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1 PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Sônia Azevedo Menezes Prata Silva Fuentes AS VÁRIAS FACES DO CUIDAR DE SI Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dr. a Elisabeth Frohlich Mercadante. SÃO PAULO 2010

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Page 1: Sônia Azevedo Menezes Prata Silva Fuentes Azevedo... · para se viver bem, de preferência com saúde, por muitos e muitos anos, cuidando-se desta ou daquela maneira, muitas vezes

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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Sônia Azevedo Menezes Prata Silva Fuentes

AS VÁRIAS FACES DO CUIDAR DE SI

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dr.a Elisabeth Frohlich Mercadante.

SÃO PAULO

2010

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Banca Examinadora

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Dedico este trabalho

A meus queridos, com todo meu amor

Ao maridão José, grande companheiro e estímulo maior.

Aos filhos amados, Mariana, Diego e André, almas mais que importantes na

minha vida.

Yvettinha, minha mãe, com insistente interesse sempre perguntando:

“Quando é que esta coisa acaba”?

Para meus entrevistados, pela grande colaboração, disponibilidade e

confiança.

Para minha inesquecível e querida Kaká (in memoriam).

Ao mendigo anônimo que me inspirou... uma dedicatória especial:

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... um homem, uma rua poluída

e um saco plástico com macarrão gelado...

Hoje vi um morador de rua comendo um punhado de macarrão

contido no interior de um saco plástico. Minha impressão foi a de que o

macarrão estava frio. Eram 13h e aquele homem, de aproximadamente 60

anos, sujo e maltrapilho, sob um sol escaldante de 34 graus, comia em pé,

sem cerimônia, num cruzamento localizado nas proximidades da Av. 23 de

maio, no centro de São Paulo.

Que cena! – pensei. Em que mundos vivemos? Existem, sim, vários

mundos. Naquele momento, pensei na linha a divisar esses mundos. Pensei

em meu rosto limpinho; na roupa cheirosa que vestia; no corpo físico, recém-

alimentado, coincidentemente, por um prato de macarrão quente; no carro

bom que guiava; na vida quase certinha que levava; e no único objetivo para

o qual direcionava meu olhar: estudar a temática cuidar de si e nela

aprofundar-me.

De fato, diante de mim o antídoto da tese.

Indaguei-me, então: De que valia meu estudo para aquele homem?

Concluí que ele, por razões óbvias, não poderia estar nem um pouco

preocupado com o conteúdo de minhas reflexões. Certamente, naquele

momento, sua prioridade era o macarrão frio que, retirado do interior daquele

saco plástico, ia sendo sorvido tranquilamente, com o auxílio de suas mãos

encardidas.

A distância entre ele e mim, não obstante estivéssemos a menos de

três metros um do outro, era, naquela tarde, enorme. Dois mundos

totalmente antagônicos, ainda que habitando o mesmo município.

Por que razão a imagem daquela cena ficou tão fortemente registrada

em minha mente durante todo o dia? - indaguei-me.

Fiquei curiosa por saber se o conceito cuidar de si seria, para ele, tão

diferente em comparação àquilo que pensa a maioria dos profissionais que

lidam com o envelhecimento que entrevistaria.

Decidi apropriar-me da fantasia e fiz uso da imaginação. Levantei a

hipótese de que ele não detém o domínio do conceito cuidar de si.

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Talvez exerça tal conceito experimentalmente, da mesma forma com

que Foucault celebrou a liberdade como direito, como ética, como escolha

traduzida na forma mais genuína e verdadeira do cuidar de si. Onde, dentro

desta ótica, o não cuidar de si, é também cuidar.

Escolhi, então, mudar minha perspectiva; imaginei ser aquele

mendigo um homem livre, que optou por viver da forma como descrevi: na

rua, encardido e com vontade de transgredir todas as regras, derrubar as

mesas, acabar com as cadeiras, abolir o fogão que aquece a comida e, em

pé, incomodar e escandalizar a todos, enfiando suas mãos ensebadas num

saco plástico, para comer seu macarrão gelado, sem cerimônia alguma, sem

ter de dar satisfação a seu chefe, sua família ou a quem quer que fosse.

É certo que, neste caso, fiz uso de minha imaginação, pois se fosse

utilizar de minha racionalidade com certeza esta cena descrita acima me

levaria à seguinte dúvida: esta pessoa, este mendigo seria um ser

transgressor ou uma pessoa que não tem as mínimas condições de se

cuidar?

E que cuidar é este de que estamos falando? O discurso pronto que

habita nosso imaginário social? Produto de nosso senso comum?

Será que não é preciso desconstruir o exemplar modelo sobre a

noção ideal de “cuidar de si” dentro do processo de envelhecimento?

Analisando minhas entrevistas com sujeitos envolvidos neste estudo,

percebi que são pessoas com nível superior de escolaridade, e que

certamente também têm noções básicas de higiene, conhecem e sabem da

importância de uma boa e equilibrada alimentação, dos exercícios físicos,

dos benefícios, das relações sociais, do desenvolvimento espiritual, dos

cuidados e exames médicos preventivos; então, me pergunto: eles têm

ciência do discurso pronto, da “vacina”, da “cartilha”, do “manual” de como

“cuidar de si”, ainda que apenas um sujeito desta amostra tenha dito seguir à

risca tais passos (ou o que acredita ser o ideal)? Será que a correria, o

estresse, a falta de tempo, ou outro motivo qualquer, os impedem de se

cuidarem? Qual será o impeditivo para não praticarem o conhecimento que

detêm? Não se cuidam, ou se cuidam de outra forma? Serão eles mais

transgressores do que o mendigo?

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Agradecimentos

À minha orientadora, Dr.ª Elisabeth Mercadante, amiga, colega,

companheira de tantas conversas, sopas, jantares, cafés, e intermináveis

conversas...

À Professora Doutora Tereza Bilton, pelas valiosas sugestões na Banca de

Qualificação.

A todos os professores do mestrado: Nádia, Ruth, Vera, Beltrina, Canineu,

Maria Helena, Silvana Tótora, Suzana Cariello, Suzana Medeiros e Flamínia:

sem vocês não teria chegado onde cheguei...

Às queridas amigas, Ilza e Ligia, minhas mais recentes descobertas como

grandes companheiras; obrigada pelas intermináveis conversas regadas a

muitos cafés, e bom humor sempre... e especialmente às muitas risadas

juntas.

A Divina, Gisnelli, Vanesita, Beth, Cida, Nádia, Paulão, Fátima, Bella, Lú,

grandes descobertas do mestrado da PUC-SP, foi um prazer enorme

conhecê-los e compartilhar tanta coisa juntos: congressos, grupos de

estudos, Nepes, e gostosas viagens.

A Terezinha, Terê, Tuti, minha amiga mineirinha sempre presente me

incentivando...

Aos compadres, Lídia, Laila e Reynaldo, pela amizade eterna.

Aos meus irmãos de sangue ou não, meus sobrinhos, sobrinhos-netos,

afilhados, pela alegria incondicional acrescentada à minha vida.

A toda a turma do IDEAC, em especial a Maria Célia e Maricy, pela leitura

cuidadosa e pelas correções e sugestões precisas.

A Lucy, Ana Fraiman, Lourdes Junek, Lurdes Coutinho, Luciana, Irene,

Giulio, Waldir, Ézio, Jader, Regis, pelos momentos de expansão de

conhecimento e pelos deliciosos e memoráveis encontros semanais...

A Selminha, Vanda, Célia, Rita, Rosana, Carmem, Van, Tamako, vizinhas e

amigas do coração, pelos nossos esporádicos chás da tarde revigorantes e

imprescindíveis...

A Clotilde, Aninha, Simoninha, Rose, colegas, amigas e companheiras de

labuta, e trocas de conhecimento.

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Aos amigos distantes, Tereza, Julio, Ana, Beatriz, demonstrando sempre

que nossa amizade é algo que não subtrai, soma.

Ao amigo Luís, pelo apoio logístico com empréstimo de câmera, para as

transcrições de fitas e suporte técnico.

À jovem amiga, Thaís Maria Lefcatito, e à Estilingue Filmes, pela ajuda

técnica e amiga com as fitas para a transcrição de DVDs.

Ao amigo Marco Antonio, pela correção do português... e sugestões de

formatação e texto.

Ao amigo Rodney, pela amizade, carinho, ajuda na correção e apoio

espiritual.

Sem me esquecer da Marlene, pela ajuda doméstica e suporte para com as

tarefas de casa. Chegar em casa, e saborear seus crepes de palmito, à

noite, é sempre muito prazeroso.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, pela oportunidade de realizar este

trabalho.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que possibilitou a conclusão

desta pesquisa.

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SUMÁRIO

pág.

Resumo....................................................................................... 10

Abstract....................................................................................... 11

Introdução................................................................................... 12

Capítulo I

Discussão teórica sobre o Cuidar de SiTTT...........................

18

1.1 Foucault e o pensamento grego sobre o Cuidar de SiT 26

1.2 Terapêuticas anti-envelhecimento & Cuidar de SiTTT 32

1.3 O nascimento da terapêutica do cuidado........................ 34

Capítulo II – MetodologiaTTTTTTTTTT........................ 38

Capítulo III - Visão do Cuidar de Si – Representações............... 42

Capítulo IV - Cuidar de Si na juventude x Cuidar de Si na velhice.........................................................................................

53

Capítulo V - Além do meu corpo físicoTTTTTTTT........... 64

Capítulo VI - Auto-cuidadoTTTTTTT................................. 75

Capítulo VII - É preciso ter um projeto de felicidadeT.T.......... 88

Considerações Finais................................................................. 105

Referências Bibliográficas........................................................... 110

Anexo.......................................................................................... 113

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RESUMO

FUENTES, Sônia Azevedo Menezes Prata Silva. As várias faces do cuidar

de si. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Gerontologia. Programa de

Estudos Pós-Graduados em Gerontologia. Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, 2010.

O objetivo do presente trabalho é o de compreender a visão que os

profissionais têm sobre os significados do cuidar de si, considerando que os

sujeitos entrevistados para esta dissertação são pessoas que trabalham,

pesquisam e/ou estudam a questão do envelhecimento. Consequentemente,

examino propostas sugeridas no sentido de levantar alternativas e reflexões

sobre qualidade de vida e cuidados para os indivíduos que fazem parte do

segmento idoso.

Para isto entrevistei 10 profissionais de significativa relevância na

área, que estudam e/ou trabalham com o envelhecimento. Foram feitas

cinco perguntas aos sujeitos com a finalidade de conhecer qual a visão

pessoal que cada um tem sobre o cuidar de si, a diferença entre se cuidar

enquanto jovem e se cuidar enquanto velho, saber o que é importante para

os entrevistados, para cuidar além do corpo físico; se há a realização do

auto-cuidado por parte dos entrevistados, e finalmente o que eles

consideram importante para construir um projeto de prevenção pensando no

cuidar de si. Estabeleço na pesquisa diálogos entre os pensamentos de

vários autores como Foucault, Freud, Melaine Klein, Jung, Winnicott,

Mucida, Ayres, Birman, Carielo, Medeiros, Debert, Goldfarb, Martins, entre

outros.

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ABSTRACT

FUENTES, Sônia Azevedo Menezes Prata Silva. The Several Aspects Of

Self Care. São Paulo: Master dissertation in Gerontology. Postgraduate

studies in Gerontology; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2010.

The objective of the present work is to understand the vision that the

professionals have about the meanings of self care, considering that the

subjects interviewed for this dissertation are people that work, research,

and/or study the question of the ageing process. Consequently to that

question, I examined proposals suggested in the sense of raising alternatives

and reflections about the quality of life and special cares, for those individuals

that are part of the elderly segment. For this I interviewed ten professionals of

significant relevance in the area, that either study or work with the ageing

process, Five questions were asked to the subjects with the intention to

understand each one's personal visions about: self care, the difference

between self care while young and self care for the elderly, to know what is

important for the person being interviewed, to take care beyond the physical

body; to see if the person interviewed realizes the importance of taking care

of himself, and finally what do they consider important to build a prevention

program considering self care. I established in this research dialogues

between the thoughts of several authors as Foucault, Freud, Melaine Klein,

Jung, Winnicott, Mucida, Ayres, Birman, Carielo, Medeiros, Debert, Goldfarb,

Martins, and others.

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Introdução

Nunca se falou, nem se pesquisou tanto sobre o envelhecimento

como nestas últimas décadas. A cada dia proliferam incomensuravelmente

novas formas, novas técnicas, e novas tendências do cuidar de si. É a

época da caça! Da busca desenfreada para descobrir fórmulas e técnicas

para se viver bem, de preferência com saúde, por muitos e muitos anos,

cuidando-se desta ou daquela maneira, muitas vezes exageradamente,

como se fosse possível garantir a eternidade de uma existência. Diante

deste movimento desenfreado e febril, na busca da manutenção da

juventude eterna, acredito ser o momento atual, precioso e oportuno, para

fazer uma pausa, parar para uma reflexão, descobrir o que queremos, o que

pretendemos quando elegemos e escolhemos as formas do cuidar de si

durante nosso processo de vida e envelhecimento. Dei-me conta neste

momento que o conceito “cuidar de si” já há algum tempo vem me

causando certas inquietações, e provocações, concomitantemente ao meu

processo de desenvolvimento pessoal.

O objetivo do presente trabalho é o de compreender a visão que os

profissionais têm sobre os significados do cuidar de si, considerando que os

sujeitos entrevistados para esta dissertação são pessoas que trabalham,

pesquisam, e/ou estudam a questão do envelhecimento.

Consequentemente, examino propostas sugeridas no sentido de levantar

alternativas e reflexões sobre qualidade de vida e cuidados para os

indivíduos que fazem parte do segmento idoso.

Por meio da presente dissertação, tive a oportunidade de organizar

não apenas meu trabalho e minhas ideias, mas compreendi com mais nitidez

de que modo a Gerontologia vem ocupando espaços em minha trajetória

pessoal e acadêmica.

Os benefícios resultantes de minha aproximação com os estudos da

Gerontologia foram muitos, não somente em relação ao conteúdo, temas,

teorias e experiências diretas com os professores do programa, mas

também no que se refere ao impacto, ao envolvimento, à vivência que se

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travou indiretamente ao longo de uma jornada que vai para muito além da

experiência acadêmica propriamente dita.

Visualizo, como consequência direta de minha práxis acadêmica,

resultados que se tornam não apenas poderosos arsenais de trabalho, como

também elementos de mudança pessoal.

O interesse pelo estudo do envelhecimento teve início há alguns

anos, quando comecei a me dar conta de meu próprio processo de

envelhecimento.

Quando criança, minha percepção da velhice e do velho associava-

se às ideias de limitação, fragilidade, estagnação no tempo, cristalização das

ideias e condenação a uma morte próxima.

Muitos anos depois, assim como mudei, meu olhar também passou

por mudanças. Hoje, aprecio a velhice, consigo vislumbrar, com otimismo,

essa fase da vida, em que a experiência, o amadurecimento e a sabedoria,

decorrentes do avanço da idade, possam ser postos a serviço do idoso.

Compreendi que, mediante uma postura ativa e dinâmica por parte do

idoso, haverá sempre uma maior possibilidade de que essa população

desfrute de uma melhor qualidade de vida. Também acredito que, apesar

das várias perdas por que passamos ao longo da senescência, a velhice, em

todos os aspectos de nossas vidas funcional, cognitivo, social e

psicológico , pode ser uma fase repleta de conquistas, alegrias e novas

experiências.

Em minha trajetória pessoal e profissional, o tema Qualidade de vida

sempre esteve presente, seja em meu entusiasmo e paixão pelos esportes,

seja no estudo do movimento do corpo experimentado por cursos de

Cinesiologia e técnicas de relaxamento , seja em grupos de estudo com o

Dr. Petho Sandor, que me fez perceber com maior clareza a evidência da

integração deste corpo com a mente. Posteriormente na especialização em

Medicina Psicossomática, entendi a relação deste mesmo corpo com a

doença; e mais tarde, durante pesquisa sobre a dinâmica do Estresse,

consegui fazer a leitura de um corpo frágil e de sua luta para adaptação e

suas implicações na busca de uma melhor qualidade de vida.

Posteriormente, busquei, na especialização em Geriatria e Gerontologia na

Unifesp, a compreensão do envelhecimento enquanto metamorfose.

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Ao iniciar o mestrado em Gerontologia na PUC-SP, deparei-me com

um currículo diferenciado, que possibilitou um envolvimento mais sistemático

com estudos voltados mais para as áreas sociais e humanas e menos para a

área biológica, que seria talvez a mais provável em um curso ligado ao

envelhecimento.

Em todos os cursos promovidos pela PUC-SP, o critério

subjetividade esteve presente, o que foi preponderante em minha trajetória.

Senti que estava navegando na minha ‘praia’.

Encantaram-me as opções de que dispus. Consegui tirar proveito das

várias disciplinas, recebendo, de cada docente, contribuições significativas

para o aprimoramento da pesquisa que me propus desenvolver e, por

conseguinte, para a minha formação de mestre em Gerontologia.

Um dos benefícios que obtive ao adentrar neste universo de trabalho

interdisciplinar foi a oportunidade de levantar questões importantes, as quais

me levaram a refletir acerca das justificativas e finalidades do ensino da

Filosofia, o que me estimulou a pensar e a duvidar daquilo que parece

evidente, uma vez que já nos acostumamos à aceitação pacífica de certos

valores e à reprodução, muitas vezes irrefletida, dos chamados lugares

comuns. Acabamos lidando com valores e ideias como se fossem naturais.

Por meio da aventura do estudo da Filosofia e da Antropologia, vimos que as

ideias, assim como alguns conceitos de vida, não brotam de sementes, mas

têm prazos de validade, passam por transformações históricas, são criações

culturais expressas de forma única. O pensamento de Ponty, em Pokladek,

vai ao encontro desta máxima acima, quando diz que um dos objetivos do

processo filosófico é:

... reaprender a ver o mundo, revelando os mistérios do

mundo, o mistério da razão no mundo, no modo como o ser

expressa e compreende este mundo através da linguagem

como horizonte de sentidos. (Ponty, 2002: 15)

Dessa forma, é muito importante observar e compreender as

diferentes maneiras que o ser humano tem de ver, de dizer, de expressar-se

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no mundo. Como enfatiza Pokladek, “...revelando assim o seu modo de ser

no mundo.” De existir neste mundo.

Simultaneamente, acho pertinente lembrar aqui o conceito de Dasein,

de Heidegger; que significa “ser-aí”, isto é, o homem só pode ser no mundo

de uma forma de ser, a qual se dá como existência. Almeida faz uma síntese

deste pensamento:

O homem é entendido como aquele ente que percebe, se

dá conta e responde ao ser; essa é sua marca distintiva

ante os demais entes. (Almeida,1995: 7)

Ele só existe, pois enquanto interagindo com o mundo, visto em

Almeida (1995):

... o homem só é o que é num mundo. Se este mundo faltar

ao homem, ele próprio deixa de ser, pois perde o “aí” onde

pode existir, desdobrar seu ser... é de ser que ele sempre

está a fim. Ser é algo que acontece como uma possibilidade

peculiar em cada homem. (p.29)

Heidegger também aponta que no trajeto de vida do homem, cabe a

ele cuidar do seu cuidar de ser. E esta tarefa não é muito fácil, visto que

para cuidar de nosso ser, temos que levar em conta a perspectiva de que o

homem habita o mundo, ao mesmo tempo em que constrói uma tessitura de

relações significativas na constituição de sua própria história.

Foi um grande privilégio conhecer, dialogar e escutar cada um

desses profissionais que entrevistei. Cada um com suas singularidades e

características próprias responderam às perguntas e contribuíram

significativamente com sua experiência de vida, na manifestação de sua

linguagem peculiar.

A presente dissertação é constituída, além desta introdução, por sete

capítulos e considerações finais.

No primeiro capítulo, Discussão Teórica do Cuidar de Si, desenvolvo

a compreensão e a contextualização da busca pelo cuidado de si; para

isso, utilizo as obras de Winnicott, Melaine Klein, Freud e Jung. Também

faço um levantamento do pensamento grego relacionado ao cuidar de si,

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trazido por Foucault. Fecho este capítulo com as contribuições do geriatra

Renato Guimarães, com um breve relato histórico sobre o desejo de

prolongar a vida.

No segundo, Metodologia, apresento a abordagem da pesquisa, as

perguntas selecionadas que compõem o roteiro das entrevistas, a

problematização, e o perfil dos entrevistados.

No terceiro, retorno à questão da Visão do cuidar de si. Discuto e

analiso a opinião dos entrevistados sobre a visão pessoal de cada um a

respeito do cuidar de si. A discussão teórica aponta para a ampliação do

conceito do cuidar de si, considerando-o composto de várias dimensões:

física, espiritual, social, psicológica e cultural, em que autonomia e liberdade

de escolha aparecem como forma de cuidado prioritária para os

entrevistados.

No quarto, uma compreensão mais ampla sobre o Cuidar de Si na

juventude X Cuidar de Si na velhice, analiso as diferenças apontadas pelos

entrevistados relativas a essas duas etapas da vida e do cuidar de si. Neste

capítulo utilizo o pensamento de Hillman, Grosiman, Medeiros e Martins, que

não generalizam as noções tanto de juventude quanto de velhice.

No quinto capítulo, discuto sobre Além de meu Corpo Físico e

discorro sobre os aspectos subjetivos importantes que estão implicados na

questão do cuidar de si.

No sexto capítulo Auto-cuidado...é possível?, analiso e discuto as

sugestões apresentadas pelos entrevistados. Faço uso também de uma

discussão do filósofo Pondé, que critica o modelo de cuidado apresentado e

preconizado pela mídia, contrapondo-o aos pensamentos de Debert e

Antonucci.

No sétimo e último capítulo É preciso ter um Projeto de Felicidade,

discuto os projetos de prevenção sugeridos pelos entrevistados, fazendo um

levantamento dos aspectos relevantes mencionados para uma melhora na

qualidade de vida e manutenção da saúde, priorizando as dimensões

citadas: econômica, saúde, alimentação, exercícios físicos, desenvolvimento

intelectual, relacionamento social e com o mundo. Para tal, uso reflexões

dos autores como Ayres, Varenne, Gadamer, concluindo com as

considerações acerca do Projeto de Felicidade apontadas por Ayres.

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Por último, nas Considerações Finais, apresento uma reflexão

pessoal e experiência diante da minha imersão ao adentrar no universo das

Várias Faces do Cuidar de Si. A interpretação que proponho, é importante

ressaltar, como toda a interpretação, é apenas uma; portanto, sujeita a

novas interpretações.

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CAPÍTULO I

Discussão Teórica sobre o Cuidar de Si

Penso que o universo do cuidar de si não se esgota, não se

enquadra numa fórmula, enquanto manual de sobrevivência, oferecendo

uma única alternativa ou solução de como se cuidar. Seria tão irreal quanto

seguir os modelos e padrões de envelhecimento vigentes,

despersonalizados e uniformes, que acabam por inibir todas as formas de

criatividade e singularidade de viver. Prefiro acreditar e compreender que

existe, sim, uma multiciplicidade de sentidos e opções do cuidar de si.

