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SUMÁRIO - EDIÇÃO 28
REVISTA KUKUKAYA
Editorial
Oreny Jr.
Insegurança Pública - Novo Ano, Velho Caos
José Antonio Aquino
Resenha Crítica da Obra “Blattodea” - Júnior Dalberto
Sandemberg Oliveira
Entrevista
Michelle Paulista
Perfis Literários - Wescley J. Gama
Thiago Gonzaga
A Permanência do Fascismo
Homero Costa
Bocadinho de Prosa - IV
Clauder Arcanjo
Ícones do Riso
Manoel Onofre Jr.
Os Temores da Morte e as Doenças da Alma na Poesia de Lucrécio
Antonio Júlio
Paciência com Deus
Josuá Costa
Algumas Reflexões Sobre a Educação Brasileira
José de Castro
Cego de Amor
Weidde Andrino
Projetos Humanos
Ana Luiza Rabelo
A Biopolítica Imperialista da Globalização Neoliberal
Francisco Ramos
Limites Invisíveis - Grandes Momentos da Poesia
Thiago Gonzaga (ORG)
Artista Plástico Homenageado
Franz Kline
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Revista de Circulação bimensal.
É uma publicação integrante do
site: WWW.VIRTUALCULT.COM.BR.
Envio de Artigos:
Diretor Geral
Alfredo Ramos Neves
Thiago Gonzaga, José Antônio Aquino
(Nenoca),Sérgio Santos, Aluísio Azevedo Jr.
Marcos Medeiros, Marcos Guerra,
Francisco Ramos, João Cavalcante,
Luiz Carlos Petroleiro,
Maurício Miranda, Valdecy Feliciano,
Fátima Maria de Oliveira Viana,
Márcio Dias, Herbert Martins,
Manoel Onofre Jr.
Getúlio Moura, José Araújo (Dedé Araújo)
Professor Manoel Nazareno da Silva,
Jardia Maia e Ozany Gomes.
Editor Oreny Júnior
M as o que vem a ser li-teratura, senão um ajuntamento de emo-ções, transformado em
palavras, palavras em textos, em expressões diversas, romances, contos, poesias, crônicas, prosas.
Um eterno sentimento bíblio, de forma oral, escrita, visual, isso é literatura. Literatura é um prato de feijão com arroz saciando a fome do homem, é um livro chegando às mãos e aos olhos de um menino faminto por leitura. E o prazer da literatura é transfor-má-la em direitos, direitos aos cida-dãos, um direito básico, básico co-mo se alimentar, trabalhar, descan-sar e dormir, parafraseando o mes-tre Antônio Cândido. Cultivar a terra molhada, arar, plan-tar e colher, isto é literatura.
Literatura é a loucura às ma-chadadas de Raskolnikov.
Literatura é o cio endiabrado de Diadorin em veredas e florestas de buritizais.
Literatura é a fé cética nos revoltosos de Antonio Conselheiro.
Literatura são as pelejas se-ridoenses de Ojuara.
Literatura são as bruxarias do Cosme Velho, na beleza de Ca-pitu e na inocência de Bentinho.
Literatura é o mamulengo de Chico Daniel, são as contações de Dona Militana, o coco de Chico An-tonio.
Literatura é colecionar cre-púsculos, numa eterna observância do nosso guardião mor, Luís da Câmara Cascudo.
São olhos, retinas deslizando sobre imagens, pulsando corações, de-sassossegando espíritos inertes, letárgicos, levando o homem aos mais longínquos lugares, reais, fic-tícios, isto é literatura. Ensopar o pão no café, imergir a colher num prato cheio de cuscuz com ovo, isto é literatura.
E o direito à literatura, onde está?
Está no interesse que o ho-mem deve ter pela leitura, está no interesse que o autor deve ter em trazer, em pregar em salas de au-las, em auditórios, nas calçadas, nas ruas.
E o prazer na literatura, onde está?
