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# 8 - novembro' 14 SÓNIA SOUSA SEMPRE A ANDAR PORQUE PARAR É A MORTE DO ARTISTA

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# 8 - novembro' 14

SÓNIA SOUSASEMPRE A ANDAR PORQUE PARAR É A MORTE DO ARTISTA

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Aqui estamos de novo a terminar mais um ano de actividade na FPTA. O novo elencodirectivo está a procurar imprimir algumas inovações nos projectos basilares da estruturaque se traduziram já em algumas alterações na componente formativa dos FórunsPermanentes e que, acreditamos, irão potenciar a eficácia do evento conferindo-lhe maisdinamismo e atractividade. Tambémem relação aoConcurso Nacional de Teatro (CONTE)foram introduzidas novas categorias de premiação: Melhor ator e atriz secundários, melhorambiente sonoroeprémio “Maria daFonte”, atribuídopelo público; categorias estasquevãocontribuir para qualificar ainda mais as produções a concurso e até, eventualmente, opróprio leque de companhias de teatro premiadas.

Nestenúmerovamosconhecer umpoucomaisSóniaSousa, encenadora, dramaturga, atrize formadora na área de teatro e técnica vocal, pela pena de Manuel Ramos Costa, numaentrevista muito interessante. Falaremos também do Fórum de Mortágua em jeito debalanço e vamos antecipar algumas notas do Fórumque vai decorrer na Amadora, nos dias30 e 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2015. O doutor João Maria André termina a série dereflexões que tem vindo a partilhar com os leitores sobre omote «Teatro, Arte e Educação»e vamos conhecer mais um texto original produzido no âmbito do painel de dramaturgiaocorrido no último Fórum Permanente de Teatro.

Aproveitamos também para lançar um repto aos associados no sentido de partilhareminformações das suas atividades, estreias e festivais de teatro, por forma a que o gabinetede comunicação possa tornar as newsletter “In-forma” mais regulares potenciando umconhecimento mais amplo de cada um dos nossos associados e dos projectos que estãoa desenvolver.

Está na hora de todos contribuírem para este grande desígnio que é reforçar e divulgar oteatro associativo que se faz pelo nosso país e que nem sempre se afirma devido aconstrangimentos de ordem diversa: a união faz a força. Juntem-se a nós para tornar maioresta causa.

Fernando RodriguesDiretor da Revista PALCOS

editorial

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FICHA TÉCNICA

Propriedade Federação Portuguesa de Teatro - Praça José Afonso, 15 E | C.C. Colina do Sol, Loja 55 | 2700-495 AmadoraDiretor Fernando Rodrigues Conselho Editorial Luis Mendes, Tânia MariaFalcão, Anabela Teixeira, Manuela Estevinha, Bruno Gomes, Manuel RamosCosta e José Teles Colaborador permanente João Maria André ColaboraramnestenúmeroRicardoMendesePorfírioLopesGrafismoePaginaçãoGabinetede Comunicação/Federação Portuguesa de TeatroPeriodicidade Semestral | Edição Digital

editorial 1 conversas de basti-dores sónia sousa 3 estreia xiiifórumpermanente de teatro10pro-grama de sala amadora | caixane-gra.colectivodecriação | teatropas-sagem de nível 15 reportórioteatro, arte e educação (v) 20 sempalco vertigem 24

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conversasde

bastidores

A Sónia Sousa, amiga e colega das lidesteatrais, pedi antes de tudo, queme falassedoseu torrão natal e eis o que da sua pena fluiu,assim, num piscar de olhos:

«Sempre que regresso a São Miguel e sinto oimpacto da aterragem do avião no aeroporto,fico emocionada e as lágrimas saltam-me dosolhos, pois penso: – Cheguei a minha casa!

Descrevo a ilha hoje, como um local paradisíaco e estimado. Felizmente, sinto que osmicaelenses já valorizam mais a nossa terra e é uma honra poder visitá-la e apresentá-laa todos o que querem conhecê-la. Uma ilha verde onde a beleza natural se realça aosnossos olhos e o cheiro das plantas é inesquecível. Tudo está muito mais cuidado evalorizado. Quem a visita fica deslumbrado com tanto força natural em tão pouco espaço.Sinto que amentalidade da sociedade está a mudar quanto ao nível cultural e turístico masainda há muito por explorar. Fico triste por sentir que ainda investem muito nos artistas defora das ilhas e fecham portas para os artistas da casa. É que muitos se esforçam por fazerum bom trabalho mas sem apoios nem sempre é possível. Também me entristece sentircomodismo a mais por parte de muitos jovens que se desencorajam logo que falham naprimeira tentativa e permitem acomodar-se para não ouvirem mais um não.

O facto de estar rodeado de mar, transforma os nossos sonhos em verdadeiros desafios esóos realizamquemnão tivermedode falhar.Hoje comacrise, vejoa ilhamaisbemcuidadamas sinto as pessoas menos felizes dado a elevada taxa de desemprego. O excesso deburocracia numa ilha que, geograficamente, já tem grandes limitações, também é umconvite para que a juventude empreendedora emigre.

Vejo a minha Ilha como o meu refúgio, onde consigo encontrar a força necessária paracontinuar a superar desafios e atingir objetivos. São Miguel é um paraíso de céu aberto nomeio de ummar imenso onde habita um povo extremamente acolhedor e honesto que deveser reconhecido e apoiado por quem se comprometeu fazê-lo. Um povo que se orgulha dasua terra mas, que dadas as limitações diversas, vai evoluindo lentamente.»

Apaixonada pelo que faz, e que tão bem faz, Sónia Sousa é um nome que se agiganta àmedida dos projetos que vai concretizando. Alegre e otimista por natureza, determinada eexigentepor temperamento, umpouco reservadamassempreprontaacolaborar comquemaos seus saberes recorre, Sónia Sousa é uma mulher inspirada e inspiradora, em cujouniverso cabem todos os amantes desta mui nobre arte – o teatro.

Passemos agora às perguntas e respostas, e que destas se faça o seu fidelíssimo retrato.

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MANUEL RAMOS COSTA – S. Miguel, Açores, o teu berço…

SÓNIASOUSA–Omeuberçoaminhasegurançaaminha fontede inspiração.Guardo tudoo que me faz feliz como Ser pessoa. Uma infância maravilhosa onde a liberdade de se sercriança foi permitida sem restrições, o convívio familiar, as festas familiares que eramsempre um forte motivo de alegria e de partilha, as festas do Espirito Santo que duravammeses, as matanças dos porcos onde todos se juntavam durante um fim de semana paraajudar tratar de tudo, as festas da Padroeira da Freguesia onde a minha atividade eraapanhar as flores para fazer os tapetes de flores para a procissão…As férias de verão ondea rua era o nosso espaço de convívio, de competições desportivas, de eventos culturais…OGrupo folclórico em que participei, o grupo de teatro que formei na freguesia para animaras festas de Natal, os desfiles carnavalescos… As memórias são muitas e delas aindarespiro alegria e inspiração para alguns eventos que hoje realizo.