Tendo como ponto de partida a reflexão pessoal sobre a observação

do mendigo idoso e seu saco de macarrão gelado, antes descrito, tento

ampliar o conceito do cuidar de si, vislumbrando, mesmo que na

imaginação, outras possibilidades ou outras formas do cuidar de si.

Premissa esta que ficou muito mais evidente e clara quando finalizei as

entrevistas com os profissionais escolhidos.

À procura de mais autenticidade e vigor sobre o tema, considero

importante lembrar de uma outra experiência pessoal passada, que me

serviu também de ponto de partida para este estudo.

Até há alguns anos, acreditava que, com o conhecimento adquirido

sobre o envelhecimento, poderia ajudar e modificar a conduta de algumas

pessoas, em especial parentes e amigos envelhescentes próximos. E nesse

primeiro, inocente e prematuro envolvimento, chegava a sugerir caminhos,

que supunha serem os ideais, os melhores, os desejáveis, os corretos e os

mais adequados para o cuidar de si. Pensava também que, com estas

sugestões, poderia garantir a essas pessoas uma vida mais saudável, ainda

mais longeva, com qualidade, saúde e mais prazer. Até que um dia... Até

que um dia escutei de uma pessoa muito próxima e querida o seguinte:

As condutas que você acredita serem as mais benéficas, as

mais prazerosas, nem sempre conferem com as desejáveis

por mim, por exemplo, e talvez não sejam as ideais. Pode

ser que eu consiga um prazer não fazendo nada, ou

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fazendo outras coisas totalmente diferentes daquelas que

você preconiza.

Naquele momento me dei conta da diversidade de desejos, diferenças

e até das limitações que existem dentro deste complexo universo humano,

no qual o conceito do cuidar de si pode ser tão diverso, quanto às diversas

velhices existentes.

Encontrei também ressonância deste meu pensamento na postura

emblemática da jornalista Eliane Brum, que tece algumas considerações

pertinentes consoante à edição precoce de nossas verdades, como se

pudéssemos ousar um dia eleger verdades absolutas e universais. Em

recente reflexão, no seu artigo: “Deus e a Eutanásia - Por que temos tantas

certezas sobre o que é melhor para a vida dos outros?” Eliane Brum salienta

como é possível vislumbrar com que facilidade o ser humano dispara

sugestões e conselhos ao outro sem parar suficientemente para tecer

considerações de forma efetiva e muitas vezes inescrupulosa sobre

assuntos polêmicos, neste caso sobre a eutanásia. Eliane Brum faz uma

crítica que nos leva à reflexão, e conclui:

A certeza de que a verdade pessoal deve valer para todos

é um comportamento corriqueiro. Todos nós sofremos,

cotidianamente, com o excesso de certezas dos que nos

rodeiam, suspensos alguns metros do chão pelo volume de

suas verdades absolutas. A lógica, me parece, é a de que,

se alguém conseguir impor sua verdade, não precisará

nunca questioná-la. Embutido nesse comportamento, além

do desrespeito ao outro, à surdez ao outro, parece estar o

terror de ser assaltado por uma dúvida, ainda que bem

pequena. (Lebrun, Revista Época, 23/11/2009).

Sendo assim apoio-me na premissa de que ninguém é dono da

verdade absoluta, especialmente sobre temas de ordem subjetiva. Portanto,

para me aproximar não de uma verdade, mas de uma reflexão sobre as

várias verdades de cada profissional que entrevisto, procuro respeitar as

certezas de cada um, e a pessoa que expressa estas mesmas certezas. Ao

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mesmo tempo, Martins compactua deste pensamento, na medida em que

incentiva os pesquisadores e educadores a saberem romper com as

amarras das verdades pré-dadas, e buscarem mergulhar dentro de si,

procurando suas próprias verdades. (Martins, 1992: 12).

O universo do cuidar de si, que decidi explorar, vai além da noção

palpável do cuidado, levando-me a refletir sobre a subjetividade singular de

cada sujeito, como proposta, e discutida por Guattari. Percebo neste

momento que o conceito cuidar de si – por mim eleito como tema de

pesquisa – transformou-se, superando a definição estabelecida a priori.

Concomitantemente ao meu desenvolvimento pessoal e acadêmico,

verificou-se um amadurecimento significativo em meu modo de pensar para

a realização deste estudo.

Ao mesmo tempo em que ingressei no estudo da Gerontologia, tive a

oportunidade de conhecer um pouco mais de Filosofia e as diversas

Ciências Sociais, com as quais me sinto profundamente envolvida até hoje.

Foi de uma felicidade ímpar o encontro com as obras de Foucault, que foi

buscar em Deleuze, Sêneca, Platão, Epicuro, Nietzsche e Cícero, outras

explanações acerca do conceito do cuidar de si, o qual transcende o

simples cuidado extrínseco ao sujeito, o discurso pronto tão preconizado

pela mídia. Dentro deste patamar também me utilizo de Ayres e Heidegger,

que compactuam similarmente com a busca de uma nova práxis do cuidar

de si. Uma escolha autônoma pelo sujeito do cuidar de si, individual,

desvinculada de um conjunto de práticas normativas e uniformizadas e que

incluem um projeto de felicidade.

E assim considero estes acontecimentos e personagens, os

responsáveis iniciais, pelo meu mergulho no universo deste novo olhar

dirigido ao conceito de cuidar de si.

Refletir sobre as várias formas do cuidar de si faz-se extremamente

útil e importante nos dias de hoje, principalmente na fase do envelhecimento,

quando se deseja e se almeja um tempo de maior e melhor proveito e

qualidade. Evita-se, assim, desperdiçar cada pedaço deste tempo,

desperdiçar vida. Como bem disse Sêneca, “Vivendo o infinito de cada

instante”, o que significa aproveitar cada minuto como se fosse a maior

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preciosidade que a vida nos dá. E daí, pergunto: é preciso ficar velho para

aproveitar cada instante?

Diz-se que ninguém quer envelhecer, pois a velhice está sempre

associada a perdas, ao declínio físico e à proximidade temerosa de nossa

finitude. Será?

Não é possível fazer nosso relógio biológico retroceder no tempo, mas

existem, sim, as inúmeras tentativas de se viver mais e por mais tempo com

qualidade e felicidade, trabalhando não contra o tempo, mas com o tempo

que ainda nos resta. Para tal, a procura de formas de manter-se jovem, ativo

e funcionando bem durante a fase do envelhecimento nunca foi tão discutida

e nem causou e causa tanta polêmica como neste século XXI.

Não é preciso ficar velho para aproveitar a vida nem a velhice. O ideal

seria eliminarmos as nomenclaturas relativas às idades, que caracterizam as

pessoas como velhos ou idosos e que muitas vezes vêm associadas aos

sinônimos de improdutividade e infelicidade, não dando lugar para

investirmos nosso tempo precioso em aproveitar os modos de viver de cada

época ou fase, cada qual a seu próprio modo.

Alguns dizem que a velhice pode ser tão melhor quanto mais nos

preparamos para ela. Planejar uma boa velhice implica não apenas nos

alimentarmos de práticas ditas saudáveis, mas também escolhermos, com

liberdade, os rumos que desejamos trilhar em nossa jornada e percurso do

cuidar de si.

Durante minha investigação sobre o tema cuidar de si, pude

constatar que muitos autores já realizaram diferentes trabalhos, estudos e

pesquisas sobre o mesmo tema. Vou tentar fazer um resumo de algumas

das ideias, as mais importantes, a meu ver, de pesquisadores que

evidenciam o foco do conceito do cuidar de si, dentro de uma perspectiva

voltada à prevenção das doenças, à promoção da saúde e qualidade de

vida.

Primeiramente, para muitos autores da Psicologia, é importante

lembrar que antes de cuidar de si, cada ser humano individualmente nasce

dependente do outro e precisa ser cuidado e de preferência por alguém que

lhe devote amor. Nascemos para sermos cuidados.

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O animal humano é o único que não sobrevive sem o outro da

espécie. Precisa do outro para satisfazer suas necessidades básicas para se

alimentar, para ser acolhido e para ser reconfortado.

O ideal é que este conforto fisiológico que recebemos venha

carregado de afeto.

É através deste acolhimento que nos validamos, nos reconhecemos

como indivíduos e nos significamos. Quando alguém nos recebe em seus

braços, acontece uma troca; há a incidência do outro neste corpo.

Um exemplo disto é a fala. Quando iniciamos o balbucio tentamos nos

comunicar; a fala que nos envolve e nos incide. Há a incidência da

linguagem no corpo, a fim de produzir determinados sons; desta forma

Carielo pontua que ocorre o atravessamento do corpo humano pelo

aparelho fonatório. Não somos somente matéria orgânica. De acordo com o

psicanalista Didier Weill, somos uma mestiçagem, isto é, o conjunto formado

pelo imaginário social, o simbólico e o real. Cada ser humano pertence a

uma determinada cultura. E a cultura é o lugar da significação. Há um corpo

socializado.

Desta forma, se a criança representa ser mais que um organismo, o

velho também é mais que um organismo. Isto é, um organismo que requer

cuidados, não só para satisfazer-se fisiologicamente, mas também para se

satisfazer emocional e socialmente. Sem o outro não vivemos, não

sobrevivemos. Inúmeros estudos científicos já foram realizados para

confirmar esta premissa. Psicanaliticamente falando, o ser humano implica

sempre uma falta. Pensemos nesta falta como um cuidado. O cuidado de

dar a ele o peito, o acolhimento, o afeto, a troca de fraldas, o banho.

Cada cuidado que se efetua com este bebê, outros cuidados vão

sendo realizados sucessivamente e as faltas, os desejos se sucedem.

E com esta premissa, destaco em muitos autores e estudiosos do

desenvolvimento infantil e da Psicologia a relevância deste acontecimento:

Winnicott, Melaine Klein, Freud, Jung e muitos outros confirmam esta

urgência e necessidade do cuidado. Transcorro resumidamente, sobre a

teoria de cada um destes pesquisadores, ressaltando suas ideias principais

acerca do cuidado de si.

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Winnicott compreende o cuidado materno como a possibilidade de

uma adaptação feliz da mãe para com o bebê e vice-versa. Relação vista

inicialmente como simbiótica, mas que, com o passar do tempo, precisará

ser rompida para garantir a saúde emocional; este cordão deverá ser

gradualmente cortado a fim de que o bebê se desenvolva e tenha mais tarde

a capacidade de cuidar de si. Conforme o autor:

A mãe suficientemente boa começa com uma adaptação

quase completa às necessidades de seu bebê, e, à medida

que o tempo passa, adapta-se cada vez menos

completamente, de modo gradativo, segundo a crescente

capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela.

(Winnicott, 1975: 25)

Do desenvolvimento da ilusão e do pensamento mágico, o bebê vai

precisar se frustrar gradativamente. Esta é a base do cuidado materno para

Winnicott; a mãe dá e a mãe tira. Mas antes de tirar, ela cuida, assim

conforme este autor:

(...) através de uma adaptação quase completa, propicia ao

bebê a oportunidade para a ilusão de que o seio dela faz

parte do bebê, de que está, por assim dizer, sob o controle

mágico do bebê. O mesmo se pode dizer em função do

cuidado infantil em geral. (Winnicott, 1975: 26)

Também para Melaine Klein, os sentimentos de amor e cuidado são

essenciais ao bebê que, em troca, dá como resposta espontânea os

sentimentos de gratidão e amor para com ela. De acordo com Melaine Klein,

o cuidado inicial é traduzido num movimento de contenção, isto é, cuidar é

saber conter a excitação que o bebê carrega. Segundo a autora, o bebê

nasce com uma desorganização emocional muito grande, devido a receber

inúmeros estímulos externos. A pessoa que tem a capacidade de conter

todo este excitamento e fornecer este suporte inicial é a mãe. O cuidado

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necessário para Klein se traduz num bom suporte, boas experiências,

alimentação adequada, amor e gratificação.

Já para Freud, o cuidado essencial é traduzido em compreensão; isto

é, além de tomar conta das necessidades básicas do bebê, a mãe ou a

pessoa que cuida do bebê deve compreender suas necessidades

emocionais, a fim de controlar seu excitamento e contê-lo. Para melhor

compreender a teoria de Freud e as necessidades do bebê, ou desejos, é

preciso compreender o processo primário. A teoria de Freud salienta que, no

início, a realidade psíquica infantil é composta de um mundo repleto de

objetos.

Entre estes objetos, o organismo ocupa um lugar importante, pois

atua e é guiado pelas necessidades: de fome, sede, evitação da dor e

desejo sexual. De acordo com Freud, o homem é guiado primeiramente pela

libido, ou seja, pela energia sexual. Esta força principal, básica, é chamada

"pulsão" (em lugar de instinto).

Jung amplifica esta noção do cuidado materno primordial e vai além,

colocando o cuidado materno com alto grau de importância e como a mais

significativa e memorável experiência que o homem pode ter durante sua

vida. No artigo intitulado "Tribute to the Mother Arcchetype" (Tributo ao

arquétipo materno), Jung dá ênfase ao amor e cuidado materno, traduzindo-

os como abrigo, um acolhimento de ser bem-vindo e por um longo silêncio

pelo qual tudo se inicia e no qual tudo termina.

Na sequência, nos argumentos extraídos dos estudos de Joel Birman,

aparece o amor como elemento indispensável ao cuidado do outro e de si,

no processo de desenvolvimento humano. Como bem coloca:

(...) a saúde mental é identificada com o sentimento

amoroso, tornando-se como paradigma o amor dos pais

aos filhos (...) o alienado mental seria um ser privado de

suas possibilidades amorosas. (Birman, 1978: 157).

Esta relação inicial de dependência do bebê discutida pela psicologia

anteriormente, pode–se pensar comparativamente na relação de uma

possível dependência do idoso na fase da velhice. A analogia em muitos

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casos feita entre a dependência inicial do bebê e a “final” do velho é

geralmente muito falada. A frase dita é a seguinte: “O velho volta a ser

criança”. Para o estabelecimento desta relação comparativa não se encontra

um número significativo de estudos na literatura, mas atualmente com o

aumento demandado pela longevidade, isto é, a possibilidade de se viver

muito tempo na fase da velhice, esta discussão começa a ser refletida. É

importante ressaltar que o velho jamais vira um infante, mas que pode, a

partir de uma repetição da relação de dependência (aparente). Há na velhice

a possibilidade de reviver o desamparo psíquico original. Discurso

reconhecido na psicogerontologia, ressaltado por Goldfarb:

Se pensarmos na origem da vida psíquica, podemos

observar que o bebê nasce em condição de grande

fragilidade, necessitando de um outro que o cuide, é

necessário que alguém o alimente, o proteja, senão ele

morre e o bebê deverá poder confiar nessa proteção. Esta

condição de recém-nascido, de ser desamparado e de

precisar dos cuidados de outro, deixará marcas e será

revivida cada vez que se apresentem situações de

sofrimento, necessidade, abandono. Com o desamparo

originário inaugura-se então uma modalidade de confiança

no vínculo, a confiança no fato de ser socorrido sempre que

se precisar. Assim, a situação de desamparo originário atua

como condição de estruturação psíquica que marca o

modelo vincular e a forma dos laços sociais. Desde o início

da vida ensaiam-se formas de relação com os outros dos

quais se vai depender em diferentes situações ao longo da

existência. Serão experiências de medo, confiança, prazer,

agressividade ou amor, dependendo da qualidade dos

cuidados que foram oferecidos ao bebê nessa primeira fase

de sua vida. Isto trará como reação, a necessidade e

produção de vínculos solidários que ofereçam apoio e

cuidados fundamentais sempre que a vida se apresente

ameaçadora, cada vez que ela nos confronta com aquilo

que sentimos que não podemos enfrentar em solidão. A

partir desta experiência, uma das maiores ameaças vitais

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será a fragilidade dos vínculos e o medo de perder o amor

do outro, o que deixa o ser humano no maior desamparo,

fragilizado, sem proteção ante uma série de perigos e

sofrimentos. (Goldfarb, 2006)

Na presente pesquisa a reflexão do cuidar de si passa pela

reflexão do retorno e ou possibilidade de voltar e reviver o desamparo

psíquico original. Mas a ideia é refletir sobre as outras possibilidades que

estão por vir, amparada nas ideias de Foucault, poder ultrapassar e

estimular uma reforma de pensamento em relação à velhice não comparada

somente à infância. Antecipando a discussão que se desenvolve nesta

dissertação com Foucault, é possível afirmar que na velhice o homem pode

vir a desfrutar de um apogeu. Para se chegar neste apogeu que movimento

se faz necessário? Com o auxílio das ideias de Foucault produz-se um novo

pensamento; a possibilidade de um indivíduo que se produz a cada instante,

um produtor de si mesmo, e não somente um reprodutor.

1.1 Foucault e o pensamento grego sobre o cuidar de si

Com a leitura da obra A Hermenêutica do Sujeito, de Foucault, dei-me

conta da forma cativante com que ele vislumbra a velhice e a elege como um

tema frequente e de substantiva relevância em suas reflexões, mesmo não

minimizando certas consequências desagradáveis que o envelhecimento

pode trazer. São considerações bastante realistas, como podemos perceber

neste trecho do autor:

(...) na cultura antiga, a velhice tem um valor, valor

tradicional e reconhecido, mas em certa medida, por assim

dizer, limitado, restrito, parcial. Velhice é sabedoria, mas

também fraqueza. Velhice é experiência adquirida, mas

também incapacidade de estar ativo na vida de todos os

dias... é também estado de fraqueza no qual se depende

dos outros. (Foucault, 2006: 134)

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O pensamento tradicional na cultura grega sobre a velhice é exposto

de forma respeitosa, realista, não exagerando uma perspectiva de futuro

otimista. Percebe-se que a dependência do idoso para com o jovem é

significativa. Desta forma, na Grécia, preconizava-se o cuidado de si como

sendo um trabalho necessário de uma vida toda. Como uma preparação

para ficar velho, e se houver de fato esta preparação, é possível que haja

uma recompensa, como se vê:

(...) a partir do momento em que o cuidado de si precisa ser

praticado durante a vida, principalmente na idade adulta, e

em que assume todas as dimensões e efeitos durante o

período da plena idade adulta, compreende-se bem que o

coroamento, a mais alta forma do cuidado de si, o momento

de sua recompensa, estará precisamente na velhice.

(Foucault, 2006: 134).

A ideia de expor o princípio cuidar de si como uma vocação universal

impeliu-me a alargar a acepção desse conceito. Estudando o pensamento

grego, Foucault busca descrever algumas importantes incursões sobre o

cuidar de si e os diferentes modos do cuidado.

Foucault busca no pensamento grego, em especial o Socrático, a

reflexão acerca do conceito de cuidar de si. Elege a famosa prescrição

délfica do “gnothi seauton” (Conhece-te a ti mesmo), como questão

fundadora das relações entre sujeito e verdade. Assim se detêm nas

relações existentes entre “gnothi seauton”, conhece-te a ti mesmo, e

“epimeleia heautou”, ou cuidado de si. Foucault constata que existe uma

relação complementar entre estes dois pressupostos; conhecer e cuidar,

considerando que para cuidar de si é preciso antes conhecer-se. A função

de Sócrates, que era confiada pelos deuses, era a de incitar, estimular os

outros a se ocuparem consigo mesmo, e a não descurarem de si. Sócrates

fica então com a função daquele que desperta. No livro A Hermenêutica do

Sujeito, há uma interessante comparação entre Sócrates e o tavão. Tavão é

um inseto, tal qual o aguilhão que pica os animais e os faz mover e correr:

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O cuidado de si é uma espécie de aguilhão que deve ser

implantado na carne dos homens, cravado na sua

existência, e constitui um princípio de agitação, um princípio

de movimento, um princípio de permanente inquietude no

curso da existência. (Foucault, 2006: 11)

Sócrates, na obra de Foucault, A Hermenêutica do Sujeito era

considerado o homem do cuidado de si, pois instigava os homens nas ruas:

“É preciso que cuideis de vós mesmos”. O cuidado de si na epimileia

heautou aparece fundamentando uma atitude filosófica na cultura grega,

helenística e também romana. Alguns autores principalmente Foucault

(2006) apontam Platão e Epicuro como importantes na discussão do cuidado

de si. O cuidar de si na visão dos epicuristas relacionava-se imediatamente

ao cuidado da alma; sendo assim, a Therapeuein era empregada.

Importa aqui observar que Therapeuein se refere a um verbo de

múltiplos valores, que diz respeito a cuidados médicos (uma espécie de

terapia da alma de conhecida importância para os epicuristas), mas

Therapeuein é também o serviço que um servidor presta a seu mestre, e

também ao serviço de culto, culto que se presta a uma divindade, ou a um

poder divino.

Este percurso da noção de cuidar de si teve início com a

personagem de Sócrates. Surgiu assim na Filosofia antiga e se estendeu até

o limiar do Cristianismo, quando se deu a espiritualidade alexandrina,

percebida nos escritos sobre Filón e a vida contemplativa.

No curso desta história, a noção do cuidado de si ampliou-se e suas

significações também se multiplicaram. Agregado ao tema cuidado de si,

visualizamos na história diferentes fases.

Primeiramente, o tema refere-se a uma atitude, uma forma de encarar

o mundo. Então, a epimileia heautou é uma atitude para consigo, para com

os outros, e para com o mundo.

Em segundo lugar, a epimeleia é uma forma de olhar, de atenção. O

cuidado de si é uma atitude de converter o olhar para si, estar atento ao

que se pensa e ao que se passa.

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Em terceiro lugar, além da atenção para si, o cuidado de si implica

sempre algumas ações que são exercidas de si para consigo, ações pelas

quais nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos

transfiguramos.

Assim, o tema Cuidado de Si tem uma formulação filosófica precoce

que vai desde o século V a.C. até os séculos IV e V d.C., percorrendo toda a

filosofia grega, helenística, romana, e a espiritualidade cristã. Vimos neste

percurso, o nascimento da história das práticas da subjetividade, como

Foucault sinaliza:

Com a noção de epimeléia heautou, temos todo um corpus

definindo uma maneira de ser, uma atitude, formas de

reflexão, práticas que constituem uma espécie de

fenômeno extremamente importante não somente na

história das representações e teorias, mas também na

história das práticas da subjetividade. (Foucault, 2006: 15)

Não só na Grécia Antiga, mas também em Roma, a ética do como

cuidar de si compreendia um conjunto de atitudes nomeadas como

exercícios de si e que também incluía posterior reflexão sobre estas

condutas. Exemplos destes comportamentos foram verificados com Epicteto,

um estóico, e em Sêneca e Marco Aurélio. Os romanos costumavam

também problematizar questões como a relação consigo mesmo, com a

amante, com a família, com os amigos, e com a responsabilidade individual

e histórica para com Roma. Um clássico exemplo que é citado diz respeito a

um costume de Marco Aurélio (imperador romano): enquanto comandava

exércitos e debatia com o Senado, costumava redigir cartas, contando

detalhes e minúcias de seus atos, assim como pensamentos e textos

escritos na forma de conselhos. Este era para Marco Aurélio um momento

especial para voltar-se para si mesmo. Podemos fazer uma comparação e

uma analogia com estudos atuais sobre esta técnica de escrita, com estudos

científicos recentes, validados por Pennebacker (1997), pesquisador do

Texas, que confirma o poder da escrita reflexiva e terapêutica, exemplificada

a seguir:

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Na última década um aumento no número de estudos tem

demonstrado que quando os indivíduos escrevem sobre

experiências emocionais, segue-se uma melhora

significativa em relação à saúde física e à saúde emocional.