Está quando um menino confronta-se com CABRA DAS RO-CAS, O MENINO DE ASAS, O MEU PÉ DE LARANJA LIMA, VI-DAS SECAS, DOM CASMURRO, A PRIMEIRA FEIRA DE JOSÉ, O MUNDO DE SOFIA, ALICE NO PA-ÍS DAS MARAVILHAS, CRIME E CASTIGO, OS SERTÕES, GRAN-DE SERTÃO, VEREDAS.
A literatura deve ser a nossa lição diária de cada dia, sonhada, vivida, transcrita, dita, LITERATU-RA, salve-me deste mundo desvali-do, ingrato, inumano, LITERATU-RA, dai-me a eterna vontade de aprender, de poder dividir de graça, o que de graça recebi, LITERATU-RA, bem dita sejas, amada LITE-RATURA.
* José Antônio Aquino
Policial Federal
Presidente do Sindicato dos
Policiais Federais no RN
Pós graduado em análise de
sistemas – UFRN
MBA – FGV
Conselheiro do COEDHUCI
O ano de 2017 se en-
cerrou como um dos
anos mais complexos
para a segurança pública no Bra-
sil. O absurdo crescimento dos
índices de violência, em todos os
seus aspectos, consolidou de
uma vez por todas a mudança de
hábitos do cidadão brasileiro. A
precaução, o aumento dos cuida-
dos básicos com a segurança da
vida e de seus bens tornou-se
rotina, quando não, o medo, o
terror, a fobia diante de dados de
mortandade cada dia maiores,
instalaram-se de vez no cotidiano
do Brasileiro.
O ano novo se iniciou
com a esperança de que uma
nova realidade fosse nessa área;
Ledo engano. A dura realidade
dos índices de violência revelam
que não superamos a fase mais
aguda do total descontrole dessa
fundamental área de atuação do
Estado Brasileiro.
Os dados apresentados
pelo Observatório da Violência
mostram que no Rio Grande do
Norte, a barbárie continua, o nú-
mero de homicídios registrados
totalizou apenas duas mortes a
menos que idêntico mês de
2017.
Nunca é demais lembrar que no janeiro anterior
o massacre de 26 pessoas, conforme dados ofi-
ciais, no presídio de alcaçuz contribuíra forte-
mente para elevar o quantitativo de mortandade
naquele período. Ou seja, como em .2018 não
ocorrera nada parecido, em última instância os
assassinatos nas ruas potiguares infelizmente
aumentaram.
Vale ressaltar que, conforme o Anuário
Brasileiro de Segu-
rança Pública, em
2016 a violência e
criminalidade no
País já haviam cei-
fado a vida de
61.283 brasileiros e
que tal número de
homicídios colocava
o País entre as dez
nações mais inse-
guras do mundo.
Em função
de tal mortandade o
Brasil se tornou um
dos Países em que
mais se ma-
ta na améri-
ca latina e no mundo. Vide infográfico abaixo.
Note-se a imensa diferença da taxa de homicí-
dios entre Brasil, Argentina e Chile.
Por outro lado, quando se observa os da-
dos sobre as pessoas que estão sob custódia
do Estado Brasileiro se verifica que nós temos a
terceira maior população carcerária do mundo,
atrás apenas de Estados Unidos e China. Com
um agravante, enquanto nesses dois países
tem se constatado uma redução no encarcera-
mento, no Brasil a quantidade de presos só au-
menta. Vale enfatizar que, segundo a agência
Brasil mais de 40% dos presos brasileiros se-
quer ainda foram julgados, são os chamados
“presos provisórios”.
Resta-nos uma pergunta elementar: O que
está acontecendo, aonde está o erro? O que
tem levado a tal caóti-
ca situação, quais as
perspectivas e solu-
ções?
A priori, vale res-
saltar que sempre que
os atuais gestores da
segurança pública em
seus mais variados ní-
veis são indagados so-
bre a contínua escala-
da de violência e mor-
tandade em que o País
está inserido, respon-
dem o mesmo eterno
mantra: “Falta de ver-
bas e pessoal”. Im-
pressiona que nem
mesmo nesta tosca resposta, haja qualquer mo-
dernização.
