavam ligadas a
uma perda ou falta de ar (sopro). (Leloup,1993: 98)
Para Campbell, em O poder do Mito (1990), existe uma grande
familiaridade com esta forma de pensar, a qual considera igualmente a alma
e o espírito parte importante a ser cuidada, e com possibilidade de ser
ressignificada:
Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a
vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos
procurando é uma experiência de estarmos vivos, de modo
que nossas experiências de vida, no plano puramente
físico, tenham ressonância no interior de nosso ser e da
nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente
sintamos o enlevo de estarmos vivos. (p. 33)
35
Martins denomina currículo, o instrumento-guia para a trajetória a ser
vivida pelo humano na produção de cultura. Em suas palavras:
... currículo se mostra como a trajetória a ser percorrida para
que sejamos nós mesmos ou possamos cuidar do outro
para que seja ele próprio e descubramos, no estar-com,
uma trajetória não ambígua. Isto é possível pela iluminação
do caminho a seguir juntamente com uma crença na própria
capacidade que o sujeito tem para fazer, construir, habitar o
próprio mundo onde já está sempre habitando, construindo,
fazendo. (Martins,1992: 1)
A noção de cuidado, explicitada por Martins, inclui a urgência em
expressar todos os nossos talentos; afirma este autor:
A ideia de Currículo para a fenomenologia envolve o
reconhecimento de uma primazia própria ao humano, a de
desenvolver talentos e capacidades que se fundamentam na
liberdade de agir... entre os deveres que o homem tem para
consigo está o “cuidado” (sorge), que significa um zelo em
não permitir que os seus talentos permaneçam emperrados,
de forma oxidada, ou seja, que não venham a se expressar.
Deverá zelar, ainda, para que a partir do conhecimento e
dos sentimentos sejam tomadas atitudes que como um todo
deverão influir harmoniosamente para a abertura do Ser em
sua plenitude. (Martins, 1992: 75)
Enquanto seres viventes, podemos cuidar de nós mesmos, aliás,
devemos ter em mente o cuidar de si. E o cuidar de si é, a meu ver, mais
que apenas uma responsabilidade pessoal, é um respeito social, ao outro,
aos que nos cercam, à comunidade, ao mundo que habitamos, pois ao
cuidar de si abrem-se possibilidades de que o cuidado leve à felicidade e a
felicidade leve à harmonia, à paz e ao amor.
A felicidade, a harmonia, a paz e o amor não duram eternamente,
somente duram enquanto permanece a vida dos indivíduos que é finita.
36
Somos finitos e, um dia, todos nós iremos perecer, independente de
onde, quanto e como nos cuidamos. Portanto, há de se edificar a vida e
celebrá-la no cuidado, e também seus desmembramentos, com alegria e
coragem. Tudo se transforma, e a metamorfose final é nossa morte. Como
afirma Beauvoir:
(...) é uma verdade empírica e universal que, a partir de um
certo número de anos, o organismo humano sofre uma
involução. O processo é inelutável. Ao cabo de um certo
tempo, ele acarreta uma redução das atividades do
indivíduo; com muita frequência, uma diminuição das
faculdades mentais e uma mudança de atitude com relação
ao mundo (Beauvoir,1970: 659)
37
CAPÍTULO II
METODOLOGIA
A abordagem da presente pesquisa é de natureza qualitativa. A
escolha de tal abordagem se justifica por possibilitar o respeito e
consideração da individualidade do sujeito entrevistado quanto a suas
características interpretativas de significar a velhice e o cuidar de si. Como
salienta Turato:
(...) no contexto da metodologia qualitativa aplicada à saúde,
emprega-se a concepção trazida das Ciências Humanas,
segundo a qual não se busca estudar o fenômeno em si,
mas entender seu significado individual ou coletivo para a
vida das pessoas. (2005: 509)
A entrevista tem-se mostrado um ótimo recurso no sentido de se
compreender a subjetividade dos entrevistados, suas concepções e
representações. Enquanto estratégia de investigação, utilizei entrevistas
semi-estruturadas, baseadas em cinco questões, dirigidas como perguntas
abertas a cada um dos sujeitos entrevistados.
Abaixo, apresenta-se o roteiro com as cinco questões:
1- Qual é a sua visão do cuidar de si no contexto do envelhecimento (a
partir dos 60 anos)?
2- Para você, o significado do conceito cuidar de si na velhice (60
anos), difere do da juventude?
3- Além de cuidar do corpo físico, qual o denominador que você acredita
ser importante para o cuidar de si.
4- Você pratica o auto-cuidado?
5- O que deve ser considerado num projeto de prevenção relacionado
ao cuidar de si?
38
Cabe aqui mencionar qual a problematização que norteia o texto, que
é: saber qual a visão do cuidar de si dos profissionais que atuam e/ou
trabalham com o envelhecimento. Esta problemática tem como objetivos:
(i) Buscar os significados do conceito cuidar de si, relatado por diferentes
profissionais com olhar direcionado ao envelhecimento.
(ii) Verificar como se dá o auto-cuidado realizado pelo profissional que
trabalha com o envelhecimento.
(iii) Identificar e caracterizar projetos de prevenção ligados ao cuidar de si,
dentro da esfera de trabalho dos profissionais entrevistados.
Cabe ainda aqui explicitar, no que se refere ao papel do
entrevistador, que deve direcionar a pergunta de modo a não influenciar a
resposta. A antropóloga Minayo afirma:
(...) a pesquisa qualitativa responde a questões muito
particulares. Ela se preocupa, nas Ciências Sociais, com
um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou
seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde
a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis. (Minayo, 2003: 21)
Foram entrevistados neste estudo dez profissionais ligados à questão
do processo do envelhecimento e da velhice. A ideia de entrevistar o número
de dez sujeitos foi com o intuito de incluir uma diversidade de profissionais
da área de Gerontologia que estudam e ou trabalham com a temática do
envelhecimento e a velhice há pelo menos cinco anos.
Para se obter uma compreensão interdisciplinar sobre o cuidar de si,
incluí diferentes profissionais envolvidos com o estudo e/ou com o
envelhecimento: médico-geriatra, assistente social, psicólogo, sociólogo,
antropólogo, administrador e pesquisador de mercado. No início foram
contatados profissionais de diferentes áreas, mas me confrontei com
39
imprevistos de várias ordens, e uma delas foi a disponibilidade de tempo dos
sujeitos.
Perfil dos Entrevistados 1- Fraiman, A. - Psicóloga/ Doutora Ciências Sociais pela PUC-SP 2- Tótora, S. - Cientista Política, Professora / Doutora Ciências Sociais pela
PUC-SP 3- Concone, M.H.V.B. - Antropóloga /Professora/ Doutora Ciências Sociais
PUC-SP 4- Papaléo Neto - Médico-Geriatra/Doutor 5- Goretti, M. - Assistente Social /Doutora Serviço Social por onde?
Hospital Servidor Público-SP 6- Paschoal, S. - Médico Geriatra / Doutor Hospital das Clínicas-SP 7- Sodré, R. - Psicóloga /Especialização Gerontologia Sedes /SESC-SP 8- Castro, S. - Previdência Privada Bradesco Previdência 9- Urris, E. - Pesquisador/ Diretor do CRI-SP 10- Dutra, N. - Assistente Social /Doutoranda Unifesp-SP
A idade dos entrevistados varia de 50 a 81 anos, e dentre eles seis
são do gênero feminino e 4 do masculino.
Quanto às profissões dos entrevistados, tem-se o seguinte: Administrador: 1 Antropóloga: 1 Assistente Social: 2 Cientista Social: 1 Pesquisador: 1 Psicóloga: 2 Médico: 2
Estes profissionais foram escolhidos por indicação de professores da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da Universidade
Federal-Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e, por meio de meus contatos
40
e conhecimento, levando-se em conta não só o seu reconhecimento, mas
também a sua projeção acadêmica, sua disponibilidade de tempo, seu
envolvimento como pesquisadores e estudiosos na temática da velhice.
Os profissionais foram contatados, inicialmente, por telefone, ou
pessoalmente, pelo próprio pesquisador, ocasião em que foram informados
sobre o objetivo e a relevância da pesquisa. Nesse momento, esclarecia-se
aos sujeitos pesquisados que a entrevista seria filmada e gravada e que um
termo de consentimento deveria ser assinado pelo entrevistado, autorizando
a veiculação de nome e de imagem de cada um.
Foi marcado, então, um encontro para a realização da entrevista,
levando-se em conta o local e o horário conveniente para o entrevistado.
Cabe ressaltar que em média as entrevistas duraram uma hora e
trinta minutos. A escolha por filmar as entrevistas foi feita para garantir uma
maior fidedignidade do conteúdo dos depoimentos e para que não se
cometessem deslizes e/ou lapsos, o que é previsível em uma entrevista na
qual não se disponha de tal recurso.
Abarquemos e amemos a velhice: é cheia de prazeres, se
sabermos fazer uso dela. Agradabilíssimos são os frutos de
fim de estação; a infância é mais bela quando está por
terminar; o último gole de vinho é o mais agradável aos que
gostam de beber, aquele que entorpece, que dá à
embriaguez o impulso final.
(Sêneca. Aprendendo a viver, 2008: 21)
41
CAPÍTULO III
O CUIDAR DE SI REPRESENTAÇÕES
Neste capítulo apresentamos as falas dos sujeitos entrevistados, isto
é, como eles interpretam as questões propostas no roteiro de entrevistas. A
questão que inicia a entrevista diz respeito ao cuidar de si, especificamente
levando em conta a visão pessoal do sujeito entrevistado sobre o cuidar de
si.
Para a entrevistada Fraiman, o cuidar de si comporta duas
importantes dimensões: a primeira delas de natureza material e, a segunda
expressa a dimensão espiritual:
Eu preciso aprender a viver bem entre os homens. Não
adianta nada eu ter as minhas ideias do plano de vista
espiritual se eu não viver, se eu não souber amar, se eu não
souber usufruir do amor que estas pessoas sentem por
mim... eu não perco tempo em ficar atrás de gente que não
quer se entender comigo, que não quer saber de mim. Pode
até me doer, mas eu não me desperdiço neste sentido. Não
me forçar a fazer coisas, me respeitar, pedir ajuda quando
necessário. (Fraiman)
Como apontamos acima, a dimensão material e espiritual na fala da
entrevistada Fraiman, ambas as dimensõs estão vinculadas à ação prática e
à autonomia. Na mesma linha de raciocínio de Fraiman, tem-se Goretti que
aponta a importância da autonomia e liberdade como ingredientes
importantes para o cuidar de si:
(...) é muito importante que a gente tenha autonomia, e que
a gente tenha a capacidade de cuidar da gente mesmo.
Então o que eu imagino para minha vida é poder cuidar tão
bem dela agora que depois dos 60, 70... talvez até depois
dos 80 anos, o mesmo eu possa ver, eu consiga cuidar de
mim mesma. (Goretti)
42
Observa-se que, para as entrevistadas acima, a autonomia aparece
como forma de cuidado; isto é, a liberdade para escolher, e construir, o que
fazer e onde fazer, com quem fazer, e como fazer. Neste sentido encontra-
se afinidade com as idéias de Gadamer (1983), onde este se refere à Práxis
Aristotélica, como preceito de livre escolha para a melhor realização da vida,
uma vida realizada de uma determinada maneira, isto é, com prohairesis, ou
capacidade de escolha prévia; capacidade de escolher e negociar livremente
diante de diferentes possibilidades apresentadas na vida. O livre-arbítrio, ou
seja, a liberdade de escolher é enaltecida e pronunciada como algo de muita
importância. Também Viktor Frankl assimila a ideia de liberdade com
direção:
O ser humano não precisa de um estado livre de tensão,
mas antes da busca e da luta por um objetivo que valha a
pena, uma tarefa escolhida livremente. (Carmello, 2007: 25).
Relacionada a esta noção de cuidar de si como um ato de liberdade,
Tótora sinaliza que nem sempre no processo de vida, de construção da
subjetividade, o cuidar de si é uma tarefa fácil:
... não se entende o cuidado de si como uma coisa muito
fácil, tranquila, mas é um longo processo de luta...
Pensando neste processo de luta e de aprendizagem, pode-se
entender que as escolhas, opções, que muitas vezes somos levados a fazer,
requerem também trabalho. Este trabalho é resultante de experiência de
uma vida toda, inclusive da vivência subjetiva do amor. Voltando a Fraiman,
vê-se que a mesma acredita que o amor é fonte de saúde; e valoriza a
vivência do amor, sendo tão ou mais importante quanto os cuidados com os
aspectos fíisicos biólogicos e relacionais. Conforme suas palavras:
Então eu acho que a partir desta idade mais velha mesmo,
cuidar de si é dar muito valor as manifestações deste amor.
Seja o meu amor pelo outro, seja o amor do outro por mim, ou
43
seja, eu não perco tempo em ficar atrás de gente que não
quer se entender comigo, que não quer saber de mim. Pode
até me doer, mas eu não me desperdiço neste sentido. E por
outro lado, me dedico bastante, me sinto muito grata e muito
bem cuidada quando encontro pessoas com quem eu me
afino bem. Isto faz com que me sinta muito melhor na minha
vida, é um cuidado que eu aplico. (Fraiman)
Já a entrevistada Dutra, concorda que o cuidar de si é um conceito
amplo, mas não consegue traduzi-lo em atitudes e ações específicas que
possam ser desenvolvidas no cotidiano. A entrevistada acaba generalizando:
(...) este conceito é muito amplo; acho que vai desde a
questão do próprio físico, enquanto você se cuida enquanto
cuidar de si, da gente de uma maneira geral. A questão
espiritual, as questões das relações sociais, é uma coisa bem
ampla.
Deve-se lembrar que estamos sempre envelhecendo, não ficamos
velhos de repente. Nascemos, vivemos e morremos. De acordo com
Heidegger: “Nós nascemos morrendo”. O envelhecimento ocorre como um
processo, um longo processo de vida, onde nascemos, crescemos,
amadurecemos, envelhecemos e morremos. Está é a evolução natural da
vida. Tótora, debruçada nos pensamentos dos filósofos gregos, em especial
Sêneca, chama a atenção para que se veja e entenda o envelhecimento como
um processo ao longo da vida. E, segundo Tótora, este cuidado de si está
relacionado com este processo da vida, que nada mais é que um processo de
construção da subjetividade, a produção de um sujeito. Velhice vista como um
coroamento de um modo de vida de cuidado. Neste sentido ela amplia estes
pensamentos ao falar:
Então a velhice passaria a ser um momento afirmativo,
positivo, todo o sentimento diferente da sociedade nossa
contemporânea, ou atual, onde a velhice é valorizada como
um coroamento, e um gozo praticamente de si em relação
44
que este cuidado tem a ver com a produção dessa
subjetividade... que é uma coisa não só interna, psicológica,
... tem a ver também com as relações sociais, com as
relações com o mundo. (Tótora)
Tótora remete-nos à Foucault, que relaciona a velhice como um
momento privilegiado da existência, desde que cultivado o cuidado de si no
seu transcurso de vida:
O idoso é, portanto, aquele que se apraz consigo, e a
velhice, quando bem preparada por uma longa prática de si,
é o ponto em que o eu, como diz Sêneca, finalmente atingiu
a si mesmo, reencontrou-se, e em que se tem para consigo
uma relação acabada e completa, de domínio e de
satisfação ao mesmo tempo... A velhice deve ser
considerada... como uma meta, e uma meta positiva da
existência. (Foucault, 2006: 135)
Relacionando a velhice também ao coroamento de toda uma
existência, como um privilégio de ter chegado lá, Tótora recoloca a velhice
como um momento positivo de vida, tal qual Foucault relembra as palavras
de Sêneca:
Deve-se viver para ser velho, pois é então que se
encontrará a tranquilidade, o abrigo, o gozo de si. (Foucault,
2006: 136)
Na sequência Foucault enaltece o élan vital, a vontade, de viver cada
instante:
Devemos consumar a vida antes da morte... deve-se sentir a
saciedade perfeita de si. (relembrando Sêneca, Foucault,
2006: 13)
Concomitantemente, este princípio encontra ressonância dentre os
nove princípios orientadores e organizadores de práticas do cuidar de si
elaboradas por Heidegger (Ayres, 2004), onde o princípio do Movimento, diz
45
que nossa identidade não é imutável, ela vai sendo construída durante a
vida. E nesta construção, mudanças ocorrem, e assim deve-se adaptar. Na
pesquisa, as entrevistadas; Tótora e Goretti acabam corroborando de certa
forma com este princípio. Tótora corrobora quando fala do cuidar de si como
um processo, um longo processo de construção de subjetividade. Goretti
quando se mostra como uma pessoa realista, ao aceitar as mudanças que
ocorrem na vida e também nos novos arranjos familiares possíveis. Abaixo
trecho da entrevista de Goretti:
...a tendência é que eu more sozinha daqui a alguns poucos
anos, os filhos estão crescendo cada um vai ter a sua vida.