O paradigma básico é que os achados estão sumarizados

com algumas condições de contorno. Apesar da redução da

inibição poder contribuir para abrir mudanças no fenômeno

de deslocamento cognitivo e processos linguísticos durante

as implicações de melhora de saúde previstas pela escrita

para a teoria e tratamento discutido. (de minha tradução).1

Com Alcebíades, general e político ateniense 450 a.C., a alma ganhou

lugar e tornou-se objeto do cuidar de si. A posteriori, na fase dos estóicos,

percorrer-se-ia o caminho da integração corpo-alma.

Na fase dos epicuristas, é o sistema filosófico ensinado por Epicuro

de Samos, filósofo ateniense do século IV a.C., juntamente com os estoicos,

o corpo reemergiria, adicionando a alma para o cuidar de si. A junção

corpo-alma, essa integração psico-corporal, é que vai constituir o centro do

cuidado. Sêneca, por seu turno, ocupa-se com a alma e com o próprio

corpo, surgindo daí uma nova ética da velhice, vista agora como um porto

seguro, um polo positivo ao qual se deve tender.

Deve-se viver para ser velho, pois é nessa fase que se encontrará a

tranquilidade, o abrigo, o gozo de si. A velhice ideal é a que fabricamos e

para a qual nos preparamos. Numa atitude entendida como a de desapego,

deveríamos consumar a vida antes da morte (Carta 32). Deve-se atingir a

saciedade perfeita e completa de si, havendo, pois, uma urgência em viver.

Valoriza Sêneca (4 a.C.- 65 d.C), escritor e intelectual do Império

Romano, a ideia de que se deve organizar a vida com vistas à velhice. E

uma das formas de organizar a vida é aprender o exercício da morte, que

1 “For the past decade, an increasing number of studies have demonstrated that when individuals write about emotional experiences, significant physical and mental health improvements follow. The basic paradigm and findings are summarized along with some boundary conditions. Although a reduction in inhibition may contribute to the disclosure phenomenon changes in basic cognitive and linguistic processes during writing predict better health Implications for theory and treatment are discussed.” (Pennebacker (1997: 162-6).

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nada mais é do que um exercício de meditação sobre a morte. A vida deve

ser vivida como se fosse este o derradeiro dia.

Sófocles (497 ou 496 a.C. - inverno de 406 ou 405 a.C.), dramaturgo

grego, ressignifica a velhice como o momento de coroamento do cuidar de

si. A velhice, nesse sentido, seria vista como um momento positivo, de

completude. Liberto dos desejos físicos e das ambições políticas e agraciado

pela experiência, o idoso tornar-se-á soberano de si, podendo satisfazer-se

inteiramente consigo próprio.

O idoso pôde, enfim, depositar em si toda a alegria, sem esperar

satisfação em mais nada, nem nos prazeres físicos, dos quais não é mais

capaz de desfrutar, nem nos prazeres da ambição.

A velhice deveria ser considerada uma meta positiva de existência.

Deve-se tender para a velhice e não se resignar em ter de afrontá-la.

Na cultura greco-latina, o cuidado de si jamais foi efetivamente

percebido, colocado, afirmado, validado para todo o indivíduo, qualquer que

fosse seu modo de vida. O cuidado de si nada mais seria do que a opção

por um modo de vida.

Claro está que somos seres relacionais e que, portanto, necessitamos

do outro para viver e sobreviver. O poder permeia as relações humanas,

familiares, políticas, pedagógicas; delas decorrem as mais variadas formas

de dominação e controle.

A liberação deve ser entendida, aqui, como condição política ou

histórica para a prática da liberdade. E a ética não é outra coisa senão a

prática refletida dessa liberdade.

O cuidado de si é representado, no mundo greco-latino, como o

modo pelo qual a liberdade do indivíduo, ou a liberdade cívica, foi pensada

enquanto ética.

Para os gregos, o conceito de liberdade já abarcava a ideia de

superar-se no sentido de dominar os desejos que arrebatam. A liberdade

individual era muito importante, tendo sido, na cultura antiga, durante oito

séculos, tema de preocupação; toda uma ética girou em torno do conceito

cuidar de si. Cuida-te de ti mesmo. Não é possível cuidar de si sem se

conhecer, como vimos anteriormente.

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Os gregos problematizavam a liberdade como uma questão ética. O

ethos, tomado como a maneira de ser do sujeito, é a maneira de se

conduzir as coisas. O ethos é traduzido pelos atos praticados, pela liberdade

concreta ao se portar, pelo modo de ser, de caminhar, pela calma de reagir;

enfim, pela capacidade de se responder aos acontecimentos da vida.

Logo, uma pessoa que apresenta um bom ethos é alguém que pratica

a liberdade pensada enquanto ethos. Liberdade, para os gregos, é a não

escravidão, liberdade é política. Ser livre significa não ser escravo de si

mesmo nem de seus apetites; é estabelecer uma relação de controle e de

domínio das próprias ações.

O cuidado de si é ético em si mesmo, mas implica relações

complexas com os outros, de forma que esse ethos da liberdade é, também,

uma forma de cuidar dos outros, incluindo, pois, a arte de governar. O

cuidado de si visa sempre ao bem dos outros, visa a administrar bem o

poder presente em qualquer relação.

O cuidado de si como ética ultrapassa a noção de dependência na

esfera física/biológica, pois não dá conta da questão relativa à liberdade na

relação com os outros.

1.2 Terapêuticas anti-envelhecimento & o Cuidar de Si

O tempo tem mostrado que o desejo de prolongar a vida é bastante

evidenciado no ser humano. Nos tempos mais remotos da nossa história, a

preocupação com o cuidar de si na velhice era viabilizada com terapêuticas

anti-envelhecimento, e ocorria de forma bastante experimental. Guimarães,

no Tratado de Geriatria e Gerontologia, faz um levantamento histórico

bastante interessante deste momento:

A prática conhecida por “Shunamatismo”, descrita no Velho

Testamento, foi imaginada por súditos do rei David, velho e

enfraquecido, como alternativa de trazer de volta calor ao

corpo do rei fragilizado. (Guimarães, 2002: 749)

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Acreditava-se que se colocasse uma jovem virgem dormindo ao lado

do rei, esta iria transferir energia e calor ao velho, como se fosse possível

usar do calor da jovem para auxiliar a circulação sanguínea do rei.

Da mesma forma, Aristóteles e Galeno acreditavam que todo o ser

humano nascia dotado de certa quantidade de calor interno, que se

dissiparia com o passar do tempo. Aristóteles pregava a necessidade de

desenvolver formas de manter esse calor.

Muitos poetas gregos escreveram acerca da longevidade. Um deles,

Hesíodo, acreditava existir uma raça dourada, constituída por pessoas que,

sem envelhecer, viviam centenas de anos e que, chegada sua hora, morriam

enquanto dormiam.

Vários rituais foram encontrados em relatos de culturas diversas. Um

dos mais conhecidos dizia respeito aos famosos banhos quentes, de ervas e

de leite, tomados pela rainha Cleópatra.

Objetivando a imortalidade e a perfeição, os alquimistas, na Idade

Média, pesquisavam poções mágicas e unguentos. Alguns anos atrás, Jean

Ponce Léon, um navegador espanhol, enlouqueceu ao tentar encontrar a

fonte da juventude e, por conseguinte, a vida eterna.

Há relatos que indicam que uma parcela das pessoas fazia uso da

fantasia para buscar a fonte da juventude. Alguns acreditavam que poderiam

encontrá-la em terras distantes, em rios caudalosos ou até mesmo nos

testículos de cães. Guimarães cita no artigo "Terapias anti-envelhecimento":

Em 1889, Charles Edouard Brown-Séquard, eminente

médico e fisiologista, relatou ter rejuvenescido e melhorado

sua saúde após se auto-injetar uma solução preparada com

testículos macerados de cães. (Guimarães, 2002: 749)

Com o tempo, esta terapia mostrou-se ineficiente, mas foi largamente

comercializada e utilizada. Muitos outros estudos vieram na sequência tentar

entender como se dava o processo de envelhecer, caso de Jean M. Charcot,

que elaborou o primeiro trabalho científico sobre a velhice. Ele não se

preocupava com os estudos da imortalidade, mas com a compreensão das

causas e efeitos do processo de envelhecimento. E depois dele, muitos

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outros também se preocuparam com o envelhecimento e as formas de

manter-se jovem.

Ilya Ilych Metchnikov, cientista russo, recebeu, em 1908, o Prêmio

Nobel de Medicina, devido a uma importante pesquisa, segundo a qual

acreditava ser o processo de envelhecimento o resultado do veneno

produzido no intestino grosso pela deterioração dos alimentos. Com o intuito

de limpar e esterilizar o intestino, preconizava o uso regular do leite, do

iogurte e de laxantes.

Pesquisas revelam e garantem a longevidade; todavia, o homem

continua a buscar a juventude eterna, a beleza e o corpo ‘sarado’, tentando

concretizar, pois, o mito da imortalidade ou da beleza eterna, assim como as

ninfas, que, mesmo não sendo imortais, mantinham-se jovens até a morte.

1.3 O nascimento da Terapêutica do cuidado

Como se estabeleceu a terapia deste cuidado? Filón de Alexandria,

filósofo judeo-helenista (13-54 a.C.) descreve uma comunidade de

“terapeutas” que cultivava o cuidado de si através de práticas culturais,

intelectuais e médicas. O registro psíquico não é dissociado do resto da vida.

O homem, nessa época, era visto como ser total, isto é, uma

totalidade, que compreendia corpo, alma e espírito. Os terapeutas

acreditavam que era a natureza quem cuidava. Cuidar do que não é doente

em nós, do ser, do sopro que nos habita e inspira. Leloup expande o cuidar

de forma holística e ampla em suas reflexões:

Também cuidar do corpo, templo do espírito, cuidar do

desejo, reorientando-o para o essencial, cuidar do

imaginável, das grandes imagens arquetípicas que

estruturam a nossa consciência e cuidar do outro, o serviço

à comunidade, implicando o próprio centramento do ser.

(Leloup,1993: 9)

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É muito interessante também a expressão do cuidar percebida por

Filón, em Platão. Ele apresenta o termo Therapeutes, como tendo dois

sentidos: “servir, cuidar, render culto” e “tratar, sarar”. Já em Górgias, no

início de sua carreira, Platão qualifica o cozinheiro, um tecelão como

therapeutes somatos, aquele que cuida do corpo, pois tudo o que está no

nosso prato é nosso melhor remédio.

Os terapeutas, no tempo de Filón de Alexandria, dirigiam sua atenção

e prestavam o cuidado para estes quatro elementos que formavam um

quartênio: o corpo, o imaginável, o desejo e o outro. Qualificação muito

pertinente, se pensarmos que o corpo representa nossa fisiologia, o

imaginável e o desejo; nossa mente, psique e alma, e o outro, nosso mundo,

nosso ambiente. Há uma força enorme, globalizante, nesta abordagem

terapêutica.

Reforço a ideia do outro. Somos seres relacionais, seres da cultura.

Considera também a existência do cuidado do corpo e da alma acontecendo

juntos, não dispensando a dimensão ontológica e espiritual do homem,

exemplificado muito bem neste trecho de Leloup:

(...) cuidar do corpo de alguém é prestar atenção ao sopro

que o anima... a doença e a morte se achavam ligadas a

uma perda ou falta de ar (sopro). (Leloup,1993: 98)

Para Campbell, em O poder do Mito (1990), existe uma grande

familiaridade com esta forma de pensar, a qual considera igualmente a alma

e o espírito parte importante a ser cuidada, e com possibilidade de ser

ressignificada:

Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a

vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos

procurando é uma experiência de estarmos vivos, de modo

que nossas experiências de vida, no plano puramente

físico, tenham ressonância no interior de nosso ser e da

nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente

sintamos o enlevo de estarmos vivos. (p. 33)

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Martins denomina currículo, o instrumento-guia para a trajetória a ser

vivida pelo humano na produção de cultura. Em suas palavras:

... currículo se mostra como a trajetória a ser percorrida para

que sejamos nós mesmos ou possamos cuidar do outro

para que seja ele próprio e descubramos, no estar-com,

uma trajetória não ambígua. Isto é possível pela iluminação

do caminho a seguir juntamente com uma crença na própria

capacidade que o sujeito tem para fazer, construir, habitar o

próprio mundo onde já está sempre habitando, construindo,

fazendo. (Martins,1992: 1)

A noção de cuidado, explicitada por Martins, inclui a urgência em

expressar todos os nossos talentos; afirma este autor:

A ideia de Currículo para a fenomenologia envolve o

reconhecimento de uma primazia própria ao humano, a de

desenvolver talentos e capacidades que se fundamentam na

liberdade de agir... entre os deveres que o homem tem para

consigo está o “cuidado” (sorge), que significa um zelo em

não permitir que os seus talentos permaneçam emperrados,

de forma oxidada, ou seja, que não venham a se expressar.

Deverá zelar, ainda, para que a partir do conhecimento e

dos sentimentos sejam tomadas atitudes que como um todo

deverão influir harmoniosamente para a abertura do Ser em

sua plenitude. (Martins, 1992: 75)

Enquanto seres viventes, podemos cuidar de nós mesmos, aliás,

devemos ter em mente o cuidar de si. E o cuidar de si é, a meu ver, mais

que apenas uma responsabilidade pessoal, é um respeito social, ao outro,

aos que nos cercam, à comunidade, ao mundo que habitamos, pois ao

cuidar de si abrem-se possibilidades de que o cuidado leve à felicidade e a

felicidade leve à harmonia, à paz e ao amor.

A felicidade, a harmonia, a paz e o amor não duram eternamente,

somente duram enquanto permanece a vida dos indivíduos que é finita.

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Somos finitos e, um dia, todos nós iremos perecer, independente de

onde, quanto e como nos cuidamos. Portanto, há de se edificar a vida e

celebrá-la no cuidado, e também seus desmembramentos, com alegria e

coragem. Tudo se transforma, e a metamorfose final é nossa morte. Como

afirma Beauvoir:

(...) é uma verdade empírica e universal que, a partir de um

certo número de anos, o organismo humano sofre uma

involução. O processo é inelutável. Ao cabo de um certo

tempo, ele acarreta uma redução das atividades do

indivíduo; com muita frequência, uma diminuição das

faculdades mentais e uma mudança de atitude com relação

ao mundo (Beauvoir,1970: 659)

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CAPÍTULO II

METODOLOGIA

A abordagem da presente pesquisa é de natureza qualitativa. A

escolha de tal abordagem se justifica por possibilitar o respeito e

consideração da individualidade do sujeito entrevistado quanto a suas

características interpretativas de significar a velhice e o cuidar de si. Como

salienta Turato:

(...) no contexto da metodologia qualitativa aplicada à saúde,

emprega-se a concepção trazida das Ciências Humanas,

segundo a qual não se busca estudar o fenômeno em si,

mas entender seu significado individual ou coletivo para a

vida das pessoas. (2005: 509)

A entrevista tem-se mostrado um ótimo recurso no sentido de se

compreender a subjetividade dos entrevistados, suas concepções e

representações. Enquanto estratégia de investigação, utilizei entrevistas

semi-estruturadas, baseadas em cinco questões, dirigidas como perguntas

abertas a cada um dos sujeitos entrevistados.

Abaixo, apresenta-se o roteiro com as cinco questões:

1- Qual é a sua visão do cuidar de si no contexto do envelhecimento (a

partir dos 60 anos)?

2- Para você, o significado do conceito cuidar de si na velhice (60

anos), difere do da juventude?

3- Além de cuidar do corpo físico, qual o denominador que você acredita

ser importante para o cuidar de si.

4- Você pratica o auto-cuidado?

5- O que deve ser considerado num projeto de prevenção relacionado

ao cuidar de si?

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Cabe aqui mencionar qual a problematização que norteia o texto, que

é: saber qual a visão do cuidar de si dos profissionais que atuam e/ou

trabalham com o envelhecimento. Esta problemática tem como objetivos:

(i) Buscar os significados do conceito cuidar de si, relatado por diferentes

profissionais com olhar direcionado ao envelhecimento.

(ii) Verificar como se dá o auto-cuidado realizado pelo profissional que

trabalha com o envelhecimento.

(iii) Identificar e caracterizar projetos de prevenção ligados ao cuidar de si,

dentro da esfera de trabalho dos profissionais entrevistados.

Cabe ainda aqui explicitar, no que se refere ao papel do

entrevistador, que deve direcionar a pergunta de modo a não influenciar a

resposta. A antropóloga Minayo afirma:

(...) a pesquisa qualitativa responde a questões muito

particulares. Ela se preocupa, nas Ciências Sociais, com

um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou

seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde

a um espaço mais profundo das relações, dos processos e

dos fenômenos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis. (Minayo, 2003: 21)

Foram entrevistados neste estudo dez profissionais ligados à questão

do processo do envelhecimento e da velhice. A ideia de entrevistar o número

de dez sujeitos foi com o intuito de incluir uma diversidade de profissionais

da área de Gerontologia que estudam e ou trabalham com a temática do

envelhecimento e a velhice há pelo menos cinco anos.

Para se obter uma compreensão interdisciplinar sobre o cuidar de si,

incluí diferentes profissionais envolvidos com o estudo e/ou com o

envelhecimento: médico-geriatra, assistente social, psicólogo, sociólogo,

antropólogo, administrador e pesquisador de mercado. No início foram

contatados profissionais de diferentes áreas, mas me confrontei com

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imprevistos de várias ordens, e uma delas foi a disponibilidade de tempo dos

sujeitos.

Perfil dos Entrevistados 1- Fraiman, A. - Psicóloga/ Doutora Ciências Sociais pela PUC-SP 2- Tótora, S. - Cientista Política, Professora / Doutora Ciências Sociais pela

PUC-SP 3- Concone, M.H.V.B. - Antropóloga /Professora/ Doutora Ciências Sociais

PUC-SP 4- Papaléo Neto - Médico-Geriatra/Doutor 5- Goretti, M. - Assistente Social /Doutora Serviço Social por onde?

Hospital Servidor Público-SP 6- Paschoal, S. - Médico Geriatra / Doutor Hospital das Clínicas-SP 7- Sodré, R. - Psicóloga /Especialização Gerontologia Sedes /SESC-SP 8- Castro, S. - Previdência Privada Bradesco Previdência 9- Urris, E. - Pesquisador/ Diretor do CRI-SP 10- Dutra, N. - Assistente Social /Doutoranda Unifesp-SP

A idade dos entrevistados varia de 50 a 81 anos, e dentre eles seis

são do gênero feminino e 4 do masculino.

Quanto às profissões dos entrevistados, tem-se o seguinte: Administrador: 1 Antropóloga: 1 Assistente Social: 2 Cientista Social: 1 Pesquisador: 1 Psicóloga: 2 Médico: 2

Estes profissionais foram escolhidos por indicação de professores da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da Universidade

Federal-Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e, por meio de meus contatos

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e conhecimento, levando-se em conta não só o seu reconhecimento, mas

também a sua projeção acadêmica, sua disponibilidade de tempo, seu

envolvimento como pesquisadores e estudiosos na temática da velhice.

Os profissionais foram contatados, inicialmente, por telefone, ou

pessoalmente, pelo próprio pesquisador, ocasião em que foram informados

sobre o objetivo e a relevância da pesquisa. Nesse momento, esclarecia-se

aos sujeitos pesquisados que a entrevista seria filmada e gravada e que um

termo de consentimento deveria ser assinado pelo entrevistado, autorizando

a veiculação de nome e de imagem de cada um.

Foi marcado, então, um encontro para a realização da entrevista,

levando-se em conta o local e o horário conveniente para o entrevistado.

Cabe ressaltar que em média as entrevistas duraram uma hora e

trinta minutos. A escolha por filmar as entrevistas foi feita para garantir uma

maior fidedignidade do conteúdo dos depoimentos e para que não se

cometessem deslizes e/ou lapsos, o que é previsível em uma entrevista na

qual não se disponha de tal recurso.

Abarquemos e amemos a velhice: é cheia de prazeres, se

sabermos fazer uso dela. Agradabilíssimos são os frutos de

fim de estação; a infância é mais bela quando está por

terminar; o último gole de vinho é o mais agradável aos que

gostam de beber, aquele que entorpece, que dá à

embriaguez o impulso final.

(Sêneca. Aprendendo a viver, 2008: 21)

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CAPÍTULO III

O CUIDAR DE SI REPRESENTAÇÕES

Neste capítulo apresentamos as falas dos sujeitos entrevistados, isto

é, como eles interpretam as questões propostas no roteiro de entrevistas. A

questão que inicia a entrevista diz respeito ao cuidar de si, especificamente

levando em conta a visão pessoal do sujeito entrevistado sobre o cuidar de

si.

Para a entrevistada Fraiman, o cuidar de si comporta duas

importantes dimensões: a primeira delas de natureza material e, a segunda

expressa a dimensão espiritual:

Eu preciso aprender a viver bem entre os homens. Não

adianta nada eu ter as minhas ideias do plano de vista

espiritual se eu não viver, se eu não souber amar, se eu não

souber usufruir do amor que estas pessoas sentem por

mim... eu não perco tempo em ficar atrás de gente que não

quer se entender comigo, que não quer saber de mim. Pode

até me doer, mas eu não me desperdiço neste sentido. Não

me forçar a fazer coisas, me respeitar, pedir ajuda quando

necessário. (Fraiman)

Como apontamos acima, a dimensão material e espiritual na fala da

entrevistada Fraiman, ambas as dimensõs estão vinculadas à ação prática e

à autonomia. Na mesma linha de raciocínio de Fraiman, tem-se Goretti que

aponta a importância da autonomia e liberdade como ingredientes

importantes para o cuidar de si:

(...) é muito importante que a gente tenha autonomia, e que

a gente tenha a capacidade de cuidar da gente mesmo.

Então o que eu imagino para minha vida é poder cuidar tão

bem dela agora que depois dos 60, 70... talvez até depois

dos 80 anos, o mesmo eu possa ver, eu consiga cuidar de

mim mesma. (Goretti)

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Observa-se que, para as entrevistadas acima, a autonomia aparece

como forma de cuidado; isto é, a liberdade para escolher, e construir, o que

fazer e onde fazer, com quem fazer, e como fazer. Neste sentido encontra-

se afinidade com as idéias de Gadamer (1983), onde este se refere à Práxis

Aristotélica, como preceito de livre escolha para a melhor realização da vida,

uma vida realizada de uma determinada maneira, isto é, com prohairesis, ou

capacidade de escolha prévia; capacidade de escolher e negociar livremente

diante de diferentes possibilidades apresentadas na vida. O livre-arbítrio, ou

seja, a liberdade de escolher é enaltecida e pronunciada como algo de muita

importância. Também Viktor Frankl assimila a ideia de liberdade com

direção:

O ser humano não precisa de um estado livre de tensão,

mas antes da busca e da luta por um objetivo que valha a

pena, uma tarefa escolhida livremente. (Carmello, 2007: 25).

Relacionada a esta noção de cuidar de si como um ato de liberdade,

Tótora sinaliza que nem sempre no processo de vida, de construção da

subjetividade, o cuidar de si é uma tarefa fácil:

... não se entende o cuidado de si como uma coisa muito

fácil, tranquila, mas é um longo processo de luta...

