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Jorge Pedro Sousa

FotojornalismoUma introduo histria, s tcnicas e linguagem da fotograa na imprensa

Porto 2002

ndice1 2 O campo do fotojornalismo Um apontamento sobre a histria do fotojornalismo 2.1 O nascimento do fotojornalismo moderno . . . . 2.2 O ps-guerra: a primeira "revoluo" no fotojornalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.3 A segunda "revoluo"no fotojornalismo . . . . . 2.4 A terceira "revoluo"no fotojornalismo . . . . . 2.5 A fora da histria . . . . . . . . . . . . . . . . Fotografar 3.1 No terreno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2 No laboratrio (preto-e-branco) . . . . . . . . . . Para gerar sentido: a linguagem fotojornalstica 4.1 Texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 Enquadramento, planos e composio . . . . 4.3 O foco de ateno . . . . . . . . . . . . . . . 4.4 Relaes gura - fundo . . . . . . . . . . . . 4.5 Equilbrio e desequilbrio . . . . . . . . . . . 4.6 Elementos morfolgicos . . . . . . . . . . . 4.6.1 Gro . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.6.2 Massa ou mancha . . . . . . . . . . . 4.6.3 Pontos . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.6.4 Linhas . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 7 13 17 21 24 29 32 37 61 64 75 76 78 84 85 86 87 87 88 88 88

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4.7 4.8 4.9 4.10 4.11 4.12 4.13 4.14 4.15 5

4.6.5 Textura . . . . . . . . . . . 4.6.6 Padro . . . . . . . . . . . 4.6.7 Cor . . . . . . . . . . . . . 4.6.8 Congurao . . . . . . . . Profundidade de campo . . . . . . . Movimento . . . . . . . . . . . . . Iluminao . . . . . . . . . . . . . Lei do agrupamento . . . . . . . . . Semelhana e contraste de contedos Relao espao - tempo . . . . . . . Processos de conotao fotogrca barthesianos . . . . . . . . . . . . . Distncia . . . . . . . . . . . . . . Sinalizao . . . . . . . . . . . . .

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Os gneros fotojornalsticos 5.1 Fotograas de notcias . . . . . . . . . . 5.2 Features . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.3 Desporto . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4 Retrato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.5 Ilustraes fotogrcas . . . . . . . . . . 5.6 Histrias em fotograas ou picture stories 5.7 Outros gneros . . . . . . . . . . . . . .

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A tica das imagens no jornalismo impresso 6.1 A moral e a esttica da imagem . . . . . . . . . . 6.2 As principais questes de debate tico e deontolgico no campo das imagens de imprensa . . . . 6.3 A manipulao digital de fotograas . . . . . . . Bibliograa

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PrlogoO fotojornalismo uma actividade singular que usa a fotograa como um veculo de observao, de informao, de anlise e de opinio sobre a vida humana e as consequncias que ela traz ao Planeta. A fotograa jornalstica mostra, revela, expe, denuncia, opina. D informao e ajuda a credibilizar a informao textual. Pode ser usada em vrios suportes, desde os jornais e revistas, s exposies e aos boletins de empresa. O domnio das linguagens, tcnicas e equipamentos fotojornalsticos , assim, uma mais-valia para qualquer prossional da comunicao. H vantagens em estudar fotojornalismo nas universidades e demais escolas onde se ensina comunicao. Em primeiro lugar, como se disse, dominar as linguagens, tcnicas e equipamentos fotogrcos permite a qualquer prossional da comunicao usar expressivamente a fotograa, num mundo em que crescentemente se lhes exige a capacidade de dominarem as tcnicas e linguagens de diferentes meios (inclusivamente devido concentrao das empresas jornalsticas em grandes grupos multimediticos). Em segundo lugar, a fotograa digital e os progressos nas telecomunicaes e na informtica trouxeram ao fotojornalismo grandes potencialidades no que respeita velocidade, maneabilidade e utilizao da fotograa em diferentes meios e contextos. Este pequeno livro , em consequncia, dedicado a todos aqueles que desejam compreender e dominar os princpios bsicos do fotojornalismo, prosso que h mais de um sculo tem fornecido humanidade a capacidade de se rever a si mesma e de contemplar representaes do mundo atravs de imagens chocantes, irnicas, denunciantes, empticas ou simplesmente informativas. Em especial, dedicado aos estudantes de jornalismo e comunicao, pois entre eles esto os jornalistas e fotojornalistas de amanh. objectivo deste livro contribuir no s para valorizar o fotojornalismo na Academia mas tambm para compensar as lacunas existentes no panorama editorial em lngua portuguesa. O fotojorwww.bocc.ubi.pt

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nalismo ajuda a vender jornais e revistas, leva milhes de pessoas a exposies e fornece ao mundo foto-livros de qualidade, beleza, interesse e potencial informativo extraordinrios. Pode-se, assim, classicar como injusto que uma actividade to interessante, multifacetada e com tanto impacto como o fotojornalismo no adquira um relevo correspondente, quer nas universidades, quer entre os editores. O presente livro uma obra de iniciao ao fotojornalismo para explorar, preferencialmente, com o auxlio de um professor. Tanto quanto possvel orientado para a prtica. Em consequncia, no se deve procurar aqui profundidade terica. tambm um livro mais orientado para a linguagem fotogrca do que para tcnicas, equipamentos e trabalho laboratorial. A qualidade, performance e facilidade de utilizao das modernas mquinas fotogrcas e do software de tratamento de imagem torna mais importante conhecer e dominar as linguagens do que os equipamentos. Acabo este prlogo como o iniciei: a compreenso da linguagem fotogrca e da sua aplicao no campo do fotojornalismo abre novas capacidades expressivas ao estudante de jornalismo e comunicao e d-lhe um trunfo prossional. Se este livro contribuir para abrir novos caminhos aos futuros jornalistas e comuniclogos, ento o esforo que conduziu sua publicao ter valido a pena. Jorge Pedro Sousa

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Captulo 1 O campo do fotojornalismoFalar de fotojornalismo no fcil. Por um lado, difcil delimitar o campo. Por exemplo, ser que todas as fotograas que so publicadas nos jornais e nas revistas so fotojornalismo? Ser que um grande trabalho fotodocumental publicado em livro fotojornalismo? Por outro lado, existem vrias perspectivas sobre a histria do fotojornalismo. H autores que relevam determinados fotgrafos, fazendo das suas histrias do fotojornalismo um menu de biograas, mas tambm h autores que deixam para segundo plano as biograas dos fotgrafos, em benefcio das correntes artsticas e ideolgicas e dos condicionalismos sociais de cada poca. A quantidade de variedades fotogrcas que se reclamam do fotojornalismo leva-me a considerar, de forma prtica, as fotograas jornalsticas como sendo aquelas que possuem "valor jornalstico"1 e que so usadas para transmitir informao til em conjunto com o texto que lhes est associado. O fotojornalismo , na realidade, uma actividade sem fron difcil expressar o que possuir valor jornalstico, at porque cada rgo de comunicao social um caso, pois possui critrios especcos de valorizao da informao. Em termos comuns, pode-se, contudo, considerar que tem valor jornalstico o que tem valor como notcia, ou seja, o que tem valor-notcia luz dos critrios de avaliao empregues consciente ou no conscientemente pelos jornalistas.1

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teiras claramente delimitadas. O termo pode abranger quer as fotograas de notcias, quer as fotograas dos grandes projectos documentais, passando pelas ilustraes fotogrcas e pelos features (as fotograas intemporais de situaes peculiares com que o fotgrafo depara), entre outras. De qualquer modo, como nos restantes tipos de jornalismo, a nalidade primeira do fotojornalismo, entendido de uma forma lata, informar. De uma forma ampla, o fotodocumentalismo pode reduzir-se ao fotojornalismo, uma vez que ambas as actividades usam, frequentemente, o mesmo suporte de difuso (a imprensa) e tm a mesma inteno bsica (documentar a realidade, informar, usando fotograas). Porm, e em sentido restrito, por vezes distingue-se o fotojornalismo do fotodocumentalismo pela tipologia de trabalho. Um fotodocumentalista trabalha em termos de projecto fotogrco. Mas essa vantagem raramente oferecida ao foto-reprter, que, quando chega diariamente ao seu local de trabalho, raramente sabe o que vai fotografar e em que condies o vai fazer. O brasileiro Sebastio Salgado seria, assim, um fotodocumentalista, algum que quando parte para o terreno j estudou profundamente o tema que vai fotografar, algum que conhece minimamente o que vai enfrentar e que pode desenvolver projectos fotogrcos durante perodos dilatados de tempo. Um fotgrafo de uma agncia noticiosa ou o de um jornal dirio, luz dessa distino entre fotojornalismo e fotodocumentalismo, seria um fotojornalista, j que diariamente confrontado com servios inesperados e com servios de pauta dos quais s toma conhecimento quando chega ao local de trabalho. Isto no pretende signicar que o fotodocumentalismo no possa partir de um acontecimento circunscrito no tempo, mas a abordagem fotodocumental diferente daquela que seria protagonizada por um fotojornalista: um fotodocumentalista procuraria fotografar a forma como esse acontecimento afecta as pessoas, mas um fotojornalista circunscreveria o seu trabalho descrio/narrao fotogrca do acontecimento em causa. Em todo o caso, fazer fotojornalismo ou fazer fotodocumentalismo , no essencial, sinnimo de contar uma histria em imagens, owww.bocc.ubi.pt

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que exige sempre algum estudo da situao e dos sujeitos nela intervenientes, por mais supercial que esse estudo seja. H ainda um outro trao que pode distinguir o fotojornalismo do fotodocumentalismo. Geralmente, um fotojornalista fotografa assuntos de importncia momentnea, assuntos da actualidade quente. J os temas fotodocumentalsticos so tendencialmente intemporais, abordando todos os assuntos que estejam relacionados com a vida superfcie da Terra e tenham signicado para o Homem. Esta noo ampliou o leque de temas fotografveis no campo do fotodocumentalismo, j que, nos tempos em que a actividade dava os primeiros passos, a ambio fotodocumental se direccionava unicamente para os temas estritamente humanos. A tradio do fotodocumentalismo social, alis, permanece bem viva. Sensibilidade, capacidade de avaliar as situaes e de pensar na melhor forma de fotografar, instinto, rapidez de reexos e curiosidade so traos pessoais que qualquer fotojornalista deve possuir, independentemente do tipo de fotograa pelo qual enverede. Para informar, o fotojornalismo recorre conciliao de fotograas e textos. Quando se fala de fotojornalismo no se fala exclusivamente de fotograa. A fotograa ontogenicamente incapaz de oferecer determinadas informaes, da que tenha de ser complementada com textos que orientem a construo de sentido para a mensagem. Por exemplo, a imagem no consegue mostrar conceitos abstractos, como o de inao. Pode-se sugerir o conceito, fotografando, por exemplo, etiquetas de preos. Mas, em todo o caso, o conceito que essa imagem procuraria transmitir s seria claramente entendido atravs de um texto complementar. As fotograas de uma guerra, se o texto no ancorar o seu signicado, podem ser smbolos de qualquer guerra e no representaes de um momento particular de uma guerra em particular. Quando poderosas, as imagens fotogrcas conseguem evocar o acontecimento representado (ou as pessoas) e a sua atmosfera. Uma imagem fotojornalstica, para ter sucesso, geralmentewww.bocc.ubi.pt