Eu não pretendo ter aquele filho comigo até o fim da vida,
não é o esperado. O esperado é que eles cuidem de si
próprios, criem as suas famílias, que a gente tenha um
espaço de convivência boa, feliz, harmônica, mas a ideia
que eu tenho da minha própria vida é que eu vou ter que
cuidar de mim mesmo. (Goretti)
Pensando no movimento constante da vida, e também na evolução e
desenvolvimento tecnológico, e na saída da mulher para o mercado de
trabalho tem-se como consequência a mulher no mundo público. Há a
emergência de uma nova família: menor, composta de marido mulher e
filhos onde a figura do idoso não é mais tão comum. Em outros termos, o
envelhecer na atualidade, marca um novo arranjo familiar em que a prole é a
grande prioridade do núcleo familiar adulto que é responsável pelos
cuidados relativos a educação, alimentação, e o idoso fica em segundo
plano neste mesmo núcleo. As famílias são outras, a maioria das mulheres
não são sómente empreendedoras do lar, são empreendedoras também do
mundo público, pelo fato de estarem participando cada vez mais do mercado
de trabalho. Já quase inexiste a família que acolhe o idoso, e o inclui na
mesma rotina em que estão incluídos seus filhos e netos na mesma casa.
Esta família composta de marido, mulher, filhos, netos, avós, idealizada para
alguns cedeu lugar a modernos e inovadores espaços. Exemplos destes
espaços são: Centros de Convivência, Repúblicas, ILPIS, Centros de
46
Referência de Idosos e seus arranjos diferenciados. Uma parcela
significativa de adultos hoje se projeta no futuro como um velho dinâmico,
produtivo, emprendedor, e até estudando, se experimentando em novas
profissões e ou esportes como idoso ativo. Os espaços são outros, assim
como os arranjos, e as várias possibilidades de envelhecer em atividade e
produzindo. As possibilidades são muitas e tão diversos quanto às diversas
velhices existentes. Apesar de que não se poder generalizar a velhice, e os
modos de vida da velhice, percebe-se que o momento atual é um momento
de transição, onde se nota também que a autonomia do idoso será cada
vez mais presente e necessária. A entrevistada Goretti já sinaliza
prenúncios destas mudanças onde concebe posturas modernas,
vizualizando novos arranjos possíveis para sua velhice conforme citado
acima.
Contracenando com esta realidade, existem panoramas diversos e
totalmente diferentes destes atuais que dizem respeito diferente do nosso
contexto brasileiro metropolitano de São Paulo, onde a pesquisa foi
realizada. Por exemplo, ainda existem diferentes culturas e diferentes povos
que cultuam seus velhos. Um exemplo disto, de outros povos, está citado no
livro de Simone de Beauvoir, quando ela fala de um povo em especial; os
miaos (povos de florestas e matas da China e Tailândia), onde os filhos
permaneciam em suas casas até os 30 anos, escutando e respeitando os
conselhos dos idosos que assumem as rédeas e dão ordens na vida familiar,
os arranjos atuais familiares não reservam lugar aos idosos com a mesma
frequência de algumas dezenas de anos atrás, por exemplo, como esta tribo.
A solidão já aparece no imaginário social como uma das tendências
observadas para o futuro. Fato este, citado na fala da entrevistada Goretti
ao repensar seu futuro:
Provavelmente eu vou morar só nos próximos anos.
Provavelmente eu vou ter que organizar a minha vida, eles
vão me ajudar, mas eu não imagino que seja uma coisa tão
cotidiana não. Quando eu me imagino cuidando de mim
mesma com mais de 60 anos ou a partir dos meus 60 anos
eu me imagino até ainda podendo trabalhar, podendo
47
estudar. Eu entendo que eu vou ter um ritmo de vida mais
suave do que eu estou tendo hoje. Eu espero que isto me
aconteça de fato. (Goretti)
Já o entrevistado Castro, jornalista, tem uma agenda bastante agitada
e repleta de compromissos. Acostumou-se com este movimento diário e gosta
deste vai e vem, desta atividade efusiva e ocupada, mas também acha
importante procurar atingir um certo equilíbrio, em que, apesar de despender
muitas horas trabalhando, considera importante balancear os outros aspectos
de sua vida como família, atividades físicas, lazer, e vida social:
Prá mim hoje em dia, cuidar de si éH éH ter equilíbrio entre
as várias atividades que você tem na sua vida. É no setor
profissional, físico, relacionamentos etc. Então eu acho que eu
tenho esta visão hoje em dia, cuidar de si é ter equilíbrio entre
todas estas coisasH ahH se preocupando com que a gente
vai ter no futuro. (Castro)
Aliada a esta tendência da família moderna, é importante cultivar a
autonomia ao longo da vida. Poder executar as atividades da vida diária é
uma grande benção, vista como um sinal de necessidade para
independência e liberdade. Manter as atividades da vida diária favorecem
não só a autonomia como bem estar emocional. Assim elucida Papaléo:
(...) eu sou uma pessoa totalmente independente, certo? Eu
vejo isto além destas atividades, uma visão muito mais
ampla desta pergunta, que é o seguinte eu tenho uma visão
da importância, da importância do... da importância de se
tentar atingir um envelhecimento saudável, ou bem
sucedido...
De um outro ponto de vista, na verdade oposto ao que acima foi
colocado, tem-se a ideia de que se você não possui independência, não vai
ter muita liberdade de escolha. Muitas vezes o idoso se torna tão
dependente que vai para onde o levam, tal qual um boneco. A doença de
48
Alzheimer, as demências em geral e outras doenças incapacitantes acabam
quase que inibindo, dificultando as possibilidades de viver uma velhice
saudável, digna, ou com cuidados. O idoso doente vira um problema, para
ele, para a família, para o estado e para a sociedade, conforme diz Urris:
Você é um problema a ser cuidado por outros. Por mais que
você queira cuidar de si, você já não consegue mais. Você
passou por etapas de crescimento, de valores mais fortes e
de repente você vê, vê-se um idoso ativo ou inativo, e aí
você passa a depender de outros, da família, da assistência
social e... de outros, enfim fora da família, da sociedade, e
você então torna-se um problema para todos na verdade e
para si mesmo.
Do ponto de vista material, Fraiman afirma a importância de uma vida
disciplinada. Ter disciplina: sono, alimentação, habitação, cuidar do dinheiro,
ter prazer em escolher seus hobbies, e autonomia para decidir o que fazer:
No meu entender, cuidar de mim mesma pode ser ler um
bom livro, respeitar o meu cansaço, respeitar a minha fome,
dizer não quando eu não quero dividir as coisas.
Também nesta linha Paschoal viabiliza a inclusão de vários aspectos a
serem cuidados:
A questão dos cuidados abrange diversos fatores muitas
vezes a maneira de cuidar vai ser multifatorial né? ...e o cuidar
em todas as dimensões da nossa vida. É o cuidar nas minhas
questões físicas, mas também no meu lado psicológico, é o
cuidar de mim nas minhas questões sociais. Eu preciso, por
exemplo, na minha condição física, controlar as doenças que
forem aparecendo. Se precisar de remédio, saber tomar com
responsabilidade os remédios; na dose certa, no horário certo,
se for necessário fazer exames periódicos, fazer questão da
prevenção de algumas outras complicações que poderiam
surgir etc.
49
Minayo mostra o conceito de Saúde dentro da perspectiva das
resoluções da VIII Conferência Nacional de Saúde, a qual em 1986 se
apresenta também de forma abrangente, onde a definição utilizada para a
Saúde descentraliza-se do campo puramente biológico, o mesmo que ocorre
com a conceituação do cuidar de si pelos entrevistados:
Em sentido mais abrangente, a Saúde é o resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso à posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É
assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização
social da produção, as quais podem gerar grandes
desigualdades nos níveis de vida. (Minayo, 1986: 10)
Paschoal considera esta ampliação do conceito do cuidar de si
bastante pertinente, em suas palavras:
Do ponto de vista psicológico, a questão da auto-estima, como
é que eu lido com as relações, com as pessoas, a parte
sexual, tudo isto é fundamental. Do ponto de vista social, qual
é o papel que eu tenho. Eu tenho de cuidar para que eu não
perca este papel. Para que as relações sociais e as atividades
sociais sejam cada vez mais intensas e estendidas.
Na mesma perspectiva, Minayo esclarece:
(...) se a doença é ausência da saúde, a saúde não é apenas
ausência de doença. Ela significa um estado de satisfação e
de bem-estar que engloba o conjunto de suas condições de
vida, aspirações e relações sociais. (1986: 19)
Paschoal considera que o sucesso das atitudes do cuidar de si
durante o processo de envelhecimento visa a garantir uma melhor qualidade
de vida associada a uma responsabilidade pessoal, em primeiro lugar,
conforme cita:
50
Como aumentar minha rede social de apoio ou de
relacionamento? Isto tudo é fundamental, e depende de uma
atitude ativa minha, cuidando para que estas coisas não se
percam, não diminuam. E se houver algum prejuízo, que este
prejuízo seja revertido. Então o cuidar de si no
envelhecimento é algo extremamente fundamental, vai me
garantir saúde e qualidade de vida.
Consoante Paschoal, o médico psicossomatista Danilo Perestrello
também fala desta responsabilidade pessoal que cada indivíduo tem em
trabalhar por sua saúde. Nas palavras de Perestrello temos:
A sobrevivência da vida e da espécie dependem da
capacidade de luta de cada qual. A saúde da mesma forma é
uma tarefa e não um dom natural. Compete a cada espécie, a
cada indivíduo, manter-se (...) somos donos de nossa saúde,
de nossa doença e de nossa sobrevivência. (Perestrello,
1996: XXVIII)
A visão colhida com os entrevistados evidencia que o cuidar de si é
um conceito plural, em que a diversidade de ações imbuídas no conceito de
cuidado compreende a inclusão de diferentes ações práticas e também do
desenvolvimento da subjetividade. Durante a pesquisa notaram-se respostas
semelhantes neste sentido quanto à questão: “Qual sua visão do cuidar de
si?”, dirigida aos entrevistados.
Dos dez sujeitos entrevistados, oito consideram o cuidar de si um
conceito que não prioriza uma única esfera da vida, mas que abrange
diferentes aspectos. Dentre eles, os aspectos físicos, espiritual/emocional, e
social. Vale a pena ressaltar que os motivos alegados: saúde, autonomia,
liberdade, relações sociais foram citados e sua priorização variou de pessoa
para pessoa, e assim sendo a diversidade, a heterogenidade se
manifestaram.
Três dos dez sujeitos revelam ter a noção da importância de cuidar
de si, mas se julgam displicentes, e/ou com dificuldades para praticar o
cuidar de si, alegando problemas diversos.
51
Três sujeitos consideram o cuidar de si como um processo. Um
processo em construção; um processo que se inicia desde o momento em
que se nasce, e que só finaliza com a morte. Para estas pessoas, o cuidar
de si tem a ver com autonomia, isto é, com a liberdade de escolha, de vida e
até de escolha de morte (caso referido aos cuidados paliativos).
Somente um dos entrevistados afirmou enfaticamente que cuida de si
com muita prudência e regularidade, isto é, segue prontamente os preceitos
que sugere aos seus pacientes de como se cuidar. Pode-se observar que os
entrevistados concebem o cuidar de si, como um conceito amplo, isto é,
que abrange o cuidado nos diferentes aspectos, nas diversas dimensões da
vida, mencionadas como sendo físicas, emocional/espiritual/religiosa, social,
e ambiental. Dentro desta visão ampliada, percebe-se espaço para acolher o
novo: as inovações, as mudanças, a transição de modos de viver a velhice,
são mencionadas, e repensadas como situações a serem levadas em
consideração, pois são resultantes de um novo momento. Faz-se notório
observar que aspectos subjetivos ganham realce neste momento, tais como:
liberdade, autonomia, vivências relacionais de amor e de amizade aparecem
como aspectos relevantes e considerados importantes dentro da perspectiva
do cuidado.
52
“O defeito maior da vida é ela não ter nada de completo e
acabado, e o fato de sempre deixarmos algo para depois.
Aquele que sabe levar sua vida no dia a dia não precisa do
tempo... portanto, trata de viver cada dia como se fosse uma
vida inteira”. (Sêneca, 2008: 116)
53
CAPÍTULO IV
CUIDAR DE SI NA JUVENTUDE X CUIDAR DE SI NA VELHICE
“Com o passar do tempo, nos transformamos, mas continuamos os mesmos.”
A frase acima foi explicitada em aula da professora Dr.ª Suzana
Medeiros quando da discussão do texto “Não somos Cronos somos Kairós”,
do professor Dr. Joel Martins.
Hillman desenvolve o mesmo pensamento de Medeiros quando se
indaga:
Mas o que significa “o mesmo”? Eu mudei tanto e estou tão
diferente, no entanto, apesar de todas as mudanças, alguma
coisa continua a me assegurar que sou eu mesmo. Poderia
perder minha identidade social, minha configuração física e
minha história pessoal, no entanto alguma coisa
permanecerá a mesma, ultrapassando essas vicissitudes
radicais; o caráter é esse cerne que não se altera. (Hillman,
2001: 35)
Para Medeiros, um bom exemplo que esclarece este
pensamento sobre a passagem do tempo; é a metamorfose da larva, quando
esta toma forma da crisálida, e se transforma em uma linda borboleta. Esta
mesma professora reitera que durante as transformações que sofremos
vamos construindo a vida, agregando na mais recente forma – no caso do
exemplo a borboleta as anteriores larva, crisálida, portanto permanecemos
os mesmos. Para ela, esta é a riqueza, esta é a grande sabedoria; a
qualidade que nos apoia enquanto seres humanos nas tomadas de decisões
para as nossas escolhas. O mesmo pensamento, observamos em Hillman, o
qual chama a atenção para que não consolidemos nossa existência
subjugada somente à fisiologia, e na velhice que drasticamente a governa.
É preciso ir além; ir ao encontro da alma; e é a ideia do caráter que devemos
ser subjugados. Assim de acordo com Hillman:
54
Envelhecer destextualiza a biologia exatamente quando
estamos mais escravizados por ela. A velhice permite uma
segunda leitura... no meu entender, essas coisas significam
que a perspectiva psicológica vem em primeiro lugar, que o
território básico do ser moveu-se para a alma.O modo como
envelhecemos, os padrões que executamos regularmente e
o estilo da nossa imagem mostram o caráter em
funcionamento. Assim como o caráter dirige o
envelhecimento, o envelhecimento revela o caráter.
(Hillman, 2001: 15)
Ao trabalhar a questão: O significado do conceito cuidar de si na
velhice (60 anos +), difere ao da juventude?, com meus entrevistados,
pude perceber que apesar de não considerar a idade como um marcador
cronológico pontual, isto é, totalmente definido, definitivo, tive que delimitar
um período de tempo para agrupar melhor as respostas dos entrevistados
quanto ao cuidado de si, na velhice (depois dos 60), pois é um marcador
dado atualmente pelo Estatuto do Idoso, e aceito socialmente. Lembrando
Joel Martins, em sua brilhante obra, Não somos Chronos, somos Kairós”, ele
cita:
O tempo não é uma dimensão cronológica medida em dias,
meses e anos, mas sim um horizonte de possibilidades do
Ser. (Martins, 1991)
Medeiros reflete acerca desta máxima, concluindo que o
envelhecimento não é um evento com data marcada, mas um processo com
trajetória própria.