Ocorre que, quem se debruça sobre o
atual modelo de atuação dos Órgãos de Segu-
rança Pública no Brasil facilmente percebe
uma série de absurdos que impedem so-
bremaneira qualquer reação do Estado so-
bre o avanço da criminalidade, senão vejamos.
Infografía: El Mercurio | Fuente: Insight Crime
A atuação das Polícias Brasileiras, subdivi-
didas em Polícias ostensivas e investigativas
provocou um absurdo sob o ponto de vista de
gestão; O Estado para exercer seu exclusivo
direito de utilização da força, o tenha que fazer
de forma separada, distinta e praticamente sem
integração. A despeito dos inúmeros avisos dos
especialistas em tão delicada área, alertarem há
tempos acerca de tão grave problema, O resul-
tado de tal erro estratégico está sendo sentido,
literalmente, na pele pela Sociedade Brasileira.
Enquanto o crime age de modo integrado as po-
liciais, no Brasil, atuam segmentadas, na con-
tramão do que é realizado pelos Estados em
todo o mundo.
É inadmissível, por exemplo que a atuação
das polícias ostensivas ainda ocorra, no Brasil,
sem que seja realizado previamente um efetivo
trabalho de inteligência policial que norteie a
atuação do Estado de modo que o combate à
criminalidade seja eficaz e certeiro. Como se
pode compreender que a investigação criminal
no Brasil, seja exceção, ocorra apenas em algu-
mas “ilhas” de excelência ao invés de como
ocorre nos principais países do mundo, serem
os “carros chefes” das polícias investigativas. A
resposta a esse questionamento também é sim-
ples e objetivo: Esse erro de atuação policial
existe por uma questão de má gestão e comple-
to desvirtuamento do objetivo do órgão policial,
que foi inflado com excesso de burocracia des-
necessária, a chamada “Polícia Judiciária” que
nada mais é do que um “elefante branco e per-
dulário”, servindo apenas a interesses classistas
de seus gestores.
A não ocorrência de uma atuação efetiva-
mente integrada, sob um mesmo comando, tem
gerado um absurdo. As Polícias Militares pren-
dem, fundamentalmente em situação de flagrân-
cia, todavia a estrutura organizacional criminosa
que tem dado suporte à prática criminosa, em
geral sequer é atingida. Com o agravante de
que os chamados “peixes pequenos”, na cadeia
vão ou já estão servindo de exército para as
facções criminosas. Em última instância o pró-
prio Estado fomenta a força da criminalidade.
Por outro lado, as polícias investigativas
brasileiras apresentam parcos índices de produ-
tividade, segundo dados do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública a taxa de elucidação de ho-
micídios no brasil flutua entre 5 a 8%. Este fato
ocorre porque por questões meras de corporati-
vismo os gestores de tais polícias decidiram, em
uma decisão absurda, exigir que para a investi-
gação policial estivesse inserida sempre em um
inquérito policial, sabidamente um expediente
burocrático, improdutivo e contraproducente.
Resultado: A investigação policial brasileira pra-
ticamente inexiste. Já o inquérito policial tem
funcionado fundamentalmente como “arma” de
defesa mera de interesses classistas dos dele-
gados de polícia.
Daí se ter um dos fatos mais paradoxais,
na área em tela, no Brasil; A despeito de se ter
a terceira maior quantidade de presos do mun-
do, os índices de criminalidade continuam a au-
mentar. Ou seja, o Brasil prende muito, gasta
muito com a atuação das polícias mas prende
muitíssimo mal. Enquanto isso o Estado Brasi-
leiro tem sido incapaz de realizar a persecução
criminal sobre os criminosos mais importantes.
Essa tese é facilmente comprovada. Em
Janeiro deste ano o exército foi novamente
convocado a reforçar o policiamento no estado.
O próprio comandante da força fez o seguinte
comentário: “Em um ano e meio, fomos empre-
gados três vezes no Rio Grande do Norte e,
nesse espaço de tempo, não houve nenhuma
modificação estrutural no sistema de segurança
pública naquele estado. E nós sabemos que
logo seremos chamados a intervir novamente”.