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precisa de juntar a fora noticiosa fora visual. S assim consegue, no contexto da imprensa, juntar uma impresso de realidade a uma impresso de verdade. (Vilches, 1987: 19) No obstante, mais fcil diz-lo do que faz-lo. Os fotojornalistas necessitam de reunir intuio e sentido de oportunidade quer para determinarem se uma situao (ou um instante numa situao) de potencial interesse fotojornalstico, quer para a avaliarem eticamente, quer ainda para a representarem fotogracamente. Por vezes, necessitam de explorar ngulos diferentes, especialmente quando cobrem acontecimentos de rotina. Mas subsiste uma certa sensao de que temas como as entrevistas colectivas j foram tratados de todas as formas possveis e imaginveis. Compor uma imagem no calor de determinadas situaes tambm no fcil. Os fotojornalistas trabalham com base numa linguagem de instantes, numa linguagem do instante, procurando condensar num ou em vrios instantes, congelados nas imagens fotogrcas, toda a essncia de um acontecimento e o seu signicado. Portanto, o foto-reprter tem de discernir a ocasio em que os elementos representativos que observa adquirem um posicionamento tal que permitiro ao observador atribuir claramente mensagem fotogrca o sentido desejado pelo fotojornalista. Em princpio, o foto-reprter dever ainda procurar evitar os elementos que possam distrair a ateno, bem como aqueles que so desnecessrios ao bom entendimento da situao representada. um pouco o que dizia Henri-Cartier Bresson quando falou do instante decisivo, o instante em que, no dizer de Lester (1991: 7), (...) o assunto e os elementos composicionais formam uma unio. Pode ser um gesto ou uma expresso indicativa do carcter e da personalidade de um sujeito. Mas tambm pode ser um instante de uma aco ou o esgar do rosto que desvela a emoo de um sujeito. Ou pode ainda ser a altura em que os elementos do fundo, sem suplantarem o motivo, ajudam a compreender o que est em causa num acontecimento. Haver ainda a considerar que a mensagem fotojornalstica funciona melhor quando a fotograa transmite uma nica ideiawww.bocc.ubi.pt

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ou sensao: a pobreza, a calma, a velhice, a excluso social, a tempestade, o pr do sol, o inslito, o acidente, etc. Quando se procura, numa nica imagem, transmitir vrias ideias ou sensaes ao mesmo tempo, o mais certo gerar-se confuso visual e signicante. O tema principal deve, assim, ser realado. Para o efeito, h vrias solues lingustico-expressivas, como as seguintes: uso de uma pequena profundidade de campo, colocao do motivo contra um fundo neutro, aproveitamento do contraste cromtico, captao da imagem em contrapicado, etc. O terceiro captulo deste livro trata precisamente das formas de dar sentido fotograa com recurso aos elementos que esto disposio do fotgrafo. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 1 - Edi Engeler /Associated Press, Protestos contra Israel em Paris, Abril de 2002 (fotolegenda publicada no jornal Pblico de 7 de Abril de 2002). A nalidade primeira do fotojornalismo quotidiano informar sobre assuntos da actualidade, juntando fotograa e texto. O fotojornalista necessita de possuir um olhar selectivo, sentido de oportunidade e reexos rpidos. Tem de ter um olhar selectivo porque tem de seleccionar um instante e um enquadramento capazes de representarem o que aconteceu. Tem de ser oportuno e rpido porque os instantes susceptveis de representar um acontecimento ocorrem e desvanecem-se rapidamente. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 2 - Manuel Roberto / Pblico, Rituais de Portugal e Moambique, ndico, Abril de 2002. Embora, num sentido lato, o fotodocumentalismo seja uma das vertentes do fotojornalismo, em sentido estrito pode estabelecer-se uma diferena: o fotodocumentalista trabalha com base em projectos fotogrcos e frequentemente com temas intemporais, enquanto o fotojornalista trabalha sem preparao, obedecendo pauta.www.bocc.ubi.pt

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Neste projecto fotodocumental, so comparados rituais e costumes de Portugal e de Moambique, evidenciando-se as semelhanas entre as culturas dos dois povos. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 3 - Paul Hanna / Reuters, Cimeira de Madrid da Unio Europeia, Maio de 2002. O fotojornalista necessita de captar os instantes em que as pessoas se mostram naturais. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 4 - Channi Anand / Associated Press. Mulheres choram as vtimas de um atentado na Cachemira indiana, Maio de 2002. A fotograa baseia-se numa linguagem do instante. Em casos como os representados nesta imagem, o fotojornalista tem de captar os momentos nicos em que as pessoas mostram a sua dor, atravs dos gestos e das expresses, garantindo, ao mesmo tempo, uma composio que evidencie o motivo principal e que permita ao leitor compreender melhor o acontecimento. Repare-se tambm que possvel abordar fotojornalisticamente acontecimentos traumticos e violentos sem recorrer a uma esttica do horror. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 5 - Kay Nieeld / EPA, Junho de 2002. O fotojornalista tem, normalmente, de xar os gestos e expresses signicativas das pessoas fotografadas. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 6 - Mrio Marques / Pblico, Museu Abade de Baal, Portugal. Em determinadas situaes, em especial quando o elemento humano no est presente, a fotograa jornalstica pode beneciar com uma abordagem inslita do motivo ou um ngulo invulgar.www.bocc.ubi.pt

Captulo 2 Um apontamento sobre a histria do fotojornalismoNascida num ambiente positivista, a fotograa j foi encarada quase unicamente como o registo visual da verdade. Foi nesta condio que foi adoptada pela imprensa. Hoje, j se chegou noo de que a fotograa pode representar e indiciar a realidade, mas no regist-la nem ser o seu espelho el (vd. Sousa, 1997). Apesar do potencial informativo da fotograa, os editores de jornais resistiram durante bastante tempo a usar imagens fotogrcas. Esses editores desvalorizavam a seriedade da informao fotogrca e tambm consideravam que as fotograas no se enquadravam nas convenes e na cultura jornalstica dominante (Hicks, 1952). Baynes (1971) sugere que o aparecimento do primeiro tablide fotogrco, o Daily Mirror, em 1904, marca uma mudana conceptual: as fotograas deixaram de ser secundarizadas como ilustraes do texto para serem denidas como uma categoria de contedo to importante como a componente escrita. Hicks (1952) vai mais longe e considera que essas mudanas, ao promoverem a competio na imprensa e o aumento das tiragens e da circulao, com os consequentes acrscimos de publicidade e lucro, trouxeram a competio fotojornalstica e a necessidade de rapidez, que, 13

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por sua vez, originaram a cobertura baseada numa nica foto, exclusiva e em primeira mo a doutrina do scoop. As mudanas nas convenes jornalsticas tambm fomentaram a investigao tcnica em fotograa. A investigao levou ao aparecimento de mquinas menores e mais facilmente manuseveis, lentes mais luminosas, lmes mais sensveis e com maior grau de denio da imagem. Para a solidicao da doutrina do scoop tambm contribuiu a utilizao do ash de magnsio, cuja utilizao nauseabunda, fumarenta e morosa no s impedia que rapidamente se tirasse outra foto como tambm afastava rapidamente as pessoas do fotgrafo. A conveno da foto nica levou os fotgrafos a procurar conjugar numa nica imagem os diversos elementos signicativos de um acontecimento (a fotograa como signo condensado), de maneira a que fossem facilmente identicveis e lidos (planos frontais, etc.). Para isso, tambm ter contribudo o facto de, no incio do sculo XX, as imagens serem valorizadas mais pela nitidez e pela reprodutibilidade do que pelo seu valor noticioso intrnseco, conforme conta Hicks (1952). Relata igualmente Hicks (1952) que, no incio do sculo XX, quando o fotgrafo entrava num local para fotografar pessoas, estas paravam, arranjavam-se, olhavam para a cmara e posavam. Hoje, as pessoas procuram mostrar que esto no seu estado natural, pois as convenes fotojornalsticas actuais valorizam o espontneo e o instantneo. Isto mostra que as convenes actuais so diferentes das convenes vigentes na viragem do sculo XIX para o XX. Mas as pessoas aparentam dominar as convenes da sua poca. Trata-se de uma questo de insero histrico-cultural e de fotoliteracia. A modicao de atitudes e ideias sobre a imprensa contribuiu para a emergncia do moderno fotojornalismo na Alemanha dos anos vinte. A apario de mquinas fotogrcas como a Leica, mais pequenas e providas de objectivas luminosas, possibilitou a obteno de imagens espontneas e de fotograas de interiores sem iluminao articial, o que permitiu a apario da fotograawww.bocc.ubi.pt

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cndida (candid photography). O valor noticioso sobreps-se, pela primeira vez, nitidez e reprodutibilidade enquanto principal critrio de seleco. Os livros que procuram integrar os netos no ofcio de fotoreprter do pistas para analisar a evoluo e as rupturas das convenes prossionais e das rotinas. Os primeiros desses manuais, como o de Price (1932), o de Pouncey (1946) e o de Kinkaid (1936), advertem os fotojornalistas contra a composio formal das imagens que, segundo eles, era da esfera da arte e dos acadmicos. Apesar disso, Kinkaid (1936) aconselha regras de composio: motivo centrado, seleco do importante em cenrios amplos, manuteno de uma impresso de ordem no primeiro plano, correco do efeito de inclinao dos edifcios mais altos e manuteno da composio simples. Se exceptuarmos a ideia de que o motivo deve surgir sempre centrado, grande parte destas regras mantm-se na fotograa de notcias. De facto, os manuais mais recentes [Hoy (1986); Kobre (1980; 1991); Kerns (1980)] insistem em cdigos de composio baseados nos seguintes pontos: a) Assimetria do motivo (exemplicando com o aproveitamento da regra dos teros); b) Enquadramento selectivo do que o fotojornalista entende que signicativo numa cena vasta; c) Manuteno de uma composio simples; d) Escolha de um nico centro de interesse em cada enquadramento; e) No incluso de espaos mortos entre os sujeitos representados numa fotograa; f) Excluso de detalhes externos ao centro de interesse; g) Incluso de algum espao antes do motivo (incluso de um primeiro plano, que deve dar uma impresso de ordem); h) Correco do efeito de inclinao dos edifcios altos; i) Captao do motivo evitando que o plano de fundo nele interra (aconselha-se, para atingir esse objectivo, usar pequenaswww.bocc.ubi.pt

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profundidades de campo, andar volta do sujeito para que no haja elementos que paream sair-lhe do corpo nem fontes de luz indesejadas, etc.); j) Preenchimento do enquadramento (para o que se aconselham tcnicas como a aproximao ao sujeito ou o uso de objectivas zoom); k) Recurso "agressividade visual"dos grandes-planos e de outros planos de proximidade; l) Incluso, no enquadramento, de um espao frente de um objecto em movimento; m) Fotograa de pessoas a 45 graus, em situaes como as "colectivas", etc. Os esquemas de abordagem de acontecimentos apresentados nos referidos manuais, passveis de aplicao a incndios, desastres de carros, "colectivas", temas sociais e a uma vasta gama de outras ocorrncias, fomentam, igualmente, a manuteno de rotinas e convenes, embora, por outro lado, assegurem aos fotojornalistas, sob a presso do tempo, a rpida transformao de um acontecimento em fotonotcia e a manuteno de um uxo regular e credvel de foto-informao (em parte devido aplicao constante do mesmo esquema noticioso). Nessa lgica, qualquer fotoreportagem, por exemplo, deve apresentar um plano geral para localizar a aco, vrios planos mdios para mostrar a aco, um ou dois grandes planos para dramatizar e emocionar, etc. interessante notar que determinadas prticas de manipulao de imagem, nomeadamente as possibilitadas pelos processos digitais, j se vo tambm inculcando nas convenes prossionais, como a acentuao do contraste gura-fundo e os reenquadramentos, conforme se expressa na obra colectiva Le Photojournalisme (1992). Barnhurst (1994: 55) arma que, seguindo as abordagens estandardizadas, os fotojornalistas podem, sem inteno, reiterar uma srie de crenas sobre as pessoas. Ele d o exemplo dos heris, que actuam, e das vtimas, que se emocionam. Na verdade,www.bocc.ubi.pt

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isto signica que, num determinado contexto histrico-cultural, as narrativas convencionais no (foto)jornalismo contribuem para que determinados acontecimentos sejam vistos como socialmente relevantes, em detrimento de outros. Em consequncia, apenas determinados acontecimentos so promovidos categoria de (foto)notcias.