MRC – Quando eras criança…

SS–Quandoeuera criança, tinha tempopara tudo, pois numa família extensa, haviamuitastarefas, mas tive a sorte ser a oitava de nove filhos e as minhas tarefas eram mais leves emais variadas. Participava em todos os eventos religiosos e culturais da freguesia edepressa estava a liderar atividades de teatro e animação e até mesmo desportivas, comocriar equipas de futebol feminino, escrever e encenar peças de teatro para as festas dacatequese e idosos. Ajudar os meus pais nas tarefas destinadas, quer fossem em casacomo na agricultura. Sempre gostei tudo o que era ao ar livre, pois a luz do sol e o vento ea chuvame inspiravam…Voltar a esse tempo, bem, é impossível,mas guardo-o como fontede inspiração para viver sempre com alegria esta vontade de ir na liberdade de se estar.

MRC – Foram os teus sonhos que te afastaram dos Açores ou…

SS – Foi esta paixão que imensa pelo Teatro que me fez vir para terras continentais. Vimestudar para o Porto e como felizmente sempre fui bem-sucedida no meu trabalho, por cáfui desenvolvendo projetos e eventos que me realizam. Esta vontade de ir sempre maislonge, conhecer mais, aprender sempre mais um pouco, para assim poder partilhar asminhas aprendizagens na ilha onde cresci. A curiosidade, a vontade de não estagnar noconhecimento da vida.

MRC – Iniciaste os teus estudos na área das artes, na cidade invicta…

SS – Sim. Estudei na Escola profissional do BALLETEATRO. Onde me senti muito bemrecebida. Acho que o facto de ter vindo propositadamente dos açores fazer a audição,surpreendeuosquemeacolheremenadame faltou.Oprimeirodesafio foi aaudição.Estavamuito nervosa, pois nunca tinha passado pela experiencia de uma audição, mas fui muitosincera no que fiz. Mostrei o que sabia e quemais do que omeu conhecimento, era aminhavontade de aprender. Sabia a resposta, senti um misto de emoções. A alegria de terconseguido entrar na escola e a transformação que a minha vida iria ter a partir daquelemomento. Pensei «Antes era um sonho, agora é uma realidade». E assim foi. EmSetembrode 1999 começaram as aulas. Apesar de sentir alguma dificuldade em adaptar-me ao ritmoda nova vida, cultura diferente, clima diferente… Senti-me muito acolhida por todos oscolegas e professores, o que me facilitou imenso o processo de aprendizagem. O primeiroano foi um ano de descoberta. Fui aconselhada a estudar canto e assim o fiz, com aProfessora Mónica Pais que para grande surpresa me disse que eu era cantora lírica.

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Usufrui do canto para melhorar a minha dicção, projeção de voz e corrigir a postura.O segundo ano foi muito especial e difícil. Ummarco na minha vida. A perda inesperada deum irmão fez-me refletir sobre todo omeu percurso. Naquelemomento, aminha tristeza eratão forte que me apercebi ter perdido demasiado tempo na vida não fazendo o que tantogostava por medo de errar ou de uma crítica destrutiva. E logo pensei… Perante esta dortãoprofunda,não tenhonadaaperder.Sóme resta fazeroquemaismemotivaqueéTeatro.Comecei a aceitar todos os convites que me foram feitos para realizar espetáculos eanimações. Nas aulas fazia tudo o que me era proposto sem temer a crítica ou o cinismode quem podia sentir-se ameaçado. A partir daí, nunca mais parei.No terceiro ano, conheci uma Associação de Teatro Infantil, TIN.BRA, em Braga e foi deencontro ao que já fazia na minha terra, fui convidada pela direção para realizar o meuestágio o qual aceitei com todo o prazer e terminei com a estreia de uma comédia deminhaautoria «ETIQUETA». Encerrei o curso com a apresentação da PAP «Os sete pecadosmortais dos pequenos Burgueses» de Bertold Brecht, o qual foi um sucesso. A vontade deaprender mais, fez-me concorrer ao conservatório de música do Porto para a classe deCanto onde fui admitida e assim continuei a aprender um pouco mais sobre o mundo damúsica que se completa com o teatro. Trabalhando e estudando fez-me colocar em práticatudo o que aprendia e logo percebi que parar é a «Morte do Artista».

MRC – Teatro é…

SS–Éoespaçoondeseépossível existir. É umdar asasà imaginação semobstáculos nemlimites. No Teatro cria-se o espaço. Procura-se o gesto. Deixa-se voar a palavra. Imagina-se os sons no silêncio e o silêncio dos sons. Nada interfere a ação quando esta tem de serfeita. No Teatro vive-se o tempo que se quer. Conquista-se as personagens e parte-se paraa história do «Faz-de-Conta». Teatro para mim é mais do que uma profissão. É umavocação.

MRC – Canto?

SS – Descoberta. Harmonia. Imensidão do meu Ser.

MRC – João Paulo II?

SS – Um discípulo de fé. Um peregrino de Amor. Um exemplo que moveu o mundo.

MRC – Se te fosse dado partir agora, de onde estás, para onde irias? E levarias o quêou quem contigo?

SS – Iria para os Açores trabalhar com a minha grande amiga e formadora de TeatroEduarda Reis e levaria a alegria de se fazer teatro a todas as ilhas, de forma a valorizar acultura e os costumes da gente da nossa terra.

MRC – O que te levaria a parar o mundo?

SS –Omundo não pode parar. Seria umerro tentar fazê-lomas gostariamuito que omundopudesse abrandar o ritmo e libertar-se dentro do seu eu para amar sem correrias nempreconceitos desnecessários, pois o tempo não para e é precioso ter tempo para sentir otempo.

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MRC – Tens medos? Dormirias numa cripta às tantas da noite?

SS – Medos? Tenho muitos, mas o meu maior medo é desiludir aqueles que tanto meinspiram e me fazem acreditar que posso dar sempre mais e um pouco melhor,nomeadamente a minha família que me apoia incondicionalmente e os amigos que meabraçam no percurso da minha vida. Dormir numa cripta… Não sei. Nunca pensei nisso,mas pode ser o meu próximo desafio.

MRC – O que é que, olhando ao teu redor, mais te dói?

SS – A Indiferença das pessoas perante os seus semelhantes. A ocupação supérflua dasociedade. O abuso de poder. A falta de amor perante o Homem.

MRC – Se não fosses deste tempo, em que época gostarias de ter nascido e porquê?

SS – Gostaria de ter nascido no tempo dosceltas. Pois é uma cultura que me atrai e meinspira.A harmonia que existe entre o eu corpo, o euespirito e o eu universo fascina-me e eleva-me ao mais profundo do meu existir.

MRC – Partindo da frase que se segue,completa: «Quando abro a boca, ai meussenhores e minhas senhoras…»

SS – … Escutem a voz do meu coração, poisépara vocêsepor vocêsquevivoesta imensapaixão. Viva o teatro!

MRC – Viver do Teatro é uma desgraça?