Pensando neste processo de luta e de aprendizagem, pode-se

entender que as escolhas, opções, que muitas vezes somos levados a fazer,

requerem também trabalho. Este trabalho é resultante de experiência de

uma vida toda, inclusive da vivência subjetiva do amor. Voltando a Fraiman,

vê-se que a mesma acredita que o amor é fonte de saúde; e valoriza a

vivência do amor, sendo tão ou mais importante quanto os cuidados com os

aspectos fíisicos biólogicos e relacionais. Conforme suas palavras:

Então eu acho que a partir desta idade mais velha mesmo,

cuidar de si é dar muito valor as manifestações deste amor.

Seja o meu amor pelo outro, seja o amor do outro por mim, ou

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seja, eu não perco tempo em ficar atrás de gente que não

quer se entender comigo, que não quer saber de mim. Pode

até me doer, mas eu não me desperdiço neste sentido. E por

outro lado, me dedico bastante, me sinto muito grata e muito

bem cuidada quando encontro pessoas com quem eu me

afino bem. Isto faz com que me sinta muito melhor na minha

vida, é um cuidado que eu aplico. (Fraiman)

Já a entrevistada Dutra, concorda que o cuidar de si é um conceito

amplo, mas não consegue traduzi-lo em atitudes e ações específicas que

possam ser desenvolvidas no cotidiano. A entrevistada acaba generalizando:

(...) este conceito é muito amplo; acho que vai desde a

questão do próprio físico, enquanto você se cuida enquanto

cuidar de si, da gente de uma maneira geral. A questão

espiritual, as questões das relações sociais, é uma coisa bem

ampla.

Deve-se lembrar que estamos sempre envelhecendo, não ficamos

velhos de repente. Nascemos, vivemos e morremos. De acordo com

Heidegger: “Nós nascemos morrendo”. O envelhecimento ocorre como um

processo, um longo processo de vida, onde nascemos, crescemos,

amadurecemos, envelhecemos e morremos. Está é a evolução natural da

vida. Tótora, debruçada nos pensamentos dos filósofos gregos, em especial

Sêneca, chama a atenção para que se veja e entenda o envelhecimento como

um processo ao longo da vida. E, segundo Tótora, este cuidado de si está

relacionado com este processo da vida, que nada mais é que um processo de

construção da subjetividade, a produção de um sujeito. Velhice vista como um

coroamento de um modo de vida de cuidado. Neste sentido ela amplia estes

pensamentos ao falar:

Então a velhice passaria a ser um momento afirmativo,

positivo, todo o sentimento diferente da sociedade nossa

contemporânea, ou atual, onde a velhice é valorizada como

um coroamento, e um gozo praticamente de si em relação

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que este cuidado tem a ver com a produção dessa

subjetividade... que é uma coisa não só interna, psicológica,

... tem a ver também com as relações sociais, com as

relações com o mundo. (Tótora)

Tótora remete-nos à Foucault, que relaciona a velhice como um

momento privilegiado da existência, desde que cultivado o cuidado de si no

seu transcurso de vida:

O idoso é, portanto, aquele que se apraz consigo, e a

velhice, quando bem preparada por uma longa prática de si,

é o ponto em que o eu, como diz Sêneca, finalmente atingiu

a si mesmo, reencontrou-se, e em que se tem para consigo

uma relação acabada e completa, de domínio e de

satisfação ao mesmo tempo... A velhice deve ser

considerada... como uma meta, e uma meta positiva da

existência. (Foucault, 2006: 135)

Relacionando a velhice também ao coroamento de toda uma

existência, como um privilégio de ter chegado lá, Tótora recoloca a velhice

como um momento positivo de vida, tal qual Foucault relembra as palavras

de Sêneca:

Deve-se viver para ser velho, pois é então que se

encontrará a tranquilidade, o abrigo, o gozo de si. (Foucault,

2006: 136)

Na sequência Foucault enaltece o élan vital, a vontade, de viver cada

instante:

Devemos consumar a vida antes da morte... deve-se sentir a

saciedade perfeita de si. (relembrando Sêneca, Foucault,

2006: 13)

Concomitantemente, este princípio encontra ressonância dentre os

nove princípios orientadores e organizadores de práticas do cuidar de si

elaboradas por Heidegger (Ayres, 2004), onde o princípio do Movimento, diz

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que nossa identidade não é imutável, ela vai sendo construída durante a

vida. E nesta construção, mudanças ocorrem, e assim deve-se adaptar. Na

pesquisa, as entrevistadas; Tótora e Goretti acabam corroborando de certa

forma com este princípio. Tótora corrobora quando fala do cuidar de si como

um processo, um longo processo de construção de subjetividade. Goretti

quando se mostra como uma pessoa realista, ao aceitar as mudanças que

ocorrem na vida e também nos novos arranjos familiares possíveis. Abaixo

trecho da entrevista de Goretti:

...a tendência é que eu more sozinha daqui a alguns poucos

anos, os filhos estão crescendo cada um vai ter a sua vida.

Eu não pretendo ter aquele filho comigo até o fim da vida,

não é o esperado. O esperado é que eles cuidem de si

próprios, criem as suas famílias, que a gente tenha um

espaço de convivência boa, feliz, harmônica, mas a ideia

que eu tenho da minha própria vida é que eu vou ter que

cuidar de mim mesmo. (Goretti)

Pensando no movimento constante da vida, e também na evolução e

desenvolvimento tecnológico, e na saída da mulher para o mercado de

trabalho tem-se como consequência a mulher no mundo público. Há a

emergência de uma nova família: menor, composta de marido mulher e

filhos onde a figura do idoso não é mais tão comum. Em outros termos, o

envelhecer na atualidade, marca um novo arranjo familiar em que a prole é a

grande prioridade do núcleo familiar adulto que é responsável pelos

cuidados relativos a educação, alimentação, e o idoso fica em segundo

plano neste mesmo núcleo. As famílias são outras, a maioria das mulheres

não são sómente empreendedoras do lar, são empreendedoras também do

mundo público, pelo fato de estarem participando cada vez mais do mercado

de trabalho. Já quase inexiste a família que acolhe o idoso, e o inclui na

mesma rotina em que estão incluídos seus filhos e netos na mesma casa.

Esta família composta de marido, mulher, filhos, netos, avós, idealizada para

alguns cedeu lugar a modernos e inovadores espaços. Exemplos destes

espaços são: Centros de Convivência, Repúblicas, ILPIS, Centros de

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Referência de Idosos e seus arranjos diferenciados. Uma parcela

significativa de adultos hoje se projeta no futuro como um velho dinâmico,

produtivo, emprendedor, e até estudando, se experimentando em novas

profissões e ou esportes como idoso ativo. Os espaços são outros, assim

como os arranjos, e as várias possibilidades de envelhecer em atividade e

produzindo. As possibilidades são muitas e tão diversos quanto às diversas

velhices existentes. Apesar de que não se poder generalizar a velhice, e os

modos de vida da velhice, percebe-se que o momento atual é um momento

de transição, onde se nota também que a autonomia do idoso será cada

vez mais presente e necessária. A entrevistada Goretti já sinaliza

prenúncios destas mudanças onde concebe posturas modernas,

vizualizando novos arranjos possíveis para sua velhice conforme citado

acima.

Contracenando com esta realidade, existem panoramas diversos e

totalmente diferentes destes atuais que dizem respeito diferente do nosso

contexto brasileiro metropolitano de São Paulo, onde a pesquisa foi

realizada. Por exemplo, ainda existem diferentes culturas e diferentes povos

que cultuam seus velhos. Um exemplo disto, de outros povos, está citado no

livro de Simone de Beauvoir, quando ela fala de um povo em especial; os

miaos (povos de florestas e matas da China e Tailândia), onde os filhos

permaneciam em suas casas até os 30 anos, escutando e respeitando os

conselhos dos idosos que assumem as rédeas e dão ordens na vida familiar,

os arranjos atuais familiares não reservam lugar aos idosos com a mesma

frequência de algumas dezenas de anos atrás, por exemplo, como esta tribo.

A solidão já aparece no imaginário social como uma das tendências

observadas para o futuro. Fato este, citado na fala da entrevistada Goretti

ao repensar seu futuro:

Provavelmente eu vou morar só nos próximos anos.

Provavelmente eu vou ter que organizar a minha vida, eles

vão me ajudar, mas eu não imagino que seja uma coisa tão

cotidiana não. Quando eu me imagino cuidando de mim

mesma com mais de 60 anos ou a partir dos meus 60 anos

eu me imagino até ainda podendo trabalhar, podendo

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estudar. Eu entendo que eu vou ter um ritmo de vida mais

suave do que eu estou tendo hoje. Eu espero que isto me

aconteça de fato. (Goretti)

Já o entrevistado Castro, jornalista, tem uma agenda bastante agitada

e repleta de compromissos. Acostumou-se com este movimento diário e gosta

deste vai e vem, desta atividade efusiva e ocupada, mas também acha

importante procurar atingir um certo equilíbrio, em que, apesar de despender

muitas horas trabalhando, considera importante balancear os outros aspectos

de sua vida como família, atividades físicas, lazer, e vida social:

Prá mim hoje em dia, cuidar de si éH éH ter equilíbrio entre

as várias atividades que você tem na sua vida. É no setor

profissional, físico, relacionamentos etc. Então eu acho que eu

tenho esta visão hoje em dia, cuidar de si é ter equilíbrio entre

todas estas coisasH ahH se preocupando com que a gente

vai ter no futuro. (Castro)

Aliada a esta tendência da família moderna, é importante cultivar a

autonomia ao longo da vida. Poder executar as atividades da vida diária é

uma grande benção, vista como um sinal de necessidade para

independência e liberdade. Manter as atividades da vida diária favorecem

não só a autonomia como bem estar emocional. Assim elucida Papaléo:

(...) eu sou uma pessoa totalmente independente, certo? Eu

vejo isto além destas atividades, uma visão muito mais

ampla desta pergunta, que é o seguinte eu tenho uma visão

da importância, da importância do... da importância de se

tentar atingir um envelhecimento saudável, ou bem

sucedido...

De um outro ponto de vista, na verdade oposto ao que acima foi

colocado, tem-se a ideia de que se você não possui independência, não vai

ter muita liberdade de escolha. Muitas vezes o idoso se torna tão

dependente que vai para onde o levam, tal qual um boneco. A doença de

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Alzheimer, as demências em geral e outras doenças incapacitantes acabam

quase que inibindo, dificultando as possibilidades de viver uma velhice

saudável, digna, ou com cuidados. O idoso doente vira um problema, para

ele, para a família, para o estado e para a sociedade, conforme diz Urris:

Você é um problema a ser cuidado por outros. Por mais que

você queira cuidar de si, você já não consegue mais. Você

passou por etapas de crescimento, de valores mais fortes e

de repente você vê, vê-se um idoso ativo ou inativo, e aí

você passa a depender de outros, da família, da assistência

social e... de outros, enfim fora da família, da sociedade, e

você então torna-se um problema para todos na verdade e

para si mesmo.

Do ponto de vista material, Fraiman afirma a importância de uma vida

disciplinada. Ter disciplina: sono, alimentação, habitação, cuidar do dinheiro,

ter prazer em escolher seus hobbies, e autonomia para decidir o que fazer:

No meu entender, cuidar de mim mesma pode ser ler um

bom livro, respeitar o meu cansaço, respeitar a minha fome,

dizer não quando eu não quero dividir as coisas.

Também nesta linha Paschoal viabiliza a inclusão de vários aspectos a

serem cuidados:

A questão dos cuidados abrange diversos fatores muitas

vezes a maneira de cuidar vai ser multifatorial né? ...e o cuidar

em todas as dimensões da nossa vida. É o cuidar nas minhas

questões físicas, mas também no meu lado psicológico, é o

cuidar de mim nas minhas questões sociais. Eu preciso, por

exemplo, na minha condição física, controlar as doenças que

forem aparecendo. Se precisar de remédio, saber tomar com

responsabilidade os remédios; na dose certa, no horário certo,

se for necessário fazer exames periódicos, fazer questão da

prevenção de algumas outras complicações que poderiam

surgir etc.

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Minayo mostra o conceito de Saúde dentro da perspectiva das

resoluções da VIII Conferência Nacional de Saúde, a qual em 1986 se

apresenta também de forma abrangente, onde a definição utilizada para a

Saúde descentraliza-se do campo puramente biológico, o mesmo que ocorre

com a conceituação do cuidar de si pelos entrevistados:

Em sentido mais abrangente, a Saúde é o resultante das

condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio

ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,

acesso à posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É

assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização

social da produção, as quais podem gerar grandes

desigualdades nos níveis de vida. (Minayo, 1986: 10)

Paschoal considera esta ampliação do conceito do cuidar de si

bastante pertinente, em suas palavras:

Do ponto de vista psicológico, a questão da auto-estima, como

é que eu lido com as relações, com as pessoas, a parte

sexual, tudo isto é fundamental. Do ponto de vista social, qual

é o papel que eu tenho. Eu tenho de cuidar para que eu não

perca este papel. Para que as relações sociais e as atividades

sociais sejam cada vez mais intensas e estendidas.

Na mesma perspectiva, Minayo esclarece:

(...) se a doença é ausência da saúde, a saúde não é apenas

ausência de doença. Ela significa um estado de satisfação e

de bem-estar que engloba o conjunto de suas condições de

vida, aspirações e relações sociais. (1986: 19)

Paschoal considera que o sucesso das atitudes do cuidar de si

durante o processo de envelhecimento visa a garantir uma melhor qualidade

de vida associada a uma responsabilidade pessoal, em primeiro lugar,

conforme cita:

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50

Como aumentar minha rede social de apoio ou de

relacionamento? Isto tudo é fundamental, e depende de uma

atitude ativa minha, cuidando para que estas coisas não se

percam, não diminuam. E se houver algum prejuízo, que este

prejuízo seja revertido. Então o cuidar de si no

envelhecimento é algo extremamente fundamental, vai me

garantir saúde e qualidade de vida.

Consoante Paschoal, o médico psicossomatista Danilo Perestrello

também fala desta responsabilidade pessoal que cada indivíduo tem em

trabalhar por sua saúde. Nas palavras de Perestrello temos:

A sobrevivência da vida e da espécie dependem da

capacidade de luta de cada qual. A saúde da mesma forma é

uma tarefa e não um dom natural. Compete a cada espécie, a

cada indivíduo, manter-se (...) somos donos de nossa saúde,

de nossa doença e de nossa sobrevivência. (Perestrello,

1996: XXVIII)

A visão colhida com os entrevistados evidencia que o cuidar de si é

um conceito plural, em que a diversidade de ações imbuídas no conceito de

cuidado compreende a inclusão de diferentes ações práticas e também do

desenvolvimento da subjetividade. Durante a pesquisa notaram-se respostas

semelhantes neste sentido quanto à questão: “Qual sua visão do cuidar de

si?”, dirigida aos entrevistados.

Dos dez sujeitos entrevistados, oito consideram o cuidar de si um

conceito que não prioriza uma única esfera da vida, mas que abrange

diferentes aspectos. Dentre eles, os aspectos físicos, espiritual/emocional, e

social. Vale a pena ressaltar que os motivos alegados: saúde, autonomia,

liberdade, relações sociais foram citados e sua priorização variou de pessoa

para pessoa, e assim sendo a diversidade, a heterogenidade se

manifestaram.

Três dos dez sujeitos revelam ter a noção da importância de cuidar

de si, mas se julgam displicentes, e/ou com dificuldades para praticar o

cuidar de si, alegando problemas diversos.

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Três sujeitos consideram o cuidar de si como um processo. Um

processo em construção; um processo que se inicia desde o momento em

que se nasce, e que só finaliza com a morte. Para estas pessoas, o cuidar

de si tem a ver com autonomia, isto é, com a liberdade de escolha, de vida e

até de escolha de morte (caso referido aos cuidados paliativos).

Somente um dos entrevistados afirmou enfaticamente que cuida de si

com muita prudência e regularidade, isto é, segue prontamente os preceitos

que sugere aos seus pacientes de como se cuidar. Pode-se observar que os

entrevistados concebem o cuidar de si, como um conceito amplo, isto é,

que abrange o cuidado nos diferentes aspectos, nas diversas dimensões da

vida, mencionadas como sendo físicas, emocional/espiritual/religiosa, social,

e ambiental. Dentro desta visão ampliada, percebe-se espaço para acolher o

novo: as inovações, as mudanças, a transição de modos de viver a velhice,

são mencionadas, e repensadas como situações a serem levadas em

consideração, pois são resultantes de um novo momento. Faz-se notório

observar que aspectos subjetivos ganham realce neste momento, tais como:

liberdade, autonomia, vivências relacionais de amor e de amizade aparecem

como aspectos relevantes e considerados importantes dentro da perspectiva

do cuidado.

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“O defeito maior da vida é ela não ter nada de completo e

acabado, e o fato de sempre deixarmos algo para depois.

Aquele que sabe levar sua vida no dia a dia não precisa do

tempo... portanto, trata de viver cada dia como se fosse uma

vida inteira”. (Sêneca, 2008: 116)

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CAPÍTULO IV

CUIDAR DE SI NA JUVENTUDE X CUIDAR DE SI NA VELHICE

“Com o passar do tempo, nos transformamos, mas continuamos os mesmos.”

A frase acima foi explicitada em aula da professora Dr.ª Suzana

Medeiros quando da discussão do texto “Não somos Cronos somos Kairós”,

do professor Dr. Joel Martins.

Hillman desenvolve o mesmo pensamento de Medeiros quando se

indaga:

Mas o que significa “o mesmo”? Eu mudei tanto e estou tão

diferente, no entanto, apesar de todas as mudanças, alguma

coisa continua a me assegurar que sou eu mesmo. Poderia

perder minha identidade social, minha configuração física e

minha história pessoal, no entanto alguma coisa

permanecerá a mesma, ultrapassando essas vicissitudes

radicais; o caráter é esse cerne que não se altera. (Hillman,

2001: 35)

Para Medeiros, um bom exemplo que esclarece este

pensamento sobre a passagem do tempo; é a metamorfose da larva, quando

esta toma forma da crisálida, e se transforma em uma linda borboleta. Esta

mesma professora reitera que durante as transformações que sofremos

vamos construindo a vida, agregando na mais recente forma – no caso do

exemplo a borboleta as anteriores larva, crisálida, portanto permanecemos

os mesmos. Para ela, esta é a riqueza, esta é a grande sabedoria; a

qualidade que nos apoia enquanto seres humanos nas tomadas de decisões

para as nossas escolhas. O mesmo pensamento, observamos em Hillman, o

qual chama a atenção para que não consolidemos nossa existência

subjugada somente à fisiologia, e na velhice que drasticamente a governa.

É preciso ir além; ir ao encontro da alma; e é a ideia do caráter que devemos

ser subjugados. Assim de acordo com Hillman:

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Envelhecer destextualiza a biologia exatamente quando

estamos mais escravizados por ela. A velhice permite uma

segunda leitura... no meu entender, essas coisas significam

que a perspectiva psicológica vem em primeiro lugar, que o

território básico do ser moveu-se para a alma.O modo como

envelhecemos, os padrões que executamos regularmente e

o estilo da nossa imagem mostram o caráter em

funcionamento. Assim como o caráter dirige o

envelhecimento, o envelhecimento revela o caráter.

(Hillman, 2001: 15)

Ao trabalhar a questão: O significado do conceito cuidar de si na

velhice (60 anos +), difere ao da juventude?, com meus entrevistados,

pude perceber que apesar de não considerar a idade como um marcador

cronológico pontual, isto é, totalmente definido, definitivo, tive que delimitar

um período de tempo para agrupar melhor as respostas dos entrevistados

quanto ao cuidado de si, na velhice (depois dos 60), pois é um marcador

dado atualmente pelo Estatuto do Idoso, e aceito socialmente. Lembrando

Joel Martins, em sua brilhante obra, Não somos Chronos, somos Kairós”, ele

cita:

O tempo não é uma dimensão cronológica medida em dias,

meses e anos, mas sim um horizonte de possibilidades do

Ser. (Martins, 1991)

Medeiros reflete acerca desta máxima, concluindo que o

envelhecimento não é um evento com data marcada, mas um processo com

trajetória própria.

Também Groisman frisa a importância de não generalizar idade X

juventude X velhice, como marcadores biológicos, conforme sinaliza:

...o critério mais comumente utilizado para a definição

do envelhecimento - o cronológico (a idade) – é apontado

como falho e arbitrário... porque o envelhecimento seria

vivenciado de forma heterogênea pela população. Pessoas

da mesma idade cronológica poderiam estar em estágios

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completamente distintos de envelhecimento. Além disso, o

organismo de um indivíduo “envelheceria” de maneira

diferente entre os tecidos, ossos, órgãos, nervos e células.

Desse modo, o que podemos salientar é que o

envelhecimento não parece ser definido pela idade de uma

pessoa, mas pelos efeitos que essa idade teria causado em

seu organismo. (Groisman, 2002: 66)

Para Bookstein et al., apud Groisman, talvez fosse interessante

considerar a idade gerontológica como um suposto marco ideal do

envelhecimento, mas pouco fidedigno:

(...) a solução definitiva para se medir o envelhecimento

seria a criação de uma idade gerontológica, que levaria em

conta diversas escalas de variáveis com tratamento

estatístico apropriado. As variáveis como peso, teriam um

peso maior; enquanto as mais subjetivas, como o nível

cognitivo, teriam um peso menor. A idade gerontológica

levaria em consideração os fatores fisiológicos, juntamente

com os psicológicos. (Groisman, 2002: 67)

Todos os profissionais entrevistados apontaram diferenças

significativas quanto à ideia, à visão do cuidar de si, de quando se é mais

jovem, e de quando se atinge a velhice (aos 60 anos ou mais). A ideia que

sobressai é a de que quando se é mais jovem não há necessariamente um

planejamento prévio de ações; o jovem age por impulso, pensa só no

momento presente. Não há uma organização de vida, um cuidado com

atividades programadas e necessárias para promoção de saúde a longo

prazo. O jovem de um modo geral procura satisfazer seu desejo de imediato.

Geralmente não mede as consequências de seus atos, e tampouco

economiza as energias, diferentemente do velho que usa sua energia com

mais discernimento e com mais cuidado, poupando-a, com mais rigor,

cautela, sabedoria e planejamento. As respostas apontaram para um certo

cuidado na utilização e dispêndio destas forças enquanto se é mais jovem,

como cita Fraiman:

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Quando se é mais velha, eu acho que, no meu caso, eu

aprendi a poupar algumas forças, e saber melhor para onde

dirigi-las... então, a priorização de atividades, ou mesmo dos

desgastes, ela está mais sobre meu controle e menos

dependente do olhar alheio.

Para Tótora, o indivíduo enquanto jovem está num processo de

aprendizagem importante, de experimentação, de amadurecimento, e

também de discernimento, de como interagir no mundo:

(...) o jovem assim no sentido mesmo grego, ele pode arriscar

muita coisa, né? Ele pode, eu acho que até este risco mesmo

de uma vida em risco que vai dando a ele as medidas que ele

vai construindo ao longo de sua vida, as medidas que são

próprias, singulares de cada um, eu penso neste encontro, na

juventude, ser jovem é um pouco deste arriscar. De saber de

sua própria potência, e aprender a sua própria potência. O

jovem não tem esta apreensão da própria potência, ele tem

que arriscar muito, vai testar muito, ele então... pode como se

diz... neste testar muito, fazer maus encontros, aí que na

velhice este aprendizado, desde que cultivado, ele pode evitar

maus encontros. Então talvez esta seja a sabedoria da

velhice.