Logo em seguida, o Ministro da defesa,
Raul Jungman, afirmou que “Sistema de segu-
rança no País está “falido””, em uma explícita
referência à ineficiência do atual modelo de se-
gurança pública brasileiro que tem se mostrado
incapaz de enfrentar a criminalidade.
Recentemente no Estado do Ceará, ocor-
reu uma chacina em que, a priori, foram mortas
14 pessoas em um mesmo local na cidade de
Fortaleza, logo em seguida, em um presídio na
cidade de Itapajé ao menos dez pessoas tive-
ram suas vidas ceifadas em um confronto entre
grupos rivais. Já no Rio de Janeiro, o jornal “O
Globo” estampou no mesmo período: “União de
tráfico e milícia avança no Rio e é novo risco à
segurança no estado”.
Qualquer cidadão mediano em nosso País
sabe que existe uma “guerra” entre grupos de
criminosos em praticamente todos os Estados.
Resta pois, uma elementar pergunta: Por que
os Órgãos de segurança pública não conse-
guem debelar, inibir, se antecipando de modo a
evitar o terror em que nossa sociedade está
inserida? A resposta é óbvia e simples: Porque
as polícias investigativas que atuam no Brasil
não conseguem cumprir seu mister. E qual o
motivo? Também de forma direta se obtém a
resposta: O modelo excessivamente burocráti-
co e pouco objetivo adotado na investigação
policial nacional tornou-se, propositalmente,
moroso, ineficaz e totalmente obsoleto. A ges-
tão da investigação também é outro absurdo,
posto que a experiência policial, item funda-
mental, é sub ou não aproveitada.
Enquanto, como vimos no parágrafo anterior, o
crime se organiza e “se reinventa”, os gestores
das policiais teimam em não querer modernizar
a força policial do Estado, com o único objetivo
de amealhar “benesses” para suas categorias.
Enquanto isso nossa população vai ficando a
cada dia mais refém do crime e presa em suas
próprias casas, além de inflar inevitavelmente o
chamado “custo Brasil”. A prova disso é que o
nosso País tem um dos maiores custos de
transportes de carga do mundo, uma vez que o
gasto com seguros é alto, uma vez que o roubo
de carga no brasil é altíssimo.
Um dos Países latinos que tiveram a cora-
gem de enfrentar os grupos corporativistas que
se instalam e sugam o Estado e mudaram o
modelo de polícia investigativa está o Chile
que, como vimos na segunda tabela deste arti-
go apresenta uma taxa de homicídios da or-
dem de 3,3 pessoas por cada grupo de
100.000 habitantes, enquanto nossa triste na-
ção se mantém refém de um modelo caro e
ineficiente e vê a triste taxa de mortes es-
tar na ordem de 29,7, infelizmente com tendên-
cia clara de aumento. Nunca é demais lem-
brar que no Chile verificam-se dois postu-
lados elementares de polícias de sucesso:
Ciclo completo de polícia e carreira única na
estrutura organizacional.
Diante disso tudo, necessário se faz um
grande esforço do conjunto da sociedade para
que efetivas medidas buscando reformular por
completo o atual modelo de atuação policial
brasileiro de modo que o Estado possa recupe-
rar o “terreno perdido”, sob pena de ser tarde
demais.
José Antônio Aquino
Policial Federal
Presidente do Sindicato dos Policiais Federais
no RN
Pós graduado em análise de sistemas – UFRN
MBA – FGV
Conselheiro do COEDHUCI
Referências:
Obvio: Observatório da violência letal intencio-
nal no RN
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/ministerio-da-seguranca-publica-
pode-inaugurar-gestao-integrada/?