SS–Não.Desgraçaénuncase tentar viver doteatro commedo de falhar. Eu vivo do Teatro!

MRC – Braga…

SS – É o meu palco. Uma cidade clara, jovem, dinâmica, com enorme diversidade e raizcultural. Braga acolheu-me e deu-me qualidade de vida. Braga uma cidade com muito pordescobrir e tanto para oferecer.

MRC–EmBraga, tensdesenvolvidomuitosprojetosparaa infânciae juventude.Fala-nos disso.

SS – Sim. Já trabalho em Braga desde 2002. Trabalhei sempre em associações culturais,desenvolvendooficinasde teatroparacriançase jovenseadultos, ondeescrevi todaspeçasque encenei. Desde de 2010 tenho desenvolvido e realizado projetos de teatro musical, oque tem sido fantástico, pois, a música e o teatro completam-se na expressão corporal,fazendo com que o ator se sinta completo no palco.

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MRC – Se tivesses de te pintar de alto-abaixo, que cores utilizarias?

SS – Pintaria num fundo branco as cores do arco Iris, pois no branco se refletem todas ascores, assim teria a certeza que jamais faltaria cor nomundo de cada pessoa que o olhasse.

MRC – Há quem afirme a pés juntos que o Teatro está cheio de orgulhosos e dearrogantes, de mercenários e de traidores, e que tal facto ilustra bem o estadomiserável em que o mundo está. Que dizes tu?

SS – Concordo com esta afirmação, pois teatro é emoção. É esperança, é corpo, é voz, égesto, é vivência, é experiência. Infelizmente há quemuse a fragilidade, de quem realmentevive o teatro, para atingir os seus fins.Mas sei que esses arrogantes, esses orgulhos, essesmercenários traidores, não permanecem para sempre e, apesar de provocarem danosmorais, nãoconseguemdestruir aalmadoverdadeiroTeatro, poisaverdadeésempreúnicae resistente. O Teatro e seus Verdadeiros Artistas permanecem sempre e para sempredeixando o melhor de si.

MRC – O que dizes desta recente moda de andarem a «decapitar» pessoas natelevisão?

SS – A moda entristece-me pois é uma ilusão curta de um sonho que não quer ter fim.«Decapitar»aquelesquesedeixam iludir éa triste realidadedequembusca famaaqualquercusto.

MRC – O que é que verdadeiramente te faz feliz na tua vida profissional?

SS–Aemoçãodopúblicoaoaplaudir osmeusespetáculos.Aspalavrasde reconhecimentoperante o trabalho desenvolvido nas escolas e nas associações. O respeito que sinto detodos. E a entrega em absoluto daqueles que comigo trabalham, exigindo apenas omelhorde mim.

MRC – Como achas que anda atualmente a nossa Cultura? Esvaziada? Intoxicada?Torturada? Ou preparada para… Emigrar?

SS – A nossa cultura anda calada, anda contida, e muito pouco valorizada por quem temo dever de a enaltecer e apoiar. Mas felizmente apesar de tudo sinto que a nossa culturacontinua a andar Acredito que esta fase é sómesmopara os resistentes e perante esta crisemuitos estão a recorrer ás suas origens com o intuito de resgatarem as tradições que oexcesso de dinheiro e a febre do consumismo fez esquecer. Posto isto, acredito que nadaacontece por acaso. Há que arregaçar as mangas e valorizar o que é seu por direito.

MRC – Afinal, a «Rua dos Sonhos» sempre existe. Disseste tu. Fala-nos dela.

SS – Sim. A «Rua dos Sonhos» existe. É o meu novo espetáculo de teatro musical. É umarua onde todos se sentem parte dela pois na Rua dos Sonhos, nada se perde, tudo seencontra.

MRC – Federação Portuguesa de Teatro…

SS –Éumprojetomaravilhoso que reconhece o artista e o amante da arte teatral, onde tudo

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se valoriza em prole do teatro feito com entrega absoluta. É uma porta aberta que dáoportunidade a todos os que queiram experienciar o teatro e tudo o que o envolve de formacriativa e com qualidademuito humana. Sinto-me privilegiada por fazer parte deste projeto,como formadora, pois o carinho e o respeito que sinto por parte de todos, é indescritível.

MRC – Que dirias tu (em jeito de conselho) aos jovens que pretendem seguir artes e,mais propriamente, Teatro?

SS – Diria o que digo sempre aos meus alunos minutos antes de cada espetáculo: Nãodesanimem por não serem os melhores, mas alegrem-se por nunca desistirem de dar ovosso melhor.

MRC – Para além do Teatro, que valores te prendem à vida?

SS – A família, os amigos, são razões suficientemente fortes para que eu ameincondicionalmente a vida.

MRC – Num saco de areia, achas que te reconhecerias? (Relaxa e procura ir ao maisfundo de ti!)

SS – Sem dúvida. Tudo o que faço é fruto do melhor de mim. Omelhor de cada um é aquiloque nunca se perde e sempre se encontra. Portanto, reconhecer-me-ia sempre no melhorde mim.

MRC – Gostavas de saber o futuro?

SS–Não.Éomistério quememove.Por isso inspiro-menosmeus sonhospara queo futuroseja cintilante e repleto de emoções.

MRC – O que diz a atriz à encenadora que em ti coabitam?

SS –Oator é aquele que faz e não aquele que diz que fez ou que vai fazer. Portanto aminhaatriz diz à encenadora: faz-me agir. Pois eu existo porque não permites que eu desista. Nãopodemos viver uma sem a outra. Somos a força no teatro que nos preenche e nos move.

MRC – Viagens… Já foste porventura à Polinésia? Conta-nos tudo sobre o que tensvisto por esse mundo.

SS–Nunca fui àPolinésiamas tenho viagemmarcada para ir sempre umpoucomais longe.Adoro viajar. Conhecer omundo é inspirar diversidade e transbordar criatividade. Conheceroutrospaíses, despertaemmimumaalegriade fazeroque façode forma livreeespontânea.

MRC – Quais as vantagens de se ser açoriana?

SS –Muitas. Ser açoriana faz-me sentir especial. Desde o início que as pessoas revelaramcuriosidadeemsaber«coisas»sobreaminha terra transmitindoumaenormeadmiraçãoportudo o que lhes dizia. Ser açoriana inspira-me e dá-me força pois nasci com raízes culturaismuito profundas e muito diferentes das que cá tenho a honra de conhecer. Nem sempre éfácil superar desafios longe de casa, tendo um mar que tanto nos inspira e nos separa dafamília onde a saudade é sempre forte. Portanto, ser açoriana, encoraja-me emnão desistir

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de realizar os meus projetos pois eles são a melhor prenda que posso dar á minha famíliae a todos os que em mim acreditam. Ser açoriana responsabiliza-me a dar sempre mais eum pouco melhor a esta grande paixão que é sem dúvida o TEATRO.

MRC – Que gostarias de adquirir, agora mesmo, para teu conforto?