Castro compactua com o pensamento de Tótora quando considera

que o jovem às vezes age de forma impulsiva, inconsequente, imediatista e

que se arrisca mais que os idosos:

Quando você é jovem, o cuidar de si é atender os seus

desejos eu acho. Você tá preocupado em atender os seus

desejos mais imediatos, então você quer satisfazê-los mais

rapidamente. Então, o cuidar de si é fazer esta coisa mais

imediata, você não pensa muito a longo prazo, você tem

esta visão mais imediatistaH

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Dutra também compactua com esta visão do cuidar de si da

juventude onde a necessidade do jovem é viver o momento; o aqui e agora,

sem se preocupar muito com o futuro:

Talvez o jovem, o cuidar de si seja viver o momento, viver a

balada da hora, viver a questão do dia. E o idoso, ou a

pessoa que está amadurecida, ou já no processo de

envelhecimento talvez encare isto, como uma forma de

tentar viver melhor os anos que ainda tem pela frente. Acho

que o cuidado é este. O jovem vive o momento e não se

preocupa muito com este futuro, então este cuidar de si fica

um pouquinho esquecido vamos dizer assim.

Urris vê o jovem como portador de uma enorme energia e liberdade

de ação. Para o jovem, tudo é possível, ele pode tudo, inclusive escolher. Ao

velho, e principalmente ao velho fragilizado resta ser escolhido para ser

cuidado se tiver sorte:

Totalmente diferente. Ah! Você no limiar de sua juventude,

na fase adulta, você cuida de si, você já nasceu, foi cuidado.

Mas você teve uma progressão e você nessa juventude

você malha, você tem como ir atrás, correr atrás de um

cuidar para você, e você também está com todo o gás para

buscar melhores cuidados para você. Agora o idoso no

envelhecimento, ele fica à mercê de outros cuidados. A

família vai cuidar de uma pessoa que envelheceu e não

sabe cuidar.

Sodré, idealizadora dos projetos de longevidade versus qualidade de

vida dos SESCs paulistas, acredita que, enquanto houver fôlego e o idoso

estiver ativo, a diferença não é tão aparente, mas quando ocorre alguma

doença a preocupação aparece e é preciso se cuidar mais:

(H) eu acho que tem diferença sim, porque quando você está

jovem, quando você não tem nenhuma fragilidade, quando

você está, como o povo diz, na ativa, correndo com o trabalho,

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com casa, com filhos etc. talvez você não tenha tanto tempo

de se olhar melhor, não digo cuidar da unha, do cabeloH mas

no todo mesmo, neste aspecto mais amplo. Então é um

conceito diferente, você estar bem, mas sem perceber mais

concretamente o seu físico... Eu acho que, na velhice, a

questão do biológico, da saúde, ela é mais contundente. Você

tem sintomas, e aí o cuidar de si passa mais por esta vertente:

cuidar dos sintomas, cuidar da saúde do ponto de vista de

prevenir uma osteoporose porque começou a dar uma

dorzinha ali. Você pinta o cabelo mais frequentemente para

não aparecer tanto os brancos, você toma uma vitamina C

com medo de ter uma gripe. Então eu acho que este cuidar na

velhice já começa a ter este aspecto mais do físico, mais do

biológicoH não que as outras esferas não sejam importantes,

mas ela está o tempo todo batendo na porta, dia a diaH

olhaH eu estou aquiH mais do biológico mesmo.

Alguns entrevistados deixam entender que, com o passar dos anos,

apesar da cabeça estar em boas condições, o aspecto que requer mais

cuidados é o aspecto físico:

... a atividade é diferente, quando a pessoa tem idade a

pessoa, então realmente é isto que acontece até os

quarenta anos você tem atividade física diferente,

fisicamente maior, mas psicologicamente não, eu continuo

sendo a mesma pessoa quando eu era estudante de

medicina, eu tenho a mesma visão. Felizmente eu tenho

praticado atividade, a atividade não, eu tenho, na verdade,

praticado de certa forma atividade física por problemas

agora necessidade do meu estado de saúde, que eu tenho

uma insuficiência respiratória não muito intensa, mas tenho,

certo? (Papaléo)

A entrevistada Goretti chama a atenção para a possibilidade de haver

uma desaceleração das atividades do indivíduo quando se está velho.

Acredita também que durante o envelhecimento, o indivíduo passa a se

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ocupar mais dos aspectos da saúde física, mais do que com os outros

aspectos de sua vida:

Quando eu me imagino cuidando de mim mesma com mais de

60 anos ou a partir dos meus sessenta anos eu me imagino

até ainda podendo trabalhar, podendo estudar. Eu entendo

que eu vou ter um ritmo de vida mais suave do que eu estou

tendo hoje. Eu espero que isto me aconteça de fato, e o cuidar

de mim mesma, assim hoje representa cuidar de minha

aparência, produzir, cuidar da minha casa, cuidar da minha

saúde. Eu percebo que entre cuidar da aparência, do bem-

estar, e do lazer, eu acho que eu vou despender mais horas

cuidando de minha saúde e claro que de forma preventiva,

né? Eu então espero ter um espaço de convívio social que

não seja somente da família. Eu me imagino, eu me imagino

talvez tendo que ir com mais frequência a médicos, fazer mais

exames preventivos e até provavelmente cuidar de algumas

doenças, eu acho que esta é uma das coisas que a gente não

pode fugir. Um corpo com mais de 60 anos de idade não é o

mesmo corpo de 20 anos de idade, começa a ter avarias,

começa a ter necessidade de manutenção com muito mais

freqüência né? Do que mais cedo. Acho que isto vai me

acontecer invariavelmente, acho que eu vou ter que pegar

mais leve, no ritmo... mas eu me imagino com uma vida ativa,

saindo, passeando, namorando, eu acho que este sonho

todos nós temos.

Castro amplia o conceito de cuidar de si quando o sujeito atinge a

maturidade:

Hoje em dia, eu tenho 52, eu comecei a me perceber, que

cuidar de si levam outras coisas em conta. Eu comecei a

cuidar de mim eH num sentido mais amplo, quer dizer

equilibrar .

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Um dos entrevistados não aponta diferenças significativas entre o

cuidar de si na juventude, e o cuidar de si na velhice (após os 60 anos).

Então a visão do cuidar de si no contexto do

envelhecimento, agora eu tô vendoH vou acabar

respondendo as duas juntas: eu não vi mudança em termos

da noção do cuidado de si em relação a outras fases da

vida. A não ser em alguns momentos muito específicos, por

exemplo, na época da maternidade havia um cuidar de si

específico. (Villas Boas Concone)

Se a antropóloga Villas Boas Concone, nossa entrevistada, não vê

grandes diferenças entre o cuidar de si na juventude e o cuidar de si

durante o envelhecimento, o médico geriatra Paschoal aponta para um

conjunto que leva em conta muitas diferenças:

Inclusive na juventude há toda uma questão do

desenvolvimento neuropsicosocial do desenvolvimento dos

papéis sociais etc., que na velhice vai ser outro tipo de

envolvimento com isto, além do que nós temos na velhice

uma prevalência aumentada das condições crônicas

Como já mencionado nesta dissertação, assim como existem diversas

velhices, existem diversas possibilidades de se viver esta velhice. São

inúmeros os arranjos possíveis. Os discursos hegemônicos colocam o velho

atrelado a significados negativos. E dentre esta multiplicidade de conceitos e

definições, encontramos a grande maioria destes relacionando

envelhecimento com perdas de toda a ordem: no aspecto físico; perdas

ósseas, sarcopenia, dependências, incapacidades, doenças, desequilíbrios,

debilidades. Já no âmbito Social, as perdas sociais representadas pela

exclusão, aposentadoria, diminuição do poder aquisitivo, pobreza,

inabilidades sociais. No aspecto psíquico, há a possibilidade de reviver a

situação de desamparo psíquico. Todo este quadro de vulnerabilidade e

fragilidade pode acontecer durante o envelhecimento, mas é importante

notar que as fragilidades podem ocorrer também na idade mais jovem. O

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que mais notamos pelos relatos é que a maioria dos entrevistados considera

as necessidades no envelhecimento e cuidados relacionados quase que

estritamente ao aspecto físico, quando direcionado ao velho. E como somos

seres frutos do discurso, a velhice acaba sendo sempre associada à

fragilidade. É preciso desconstruir a ideia de que as fragilidades ocorrem

somente no corpo físico, e somente no e com o idoso. Também é importante

lembrar que a velhice só pode ser compreendida em sua totalidade,

incluindo os fatores biológicos, emocionais, culturais e espirituais. E levando

em conta todas as dimensões. A imagem do idoso hoje, já não corresponde

àquela de vinte anos atrás. O que estamos observando atualmente é de um

lado a existência do idoso como sinônimo de doente – visão estigmatizada –

e de outro lado, o idoso ativo e com a saúde perfeita, como uma nova visão

idealizada. Esse pensamento não leva em conta a complexidade do

processo de envelhecimento e nem da velhice propriamente dita. Não leva

em conta porque é um pensamento dicotômico, um se apresentando como

contrário do outro que implica uma generalização e uma caricatura. É

preciso desconstruir a visão dicotômica para vislumbrar outras inúmeras

possibilidades que permeiam estes dois polos. Tem-se diversos arranjos,

diferentes velhices, que dão espaço para o nascer de uma multiplicidade, de

variáveis diversas referentes à experiência do envelhecimento e da velhice.

Segundo o pensamento do geriatra Paschoal, nosso entrevistado, ele

acredita que as nomenclaturas referidas ao ”velho“ estão mudando, o

imaginário social, e por isso já comporta outras possibilidades de se viver a

velhice, e também dentro desta perspectiva faz-se necessário

responsabilizar-se, produzir novos significados, novas atitudes, que gerem

efetivamente um novo sujeito idoso, ciente da importância da qualidade de

suas ações. A afirmação abaixo de Paschoal explica a interpretação:

No âmbito Cuidar de Si, a velhice tem um papel

fundamental. Ele tem que ser ativo, indo contra uma

situação da sociedade que é de certa forma um mito de que

todo idoso à medida que vai envelhecendo, você vai

entregando, passando o bastão, que foi até uma teoria

errônea no meu entender do envelhecimento de que a

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medida àmedida que você vai passando os anos, você tem

que passar para as gerações seguintes. É lógico que isto

tem que acontecer, mas não tem que ser de uma forma em

que você não cuide de seu papel na sociedade, por

exemplo. Então é fundamental na velhice este cuidar de si

de uma forma intensa. É lembrar que é nesta época que

pode acontecer a diminuição das atividades nas três

dimensões: por problemas físicos; diminui as atividades

físicas, por problemas psicológicos, diminui as relações por

problemas sociais, deixar de ter algum papel na sociedade,

e muitas vezes a própria sociedade acha isto natural: Ah!

Todo idoso é meio tristinho, todo idoso é meio parado, todo

idoso fica mais em casa lendo, fazendo tricô, vendo

televisão, e isto não é cuidar de si. Se eu fizer isto, eu vou

ser uma pessoa menor, com menos valia. Por isto é

fundamental que a gente continue de uma forma intensa a

cuidar de nós mesmos, em qualquer idade, e intensamente

na velhice, e cada ano, a terceira idade, a quarta idade, por

exemplo, precisa de um cuidar de si muito maior, porque aí

se não advêm problemas maiores, mais graves como a

sarcopenia, fragilidades, que vão inclusive impedir

mobilidade, relação social, dependência; então este cuidar

de si na quarta idade é fundamental e importante. À medida

que nós vamos envelhecendo nós temos que aumentar a

intensidade do cuidar de si e ao mesmo tempo vamos ter

que mudar a qualidade do cuidar de si.

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Capítulo V

ALÉM DE MEU CORPO FÍSICO...

A questão do roteiro de entrevista, que aborda o tema “Além do corpo

físico”, explicita para os entrevistados o seguinte: “O que você considera

importante para o cuidar de si?”.

O texto abaixo aponta elementos subjetivos que a arte evidencia e

que expressa de forma poética, aproximando, e possibilitando uma primeira

interpretação sobre a fala dos sujeitos entrevistados. A poesia também

revela a perspectiva interdisciplinar presente nesta dissertação:

Espiritualidade é um estado de consciência;

Não é doutrina, não!

É o que se leva dentro do coração.

É o discernimento em ação!

É o amor em profusão.

É a luz nas ideias e equilíbrio na senda.

É o valor consciencial da alegria na jornada.

É a valorização da vida e de todos os aprendizados.

É mais do que só viver; é sentir a vida que pulsa em todas as coisas.

É respeitar a si mesmo, para respeitar o próximo e a natureza.

É ter a plena noção de que nada acaba na morte do corpo, pois a

consciência segue além, algures, na eternidade...

É saber disso – com certeza -, e não apenas crer nisso.

É viver isso – com clareza -, sem fraquejar na senda.

É ser um presente, para si mesmo, para os outros e para a própria vida.

Espiritualidade é brilho nos olhos e luz nas mãos.

E isso não depende dessa ou daquela doutrina; depende apenas do próprio

despertar espiritual; depende do discernimento consciencial em se unir aos

sentimentos legais, no equilíbrio das próprias energias, nos atos da vida.

Ah, espiritualidade é qualidade perene; não se perde nem se ganha; apenas

é!

É valor interno, que descerra o olhar para o infinito... para além dos sentidos

convencionais.

É janela espiritual que se abre, dentro de si mesmo, para ver a luz que está

em tudo!

Espiritualidade é essa maravilha: o encontro consigo mesmo, em paz.

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Espiritualidade é ser feliz, mesmo que ninguém entenda por quê.

É quando você se alegra, só pelo fato de estar vivo!

É quando o seu chacra do coração se abre igual a uma rosa, e você se

sente possuído por um amor que não é condicionado a coisa alguma, mas

que ama tudo.

É quando você nem sabe explicar porque ama; só sabe que ama.

Espiritualidade não depende de estar na Terra ou no Espaço; de estar

solteiro ou casado; de pertencer a esse ou aquele lugar; ou de crer nisso ou

naquilo.

É valor de consciência, alcançado por esforço próprio e faz o viver se tornar

sadio.

Espiritualidade é apenas isso: Ser feliz!

Ou, como ensinavam os sábios celtas de outrora:

Ser um presente!

Que teu coração voe contente nas asas

da espiritualidade consciente,

para que você perceba a ternura invisível

tocando o centro do teu ser eterno.

Que teus pensamentos, teus amores, teu viver,

e tua passagem pela vida sejam sempre abençoados

por aquele amor que ama sem nome.

Que esse amor seja o teu rumo secreto,

viajando eternamente dentro do teu ser.

Que esse amor transforme os teus dramas em luz,

tua tristeza em celebração,e teus passos cansados

em alegres passos de dança renovadora.

Que teu viver seja pleno de paz e luz! Wagner Borges

Valsecchi, em sua pesquisa de doutorado sobre Imagens da Velhice,

aponta para a existência de um outro corpo, além do corpo material:

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O corpo não se resume à sua materialidade física; mais do

que um fato da natureza, ele é um produto da época e do

lugar. As sociedades apropriam-se do corpo com o objetivo

de afirmarem algo que não está nele; fazendo-o para

expressar disposições sociais e valores culturais.

(Valsecchi,1999: 64-5)

A autora completa o pensamento, enfatizando mais uma vez a

importância da cultura, e da apreensão dos aspetos sociais e hstóricos que

penetram este corpo:

As ações da cultura sobre o corpo não se restringem à sua

modelagem externa, à superfície dos corpos individuais.

Invadem a interioridade do organismo, encontrando - se

presente nos hábitos alimentares, na higiene e nos cuidados

corporais, na sexualidade, no trato com a morte, nas

emoções etc. (Valsecchi, 1999: 66)

Pelas respostas dos entrevistados sobre a questão “Além do meu

corpo físico?”, foram mencionados aspectos subjetivos importantes que

privilegiam a saúde não física, tais como aspectos qualitativos relativos à

espiritualidade, valores, afeto, justiça, troca de confidências, solidariedade,

reciprocidade, amizade, bondade, e beleza foram eleitos como benéficos e

de suprema importância para além do corpo físico, na verdade inseparáveis

do mesmo. Nesta linha, Jung (1988) chama a atenção para a importância da

inclusão e vivência da espiritualidade na vida de cada ser, e acredita que se

deva acrescentar na vida:

a reflexão sobre a necessidades que cada pessoa possui de

uma religião em nível pessoal, que lhe possibilite expressão

individual de elaboração simbólica e portanto de

conhecimento. (Stanziani, 2002: 55)

Pesquisas científicas também corroboram a importância da

religiosidade:

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Nos últimos tempos, buscam-se provas científicas de que

religião, fé e espiritualidade geram bem-estar. Tanto que a

maioria das 125 faculdades de Medicina existentes nos

Estados Unidos mantêm, em seus currículos, alguma

disciplina abordando o ensino religioso e espiritual. (...)

Harvard é uma delas. Harold Koening, diretor do Centro de

Estudo da Religião e Espiritualidade e Saúde da

Universidade de Duke, lidera o movimento em favor da

melhor compreensão dos efeitos da religião e das crenças

espirituais do paciente. (Pessini, 2006: 145)

Na sequência identifico, em Fraiman, a valorização desta expressão,

que Jung denomina de individuação, a expressão de sua própria

singularidade, e seus valores pessoais:

...penso que é muito interessante adotar alguns valores e

não transgredi-los. Por exemplo, ser justa; quando tiver uma

coisa boa em mãos, ou ao meu alcance me incluir no hall

dos beneficiados. Digamos que na juventude eu, eu era

mais pródiga, eu dava muita coisa de mim sem medir as

consequências. Hoje existe quase que uma economia de

benefícios. Uma economia no bom sentido. Não é que eu

poupe beneficiar alguém, mas é que eu me incluo no hall

dos beneficiados por algo bom. E eu acho que isto é mais

justo na vida. Eu me incluo na justiça, no bem, no bom. Eu

penso que cuidar de mim, pensar na minha felicidade, saber

com clareza o que é que eu desejo. Se eu não souber trocar

ideias com pessoas, cuidar de mim não é só viver bem

comigo. Descobrir nos amigos que eu tenho qualidade, e o

que eu posso extrair destas pessoas, além de dar para

estas pessoas. Então, fazer trocas justas é absolutamente

importante, e principalmente trocas baseadas em valores

substanciais; como bondade, como justiça, como beleza,

neste sentido uma criança pode cuidar de mim. Então eu

não nego receber abraço de uma criança, como eu não

nego oferecer uma boa palavra. Eu tô bastante digamos,

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usufruindo melhor das... das minhas riquezas, e das

riquezas dos outros ao meu redor. Então se isto não

houver... então é porque eu estou me descuidando.

Alguns estudiosos e pesquisadores já enfatizaram em suas pesquisas

a importância da rede de relacionamentos sociais durante toda a vida, em

especial na velhice. Alguns entrevistados confirmam a premissa de que

muitas vezes uma boa socialização vale mais de que medicamentos. Castro

assinala:

Além do cuidar do corpo físico, eu acho que é importanteH

é cuidarH. equilibrar o relacionamento social com as

pessooas, é manter amizades, é manter mais atividades de

lazer, eu me preocupo hoje muito mais em sair, passear, e

ter um tempo livre, embore eu trabalhe bastante, mas eu

acho que também ter um equilíbrio entre o estresse

profissional e o estresse do dia a dia que eu acho que é

benéfico, eu acho mesmo que você tem que ter uma vida

muito ativa neste sentido. Você tem que estar preocupado

em ter uma vida muito ativa, éH principalmente nesta etapa.

Eu diria que a gente tem, eu tenho 52, mas a partir dos 60

anos, é você estar muito mais ativo do que estava antes até

eu acho que sua preocupação tem que ser em ter mais

conhecimento em terH adquirir novos conhecimentos,

conhecer novas culturas, fazer novos relacionamentos, ter

mais amizades, ter maisH enfim, interagir com as pessoas

de uma maneira mais saudável e produtiva neste sentido.

Depois dos 60 anos, é manter este equilíbrio, manter esta

rede de relacionamento.

Sodré e Dutra compactuam também do pensamento que prioriza os

aspectos sociais, como sendo tão ou mais importantes quanto os cuidados

físicos:

Amigo... é imprescindível neste momento, se você não

pensar no corpo; envelhecer bem é ter amigos, e cultivar

estas amizades. E fundamental é viver com a família, curtir

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a família, as pessoas queridas, tudo isto faz um bem tão

grande pra gente, que no fundo é cuidar da gente, né?

(Sodré)

Dutra acrescenta também a importância de se desenvolver social e

espiritualmente:

Além da gente cuidar do nosso corpo físico a gente tem que

se preocupar um pouquinho com os outros lados, com todas

as outras faces da nossa vida. Acho que a questão espiritual

é importante, eu acho que a questão das relações sociais

que a gente desenvolve e fortalece ao longo da nossa vida

são tão importantes estas questões quanto o cuidado físico,

porque o indivíduo para ser um indivíduo saudável ele tem

que ter... as estatísticas, as pesquisas já comprovam, ele

tem que ter uma rede de relações sociais muito boa, que o

fortaleça e lhe dê um amparo não só nas horas negativas ou

que ele necessite, mas em todos os momentos da vida dele

como um todo. Acho que é importante generalizar um pouco

mais este conceito de cuidar de si, e ampliá-lo.

Tótora, por sua vez, denomina produção subjetiva, a vivência dos

aspectos qualitativos ,enquanto o sujeito interage com o mundo dentro do

processo de cuidar de si;

...este cuidado tem a ver com a produção dessa

subjetividade, que é uma produção a partir de tanto a

constituição dessa subjetividade que é uma coisa não só

interna, mas psicológica, mas tem a ver também com as

relações sociais, com as relações com o mundo. Como que

é possível agenciar as forças do mundo e fazer com que

essas forças potencializem a vida desses sujeitos?

Para cada entrevistado o aspecto espiritual é cultivado de uma

determinada maneira, para Villas Boas Concone, a Yoga preenche um

aspecto de sua vida que considera importante para sua saúde espiritual, no

caso a Yoga:

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Eu acho que a yoga prá mim talvez seja a melhor maneira

de cuidar do físico e do não físico. Só que eu interrompi,

fiquei vários anos sem fazer. Voltei a yoga já com 60 anos.

Eu ficava bastante feliz porque a professora me achava

muito mais flexivel do que as alunas dela de 20 ou 30 anos,

. Esta era uma mulher que deveria ter uns 60 anos, muito

bonita, ela tinha uma cabeça muito legal, então me fazia

bem pro corpo e pra cabeça. Aí eu parei a 5 anos atrás e

não retomei mais. Outra coisa que eu fiz que era uma

alternativa ao tratamento físico, mas invasivo, ou

medicamentoso, melhor dizendo, foi a acupuntura, que eu

também acho que foi uma coisa formidável, e que eu

também parei de ir. Então eu sou irresponsável, inconstante

e não tenho a menor perspectiva de que eu estou uma

senhora idosa.Então outra coisa que eu gosto muito de

fazer, e que prá mim preenche a alma e que preenche a

vida é ler. EHentão eu leio muito os livros da minha área,

mas eu gosto muito de livros policiais de boa qualidade.