Também Groisman frisa a importância de não generalizar idade X
juventude X velhice, como marcadores biológicos, conforme sinaliza:
...o critério mais comumente utilizado para a definição
do envelhecimento - o cronológico (a idade) – é apontado
como falho e arbitrário... porque o envelhecimento seria
vivenciado de forma heterogênea pela população. Pessoas
da mesma idade cronológica poderiam estar em estágios
55
completamente distintos de envelhecimento. Além disso, o
organismo de um indivíduo “envelheceria” de maneira
diferente entre os tecidos, ossos, órgãos, nervos e células.
Desse modo, o que podemos salientar é que o
envelhecimento não parece ser definido pela idade de uma
pessoa, mas pelos efeitos que essa idade teria causado em
seu organismo. (Groisman, 2002: 66)
Para Bookstein et al., apud Groisman, talvez fosse interessante
considerar a idade gerontológica como um suposto marco ideal do
envelhecimento, mas pouco fidedigno:
(...) a solução definitiva para se medir o envelhecimento
seria a criação de uma idade gerontológica, que levaria em
conta diversas escalas de variáveis com tratamento
estatístico apropriado. As variáveis como peso, teriam um
peso maior; enquanto as mais subjetivas, como o nível
cognitivo, teriam um peso menor. A idade gerontológica
levaria em consideração os fatores fisiológicos, juntamente
com os psicológicos. (Groisman, 2002: 67)
Todos os profissionais entrevistados apontaram diferenças
significativas quanto à ideia, à visão do cuidar de si, de quando se é mais
jovem, e de quando se atinge a velhice (aos 60 anos ou mais). A ideia que
sobressai é a de que quando se é mais jovem não há necessariamente um
planejamento prévio de ações; o jovem age por impulso, pensa só no
momento presente. Não há uma organização de vida, um cuidado com
atividades programadas e necessárias para promoção de saúde a longo
prazo. O jovem de um modo geral procura satisfazer seu desejo de imediato.
Geralmente não mede as consequências de seus atos, e tampouco
economiza as energias, diferentemente do velho que usa sua energia com
mais discernimento e com mais cuidado, poupando-a, com mais rigor,
cautela, sabedoria e planejamento. As respostas apontaram para um certo
cuidado na utilização e dispêndio destas forças enquanto se é mais jovem,
como cita Fraiman:
56
Quando se é mais velha, eu acho que, no meu caso, eu
aprendi a poupar algumas forças, e saber melhor para onde
dirigi-las... então, a priorização de atividades, ou mesmo dos
desgastes, ela está mais sobre meu controle e menos
dependente do olhar alheio.
Para Tótora, o indivíduo enquanto jovem está num processo de
aprendizagem importante, de experimentação, de amadurecimento, e
também de discernimento, de como interagir no mundo:
(...) o jovem assim no sentido mesmo grego, ele pode arriscar
muita coisa, né? Ele pode, eu acho que até este risco mesmo
de uma vida em risco que vai dando a ele as medidas que ele
vai construindo ao longo de sua vida, as medidas que são
próprias, singulares de cada um, eu penso neste encontro, na
juventude, ser jovem é um pouco deste arriscar. De saber de
sua própria potência, e aprender a sua própria potência. O
jovem não tem esta apreensão da própria potência, ele tem
que arriscar muito, vai testar muito, ele então... pode como se
diz... neste testar muito, fazer maus encontros, aí que na
velhice este aprendizado, desde que cultivado, ele pode evitar
maus encontros. Então talvez esta seja a sabedoria da
velhice.
Castro compactua com o pensamento de Tótora quando considera
que o jovem às vezes age de forma impulsiva, inconsequente, imediatista e
que se arrisca mais que os idosos:
Quando você é jovem, o cuidar de si é atender os seus
desejos eu acho. Você tá preocupado em atender os seus
desejos mais imediatos, então você quer satisfazê-los mais
rapidamente. Então, o cuidar de si é fazer esta coisa mais
imediata, você não pensa muito a longo prazo, você tem
esta visão mais imediatistaH
57
Dutra também compactua com esta visão do cuidar de si da
juventude onde a necessidade do jovem é viver o momento; o aqui e agora,
sem se preocupar muito com o futuro:
Talvez o jovem, o cuidar de si seja viver o momento, viver a
balada da hora, viver a questão do dia. E o idoso, ou a
pessoa que está amadurecida, ou já no processo de
envelhecimento talvez encare isto, como uma forma de
tentar viver melhor os anos que ainda tem pela frente. Acho
que o cuidado é este. O jovem vive o momento e não se
preocupa muito com este futuro, então este cuidar de si fica
um pouquinho esquecido vamos dizer assim.
Urris vê o jovem como portador de uma enorme energia e liberdade
de ação. Para o jovem, tudo é possível, ele pode tudo, inclusive escolher. Ao
velho, e principalmente ao velho fragilizado resta ser escolhido para ser
cuidado se tiver sorte:
Totalmente diferente. Ah! Você no limiar de sua juventude,
na fase adulta, você cuida de si, você já nasceu, foi cuidado.
Mas você teve uma progressão e você nessa juventude
você malha, você tem como ir atrás, correr atrás de um
cuidar para você, e você também está com todo o gás para
buscar melhores cuidados para você. Agora o idoso no
envelhecimento, ele fica à mercê de outros cuidados. A
família vai cuidar de uma pessoa que envelheceu e não
sabe cuidar.
Sodré, idealizadora dos projetos de longevidade versus qualidade de
vida dos SESCs paulistas, acredita que, enquanto houver fôlego e o idoso
estiver ativo, a diferença não é tão aparente, mas quando ocorre alguma
doença a preocupação aparece e é preciso se cuidar mais:
(H) eu acho que tem diferença sim, porque quando você está
jovem, quando você não tem nenhuma fragilidade, quando
você está, como o povo diz, na ativa, correndo com o trabalho,
58
com casa, com filhos etc. talvez você não tenha tanto tempo
de se olhar melhor, não digo cuidar da unha, do cabeloH mas
no todo mesmo, neste aspecto mais amplo. Então é um
conceito diferente, você estar bem, mas sem perceber mais
concretamente o seu físico... Eu acho que, na velhice, a
questão do biológico, da saúde, ela é mais contundente. Você
tem sintomas, e aí o cuidar de si passa mais por esta vertente:
cuidar dos sintomas, cuidar da saúde do ponto de vista de
prevenir uma osteoporose porque começou a dar uma
dorzinha ali. Você pinta o cabelo mais frequentemente para
não aparecer tanto os brancos, você toma uma vitamina C
com medo de ter uma gripe. Então eu acho que este cuidar na
velhice já começa a ter este aspecto mais do físico, mais do
biológicoH não que as outras esferas não sejam importantes,
mas ela está o tempo todo batendo na porta, dia a diaH
olhaH eu estou aquiH mais do biológico mesmo.
Alguns entrevistados deixam entender que, com o passar dos anos,
apesar da cabeça estar em boas condições, o aspecto que requer mais
cuidados é o aspecto físico:
... a atividade é diferente, quando a pessoa tem idade a
pessoa, então realmente é isto que acontece até os
quarenta anos você tem atividade física diferente,
fisicamente maior, mas psicologicamente não, eu continuo
sendo a mesma pessoa quando eu era estudante de
medicina, eu tenho a mesma visão. Felizmente eu tenho
praticado atividade, a atividade não, eu tenho, na verdade,
praticado de certa forma atividade física por problemas
agora necessidade do meu estado de saúde, que eu tenho
uma insuficiência respiratória não muito intensa, mas tenho,
certo? (Papaléo)
A entrevistada Goretti chama a atenção para a possibilidade de haver
uma desaceleração das atividades do indivíduo quando se está velho.
Acredita também que durante o envelhecimento, o indivíduo passa a se
59
ocupar mais dos aspectos da saúde física, mais do que com os outros
aspectos de sua vida:
Quando eu me imagino cuidando de mim mesma com mais de
60 anos ou a partir dos meus sessenta anos eu me imagino
até ainda podendo trabalhar, podendo estudar. Eu entendo
que eu vou ter um ritmo de vida mais suave do que eu estou
tendo hoje. Eu espero que isto me aconteça de fato, e o cuidar
de mim mesma, assim hoje representa cuidar de minha
aparência, produzir, cuidar da minha casa, cuidar da minha
saúde. Eu percebo que entre cuidar da aparência, do bem-
estar, e do lazer, eu acho que eu vou despender mais horas
cuidando de minha saúde e claro que de forma preventiva,
né? Eu então espero ter um espaço de convívio social que
não seja somente da família. Eu me imagino, eu me imagino
talvez tendo que ir com mais frequência a médicos, fazer mais
exames preventivos e até provavelmente cuidar de algumas
doenças, eu acho que esta é uma das coisas que a gente não
pode fugir. Um corpo com mais de 60 anos de idade não é o
mesmo corpo de 20 anos de idade, começa a ter avarias,
começa a ter necessidade de manutenção com muito mais
freqüência né? Do que mais cedo. Acho que isto vai me
acontecer invariavelmente, acho que eu vou ter que pegar
mais leve, no ritmo... mas eu me imagino com uma vida ativa,
saindo, passeando, namorando, eu acho que este sonho
todos nós temos.
Castro amplia o conceito de cuidar de si quando o sujeito atinge a
maturidade:
Hoje em dia, eu tenho 52, eu comecei a me perceber, que
cuidar de si levam outras coisas em conta. Eu comecei a
cuidar de mim eH num sentido mais amplo, quer dizer
equilibrar .
60
Um dos entrevistados não aponta diferenças significativas entre o
cuidar de si na juventude, e o cuidar de si na velhice (após os 60 anos).
Então a visão do cuidar de si no contexto do
envelhecimento, agora eu tô vendoH vou acabar
respondendo as duas juntas: eu não vi mudança em termos
da noção do cuidado de si em relação a outras fases da
vida. A não ser em alguns momentos muito específicos, por
exemplo, na época da maternidade havia um cuidar de si
específico. (Villas Boas Concone)
Se a antropóloga Villas Boas Concone, nossa entrevistada, não vê
grandes diferenças entre o cuidar de si na juventude e o cuidar de si
durante o envelhecimento, o médico geriatra Paschoal aponta para um
conjunto que leva em conta muitas diferenças:
Inclusive na juventude há toda uma questão do
desenvolvimento neuropsicosocial do desenvolvimento dos
papéis sociais etc., que na velhice vai ser outro tipo de
envolvimento com isto, além do que nós temos na velhice
uma prevalência aumentada das condições crônicas
Como já mencionado nesta dissertação, assim como existem diversas
velhices, existem diversas possibilidades de se viver esta velhice. São
inúmeros os arranjos possíveis. Os discursos hegemônicos colocam o velho
atrelado a significados negativos. E dentre esta multiplicidade de conceitos e
definições, encontramos a grande maioria destes relacionando
envelhecimento com perdas de toda a ordem: no aspecto físico; perdas
ósseas, sarcopenia, dependências, incapacidades, doenças, desequilíbrios,
debilidades. Já no âmbito Social, as perdas sociais representadas pela
exclusão, aposentadoria, diminuição do poder aquisitivo, pobreza,
inabilidades sociais. No aspecto psíquico, há a possibilidade de reviver a
situação de desamparo psíquico. Todo este quadro de vulnerabilidade e
fragilidade pode acontecer durante o envelhecimento, mas é importante
notar que as fragilidades podem ocorrer também na idade mais jovem. O
61
que mais notamos pelos relatos é que a maioria dos entrevistados considera
as necessidades no envelhecimento e cuidados relacionados quase que
estritamente ao aspecto físico, quando direcionado ao velho. E como somos
seres frutos do discurso, a velhice acaba sendo sempre associada à
fragilidade. É preciso desconstruir a ideia de que as fragilidades ocorrem
somente no corpo físico, e somente no e com o idoso. Também é importante
lembrar que a velhice só pode ser compreendida em sua totalidade,
incluindo os fatores biológicos, emocionais, culturais e espirituais. E levando
em conta todas as dimensões. A imagem do idoso hoje, já não corresponde
àquela de vinte anos atrás. O que estamos observando atualmente é de um
lado a existência do idoso como sinônimo de doente – visão estigmatizada –
e de outro lado, o idoso ativo e com a saúde perfeita, como uma nova visão
idealizada. Esse pensamento não leva em conta a complexidade do
processo de envelhecimento e nem da velhice propriamente dita. Não leva
em conta porque é um pensamento dicotômico, um se apresentando como
contrário do outro que implica uma generalização e uma caricatura. É
preciso desconstruir a visão dicotômica para vislumbrar outras inúmeras
possibilidades que permeiam estes dois polos. Tem-se diversos arranjos,
diferentes velhices, que dão espaço para o nascer de uma multiplicidade, de
variáveis diversas referentes à experiência do envelhecimento e da velhice.
Segundo o pensamento do geriatra Paschoal, nosso entrevistado, ele
acredita que as nomenclaturas referidas ao ”velho“ estão mudando, o
imaginário social, e por isso já comporta outras possibilidades de se viver a
velhice, e também dentro desta perspectiva faz-se necessário
responsabilizar-se, produzir novos significados, novas atitudes, que gerem
efetivamente um novo sujeito idoso, ciente da importância da qualidade de
suas ações. A afirmação abaixo de Paschoal explica a interpretação:
No âmbito Cuidar de Si, a velhice tem um papel
fundamental. Ele tem que ser ativo, indo contra uma
situação da sociedade que é de certa forma um mito de que
todo idoso à medida que vai envelhecendo, você vai
entregando, passando o bastão, que foi até uma teoria
errônea no meu entender do envelhecimento de que a
62
medida àmedida que você vai passando os anos, você tem
que passar para as gerações seguintes. É lógico que isto
tem que acontecer, mas não tem que ser de uma forma em
que você não cuide de seu papel na sociedade, por
exemplo. Então é fundamental na velhice este cuidar de si
de uma forma intensa. É lembrar que é nesta época que
pode acontecer a diminuição das atividades nas três
dimensões: por problemas físicos; diminui as atividades
físicas, por problemas psicológicos, diminui as relações por
problemas sociais, deixar de ter algum papel na sociedade,
e muitas vezes a própria sociedade acha isto natural: Ah!
Todo idoso é meio tristinho, todo idoso é meio parado, todo
idoso fica mais em casa lendo, fazendo tricô, vendo
televisão, e isto não é cuidar de si. Se eu fizer isto, eu vou
ser uma pessoa menor, com menos valia. Por isto é
fundamental que a gente continue de uma forma intensa a
cuidar de nós mesmos, em qualquer idade, e intensamente
na velhice, e cada ano, a terceira idade, a quarta idade, por
exemplo, precisa de um cuidar de si muito maior, porque aí
se não advêm problemas maiores, mais graves como a
sarcopenia, fragilidades, que vão inclusive impedir
mobilidade, relação social, dependência; então este cuidar
de si na quarta idade é fundamental e importante. À medida
que nós vamos envelhecendo nós temos que aumentar a
intensidade do cuidar de si e ao mesmo tempo vamos ter
que mudar a qualidade do cuidar de si.
63
Capítulo V
ALÉM DE MEU CORPO FÍSICO...
A questão do roteiro de entrevista, que aborda o tema “Além do corpo
físico”, explicita para os entrevistados o seguinte: “O que você considera
importante para o cuidar de si?”.
O texto abaixo aponta elementos subjetivos que a arte evidencia e
que expressa de forma poética, aproximando, e possibilitando uma primeira
interpretação sobre a fala dos sujeitos entrevistados. A poesia também
revela a perspectiva interdisciplinar presente nesta dissertação:
Espiritualidade é um estado de consciência;
Não é doutrina, não!
É o que se leva dentro do coração.
É o discernimento em ação!
É o amor em profusão.
É a luz nas ideias e equilíbrio na senda.
É o valor consciencial da alegria na jornada.
É a valorização da vida e de todos os aprendizados.
É mais do que só viver; é sentir a vida que pulsa em todas as coisas.
É respeitar a si mesmo, para respeitar o próximo e a natureza.