2.1

O nascimento do fotojornalismo moderno

De alguma maneira, pode situar-se na Alemanha o nascimento do fotojornalismo moderno. Aps a Primeira Guerra, oresceram nesse pas as artes, as letras e as cincias. Este ambiente repercutiu-se na imprensa. Assim, entre os anos vinte e os anos trinta do sculo XX, a Alemanha tornou-se o pas com mais revistas ilustradas. Essas revistas tinham tiragens de mais de cinco milhes de exemplares para uma audincia estimada em 20 milhes de pessoas. (Lacayo e Russell, 1990) Posteriormente, inuenciadas pelas ideias basilares das revistas ilustradas alems, fundar-se-iam, em Frana, no Reino Unido e nos Estados Unidos as revistas Vu, Regards, Picture Post e Life, entre vrias outras publicaes. Em Portugal, na mesma linha, surgiram o Sculo Ilustrado e a revista Vida Mundial. A mesma receita, alis, foi usada com sucesso em todo o mundo. A forma como se articulava o texto e a imagem nas revistas ilustradas alems dos anos vinte permite que se fale com propriedade em fotojornalismo. J no apenas a imagem isolada que interessa, mas sim o texto e todo o mosaico fotogrco com que se tenta contar a histria. As fotos na imprensa, enquanto elementos de mediatizao visual, mudam: aparecem a fotograa cndida, os foto-ensaios e as foto-reportagens de vrias fotos. Dos vrios factores que determinaram o desenvolvimento do moderno fotojornalismo na Alemanha dos anos vinte podem destacar-se cinco:www.bocc.ubi.pt

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Jorge Pedro Sousa 1. Apario de novos ashes e comercializao das cmaras de 35mm, sobretudo da Leica e da Ermanox, equipadas com lentes mais luminosas e lmes mais sensveis. Segundo Hicks (1952), a facilidade de manuseamento das cmaras de pequeno formato encorajou a prtica do foto-ensaio e a obteno de sequncias; 2. Emergncia de uma gerao de foto-reprteres bem formados, expeditos e, nalguns casos, com nvel social elevado, o que lhes franqueava muitas portas; 3. Atitude experimental e de colaborao intensa entre fotojornalistas, editores e proprietrios das revistas ilustradas, promovendo o aparecimento e difuso da candid photography (a fotograa no posada e no protocolar) e do foto-ensaio. As revistas ofereciam um bom produto a preo mdico; 4. Inspirao no interesse humano. Floresce a ideia de que ao pblico no interessam somente as actividades e os acontecimentos em que esto envolvidas guras-pblicas, mas tambm a vida das pessoas comuns. As revistas alems comeam, assim, a integrar reportagens da vida quotidiana, com as quais se identicava uma larga faixa do pblico, ansioso por imagens; 5. Ambiente cultural e suporte econmico.

Devido aos factores expostos, a fotograa jornalstica ganhou fora, ultrapassando o carcter meramente ilustrativo e decorativo a que era votada. O fotojornalismo de autor tornou-se referncia obrigatria. Pela primeira vez, privilegiou-se a imagem em detrimento do texto, que surgia como um complemento, por vezes reduzido a pequenas legendas. Nos primeiros tempos do novo fotojornalismo, para se obter sucesso nas fotograas em interiores por vezes era necessrio recorrer a placas de vidro, mais sensveis, e proceder revelao das placas em banhos especiais. A profundidade de campo tambmwww.bocc.ubi.pt

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era muito limitada, pelo que o clculo das distncias tinha de ser feito com grande preciso, o que dicultava a vida ao fotgrafo. Tambm era preciso usar trip, incmodo e difcil de esconder. Raramente se conseguiam obter vrias fotos de um mesmo tema, pelo que a foto que se obtinha devia falar por si. Assim, comea a insinuar-se, com fora, no fotojornalismo do instante, a noo do que, mais tarde, Henri-Cartier Bresson classicar como momento decisivo. A chegada de Hitler ao poder, em 1933, provocou o colapso do fotojornalismo alemo. Muitos dos fotojornalistas e editores, conotados com a esquerda, tiveram de fugir, exportando as concepes do fotojornalismo alemo, que espalham por vrios pases, entre os quais a Frana (Vu, etc.), o Reino Unido (Picture Post, etc.) e os Estados Unidos (Life, etc.). Essa gerao, da qual fazem parte nomes quase mticos, como Robert Capa, iria, posteriormente, salientar-se na cobertura da Guerra Civil de Espanha e da Segunda Guerra Mundial. Enquanto essas transformaes se davam no fotojornalismo europeu, nos Estados Unidos o fotojornalismo armava-se como vector integrante da imprensa moderna. Porm, se no Velho Continente o o condutor do fotojornalismo, nas revistas ilustradas, envereda pela fotograa de autor e pelo foto-ensaio, nos Estados Unidos nos jornais dirios que se do mudanas importantes para o futuro da actividade. Estas mudanas, semelhana do caso europeu, afectaro todo o mundo. Acrescente-se, todavia, que na Amrica surgem tambm fotojornalistas que cultivam abordagens prprias do real, como Weegee. E que tambm na Amrica que se desenvolve o projecto fotodocumental Farm Security Administration, altura em que o fotodocumentalismo alicera o seu afastamento da ideia de que serve apenas para testemunhar, quebrando amarras, rotinas e convenes. na dcada de trinta do sculo XX que o fotojornalismo vai integrar-se, de forma completa, nos jornais dirios norte-americanos, de tal modo que, no m da dcada, e em comparao com o seu incio, o nmero de fotograas nos dirios tinha aumentadowww.bocc.ubi.pt

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dois teros, atingindo a mdia de quase 38% da superfcie em cada nmero. (Nerone e Barnhurst, 1995) Alguns jornais, como o New York Evening Graphic, usavam at fotomontagens obscenas para vender nos tempos de crise. possvel estabelecer conexes entre factores de desenvolvimento pessoais, sociais e culturais do fotojornalismo e a mutao que o jornalismo dirio dos EUA teve e exportou, em consonncia com Nerone e Barnhurst (1995): a) Poder de atraco e popularidade das fotograas, suportados por uma cultura visual que se desenvolvia com o cinema; b) Prticas documentais, como as dos tempos da Depresso (lembre-se o Farm Security Administration) e as dos fotgrafos do compromisso social. Essas prticas provaram que o documentalismo tinha fora e que as fotos podem ser usadas para ns sociais atravs da imprensa; c) Entendimento das imagens como factor de legibilidade e de acessibilidade aos textos, por parte do pblico e dos editores; d) Prticas de fotojornalismo de autor, em alguns casos nos prprios jornais dirios; e) Mutaes notrias no design dos jornais norte-americanos, entre 1920 e 1940, em inter-relao com a proliferao de fotograas e com o melhor aproveitamento destas (por exemplo, as fotos aumentam de tamanho nos jornais); f) Modicaes na edio fotogrca, privilegiando-se a foto de aco e nica; g) Percepes inovadoras do jornalismo, devido introduo da telefoto, em 1935; h) Aumento (lento) do interesse dos fotgrafos pelo fotojornalismo; em 1945, os fotojornalistas americanos associam-se numa organizao prossional, ganhando fora, inuncia, poder de interveno e status; i) Elevao denitiva do fotojornalismo condio de subcampo da imprensa, devido cobertura fotojornalstica da Guerra Civil de Espanha e da II Guerra Mundial;www.bocc.ubi.pt

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j) Introduo de tecnologias inovadoras, como (1) cmaras menores, (2) teleobjectivas, (3) lme rpido e (4) ashes electrnicos. Alm desses factores, de referir que a industrializao crescente da imprensa e a nsia do lucro zeram estender ao fotojornalismo o ideal da objectividade (Ledo Andin, 1988) face a um mundo em que os factos eram merecedores de desconana (Schudson, 1988).

2.2

O ps-guerra: a primeira "revoluo" no fotojornalismo

No fotojornalismo, os conitos do ps-guerra representaram um terreno fecundo, sobretudo no que respeita s agncias. As agncias fotogrcas, a par dos servios fotogrcos das agncias de notcias, foram crescendo em importncia aps a Segunda Guerra Mundial. Se, por um lado, a fotograa jornalstica e documental encontrou novas e mais profundas formas de expresso, devido aos debates em curso e ao aparecimento de novos autores, por outro lado a rotinizao e convencionalizao do trabalho fotojornalstico originou uma certa banalizao do produto fotojornalstico e a produo em srie de fotos de fait-divers. Estas duas linhas de evoluo contraditrias coexistiram at aos nossos dias, mas aps a juno de uma terceira: a foto ilustrao, nomeadamente a foto glamour, a foto beautiful people, e a foto institucional, que ganharam relevo na imprensa, sobretudo aps os anos oitenta e noventa do sculo XX, poca que marca o triunfo do design. Os anos cinquenta do sculo XX foram uma poca de ruptura das fronteiras temticas e de desenvolvimento da foto-reportagem. A partir de meados dos anos cinquenta, nota-se uma importante evoluo esttica em alguns fotgrafos da imprensa - documentalistas ou fotojornalistas - que cada vez mais fazem confundir a