Urris (outro entrevistado), chama a atenção para o Estatuto do Idoso,

salientando a importância do conjunto de reivindicações relativas aos direitos

dos idosos:

Validar os direitos do ser humano... você tem direito à

educação, você tem direito àmoradia, você tem direito à

saúde, ao lazer, isto está muito fragilizado no Brasil inteiro.

Se você não tem o mínimo pra sobreviver como você vai ter

uma qualidade de vida? Não importa se você está

nascendo, ou se você está numa fase jovem, adulta e muito

pior ainda você na velhice. Se você teve uma qualidade de

vida ruim na sua vida inteira, como você vai ter, vai manter

uma qualidade no final da vida? A dignidade de se ter uma

boa vida está capenga, nós não temos então cuidado por

parte do poder público em termos de assegurar as pessoas

o mínimo de dignidade em termos de como vai ficar a família

quando surgir uma pessoa com demência? Mas isto tudo

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tem a ver com este direito, assegurar o direito às

instituições, à educação, e à moradia. Ter uma dignidade de

vida para se ter uma boa morte.

Um dos entrevistados, com mais de trinta anos de experiência no

trabalho com o segmento idoso, considera que o bom humor é um grande

aliado para a boa qualidade de vida. Sodré relembra outros valores que em

épocas passadas foram mais valorizados:

Podiam ser em épocas passadas; a sinceridade, a

solidariedade, podiam ser tantas outras coisas, mas há um

bom tempo eu acho que o bom humor é fundamental.

Papaléo considera imprescindível considerar os aspectos psicológicos

no cuidado de si, e para isto busca nos estudos da colega França, que

trabalha com Neri, algumas reflexões importantes:

(...) eu defendo o bem-estar psicológico, quero resumir de

certa forma, o que eu estou falando, to falando com muita

frequência muito dos aspectos psicológicos, eu sou médico,

não sou psicólogo, sou médico, dou importância aos

aspectos médicos, mas eu queria destacar algumas coisa

pois isto talvez tenha levado a minha vida... estou sentindo

muito bem com os aspectos psicológicos (...), estou

resumindo em algumas dimensões o que a Sueli Aparecida

França, que trabalha com a Anita Neri, ela faz... Acho

fundamental as seis dimensões segundo ela, eu aceito:

1- Auto-aceitação, uma dimensão que implica numa atitude

positiva do indivíduo em relação a si próprio e seu passado.

Implica em reconhecer, aceitar diversos aspectos de si

mesmo incluindo características boas e más.

2- Relações positivas com os outros, que envolve ter uma

relação de qualidade com ou outros, ou seja, uma relação

calorosa, satisfatória e verdadeira, preocupantes com o

bem-estar alheio e ser capaz de relações empáticas e

afetuosas.

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3- Autonomia, que significa ser auto-determinado,

independente, ter habilidade para resistir a pressões sociais.

Avaliar-se com base nos seus próprios padrões.

4- Domínio sob o ambiente, ou seja, ter senso de domínio e

competência sobre o ambiente. Aproveitar as oportunidades

que surgem a sua volta.

5- Propósito de vida implica ter meta de vida e um sentido

de direção, perceber que há um sentido em sua vida

presente e passada. Crescimento pessoal, ou seja, ter

senso de crescimento contínuo e desenvolvimento como

pessoa.

6-Estar aberto a novas experiências, ter senso de realização

de seu potencial. Mudanças que refletem auto-

conhecimento e eficácia. Estas são as série que eu aceito,

eu esposo de certa forma isto, não que eu consiga levar isto

a ferro e a fogo, mas eu tenho impressão que é uma coisa

que realmente está embutida em mim também, e por isto

que eu transcrevi para um capítulo de um livro.

A assistente social Goretti lembra e reitera também a importância de

poder decidir, manter sua autonomia, da mesma forma que o geriatra

Papaléo, fazer suas escolhas até o fim de sua vida, morrer com dignidade:

(...) então eu acho que a coisa mais importante no cuidar de

si, e que isto eu espero que isto dure por mais muito tempo,

na verdade, é a questão da autonomia, eu pretendo decidir

sobre o meu tratamento, eu pretendo decidir sobre questões

que vão permear a minha morte, né? Hoje eu já penso isto,

acho que pelo fato de conviver com estes doentes e uma

coisa que a gente fala, parece até brincando, mas é na

verdade muito séria. Por exemplo, os meus filhos sabem, e

é uma coisa que eu não gostaria de ser alimentada

artificialmente, se eu tiver, por exemplo, uma demência

avançada. Sabem, até que eu aceito ser bem cuidada é um

presente. Não que exista a questão que eu vá... acho até,

mas eu acho que o máximo possível deixar registrado é uma

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preocupação que eu tenha hoje. Então eu sempre procuro

deixar registrado pelo menos verbalmente. Então se isto

acontecer comigo não façam assim né?... eu não desejo por

exemplo morrer numa UTI com mil artifícios desde que eu

vá parar lá, por exemplo, por uma doença grave ou crônica,

doença crônica e que vai me levar à morte, acho que este

não é o meu desejo. Gostaria que o meu desejo fosse

respeitado, que a minha característica pessoal fosse

respeitada. Sei lá. Eu sempre fui uma pessoa alegre,

brincalhona, autônoma, decidida. Na verdade eu tomo

muitas decisões na vida, eu imagino perto da minha morte

da mesma forma. Até fazendo alguma graça talvez se isto

for permitido, bem o suficiente para fazer alguma graça.

Vinte e cinco comprimidos durante o dia! Sinto muito doutor,

mas bem isto eu não quero. Eu não quero, eu não desejo

tomar, arrume um jeito de me tratar melhor. Engraçado que

eu não me vejo podendo decidir a este nível, mas eu espero

que consiga, assim que eu me vejo no final da minha vida

de fato.

Pensando nas muitas possibilidades de se viver a fase do envelhecimento

atualmente, percebe-se que quanto mais caminhos, quanto mais opções o

indivíduo desenvolver ao longo da vida, quanto mais ele abrir o leque das

possibilidades, mais ele estará habilitado para viver seu envelhecimento com

mais qualidade, assim a entrevistada Goretti acredita e pontua:

A nossa vida é composta de inúmeras dimensões.

Evidentemente que eu possa estar bem em uma dimensão e

estar mal na outra, mas se eu só cuidar de uma dimensão, a

possibilidade de eu ser feliz de eu ter uma qualidade de vida

é menor. Na verdade eu tenho de cuidar de todas as

dimensões da minha vida, né? E muitas vezes... eu posso

por exemplo do ponto de vista físico, ter uma sequela, ter

um... estar mais dependente. Mas se eu resolver cuidar de

mim nas outras dimensões, e se eu resolver estar bem

adequadamente resolvido nas outras dimensões da minha

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vida porque eu cuidei direito das outras dimensões, essa

deficiência física, este problema na parte corporal poderá

ser minimizado. Portanto, é fundamental, não se esqueça de

cuidar de nosso global. Nós somos uma pessoa, um ser

integral, alguém que tem corpo, que tem alma, tem

sentimento, tem desejo, tem vontade, tem relações, e não é

só... eu não quero só ter apenas um corpo maravilhoso,

perfeito, mesmo porque nem sempre isto é possível. Eu

tenho que ter uma integridade melhor. Então eu tenho de

cuidar de mim na minha integridade, pensando nas três

grandes dimensões: no meu físico, no psíquico e no social.

É só assim que eu terei boa qualidade de vida. Mesmo se

uma dimensão não for tão bem, mas se eu cuidei das

outras, elas podem compensar este cuidado devoto que eu

tive nas outras dimensões, pode compensar a perda que eu

tive na primeira dimensão. Então é fundamental que a gente

cuide de nós mesmos, que nós nos cuidemos de nós

mesmos nas dimensões todas de nossas vidas, porque uma

indo um pouco pior, assim as outras compensam esta

perda.

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Capítulo VI

Auto-cuidado

A própria nomenclatura da palavra já diz: auto-cuidado é algo

singular, único do sujeito, pessoal e intransferível:

Não há como ensinar alguém a escrever seu próprio texto.

Não há como copiar simplesmente o estilo do outro, cada

um só pode fazê-lo a partir de seus próprios traços. Todas

as regras de “bem-viver”, envelhecer bem”, “ser feliz”

encontram sempre aquilo que jamais se homogeneiza: o

sujeito com seu estilo, seus traços. (Ângela Mucida (2009).

Escrita de uma memória que não se apaga).

A ordem do dia é: Auto!!! cuidado !!! Auto-cuidado...é possível???

De acordo com Pondé (2010), no encarte Equilíbrio do Jornal, a

Folha de São Paulo, estamos vivendo a era da “La grande santé” (a grande

saúde), a mania de ter saúde como finalidade única da vida; a mania de

qualidade de vida e saúde total. A maior consequência desta mania, diz

Pondé, é o possível controle científico da vida. Em suas palavras:

(...) esses fanáticos estão a ponto de demonizar o açúcar, a

gordura e o sódio. Querem fotos de gente morrendo de

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diabetes no saco de açúcar ou de ataque cardíaco nas

churrascarias. O clero fascista da saúde não para de botar

para fora sua alma azeda.

Pondé ironiza o sacrifício com que alguns fanáticos insistem em

seguir certas dietas radicais à base de folhas e legumes, e os denomina de

“purinhos”:

Suspeito que os “purinhos”... se deliciam quando veem

fumantes morrerem de câncer ou carnívoros morrerem do

coração. Sentem-se protegidos da morte... são medrosos. A

vida é desperdício, e ganancioso não gosta disso.

O mesmo autor nos relembra que a morte é inevitável. E por mais que

algumas pessoas tomem medidas radicais no sentido de se cuidarem ao

máximo não podem com isto garantir vida eterna. Há sempre algo que

escapa ao nosso controle absoluto:

(...) caro vegetariano, escapando de doenças

cardiovasculares porque você evitou (religiosamente)

gorduras... desnecessárias, você pode simplesmente morrer

de câncer porque deu azar. (Ponde)

Pondé condena uma vida muito regrada e isenta de prazeres, e nos

convida a uma reflexão: será que vale a pena viver anos a mais com muita

disciplina, sem certos abusos, e também sem prazer? Completa seu

pensamento com uma reflexão de seu filho médico de 27 anos: “Nunca houve

uma geração tão sem-graça como esta, obcecada por viver muito”. O filho de

Pondé compara esta geração tão certinha igual aos comerciais de TV de

margarina, mostrando a total superficialidade da família certinha, feliz,

seguindo modelos e padrões normativos e uniformizantes, muitas vezes

isenta de vida e de alma. Compactuando com o pensamento de Pondé, a

entrevistada Tótora conclama um modelo que é sugerido e imposto pelo

biopoder conceituado por Foucault:

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O modelo de corpo saudável hoje ele é ditado pelas

academias, pelos profissionais de saúde, e ele é um modelo

que é estabelecido a partir de uma média... de um

denominador comum que é tirado de uma média da

população daquilo que é majoritário. O que transforma

assim um determinado poder majoritário quase numa

imposição pra todos né?, impedindo que as pessoas

possam construir sua própria medida de saúde, de corpo,

de coisas que são prazerosas. Estas medidas não são

permitidas, pras pessoas ninguém pode construir sua

própria medida singular, as medidas já são dadas, são

impostas, e se você não segue este modelo, o mais triste é

a tristeza. A tristeza é altamente despotencializadora. Ela

entristece as pessoas que não conseguem atingir este

modelo, elas se sentem culpados porque elas cometeram

erros, elas se veem como desviantes, como cometendo

erros. Então eu acho que isto é muito ruim, na qualidade

deste culto talvez de um corpo físico. Desta ideia de uma

saúde corporal que quase que coloca a doença como algo,

como sendo um erro, desvio, ou culpabilizando o sujeito

pela sua doença. (Tótora)

Na mesma linha, encontro em Debert (2004: 20) ressonância em

relação ao pensamento de Tótora, quando critica o momento em que

sentencia a enorme demanda social, que condena todas as formas naturais

de envelhecer, o enrugar, o afrouxar a guarda de uma postura rígida e

permissiva, o desvelar a alma, desconectando-se dos valores periféricos do

corpo e da vida, para transcender na beleza de valores internos, valorizando

conhecimento, aprendizagem, doçura, afetividade espiritualidade Parece

que há uma certa urgência em manter uma máscara jovial a qualquer custo.

Debert explica:

A publicidade, os manuais de auto-ajuda e as receitas dos

especialistas em saúde estão empenhadas em mostrar que

as imperfeições do corpo não são naturais nem imutáveis e

que, com esforço e trabalho corporal disciplinado, pode-

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se conquistar a aparência desejada; as rugas ou a flacidez

se transformam em indícios de lassitude moral e devem ser

tratadas com a ajuda de Cosméticos, da Ginástica, das

vitaminas, da indústria do lazer. (2004: 20)

Debert aponta para uma preocupação errônea crescente de

monitoramento e vigilância dos corpos, mas precisamente voltada para o

corpo externo. É preciso congelar o corpo, e acreditar na fantasia da

juventude eterna. Para que isto aconteça, a suposição da autora é a de que:

(...) a boa aparência é igual ao bem-estar, de que aqueles

que conservam seus corpos através de dietas, exercícios e

outros cuidados viverão mais, demanda de cada indivíduo

um “hedonismo calculado”, encorajando a vigilância da

saúde corporal e da boa aparência. (Debert, 2004: 20)

Teixeira compartilha da crítica em relação ao insistente apelo aos

modismos e ao cuidar de si, priorizando o olhar alheio e não levando em

conta o desejo pessoal do sujeito:

Mídias e discursos hegemônicos tentam gerar formas de ser

e viver que alimentam a sociedade de consumo e nem

sempre acompanham a forma de ser do sujeito, seu estilo e

sua maneira. Há uma carência de produção de sentido e, ao

mesmo tempo, uma negação da história do sujeito em favor

de uma estética esteriotipada e sem apropriação de sentido

tempo-espaço. Meios de comunicação de massa, livros de

autoajuda e modismos atuais trazem dicas e prescrevem

formas de vida para as pessoas usufruírem o máximo de

prazer, superar todas as mazelas, manter o corpo de atleta,

superar a doença, e assim por diante. Entretanto, ignoram-

se coisas cíclicas da vida, deixando-se de compreender que

prazer e desprazer, saúde e doença, viver e morrer, dormir

e acordar fazem parte da polaridade da odisseia humana.

Um dos grandes problemas da existência é a falta de

sentido diante das viscissitudes da vida. (2009: 303)

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A entrevistada Tótora, na mesma linha de Teixeira, aponta a

importância de o sujeito conhecer seus limites e respeitar sua vontade

pessoal.

Em suas palavras:

Então o outro cuidado que eu tenho, eu sempre pratico

este auto cuidado assim de forma muito intensa na minha

vida que é o aprendizado do que, de qual é a medida da

potencia do meu corpo, isto é muito difícil, é uma

aprendizado diário, então desde... eu sempre falo que a

gente começa o dia como se fosse renovando, termina o dia

desgastado já assim às vezes com pouca força. Aí começa

o dia de novo. É muito prazeroso, mas é muito trabalhoso,

né? E o auto-cuidado é exatamente isto para mim: é pensar

qual é a medida da minha potência, ou seja, qual a

singularidade que eu tenho que eu possa achar exatamente

a medida daquilo que é a potência do meu corpo, né? ... e

fugir um pouco do... dos modelos estabelecidos. Tentar fugir

destes modelos estabelecidos que são altamente

entristecedores, então o auto-cuidado é bem isto, é

aprender a envelhecer, eu acho importantíssimo aprender a

envelhecer, e sim a velhice é aprender a cultivar realmente

a vida e ver a velhice assim, envelhecer como um privilégio,

porque até envelhecer é uma mudança, tem que estar

aberta a estas mudanças, a gente hoje em dia este modo

de querer congelar as pessoas, assim as mudanças são

vistas, assim como são vistas como mudanças entendida

como uma corrupção, como degradação, como uma perda,

eu acho que... envelhecer é um jeito de se diferenciar

também, né?, se diferenciar, tentar buscar, buscar... compor

com as relações, realizar bons encontros, aumentar a

potência, e... transformar não tem transformação sem

envelhecimento eu não consigo imaginar. Sem envelhecer

você não transforma... Você fica congelado, se você é uma

pessoa que nunca muda, né? Eu acho importante o

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processo de velhice é um grande desafio. Envelhecer

realmente é uma possibilidade de vida, é um privilegio

porque envelhecer é muito bom.

Cuidar, curar e perdurar. De acordo com Hillman:

Todos nós sabemos que a maneira de perdurar é ficar em

forma, mas “ficar em forma” significa mais do que fazer

ginástica. Fazer dieta, fazer exercícios físicos e deitar-se

antes da meia-noite satisfazem a necessidades da sua forma?

O primeiro significado de “formar” é criar, o que utiliza uma

força que é invisível e, no entanto, em seu próprio estilo,

torna cada criatura visível. (Hilman, 2001: 39)

A alma e os aspectos subjetivos invisíveis imprescindíveis para o

cuidar de si é revelado também por Fraiman em seu discurso, quando fala

sobre o auto-cuidado, a entrevistada inicia seu discurso, enfatizando os

cuidados com a higiene para com o corpo, e para a higiene da alma. A

entrevistada assinala também que, com o passar do tempo, adquiriu mais

disciplina e mais consciência das consequências de seus atos. Apesar de

Fraiman não ser uma pessoa, como diria Ponde, gananciosa, fervorosa

pelos cuidados para com a saúde, ela se permite sim certas transgressões

invariavelmente, mas procura sempre alcançar um certo balanço e um certo

equilíbrio de seus atos. O auto-conhecimento também é fundamental nas

palavras de Fraiman, quando se percebe desvitalizada, emocionalmente

não vê nenhum problema em procurar ajuda terapêutica e apoio de amigos.

Em suas palavras:

Então, higiene, por exemplo é algo básico. Então os meus

cuidados começam pela manhã, começam pela higiene e

terminam a noite pela higiene, então... se eu aplico a higiene

do corpo, eu aplico também a higiene da mente, eu tenho

mais disciplina em relação àquilo que eu desejo cultivar. Se

eu faço besteira, claro... se eu cometo excesso, claro, mas

eu tenho clareza das besteiras e dos excessos, e de vez

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em quando eu me permito algumas transgressões. Porém

há um balanço mais prático, mais real entre o me cuidar e

eu me descuidar. E este balanço sempre é, pelo menos tem

sido, a meu desfavor, ou... oh, que besteira que eu falei!

Este balanço tem sido muito mais a meu favor, se eu me

sentir muito mal emocionalmente, eu vou procurar trocar

ideias com um conselheiro, com um psicoterapeuta, e na

escolha de médicos eu tenho mais critérios até sobre o que

discutir sobre os meus mal-estares físicos. Então, o

conhecimento é básico.

A psicóloga Fraiman valoriza o bom humor como instrumento

promotor de saúde:

Cuidar de mim significa, com esta mais idade, é me nutrir de

conhecimentos. E neste sentido eu me cuido pra caramba. E

muita risada também... eu não perco assim oportunidade de

dar risada e de fazer os outros rirem.

O auto-conhecimento, adquirido ao longo da vida pela entrevistada,

funciona como um facilitador, e agregador de interesses, que considera

importante e nutrientes para sua saúde e felicidade, procura se cercar

destes componentes, mas sabe que problemas e preocupações, ao longo da

vida são inevitáveis, e ela acredita que a postura mais adequada para

interagir com o inexorável, e o imprevisível, é o enfrentamento. De acordo

com Fraiman:

Então cultura, coisas prazerosas... a música pra mim é

primordial enquanto auto-cuidados. Então eu procuro me

cercar dessas coisas que eu sei que me favorecem. Se eu

estiver com a moral abatida, deprimido, eu não vou botar

música de fossa para chorar, eu vou pegar uma música que

eu sei que faz bem ao meu espírito, isto é auto-cuidado, e

se eu não desejar pensar em alguma coisa eu procuro uma

atividade, digamos... para substituir aquelas minhas

preocupações, e se eu tiver de fato preocupações cabíveis,

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reais, eu vou em busca das informações, já não fujo mais

delas.

Para o entrevistado Castro, o auto-cuidado tem a ver com conhecimento

também, não só de seus limites e suas limitações físicas, mas também com

o conhecimento de tudo que o cerca. Por ser jornalista, tem o interesse

aumentado, e procura estar antenado, plugado com as notícias, com o

mundo e o conhecimento. Movimento este que o faz sentir-se alimentado e

cuidado. E fala:

Eu acho que pratico o auto-cuidado. Ainda não é aquela

coisa ideal, porque a gente viveu num momento em que o

mundo é muito mais veloz, muito mais rápido hoje em dia do

que há 20 anos atrásH a gente tem uma velocidade com

que as coisas chegam até você hoje é muito grande e você

tem muito mais demandas do que tinha há alguns anos

atrás. Então hoje você tem que estar muito mais ligado e

conectado com várias coisas simultaneamente, isto acaba

interferindo também no auto-cuidado, né? Eu acho que o

auto-cuidado, hoje, meu auto-cuidado é manter

principalmente uma mente muito ativa. Eu gosto muito de

ler, eu gosto muito de conhecer coisas novas, eu sou muito

curioso.

O auto cuidado que é colocado pelos entrevistados inicialmente, e ou

com mais ênfase se refere a um auto-cuidado relacionado aos aspectos

subjetivos; tais como conhecimento, exercício da sociabilidade, limites e

equilíbrio emocionais. Na sequência os aspectos físicos e nutricionais são

mencionados. Conforme discurso de Castro:

(H) com a questão até física também éH pratico exercícios

físicos, agora mais intensamente do que em outras épocas;

cuido muito mais da alimentação do que eu cuidava

anteriormente. Tenho uma preocupação.

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Villas Boas Concone considera-se uma pessoa bastante displicente

com relação ao auto-cuidado, mas também bastante privilegiada com sua

performance, saúde e formas atuais. Como cuidado pessoal, ela elege o uso

de crème hidratante como um mimo a seu corpo, e mesmo este mimo não é

utilizado com frequência. Em suas palavras:

(H) eu não sei se eu pratico o auto cuidado. Tem umas

coisas que eu faço de maneira mais ou menos sistemáticaH

Por exemplo: usar creme hidratante, sobretudo na perna

esquerda, passo com mais intensidade, tenho problemas,

este eu já sabia que eu tenho problema sério de varizes na

perna esquerda. Ah! Às vezes eu passo no braço, ah! meu

braço está tão velho, aí eu me lembro e passo uma semana,

depois eu esqueço de novo. A perna porque incomoda, por

isto eu lembro dela. E passar creme no rosto à noite com

menos frequência, de manhã de maneira um tanto

assistemática, mas acho que este ainda faço. Até dentista

eu sou descuidada. Credo! Que feio!