SS – Mandaria construir um teatro com as condições perfeitas para realizar todo o tipo deespetáculos de forma a servir a cultura e os artistas que tanto dão á cultura do seu país.Incluindo uma residência para que os mesmos ficassem alojados e uma biblioteca abertaa todos os que estimame preservam a cultura teatral da nossa gente. Compraria uma aviãopara trazer aminha família e todos o queme são especiais a assistirem às estreias de todosos espetáculos que faço. Assim poderia viver junto com os meus momentos inesquecíveisna vida e no teatro.

É esta a Menina-Senhora de S. Miguel e do Mundo, que adora o que faz, que vive numa«rua» onde nada se perde e tudo se encontra, que já muitos conhecem e aplaudem na vidae no teatro. É esta a voz de um coração vivo e imensamente apaixonado por uma arte quefazomundomexer commais força.Força,Sónia!Não tevamosperderdevista, vásatéondee para onde te levar o sonho.

Entrevista de Manuel Ramos Costa

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Abraçado pelas Serras do Caramulo e do Buçaco, com a Albufeira da Aguieira a seuspés, o XIII Fórum Permanente de Teatro, aconteceu em Mortágua, numa organizaçãoda Federação Portuguesa de Teatro em parceria com o TEM- Teatro Experimental deMortágua com o apoio do Município de Mortágua.

Cerca de 140 participantes animaram a vila, com teatro, formação e convívio, oriundos dasmais diversas zonas do País representando 18 associadas da FPTA marcaram presença:Associação do Pessoal da Câmara Municipal de Póvoa de Lanhoso, ATA - Acção TeatralArtimanha, Clube da Sertã - A.Com.Te.Ser - A Companhia Teatral da Sertã, Companhia deTeatro Poucaterra, Contacto - Companhia de Teatro Água Corrente de Ovar, GAFT - Almade Ferro, Getas Centro Cultural de Sardoal, Grupo Cultural e Recreativo Nun'Álvares -Teatro Vitrine, Grupo de TeatroRenascer, caixanegra.colectivode criação/KAIXACRIATIVA -Associação Cultural, Pateo dasGalinhas -GrupoExperimental deTeatro, Teatro de Carnide, Teatrodo Zero – A.A.V., Teatro NovaMorada, Teatro Passagem deNível, TEM-Teatro Experimentalde Mortágua, TIL - TeatroIndependente de Loures e oTin.Bra - Grupo de Teatro Infantilde Braga.

O Presidente da Câmara deu as boas vindas aos participantes e aos responsáveis daFederação, e afirmou que não sendo um homem do teatro é um homem que gostamuito deteatro; e referiu que a Câmara Municipal, desde a primeira hora, logo que o TEM lançou orepto, se mostrou disponível para dar o seu apoio a esta iniciativa; tendo também afirmadoque “a troca de experiência e saberes, no teatro como noutras áreas da vida humana, éfundamental, todosnós temos semprealgoaaprender. Epensoqueo teatro está aqui a dar-nosumaexcelentedemonstraçãodoquedeveser a vidaemsociedade, assentenapartilha,

estreia XIII FÓRUM PERMANENTE DE TEATRO

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no trabalho em equipa, na aprendizagem mútua”. No final formulou votos de “bom trabalho euma boa estadia para todos”.

O Presidente de Direção da Federação, Luís Mendes, referiu que este evento tem por principalobjectivo a formação, “proporcionar às nossas associadas formação nas diversas áreas doteatro, com a colaboração graciosa de formadores”.

Assim se passou aos painéis de formação: Painel de Formação de Jogo Dramático - MIGUELLEMOS; Painel de Formação de Expressão Corporal/Movimento - MARGARIDA ABRANTES;Painel de Formação de Técnica daMáscara - CARLOSALVES; Painel de Formação de Teatrodo Improviso -NUNOLOUREIRO;Painel deFormaçãodePreparaçãodoAtor (Voz,Respiraçãoe Dicção) - SÓNIA SOUSA; Painel de Formação de Preparação do Actor (Sensações eEmoções) - IVO LUZ; Painel de Formação de Construção do Espetáculo - JORGE FRAGA;Painel de Formação de Encenação e Dramaturgia - MANUEL RAMOS COSTA; Painel deFormação Iluminação de Cena - RUI FERREIRA; Painel de Formação de Construção deCenografia e Adereços - JOÃO FONSECA BARROS; Painel de Formação de Caracterização- AURORA GAIA; Painel de Formação de Animação de Rua - JOANA GARRAS

Esta edição do Fórum marca o início de um novo modelo com novos painéis dando especialatenção à preparação do ator. Mantem-se, no essencial, o funcionamento do Fórum, porém asalterações introduzidas foram, em alguns casos, só o aprofundar de práticas já existentes masque necessitavam de se tornar mais consistentes:

Nos painéis de formação de atores, otreino e preparação do ator passam adominar a componente formativa, comdoze horas de formação e semnecessidade de apresentação final, sendoesta facultativa e a acontecer de umaforma informal no decorrer do fórum.

É o corpo do ator que se pretende prepararpara a sua função.

As apresentações finais de painéis a partirdo texto doautor homenageado ficamparaapenas dois painéis, um destinado àimprovisação criada a partir do texto e um outro tendo o texto como objecto de trabalho e cujaformação assenta nos pressupostos da construção de um espetáculo.

A partir do próximo Fórum vamos ter novos formadores, novos painéis teóricos e práticos dasvárias temáticas que há muito têm sido solicitadas pelos participantes no Fórum.

Continua no entanto o Fórum a homenagear a Dramaturgia Portuguesa: Branquinho daFonseca, foi o autor desta edição.

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Branquinho da Fonseca, contista, poeta, dramaturgo, ficcionista, homem das artes e da“Presença”, nasceunoconcelhodeMortágua,aquatrodeMaiode1905e faleceuasetedeMaio1974 em Lisboa. Grande vulto do SegundoModernismo Português, da novelística portuguesa;organizador e primeiro diretor do Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da FundaçãoCalouste Gulbenkian.

Era filho de Clotilde Madeira Branquinho da Fonseca e do poeta, ficcionista, historiógrafo,jornalista, panfletário republicano e professor (José) Tomás da Fonseca, cuja intensa eatribulada atividade política e literária marcaram, decerto, não só os seus primeiros anos devida, como também a sua personalidade.

Ocupa o lugar de conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, em Cascais,é aí que trata de pôr em prática a primeira experiência realizada em Portugal no domínio dasbibliotecas itinerantes, o que proporciona em regime de empréstimo domiciliário o livro àpopulação do Concelho de Cascais.

Este facto leva que seja convidado para organizar e dirigir, na Fundação Calouste Gulbenkian,o Serviço de Bibliotecas Itinerantes.

Artisticamente, Branquinho da Fonseca foi influenciado pelos ideais do primeiro modernismoportuguês, de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros e da revista Orfeu.

Ainda como estudante, participa na fundação da revista literária Tríptico, em 1924, daconvivência do grupo desta revista e dos seus colaboradores, veio a surgir, uma nova revista“Presença” (1927-1940). São seus diretores JoséRégio, JoãoGaspar Simões eBranquinho daFonseca.