É ter a plena noção de que nada acaba na morte do corpo, pois a
consciência segue além, algures, na eternidade...
É saber disso – com certeza -, e não apenas crer nisso.
É viver isso – com clareza -, sem fraquejar na senda.
É ser um presente, para si mesmo, para os outros e para a própria vida.
Espiritualidade é brilho nos olhos e luz nas mãos.
E isso não depende dessa ou daquela doutrina; depende apenas do próprio
despertar espiritual; depende do discernimento consciencial em se unir aos
sentimentos legais, no equilíbrio das próprias energias, nos atos da vida.
Ah, espiritualidade é qualidade perene; não se perde nem se ganha; apenas
é!
É valor interno, que descerra o olhar para o infinito... para além dos sentidos
convencionais.
É janela espiritual que se abre, dentro de si mesmo, para ver a luz que está
em tudo!
Espiritualidade é essa maravilha: o encontro consigo mesmo, em paz.
64
Espiritualidade é ser feliz, mesmo que ninguém entenda por quê.
É quando você se alegra, só pelo fato de estar vivo!
É quando o seu chacra do coração se abre igual a uma rosa, e você se
sente possuído por um amor que não é condicionado a coisa alguma, mas
que ama tudo.
É quando você nem sabe explicar porque ama; só sabe que ama.
Espiritualidade não depende de estar na Terra ou no Espaço; de estar
solteiro ou casado; de pertencer a esse ou aquele lugar; ou de crer nisso ou
naquilo.
É valor de consciência, alcançado por esforço próprio e faz o viver se tornar
sadio.
Espiritualidade é apenas isso: Ser feliz!
Ou, como ensinavam os sábios celtas de outrora:
Ser um presente!
Que teu coração voe contente nas asas
da espiritualidade consciente,
para que você perceba a ternura invisível
tocando o centro do teu ser eterno.
Que teus pensamentos, teus amores, teu viver,
e tua passagem pela vida sejam sempre abençoados
por aquele amor que ama sem nome.
Que esse amor seja o teu rumo secreto,
viajando eternamente dentro do teu ser.
Que esse amor transforme os teus dramas em luz,
tua tristeza em celebração,e teus passos cansados
em alegres passos de dança renovadora.
Que teu viver seja pleno de paz e luz! Wagner Borges
Valsecchi, em sua pesquisa de doutorado sobre Imagens da Velhice,
aponta para a existência de um outro corpo, além do corpo material:
65
O corpo não se resume à sua materialidade física; mais do
que um fato da natureza, ele é um produto da época e do
lugar. As sociedades apropriam-se do corpo com o objetivo
de afirmarem algo que não está nele; fazendo-o para
expressar disposições sociais e valores culturais.
(Valsecchi,1999: 64-5)
A autora completa o pensamento, enfatizando mais uma vez a
importância da cultura, e da apreensão dos aspetos sociais e hstóricos que
penetram este corpo:
As ações da cultura sobre o corpo não se restringem à sua
modelagem externa, à superfície dos corpos individuais.
Invadem a interioridade do organismo, encontrando - se
presente nos hábitos alimentares, na higiene e nos cuidados
corporais, na sexualidade, no trato com a morte, nas
emoções etc. (Valsecchi, 1999: 66)
Pelas respostas dos entrevistados sobre a questão “Além do meu
corpo físico?”, foram mencionados aspectos subjetivos importantes que
privilegiam a saúde não física, tais como aspectos qualitativos relativos à
espiritualidade, valores, afeto, justiça, troca de confidências, solidariedade,
reciprocidade, amizade, bondade, e beleza foram eleitos como benéficos e
de suprema importância para além do corpo físico, na verdade inseparáveis
do mesmo. Nesta linha, Jung (1988) chama a atenção para a importância da
inclusão e vivência da espiritualidade na vida de cada ser, e acredita que se
deva acrescentar na vida:
a reflexão sobre a necessidades que cada pessoa possui de
uma religião em nível pessoal, que lhe possibilite expressão
individual de elaboração simbólica e portanto de
conhecimento. (Stanziani, 2002: 55)
Pesquisas científicas também corroboram a importância da
religiosidade:
66
Nos últimos tempos, buscam-se provas científicas de que
religião, fé e espiritualidade geram bem-estar. Tanto que a
maioria das 125 faculdades de Medicina existentes nos
Estados Unidos mantêm, em seus currículos, alguma
disciplina abordando o ensino religioso e espiritual. (...)
Harvard é uma delas. Harold Koening, diretor do Centro de
Estudo da Religião e Espiritualidade e Saúde da
Universidade de Duke, lidera o movimento em favor da
melhor compreensão dos efeitos da religião e das crenças
espirituais do paciente. (Pessini, 2006: 145)
Na sequência identifico, em Fraiman, a valorização desta expressão,
que Jung denomina de individuação, a expressão de sua própria
singularidade, e seus valores pessoais:
...penso que é muito interessante adotar alguns valores e
não transgredi-los. Por exemplo, ser justa; quando tiver uma
coisa boa em mãos, ou ao meu alcance me incluir no hall
dos beneficiados. Digamos que na juventude eu, eu era
mais pródiga, eu dava muita coisa de mim sem medir as
consequências. Hoje existe quase que uma economia de
benefícios. Uma economia no bom sentido. Não é que eu
poupe beneficiar alguém, mas é que eu me incluo no hall
dos beneficiados por algo bom. E eu acho que isto é mais
justo na vida. Eu me incluo na justiça, no bem, no bom. Eu
penso que cuidar de mim, pensar na minha felicidade, saber
com clareza o que é que eu desejo. Se eu não souber trocar
ideias com pessoas, cuidar de mim não é só viver bem
comigo. Descobrir nos amigos que eu tenho qualidade, e o
que eu posso extrair destas pessoas, além de dar para
estas pessoas. Então, fazer trocas justas é absolutamente
importante, e principalmente trocas baseadas em valores
substanciais; como bondade, como justiça, como beleza,
neste sentido uma criança pode cuidar de mim. Então eu
não nego receber abraço de uma criança, como eu não
nego oferecer uma boa palavra. Eu tô bastante digamos,
67
usufruindo melhor das... das minhas riquezas, e das
riquezas dos outros ao meu redor. Então se isto não
houver... então é porque eu estou me descuidando.
Alguns estudiosos e pesquisadores já enfatizaram em suas pesquisas
a importância da rede de relacionamentos sociais durante toda a vida, em
especial na velhice. Alguns entrevistados confirmam a premissa de que
muitas vezes uma boa socialização vale mais de que medicamentos. Castro
assinala:
Além do cuidar do corpo físico, eu acho que é importanteH
é cuidarH. equilibrar o relacionamento social com as
pessooas, é manter amizades, é manter mais atividades de
lazer, eu me preocupo hoje muito mais em sair, passear, e
ter um tempo livre, embore eu trabalhe bastante, mas eu
acho que também ter um equilíbrio entre o estresse
profissional e o estresse do dia a dia que eu acho que é
benéfico, eu acho mesmo que você tem que ter uma vida
muito ativa neste sentido. Você tem que estar preocupado
em ter uma vida muito ativa, éH principalmente nesta etapa.
Eu diria que a gente tem, eu tenho 52, mas a partir dos 60
anos, é você estar muito mais ativo do que estava antes até
eu acho que sua preocupação tem que ser em ter mais
conhecimento em terH adquirir novos conhecimentos,
conhecer novas culturas, fazer novos relacionamentos, ter
mais amizades, ter maisH enfim, interagir com as pessoas
de uma maneira mais saudável e produtiva neste sentido.
Depois dos 60 anos, é manter este equilíbrio, manter esta
rede de relacionamento.
Sodré e Dutra compactuam também do pensamento que prioriza os
aspectos sociais, como sendo tão ou mais importantes quanto os cuidados
físicos:
Amigo... é imprescindível neste momento, se você não
pensar no corpo; envelhecer bem é ter amigos, e cultivar
estas amizades. E fundamental é viver com a família, curtir
68
a família, as pessoas queridas, tudo isto faz um bem tão
grande pra gente, que no fundo é cuidar da gente, né?
(Sodré)
Dutra acrescenta também a importância de se desenvolver social e
espiritualmente:
Além da gente cuidar do nosso corpo físico a gente tem que
se preocupar um pouquinho com os outros lados, com todas
as outras faces da nossa vida. Acho que a questão espiritual
é importante, eu acho que a questão das relações sociais
que a gente desenvolve e fortalece ao longo da nossa vida
são tão importantes estas questões quanto o cuidado físico,
porque o indivíduo para ser um indivíduo saudável ele tem
que ter... as estatísticas, as pesquisas já comprovam, ele
tem que ter uma rede de relações sociais muito boa, que o
fortaleça e lhe dê um amparo não só nas horas negativas ou
que ele necessite, mas em todos os momentos da vida dele
como um todo. Acho que é importante generalizar um pouco
mais este conceito de cuidar de si, e ampliá-lo.
Tótora, por sua vez, denomina produção subjetiva, a vivência dos
aspectos qualitativos ,enquanto o sujeito interage com o mundo dentro do
processo de cuidar de si;
...este cuidado tem a ver com a produção dessa
subjetividade, que é uma produção a partir de tanto a
constituição dessa subjetividade que é uma coisa não só
interna, mas psicológica, mas tem a ver também com as
relações sociais, com as relações com o mundo. Como que
é possível agenciar as forças do mundo e fazer com que
essas forças potencializem a vida desses sujeitos?
Para cada entrevistado o aspecto espiritual é cultivado de uma
determinada maneira, para Villas Boas Concone, a Yoga preenche um
aspecto de sua vida que considera importante para sua saúde espiritual, no
caso a Yoga:
69
Eu acho que a yoga prá mim talvez seja a melhor maneira
de cuidar do físico e do não físico. Só que eu interrompi,
fiquei vários anos sem fazer. Voltei a yoga já com 60 anos.
Eu ficava bastante feliz porque a professora me achava
muito mais flexivel do que as alunas dela de 20 ou 30 anos,
. Esta era uma mulher que deveria ter uns 60 anos, muito
bonita, ela tinha uma cabeça muito legal, então me fazia
bem pro corpo e pra cabeça. Aí eu parei a 5 anos atrás e
não retomei mais. Outra coisa que eu fiz que era uma
alternativa ao tratamento físico, mas invasivo, ou
medicamentoso, melhor dizendo, foi a acupuntura, que eu
também acho que foi uma coisa formidável, e que eu
também parei de ir. Então eu sou irresponsável, inconstante
e não tenho a menor perspectiva de que eu estou uma
senhora idosa.Então outra coisa que eu gosto muito de
fazer, e que prá mim preenche a alma e que preenche a
vida é ler. EHentão eu leio muito os livros da minha área,
mas eu gosto muito de livros policiais de boa qualidade.
Urris (outro entrevistado), chama a atenção para o Estatuto do Idoso,
salientando a importância do conjunto de reivindicações relativas aos direitos
dos idosos:
Validar os direitos do ser humano... você tem direito à
educação, você tem direito àmoradia, você tem direito à
saúde, ao lazer, isto está muito fragilizado no Brasil inteiro.
Se você não tem o mínimo pra sobreviver como você vai ter
uma qualidade de vida? Não importa se você está
nascendo, ou se você está numa fase jovem, adulta e muito
pior ainda você na velhice. Se você teve uma qualidade de
vida ruim na sua vida inteira, como você vai ter, vai manter
uma qualidade no final da vida? A dignidade de se ter uma
boa vida está capenga, nós não temos então cuidado por
parte do poder público em termos de assegurar as pessoas
o mínimo de dignidade em termos de como vai ficar a família
quando surgir uma pessoa com demência? Mas isto tudo
70
tem a ver com este direito, assegurar o direito às
instituições, à educação, e à moradia. Ter uma dignidade de
vida para se ter uma boa morte.
Um dos entrevistados, com mais de trinta anos de experiência no
trabalho com o segmento idoso, considera que o bom humor é um grande
aliado para a boa qualidade de vida. Sodré relembra outros valores que em
épocas passadas foram mais valorizados:
Podiam ser em épocas passadas; a sinceridade, a
solidariedade, podiam ser tantas outras coisas, mas há um
bom tempo eu acho que o bom humor é fundamental.
Papaléo considera imprescindível considerar os aspectos psicológicos
no cuidado de si, e para isto busca nos estudos da colega França, que
trabalha com Neri, algumas reflexões importantes:
(...) eu defendo o bem-estar psicológico, quero resumir de
certa forma, o que eu estou falando, to falando com muita
frequência muito dos aspectos psicológicos, eu sou médico,
não sou psicólogo, sou médico, dou importância aos
aspectos médicos, mas eu queria destacar algumas coisa
pois isto talvez tenha levado a minha vida... estou sentindo
muito bem com os aspectos psicológicos (...), estou
resumindo em algumas dimensões o que a Sueli Aparecida
França, que trabalha com a Anita Neri, ela faz... Acho
fundamental as seis dimensões segundo ela, eu aceito:
1- Auto-aceitação, uma dimensão que implica numa atitude
positiva do indivíduo em relação a si próprio e seu passado.
Implica em reconhecer, aceitar diversos aspectos de si
mesmo incluindo características boas e más.
2- Relações positivas com os outros, que envolve ter uma
relação de qualidade com ou outros, ou seja, uma relação
calorosa, satisfatória e verdadeira, preocupantes com o
bem-estar alheio e ser capaz de relações empáticas e
afetuosas.
71
3- Autonomia, que significa ser auto-determinado,
independente, ter habilidade para resistir a pressões sociais.
Avaliar-se com base nos seus próprios padrões.
4- Domínio sob o ambiente, ou seja, ter senso de domínio e
competência sobre o ambiente. Aproveitar as oportunidades
que surgem a sua volta.
5- Propósito de vida implica ter meta de vida e um sentido
de direção, perceber que há um sentido em sua vida
presente e passada. Crescimento pessoal, ou seja, ter
senso de crescimento contínuo e desenvolvimento como
pessoa.
6-Estar aberto a novas experiências, ter senso de realização
de seu potencial. Mudanças que refletem auto-
conhecimento e eficácia. Estas são as série que eu aceito,
eu esposo de certa forma isto, não que eu consiga levar isto
a ferro e a fogo, mas eu tenho impressão que é uma coisa
que realmente está embutida em mim também, e por isto
que eu transcrevi para um capítulo de um livro.
A assistente social Goretti lembra e reitera também a importância de
poder decidir, manter sua autonomia, da mesma forma que o geriatra
Papaléo, fazer suas escolhas até o fim de sua vida, morrer com dignidade:
(...) então eu acho que a coisa mais importante no cuidar de
si, e que isto eu espero que isto dure por mais muito tempo,
na verdade, é a questão da autonomia, eu pretendo decidir
sobre o meu tratamento, eu pretendo decidir sobre questões
que vão permear a minha morte, né? Hoje eu já penso isto,
acho que pelo fato de conviver com estes doentes e uma
coisa que a gente fala, parece até brincando, mas é na
verdade muito séria. Por exemplo, os meus filhos sabem, e
é uma coisa que eu não gostaria de ser alimentada
artificialmente, se eu tiver, por exemplo, uma demência
avançada. Sabem, até que eu aceito ser bem cuidada é um
presente. Não que exista a questão que eu vá... acho até,
mas eu acho que o máximo possível deixar registrado é uma
72
preocupação que eu tenha hoje. Então eu sempre procuro
deixar registrado pelo menos verbalmente. Então se isto
acontecer comigo não façam assim né?... eu não desejo por
exemplo morrer numa UTI com mil artifícios desde que eu
vá parar lá, por exemplo, por uma doença grave ou crônica,
doença crônica e que vai me levar à morte, acho que este
não é o meu desejo. Gostaria que o meu desejo fosse
respeitado, que a minha característica pessoal fosse
respeitada. Sei lá. Eu sempre fui uma pessoa alegre,
brincalhona, autônoma, decidida. Na verdade eu tomo
muitas decisões na vida, eu imagino perto da minha morte
da mesma forma. Até fazendo alguma graça talvez se isto
for permitido, bem o suficiente para fazer alguma graça.