Considerando a displicência em relação ao auto-cuidado, outros

entrevistados também assumem um certo descuido, principalmente em

relação aos cuidados físicos e biológicos. A entrevistada Dutra questionou

enfaticamente, em diálogo mantido com a pesquisadora durante a sua

entrevista, se foi encontrado algum, dentre os sujeitos entrevistados, que

assumisse se cuidar de forma assertiva e pontual:

Eu acho que você não vai achar ninguém na sua entrevista

que vai dizer que pratica. Eu acho que eu me preocupo

muito mais com este lado das relações sociais; o lado

espiritual, e o lado das relações sociais principalmente, do

convívio com as outras pessoas, eu me preocupo muito com

isto, do que com a questão física. A questão física... a gente

vai aos médicos, aquilo que coloca, mas fazer uma atividade

física todo mundo indica, mas a gente não faz. Eu acho que

a gente cuida muito mais dos outros lados do que do corpo

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físico. Este auto-cuidado meu está meio prejudicado, vamos

dizer assim.

Uma das facilidades para o profissional que estuda e ou trabalha com o

envelhecimento é estar bem informado sobre alguns cuidados práticos com a

saúde física, com a alimentação e com os benefícios de uma vida social.

Neste setor, encontro Urris que, por presidir e trabalhar diariamente

num Centro de Referência de Idoso (AFAI - Associação dos familiares e

amigos do idoso), ele acaba incorporando as sugestões indicadas pelos

outros funcionários da Instituição: nutricionistas, fisioterapeutas e médicos, o

que acaba favorecendo e facilitando seu auto-cuidado. No discurso de Urris

podemos identificar:

Eu pratico, inclusive o próprio Centro Dia do Idoso, ele me

garante, porque aqui nós temos uma comida balanceada.

Então, no decorrer da vida você tem que procurar se cuidar,

alimentação balanceada, tipo açúcares, gorduras, você

controlar exercícios recomendados, você ter acesso à

prevenção. Você tem que procurar fazer então esta

prevenção. Ter onde procurar prevenção. Então estas

prevenções, com auxílio de técnicos da saúde, ou mesmo da

Assistência Social em programas de ajuda, informativos de

como é este melhor cuidar, praticar exercícios, ter referências

de amizades, carinho, amor, porque você vai tendo uma

qualidade de vida, goste de si e goste dos outros também.

A assistente Social Sodré é também outra entrevistada que tem a

oportunidade de vivenciar o universo da Gerontologia na prática de seu

trabalho diário, o que favorece a que ela conheça diferentes medidas e

ações que auxiliam o auto-cuidado. Sodré admite, porém, que não

consegue seguir à risca totalmente, apesar de ter um vasto conhecimento

das medidas auxiliares. Declara que, por circunstâncias de sua vida

atribulada, nem sempre consegue seguir os preceitos, que implementa no

seu trabalho diário. Desta forma fica claro que Sodré fica um pouco

angustiada por não seguir os conselhos que aprova. Existe um lado pessoal

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de postergar ações de auto-cuidado prevalente em alguns entrevistados, a

maioria. Em contrapartida, este encontro entre pesquisador e profissional

que lida com o envelhecimento propiciou como um estímulo para uma

reflexão sobre o cuidar de si nas suas próprias vidas, e no contexto

sociocultural atual.

Nas palavras de Sodré:

Lógico, a gente pratica... mas nuncaH é o tanto que deveria

ser. A gente não consegueH e cuidar da gente como no

discurso que a gente faz: Olha, você tem que ter uma

alimentação adequada, saudável. O que é legal comer? E

isto, aquiloH você come a maçã porque é adstringente. É

bom, é anti-oxidante, combate radicais livres no

envelhecimento. Você vai para o lado da prevenção; olha é

bom o sol para o osso, isto, aquilo, você sabe, faz exercícios

físicos é muito bomH manter a musculatura. O discurso

todo a gente sabe qual é a quantidade legal e importante de

se fazer esta atividade físicaH o quanto desta comidaH

tudo isto a gente sabe, mas na hora de fazer , do vamos ver,

a gente deixa muitas vezes para amanhã, ou faz a metade,

ou se justifica, a gente usa o racional, e aí acaba cuidando

não como deveria que a gente sabe, a gente aconselha

cuidar assimHeu me cuido, mas não a quantidade e a

qualidade do que deveria ser. Isto é bom, até estar

respondendo estas coisas, que e um cutucão que a gente se

dá, né?

O geriatra entrevistado, Papaléo prioriza novamente o aspecto

subjetivo, ao falar de auto-cuidado. Para ele, o fato de não ser uma pessoa

deprimida, e sim otimista, funciona como um grande alimento para sua

saúde. A leitura e a escrita são seus aliados e bálsamos construtores de

saúde:

Obviamente, eu já disse de início eu sou de certa forma

displicente comigo até os 60 anos de idade eu tinha, eu era,

praticava esportes, porque gostava e praticar também, isto é

muito importante, nunca fui uma pessoa deprimida, não sou

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mesmo, não me sinto deprimido nunca, até porque...

atualmente não pratico, dediquei toda a minha vida para a

minha atividade pela qual sou reconhecido, que são os

livros, as aulas.

Outra vez aparece um discurso pronto de como cuidar de si, e a

entrevistada Goretti, que trabalha em uma instituição hospitalar, cuidando

de pacientes terminais, mal consegue horário para cuidar de itens básicos

em relação à sua alimentação, e seu sono como gostaria:

Então, eu tento me cuidar. Eu juro que eu tento. Hoje eu

tenho um volume de trabalho que me impede de algumas

coisas, mas eu tento pelo menos ter uma atividade física

que me conforte, organizar a minha alimentação, mesmo

que eu não coma da forma como eu gostaria, mas pelo

menos selecionar os alimentos, isto eu procuro. Ter algum

repouso, na hora que eu to muito cansada eu apago o

tempo mesmo, apago o computador e procuro ter atividades

de lazer, né? Então... eu acho que isto é importante, e

fundamental Eu olho muito pra mim mesma, né?

É fácil perceber que, apesar destes entrevistados não seguirem à

risca os modelos de cuidar de si, preconizados pela sociedade, e

fartamente publicizados pela mídia, os entrevistados mantêm alto índice de

atividades intelectuais, atividades de lazer e atividades laborativas que os

auxiliam na manutenção da qualidade de vida e no sentimento, e sensação

de viver bem. Pesquisas veem comprovar tal argumentação, é o caso de um

recente estudo publicado no periódico The Journal of Gerontology:

Psychological Sciences, que revelou que o aumento ou manutenção de

atividades de lazer ajudam com a redução do declínio cognitivo em idosos e

conseqüente instauração da doença de Alzheimer. Apesar de não

comprovarmos a máxima ‘cérebro: use-o ou o perca`, pesquisadores de

doenças neurodegenerativas dizem que exercitar o cérebro, com certeza,

contribui para um envelhecimento mais saudável.

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Margaret Gatz, pesquisadora envolvida no estudo, salienta que é

importante entender que as atividades durante a vida podem afetar como

uma pessoa irá envelhecer. O estudo conjunto da USC, da Universidade de

Götenberg e do Instituto Karolinska – os dois últimos na Suécia – chegou à

conclusão de que participantes idosos com atividades de lazer constantes

tinham os riscos de desenvolvimento de Alzheimer e demência diminuídos

significativamente, independentemente do nível escolar, mas articulados às

atividades de lazer e tendo suporte social.

Segundo Antonucci:

O suporte social é um dos recursos mais significativos

usados pelos idosos. Envolve a percepção do suporte

recebido, o senso de controle sobre as relações sociais, e a

perspectiva de trocas que incluem fatores afetivos,

emocionais e materiais. Em pesquisas na comunidade

francesa, Antonucci, Fuhrer, Dartigues (1997) assinalam que

a percepção e a satisfação com o suporte social recebido foi

correlacionada positivamente com menores índices de

sintomas depressivos. A manutenção de contatos sociais

com amigos de longa data, e preservação de emoções

positivas com os relacionamentos, mesmo na presença de

diminuição da rede de relações, são achados positivos no

contexto das relações ou interações na velhice, assim como

a possibilidade de suporte e contatos à distância com filhos,

amigos e familiares (Erbolato, 2002).

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Capítulo VII

É Preciso ter um Projeto de Felicidade

Sobre os projetos de prevenção relativos ao cuidar de si que

envolvem qualidade de vida..., mais uma vez na presente dissertação inicio

este capítulo com uma síntese mais livre, mais próxima de um ensaio

poético, que revela as várias perspectivas do cuidar de si apresentadas

pelos entrevistados, e autores pesquisados.

É possível um projeto de felicidade?

De que forma?

De várias formas

Primeiro passo

Ser picado pelo tavão

É preciso ter dinheiro para sobreviver

É preciso ter saúde; lucidez para dar conta de ser independente

É preciso desenvolver a espiritualidade para serenar a alma

Decantar o espírito

Vislumbrar a vida com alegria e otimismo

É preciso socializar, relacionar-se para ser: “ser aí” ,sujeito em interação

com o mundo

É preciso se conhecer; auto-conhecer

É preciso ter vontade para criar e lutar pela felicidade

Quanto ao dinheiro; é preciso poupar, é preciso se prevenir

O esperado é que a partir dos 60 anos, a maioria dos idosos esteja já

aposentada. Mas o país, o mundo vai dar conta de toda esta demanda?

De acordo com a Swiss Re, segunda maior resseguradora do mundo, não

podemos mais subestimar a expectativa de vida dos idosos, é preciso tomar

providências desde já, para dar conta do aumento da longevidade para

poder se planejar na velhice. O jornal de economia Valor traz uma notícia de

Genebra e atesta que:

Mais de US$ 17 trilhões de ativos de fundos de pensão

estão expostos a “risco de longevidade”, ou seja, poderão

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ser insuficientes para pagar futuras aposentadorias à

medida que a expectativa de vida aumenta. (Jornal Valor, 1

set. 2010)

Uma das saídas que a Swiss Re sugere é que empregadores e

fundos de pensão façam um balanço de suas reservas. E também aconselha

a incentivar o setor de seguros a desenvolver “modelos mais sofisticados de

riscos”, levando em conta a longevidade. Faz também um adendo para que

os governos procurem “realinhar a idade de aposentadoria com a

expectativa de vida”. A questão financeira e da previdência do idoso já

chama a atenção e o estudo da Swiss RE comprova isto. O entrevistado

Castro, que trabalha no campo da previdência tem clara noção dos

investimentos que se deve fazer neste setor:

Hoje em dia, você ter que se planejar para ter um futuro

mais tranquilo; a gente sabe que vai ter uma queda na

rentabilidade, na renda, e você tem que se preparar prá isto

o quanto antes melhor. Eu pretendo, eu não pretendo parar

de trabalhar até quando for possível, mas eu acho que é

fundamental você ter reserva financeira, ter, estar preparado

para o futuro com isto daí, porque outras questões vão

pintarH e principalmente a questão da doença que a gente

sabe afeta muito mais quando a gente está com mais idade.

Eu acho que a questão da prevenção é isto.

A assistente social Dutra compartilha da mesma preocupação com a

questão financeira. Em suas palavras,

Eu acho que esta história ao longo da vida da gente, eu

acho que este projeto de prevenção tem que envolver todas

as áreas: área econômica, área social, todas as áreas que

envolvam o indivíduo, o ser humano de forma geral. Eu acho

que temos que pensar nisto em todos os sentidos. A

questão econômica, por exemplo, como manter-nos a nossa

estabilidade econômica, ou como prevenirmos uma queda,

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eu acho uma coisa bastante ampla, eu acho que o projeto

de prevenção tem que ser o mais amplo possível.

Entende-se por amplitude um projeto que garanta todos os direitos do

idoso; desta forma, o Estatuto do Idoso não pode ficar para segundo plano,

muito menos permanecer como um modelo utópico. Deveria, sim, num

projeto de prevenção, ser parte fundamental das políticas públicas

principalmente quanto aos aspectos fundamentais que visam a garantir ao

menos dignidade ao idoso, deveriam, sim, se tornar normas, tal como

ressalva o Artigo 2:

O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à

pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que

trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios,

todas as oportunidades e facilidades para a preservação de

sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral,

intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e

dignidade. (Artigo n.° 2 – Estatuto do Idoso)

Num projeto de prevenção relacionado ao cuidar de si, o auto-

conhecimento é fundamental. Conhecer seus limites e suas ambições.

Fraiman considera importante conhecer seu histórico pessoal e comenta o

quão importante é utilizar e otimizar seus recursos pessoais, a fim de

conhecer seus próprios limites:

Não ficar fantasiando coisas, criando fantasmas...

desenvolver um bom senso de realidade,ou seja, ter claro

no percurso, tal coisa pode acontecer a mim, ou pode não

acontecer a mim, e observar por exemplo, além da

autoconfiança, a observação: o que acontece com os outros

que pode ser auto-aplicável e que é importante que eu cuide

também. E não me sentir diferente dos demais ou cultivar

aquele senso de... poder desmesurado, onde que eu nasci

como uma pessoa privilegiada e que numa vida as coisas

ruins não acontecem, acontecem sim, acontecem coisas

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muito ruins... Uma outra perspectiva do projeto de

prevenção é a atualização, eu sou uma pessoa atualizada

com o que se passa no mundo de hoje ou não, ou eu fiquei

pra trás perdida no tempo, parei no espaço, ou seja eu to

correndo risco como todo mundo,e os riscos diferem em que

medida, qual é digamos, quais são os meus artifícios, os

meus instrumentos para enfrentar diversas qualidades de

dificuldades. É claro que a gente sabe também que às vezes

a gente pensa estar preparado para alguma adversidade, e

na hora que a coisa acontece se é pego de calças curtas,

mas é importantíssimo eu saber destes recursos, conhecer

os meus recursos. Então a..., o autoconhecimento é

primordial, e ter também o recurso da fé. A fé, ela realmente

assim... acende a minha alma, acende os nossos espíritos,

fé no amanhã, fé no conhecimento, fé em Deus, é uma

crença que se sustente apesar das dificuldades estarem

acontecendo, ah... eu penso que ela é diferente da

esperança, ah... às vezes a gente tem que perder a

esperança, mas não posso perder a fé.

Diferentemente de Fraiman, saindo do campo da subjetividade,

Castro, além de outros aspectos citados anteriormente, neste trabalho,

viabiliza bases sólidas fundamentadas em exercícios físicos na construção

de um projeto de prevenção:

Primeiro de tudo, é a atividade física, eu acho que é

principalmente a partir dos 60 anos, a atividade física tem

que ser mais intensa até do que ela era de quando você era

mais jovem. A atividade física é fundamental, a gente perde

massa muscular, a gente perde uma série de coisas, e você

precisa fazer inclusive fazer musculação e outras atividades.

Então é muito importante a atividade física.

Todos os discursos referentes ao cuidado de si enfatizam a

importância das atividades físicas, a fim de garantir uma vida com qualidade

e saúde na velhice. Recente pesquisa realizada pela UNIFESP

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(Universidade Federal de São Paulo), e apresentada no 22° Congresso

Brasileiro de Medicina do Exercício e do Esporte em Curitiba, em agosto de

2010, pesquisadores provaram que as atividades físicas ajudam a tratar

doenças. Idosos que se exercitam regularmente consomem em média 34%

menos remédios do que os sedentárias. No estudo apresentado, de 271

mulheres com mais de 70 anos, mostrou que a atividade física pode estar

fazendo o papel dos remédios. Também atesta que o sedentário tem cinco

vezes mais chance de ter hipertensão arterial, e que as pessoas fisicamente

ativas têm menos risco de ter doenças do coração como insuficiência

cardíaca, diabetes e doenças respiratórias. Esta pesquisa não parece trazer

nenhuma novidade, mas o mesmo estudo comenta que infelizmente os

médicos de modo geral não recomendam as atividades físicas com

regularidade.

Juntamente com a recomendação da importância das atividades, é

importante levar em conta as preferências individuais e a autonomia dos

sujeitos quanto à escolha do execício físico. Mas que fazer, é preciso

entender porque fazer, e estimular, é encontrar o prazer em fazê-lo. O

entrevistado Paschoal acredita que é preciso respeitar a decisão e

individualidade de cada um nestas escolhas:

Eu já tenho de pensar em não só dar informações corretas

que os indivíduos entendam o por quê eles têm de fazer

exercícios, é mais fácil de eu ganhar adesão dele ao auto

cuidado. E ao mesmo tempo pensar nas questões tanto

sociais quanto psicológicas que interferem na adesão dele

ao programa de exercício. Por exemplo; eu não posso fazer,

por exemplo, com que as pessoas tenham um único

programa de exercício; então nós vamos agora fazer

natação. Então todo mundo tem de nadar, e aquele que não

sabe nadar, e aquele que não gosta de entrar numa piscina

e aquele que tem medo de entrar numa piscina? O muito

idoso? Então se eu criar algo muito rígido, e esquecer de

preferências pessoais, a questão psicológica, as habilidades

do indivíduo, desejos do indivíduo. Esse programa de

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prevenção pensando em estimular o auto-cuidado vai ser

inefetivo.

Outro aspecto importante, que faz parte do discurso das normas do

cuidar de si, refere-se à alimentação. E uma parcela dos entrevistados

mencionam a importância de uma alimentação equilibrada, a fim de garantir

saúde. Muitas pesquisas enfatizam o poder de uma alimentação balanceada

para adquirir qualidade de vida e longevidade; exemplo disto é o enfoque

que é dado às dietas alimentares que vão desde as comentadas dietas do

Mediterrâneo, quanto às muito preconizadas há mais de 50 anos que

sugerem a ingestão constante de alimentos crus e sem gorduras. Um

interessante exemplo é do médico francês, Varenne, autor do livro Fique

sempre jovem e viva mais tempo (1960: 87). O autor já aconselhava, 50

anos atrás, a ingestão diária de legumes e frutas cruas como poderosos

instrumentos à manutenção da juventude do nosso organismo. Varenne

pesquisou também a dieta na Bélgica, quando verificou que a incidência de

câncer era quase que inexistente há 40 anos, fato este atribuído à ingestão

frequente de coalhada na região. Assim como Varenne, Castro tem

conhecimento para qualificar os cuidados alimentares como um aspecto

bastante importante para o cuidar de si:

A questão da alimentação é uma coisa que você tem que

ter para a vida toda, eu acho, porque o alimento, o alimento

ruim, a gordura, etc, a gordura ruim por exemplo, ela se

acumula durante todos os anos, por toda a sua vida. Então

se você não se cuidou muito nos anos anteriores, você vai

ter que se cuidar muito mais a partir dos 60 anos. Mas é

claro você vai ter que se cuidar durante a vida toda.

Castro também considera as atividades intelectuais e o estudo como

forma de prevenção de doenças:

Sobre a questão intelectual, a questão do conhecimento,

com certeza, se a pessoa não tem uma atividade é

intelectual, ela tem que construir uma, tem que fazer uma,

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desde que seja aprender uma língua, fazer uma série de

coisas. Eu tô com um projeto de aprender a tocar violão,

entãoH

Para a antropóloga Villas Boas Concone, um bom projeto de

prevenção tem que começar bem cedo, de preferência quando se é jovem. A

entrevistada relaciona a juventude com o desejo de estar bem cuidado, com

a auto-estima elevada, além de possuir energia e maior entusiasmo para se

olhar. Em suas palavras:

Talvez o momento ideal seja realmente na adolescência,

né? Porque a gente tá muito aberta, aberta a todas as

chamadas de cuidar de si, em todos os níveis de cabelereiro

a outros. Porque as pessoas estão muito voltadas nas

questões do auto-cuidado. Jovens porque tem espinhas por

exemplo. Daí fica muito preocupado com o que fazerH se

vai no médico, se não vaiH

Portanto, o início da juventude é um bom momento, porque

sempre tem coisas que incomodam e a gente tem que

pensar como resolver. Menina fica muito preocupada com a

questão de pelos que nascem. Ah! Minha mãe não me

deixava raspar a perna, porque dizia que engrossava. Eu

ficava chateada, enfim! Daí você vai procurar alternativas,

espinhas, cremes, limpeza de pele, eu acho que isto tudo é

uma coisa que começa e vai evoluindo e cria hábitos e

talvez crie hábitos saudáveis também em relação a

atividades a serem feitas, que sejam feitas de acordo com

seu modo de ser.

O bom humor e o otimismo são nomeados como formas de

prevenção, e manutenção de qualidade de vida. Segundo a entrevistada

Sodré:

O importante é você ter uma boa qualidade de vida, você

estar bem; e ter bom humor, que eu acho que é a principal

característica de um indivíduo hoje para viver bem, é a

melhor qualidade, é o bom humor.

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Varenne, em seu livro Fique Sempre Jovem e Viva Mais Tempo,

relembra grandes nomes de pessoas famosas, que eram seres otimistas,

pessoas que sabiam tirar da vida o que ela tem de melhor, e sabiam também

como se distrair. Exemplos destes homens foram: Benjamin Franklin, que

aos 78 anos escreveu sua autobiografia; Ticiano, que aos 99 anos pintou

antes de morrer a célèbre: “Batalha de Lepanto”; Henry Ford que, aos 80

anos, dirigia ainda sua indústria; Goethe que, aos 82 anos, terminou Fausto.

Estes homens não tiveram vidas calmas, mas atividades criadoras.

Na mesma linha de pensamento, o médico americano Sun Bear

desenvolve, desde 1970, uma pesquisa em que discute os fatores

envolvidos na cura e considera que a superação dos entraves negativos é o

desenvolvimento de atitudes positivas, de afirmação da vida, são altamente

benéficos. Para ele, uma atitude positiva de afirmação da vida é a chave do

processo de cura. Conforme sua postura, ele preconiza:

Quando alguém me procura em busca de cura ou de ajuda,

meu primeiro passo é examinar o seu padrão geral de vida.

Isso normalmente revela determinados bloqueios que

impedem a pessoa de ser curada. Estes bloqueios podem

estar presentes tanto no nível físico como no espiritual. De

um ponto de vida espiritual, os bloqueios mais comuns são

as atitudes e emoções negativas. (Bear, 1997: 165)

De acordo com a antropóloga Villas Boas Concone, a leitura e a escrita

poderiam ajudar o jovem a se organizar, a se reorganizar e se olhar, e a

enriquecer suas vidas:

Eu acho que hoje o que faz falta é estimular os jovens a

lerem mais, escreverem maisH pensarem mais. Tem muita

atividade física e muita preparação para o futuro, e o

presente não conta? As crianças fazem inglês, francês,

alemão, espanhol, balé, piano, piano saiu de moda, dança,

circoH e enche a vida das crianças com atividades.

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Após a Revolução Industrial, parece que o ócio, a despreocupação, o

não fazer nada, o descansar se tornou inadmissível, a Sociedade Industrial

precisa produzir, para capitalizar. Lafargue, em seu livro O Direito à

Preguiça, situa este ponto de vista:

Além de controlar o corpo e a mente dos trabalhadores por

meio da “gerência científica”, ou da chamada “organização

científica do trabalho”, a sociedade administrada também

controla as conquistas proletárias sobre o tempo de

descanso, ou o chamado “tempo livre”. A indústria cultural, a

indústria da moda, e do turismo, a indústria do esporte e do

lazer estão estruturadas em conformidade com as

exigências do mercado capitalista e são elas que consomem

todo o tempo, e o tempo que fosse dedicado às virtudes da

preguiça. (Chaui, em O Direito à Preguiça,1999: 48)

A entrevistada Villas Boas Concone assinala a importância também das

pessoas, e também da criança poder ficar livre de tarefas, e livre para

pensar:

Não existe um momento de pensar realmente em si, eu

acho que isto é ruim, não desenvolve a capacidade de estar

realmente com você; uma preocupação despreocupada

consigo mesmo, eu acho uma coisa muito ruim este negócio

de ficar pensando no futuro. O futuro a Deus pertence.