Branquinho da Fonseca foi um Presencista.

Assinando os seus textos com o seu nome ou sob o pseudónimo de António Madeira, publicouobras de poesia, teatro, contos, novelas e romances. Foi no género narrativo que mais sedistinguiu, sobretudo com a novela O Barão (1942).

Sobre a sua obra literária escreveu o escritor José Régio «natural fusão de realismo e poesia,do senso das realidades e do senso do mistério, tão penetrantes um como o outro».

Luiz Francisco Rebello, ao falar dos textos dramáticos de Branquinho, diz: «(...) se emmatériade teatro alguma ligação existe entre a geração do Orpheu e da presença, é Branquinho daFonseca quem a assegura, com os seus esboços dramáticos que retomam e prolongam oexperimentalismo da obra dramatúrgica de Almada Negreiros...»

No que toca à representação, Rebello é categórico ao afirmar que Branquinho da Fonseca nãoalcançou a plenitude que merece como dramaturgo porque as suas peças não foramencenadas. Contudo, o crítico não deixa de prestigiar a dramaturgia do presencista, a qual,segundoele, abredefinitivamenteoscaminhosparaumanovaconcepçãosobreamodernaartedramática em Portugal, como conclui:

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«Mas, se quisermos entender (e admirar) em toda a sua grandeza a personalidade literária deBranquinho da Fonseca, será imprescindível considerar o seu teatro – assim como éindispensável conhecê-lo se quisermos ter uma visão global e justa da nossa dramaturgiacontemporânea, a qual ficaria irremediavelmente diminuída sem esses esboços, sem esses“apontamentos”, que procuraram aproximá-la do que era, então (e ainda não deixou de ser),para além das nossas fronteiras, o moderno teatro.»

No caso de Branquinho, especificamente, apenas dois espetáculos contemplaram as suaspeças: a peça «Curva do céu» foi apresentada durante o V Espectáculo Essencialista no dia 17de Julho de 1947, no «Estúdio do Salitre» em Lisboa.

O segundo espetáculo aconteceu muitos anos mais tarde, em 1985, quando a companhiaTeatro Aquilo/Aquilo Teatro produziu uma apresentação quemesclava as peças «A posição deguerra» e «Os dois».

Dentro da mesma ordem de ideias mas invertendo o sentido, a partir da sua novela maisconhecida, «O Barão», Luis de Sttau Monteiro extraiu uma peça de teatro, com o títulohomónimo, várias vezes representada.

As restantes peças permanecem como textos «formalmente teatrais», uma apreciação críticaque não andamuito longe da opinião do próprio autor, pois Branquinho da Fonseca via os seustextos dramáticos como «apontamentos à margem dum teatro a fazer».

Estão editados os seguintes textos dramáticos: «A Posição de Guerra» – Drama em um acto;«A Grande Estrela» (parábola em nove episódios); «Curva do Céu» (poema em um acto);«Rãs» (apólogo em um ato); “QUATRO VIDAS” (apontamentos para uma peça). «Os Dois».Com um prefácio de Luiz Francisco Rebello.

A respeito das representações para as peças branquinianas, é válido destacar, antes de tudo,que todos os autores do período sofreram de alguma forma com a censura instaurada emPortugal em 1926.

Noanoquemarca40anosdepoisdasuamortee40anosdepoisdo fimdaCensuraemPortugal,cabe ao Fórum e a Federação Portuguesa de Teatro, trazer para o palco a dramaturgia dummortaguense - António José Branquinho da Fonseca.

Para o Fórum a parábola em nove episódios «A Grande Estrela» serviu de mote para os doispainéis de formaçãodeatores– ImprovisaçãoeConstruçãodeEspetáculo–comacolaboraçãodos painéis de: cenografia, iluminação e caracterização, elaborarem e apresentarem oespetáculo deencerramentodestaXIII Edição.Noentanto, quantoaespetáculos teatrais houvemais:

Na sexta para recepção aos participantes o TEM – Teatro Experimental de Mortágua,apresentou a «Fabrica de Nada», comédia de Judith Herzberg sobre uma fábrica onde nadase compra, nada se faz, nada se vende, nada se cria, nada se inventa e nada se fabrica. É uma

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fábrica surgida do empreendedorismo dos seus trabalhadores que, após ter cessado a suaantiga produção de cinzeiros, resolvem continuar com nova produção, para não ficaremdesempregados. E é a nada que se dedicam.

No Sábado foi a vez do Teatro de Carnide apresentar oMelhor espetáculo do Concurso Nacional de Teatro 2014 –PrémioRuyCarvalho: «Macbeth» deWilliamShakespeare,com adaptação e encenação de Claudio Hochman. A obrade Shakespeare é de tal modo perdurável e atual, sejam quetempos forem, queas revisitaçõesaos seus textos continuama inspirar, como não sucede com nenhum outro autor, oTeatro de Carnide, salientando o lado onírico efantasmagórico de Macbeth, propõe contar, num tempoimpreciso, a tragédia do guerreiro que, na busca pelo poder,assassina o seu rei e se apropria do trono. Inicia-se assim umreinado de terror, vincado na tormenta e no dilaceramento daculpa.

No domingo após as despedidas e commais ferramentas teatrais na bagagem partem para assuas casas os participantes no Fórum. No ar fica o compromisso - marcaremos presença, naAmadora a convite daKaixaCriativa - AssociaçãoCultural e do Teatro PassagemdeNível, parao XIV Fórum Permanente de Teatro nos dias 30 e 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro 2015.

José Teles e Tânia Maria FalcãoCoordenação do Fórum Permanente de Teatro

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programade

sala

Conhecer a Amadora

Criado em 11 de setembro de 1979, o Município da Amadora estende-se por uma área de23,79Km2, onde vivem 175 136 habitantes, segundo os dados definitivos dos Censos de2011.

Este Município foi o primeiro a sercriado após o 25 de Abril de 1974,deixando de ser nessa data umafreguesia do Concelho de Oeiras, aoqual pertencia desde 1916.

O Município da Amadora inscreve-sena área geográfica da AMLN (ÁreaMetropolitana de Lisboa Norte),fazendo fronteira terrestre com osMunicípios de Lisboa, Odivelas, Sintrae Oeiras.

Naalturadasuacriação,oMunicípiodividia-seem8 freguesias:Alfragide,Brandoa,Buraca,Damaia, Falagueira-Venda Nova, Mina, Reboleira e Venteira.

Já em1997, este número elevou-se para 11 freguesias, comacriação das novas freguesiasdeAlfornelos eSãoBrás, tendo a freguesia daFalagueira-VendaNova se dividido emduas:Falagueira e Venda Nova.

Atualmente, o Município é composto por 6 freguesias: Águas Livres, Alfragide, Encosta doSol, Falagueira-Venda Nova, Mina de Água e Venteira.

Património Histórico e Cultural

O património existente no Município da Amadora reside num conjunto de imóveis de valorhistórico-cultural, arquitetónico e urbanístico de manifesto interesse municipal.