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sua obra com a arte e a expresso. A nvel tcnico, de salientar a disseminao do uso das mquinas de reex directo. Apesar das tentativas de ultrapassar as rotinas e convenes, o ps-guerra foi, ainda assim, um perodo em que se assiste a uma crescente industrializao e massicao da produo fotojornalstica. A Reuters, por exemplo, inclui a foto nos seus servios em 1946, juntando-se a agncias como a Associated Press. O fotojornalismo de autor, criativo, como o da opo Magnum, protagoniza uma existncia algo marginal. A fundao de agncias fotogrcas e a inaugurao de servios fotogrcos nas agncias noticiosas foram dois dos factores que promoveram a transnacionalizao da foto-press e o esbatimento das suas diferenas nacionais. Em alguns tipos de documentalismo e mesmo de fotojornalismo, porm, permanecero vivas as ideias dos fotgrafos-autores. Pelo nal dos anos cinquenta do sculo XX, comearam a notar-se os primeiros sinais de crise nas revistas ilustradas, devido ao desvio dos investimentos publicitrios para a televiso. A Colliers encerra em 1957; a Picture Post no ano seguinte. Quinze anos passaro e ser a vez das gigantes Look e Life. Entre as agncias noticiosas com servio de fotonotcia iniciase, nos anos cinquenta, uma era de intensa competio, quer na cobertura dos assuntos, quer ao nvel tecnolgico: a United Press International (UPI), por exemplo, surgiu como um competidor de importncia signicativa da Associated Press. Durante a Guerra Fria, os news media foram um dos palcos das lutas polticas e ideolgicas. No Leste, as fotograas dos lderes so reproduzidas muito ampliadas enquanto os dirigentes cados em desgraa so apagados das fotograas ociais. Noutros casos, colocam-se pessoas nas fotos, como Estaline a falar com Lenine, pouco antes da morte deste. No Ocidente, entre vrios casos conhecidos, em 1951 o senador Millard Tydings perde o lugar, provavelmente devido difuso de uma fotograa truncada em que se via Tydings a conversar com o lder comunista americano, Earl Brownder ( a ideia da objectividade, veracidade e rewww.bocc.ubi.pt

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alismo da imagem fotogrca a funcionar para o senso comum); e um jornal to insuspeito como o The New York Times, no se coibiu, a 5 de Outubro de 1969, de seleccionar de um lbum de David Douglas Duncan as fotograas em que Nixon surgia com as piores expresses. Do mesmo modo, o Paris Match publicou, em Junho de 1966, uma foto-reportagem com fotograas encenadas sobre o alegado regresso do nazismo antiga Repblica Federal da Alemanha. H outros pontos interessantes no que respeita aos cenrios de desenvolvimento do fotojornalismo no ps-guerra e anos posteriores. Trata-se da expanso (a) da imprensa cor-de-rosa, (b) das revistas erticas de qualidade, como a Playboy (1953), (c) da imprensa de escndalos e (d) das revistas ilustradas especializadas em moda, decorao, electrnica e fotograa, entre outros temas (que, em muitos casos, sobrevivero concorrncia com a televiso). A imprensa de escndalos e a imprensa cor-de-rosa vo fazer surgir, nos anos cinquenta, os paparazzi, fotgrafos especialistas na "caa s estrelas", tornados tristemente clebres aps a morte da Princesa Diana, que se servem dos mais variados expedientes para obter fotograas to sensacionais quanto possvel de gente famosa. A apario de todos esses tipos de imprensa constituiu um dos motivos para: a) A disseminao e a banalizao da foto-ilustrao (sobretudo a nvel do glamour e do star system, entendido de forma alargada, isto , incluindo os polticos e o institucional), que veio a contaminar os jornais e revistas de qualidade; b) O fomento do uso da teleobjectiva (que permite ao fotojornalista um maior afastamento da aco); c) O recurso a tcnicas de estdio no fotojornalismo.

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2.3

A segunda "revoluo"no fotojornalismo

Pelos anos sessenta, a concorrncia aumentou na comunicao social, acentuando os aspectos negativos das concepes do jornalismo sensacionalista de que ainda se notavam indcios. Tal facto ter provocado, gradualmente, o abandono da funo sciointegradora que os media historicamente possuam, em privilgio da espectacularizao e dramatizao da informao. No fotojornalismo, esta mudana incrustou-se mais no privilgio dado captura do acontecimento sensacional e na industrializao da actividade do que na reexo sobre os temas, as novas tecnologias, as pessoas, os fotgrafos e os sujeitos representados. Se nos anos cinquenta irrompeu a Guerra da Coreia, nos sessenta os EUA envolvem-se no Vietname. Nestes conitos, o fotojornalismo vai ter um papel oposto ao que teve nos grandes conitos anteriores. Com menos censura, algumas das fotos publicadas na imprensa ocidental, mormente na norte-americana, em conjunto com a TV, serviram para criar no Ocidente correntes de opinio contrrias guerra. (Hallin, 1986) O mesmo se passou na guerra civil em Chipre, no Biafra e em vrios outros pontos do globo. Nessas guerras, tal como em acidentes e em ocasies dramticas, o fotojornalismo tendeu a explorar os caminhos da sensibilidade, dirigindo-se, frequentemente, emoo, e utilizando, amide, a foto-choque. (Ledo Andin, 1988) precisamente por altura da guerra do Vietname que se opera a segunda "revoluo"no fotojornalismo. Os traos mais relevantes dessa "revoluo"so os seguintes: a) Revistas ilustradas, como a Life e a Look, desaparecem (a Life ressurgiria depois), provavelmente devido diminuio do interesse do pblico e aos problemas econmicos ligados quer ao aumento dos custos de produo e distribuio quer ao desvio dos investimentos publicitrios para a TV. Falou-se do m do fotojornalismo (Guerrin, 1988: 13), mas foi somente o m de umawww.bocc.ubi.pt

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poca, j que as agncias fotogrcas e os servios fotogrcos de algumas agncias noticiosas vo orescer, transformando-se em autnticas fbricas de fotograas. Alm dos jornais, os novos clientes sero, sobretudo, as revistas semanais de informao geral, como a Time e a Newsweek. Estas ltimas, inclusivamente, vo ceder imagem parte da relevncia que davam ao texto (Lacayo e Russell, 1990: 130), embora tambm venham a reduzir o nmero de fotgrafos contratados devido aos prejuzos e necessidade de poupana (Guerrin, 1988: 117). Por volta dos nais dos anos setenta, estas revistas comearam a publicar com mais regularidade fotograas a cores, devido instalao de tecnologia que permitia a impresso colorida com rapidez. As grandes empresas comeam tambm a ilustrar os seus relatrios com fotograas, o que ampliou o mercado disposio dos fotgrafos; b) D-se uma reaco, especialmente francesa, mas globalmente europeia, contra o domnio norte-americano no fotojornalismo. Fundam-se agncias como a Sygma, cujo objectivo era fazer um fotojornalismo francs francesa. Com a consolidao gradual das agncias europeias, em parte a bolsa internacional de imagens para a imprensa deixa os EUA para se xar em Paris. As agncias fotogrcas emergentes especializam-se, em muitos casos, na produo para revistas (especialmente a Sygma), deixando para as seces fotogrcas das grandes agncias noticiosas a tarefa de fornecer os jornais, principalmente os dirios; c) A Guerra do Vietname, de livre acesso, talvez a ltima ocasio de glria do fotojornalismo, faz nascer vocaes. Neste perodo, nos Estados Unidos, os fotojornalistas ascendem de dez mil a vinte mil e a Europa assiste a um fenmeno semelhante (Guerrin, 1988: 112); d) Os militares, sentindo a importncia que o fotojornalismo teve na sensibilizao do pblico americano contra a Guerra do Vietname, vo, doravante, estar mais atentos s movimentaes dos foto-reprteres. Enquanto alguns fotojornalistas, especialwww.bocc.ubi.pt

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mente atravs das agncias, procuram formas de ludibriar os militares, outros acomodam-se situao. Assim, aps o Vietname, a imprensa tendeu a deixar de seguir os processos globais dos conitos blicos, em privilgio de umas tantas imagens-choque (Ledo Andin, 1988); e) Assiste-se ao incio de uma forte segmentao dos mercados da comunicao social e ao aumento da ateno que dada ao design grco na imprensa, tendncias mais notrias j nos anos oitenta. Todavia, apesar da segmentao dos mercados, a maior parte da oferta no campo da foto-press relativamente homognea, devido industrializao que se vericou (e verica) na produo fotojornalstica, principalmente devido ao domnio produtivo das agncias noticiosas com seco de fotograa; f) Tambm pelos anos oitenta, o controle sobre os fotojornalistas estende-se a outros domnios que no a guerra, como a poltica, atravs da criao de mecanismos como, entre outros, (1) o impedimento a fotografar certos eventos ou partes de eventos, (2) a acreditao, (3) a sesso para os fotgrafos (photo opportunities), a prtica das fotos de famlia nos grandes eventos (o que permite aos polticos no serem surpreendidos nas situaes "imprprias"em que lhes cai a mscara do poder) e (4) o controle sobre o equipamento (por vezes, os assessores de imprensa chegam a ordenar quais as distncias focais de objectivas que podem ser usadas para retratar os polticos); g) Aumenta a prtica da aquisio de fotos tiradas por amadores, que depois so difundidas por agncias ou outros rgos de comunicao social; aumenta tambm a prtica do raer (levar tudo para que nada reste para a concorrncia); h) A fotograa entra em fora nos museus e no mercado da arte, mas tambm no ensino superior;

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i) Aumenta o interesse pelo estudo terico da fotograa, o que se reecte na edio de livros sobre fotograa; j) Dos anos sessenta aos oitenta, chega-se dominao da comoo sensvel sobre a percepo sensvel (Ledo Andin, 1988: 75). Amplia-se o universo do mostrvel, com o argumento da democratizao do olhar, devassa-se a vida privada e nivelamse os gostos pelo popular. A foto-ilustrao de impacto (nem que seja por mostrar corpos e rostos belos e famosos), a da informao mnima, ganha foto-choque e domina a imprensa, modicando critrios de noticiabilidade e convenes prossionais; k) Agudiza-se a inuncia da televiso sobre o fotojornalismo, por exemplo no uso da cor (Lacayo e Russell, 1990: 130); l) A partir dos anos setenta, comea a evidenciar-se uma produo fotojornalstica de feies industriais, que leva diminuio do freelancing, estabilizao dos staffs de fotojornalistas nas empresas e consequente maior convencionalizao e rotinizao do fotojornalismo: o mais insignicante dos acontecimentos ou de outros eventos coberto por uma mirade de fotgrafos, que enfatizam uma retrica da actualidade susceptvel de criar - como diz Virlio (1994) - ansiedade sobre o presente; talvez por isso, como sugere Serge Le Peron (cit. por Ledo Andin, 1988: 47), as fotos publicadas nos meios de comunicao tendem para o esteretipo: o esquerdista, o poltico, o delinquente, o manifestante, etc. Pelos anos oitenta do sculo XX, o domnio das cmaras planetrio. Levantam-se, com mais acutilncia, os problemas do direito privacidade. Cresce a diculdade de denio das fronteiras do fotojornalismo, devido invaso dos jornais por gneros fotogrcos e por temas que antes eram tratados como marginais (Sousa, 2000). Na nossa poca, h tambm sinais contraditrios sobre os liwww.bocc.ubi.pt