Vinte e cinco comprimidos durante o dia! Sinto muito doutor,
mas bem isto eu não quero. Eu não quero, eu não desejo
tomar, arrume um jeito de me tratar melhor. Engraçado que
eu não me vejo podendo decidir a este nível, mas eu espero
que consiga, assim que eu me vejo no final da minha vida
de fato.
Pensando nas muitas possibilidades de se viver a fase do envelhecimento
atualmente, percebe-se que quanto mais caminhos, quanto mais opções o
indivíduo desenvolver ao longo da vida, quanto mais ele abrir o leque das
possibilidades, mais ele estará habilitado para viver seu envelhecimento com
mais qualidade, assim a entrevistada Goretti acredita e pontua:
A nossa vida é composta de inúmeras dimensões.
Evidentemente que eu possa estar bem em uma dimensão e
estar mal na outra, mas se eu só cuidar de uma dimensão, a
possibilidade de eu ser feliz de eu ter uma qualidade de vida
é menor. Na verdade eu tenho de cuidar de todas as
dimensões da minha vida, né? E muitas vezes... eu posso
por exemplo do ponto de vista físico, ter uma sequela, ter
um... estar mais dependente. Mas se eu resolver cuidar de
mim nas outras dimensões, e se eu resolver estar bem
adequadamente resolvido nas outras dimensões da minha
73
vida porque eu cuidei direito das outras dimensões, essa
deficiência física, este problema na parte corporal poderá
ser minimizado. Portanto, é fundamental, não se esqueça de
cuidar de nosso global. Nós somos uma pessoa, um ser
integral, alguém que tem corpo, que tem alma, tem
sentimento, tem desejo, tem vontade, tem relações, e não é
só... eu não quero só ter apenas um corpo maravilhoso,
perfeito, mesmo porque nem sempre isto é possível. Eu
tenho que ter uma integridade melhor. Então eu tenho de
cuidar de mim na minha integridade, pensando nas três
grandes dimensões: no meu físico, no psíquico e no social.
É só assim que eu terei boa qualidade de vida. Mesmo se
uma dimensão não for tão bem, mas se eu cuidei das
outras, elas podem compensar este cuidado devoto que eu
tive nas outras dimensões, pode compensar a perda que eu
tive na primeira dimensão. Então é fundamental que a gente
cuide de nós mesmos, que nós nos cuidemos de nós
mesmos nas dimensões todas de nossas vidas, porque uma
indo um pouco pior, assim as outras compensam esta
perda.
74
Capítulo VI
Auto-cuidado
A própria nomenclatura da palavra já diz: auto-cuidado é algo
singular, único do sujeito, pessoal e intransferível:
Não há como ensinar alguém a escrever seu próprio texto.
Não há como copiar simplesmente o estilo do outro, cada
um só pode fazê-lo a partir de seus próprios traços. Todas
as regras de “bem-viver”, envelhecer bem”, “ser feliz”
encontram sempre aquilo que jamais se homogeneiza: o
sujeito com seu estilo, seus traços. (Ângela Mucida (2009).
Escrita de uma memória que não se apaga).
A ordem do dia é: Auto!!! cuidado !!! Auto-cuidado...é possível???
De acordo com Pondé (2010), no encarte Equilíbrio do Jornal, a
Folha de São Paulo, estamos vivendo a era da “La grande santé” (a grande
saúde), a mania de ter saúde como finalidade única da vida; a mania de
qualidade de vida e saúde total. A maior consequência desta mania, diz
Pondé, é o possível controle científico da vida. Em suas palavras:
(...) esses fanáticos estão a ponto de demonizar o açúcar, a
gordura e o sódio. Querem fotos de gente morrendo de
75
diabetes no saco de açúcar ou de ataque cardíaco nas
churrascarias. O clero fascista da saúde não para de botar
para fora sua alma azeda.
Pondé ironiza o sacrifício com que alguns fanáticos insistem em
seguir certas dietas radicais à base de folhas e legumes, e os denomina de
“purinhos”:
Suspeito que os “purinhos”... se deliciam quando veem
fumantes morrerem de câncer ou carnívoros morrerem do
coração. Sentem-se protegidos da morte... são medrosos. A
vida é desperdício, e ganancioso não gosta disso.
O mesmo autor nos relembra que a morte é inevitável. E por mais que
algumas pessoas tomem medidas radicais no sentido de se cuidarem ao
máximo não podem com isto garantir vida eterna. Há sempre algo que
escapa ao nosso controle absoluto:
(...) caro vegetariano, escapando de doenças
cardiovasculares porque você evitou (religiosamente)
gorduras... desnecessárias, você pode simplesmente morrer
de câncer porque deu azar. (Ponde)
Pondé condena uma vida muito regrada e isenta de prazeres, e nos
convida a uma reflexão: será que vale a pena viver anos a mais com muita
disciplina, sem certos abusos, e também sem prazer? Completa seu
pensamento com uma reflexão de seu filho médico de 27 anos: “Nunca houve
uma geração tão sem-graça como esta, obcecada por viver muito”. O filho de
Pondé compara esta geração tão certinha igual aos comerciais de TV de
margarina, mostrando a total superficialidade da família certinha, feliz,
seguindo modelos e padrões normativos e uniformizantes, muitas vezes
isenta de vida e de alma. Compactuando com o pensamento de Pondé, a
entrevistada Tótora conclama um modelo que é sugerido e imposto pelo
biopoder conceituado por Foucault:
76
O modelo de corpo saudável hoje ele é ditado pelas
academias, pelos profissionais de saúde, e ele é um modelo
que é estabelecido a partir de uma média... de um
denominador comum que é tirado de uma média da
população daquilo que é majoritário. O que transforma
assim um determinado poder majoritário quase numa
imposição pra todos né?, impedindo que as pessoas
possam construir sua própria medida de saúde, de corpo,
de coisas que são prazerosas. Estas medidas não são
permitidas, pras pessoas ninguém pode construir sua
própria medida singular, as medidas já são dadas, são
impostas, e se você não segue este modelo, o mais triste é
a tristeza. A tristeza é altamente despotencializadora. Ela
entristece as pessoas que não conseguem atingir este
modelo, elas se sentem culpados porque elas cometeram
erros, elas se veem como desviantes, como cometendo
erros. Então eu acho que isto é muito ruim, na qualidade
deste culto talvez de um corpo físico. Desta ideia de uma
saúde corporal que quase que coloca a doença como algo,
como sendo um erro, desvio, ou culpabilizando o sujeito
pela sua doença. (Tótora)
Na mesma linha, encontro em Debert (2004: 20) ressonância em
relação ao pensamento de Tótora, quando critica o momento em que
sentencia a enorme demanda social, que condena todas as formas naturais
de envelhecer, o enrugar, o afrouxar a guarda de uma postura rígida e
permissiva, o desvelar a alma, desconectando-se dos valores periféricos do
corpo e da vida, para transcender na beleza de valores internos, valorizando
conhecimento, aprendizagem, doçura, afetividade espiritualidade Parece
que há uma certa urgência em manter uma máscara jovial a qualquer custo.
Debert explica:
A publicidade, os manuais de auto-ajuda e as receitas dos
especialistas em saúde estão empenhadas em mostrar que
as imperfeições do corpo não são naturais nem imutáveis e
que, com esforço e trabalho corporal disciplinado, pode-
77
se conquistar a aparência desejada; as rugas ou a flacidez
se transformam em indícios de lassitude moral e devem ser
tratadas com a ajuda de Cosméticos, da Ginástica, das
vitaminas, da indústria do lazer. (2004: 20)
Debert aponta para uma preocupação errônea crescente de
monitoramento e vigilância dos corpos, mas precisamente voltada para o
corpo externo. É preciso congelar o corpo, e acreditar na fantasia da
juventude eterna. Para que isto aconteça, a suposição da autora é a de que:
(...) a boa aparência é igual ao bem-estar, de que aqueles
que conservam seus corpos através de dietas, exercícios e
outros cuidados viverão mais, demanda de cada indivíduo
um “hedonismo calculado”, encorajando a vigilância da
saúde corporal e da boa aparência. (Debert, 2004: 20)
Teixeira compartilha da crítica em relação ao insistente apelo aos
modismos e ao cuidar de si, priorizando o olhar alheio e não levando em
conta o desejo pessoal do sujeito:
Mídias e discursos hegemônicos tentam gerar formas de ser
e viver que alimentam a sociedade de consumo e nem
sempre acompanham a forma de ser do sujeito, seu estilo e
sua maneira. Há uma carência de produção de sentido e, ao
mesmo tempo, uma negação da história do sujeito em favor
de uma estética esteriotipada e sem apropriação de sentido
tempo-espaço. Meios de comunicação de massa, livros de
autoajuda e modismos atuais trazem dicas e prescrevem
formas de vida para as pessoas usufruírem o máximo de
prazer, superar todas as mazelas, manter o corpo de atleta,
superar a doença, e assim por diante. Entretanto, ignoram-
se coisas cíclicas da vida, deixando-se de compreender que
prazer e desprazer, saúde e doença, viver e morrer, dormir
e acordar fazem parte da polaridade da odisseia humana.
Um dos grandes problemas da existência é a falta de
sentido diante das viscissitudes da vida. (2009: 303)
78
A entrevistada Tótora, na mesma linha de Teixeira, aponta a
importância de o sujeito conhecer seus limites e respeitar sua vontade
pessoal.
Em suas palavras:
Então o outro cuidado que eu tenho, eu sempre pratico
este auto cuidado assim de forma muito intensa na minha
vida que é o aprendizado do que, de qual é a medida da
potencia do meu corpo, isto é muito difícil, é uma
aprendizado diário, então desde... eu sempre falo que a
gente começa o dia como se fosse renovando, termina o dia
desgastado já assim às vezes com pouca força. Aí começa
o dia de novo. É muito prazeroso, mas é muito trabalhoso,
né? E o auto-cuidado é exatamente isto para mim: é pensar
qual é a medida da minha potência, ou seja, qual a
singularidade que eu tenho que eu possa achar exatamente
a medida daquilo que é a potência do meu corpo, né? ... e
fugir um pouco do... dos modelos estabelecidos. Tentar fugir
destes modelos estabelecidos que são altamente
entristecedores, então o auto-cuidado é bem isto, é
aprender a envelhecer, eu acho importantíssimo aprender a
envelhecer, e sim a velhice é aprender a cultivar realmente
a vida e ver a velhice assim, envelhecer como um privilégio,
porque até envelhecer é uma mudança, tem que estar
aberta a estas mudanças, a gente hoje em dia este modo
de querer congelar as pessoas, assim as mudanças são
vistas, assim como são vistas como mudanças entendida
como uma corrupção, como degradação, como uma perda,
eu acho que... envelhecer é um jeito de se diferenciar
também, né?, se diferenciar, tentar buscar, buscar... compor
com as relações, realizar bons encontros, aumentar a
potência, e... transformar não tem transformação sem
envelhecimento eu não consigo imaginar. Sem envelhecer
você não transforma... Você fica congelado, se você é uma
pessoa que nunca muda, né? Eu acho importante o
79
processo de velhice é um grande desafio. Envelhecer
realmente é uma possibilidade de vida, é um privilegio
porque envelhecer é muito bom.
Cuidar, curar e perdurar. De acordo com Hillman:
Todos nós sabemos que a maneira de perdurar é ficar em
forma, mas “ficar em forma” significa mais do que fazer
ginástica. Fazer dieta, fazer exercícios físicos e deitar-se
antes da meia-noite satisfazem a necessidades da sua forma?
O primeiro significado de “formar” é criar, o que utiliza uma
força que é invisível e, no entanto, em seu próprio estilo,
torna cada criatura visível. (Hilman, 2001: 39)
A alma e os aspectos subjetivos invisíveis imprescindíveis para o
cuidar de si é revelado também por Fraiman em seu discurso, quando fala
sobre o auto-cuidado, a entrevistada inicia seu discurso, enfatizando os
cuidados com a higiene para com o corpo, e para a higiene da alma. A
entrevistada assinala também que, com o passar do tempo, adquiriu mais
disciplina e mais consciência das consequências de seus atos. Apesar de
Fraiman não ser uma pessoa, como diria Ponde, gananciosa, fervorosa
pelos cuidados para com a saúde, ela se permite sim certas transgressões
invariavelmente, mas procura sempre alcançar um certo balanço e um certo
equilíbrio de seus atos. O auto-conhecimento também é fundamental nas
palavras de Fraiman, quando se percebe desvitalizada, emocionalmente
não vê nenhum problema em procurar ajuda terapêutica e apoio de amigos.
Em suas palavras:
Então, higiene, por exemplo é algo básico. Então os meus
cuidados começam pela manhã, começam pela higiene e
terminam a noite pela higiene, então... se eu aplico a higiene
do corpo, eu aplico também a higiene da mente, eu tenho
mais disciplina em relação àquilo que eu desejo cultivar. Se
eu faço besteira, claro... se eu cometo excesso, claro, mas
eu tenho clareza das besteiras e dos excessos, e de vez
80
em quando eu me permito algumas transgressões. Porém
há um balanço mais prático, mais real entre o me cuidar e
eu me descuidar. E este balanço sempre é, pelo menos tem
sido, a meu desfavor, ou... oh, que besteira que eu falei!
Este balanço tem sido muito mais a meu favor, se eu me
sentir muito mal emocionalmente, eu vou procurar trocar
ideias com um conselheiro, com um psicoterapeuta, e na
escolha de médicos eu tenho mais critérios até sobre o que
discutir sobre os meus mal-estares físicos. Então, o
conhecimento é básico.
A psicóloga Fraiman valoriza o bom humor como instrumento
promotor de saúde:
Cuidar de mim significa, com esta mais idade, é me nutrir de
conhecimentos. E neste sentido eu me cuido pra caramba. E
muita risada também... eu não perco assim oportunidade de
dar risada e de fazer os outros rirem.
O auto-conhecimento, adquirido ao longo da vida pela entrevistada,
funciona como um facilitador, e agregador de interesses, que considera
importante e nutrientes para sua saúde e felicidade, procura se cercar
destes componentes, mas sabe que problemas e preocupações, ao longo da
vida são inevitáveis, e ela acredita que a postura mais adequada para
interagir com o inexorável, e o imprevisível, é o enfrentamento. De acordo
com Fraiman:
Então cultura, coisas prazerosas... a música pra mim é
primordial enquanto auto-cuidados. Então eu procuro me
cercar dessas coisas que eu sei que me favorecem. Se eu
estiver com a moral abatida, deprimido, eu não vou botar
música de fossa para chorar, eu vou pegar uma música que
eu sei que faz bem ao meu espírito, isto é auto-cuidado, e
se eu não desejar pensar em alguma coisa eu procuro uma
atividade, digamos... para substituir aquelas minhas
preocupações, e se eu tiver de fato preocupações cabíveis,
81
reais, eu vou em busca das informações, já não fujo mais
delas.
Para o entrevistado Castro, o auto-cuidado tem a ver com conhecimento
também, não só de seus limites e suas limitações físicas, mas também com
o conhecimento de tudo que o cerca. Por ser jornalista, tem o interesse
aumentado, e procura estar antenado, plugado com as notícias, com o
mundo e o conhecimento. Movimento este que o faz sentir-se alimentado e
cuidado. E fala:
Eu acho que pratico o auto-cuidado. Ainda não é aquela
coisa ideal, porque a gente viveu num momento em que o
mundo é muito mais veloz, muito mais rápido hoje em dia do
que há 20 anos atrásH a gente tem uma velocidade com
que as coisas chegam até você hoje é muito grande e você
tem muito mais demandas do que tinha há alguns anos
atrás. Então hoje você tem que estar muito mais ligado e
conectado com várias coisas simultaneamente, isto acaba
interferindo também no auto-cuidado, né? Eu acho que o
auto-cuidado, hoje, meu auto-cuidado é manter
principalmente uma mente muito ativa. Eu gosto muito de
ler, eu gosto muito de conhecer coisas novas, eu sou muito
curioso.