Ciente da sua importância, a Câmara Municipal da Amadora tem vindo a garantir a gestãoe a conservação desse mesmo património, salvaguardando e preservando a memória e ahistória do seu espaço e das suas gentes.

AMADORA. LIGA À CULTURA

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Com este propósito, aAutarquia está a proceder aoprocesso de classificação deimóveis considerados deinteresse municipal, tendo porbase o valor patrimonial,histórico-cultural ouurbanístico dos edifícios.

Para quem vive ou pretendevisitar o Município daAmadora, as sugestões devisita são diversas, pelo que o

convidamosaefetuar umpasseio pelaCidade, visitandoalgunsdos imóveis queperpetuamas memórias e testemunham as sucessivas fases de ocupação do território.

A merecer um destaque especial (e uma visita, naturalmente), podem-se referir a CasaRoque Gameiro (mandada construir pelo aguarelista Alfredo Roque Gameiro, que dela fezsua residência, na primeira metade do séc. XX), o Núcleo Museológico do Casal daFalagueira, aNecrópole deCarenque e osRecreios daAmadora (equipamento cultural queassinala, em 2014, o seucentenário), este último “casa” doXIV FórumPermanente de Teatro.

Não têm menor importância aCasa Aprígio Gomes, onde estásedeada a Galeria Municipal ArturBual, e a Biblioteca MunicipalFernando Piteira Santos, cujonome homenageia a figura domilitante antifascista eamadorense, e onde estádepositado o seu vasto espóliobibliográfico doado ao Município.

Fonte: www.cm-amadora.pt

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A caixanegra . colectivo de criação é o projeto artístico da KAIXACRIATIVA –Associação Cultural. Une experiências no campo da atividade cultural, desde osaudiovisuais às artes performativas, da produção de eventos à gestão deequipamentos culturais. Sempre tendo como premissa a proximidade entreintérprete e espectador.

Estando ainda num estado embrionário, oseu historial é a jornada de cada um dosque têm contribuído para alicerçar estaideia/partilha/casa-comum. Seguindocaminhosmuito diferenciados, cada um denós trabalhou em responsabilidade social,a produzir espetáculos de teatro, emserviços educativos, animações paracrianças e filmes documentais.Colaborámos em festivais como o

IndieLisboa, Doclisboa, Panazorean, Funchal Film Festival, Queer e Motelx.Estivemos envolvidos na gestão e programação de diversos espaços culturais.Demos formação em lugares e instituições tão diversas como aCulturgest, RecreiosdaAmadora,FederaçãoPortuguesadeTeatro.E, acimade tudo, quisemos trabalharjuntos mais vezes... e dar a isso um nome. E juntar mais gente de que gostamos. Econhecer pessoas novas. E gostar delas.

Esta ideia-projeto pretende ser uma misturaentre a blackbox do teatro (negro) e a caixanegra dos aviões (onde se guardam asinformações vitais; e também, por isso, olaranja). A caixanegra junta o que já fizemos- e principalmente os erros que cometemos -e as ideias que queremos levar adiante.Apresentámos, em Outubro 2012, a nossaprimeira criação em nome próprio: oespetáculo de microteatro "Eu sou o meupaís" no Teatro Rápido (Lisboa). Depois disso, já estreámos espetáculos de teatro,criámos uma série emocional em vídeo, trabalhámos com crianças. Estamos, nestemomento, a dar formação na área do Teatro Musical e a preparar novas aventuras:teatro, formação e mais vídeo.

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O Teatro Passagem de Nível – TPN constitui, hoje, um património de experiência e decaminho feito com trinta e três honrosos anos. Desabrochou na Primavera de 1981. AAmadora era então uma cidade recém-criada promovida a primeiro município de abril. OTPNdespontou,nesse fulgordenovidadeededinâmicas galvanizadoras, como secção daSociedade Filarmónica Comércio e IndústriadaAmadora, umacoletividade cujo fermento eessência fora, e era, amúsica. Rapidamente oteatro foi tomando a proporção dos projetos edos sonhos até que o tempo acabou pordemonstrar ser impossível contê-lo no perfiltradicional e eclético de uma coletividade.Esse terá sido um dos argumentos que terájustificado o surgimento da sua pacíficaautonomia doze anos mais tarde.

Osautoresportugueses, razãomaior dosprojetos criativosdoTPNexpressamumaescolhaque marcou o advento do grupo e que se projetou na constância e persistência dos diasvindouros.

Os dramaturgos Carlos Correia e Jaime Salazar Sampaio tiveram a oportunidade devivenciar essa constância e essaenormeconvicçãoao teremdirigido, noTPN, a encenaçãodos espetáculos de dois textos de sua autoria.

O Ciclo de Teatro de Autores Portugueses – CITAP, uma bienal dedicada aos dramaturgosnacionais, que tomou as ruas e as salas da Amadora durante sete edições, confirmou esserumo persistente e empolgante.

Muitas outras iniciativas foramcomprovando a vitalidade destaassociação numa permanente busca denovos desafios e de níveis cada vezmais exigentes. Realçamos ainda que,para além da produção dos espetáculos(35 até hoje), da itinerância e de umaprogramação regular, outras iniciativasforam sendo acrescentadas: o concursode originais para teatro, as oficinas de

TEATRO PASSAGEM DE NÍVELUMA ASSOCIAÇÃO COM TRÊS DÉCADAS

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atores (múltiplas e diversas), o projeto deteatro inclusivo com surdos, o despertardas artes (ação formativa para os maisnovos), os serões dos poetas, asanimações (em variadas ocasiões,inclusive na EXPO’98, ou nas primeirasedições da BD/Amadora), os encontrosimaginários (em parceria), para além dosfestivais, tais como: “Amador(a) emCena”, “MOSTRIn – Mostra de Teatropara a Infância e Juventude” (mostradedicada aos espectadores mais jovens) e “DRAMA – Jornada de Teatro Associativo daAmadora”.

O Teatro Passagem de Nível para além de representar um património de memóriasinvejável, anuncia-se como um projeto em permanente renovação e sem aquietar-se emgéneros exclusivos ou opções estéticas demasiado rígidas, buscando compromissos denovas vontades e de novos obreiros que se sintam integrados e estimulados a levar pordiante esta obra sempre inacabada e com novos sonhos por realizar em cada temporada.

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reportório

Senoúltimo textonos referimosmais pormenorizadamenteàeducaçãonaarte (aeducaçãoatravés da própria prática artística) tal como ela se concretiza no chamado ensino artísticoe profissional, gostaria deme debruçar agora, e para concluir este conjunto de textos sobreteatro, arte e educação, ao potencial educativo da prática teatral em contextos maisabrangentes, que, se contemplam a actividade profissional, contemplam também práticasnão profissionais por muitas pessoas que não deixam de se dedicar a esta arte com o rigor,a qualidade e o empenho emgrupos de teatro amador ou emoficinas de teatro nas escolas.