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mites espaciais do fotojornalismo. Os fotojornalistas conquistaram o acesso aos tribunais, mas foram banidos ou controlados no Afeganisto, em Granada (de cuja invaso no houve nos media imagens negativas), no Panam, no Golfo, na Palestina ocupada, nas townships negras da frica do Sul, em Tiananmen e em muitos outros lugares. A concorrncia entre as grandes agncias noticiosas - AFP, AP e Reuters - deu um novo sentido batalha tecnolgica que veio a permitir a melhoria signicativa das condies de transmisso e edio de imagem, especialmente devido s tecnologias digitais. Todavia, no se notou uma alterao substancial dos padres de qualidade do acto fotogrco, pois o fotojornalismo tradicional das agncias noticiosas permaneceu pouco criativo. Os fotojornalistas de agncia pouco mais so do que funcionrios da imagem, escravos da actualidade a quente, que no escolhem os seus temas e aos quais, regra geral, apenas encomendada uma foto frequentemente de qualidade geral pouco primorosa- por assunto (vd. Sousa, 1997). ainda pelos anos oitenta que os fotgrafos vo comear a usar generalizadamente o computador para reenquadrar as fotos, escurec-las ou clare-las, mudar-lhes a relao tonal e at retoclas. A imagem totalmente ccional tornou-se mais fcil e rpida de criar (Sousa, 2000). Por sua vez, o fotodocumentalismo actual, sem abandonar, por vezes, a aco consciente no meio social, o ponto de vista ou o realismo fotogrco, promove diferentes linhas de actuao, leituras diferenciadas do real, enquanto a grande tradio humanista do documentalismo tende menos para a polissemia no que toca a processos de gerao de sentido. Parte dos documentalistas actuais no perseguem, portanto, a iluso de uma verdade universal no processo de atribuio de sentido, antes promovem no observador a necessidade de, questionando, chegar sua verdade, a uma verdade subjectiva, o mesmo dizer, a uma viso do mundo. A compreenso contextual dos acontecimentos leva, assim, a procedimentos assumidos,www.bocc.ubi.pt

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como os da encenao ccional-interpretativa, como numa clebre fotograa de Karen Korr onde se procura criticar o capitalismo, na qual se v um corvo sobre uma caveira colocada sob um pano preto com moedas num cenrio institucional clssico. Ou numa fotograa de Miguel Rio Branco onde dois queijos galegos evocam os seios femininos, ligando a feminilidade Galiza.

2.4

A terceira "revoluo"no fotojornalismo

No fotojornalismo as mudanas sucedem-se a um ritmo vertiginoso. Assim, cada vez menos anos medeiam entre as revolues na actividade. A exemplic-lo, podemos situar no incio dos anos noventa uma nova vaga transformadora no domnio fotojornalstico. A terceira "revoluo"fotojornalstica liga-se, sobretudo, aos seguintes factores: a) As possibilidades da manipulao e gerao computacional de imagens levantam problemas nunca antes colocados actividade, no mbito da sua relao com o real; b) A transmisso digital de telefotos por satlite e telemveis aumenta a presso do tempo a que os fotojornalistas esto sujeitos, tornando-se o acto fotogrco menos passvel de planeamento e de pr-visualizao; c) Se novas portas se abrem aos fotojornalistas, como as portas dos tribunais, tambm existem novas tentativas de controle sobre a movimentao dos (foto)jornalistas, especialmente em cenrios blicos ou conituosos. As estratgias militares so programadas a pensar nas imagens; d) As novas tendncias grcas seguidas por grande parte dos jornais consagram condies de legibilidade e apelo leitura, pelo que muitas das fotograas inseridas tendem a assumir essencialmente um carcter ilustrativo;www.bocc.ubi.pt

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e) Assiste-se a uma industrializao crescente da produo rotineira de fotograa jornalstica, centrada no imediato e no no desenvolvimento global dos assuntos, nos processos - mais ou menos lentos - de investigao, embora, por contraste, o fotojornalismo de autor, na linha da Magnum, sobretudo no campo documentalstico, ganhe adeptos e prestgio. A produo de fotograa jornalstica de autor orienta-se, sobretudo, para a satisfao das necessidades editoriais dos quality papers e para a edio de livros e realizao de exposies. Alguma fotograa de autor (e no s) encontra-se tambm disponvel na Internet, mostrando que a Rede poder transformar-se numa espcie de redaco livre e mundial no futuro); f) Alguma imprensa, com destaque para os supermarket tabloids, transportou dos reality shows da televiso para os jornais e revistas a reconstruo ccional dos acontecimentos, recorrendo fotograa (ao fotojornalismo?); g) A foto-choque continua a perder lugar em privilgio do glamour, da foto-ilustrao, do institucional, dos features e dos faitdivers; h) Assiste-se a uma revalorizao da fotograa de retrato no mbito do fotojornalismo, inclusivamente devido revalorizao das entrevistas enquanto gnero jornalstico; i) A televiso bate constantemente o fotojornalismo, como se viu no 11 de Setembro, mas no elimina a sua importncia na imprensa e fora dela: as pessoas compraram os jornais de 12 de Setembro no s para ler as anlises e as notcias mas tambm para rever as imagens e guard-las religiosamente (os jornais desta vez no foram deitados ao lixo); j) As grandes agncias fotogrcas atravessaram constantes sobressaltos nanceiros, em parte por culpa das exigncias crescentes dos fotojornalistas, e perderam terreno para as agncias noticiosas, que hoje dominam completamente o fotojornalismo mundial -Associated Press, Reuters e Agence France Presse (associada da European Press Photo Association - EPA)- e para as empresas de bancos de imagem (Corbis, Getty Images, etc.);www.bocc.ubi.pt

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k) Exige-se exibilidade e polivalncia aos jornalistas em geral (capacidade de expresso em diferentes meios de comunicao), o que retira especicidade ao fotojornalismo; l) As novas tecnologias fazem convergir a captao de imagens em movimento com a captao de imagens xas: um nico reprter de imagem pode fornecer registos visuais para jornais e revistas, para a televiso, para os meios on-line, etc.; este facto contribuiu para a perda de especicidade do fotojornalismo; m) As agncias fotogrcas francesas foram compradas por empresas de bancos de imagem (a Corbis comprou a Sygma), por grandes oligoplios dos media (a Gamma foi comprada pelo grupo Hachette-Fillipacchi) e por particulares interessados em investir nos media (a Sipa caiu nas mos de Pierre Fabre, um dos grandes da indstria farmacutica e cosmtica). Muitos fotojornalistas foram despedidos (consequncia ltima de tanta intransigncia nas questes laborais) e o arquivo fotogrco passou a ser tanto ou mais valorizado do que a produo quotidiana. Esses factores levaram a que, na actualidade, persistam os debates sobre as ameaas prosso, a tica e deontologia do fotojornalismo e o controlo do fotojornalista sobre o seu trabalho, em torno, essencialmente, de quatro pontos: 1. Direitos de autor e reserva de soberania da autoria, o que passa pelo direito criatividade, inovao e originalidade, pelo direito assinatura e pelo direito e imperativo tico-deontolgico do controle dos autores sobre a edio de imagens fotojornalsticas; 2. Conduta e invaso da privacidade 3. Problemas da implementao de tecnologias de alterao (e gerao) computacional de imagens bem como de novas tecnologias para a sua transmisso e difuso, que obrigam os fotojornalistas a um treino constante sob stress;

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Jorge Pedro Sousa 4. Problemas relacionados com a hipottica inuncia da televiso sobre o fotojornalismo (legibilidade, aco, ritmo, estandardizao, grasmo, etc.).

Fotgrafos como o brasileiro Sebastio Salgado esto, entretanto, a salientar-se devido sua presena no campo oposto ao do reino da foto vulgar. Da mesma maneira, desde os anos setenta e oitenta que pequenas agncias de fotgrafos, mais do que de fotograas, isto , agncias que consagram o fotojornalismo de autor e de projecto de durao indenida, tm seguido o modelo aberto pela Magnum, agncia a que Salgado j pertenceu. So os casos das americanas Contact e JB Pictures e da francesa Vu. Elas contribuem, junto com jornais e revistas de qualidade, para ampliar o mundo da fotograa jornalstica e para romper as rotinas e os critrios de noticiabilidade dominantes no fotojornalismo, como a velocidade, a actualidade ou a aco. Algumas revistas e jornais de qualidade tm recorrido a esse fotojornalismo de autor e de qualidade. Apesar das tenses, provvel que o mercado da imagem fotogrca se alargue e se continue a diversicar: continuam a surgir novas publicaes, frequentemente especializadas. Mesmo nos jornais electrnicos e interactivos, nos quais algumas imagens j so pequenos lmes vdeo e no imagens xas, as fotos continuam (ainda?) a ter lugar.

2.5

A fora da histria

O uir histrico do fotojornalismo trouxe a actividade ao ponto em que est hoje. A histria aparenta ser, portanto, uma fora relevante na conformao dos contedos fotojornalsticos. No ser, todavia, o nico. H que contar com a conjugao de outros factores, como a aco pessoal dos fotgrafos e as condicionantes sociais, ideolgicas e culturais que se fazem sentir em cada momento (Sousa, 1997). De qualquer modo, visvel que o fotojornalismo actual constrangido nos temas, nos contedos e naswww.bocc.ubi.pt

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formas por convenes e rotinas que se foram estabelecendo ao longo do tempo, embora por vezes se detectem fugas a essas convenes, merc, sobretudo, da aco pessoal de certos fotgrafos. Conhecer minimamente a histria do fotojornalismo corresponder, portanto, posse de um conhecimento mais profundo e mais contextualizado do actual momento fotojornalstico, complexo e problemtico na sua multiplicidade e rpida mutabilidade. Sob outro prisma, a televiso e, actualmente, os meios multimdia, reduziram, provavelmente, a autoridade social do fotojornalismo em matria de representao e gurao visual do mundo. Por isso, importa ao fotojornalismo encontrar novos usos sociais e novas funes, que reconheam o que, com o tempo, se tornou evidente: a dimenso ccional e construtora social da realidade que a interveno fotogrca aporta. As inovaes tecnolgicas foram provocando, por vezes conituosamente, a necessidade de readaptao constante dos fotojornalistas a novos modelos e convenes, a novas rotinas produtivas, a novas tcticas e estratgias prossionais de colheita, processamento, seleco, edio e distribuio de foto-informao. Actualmente, a fotograa digital e os meios de gerao e manipulao computacional de imagem esto a provocar, novamente, esse tipo de efeitos. Os fotojornalistas comeam a questionar a natureza da fotograa enquanto documento, devido sua maior formao, aco do meio acadmico e prpria constatao das mudanas. Novos padres ticos e novas responsabilidades esto a acompanhar essa reviso nos pontos de vista. Em suma, com os debates em curso, os fotojornalistas parecem estar a traar as novas fronteiras delimitadoras e denidoras do seu estatuto e do estatuto do seu trabalho no seio das organizaes noticiosas, nesta nova idade meditica cuja chegada foi anunciada a partir dos anos oitenta. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 7 - Thimothy OSullivan, General Grant, 1864. Durante