Para Tótora, é preciso visualizar o projeto de prevenção como um

projeto de aprendizado de si, e as viscissitudes que enfrentaremos no

decorrer da vida. Enfrentar cobranças e modelos, descobrir sua zona de

conforto, descobrir o seu “cuidar de si” individualmete. Em suas palavras:

Acho que o cuidado de si é mais uma produção de si, é um

aprender, um aprender a mudança, um aprender a

transformação, um aprender a lidar com as forças, com as

forças, sejam elas as forças sociais, enfrentar os modelos,

construir uma trajetória própria, singular, é um trabalho...

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sobre si na relação com os outros, na relação com o mundo,

menos uma prevenção, imagino que prevenção ela implica

sempre alguma coisa, que pelo menos o sentido de

prevenção hoje está muito relacionada já há uma ideia já

dada, uma ideia já dada, já estabelecida que se deve

prevenir doenças., cuidar da alimentação, acho que cuidar

da alimentação, do corpo, da saúde, tudo isto é importante,

mas não enquanto uma prevenção, mas enquanto... uma

expansão mesmo, do corpo, um saber se transformar se

construir... as medidas, a ideia de medida que eu tenho

falado aqui desde o começo, é sempre alguma coisa

singular, a medida é a potência do corpo, e esta potência

nunca é alguma coisa que e ela é medida na relação com os

outros corpos, ela é medida na relação com nosso próprio

corpo, mas não vejo como prevenção não.

O autor Ricardo Ayres, fundamentado em Gadamer, explica que

apesar de enfatizar o cuidado enquanto prevenção, e como compromisso

com a qualidade de vida, e também com a promoção da saúde, ele utiliza

este termo cuidar de si vinculado à mesma práxis aristotélica, na qual

Tótora se baseia, em que a práxis significa a melhor realização da vida.

Uma correspondência com uma forma de vida levada a cabo de uma

determinada maneira. Isto é, práticas de saúde, englobando caráter ético e

também político, onde não há só sucesso técnico, mas inclui também o

exercício de escolha de um modo de vida, indo além de um conjunto de

práticas normativas, juntamente com a possibilidade de escolha de uma vida

boa, que incluam projetos de felicidade, que justifiquem o cuidado. (1983:

21).

Na mesma perspectiva, Foucault no livro Nascimento da Clínica,

considera importante atuarmos politicamente também pensando na saúde, e

no cuidar de si. Em suas palavras:

A primeira tarefa do médico é, portanto, política: a luta

contra a doença deve começar por uma guerra contra

os maus governos; o homem só será total e

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definitavamente curado se for primeiramente liberto.

(1998: 36)

Urris, o entrevistado, que atua no segmento de um Centro de

Referência de Idosos, como Diretor, sugere medidas sociais para garantir

direito de moradia e cuidado nas doenças e dependências do

envelhecimento; e fala também da importância de aprender a se cuidar

desde a infância, Urris pontua que seria de grande importância se as leis e o

Estatuto do Idoso fossem seguidos à risca, principalmente os preceitos do

Estatuto do Idoso quanto aos cuidados com o idoso dependente, e acredita

que o mesmo necessita de muitos cuidados, não só da família, mas também

da sociedade, tal qual preconiza o Estatuto do Idoso:

Art. 3° É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder

Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do

direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte,

ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e

à convivência familiar e comunitária.

A prevenção deve começar então desde o primeiro ano de

vida, com as suas diferenças nestas etapas de crescimento,

quando que você consegue se cuidar e quando você já não

consegue se cuidar sozinho. Na verdade sozinho ninguém

se cuida porque você está sempre está precisando ser

cuidado por alguém ou algo, por algum acidente ou tropeço,

mas a fragilização do idoso, ela não tem jeito, ela vai

acontecer. Então esta prevenção maior na velhice deve ser

muito grande na etapa da terceira idade. O papel de Centros

de Convivência, eu vejo, como uma etapa muito forte, auto-

estima lá em cima pro idoso que não é fragilizado ainda. O

idoso ativo, para que ele entenda o que está acontecendo

com ele, com seu corpo, com sua cabeça, a sociedade, a

sua família, as pessoas que se afastam, o jovem que não

participa mais com ele. E se este idoso ativo tiver um

escorregão, um AVC, ou contrair uma doença de Alzheimer

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ou Parkinson, ele não vai ser nem dono de si na verdade,

ele vai ficar a mercê de outros cuidados.

Pensando na política do Estatuto do Idoso, Urris reinvidica:

Você tem que cultivar, você tem que ter leis que prevejam

este cuidar neste final de vida. Não deixar somente para a

família, é muito pesado para a família. E mais, esta família

de que se fala tem que ser melhor olhada, porque o idoso,

ele acaba sozinho, ele é a família dele. É o velhinho e a

velhinha morando sozinho naquela casa onde os filhos e

todos os outros já se casaram, e já constituíram outras

famílias. E se por acaso este idoso, ele contrair alguma

demência? Para qual dos filhos ou para quem será que eles

serão um problema a serem cuidados. As prevenções têm

que ser por etapa de vida. E prevendo que em determinado

momento não vai adiantar fazer uma prevenção, você vai ter

é de dar uma dignidade de vida, porque até o momento

várias das demências são irreversíveis.

Sodré amplia a noção de projetos de prevenção, incluindo outros

aspectos subjetivos:

Saúde, família, amizades, cultivar estes relacionamentos, se

manter sempre no dia a dia conversando com um, com

outro. Em relação à saúde, exames preventivos, isto sim

tem que ter planejamento. Você não pode deixar muito

tempo de fazer check upH alimentação é importante,

exercíciosH então, é um projeto, é um projeto de vida, do

dia a dia, do cotidiano que você tem de lidar no seu dia a dia

que é a prevenção.

Sodré também chama a atenção para iniciar um projeto de prevenção

que inicie mais cedo, e não no envelhecimento:

Não adianta eu pensar num projeto quando eu for fazer 60

anos, a partir dos 60 anos, eu vou cuidar disto, melhor

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daquilo, depois dos 60 anos eu vouHnão adianta a gente

planejar, vou me cuidar daqui a 5 anos?, não?

Você não vai cuidar de seus dentes daqui a 5 anos, você

não vai cuidar de seu cabelo daqui a 5 anos. Você não vai

cuidar do amigo, você não vai ligar para o amigo daqui a 5

anos. Quando você faz projeto de prevenção é esta coisa do

dia a dia mesmo. Da hora que você levanta até a hora de

dormir, você tem que estar pensando em si, como pensar no

conjunto do trabalho, da família, amigos, tudo isto

representa um bem-estar, uma qualidade de vida, tudo isto

pode ser sinônimo de cuidar de si, este é meu

entendimento, acho que é isto.

Estar antenado, ativo, produzindo, plugado, conhecendo, lendo, são

ações importantes e essenciais para Papaléo:

Na verdade é ter, basicamente, é ter aquela visão,

basicamente é ter aquela visão da importância do

envelhecimento bem sucedido, ou como a Organização

Mundial de Saúde preconiza; o envelhecimento ativo, e

como se faz isto? Esta é uma coisa que está mais ou menos

implícito até no que eu to falando, É tentar realmente ter o

envelhecimento psicológico saudável, e evidentemente ter

uma vida regular, afetiva, 3 vezes por semana no mínimo,

40 minutos de exercício todos os dias, caminhada é

importante. Exercício é ter uma vida saudável em todos os

sentidos, inclusive na alimentação. Abstinência eu não digo,

mas ter um controle bebidas alcoólicas, na verdade é isto

que eu vejo como um projeto, projeto que obviamente deve

ter a colaboração do próprio idoso, e também tem que ter

assessoria e promoção do governo federal e estadual

porque senão...

Para Goretti, especialista em Cuidados Paliativos, a verdade é fundamental

para a função de cuidados e prevenção; em suas palavras:

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Pensaria nas duas esferas, não somente na questão física,

mas eu pensaria especialmente na questão da decisão,

autonomia, tomada de decisão, eu vejo isto muito

importante. A gente lida com famílias, por exemplo, que não

querem, por exemplo, que os idosos saibam de seu

diagnóstico. Eu acho isto um horror, eu acho que a gente

tem de saber pra decidir direito sobre o tratamento. Acho

que a autonomia, você só faz direito só tem se você tiver o

direito de informação, informação verdadeira. Pretendo que

sejam cuidadosos comigo, que sejam francos, que eu possa

conversar, que eu possa ouvir, que possa ser ouvida, acho

que isto deve ser parte de programa de prevenção de

decisão. Eu acho que isto deve ser parte de um programa

de envelhecimento, velhice e prevenção. E aí? Quando

chegar a sua hora de decisão como você quer ser cuidado?

A gente fala muito pouco nisto, a gente acha que a velhice é

sempre uma grande festa, a gente diz a melhor idade, é

tudo muito lindo com maior ou menor grau de dependência.

Mas eu acho que nesta idade a doença vem invariavelmente

acho que mais forte, mais leve.

Eu acho que a gente deve estar preparado na vida para

envelhecer e morrer. E quando a gente vai ficando mais

velho, isto se torna uma realidade cada vez mais presente.

Então, eu acho que a gente tem que considerar isto sim,

como verdade de vida, e lidar com naturalidade quando se

lida com as outras questões. Eu não quero envelhecer só

para fazer festinhas, acho as festinhas ótimas, viagens

ótimas, mas se eu pensar mais em levar a sério a minha

condição de vida naquele momento, e eu nasci, acho que fui

bebê, fui criança, fui adolescente, fui um adulto jovem, estou

vivendo uma fase da maturidade, mas eu pretendo viver

cada fase, eu não quero chegar aos 80 como uma garotinha

de 35, 40 anos, que até então vai ser uma garotinha, né?

Madura, bonita, dentro da minha maturidade, né? Sabendo

o que fazer da minha vida de forma compatível com a minha

idade. Acho que este é o meu desejo: envelhecer.

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É interessante notar que muitos sugerem estratégias de cuidar de si

já evidenciadas há mais de cinquenta anos, fujam disto, daquilo... para se

prevenir de certas doenças. Neste caso, retorno Varenne, em seu livro Fique

Sempre Jovem e Viva Mais Tempo, onde ele recomenda evitar quatro

inimigos, em suas palavras:

Viver é preservar-se das doenças que matam e também

evitar aquelas que não matam, mas que nos impedem de

gozar a vida. É preciso obter informação para não se tornar

víítima de: cancer, reumatismo, diabete, celulite (adipose)

(Varenne, 1960: 87)

Interessante notar que no livro deste mesmo autor, no ano de 1960,

ele chama a atenção aos fatores emocionais impactando o corpo, e se

transformando em doença. Claro relato dos transtornos psicossomáticos

simbolizados pela adiposidade. Este médico descreve e diz que certas

celulites podem ser de origem nervosa ou emocional e produzidas por

estados de alma ou certos acontecimentos de nossa vida que nos afetam

particularmente. Do médico francês Decormeille, no livro Cellulites

d’inquietude:

A celulite nos penetra pelos ouvidos na azáfama do

escritório, das lojas ou da rua. Entra-nos pelos pés, nós que

corremos atrás do ônibus perdido. Ela nos entra pelos dedos

colados no teclado da máquina. Entra-nos pelo cérebro, no

embrutecimento dos múltiplos problemas que se erguem

diante de uma vida cada vez mais desenfreada. Não nos

enganemos: nossas cadeiras, nossas coxas se incham de

cifras, de raivas contidas, de ônibus perdidos. Não estamos

pesados de gorduras, mas inchados de tempestades

reprimidas que nos eletrizam da cabeça aos pés: que

elaboram nossos venenos e bloqueiam-nos sob nossa pele,

na fibra retraída de nossos tecidos. (Varenne, 1960: 103)

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Neste breve relato pode-se perceber que já naquela época, eram

notados os efeitos nocivos de uma vida estressante para a saúde do corpo e

da alma. O autor refere o trabalho, a profissão, o estilo de vida e modo de

viver, os responsáveis pela aquisição da doença. No caso a celulite.

Celulites de inquietação, nome bem sugestivo, em que para sua correção, o

médico sugeria e indicava exercícios, alimentação, dieta, e um afrouxamento

nervoso. Nota-se de alguns entrevistados uma preocupação com um

movimento preparatório do idoso para ficar velho. Como a busca de um

modo preventivo para não ficar doente. Para alguns, conduzir respostas às

dificuldades ao acréscimo dos anos é uma atitude um tanto quanto

reducionista e miniminalista. O processo de envelhecer é também uma

oportunidade de se conhecer, de se adaptar, de se reinventar, de procurar

novas posturas. Mas o que parece inconcebível nos dias de hoje é lamentar-

se, cruzar os braços para a vida, e as possibilidades que ela ainda

apresenta. Os entrevistados apontam alternativas, onde é possível recriar,

curtir o tempo que utiliza contra ou a seu favor, tendo autonomia e liberdade

de escolha, este parece ser um grande trunfo. Pensando na prevenção,

pode-se olhar para o cuidado de si como um aprendizado primeiro de si

mesmo, de conhecimento de si. Se o indivíduo se conhece bem poderá

utilizar seus recursos e direcionar seus desejos da forma que mais lhe

convier. Portanto, é de grande valia uma preparação para se ficar velho, um

projeto de prevenção que inclua as práticas de si, priorizando todos os

aspectos de nossas vidas: físico, psíquico, social, religioso e ambiental,

como um processo mesmo. Um longo aprendizado por toda a vida, que se

inicia desde o nascimento. Como pontua Villas Boas Concone:

Eu entendo que este conceito, ele é muito atrelado ao

envelhecimento no Brasil, mas eu acho que a gente podia

pensar um pouquinho nele antes do envelhecimento, acho

que a gente tem de aprender a cuidar da saúde da gente

desde que é criança. Acho que é um conceito que a gente

tem de trabalhar com ele em toda a nossa história de vida.

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Na mesma dinâmica, o geriatra Paschoal concorda que o processo de

cuidar de si deve-se iniciar cedo:

É importante que eu tenha de cuidar de mim o tempo inteiro,

desde o nascimento. Na velhice isto se torna algo

fundamental, né?

Iniciando cedo ou não, o cuidado de si, por vezes se apresenta como

um exercício de ser, um modo de existir, existir dentro de uma perspectiva

imbuída de desenvolvimento e ampliação. Para isto, é preciso estar aberto à

mudança, aceitar a impermanência da vida e sua transitoriedade. Para isto,

cabe ao ser humano desenvolver sua adaptabilidade e plasticidade, tal qual

a cobra citada por Nietszche:

Mudar de pele - A serpente que não pode mudar de pele,

morre. Tal como os espíritos impedidos de mudar de

opinião: deixam de ser espíritos. (Nietzsche,1981: 251)

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Considerações finais

Aliviar a nossa melancólica humanidade pode ser perigoso. Às vezes, fatal.

No entanto, essa tem sido, desde tempos imemoriais, uma busca dos homens. A

doença faz parte da vida e a saúde não é a perfeita ausência da doença, como nos

ensinou Canguilhem, mas apesar disto, labutamos pela saúde, vemos a doença

como um mal a ser combatido e a morte evitada. (Bastos, 2006: 188)

Com o objetivo de evidenciar a riqueza da diversidade da arte de

cuidar de si, pude através das dez entrevistas realizadas chegar a algumas

considerações importantes:

Primeiramente é preciso ressaltar que, no mundo moderno atual,

cuidar de si é um grande desafio que se impõe à humanidade, e em

especial à velhice, ou melhor, às velhices. A velhice como termo singular é

plural em sua origem, consistência e função; plural na medida em que

interfacia esferas complexas de ações e influências: políticas, fisicas,

sociais, psicológicas, ambientais e espirituais.

Como vimos nas entrevistas realizadas, não há uma cartilha pronta,

não há um manual a seguir, ou uma única alternativa ou norma. Apesar de a

pesquisa apontar para o fato de que somos impregnados por um discurso

cultural indireto e/ou direto rondando e sendo absorvido pelo imaginário

social, pressionando para uma normatização de como “cuidar de si”.

Nomeiam-se receitas de toda a ordem, como seguir uma alimentação

equilibrada, a importância dos exercícios físicos, da função imprescindível da

fé e da experiência espiritual, a importância de não abandonar a vida social,

que tem merecida atenção, e atualmente, maior até que a medicalização. E

as fórmulas e sugestões não param por aíT cada dia surge um novo chá,

um novo remédio, uma nova dieta, um novo exercício, uma nova roupagem

que nos torna muitas vezes estranhamente mais jovens, mas que nunca

conseguirá impedir a finitude.

Hillman sabiamente chama a atenção à necessidade de se pensar a

velhice de outra maneira, deixando de lado o “etarismo” depreciativo - um

conceito de classificação errôneo em que se prioriza um crescente colapso

do organismo físico. Para ele, as ideias de alma, de caráter individual e da

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influência da consciência nos processos vitais, não podem ser vistos

somente como acessórios decorativos, e sim objetos a serem almejados e

cuidados. Nas palavras de Hillman,

As nossas ideias sobre a velhice estão precisando ser

substituídas; quanto mais tempo nos agarrarmos a ideias

gastas, mais elas nos afetam negativamente, atuando como

patologias. A principal patologia da velhice é a nossa ideia

da velhice. (Hillman, 2001: 17)

Pensar em ações preventivas relativas ao cuidar de si. Faz-se

necessário pensar nas instituições, nas formas de relações existentes, quer

sejam na família, no trabalho, na saúde e na sociedade como um todo.

Nesta perspectiva complexa, na qual existem diferentes atravessamentos,

Teixeira sugere que:

(T) é necessário reinventar saúde e doença além da

produção em série, saindo do alienante modelo produtivo.

Produção e prevenção em saúde implicam níveis de

atuação que vão desde o aspecto íntimo do sujeito até as

políticas de saúde, os quais precisam ser considerados na

clínica e na saúde coletiva. (2009: 302)

O autor chama a atenção para o fato de que cada ser humano é

afetado, atravessado por uma diversidade de ações e por conta disto faz-se

necessário não partir para ações que busquem generalizações:

Somos uma continuidade no processo evolutivo, mas

também uma singularidade que pode contribuir para

mudança de formas de vida. Vivemos na linguagem e,

assim, tornamo-nos seres da cultura. Assim como herdamos

nosso corpo, com seus órgãos e funções, adquirimos

elementos simbólicos, míticos e místicos que entram na

construção da personalidade (T) Somos seres humanos no

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mundo da linguagem, da interação, construídos nas

relações feitas entre os elementos animados e inanimados.

Existem dimensões não visíveis, tanto em níveis

moleculares, como no nível do simbólico e do imaginário.

(Teixeira, 2009: 303)

Assim como Ocariz, ao finalizar sua dissertação de Mestrado: O

Curável e o que não tem Cura (2002), conclui que:

Não existem tratamentos psicanalíticos padronizados nem

ideais. A cura psicanalítica exige criatividade e humor para

enfrentar todas as circunstâncias. Para ser analista é

preciso inventividade, habilidade para encarar o imprevisto,

sensibilidade e humor até frente às situações muito críticas

(T) A angústia que nos afeta nos momentos cruciais da

direção de uma cura é para nos lembrar que somos

analistas e que existem ainda caminhos (T) A psicanálise

tem muito que aprender com a arte em relação à

perspectiva da criação, do sujeito criativo, da invenção.

(2002: 170)

Faço minhas as palavras dela, substituindo a palavra analista por ser

humano, psicanálise por vida, e cura por cuidar:

Não existem tratamentos padronizados de sobrevivência

nem ideais. A cura de vida exige criatividade e humor para

enfrentar todas as circunstâncias. Para ser ser humano é

preciso inventividade, habilidade para encarar o imprevisto,

sensibilidade e humor até frente às situações muito críticas

(T) A angústia que nos afeta nos momentos cruciais da

direção do cuidar de si é para nos lembrar que somos

humanos e que existem ainda caminhos (T) A vida tem

muito que aprender com a arte em relação à perspectiva da

criação, do sujeito criativo, da invenção. (Fuentes,

mudanças in Ocariz, 2002: 170)

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Muitos aspectos importantes e sugestões de alternativas de cuidar de

si foram mencionados pelos entrevistados durante a pesquisa que realizei.

Muitos valores foram enaltecidos e valorizados, no caso da autonomia e da

liberdade de escolha. Acredito que devemos vislumbrar com muita cautela o

quanto cada aspecto deva ser desenvolvido e absorvido por cada um de

nós. Somos seres singulares e únicos. O que é importate para um pode não

ser para o outro. O importante é perceber o que faz sentido, e que tenha eco

na vida e nas escolhas pessoais. Lutar para adquirir liberdade extrema

dependendo da ocasião não é a melhor opção. Servan-Schreiber chama a

atenção para as rápidas mudanças que ocorrem na sociedade moderna, e

suas consequências:

Hoje vivemos em meio a uma tendência mundial centrada

no ego, no “desenvolvimento individual”, na psicologia

individual. Os valores-chave são autonomia, independência,

liberdade individual e auto-expressão. (Servan-Schreiber,

2004: 228)

Libertos de elos familiares, deveres, obrigações em relação

aos outros, jamais fomos tão livres para buscar nosso

próprio caminho. Mas por isso mesmo podemos nos perder

e acabar sozinhos. (Servan-Schreiber, 2004: 229)

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Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas

usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os

caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o

tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos

ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

(Fernando Pessoa)

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ANEXO: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro que fui devidamente informado/a sobre a pesquisa “As várias faces do

cuidar de si”, realizada pela mestranda Sônia Azevedo Menezes Prata Silva

Fuentes, aluna regularmente matriculada no Programa de Estudos Pós-Graduados

em Gerontologia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Declaro também, ter aceitado espontaneamente participar deste trabalho

concedendo entrevista e respondendo às questões formuladas pela pesquisadora,

referentes ao seu tema de pesquisa. Concedo também a permissão para a

utilização de imagem, e autorizo sua veiculação. Tenho ciência de que minha

participação é livre e que posso interrompê-la a qualquer momento. Afirmo ter sido

esclarecido(a) de que as informações dadas e os depoimentos feitos serão

identificados nominalmente, e que os dados coletados destinam-se,

exclusivamente, para compor os resultados deste estudo, divulgação em eventos

científicos e publicação em periódicos reconhecidos pela comunidade acadêmica.

São Paulo, ____, _______________, 2010

_____________________________________

Sônia Azevedo Menezes Prata Silva Fuentes

CPF 013.138.268-39

TESTEMUNHAS:

____________________________ ____________________________

Nome: Nome:

CPF: CPF:

RG: RG:

Entrevistado:

CPF:

RG:

Obs: uma cópia deste Consentimento ficará com a pesquisadora e a segunda via será entregue aos entrevistados

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Nosso amor pela pessoa velha não deve ser uma

opressão, uma tirania a inventar cuidados chocantes,

temores que machucam. Façam o que bem entendam,

cometam imprudências, desobedeçam conselhos.

Libertemos os velhos de nossa fatigante bondade.”

(Paulo Mendes Campos, 1922- . O anjo bêbado).