Sócrates, inspirado pela actividade da mãe, definia o seu método filosófico dialógico comouma maiêutica (palavra que em grego designa a actividade da parteira). Inspirado porSócrates, tambémeumesinto tentadoadefinir o potencial educativo daprática teatral comouma autêntica maiêutica, ou seja, uma arte de ajudar a dar à luz aquilo que potencialmentetransportamos dentro de nós. A criação é sempre um acto de geração e um acto detransposição para o mundo dos outros e para a realidade social envolvente do que assimégerado.Eacriação teatral nãoé, nesseaspecto,muitodiferentedequalqueroutra criação,embora tenha características específicas que não podemos deixar de explicitar.

A palavra teatro, que etimologicamente significa o espaço a partir do qual se vê, andoudesdecedoassociadaàpalavradramaquesignificaacção.Comoaacçãocedosecomeçoua materializar num texto, dramaturgo e dramaturgia passaram a ser termos muito ligadosà actividade da escrita teatral e da sua interpretação.Mas não podemos reduzir a actividadedramatúrgica apenas à escrita e à interpretação do texto. Dramático é todo o argumento,feito de diálogos ou não, que traduz a acção que decorre em palco. Em certo sentido, todoo teatro é, pois dramático (até mesmo o teatro que se diz pós-dramático). Por esse motivo,todo o teatro implica o desenvolvimento e a educação de competências dramáticas, no quese refere à construção e à interpretação dos respectivos argumentos. E aí situaria eu umadas primeiras potencialidades educativas do teatro: a capacidade de ler e interpretarargumentos, falas, histórias, textos, poemas, sequências de acções que, se têm a suatradução gestual, têm também a sua tradução escrita. O teatro é, assim, uma maiêutica dainterpretação, pela mobilização que faz das capacidades interpretativas do actor.

Mas se o teatro é o espaço a partir do qual se vê, aquilo que se vê, no teatro, são corposinscritos noespaço, amovimentarem-senoespaçoouacriaremespaçono território emquese movimentam e a exprimirem-se espacialmente. Talvez ninguém tenha sido tão lapidarem sublinhar a importância do corpo, dos seus ritmos, dos seus movimentos, da suapresença intensa no teatro como A. Artaud, que chamava aos corpos deste novo teatro

Teatro, Arte e Educação (V):Potencial educativo da prática teatral

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inspirado pelo teatro oriental hieróglifos vivos e em movimento. Ao anterior centralismo dotexto dramático contrapõeassimesteautor apresença intensadocorpo.E, de facto, o corpoconstitui uma das nossas principais interfaces no jogo teatral. É corporalmente que nosexprimimos, que falamos, que pensamos, que agimos e que sentimos. Daí todo o trabalhoque os actores têm de fazer sobre o corpo próprio para o conhecerem e para melhor seremno corpo e mediante o corpo. Um actor aprende assim a sentir o corpo, a pensar o corpo,descobre os seus labirintos, as suas razões que a razão desconhece, os seus segredos, eé com essas descobertas que depois se oferece, de corpo dilatado, como dizia Barba, oufeito actor santo, como dizia Grotowski no acto celebrativo da vida, do mundo e do tempoque é o teatro. Por tais razões, o teatro é também, no seu potencial artístico educativo, umamaiêutica do corpo, uma libertação do corpo, um oferecimento do corpo no jogo do palco.Quem faz teatro aprendecontinuamenteaexprimir-seplasticamenteatravésdosgestos, doolhar, do movimento e a traduzir as suas emoções em matéria física que é a carne de quesomos feitos.

Se o corpo é uma das interfaces do actor, a interface voltada para o mundo exterior, aconsciência é outra das interfaces do actor, a interface voltada para o seu interior. Comodizia Augusto Boal, uma das características do teatro é que nele, ao mesmo tempo quefazemos e agimos (actuamos), vemo-nos a fazer e a agir. A consciência é isso mesmo: acapacidade de o actor se distanciar e mapear o que o rodeia, o seu próprio corpo, as suasemoções. Mas como o actor tem uma natureza dupla, ao fazê-lo, o actor desdobra a suaconsciência entre a percepção do que é, sente e vive como indivíduo e do que é, sente evive como personagem. Esta consciência desdobrada ensina-nos a estabelecer amediação entre o espaço e o tempo reais e o espaço e o tempo estéticos ou teatrais. Opotencial educativo do teatro reside, por isso, tambéme fundamentalmente, no potencial deemancipação da consciência de si e da consciência do mundo. Neste sentido, o teatro étambém uma maiêutica da consciência que se consegue no training, nos exercíciospreparatórios e também nos ensaios de um espectáculo.

Do jogo entre o corpo e a consciência emerge a capacidade de modular um elementofundamental da poiética teatral, a energia. A presença do actor, ao mesmo tempo que épresença de corpo e presença de consciência, é presença, afirmação e modulação deenergia. É porque um bom actor consegue fazer uma boa gestão e modulação da suaenergia que se diz, ao vê-lo representar, que ele tem presença e também é por isso querepresentar cansa, pois a dilatação do corpo, da mente, da consciência significa umdispêndio permanente de energia. E modular a sua energia não é apenas modular a forçaque põe nos gestos e nos movimentos: pode haver um tremendo dispêndio de energia naaparente imobilidade, no modo de olhar ou fechar os olhos, nas palavras que se dizem ouno silêncio em que se mora ou repousa. Por isso, o potencial educativo do teatro residetambém no desenvolvimento da capacidade de reter e expandir energia, de a modular, dea inflectir, de com ela encher o espaço e o tempo. O teatro é, com isso, também umamaiêutica da energia, o seu parto e a sua manifestação, o acto de a acender aumentando,

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com isso, a temperatura da representação.

Se a energia é o que circula entre o corpo e a consciência e se tanto o corpo como aconsciência têmmundos e segredos que nemsempre a razão sabe, há que reconhecer quehá outros dois dispositivos no teatro que potenciam essa mesma energia, abrindo aconsciência e abrindo consequentemente também o corpo de que a consciência éconsciência: a memória, por um lado, e a imaginação, por outro. Actuar, criando um papel,dando corpo a uma personagem, é, como sublinhou muito intensamente Stanislavski,mobilizar permanentemente a memória. E são muitas as memórias que mobilizamos:memórias afectivas, visuais, auditivas, olfactivas, corporais, a memória de pele, a memóriado tacto, enfim memórias de todos os modos pelos quais o mundo entra em nós e em nóspermanece tantas vezes esquecido. De todas essas memórias se faz um papel, se faz apresença de uma personagem na convocação do passado que viveu e do passado que oactor também viveu. Porque, afinal, todo o presente está carregado de passado. Mas, aomesmo tempo, o presente tambémsó se afirma comopresente vivo namedida emque abrepara o futuro. Daí o papel da imaginação. E, com efeito, se não há teatro semmemória, nãohá também teatro sem imaginação, essa faculdade que nos permite romper o ditadura dopassado e do presente e criar o mundo do ainda não, o mundo dos compossíveis que é omundo do sonho e do futuro. É também na imaginação que começa a transformação de umpresente que rejeitamos e de que nos procuramos libertar. Por isso, o potencial educativodo teatro reside também na sua capacidade de mobilizar a memória e a imaginação, de aslibertar, ou seja, de promover uma maiêutica da memória e da imaginação.