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grande parte do sculo passado, a maior parte das fotograas era passada a desenho nos jornais. Fotograa no inserida por motivos legais Figs. 8 - Riis, Beco dos Bandidos, Nova Iorque, 1888. Com Riis a fotograa tornou-se uma arma denunciante, capaz de chamar a ateno para os problemas sociais. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 9 - Lewis Hine, Trabalho infantil numa ao de algodo, Estados Unidos, 1908. Hine sucede a Riis como um dos grandes precursores da fotograa de compromisso social. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 10 - Erich Solomon, Recepo no Ministrio dos Negcios Estrangeiros, Paris, 1931. Esta , talvez, a fotograa mais famosa de Solomon. Os fotgrafos no eram admitidos no evento, mas o ministro dos Negcios Estrangeiros francs apostou com o seu chefe do protocolo que Solomon iria estar l. E efectivamente esteve. A fotograa representa o instante em que o governante avista Solomon e exclama: "Le voil! Le Roi des indiscrets!". Solomon considerado um dos progenitores do fotojornalismo moderno, devido introduo da fotograa cndida: o fotgrafo procura descobrir os instantes em que as guras pblicas baixam as suas defesas para as fotografar descontraidamente. A fotograa posada cedia lugar fotograa viva. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 11 - Henri-Cartier Bresson, Kashmir, 1948. Bresson, considerado por alguns o melhor fotojornalista de todos os tempos, transportou para a fotograa a inteno surrealista, a organizao geomtrica do espao e o rigor formal, factores congregveis na mxima do instante decisivo, da sua autoria. Foi tambm um dos grandes responsveis pela promoo e expresso da autoria no fotojornalismo, sendo um dos fundadores da Agncia Magnum.www.bocc.ubi.pt

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Fig. 12 - Robert Capa, Morte de Um Soldado Republicano, Espanha, 1936. Robert Capa, provavelmente o mais celebrado e miticado fotgrafo de guerra de todos os tempos, escolhia sempre a proximidade da aco para fotografar. A Guerra Civil de Espanha foi o seu primeiro palco. Foi um dos fundadores da mtica Agncia Magnum. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 13 - Weegee, Acidente em Nova Iorque, cerca de 1938. Weegee destacou-se pela sua cobertura sistemtica da vida nocturna em Nova Iorque entre os anos trinta e cinquenta: os crimes, os acontecimentos bizarros, os bares, a fauna nocturna e os acidentes foram alguns dos temas para onde apontou a sua objectiva. E se conseguia fotografar gangsters famosos que queriam ver aumentada a sua fama deixando-se fotografar em exclusivo por Weegee, no menos certo que este fotgrafo manifestou sempre uma grande preocupao e respeito pelas vtimas e pelo contexto das situaes. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 14 - Dorothea Lange, Me Migrante, Califrnia, 1938. Esta uma das muitas fotograas de tocante contedo humano do primeiro grande projecto fotodocumental da histria, o Farm Security Administration, que procurava documentar a recuperao econmica da Amrica profunda, durante a implementao das polticas do New Deal do Presidente Roosevelt. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 15 - Robert Frank, foto da srie As Linhas da Minha Mo, Londres, 1952. Frank revolucionou toda a fotograa, incluindo o fotojornalismo, ao renunciar objectividade no olhar e ao centrarse nos instantes, nas pessoas e nas coisas banais e aparentemente sem signicado.www.bocc.ubi.pt

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Fig. 16 - Eddie Adams, Execuo de um suspeito vietcong, Vietname, 1968. Sem censura, a Guerra do Vietname relanou o fotojornalismo - a televiso ainda no tinha a mobilidade que possua um fotgrafo com a sua cmara. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 17 - Sebastio Salgado, Mina de Ouro da Serra Pelada, Brasil, 1986. O brasileiro Sebastio Salgado recuperou para o fotodocumentalismo a tradio dos grandes fotgrafos humanistas e o preto e branco. Mas o fotodocumentalismo tem-se aberto a outras formas de representar e interpretar a realidade, algumas delas totalmente encenadas, como na segunda foto, da autoria de Karen Korr (Os Princpios da Economia Poltica). Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 18 - Eric Feferberg, Agncia EPA, Guerrilheiros Sudaneses, Sudo, 1998. O fotojornalismo de agncia d-nos a oportunidade de assistir ao quotidiano do mundo, representado fotogracamente em milhares de pginas de jornais, revistas e ciberjornais. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 19 - Acidente durante festival areo, Ucrnia, 17 de Julho de 2002. Imagem Associated Press/NTV, difundida via APTN. No futuro o ofcio de foto-reprter e de reprter de televiso podero convergir para o ofcio nico de reprter de imagem. As tecnologias digitais permitem com facilidade a um nico reprter de imagem fornecer ao mesmo tempo as televises com imagens animadas e os jornais e as revistas com imagens xas de denio razovel (fotograa extrada do jornal Pblico, 28 de Julho de 2002).

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Captulo 3 FotografarFotograa signica "escrever (graa) com a luz (foto)". Uma mquina fotogrca permite a "escrita com a luz". A fotograa tradicional (analgica) possvel devido aos fenmenos decorrentes do comportamento da luz numa cmara escura e da fotossensibilidade de alguns materiais, ou seja, da propriedade que alguns materiais apresentam de se alterar por exposio luz, tal como acontece com a pele, que escurece quando exposta luz. O princpio da cmara escura simples de explicar. Os raios luminosos que entram por um orifcio estreito de uma cmara escura projectam, na parte oposta, a imagem dos objectos exteriores, um pouco semelhana do que acontece no nosso olho1 . Esta descoberta, que j tem milnios, foi uma das que permitiu aos pesquisadores do sculo XIX inventarem a fotograa. O princpio da fotossensibilidade dos materiais tambm se explica facilmente com uma analogia. Depois de uns dias de praia, ca no corpo a marca do biquini. A mquina fotogrca, devidamente apetrechada com lme ou um dispositivo digital de armazenagem de informao, tem uma capacidade similar.No nosso olho, os fotes (partculas de luz) entram pelos olhos e vo bater nas clulas da retina. Estas, conforme a maior ou menor concentrao de fotes, emitem para o crebro a sensao respectiva. A imagem memorizada no crebro.1

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As cmaras fotogrcas, vulgarmente designadas mquinas fotogrcas, so o instrumento com que se obtm as fotograas. Elas no passam de uma cmara escura, tal como o local onde o fotgrafo faz provas e ampliaes. No fundo, so um quarto escuro em miniatura, embora possuam vrias particularidades que as diferenciam. Na cmara fotogrca analgica, os raios luminosos projectam a imagem sobre um lme. Os materiais que esto superfcie do lme so sensveis luz e alteram-se em funo da luz a que so expostos. Forma-se, assim, uma imagem latente, normalmente em negativo, anloga quela que lhe deu origem (por isso se fala de fotograa analgica). O negativo, depois de revelado e xado, pode ser reproduzido em positivo quantas vezes se desejar. Explique-se melhor. O material fotossensvel mais comum nos lmes uma emulso de sais de prata distribudos por uma massa gelatinosa. Nos pontos em que a luz incide cam gros de prata, enquanto que nos pontos em que a luz no incide ca apenas a gelatina transparente. Ora, como os pontos em que a imagem luminosa cam mais escuros (a prata no deixa passar a luz), enquanto que os pontos em que a imagem mais escura deixam passar a luz (os sais de prata no alterados so dissolvidos e removidos durante a revelao), necessrio inverter-se o processo para se obter uma imagem parecida com o original. Em primeiro lugar obtm-se o negativo e s com a exposio deste luz possvel obter o(s) positivo(s). Quando no h uma dosagem correcta da luz que atinge o lme, podem ocorrer fenmenos de subexposio (negativo excessivamente claro, positivo demasiado escuro) ou sobre- exposio (o inverso). A fotograa digital obedece igualmente ao princpio da cmara escura, mas a informao (a imagem), em vez de ser armazenada num lme guardada electromagneticamente sob a forma de um cdigo binrio de zeros e uns. Ou seja, numa mquina digital, a luz, em vez de dar origem a uma imagem analgica,www.bocc.ubi.pt

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transformada, por aco de um transdutor, num cdigo digital. A informao armazenada digitalmente e no analogicamente, como nos lmes. As mquinas digitais mais usadas em fotojornalismo podem controlar-se como as mquinas analgicas. Portanto, os princpios de utilizao das mquinas fotogrcas (velocidades, aberturas...), de composio de imagem, de utilizao expressiva da profundidade de campo e das velocidades de obturao, etc. so idnticos quer se trate de fotograa digital quer se trate de fotograa analgica. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 20 - Esquema da formao de imagens na retina e na cmara escura. Como se observa, os processos apresentam semelhanas. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 21 - Esquema do processo negativo - positivo. Mquinas reex analgicas de 35 mm e objec-

tivas intermutveisQuando trabalham com meios analgicos, os fotojornalistas usualmente utilizam as mquinas de reex directo de 35 mm e de objectivas intermutveis. Estas mquinas tm a designao reex porque possuem um jogo de espelhos, chamado pentaprisma, que reecte a luz que penetra pela objectiva e a envia para o visor. Assim, o fotgrafo observa no visor praticamente a mesma imagem que vai ser impressa no lme, ao contrrio do que sucede nas mquinas no reex, sujeitas ao erro de paralaxe (aquilo que se v no visor no corresponde quilo que a objectiva est a captar). Tm ainda a designao "de 35 mm"porque

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usam lme formato 135, mais conhecido por lme de 35 mm. Finalmente, chamam-se de objectivas intermutveis porque se podem trocar as objectivas que so acopladas ao corpo da mquina. Mais raramente, os fotojornalistas recorrem a cmaras de mdio formato e de grande formato, que possibilitam fotograas de melhor denio (os negativos so maiores), e s mquinas no reex de 35mm, quase todas elas compactas (corpo e objectiva fundem-se numa nica pea). O diafragma o orifcio por onde a luz penetra na mquina. Nas mquinas usadas pelos fotojornalistas normalmente a abertura do diafragma regulvel, pois o diafragma benecia de um sistema de lminas que se movem at deixar no centro um orifcio do dimetro desejado. A abertura do diafragma controlada pelo anel dos diafragmas e dita a quantidade de luz que entra na mquina e sensibiliza o lme num determinado momento. Um anel suplementar, geralmente colocado junto ao anel da sensibilidade ou velocidade do lme, permite tambm aumentar ou diminuir ligeiramente a abertura do diafragma. O obturador o dispositivo que permite ao fotgrafo fotografar a uma determinada velocidade, ou seja, seleccionar o tempo durante o qual a luz sensibiliza o lme. A velocidade controlada pelo anel das velocidades. O fotojornalista precisa de controlar ao mesmo tempo a quantidade da luz incidente no lme e o tempo durante a qual a luz incide no lme, para garantir uma exposio correcta do assunto e a utilizao expressiva dos elementos da linguagem fotogrca. A quantidade de luz incidente controla-se, como vimos, usando o anel dos diafragmas. O tempo durante o qual a luz sensibiliza o lme controla-se, como vimos, usando o anel das velocidades. A utilizao de uma velocidade rpida (por exemplo, mil, ou seja, 1/1000 segundos) usualmente exige um diafragma aberto (por exemplo, f: 2). A utilizao de uma velocidade lenta (por exemplo, 2, ou seja, 1/2 segundo) geralmente exige um diafragma fechado (por exemplo, f: 22). Porm, a utilizao dewww.bocc.ubi.pt

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velocidades lentas pode tornar o movimento escorrido e aumenta as probabilidades de a fotograa car tremida. A utilizao de velocidades elevadas geralmente trava o movimento. O recurso a grandes aberturas de diafragma diminui a profundidade de campo. As pequenas aberturas do diafragma aumentam a profundidade de campo. Por isso, difcil para um fotgrafo obter, por exemplo, uma fotograa com pequena profundidade de campo e movimento escorrido e a grande distncia do motivo num dia de muito sol, a no ser que as condies de luminosidade e a sensibilidade do lme o permitam. A fotograa analgica (e mesmo a digital) tem vrias condicionantes tcnicas.