O auto cuidado que é colocado pelos entrevistados inicialmente, e ou
com mais ênfase se refere a um auto-cuidado relacionado aos aspectos
subjetivos; tais como conhecimento, exercício da sociabilidade, limites e
equilíbrio emocionais. Na sequência os aspectos físicos e nutricionais são
mencionados. Conforme discurso de Castro:
(H) com a questão até física também éH pratico exercícios
físicos, agora mais intensamente do que em outras épocas;
cuido muito mais da alimentação do que eu cuidava
anteriormente. Tenho uma preocupação.
82
Villas Boas Concone considera-se uma pessoa bastante displicente
com relação ao auto-cuidado, mas também bastante privilegiada com sua
performance, saúde e formas atuais. Como cuidado pessoal, ela elege o uso
de crème hidratante como um mimo a seu corpo, e mesmo este mimo não é
utilizado com frequência. Em suas palavras:
(H) eu não sei se eu pratico o auto cuidado. Tem umas
coisas que eu faço de maneira mais ou menos sistemáticaH
Por exemplo: usar creme hidratante, sobretudo na perna
esquerda, passo com mais intensidade, tenho problemas,
este eu já sabia que eu tenho problema sério de varizes na
perna esquerda. Ah! Às vezes eu passo no braço, ah! meu
braço está tão velho, aí eu me lembro e passo uma semana,
depois eu esqueço de novo. A perna porque incomoda, por
isto eu lembro dela. E passar creme no rosto à noite com
menos frequência, de manhã de maneira um tanto
assistemática, mas acho que este ainda faço. Até dentista
eu sou descuidada. Credo! Que feio!
Considerando a displicência em relação ao auto-cuidado, outros
entrevistados também assumem um certo descuido, principalmente em
relação aos cuidados físicos e biológicos. A entrevistada Dutra questionou
enfaticamente, em diálogo mantido com a pesquisadora durante a sua
entrevista, se foi encontrado algum, dentre os sujeitos entrevistados, que
assumisse se cuidar de forma assertiva e pontual:
Eu acho que você não vai achar ninguém na sua entrevista
que vai dizer que pratica. Eu acho que eu me preocupo
muito mais com este lado das relações sociais; o lado
espiritual, e o lado das relações sociais principalmente, do
convívio com as outras pessoas, eu me preocupo muito com
isto, do que com a questão física. A questão física... a gente
vai aos médicos, aquilo que coloca, mas fazer uma atividade
física todo mundo indica, mas a gente não faz. Eu acho que
a gente cuida muito mais dos outros lados do que do corpo
83
físico. Este auto-cuidado meu está meio prejudicado, vamos
dizer assim.
Uma das facilidades para o profissional que estuda e ou trabalha com o
envelhecimento é estar bem informado sobre alguns cuidados práticos com a
saúde física, com a alimentação e com os benefícios de uma vida social.
Neste setor, encontro Urris que, por presidir e trabalhar diariamente
num Centro de Referência de Idoso (AFAI - Associação dos familiares e
amigos do idoso), ele acaba incorporando as sugestões indicadas pelos
outros funcionários da Instituição: nutricionistas, fisioterapeutas e médicos, o
que acaba favorecendo e facilitando seu auto-cuidado. No discurso de Urris
podemos identificar:
Eu pratico, inclusive o próprio Centro Dia do Idoso, ele me
garante, porque aqui nós temos uma comida balanceada.
Então, no decorrer da vida você tem que procurar se cuidar,
alimentação balanceada, tipo açúcares, gorduras, você
controlar exercícios recomendados, você ter acesso à
prevenção. Você tem que procurar fazer então esta
prevenção. Ter onde procurar prevenção. Então estas
prevenções, com auxílio de técnicos da saúde, ou mesmo da
Assistência Social em programas de ajuda, informativos de
como é este melhor cuidar, praticar exercícios, ter referências
de amizades, carinho, amor, porque você vai tendo uma
qualidade de vida, goste de si e goste dos outros também.
A assistente Social Sodré é também outra entrevistada que tem a
oportunidade de vivenciar o universo da Gerontologia na prática de seu
trabalho diário, o que favorece a que ela conheça diferentes medidas e
ações que auxiliam o auto-cuidado. Sodré admite, porém, que não
consegue seguir à risca totalmente, apesar de ter um vasto conhecimento
das medidas auxiliares. Declara que, por circunstâncias de sua vida
atribulada, nem sempre consegue seguir os preceitos, que implementa no
seu trabalho diário. Desta forma fica claro que Sodré fica um pouco
angustiada por não seguir os conselhos que aprova. Existe um lado pessoal
84
de postergar ações de auto-cuidado prevalente em alguns entrevistados, a
maioria. Em contrapartida, este encontro entre pesquisador e profissional
que lida com o envelhecimento propiciou como um estímulo para uma
reflexão sobre o cuidar de si nas suas próprias vidas, e no contexto
sociocultural atual.
Nas palavras de Sodré:
Lógico, a gente pratica... mas nuncaH é o tanto que deveria
ser. A gente não consegueH e cuidar da gente como no
discurso que a gente faz: Olha, você tem que ter uma
alimentação adequada, saudável. O que é legal comer? E
isto, aquiloH você come a maçã porque é adstringente. É
bom, é anti-oxidante, combate radicais livres no
envelhecimento. Você vai para o lado da prevenção; olha é
bom o sol para o osso, isto, aquilo, você sabe, faz exercícios
físicos é muito bomH manter a musculatura. O discurso
todo a gente sabe qual é a quantidade legal e importante de
se fazer esta atividade físicaH o quanto desta comidaH
tudo isto a gente sabe, mas na hora de fazer , do vamos ver,
a gente deixa muitas vezes para amanhã, ou faz a metade,
ou se justifica, a gente usa o racional, e aí acaba cuidando
não como deveria que a gente sabe, a gente aconselha
cuidar assimHeu me cuido, mas não a quantidade e a
qualidade do que deveria ser. Isto é bom, até estar
respondendo estas coisas, que e um cutucão que a gente se
dá, né?
O geriatra entrevistado, Papaléo prioriza novamente o aspecto
subjetivo, ao falar de auto-cuidado. Para ele, o fato de não ser uma pessoa
deprimida, e sim otimista, funciona como um grande alimento para sua
saúde. A leitura e a escrita são seus aliados e bálsamos construtores de
saúde:
Obviamente, eu já disse de início eu sou de certa forma
displicente comigo até os 60 anos de idade eu tinha, eu era,
praticava esportes, porque gostava e praticar também, isto é
muito importante, nunca fui uma pessoa deprimida, não sou
85
mesmo, não me sinto deprimido nunca, até porque...
atualmente não pratico, dediquei toda a minha vida para a
minha atividade pela qual sou reconhecido, que são os
livros, as aulas.
Outra vez aparece um discurso pronto de como cuidar de si, e a
entrevistada Goretti, que trabalha em uma instituição hospitalar, cuidando
de pacientes terminais, mal consegue horário para cuidar de itens básicos
em relação à sua alimentação, e seu sono como gostaria:
Então, eu tento me cuidar. Eu juro que eu tento. Hoje eu
tenho um volume de trabalho que me impede de algumas
coisas, mas eu tento pelo menos ter uma atividade física
que me conforte, organizar a minha alimentação, mesmo
que eu não coma da forma como eu gostaria, mas pelo
menos selecionar os alimentos, isto eu procuro. Ter algum
repouso, na hora que eu to muito cansada eu apago o
tempo mesmo, apago o computador e procuro ter atividades
de lazer, né? Então... eu acho que isto é importante, e
fundamental Eu olho muito pra mim mesma, né?
É fácil perceber que, apesar destes entrevistados não seguirem à
risca os modelos de cuidar de si, preconizados pela sociedade, e
fartamente publicizados pela mídia, os entrevistados mantêm alto índice de
atividades intelectuais, atividades de lazer e atividades laborativas que os
auxiliam na manutenção da qualidade de vida e no sentimento, e sensação
de viver bem. Pesquisas veem comprovar tal argumentação, é o caso de um
recente estudo publicado no periódico The Journal of Gerontology:
Psychological Sciences, que revelou que o aumento ou manutenção de
atividades de lazer ajudam com a redução do declínio cognitivo em idosos e
conseqüente instauração da doença de Alzheimer. Apesar de não
comprovarmos a máxima ‘cérebro: use-o ou o perca`, pesquisadores de
doenças neurodegenerativas dizem que exercitar o cérebro, com certeza,
contribui para um envelhecimento mais saudável.
86
Margaret Gatz, pesquisadora envolvida no estudo, salienta que é
importante entender que as atividades durante a vida podem afetar como
uma pessoa irá envelhecer. O estudo conjunto da USC, da Universidade de
Götenberg e do Instituto Karolinska – os dois últimos na Suécia – chegou à
conclusão de que participantes idosos com atividades de lazer constantes
tinham os riscos de desenvolvimento de Alzheimer e demência diminuídos
significativamente, independentemente do nível escolar, mas articulados às
atividades de lazer e tendo suporte social.
Segundo Antonucci:
O suporte social é um dos recursos mais significativos
usados pelos idosos. Envolve a percepção do suporte
recebido, o senso de controle sobre as relações sociais, e a
perspectiva de trocas que incluem fatores afetivos,
emocionais e materiais. Em pesquisas na comunidade
francesa, Antonucci, Fuhrer, Dartigues (1997) assinalam que
a percepção e a satisfação com o suporte social recebido foi
correlacionada positivamente com menores índices de
sintomas depressivos. A manutenção de contatos sociais
com amigos de longa data, e preservação de emoções
positivas com os relacionamentos, mesmo na presença de
diminuição da rede de relações, são achados positivos no
contexto das relações ou interações na velhice, assim como
a possibilidade de suporte e contatos à distância com filhos,
amigos e familiares (Erbolato, 2002).
87
Capítulo VII
É Preciso ter um Projeto de Felicidade
Sobre os projetos de prevenção relativos ao cuidar de si que
envolvem qualidade de vida..., mais uma vez na presente dissertação inicio
este capítulo com uma síntese mais livre, mais próxima de um ensaio
poético, que revela as várias perspectivas do cuidar de si apresentadas
pelos entrevistados, e autores pesquisados.
É possível um projeto de felicidade?
De que forma?
De várias formas
Primeiro passo
Ser picado pelo tavão
É preciso ter dinheiro para sobreviver
É preciso ter saúde; lucidez para dar conta de ser independente
É preciso desenvolver a espiritualidade para serenar a alma
Decantar o espírito
Vislumbrar a vida com alegria e otimismo
É preciso socializar, relacionar-se para ser: “ser aí” ,sujeito em interação
com o mundo
É preciso se conhecer; auto-conhecer
É preciso ter vontade para criar e lutar pela felicidade
Quanto ao dinheiro; é preciso poupar, é preciso se prevenir
O esperado é que a partir dos 60 anos, a maioria dos idosos esteja já
aposentada. Mas o país, o mundo vai dar conta de toda esta demanda?
De acordo com a Swiss Re, segunda maior resseguradora do mundo, não
podemos mais subestimar a expectativa de vida dos idosos, é preciso tomar
providências desde já, para dar conta do aumento da longevidade para
poder se planejar na velhice. O jornal de economia Valor traz uma notícia de
Genebra e atesta que:
Mais de US$ 17 trilhões de ativos de fundos de pensão
estão expostos a “risco de longevidade”, ou seja, poderão
88
ser insuficientes para pagar futuras aposentadorias à
medida que a expectativa de vida aumenta. (Jornal Valor, 1
set. 2010)
Uma das saídas que a Swiss Re sugere é que empregadores e
fundos de pensão façam um balanço de suas reservas. E também aconselha
a incentivar o setor de seguros a desenvolver “modelos mais sofisticados de
riscos”, levando em conta a longevidade. Faz também um adendo para que
os governos procurem “realinhar a idade de aposentadoria com a
expectativa de vida”. A questão financeira e da previdência do idoso já
chama a atenção e o estudo da Swiss RE comprova isto. O entrevistado
Castro, que trabalha no campo da previdência tem clara noção dos
investimentos que se deve fazer neste setor:
Hoje em dia, você ter que se planejar para ter um futuro
mais tranquilo; a gente sabe que vai ter uma queda na
rentabilidade, na renda, e você tem que se preparar prá isto
o quanto antes melhor. Eu pretendo, eu não pretendo parar
de trabalhar até quando for possível, mas eu acho que é
fundamental você ter reserva financeira, ter, estar preparado
para o futuro com isto daí, porque outras questões vão
pintarH e principalmente a questão da doença que a gente
sabe afeta muito mais quando a gente está com mais idade.
Eu acho que a questão da prevenção é isto.
A assistente social Dutra compartilha da mesma preocupação com a
questão financeira. Em suas palavras,
Eu acho que esta história ao longo da vida da gente, eu
acho que este projeto de prevenção tem que envolver todas
as áreas: área econômica, área social, todas as áreas que
envolvam o indivíduo, o ser humano de forma geral. Eu acho
que temos que pensar nisto em todos os sentidos. A
questão econômica, por exemplo, como manter-nos a nossa
estabilidade econômica, ou como prevenirmos uma queda,
89
eu acho uma coisa bastante ampla, eu acho que o projeto
de prevenção tem que ser o mais amplo possível.
Entende-se por amplitude um projeto que garanta todos os direitos do
idoso; desta forma, o Estatuto do Idoso não pode ficar para segundo plano,
muito menos permanecer como um modelo utópico. Deveria, sim, num
projeto de prevenção, ser parte fundamental das políticas públicas
principalmente quanto aos aspectos fundamentais que visam a garantir ao
menos dignidade ao idoso, deveriam, sim, se tornar normas, tal como
ressalva o Artigo 2:
O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades para a preservação de
sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral,
intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e
dignidade. (Artigo n.° 2 – Estatuto do Idoso)
Num projeto de prevenção relacionado ao cuidar de si, o auto-
conhecimento é fundamental. Conhecer seus limites e suas ambições.
Fraiman considera importante conhecer seu histórico pessoal e comenta o
quão importante é utilizar e otimizar seus recursos pessoais, a fim de
conhecer seus próprios limites:
Não ficar fantasiando coisas, criando fantasmas...
desenvolver um bom senso de realidade,ou seja, ter claro
no percurso, tal coisa pode acontecer a mim, ou pode não
acontecer a mim, e observar por exemplo, além da
autoconfiança, a observação: o que acontece com os outros
que pode ser auto-aplicável e que é importante que eu cuide
também. E não me sentir diferente dos demais ou cultivar
aquele senso de... poder desmesurado, onde que eu nasci
como uma pessoa privilegiada e que numa vida as coisas
ruins não acontecem, acontecem sim, acontecem coisas
90
muito ruins... Uma outra perspectiva do projeto de
prevenção é a atualização, eu sou uma pessoa atualizada
com o que se passa no mundo de hoje ou não, ou eu fiquei
pra trás perdida no tempo, parei no espaço, ou seja eu to
correndo risco como todo mundo,e os riscos diferem em que
medida, qual é digamos, quais são os meus artifícios, os
meus instrumentos para enfrentar diversas qualidades de
dificuldades. É claro que a gente sabe também que às vezes
a gente pensa estar preparado para alguma adversidade, e
na hora que a coisa acontece se é pego de calças curtas,
mas é importantíssimo eu saber destes recursos, conhecer
os meus recursos. Então a..., o autoconhecimento é
primordial, e ter também o recurso da fé. A fé, ela realmente
assim... acende a minha alma, acende os nossos espíritos,
fé no amanhã, fé no conhecimento, fé em Deus, é uma
crença que se sustente apesar das dificuldades estarem
acontecendo, ah... eu penso que ela é diferente da
esperança, ah... às vezes a gente tem que perder a
esperança, mas não posso perder a fé.
Diferentemente de Fraiman, saindo do campo da subjetividade,
Castro, além de outros aspectos citados anteriormente, neste trabalho,
viabiliza bases sólidas fundamentadas em exercícios físicos na construção
de um projeto de prevenção:
Primeiro de tudo, é a atividade física, eu acho que é
principalmente a partir dos 60 anos, a atividade física tem
que ser mais intensa até do que ela era de quando você era
mais jovem. A atividade física é fundamental, a gente perde
massa muscular, a gente perde uma série de coisas, e você
precisa fazer inclusive fazer musculação e outras atividades.
Então é muito importante a atividade física.