Tudo isto consegue-se, evidentemente, não através de uma inteligência fria, de uma razãoneutra, mas através de uma inteligência emotiva e do que tenho vindo a chamar uma razãopática ou uma razão afectiva. O teatro é uma alquimia de paixões e de emoções tanto noque se refere ao actor, como no que se refere ao espectador. Representar é exprimiremoções e despertar emoções em convivialidade comunicativa. É fazer também umamaiêutica dos afectos e das paixões, uma arte de libertar o corpo que pensa numa razãoque sente, agindo e actuando como quem ama. Como diz Herberto Helder num belíssimopoema sobre o actor: "Ninguém ama tão rebarbativamente/como o actor./Como a unidadedo actor."//"Ninguém ama tão corporalmente como o actor. /Como o corpo do actor."//"Ninguém ama tão publicamente como o actor./ Como o secreto actor."// "Ninguém ama oteatro essencial como o actor./ Como a essência do actor.”

Mas o teatro só será tudo isso se for efectivamente maiêutica. E maiêutica, como arte deajudar o nascimento do novo, nunca pode levar a um movimento de fora para dentro, masa um movimento de dentro para fora. O que significa que o potencial educativo do teatroestará profundamente comprometido se o encenador fizer do actor a suamarioneta. Sendomaiêuticadocorpo, daconsciência, daenergia, damemória, da imaginaçãoedasemoções,o teatro é, antes de mais, uma escola de liberdade. E, por isso, a educação teatral é e serásempre um acto político, no sentido etimológico e nobre do termo. A educação artístico-teatral é, incontornavelmente, uma educação para uma cidadania plena e emancipada.

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Talvez por isso, o poder sempre tenha temido tanto o teatro. E o tenha tentado seduzir ousufocar. Mas resistir, mesmo em tempos difíceis e obscuros, será sempre o nosso querer.E também a nossa utopia.

João Maria AndréProfessor CatedráditoFaculdade de Letras da Universidade de Coimbra

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sempalco

ANDRÉ–Seaspalavrasme faltamemversosnuncaescritos, emestrofes quenãoexistem,então persegue-me o vazio de uma vida inexistente.

MANUELA – Estou tão cansada! Tão cansada!

DANIELA – Aqui? Mas queres que eu vá para aqui? Mas queres que me afaste mais?

MANUELA – Chegámos?

ANDRÉ – A frustração… A frustração… A frus…

DANIELA – Mas, afasto-me até onde?

MANUELA – Queres que voe?

DANIELA – Até onde, diz-me?! Até onde?

MANUELA – Desde ponto?

ANDRÉ – Frustração que devia… Que devia…

DANIELA – Eu sabia. Eu sabia, que isto ia acabar por acontecer.

ANDRÉ – Que devia ser líria…

MANUELA – É fácil.

DANIELA – Ainda sinto o eco das suas palavras…

ANDRÉ – A lírica e não a morte!

DANIELA – Afasta-te! Afasta-te!

ANDRÉ – A palavra corpo do que sou…

DANIELA – Afasta-te! Afasta-te!

ANDRÉ – A palavra para de chover sobre mim num ímpeto.

CARLA –Na ponta do abismo, aqui estou eu, sembarreiras a ultrapassar…Oque faço eu?Não sei como aqui vim parar.

MANUELA – É fácil. É muito fácil.

VERTIGEMExercício Teatral

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LUÍS – Meu Deus! Meu Deus!

DANIELA – Mas o que é isto?

MANUELA – É fácil. É muito fácil.

ROSAMARIA–Quantas vezes já cáestive?Este abismoémeu, faz parte demimeeudele.

ANDRÉ – E eu… E eu… Eu…

CARLA – Será que foi em sonhos ou em delírios?

ANDRÉ – E eu já não posso mais!

LUÍS – Mas porquê? Porque é que estou a dizer isto? Eu nem acredito em Deus!

CARLA – (solta um grito)

DANIELA – Teias! Teias! Passado! Escuro…

ROSA MARIA – Mais uma pinguito para a viagem. Quanto mais pesada, mais depressachego lá abaixo…

DANIELA – Teias! Teias! Algo parado… Escuro!

MANUELA – Vou pentear as penas, esticar as asas e batê-las com muita força…

DANIELA – Escuro, escuro, escuro…

LUÍS – Lá em baixo parece o inferno. E é quente. Aquele líquido fervilha. Fervilha!

DANIELA – O estômago ainda sofre vertigens e galopes.

CARLA – Se dou um passo para a frente, caio. Se dou um passo para trás, tombo. Se ficarquieta, talvez acorde…

MANUELA – Aqui basta dar um passo para a frente e acompanhar o vento que chama pormim.

LUÍS – Que perigo! Finalmente, cheguei aqui… O que vou fazer?DANIELA – (esgar)

ROSAMARIA–Jáalguémexperimentouasensaçãodevoar?Não?Eu jávoeimuitasvezescom ela (exibe uma garrafa). Ela leva-me a lugares nunca vistos.

CARLA – Elsa! Cris! Voltem. Gonçalo! Catarina! Sónia! Eva! Santiago!

MANUELA – Não ouves? Escuta como é suave o seu apelo…

LUÍS – Para onde vou? Se calhar, ali. Não… Talvez… Mas que frenesim… Calma!

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DANIELA – Deve ser isto que se sente quando a vida parece dirigir-se para um poço semfundo.

CARLA – Os meus amigos morreram e os meus filhos também. (chora)

LUÍS (cantando) – Inda agora aqui chegadomeu cavalo já cansadotrago o peito enamorado

Qual peito?

ROSAMARIA–Hoje, vais comigocompanheira fiel daminhavida…Preparada?Pois entãoprepara-te!

DANIELA – Deve ser isto que se sente quando alguém nos pede para nos afastarmos…

CARLA – A todos matei… E adormeci.

MANUELA – Vem, vem. Ali, lá bem no fundo, tudo se iniciará.

CARLA – Não, não, não! Para a frente não vou. E para trás também não.

LUÍS – Mas que momento! Cheguei a cume…

CARLA – A vida a seguir será eterna e solitária.

ROSA MARIA – Cá vamos nós em busca de um novo mundo.

LUÍS – E todos dirão que sou louco.

ANDRÉ –Ah semente do que era! Renasce, sentimental…Ouque a página embranco sejao fim de tudo, se essa página sou eu…

TODOS – Se essa página somos nós!

(saem cantando)

Inda agora aqui chegadomeu cavalo já cansadotrago o peito enamorado

Criação Coletiva:Carla Castro / Luís Paniágua / Rosa Maria Cruz / Manuela Costa / Daniela Serra / AndréTenenteSob a orientação de Manuel Ramos Costa

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