amp&__twitter_impression=true (acessado
em 28/01/18 às 21:15)
http://www.emol.com/noticias/
Internacional/2018/01/22/892136/Tasas-de-
homicidios-registran-altos-y-bajos-en-
America-Latina-durante-el-2017.html
(acessado em 28/01/18 às 20:05)
Fuente: Emol.com - http://www.emol.com/
noticias/Internacional/2018/01/22/892136/
Tasas-de-homicidios-registran-altos-y-bajos-
en-America-Latina-durante-el-2017.html
http://www.emol.com/noticias/
Internacional/2018/01/22/892136/Tasas-de-
homicidios-registran-altos-y-bajos-en-
America-Latina-durante-el-2017.html
https://g1.globo.com/politica/noticia/
comandante-do-exercito-se-diz-preocupado-
com-constante-emprego-de-militares-em-
acoes-de-seguranca-publica.ghtml
https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/
criminosos-invadem-festa-de-faccao-rival-
matam-varias-pessoas-e-ferem-dezenas-em-
fortaleza.ghtml
https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/
itapaje/2018/01/conflito-entre-faccoes-no-
presidio-de-itapaje-deixa-pelo-menos-oito-
pr.html
https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/
itapaje/2018/01/nova-chacina-deixa-pelo-
menos-dez-mortos-na-cadeia-de-itapaje.html
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/
noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-
brasil-sobe-de-622202-para-726712-pessoas
https://www.nexojornal.com.br/
expresso/2016/04/27/EUA-R%C3%BAssia-e-
China-reduzem-taxa-de-presos.-Brasil-
aumenta
https://oglobo.globo.com/rio/traficantes-
milicianos-sao-responsaveis-por-80-dos-
homicidios-do-estado-22337797
http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/
noticia/2017/01/rebeliao-mais-violenta-da-
historia-do-rn-tem-27-mortos-diz-
governo.html
J unior Dalberto, pseu-
dônimo de Alberto
Barros da Rocha Juni-
or, é escritor, dramaturgo, dire-
tor teatral, poeta potiguar e po-
licial federal aposentado.
É premiado com quatro
troféus Evoé – Festival de Tea-
tro Exu Pernambuco em 2015 e
indicado ao Botequim das Artes
do Rio de Janeiro pelo texto
Bouderlaine. Premiado com o
Troféu Cultura 2016 – Melhor
Espetáculo Potiguar por Ventre
de Ostras – Troféu Cultura
2014 – Destaque Literário Poti-
guar. Representou a cidade de
Natal no III EELP – Encontro
de Escritores da Língua Portu-
guesa. Integrou a Caravana
Literária Potiguar. Integra o
projeto Carrossel da Leitura e é
autor de várias obras literárias,
as quais ressalto aqui Blatto-
dea, objeto de análise crítica,
tendo como prefaciador, o tam-
bém escritor João Andrade.
Notadamente a preocupação
do autor do prefácio em articu-
lar uma relação da obra citando
Nietzsche, quando este afirma
em sua analogia psicanalítica
de que somos um campo de
batalha, então, é a partir da ob-
servação comportamental de
alguns personagens que essa
analogia é feita. O uso do ver-
bo Dizer, flexionado em seu
Imperativo Afirmativo pelo autor
do prefácio encerra uma leitura,
numa analogia que se manifes-
ta semioticamente no verbo, de
egocentricidade e imposição de
relevância. A obra, em suma,
apresenta um conto de caráter
ficcional, mas com parâmetros
realistas, logo, perceptivelmen-
te a psicologia Machadiana é
apresentada, quando é possí-
vel atribuir a vida enquanto
campo de batalha e do quanto
precisamos lutar para sobrevi-
ver, assim, explica aqui a
teoria apresentada pelo perso-
nagem Quincas Borba, em
Memórias Póstumas de
Brás Cubas acerca do Humani-
tismo, teoria cientificista que
diz: Suponha que há um campo
de batatas além do vale e que
Dalberto, Junior
Blattodea: contos / Junior Dalberto – 1. Ed. – Natal [RN]: CJA Edições, 2017