Fig. 22 - Numa mquina reex, antes do disparo a luz rewww.bocc.ubi.pt

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ectida pelo espelho e, posteriormente, pelo pentaprisma, chegando ao visor. Por isso, a imagem que se observa no visor corresponde imagem captada pela objectiva. Quando se dispara, pressionando-se o obturador, o espelho levanta, a cortina que protege o lme abre durante o tempo determinado (isto , em funo da velocidade de obturao seleccionada) e a luz sensibiliza o lme. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 23 - Esquema de uma mquina reex vista de cima.

Fig. 24 - Abertura do diafragma e variao dos valores f. Mquinas digitais Como vimos, a grande diferena entre uma cmara digital e uma analgica o facto de a informao ser armazenada sob a forma de um cdigo digital, na primeira, e num lme com uma emulso fotossensvel, na segunda. Na mquina digital o lme substitudo por um semicondutor de silcio designado CCD (Charge-Coupled Devices). O visor um ecr CCD. O CCD composto por milhares de elementos fotossensveis separados, os pixels, organizados numa grelha. A luz atravessa a objectiva, passa pelos ltros de cores (dispositivo destinado obteno de imagens coloridas) e bate no CCD. Este converte awww.bocc.ubi.pt

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luz em electricidade, funcionando como um transdutor fotelctrico. A intensidade da carga elctrica emanada de cada pixel do CCD varia em funo da intensidade da luz que neles bate, semelhana do que ocorre na fotograa analgica, em que cada sal de prata se altera em funo da luz a que exposto, formando um gro de prata. Sempre que se pressiona o disparador de uma cmara digital, o CCD passa a informao de cada pixel para um conversor analgico-digital que codica num cdigo digital os dados que lhe chegam sob a forma de impulsos elctricos (nas mquinas analgicas corresponderia ao abrir e fechar da cortina do obturador). Esses dados, j em formato digital, so armazenados na memria RAM, para posterior descarregamento, ou numa memria ashcard. H dois tipos de CCDs: os lineares e os de rede. Os lineares capturam a imagem linha a linha, sendo mais lentos do que os de rede, que capturam a imagem de uma s vez. Por isso, quase todas as mquinas fotogrcas digitais de uso comum tm CCDs de rede. A denio da imagem depende do nmero de pixels. Quanto maior for este, maior a denio da imagem. O problema que quanto maior a denio de uma imagem, mais memria ela ocupa. Por isso, muitas vezes preciso abdicar da melhor denio para se poderem gravar mais imagens. Os tericos da fotograa tm apresentado uma objeco interessante disseminao acrtica da fotograa digital no campo do fotojornalismo. O que acontece que agora o fotojornalista tende a mandar para arquivo apenas uma imagem de cada assunto coberto (muitas imagens ocupam muita memria), quando anteriormente era armazenado o conjunto de negativos. Assim, de alguma maneira a nossa prpria memria histrica que se desvanece. Um outro problema inicial da fotograa digital , na actualidade, quase irrelevante. Trata-se da denio das imagens. Os processos fotogrcos analgicos permitiam a obteno de imagens de melhor denio e qualidade, mas o constante aumento do nmero de pixels nos CCDs tem contribudo para atenuar ouwww.bocc.ubi.pt

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mesmo eliminar esse problema. De qualquer maneira, a denio de imagem da maioria das mquinas digitais, em nmero de pixels, ainda anda longe da denio de imagem proporcionada pelos mtodos analgicos. Objectivas As mquinas fotogrcas so constitudas por um corpo e por uma objectiva. As objectivas so normalmente identicadas pela luminosidade e pela distncia focal. A luminosidade a relao entre a abertura mxima e a distncia focal. Quanto menor for o valor do quociente maior a luminosidade da objectiva e, em princpio, melhor a sua qualidade. Por exemplo, uma objectiva cujo ndice de luminosidade seja 1:1 melhor do que uma 1:2 e esta melhor do que uma 1:3.5. A distncia focal a distncia entre o centro da objectiva e o plano focal, que nas mquinas analgicas coincide com o lme, quando a objectiva est focada para innito. Usualmente, utilizase o milmetro para denir a distncia focal. Para as mquinas de 35 mm, as objectivas classicam-se da seguinte maneira: Objectivas normais - So as objectivas com distncia focal de 50 mm, assim designadas porque os efeitos da sua utilizao se situam num ponto intermdio entre os efeitos de utilizao de uma teleobjectiva e os de uma grande-angular; Objectivas grandes-angulares - So as objectivas de distncia focal inferior a 50 mm. Nestas objectivas, o ngulo de captao de imagem maior do que nas objectivas normais. As objectivas grandes-angulares do origem a deformaes de perspectiva. Estas deformaes da perspectiva e do motivo tornam-se particularmente ntidas nas grandesangulares de menor distncia focal, como as objectivas olhowww.bocc.ubi.pt

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de peixe (distncia focal inferior a 16 mm), pois quanto menor for a distncia focal da objectiva, maior o efeito de deformao do tema. As objectivas grandes-angulares geralmente so usadas para fotografar paisagens, pois a deformao minorada pelo aumento da distncia em relao ao motivo e pela grandeza do prprio motivo. Tambm so usadas para fotograa em interiores sem recurso a iluminao articial (espectculos, entrevistas-colectivas...), j que apresentam maiores ndices de luminosidade do que as restantes objectivas. So desaconselhadas para retrato, j que tendem a deformar as pessoas. Teleobjectivas - As teleobjectivas so as objectivas de distncia focal superior a 50 mm. O seu ngulo de captao de imagem inferior ao de uma objectiva normal, mas, em compensao, deformam menos os motivos. Alis, quanto maior a distncia focal da objectiva menor o efeito de deformao do motivo. As teleobjectivas originam efeitos de compresso do tema. O que est separado (em profundidade) aparece comprimido. Quanto maior a distncia focal da objectiva, maior este efeito compressor. Normalmente usam-se as teleobjectivas para fotografar objectos afastados. Quanto maior a distncia focal das teleobjectivas maior capacidade tem a objectiva de "ir buscar"os objectos longnquos e de encher com eles o enquadramento. As teleobjectivas entre 70 mm e 130 mm so muito usadas para retratos, pois deformam pouco a pessoa e no a obrigam a posicionar-se muito longe do fotgrafo. H ainda dois tipos especiais de objectivas. As objectivas zoom possuem distncia focal varivel e as macro-objectivaswww.bocc.ubi.pt

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servem para macrofotograa, isto , para fotograa de pequenos objectos a curta distncia, ou, por outras palavras, para grandes ampliaes de pequenos objectos. Focar consiste em fazer aproximar ou afastar a objectiva da pelcula para que a imagem resulte ntida. Normalmente, as mquinas possuem um jogo de espelhos de focagem. Quando a imagem reectida por um dos espelhos se sobrepe totalmente do outro espelho o objecto est focado.

Fig. 25 - Esquema da distncia focal de uma objectiva.www.bocc.ubi.pt

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Fig. 26 - Utilizao de uma objectiva grande-angular (27 mm)

Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 27 - Utilizao de uma objectiva normal (50 mm).

Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 28 - Utilizao de uma teleobjectiva de 200 mm.

Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 29 - Nelson Garrido / Pblico. Futebol, Maio de 2002. Exemplo de utilizao expressiva de uma teleobjectiva. Reparese que, contingentemente, a profundidade de campo reduzida. Observe-se, igualmente, o sentido de oportunidade do fotgrafo: a foto foi obtida no "instante decisivo"em que os movimentos dos jogadores so quase paralelos. H explorao da simetria do motivo. tambm uma foto equilibrada.

Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 30 - Yannis Behrakis / Reuters. Mdio Oriente, Junho de 2002. Utilizao expressiva de uma grande angular, associada a um ngulo contrapicado. Repare-se na deformao do tamanho do canho, que parece muito maior. Observe-se, ainda, o contraluz, que retira em informao aquilo que aumenta em carga esttica.

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Jorge Pedro Sousa Profundidade de campo e abertura do

diafragma distncia entre o ponto ntido mais prximo e o mais afastado chama-se profundidade de campo. Em palavras simples, a profundidade de campo a zona de nitidez da imagem em termos de profundidade. A profundidade de campo diminui com: o aumento da proximidade ao objecto focado; o aumento da distncia focal das objectivas; o aumento da abertura do diafragma (quanto menor o valor na escala das aberturas, maior a abertura do diafragma). Como lgico, a profundidade de campo aumenta com o aumento da distncia ao motivo, com a diminuio da distncia focal das objectivas e com a diminuio da abertura do diafrgma. Uma pequena profundidade de campo til para relevar objectos em relao ao fundo e aos primeiros planos. Uma grande profundidade de campo importante, por exemplo, em fotograa de paisagens. Nas objectivas existem, usualmente, traos gravados na mesma cor da escala dos diafragmas, que delimitam a profundidade de campo a partir da distncia para que a objectiva est focada. Chamase a esta escala a escala de profundidades de campo. As mquinas fotogrcas que possibilitam o controle da abertura do diafragma tm um anel, designado anel dos diafragmas, onde se pode seleccionar o valor desejado para a abertura. As aberturas esto identicadas com nmeros que traduzem a relao entre o dimetro da abertura e a distncia focal da objectiva (1.2; 2; 2.8; 3.5; 4; 5.6; 8; 11; 16; 22...). Estes calores simbolizam-se com a letra f (exemplo: f:1.2). A abertura correspondente a cada nmero dupla do nmero acima e metade do nmero abaixo. Quanto menor o valor de f, maior a abertura e, consequentemente, maior a luminosidade da objectiva (e menor a profundidade de campo).www.bocc.ubi.pt

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Fig. 31 - Profundidade de campo e abertura do diafragma. Quanto menor a abertura maior a profundidade de campo.

Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 32 - Yannis Bahrakis / Reuters. Mdio Oriente, Junho de 2002. Utilizao expressiva de uma pequena profundidade de campo. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 33 - Adam Butler / Associated Press, Afeganisto, Abril de 2002. Utilizao expressiva de uma pequena profundidade de campo. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 34 - Paulo Ricca / Pblico, Fevereiro de 2002. Utilizao expressiva da grande profundidade de campo.