Todos os discursos referentes ao cuidado de si enfatizam a
importância das atividades físicas, a fim de garantir uma vida com qualidade
e saúde na velhice. Recente pesquisa realizada pela UNIFESP
91
(Universidade Federal de São Paulo), e apresentada no 22° Congresso
Brasileiro de Medicina do Exercício e do Esporte em Curitiba, em agosto de
2010, pesquisadores provaram que as atividades físicas ajudam a tratar
doenças. Idosos que se exercitam regularmente consomem em média 34%
menos remédios do que os sedentárias. No estudo apresentado, de 271
mulheres com mais de 70 anos, mostrou que a atividade física pode estar
fazendo o papel dos remédios. Também atesta que o sedentário tem cinco
vezes mais chance de ter hipertensão arterial, e que as pessoas fisicamente
ativas têm menos risco de ter doenças do coração como insuficiência
cardíaca, diabetes e doenças respiratórias. Esta pesquisa não parece trazer
nenhuma novidade, mas o mesmo estudo comenta que infelizmente os
médicos de modo geral não recomendam as atividades físicas com
regularidade.
Juntamente com a recomendação da importância das atividades, é
importante levar em conta as preferências individuais e a autonomia dos
sujeitos quanto à escolha do execício físico. Mas que fazer, é preciso
entender porque fazer, e estimular, é encontrar o prazer em fazê-lo. O
entrevistado Paschoal acredita que é preciso respeitar a decisão e
individualidade de cada um nestas escolhas:
Eu já tenho de pensar em não só dar informações corretas
que os indivíduos entendam o por quê eles têm de fazer
exercícios, é mais fácil de eu ganhar adesão dele ao auto
cuidado. E ao mesmo tempo pensar nas questões tanto
sociais quanto psicológicas que interferem na adesão dele
ao programa de exercício. Por exemplo; eu não posso fazer,
por exemplo, com que as pessoas tenham um único
programa de exercício; então nós vamos agora fazer
natação. Então todo mundo tem de nadar, e aquele que não
sabe nadar, e aquele que não gosta de entrar numa piscina
e aquele que tem medo de entrar numa piscina? O muito
idoso? Então se eu criar algo muito rígido, e esquecer de
preferências pessoais, a questão psicológica, as habilidades
do indivíduo, desejos do indivíduo. Esse programa de
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prevenção pensando em estimular o auto-cuidado vai ser
inefetivo.
Outro aspecto importante, que faz parte do discurso das normas do
cuidar de si, refere-se à alimentação. E uma parcela dos entrevistados
mencionam a importância de uma alimentação equilibrada, a fim de garantir
saúde. Muitas pesquisas enfatizam o poder de uma alimentação balanceada
para adquirir qualidade de vida e longevidade; exemplo disto é o enfoque
que é dado às dietas alimentares que vão desde as comentadas dietas do
Mediterrâneo, quanto às muito preconizadas há mais de 50 anos que
sugerem a ingestão constante de alimentos crus e sem gorduras. Um
interessante exemplo é do médico francês, Varenne, autor do livro Fique
sempre jovem e viva mais tempo (1960: 87). O autor já aconselhava, 50
anos atrás, a ingestão diária de legumes e frutas cruas como poderosos
instrumentos à manutenção da juventude do nosso organismo. Varenne
pesquisou também a dieta na Bélgica, quando verificou que a incidência de
câncer era quase que inexistente há 40 anos, fato este atribuído à ingestão
frequente de coalhada na região. Assim como Varenne, Castro tem
conhecimento para qualificar os cuidados alimentares como um aspecto
bastante importante para o cuidar de si:
A questão da alimentação é uma coisa que você tem que
ter para a vida toda, eu acho, porque o alimento, o alimento
ruim, a gordura, etc, a gordura ruim por exemplo, ela se
acumula durante todos os anos, por toda a sua vida. Então
se você não se cuidou muito nos anos anteriores, você vai
ter que se cuidar muito mais a partir dos 60 anos. Mas é
claro você vai ter que se cuidar durante a vida toda.
Castro também considera as atividades intelectuais e o estudo como
forma de prevenção de doenças:
Sobre a questão intelectual, a questão do conhecimento,
com certeza, se a pessoa não tem uma atividade é
intelectual, ela tem que construir uma, tem que fazer uma,
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desde que seja aprender uma língua, fazer uma série de
coisas. Eu tô com um projeto de aprender a tocar violão,
entãoH
Para a antropóloga Villas Boas Concone, um bom projeto de
prevenção tem que começar bem cedo, de preferência quando se é jovem. A
entrevistada relaciona a juventude com o desejo de estar bem cuidado, com
a auto-estima elevada, além de possuir energia e maior entusiasmo para se
olhar. Em suas palavras:
Talvez o momento ideal seja realmente na adolescência,
né? Porque a gente tá muito aberta, aberta a todas as
chamadas de cuidar de si, em todos os níveis de cabelereiro
a outros. Porque as pessoas estão muito voltadas nas
questões do auto-cuidado. Jovens porque tem espinhas por
exemplo. Daí fica muito preocupado com o que fazerH se
vai no médico, se não vaiH
Portanto, o início da juventude é um bom momento, porque
sempre tem coisas que incomodam e a gente tem que
pensar como resolver. Menina fica muito preocupada com a
questão de pelos que nascem. Ah! Minha mãe não me
deixava raspar a perna, porque dizia que engrossava. Eu
ficava chateada, enfim! Daí você vai procurar alternativas,
espinhas, cremes, limpeza de pele, eu acho que isto tudo é
uma coisa que começa e vai evoluindo e cria hábitos e
talvez crie hábitos saudáveis também em relação a
atividades a serem feitas, que sejam feitas de acordo com
seu modo de ser.
O bom humor e o otimismo são nomeados como formas de
prevenção, e manutenção de qualidade de vida. Segundo a entrevistada
Sodré:
O importante é você ter uma boa qualidade de vida, você
estar bem; e ter bom humor, que eu acho que é a principal
característica de um indivíduo hoje para viver bem, é a
melhor qualidade, é o bom humor.
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Varenne, em seu livro Fique Sempre Jovem e Viva Mais Tempo,
relembra grandes nomes de pessoas famosas, que eram seres otimistas,
pessoas que sabiam tirar da vida o que ela tem de melhor, e sabiam também
como se distrair. Exemplos destes homens foram: Benjamin Franklin, que
aos 78 anos escreveu sua autobiografia; Ticiano, que aos 99 anos pintou
antes de morrer a célèbre: “Batalha de Lepanto”; Henry Ford que, aos 80
anos, dirigia ainda sua indústria; Goethe que, aos 82 anos, terminou Fausto.
Estes homens não tiveram vidas calmas, mas atividades criadoras.
Na mesma linha de pensamento, o médico americano Sun Bear
desenvolve, desde 1970, uma pesquisa em que discute os fatores
envolvidos na cura e considera que a superação dos entraves negativos é o
desenvolvimento de atitudes positivas, de afirmação da vida, são altamente
benéficos. Para ele, uma atitude positiva de afirmação da vida é a chave do
processo de cura. Conforme sua postura, ele preconiza:
Quando alguém me procura em busca de cura ou de ajuda,
meu primeiro passo é examinar o seu padrão geral de vida.
Isso normalmente revela determinados bloqueios que
impedem a pessoa de ser curada. Estes bloqueios podem
estar presentes tanto no nível físico como no espiritual. De
um ponto de vida espiritual, os bloqueios mais comuns são
as atitudes e emoções negativas. (Bear, 1997: 165)
De acordo com a antropóloga Villas Boas Concone, a leitura e a escrita
poderiam ajudar o jovem a se organizar, a se reorganizar e se olhar, e a
enriquecer suas vidas:
Eu acho que hoje o que faz falta é estimular os jovens a
lerem mais, escreverem maisH pensarem mais. Tem muita
atividade física e muita preparação para o futuro, e o
presente não conta? As crianças fazem inglês, francês,
alemão, espanhol, balé, piano, piano saiu de moda, dança,
circoH e enche a vida das crianças com atividades.
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Após a Revolução Industrial, parece que o ócio, a despreocupação, o
não fazer nada, o descansar se tornou inadmissível, a Sociedade Industrial
precisa produzir, para capitalizar. Lafargue, em seu livro O Direito à
Preguiça, situa este ponto de vista:
Além de controlar o corpo e a mente dos trabalhadores por
meio da “gerência científica”, ou da chamada “organização
científica do trabalho”, a sociedade administrada também
controla as conquistas proletárias sobre o tempo de
descanso, ou o chamado “tempo livre”. A indústria cultural, a
indústria da moda, e do turismo, a indústria do esporte e do
lazer estão estruturadas em conformidade com as
exigências do mercado capitalista e são elas que consomem
todo o tempo, e o tempo que fosse dedicado às virtudes da
preguiça. (Chaui, em O Direito à Preguiça,1999: 48)
A entrevistada Villas Boas Concone assinala a importância também das
pessoas, e também da criança poder ficar livre de tarefas, e livre para
pensar:
Não existe um momento de pensar realmente em si, eu
acho que isto é ruim, não desenvolve a capacidade de estar
realmente com você; uma preocupação despreocupada
consigo mesmo, eu acho uma coisa muito ruim este negócio
de ficar pensando no futuro. O futuro a Deus pertence.
Para Tótora, é preciso visualizar o projeto de prevenção como um
projeto de aprendizado de si, e as viscissitudes que enfrentaremos no
decorrer da vida. Enfrentar cobranças e modelos, descobrir sua zona de
conforto, descobrir o seu “cuidar de si” individualmete. Em suas palavras:
Acho que o cuidado de si é mais uma produção de si, é um
aprender, um aprender a mudança, um aprender a
transformação, um aprender a lidar com as forças, com as
forças, sejam elas as forças sociais, enfrentar os modelos,
construir uma trajetória própria, singular, é um trabalho...
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sobre si na relação com os outros, na relação com o mundo,
menos uma prevenção, imagino que prevenção ela implica
sempre alguma coisa, que pelo menos o sentido de
prevenção hoje está muito relacionada já há uma ideia já
dada, uma ideia já dada, já estabelecida que se deve
prevenir doenças., cuidar da alimentação, acho que cuidar
da alimentação, do corpo, da saúde, tudo isto é importante,
mas não enquanto uma prevenção, mas enquanto... uma
expansão mesmo, do corpo, um saber se transformar se
construir... as medidas, a ideia de medida que eu tenho
falado aqui desde o começo, é sempre alguma coisa
singular, a medida é a potência do corpo, e esta potência
nunca é alguma coisa que e ela é medida na relação com os
outros corpos, ela é medida na relação com nosso próprio
corpo, mas não vejo como prevenção não.
O autor Ricardo Ayres, fundamentado em Gadamer, explica que
apesar de enfatizar o cuidado enquanto prevenção, e como compromisso
com a qualidade de vida, e também com a promoção da saúde, ele utiliza
este termo cuidar de si vinculado à mesma práxis aristotélica, na qual
Tótora se baseia, em que a práxis significa a melhor realização da vida.
Uma correspondência com uma forma de vida levada a cabo de uma
determinada maneira. Isto é, práticas de saúde, englobando caráter ético e
também político, onde não há só sucesso técnico, mas inclui também o
exercício de escolha de um modo de vida, indo além de um conjunto de
práticas normativas, juntamente com a possibilidade de escolha de uma vida
boa, que incluam projetos de felicidade, que justifiquem o cuidado. (1983:
21).
Na mesma perspectiva, Foucault no livro Nascimento da Clínica,
considera importante atuarmos politicamente também pensando na saúde, e
no cuidar de si. Em suas palavras:
A primeira tarefa do médico é, portanto, política: a luta
contra a doença deve começar por uma guerra contra
os maus governos; o homem só será total e
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definitavamente curado se for primeiramente liberto.
(1998: 36)
Urris, o entrevistado, que atua no segmento de um Centro de
Referência de Idosos, como Diretor, sugere medidas sociais para garantir
direito de moradia e cuidado nas doenças e dependências do
envelhecimento; e fala também da importância de aprender a se cuidar
desde a infância, Urris pontua que seria de grande importância se as leis e o
Estatuto do Idoso fossem seguidos à risca, principalmente os preceitos do
Estatuto do Idoso quanto aos cuidados com o idoso dependente, e acredita
que o mesmo necessita de muitos cuidados, não só da família, mas também
da sociedade, tal qual preconiza o Estatuto do Idoso:
Art. 3° É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder
Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte,
ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e
à convivência familiar e comunitária.
A prevenção deve começar então desde o primeiro ano de
vida, com as suas diferenças nestas etapas de crescimento,
quando que você consegue se cuidar e quando você já não
consegue se cuidar sozinho. Na verdade sozinho ninguém
se cuida porque você está sempre está precisando ser
cuidado por alguém ou algo, por algum acidente ou tropeço,
mas a fragilização do idoso, ela não tem jeito, ela vai
acontecer. Então esta prevenção maior na velhice deve ser
muito grande na etapa da terceira idade. O papel de Centros
de Convivência, eu vejo, como uma etapa muito forte, auto-
estima lá em cima pro idoso que não é fragilizado ainda. O
idoso ativo, para que ele entenda o que está acontecendo
com ele, com seu corpo, com sua cabeça, a sociedade, a
sua família, as pessoas que se afastam, o jovem que não
participa mais com ele. E se este idoso ativo tiver um
escorregão, um AVC, ou contrair uma doença de Alzheimer
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ou Parkinson, ele não vai ser nem dono de si na verdade,
ele vai ficar a mercê de outros cuidados.
Pensando na política do Estatuto do Idoso, Urris reinvidica:
Você tem que cultivar, você tem que ter leis que prevejam
este cuidar neste final de vida. Não deixar somente para a
família, é muito pesado para a família. E mais, esta família
de que se fala tem que ser melhor olhada, porque o idoso,
ele acaba sozinho, ele é a família dele. É o velhinho e a
velhinha morando sozinho naquela casa onde os filhos e
todos os outros já se casaram, e já constituíram outras
famílias. E se por acaso este idoso, ele contrair alguma
demência? Para qual dos filhos ou para quem será que eles
serão um problema a serem cuidados. As prevenções têm
que ser por etapa de vida. E prevendo que em determinado
momento não vai adiantar fazer uma prevenção, você vai ter
é de dar uma dignidade de vida, porque até o momento
várias das demências são irreversíveis.
Sodré amplia a noção de projetos de prevenção, incluindo outros
aspectos subjetivos:
Saúde, família, amizades, cultivar estes relacionamentos, se
manter sempre no dia a dia conversando com um, com
outro. Em relação à saúde, exames preventivos, isto sim
tem que ter planejamento. Você não pode deixar muito
tempo de fazer check upH alimentação é importante,
exercíciosH então, é um projeto, é um projeto de vida, do
dia a dia, do cotidiano que você tem de lidar no seu dia a dia
que é a prevenção.
Sodré também chama a atenção para iniciar um projeto de prevenção
que inicie mais cedo, e não no envelhecimento:
Não adianta eu pensar num projeto quando eu for fazer 60
anos, a partir dos 60 anos, eu vou cuidar disto, melhor
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daquilo, depois dos 60 anos eu vouHnão adianta a gente
planejar, vou me cuidar daqui a 5 anos?, não?
Você não vai cuidar de seus dentes daqui a 5 anos, você
não vai cuidar de seu cabelo daqui a 5 anos. Você não vai
cuidar do amigo, você não vai ligar para o amigo daqui a 5
anos. Quando você faz projeto de prevenção é esta coisa do
dia a dia mesmo. Da hora que você levanta até a hora de
dormir, você tem que estar pensando em si, como pensar no
conjunto do trabalho, da família, amigos, tudo isto
representa um bem-estar, uma qualidade de vida, tudo isto
pode ser sinônimo de cuidar de si, este é meu
entendimento, acho que é isto.