Sandemberg Oliveira de
Almeida — Graduado em Le-
tras pela UnP – Universidade
Potiguar. Pós-graduado em Lei-
tura e Literatura pela FAL-
NATAL. Pós-graduado em Leitu-
ra e Produção de texto pela
UFRN. Professor de Língua Por-
tuguesa e Literatura. Diretor tea-
tral pela GIRART – CIA de Arte
e Teatro. Cenografista e Figuri-
nista. Poeta e Ator e pesquisa-
dor em Literatura e Cultura Poti-
guar pelo NELCP – Núcleo de
Estudo em Literatura e Cultura
Potiguar - IFRN
duas tribos famintas precisam se alimentar e
descobrem esse lugar. As batatas apenas che-
gam para alimentar uma das tribos, que assim
adquire forças para transpor a montanha e ir à
outra vertente, onde há batatas em abundân-
cia; mas, se as duas tribos dividirem em paz as
batatas do campo, não chegam a nutrir-se sufi-
cientemente e morrem de inanição. A paz, nes-
se caso, é a destruição; a guerra é a conserva-
ção. Uma das tribos extermina a outra e reco-
lhe os despojos. Então, aos vencidos, ódio ou
compaixão; aos vencedores, as batatas e a
glória. Entendendo que essa atitude é denomi-
nada como atitude de luta pela sobrevivência,
puro existencialismo, é a partir da presença de
personagens que implicam na vida como uma
verdadeira batalha, numa linguagem fenome-
nológica, além de fazer alusão constante a Kaf-
ka a partir de uma relação entre as persona-
gens Gustavo, um viajante que se encontra en-
fermo após uma reação alérgica e Gregório,
personagem de Kafka em Metamorfose, quan-
do este acorda na condição de uma barata gi-
gantesca e passa a viver como inseto, assim,
Blattodea, em sua epistemologia, significa ba-
rata já que pertence a uma ordem de insetos
que inclui as baratas e as térmitas.
Por mais que seja uma narrativa de ca-
ráter ficcional, a linearidade de seu conto inse-
re o autor numa estética fortemente marcada
pelo estilo realista, onde aborda questões exis-
tencialistas como já fora dito, retratando perso-
nagens que apresentam comportamentos ine-
rentes às suas inquietudes, suas impessoalida-
des, ao estado de ser e de se ter do homem na
sociedade. Os transtornos os quais somos con-
dicionados a sofrer quando diante de algo que
nos tire o conforto, da necessidade que temos
do amparo alheio, sob o quanto a presença do
outro na nossa vida nos conduz à fortaleza hu-
mana. Em suma, esses apontamentos são rea-
firmados pelo autor, essa constante batalha
que é viver, quando subjugados pela dor, pela
perda, pelo ócio, incumbindo e mergulhando a
alma no algoz perene do sofrimento, no mar
cáustico do desassossego, quando é preciso
lutar.
Arthur Schopenhauer dizia que lr é pen-
sar com a cabeça dos outros, assim, tão facil-
mente encontramos outras leituras refratadas
em Blattodea. Schoppenhauer alertava tam-
bém acerca de alguns tipos de escritores que
existiam: em primeiro lugar, aqueles que escre-
vem sem pensar, logo, escrevem a partir da
memória, das reminiscências, ou mesmo dire-
tamente dos livros dos outros. Esta classe é a
mais numerosa. Em segundo lugar, há aqueles
que pensam enquanto escrevem. Pensam para
escrever. Muito vulgares. Em terceiro lugar, te-
mos aqueles que pensaram antes de começar
a escrever. Escrevem simplesmente porque
pensaram. Muito raros. Assim, observo o en-
quadramento de Júnior Dalberto, seguindo a
ordem aqui apresentada por Schopenhauer co-
mo não só o que pensa, como também como
aquele que nos apresenta tantas outras leituras
e que nos possibilita buscar nesse horizonte
vasto da literatura universal, um leque de opor-
tunidades a serem desvendadas.