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Jorge Pedro Sousa Obturador e controle da velocidade de exposi-

oH obturadores de diversos tipos. Nas mquinas reex de 35 mm os mais usados so os obturadores de cortina. Esta pode ser de tecido resistente ou de ao. A velocidade de obturao, ou seja, o tempo durante o qual a luz vai sensibilizar o lme, marcado no anel das velocidades. As velocidades permitidas por cada mquina so diversicadas, mas geralmente so organizadas segundo uma escala em que cada uma delas dupla da anterior e metade da seguinte: 1, 2, 4, 8, 15, 30, 60, 125, 250, 500, 1000, 2000, etc. Esta organizao da escala facilita a conjugao das velocidades e dos diafragmas, tendo em vista garantir exposies correctas quando o controle no automtico ou semi-automtico. Se o pretendido travar o movimento, a velocidade a usar ser tanto maior quando mais rpido for o movimento do objecto. Para objectos estticos pode ser usada qualquer velocidade. Quando a velocidade de um objecto a mesma, se este se deslocar na direco da cmara a velocidade necessria para travar o seu movimento inferior quela que necessria se o movimento ocorrer numa linha oblqua em relao cmara. A velocidade requerida para se travar o movimento de um objecto que se desloque paralelamente cmara superior s duas outras hipteses. Por exemplo: se para se travar o movimento de uma pessoa a correr na direco da cmara precisa uma velocidade de 125, se ela se movimentar numa linha oblqua precisa uma velocidade 250 e se o movimento for paralelo cmara preciso 500. B e T, ou tempos de pose, correspondem a tempos de exposio denidos pelo fotgrafo. Na posio B, o obturador permanece aberto enquanto se pressiona o disparador; na posio T, o obturador abre quando se pressiona o disparador e fecha quando se dispara novamente. Para se travar o movimento usando-se velocidades apropriadas no se deve movimentar a mquina acompanhando o objecto.www.bocc.ubi.pt

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Esta tcnica gera imagens com o movimento travado e o fundo escorrido. Se o pretendido tornar o movimento escorrido, devem usarse velocidades lentas e tanto mais lentas quanto menor for a velocidade do objecto em movimento. O escorrido, por vezes, resulta numa explorao ecaz da ideia de velocidade. Um efeito similar pode ser obtido com ltros de arrastamento.

Fig. 35 - Escolha de velocidades para travagem de movimento de objectos que se desloquem mesma velocidade mas em diferentes direces em relao mquina (nota: as indicaes dos valores da velocidade so imaginrias: dependeriam da velocidade do objecto). Para travar o movimento de um objecto que se desloque na direco da cmara, a velocidade a usar inferior quela que necessria se o objecto se desloca na diagonal. Para travar o movimento de um objecto que se desloque paralelamente em relao cmara, a velocidade a usar tem de ser superior s duas opes anteriores.

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Jorge Pedro Sousa Fotograa no inserida por motivos legais

Fig. 36 - Miguel Silva/ Pblico, Portugal, Junho de 2001. Utilizao expressiva da velocidade de obturao: travagem do movimento. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 37 - Susumo Takahashi/Reuters. Futebol, Fevereiro de 2002 Utilizao expressiva da velocidade de obturao: movimento escorrido. Repare-se que o olhar selectivo do fotgrafo incidiu apenas na bola e nas pernas e ps dos jogadores. Fotograa no inserida por motivos legais Fig. 38 - Adelino Meireles/ Pblico. Comcio eleitoral do PSD no Porto, Portugal, 1994. A utilizao de velocidades lentas transformou esta fotograa quase numa pintura impressionista. As bandeiras a agitarem-se, esbatidas, parecem pinceladas num quadro. Aquilo que poderia ser considerado um erro tcnico corresponde a uma valorizao esttica. Fotometria e controle da exposio Falou-se j de que o fotojornalista deve obter imagens com uma exposio correcta, ou seja, nem excessivamente sobre- expostas nem sub-expostas. O valor da exposio dado pela frmula E=IT/d2 , em que E signica exposio, I a intensidade da luz, T o tempo e d a distncia. Assim, a exposio directamente proporcional ao produto da intensidade da luz que expe a pelcula (I - controlado pelo anel dos diafragmas) pelo tempo durante o qual a cortina do obturador permanece aberta (T - controlado pelo anel das velocidades). A exposio ainda inversamente proporcional ao quadrado da distncia.www.bocc.ubi.pt

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Para fotograa com luz do dia (luz solar), no se entra em linha de conta com a distncia, pois todos os pontos da superfcie terrestre iluminados num determinado momento esto mais ou menos mesma distncia do sol. Assim, pode considerar-se d constante.

Fig. 39 - Para o mesmo tema, com o mesmo equipamento, com o mesmo lme e nas mesmas condies de iluminao a exposio no varia desde que o produto de I (intensidade da luz, controlada pelo anel dos diafragmas) por T (tempo, controlado pelo anel das velocidades) seja o mesmo, ou seja, em termos simples, desde que se usem os pares abertura - velocidade adequados. Quando se recorre a uma fonte de luz articial, como o ash, preciso entrar em linha de conta com a distncia entre a mquina fotogrca e o motivo. Os ashes geralmente so sincrnicos com as mquinas fotogrcas. Em modo de ash a mquina selecciona automaticamente a abertura e a velocidade. Quando os ashes no so sincrnicos, normalmente so fornecidas pelos fabricantes as seguintes informaes: velocidade de disparo, potncia e uma tabela das aberturas a usar tendo em conta a distnciawww.bocc.ubi.pt

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ao motivo e a sensibilidade do lme (a velocidade de disparo pr-denida).ASA

25 50 100 200 400

1,4 metros 8 11 16 22 32

2 metros 5.6 8 11 16 22

2,7 metros 4 5.6 8 11 16

3,9 metros 2.8 4 5.6 8 11

5,5 metros 2 2.8 4 5.6 8

7,8 metros 1.4 2 2.8 4 5.6

Tabela de aberturas do diafragma para controle da exposio quando se usa o ash correspondente. Exemplo: para um lme de 50 ASA, para se fotografar com esse ash um objecto situado a cerca de 3,9 metros deve ser seleccionada uma abertura do diafragma f :4. O fotmetro o dispositivo que permite ao fotgrafo garantir uma exposio correcta do motivo. Trata-se de um aparelho que serve para medir a intensidade da luz. A maioria das mquinas tem fotmetros incorporados e o seu funcionamento simples: como os metais libertam tantos mais electres quanto mais so atingidos por fotes, ao inserir-se uma placa de um metal fotossensvel num circuito elctrico de que faa parte um aparelho de medio da corrente elctrica (ampermetro), as medies efectuadas por este informam o fotgrafo sobre se o par aberturavelocidade seleccionado garante ou no uma exposio correcta. Assim, para obter fotograas bem expostas o fotojornalista necessita de controlar a abertura e a velocidade, jogando com os diversos pares abertura - velocidade possveis para garantir o efeito pretendido. Trabalhando com mquinas digitais o fotojornalista no precisa de se preocupar com a sensibilidade do lme, porque obviamente no h lme. Se o controle da mquina for totalmentewww.bocc.ubi.pt

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manual e o fotojornalista estiver a trabalhar com uma mquina analgica, ter de ser introduzido em primeiro lugar o valor da sensibilidade do lme, no momento em que se carrega a mquina com a pelcula. O valor da sensibilidade do lme regula o fotmetro. Para cada fotograa, deve introduzir-se o valor da abertura ou o valor da velocidade pretendidos. Se a prioridade for travar o movimento, marca-se primeiro uma velocidade, no anel das velocidades, e depois ajusta-se o anel dos diafragmas at o fotmetro indicar que a exposio a mais correcta. Quando se pretende controlar a profundidade de campo usando o diafragma, marca-se primeiro a abertura desejada e depois ajusta-se a velocidade at o fotmetro garantir a exposio correcta. H vrios tipos de fotmetro: de agulha ou ponteiro, de luzes, de barras, iconogrcos, etc. No caso dos indicadores de agulha, quando o motivo est correctamente exposto, face ao par aberturavelocidade seleccionado, a agulha assume uma posio central; se for um fotmetro luminoso, poder surgir uma luz verde (uma alternativa surgir uma luz verde e luzes vermelhas junto aos valores das aberturas ou das velocidades, visveis no visor, para assinalar quais podem ser seleccionadas), etc. Nos fotmetros de mo, mais precisos do que os incorporados, normalmente aparecem os valores da abertura ou velocidade a usar no respectivo visor. Um fundo demasiado escuro ou claro pode "enganar"o fotmetro, induzindo avaliaes incorrectas da exposio. Quando as mquinas fotogrcas no possuem fotmetros capazes de leituras multizona ou de leituras spot, deve fazer-se a leitura prximo do tema (tendo o cuidado de no se tapar a luz incidente) e s depois se deve recuar para o lugar de onde vai ser feito o disparo. Em todo o caso, sempre conveniente realizar vrias fotograas de cada assunto, variando-se a abertura do diafragma e da velocidade. Se a mquina usada for digital, as imagens que no cam bem podem ser imediatamente desgravadas. Se for analgica, quando se revelam as fotograas pode fazer-se primeiro uma prova de contacto (ou fazer um ndice das fotos, no caso de revewww.bocc.ubi.pt

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lao automtica) e ampliar e imprimir unicamente as fotograas pretendidas.

Fig. 40 - Esquema simplicado de funcionamento de um fotmetro incorporado numa mquina fotogrca. A luz bate numa placa de metal fotossensvel ligado por um circuito elctrico a um miliampermetro, que ca no visor ou cujas indicaes so dadas no visor. Num fotmetro de agulha, esta poder car mais acima ou mais abaixo do ponto mdio do visor. Se estiver mais para cima, signica que a fotograa sair sobre-exposta; se estiver mais para baixo, signica que a fotograa sair sub-exposta. Filtros e pra-sol Quando se intercepta um raio de luz solar por um prisma de vidro consegue decompor-se a luz branca, tansformando-a num arco-ris. As cores no so mais do que radiaes luminosas de diferentes comprimentos de onda. Interpondo-lhes um prisma, elas so desviadas de forma diferente. Por isso, sada do prisma as cores da luz solar branca aparecem separadas, como acontece no arco-ris. Um ltro colorido deixa passar a cor do mesmo nome e retm a cor contrria. As cores intermdias passam tanto menos quantowww.bocc.ubi.pt

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mais se afastam da cor do ltro. Os ltros coloridos servem para atenuar, alterar e realar determinadas cores. H ltros coloridos monocromticos, policromticos e dgrades. Conforme o seu nome indica, os primeiros apresentam apenas uma cor, os segundos apresentam mais de uma cor e os terceiros apresentam uma cor mas em dgrade, ou seja, de uma colorao mais intensa at uma colorao mais fraca ou mesmo at transparncia. Um ltro para ultra-violetas (UV), para alm de proteger a lente exterior da objectiva, impede os efeitos nocivos dessas radiaes e uma queda exagerada para os azuis na imagem nal. Os ltros UV so particularmente teis em alta-montanha. Os ltros skylight tm um efeito semelhante aos UV, mas mais atenuado. D