Estar antenado, ativo, produzindo, plugado, conhecendo, lendo, são
ações importantes e essenciais para Papaléo:
Na verdade é ter, basicamente, é ter aquela visão,
basicamente é ter aquela visão da importância do
envelhecimento bem sucedido, ou como a Organização
Mundial de Saúde preconiza; o envelhecimento ativo, e
como se faz isto? Esta é uma coisa que está mais ou menos
implícito até no que eu to falando, É tentar realmente ter o
envelhecimento psicológico saudável, e evidentemente ter
uma vida regular, afetiva, 3 vezes por semana no mínimo,
40 minutos de exercício todos os dias, caminhada é
importante. Exercício é ter uma vida saudável em todos os
sentidos, inclusive na alimentação. Abstinência eu não digo,
mas ter um controle bebidas alcoólicas, na verdade é isto
que eu vejo como um projeto, projeto que obviamente deve
ter a colaboração do próprio idoso, e também tem que ter
assessoria e promoção do governo federal e estadual
porque senão...
Para Goretti, especialista em Cuidados Paliativos, a verdade é fundamental
para a função de cuidados e prevenção; em suas palavras:
100
Pensaria nas duas esferas, não somente na questão física,
mas eu pensaria especialmente na questão da decisão,
autonomia, tomada de decisão, eu vejo isto muito
importante. A gente lida com famílias, por exemplo, que não
querem, por exemplo, que os idosos saibam de seu
diagnóstico. Eu acho isto um horror, eu acho que a gente
tem de saber pra decidir direito sobre o tratamento. Acho
que a autonomia, você só faz direito só tem se você tiver o
direito de informação, informação verdadeira. Pretendo que
sejam cuidadosos comigo, que sejam francos, que eu possa
conversar, que eu possa ouvir, que possa ser ouvida, acho
que isto deve ser parte de programa de prevenção de
decisão. Eu acho que isto deve ser parte de um programa
de envelhecimento, velhice e prevenção. E aí? Quando
chegar a sua hora de decisão como você quer ser cuidado?
A gente fala muito pouco nisto, a gente acha que a velhice é
sempre uma grande festa, a gente diz a melhor idade, é
tudo muito lindo com maior ou menor grau de dependência.
Mas eu acho que nesta idade a doença vem invariavelmente
acho que mais forte, mais leve.
Eu acho que a gente deve estar preparado na vida para
envelhecer e morrer. E quando a gente vai ficando mais
velho, isto se torna uma realidade cada vez mais presente.
Então, eu acho que a gente tem que considerar isto sim,
como verdade de vida, e lidar com naturalidade quando se
lida com as outras questões. Eu não quero envelhecer só
para fazer festinhas, acho as festinhas ótimas, viagens
ótimas, mas se eu pensar mais em levar a sério a minha
condição de vida naquele momento, e eu nasci, acho que fui
bebê, fui criança, fui adolescente, fui um adulto jovem, estou
vivendo uma fase da maturidade, mas eu pretendo viver
cada fase, eu não quero chegar aos 80 como uma garotinha
de 35, 40 anos, que até então vai ser uma garotinha, né?
Madura, bonita, dentro da minha maturidade, né? Sabendo
o que fazer da minha vida de forma compatível com a minha
idade. Acho que este é o meu desejo: envelhecer.
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É interessante notar que muitos sugerem estratégias de cuidar de si
já evidenciadas há mais de cinquenta anos, fujam disto, daquilo... para se
prevenir de certas doenças. Neste caso, retorno Varenne, em seu livro Fique
Sempre Jovem e Viva Mais Tempo, onde ele recomenda evitar quatro
inimigos, em suas palavras:
Viver é preservar-se das doenças que matam e também
evitar aquelas que não matam, mas que nos impedem de
gozar a vida. É preciso obter informação para não se tornar
víítima de: cancer, reumatismo, diabete, celulite (adipose)
(Varenne, 1960: 87)
Interessante notar que no livro deste mesmo autor, no ano de 1960,
ele chama a atenção aos fatores emocionais impactando o corpo, e se
transformando em doença. Claro relato dos transtornos psicossomáticos
simbolizados pela adiposidade. Este médico descreve e diz que certas
celulites podem ser de origem nervosa ou emocional e produzidas por
estados de alma ou certos acontecimentos de nossa vida que nos afetam
particularmente. Do médico francês Decormeille, no livro Cellulites
d’inquietude:
A celulite nos penetra pelos ouvidos na azáfama do
escritório, das lojas ou da rua. Entra-nos pelos pés, nós que
corremos atrás do ônibus perdido. Ela nos entra pelos dedos
colados no teclado da máquina. Entra-nos pelo cérebro, no
embrutecimento dos múltiplos problemas que se erguem
diante de uma vida cada vez mais desenfreada. Não nos
enganemos: nossas cadeiras, nossas coxas se incham de
cifras, de raivas contidas, de ônibus perdidos. Não estamos
pesados de gorduras, mas inchados de tempestades
reprimidas que nos eletrizam da cabeça aos pés: que
elaboram nossos venenos e bloqueiam-nos sob nossa pele,
na fibra retraída de nossos tecidos. (Varenne, 1960: 103)
102
Neste breve relato pode-se perceber que já naquela época, eram
notados os efeitos nocivos de uma vida estressante para a saúde do corpo e
da alma. O autor refere o trabalho, a profissão, o estilo de vida e modo de
viver, os responsáveis pela aquisição da doença. No caso a celulite.
Celulites de inquietação, nome bem sugestivo, em que para sua correção, o
médico sugeria e indicava exercícios, alimentação, dieta, e um afrouxamento
nervoso. Nota-se de alguns entrevistados uma preocupação com um
movimento preparatório do idoso para ficar velho. Como a busca de um
modo preventivo para não ficar doente. Para alguns, conduzir respostas às
dificuldades ao acréscimo dos anos é uma atitude um tanto quanto
reducionista e miniminalista. O processo de envelhecer é também uma
oportunidade de se conhecer, de se adaptar, de se reinventar, de procurar
novas posturas. Mas o que parece inconcebível nos dias de hoje é lamentar-
se, cruzar os braços para a vida, e as possibilidades que ela ainda
apresenta. Os entrevistados apontam alternativas, onde é possível recriar,
curtir o tempo que utiliza contra ou a seu favor, tendo autonomia e liberdade
de escolha, este parece ser um grande trunfo. Pensando na prevenção,
pode-se olhar para o cuidado de si como um aprendizado primeiro de si
mesmo, de conhecimento de si. Se o indivíduo se conhece bem poderá
utilizar seus recursos e direcionar seus desejos da forma que mais lhe
convier. Portanto, é de grande valia uma preparação para se ficar velho, um
projeto de prevenção que inclua as práticas de si, priorizando todos os
aspectos de nossas vidas: físico, psíquico, social, religioso e ambiental,
como um processo mesmo. Um longo aprendizado por toda a vida, que se
inicia desde o nascimento. Como pontua Villas Boas Concone:
Eu entendo que este conceito, ele é muito atrelado ao
envelhecimento no Brasil, mas eu acho que a gente podia
pensar um pouquinho nele antes do envelhecimento, acho
que a gente tem de aprender a cuidar da saúde da gente
desde que é criança. Acho que é um conceito que a gente
tem de trabalhar com ele em toda a nossa história de vida.
103
Na mesma dinâmica, o geriatra Paschoal concorda que o processo de
cuidar de si deve-se iniciar cedo:
É importante que eu tenha de cuidar de mim o tempo inteiro,
desde o nascimento. Na velhice isto se torna algo
fundamental, né?
Iniciando cedo ou não, o cuidado de si, por vezes se apresenta como
um exercício de ser, um modo de existir, existir dentro de uma perspectiva
imbuída de desenvolvimento e ampliação. Para isto, é preciso estar aberto à
mudança, aceitar a impermanência da vida e sua transitoriedade. Para isto,
cabe ao ser humano desenvolver sua adaptabilidade e plasticidade, tal qual
a cobra citada por Nietszche:
Mudar de pele - A serpente que não pode mudar de pele,
morre. Tal como os espíritos impedidos de mudar de
opinião: deixam de ser espíritos. (Nietzsche,1981: 251)
104
Considerações finais
Aliviar a nossa melancólica humanidade pode ser perigoso. Às vezes, fatal.
No entanto, essa tem sido, desde tempos imemoriais, uma busca dos homens. A
doença faz parte da vida e a saúde não é a perfeita ausência da doença, como nos
ensinou Canguilhem, mas apesar disto, labutamos pela saúde, vemos a doença
como um mal a ser combatido e a morte evitada. (Bastos, 2006: 188)
Com o objetivo de evidenciar a riqueza da diversidade da arte de
cuidar de si, pude através das dez entrevistas realizadas chegar a algumas
considerações importantes:
Primeiramente é preciso ressaltar que, no mundo moderno atual,
cuidar de si é um grande desafio que se impõe à humanidade, e em
especial à velhice, ou melhor, às velhices. A velhice como termo singular é
plural em sua origem, consistência e função; plural na medida em que
interfacia esferas complexas de ações e influências: políticas, fisicas,
sociais, psicológicas, ambientais e espirituais.
Como vimos nas entrevistas realizadas, não há uma cartilha pronta,
não há um manual a seguir, ou uma única alternativa ou norma. Apesar de a
pesquisa apontar para o fato de que somos impregnados por um discurso
cultural indireto e/ou direto rondando e sendo absorvido pelo imaginário
social, pressionando para uma normatização de como “cuidar de si”.
Nomeiam-se receitas de toda a ordem, como seguir uma alimentação
equilibrada, a importância dos exercícios físicos, da função imprescindível da
fé e da experiência espiritual, a importância de não abandonar a vida social,
que tem merecida atenção, e atualmente, maior até que a medicalização. E
as fórmulas e sugestões não param por aíT cada dia surge um novo chá,
um novo remédio, uma nova dieta, um novo exercício, uma nova roupagem
que nos torna muitas vezes estranhamente mais jovens, mas que nunca
conseguirá impedir a finitude.
Hillman sabiamente chama a atenção à necessidade de se pensar a
velhice de outra maneira, deixando de lado o “etarismo” depreciativo - um
conceito de classificação errôneo em que se prioriza um crescente colapso
do organismo físico. Para ele, as ideias de alma, de caráter individual e da
105
influência da consciência nos processos vitais, não podem ser vistos
somente como acessórios decorativos, e sim objetos a serem almejados e
cuidados. Nas palavras de Hillman,
As nossas ideias sobre a velhice estão precisando ser
substituídas; quanto mais tempo nos agarrarmos a ideias
gastas, mais elas nos afetam negativamente, atuando como
patologias. A principal patologia da velhice é a nossa ideia
da velhice. (Hillman, 2001: 17)
Pensar em ações preventivas relativas ao cuidar de si. Faz-se
necessário pensar nas instituições, nas formas de relações existentes, quer
sejam na família, no trabalho, na saúde e na sociedade como um todo.
Nesta perspectiva complexa, na qual existem diferentes atravessamentos,
Teixeira sugere que:
(T) é necessário reinventar saúde e doença além da
produção em série, saindo do alienante modelo produtivo.
Produção e prevenção em saúde implicam níveis de
atuação que vão desde o aspecto íntimo do sujeito até as
políticas de saúde, os quais precisam ser considerados na
clínica e na saúde coletiva. (2009: 302)
O autor chama a atenção para o fato de que cada ser humano é
afetado, atravessado por uma diversidade de ações e por conta disto faz-se
necessário não partir para ações que busquem generalizações:
Somos uma continuidade no processo evolutivo, mas
também uma singularidade que pode contribuir para
mudança de formas de vida. Vivemos na linguagem e,
assim, tornamo-nos seres da cultura. Assim como herdamos
nosso corpo, com seus órgãos e funções, adquirimos
elementos simbólicos, míticos e místicos que entram na
construção da personalidade (T) Somos seres humanos no
106
mundo da linguagem, da interação, construídos nas
relações feitas entre os elementos animados e inanimados.
Existem dimensões não visíveis, tanto em níveis
moleculares, como no nível do simbólico e do imaginário.
(Teixeira, 2009: 303)
Assim como Ocariz, ao finalizar sua dissertação de Mestrado: O
Curável e o que não tem Cura (2002), conclui que:
Não existem tratamentos psicanalíticos padronizados nem
ideais. A cura psicanalítica exige criatividade e humor para
enfrentar todas as circunstâncias. Para ser analista é
preciso inventividade, habilidade para encarar o imprevisto,
sensibilidade e humor até frente às situações muito críticas
(T) A angústia que nos afeta nos momentos cruciais da
direção de uma cura é para nos lembrar que somos
analistas e que existem ainda caminhos (T) A psicanálise
tem muito que aprender com a arte em relação à
perspectiva da criação, do sujeito criativo, da invenção.
(2002: 170)
Faço minhas as palavras dela, substituindo a palavra analista por ser
humano, psicanálise por vida, e cura por cuidar:
Não existem tratamentos padronizados de sobrevivência
nem ideais. A cura de vida exige criatividade e humor para
enfrentar todas as circunstâncias. Para ser ser humano é
preciso inventividade, habilidade para encarar o imprevisto,
sensibilidade e humor até frente às situações muito críticas
(T) A angústia que nos afeta nos momentos cruciais da
direção do cuidar de si é para nos lembrar que somos
humanos e que existem ainda caminhos (T) A vida tem
muito que aprender com a arte em relação à perspectiva da
criação, do sujeito criativo, da invenção. (Fuentes,
mudanças in Ocariz, 2002: 170)
107
Muitos aspectos importantes e sugestões de alternativas de cuidar de
si foram mencionados pelos entrevistados durante a pesquisa que realizei.
Muitos valores foram enaltecidos e valorizados, no caso da autonomia e da
liberdade de escolha. Acredito que devemos vislumbrar com muita cautela o
quanto cada aspecto deva ser desenvolvido e absorvido por cada um de
nós. Somos seres singulares e únicos. O que é importate para um pode não
ser para o outro. O importante é perceber o que faz sentido, e que tenha eco
na vida e nas escolhas pessoais. Lutar para adquirir liberdade extrema
dependendo da ocasião não é a melhor opção. Servan-Schreiber chama a
atenção para as rápidas mudanças que ocorrem na sociedade moderna, e
suas consequências:
Hoje vivemos em meio a uma tendência mundial centrada
no ego, no “desenvolvimento individual”, na psicologia
individual. Os valores-chave são autonomia, independência,
liberdade individual e auto-expressão. (Servan-Schreiber,
2004: 228)
Libertos de elos familiares, deveres, obrigações em relação
aos outros, jamais fomos tão livres para buscar nosso
próprio caminho. Mas por isso mesmo podemos nos perder
e acabar sozinhos. (Servan-Schreiber, 2004: 229)
108
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas
usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os
caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o
tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos
ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
(Fernando Pessoa)
109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANEXO: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Declaro que fui devidamente informado/a sobre a pesquisa “As várias faces do
cuidar de si”, realizada pela mestranda Sônia Azevedo Menezes Prata Silva
Fuentes, aluna regularmente matriculada no Programa de Estudos Pós-Graduados
em Gerontologia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Declaro também, ter aceitado espontaneamente participar deste trabalho
concedendo entrevista e respondendo às questões formuladas pela pesquisadora,
referentes ao seu tema de pesquisa. Concedo também a permissão para a
utilização de imagem, e autorizo sua veiculação. Tenho ciência de que minha
participação é livre e que posso interrompê-la a qualquer momento. Afirmo ter sido
esclarecido(a) de que as informações dadas e os depoimentos feitos serão
identificados nominalmente, e que os dados coletados destinam-se,
exclusivamente, para compor os resultados deste estudo, divulgação em eventos
científicos e publicação em periódicos reconhecidos pela comunidade acadêmica.
São Paulo, ____, _______________, 2010
_____________________________________
Sônia Azevedo Menezes Prata Silva Fuentes
CPF 013.138.268-39
TESTEMUNHAS:
____________________________ ____________________________
Nome: Nome:
CPF: CPF:
RG: RG:
Entrevistado:
CPF:
RG:
Obs: uma cópia deste Consentimento ficará com a pesquisadora e a segunda via será entregue aos entrevistados
113
Nosso amor pela pessoa velha não deve ser uma
opressão, uma tirania a inventar cuidados chocantes,
temores que machucam. Façam o que bem entendam,
cometam imprudências, desobedeçam conselhos.
Libertemos os velhos de nossa fatigante bondade.”
(Paulo Mendes Campos, 1922- . O anjo bêbado).