Junior Dalberto, em Blattodea, faz refe-
rência à angústia enquanto afeto que se mani-
festa na fronteira entre o desejo (enquanto
sujeito que tem sonhos) e o gozo (suas realiza-
ções). Entra em questão elementos psíquicos
não são condizentes com a realidade da per-
sonagem Gustavo, quando fortemente identifi-
cado no comportamento da personagem Della
barba, quando este passou pela experiência
de haver contemplado sete tentativas de vida
conjugal, mas sem sucesso, contando isso pe-
lo prisma da glória, suas atitudes são apresen-
tadas como forma de justificar seu insucesso,
mesmo não crendo, mas que se reafirmando
em frustrações não aceitas, mas canalizadas e
condicionadas na condição de gozo, enquanto
vicissitude da glória, do mérito pelo persona-
gem.
É importante ressaltar o registro do au-
mento quanto ao escritor de literaturas no ce-
nário potiguar, seja na poesia, na prosa, no ro-
mance, nas crônicas, há sim um aumento con-
siderável de novos escritores que se inserem
nesses moldes. Contudo, a falta de uma crítica
responsável e concatenada com a nossa reali-
dade da escrita sem que passe pelo viés do
egocentrismo, sentimento este que ecoa e se
transmuta na condução da literatura potiguar,
culmina em questionamentos que remetem à
adjetivação que colocam em questão a quali-
dade daquilo que se escreve na literatura em
questão.
Mesmo diante dessa realidade a qual se
insere a relação do escritor da literatura poti-
guar, do leitor e do objeto de ligação entre am-
bos que é o livro, remete-me novamente a
Schopenhauer, quando fez críticas a literatura
em seu panorama universal, na obra A arte de
escrever, logo, para Schopenhauer, a condição
deplorável da literatura atual, dentro e fora da
Alemanha, tem sua raiz no fato os livros serem
escritos para se ganhar dinheiro. Qualquer um
que precise de dinheiro senta-se à escrivani-
nha e escreve um livro, e o público é tolo o
bastante para comprá-lo. A consequência se-
cundária disso é a deterioração da língua. Po-
rém, é notório que outros fatores, além dos
quais foram abordados por Schopenhauer, são
notados no cenário da literatura potiguar que é
a necessidade de ter o nome no circuito ine-
rente à literatura local, status, o que muito rati-
fica o que já abordava Schopenhauer, impli-
cando na necessidade de uma crítica aprimo-
rada e consistente que possa conduzir a litera-
tura potiguar para um alinhamento construtivis-
ta.
As premiações, a vivência literária, os
degraus que foram perpassados, a história,
tudo isso unidos ao conhecimento adquirido
pelo autor Junior Dalberto, como também de
sua consistência enquanto escritor, colocam-
no num panorama que nos permite um olhar
mais aprimorado e atento, para que sua litera-
tura possa ser avaliada por esse leitor que
muito se identifica com o que o autor escreve,
quando também faz-se necessário considerar
a condição desse leitor, conhecê-lo.
Schopenhauer ainda afirma que há
uma grande quantidade de escritores ruins que
vivem exclusivamente da obsessão do público
de não ler nada além do que foi impresso hoje
e escrito por jornalistas e intitula a esses que
apresentam tal comportamento como
“Diaristas”. Mas quando nos encontramos di-
ante da forma como bem escreve Junior Dal-
berto, um fato me chamou a atenção foi a re-
lação, o ponto específico que permite o diálogo
entre "Pipa voada sobre brancas dunas",
“Reféns dos Andes” e “Blattodea”, onde a reali-
dade e o fantástico se entrelaçam formando um
paralelo que muito transporta o leitor para uma
viagem dentro do universo interior.
Como poderia ser possível entender o
escritor Junior Dalberto, quando a crítica con-
duz e condiciona aquele que escreve dentro de
uma especificidade e categoriza-o. Mesmo en-
tre o pequeno número de escritores que pen-
sam seriamente antes de começar a escrever,
há extremamente poucos que pensam acerca
do tema propriamente dito: os restantes pen-
sam simplesmente em livros, naquilo que os
outros disseram acerca do assunto. Necessi-
tam, quer isso dizer, do estímulo próximo e po-
deroso das ideias produzidas por outras pesso-
as para conseguirem pensar. Essas ideias são,
pois, o seu tema imediato, de modo que ficam
constantemente sob a sua influência e, conse-
quentemente, nunca alcançam a verdadeira ori-
ginalidade. A minoria acima referida, por outro
lado, é estimulada a pensar pelo tema em si, de
modo que os seus pensamentos são dirigidos
imediatamente para ele. Só entre esses se des-
cobrem os escritores que perduram e se tornam
imortais.
Só valerá a pena ler a obra daquele que
escreve diretamente a partir da sua própria ca-
beça. A busca por inspiração, a preocupação
enquanto escritor de procurar acentuar seu tex-
to e compô-lo são cuidados inerentes à literatu-
ra de Junior Dalberto, quanto vale à pena lê-lo,
partindo do pressuposto do quanto o leitor mui-
to irá se identificar com a sua obra.
Em Blattodea, não há como negar as vo-
zes que ecoam no decorrer do texto, a forte
presença de personagens inerentes à estilos
que se reafirmam seja ao apresentar comporta-
mentos condizentes com a realidade do próprio
autor, daí tamanha identificação que ratifica seu
olhar enquanto romântico com tendência realis-
ta, mas que em suma, essas vozes apenas de-
nunciam da importância da leitura dos clássi-
cos, quando, em sua construção, Blattodea nos
remete a literatura machadiana, mas sem o pe-
so de sua psicologia, ao novelismo de Camilo
Castelo Branco, o que não desmerece a atitude
criativa e criadora de Junior Dalberto, mas forta-
lece sua obra por apresentar um embasamento
literário.
A metamorfose de Gustavo em Blattodea
se transfigura e se entrelaça na realidade do
autor. Kafka nos deixa confusos entre realidade
e fantasia, e se o que oprime são as forças in-
ternas ou as forças externas ao indivíduo, logo,
presumimos o ponto em que realidade e fanta-
sia se misturam, como assim nos apresenta o
autor de Blattodea. No mito da caverna de Pla-
tão que extraímos o primeiro conceito interior-
exterior, as pessoas dentro da caverna só con-
seguem pensar o mundo a partir das sombras
projetadas na parede pela luz da entrada da
caverna. Assim, as personagens em Blattodea
se mostravam presos em suas cavernas interio-
res, cada qual com seus medos e receios,
quando na protagonização de Gustavo diante
da escuridão a qual estava submetido e sua
transfiguração a partir do momento em que vol-
ta a enxergar o mundo com os olhos e com a
alma.
As marcas da oralidade e os costumes e
crenças do povo nordestino são bem acentua-
das em A Saga do Cariri. Personagens que tive-
ram suas vidas marcadas por um encalço e que
entregaram suas dificuldades à fé em Padre Cí-
cero, quando faz registro dos costumes dos ro-
meiros que imbuídos de fé percorrem quilôme-
tros em busca de uma realização, de cura para
seus enfermos e parte, em determinados mo-
mentos do humor presente no comportamento
de alguns personagens como: Kelly, Canindé,
Zuleide, Belo, sem deixar de ressaltar o bairro
da Cidade da Esperança, tradicional bairro onde
há registro de várias pessoas que realizam ex-
cursões para os fiéis de Padre Cícero.
Percebemos em A Saga do Cariri que ter
fé implica uma atitude contrária à dúvida e está
intimamente ligada à confiança. Em algumas
situações, como problemas emocionais ou físi-
cos, ter fé significa ter esperança de algo vai
mudar de forma positiva, para melhor.
De acordo com a etimologia, a palavra fé
tem origem no Grego "pistia" que indica a noção
de acreditar e no Latim "fides", que remete para
uma atitude de fidelidade.
No contexto religioso, a fé é uma virtude
daqueles que aceitam como verdade absoluta
os princípios difundidos por sua religião. Ter fé
em Deus é acreditar na sua existência e na sua
onisciência. A fé é também sinônimo de religião
ou culto. Por exemplo, quando falamos da fé
cristã ou da fé islâmica.
A fé cristã implica crer na Bíblia Sagrada,
na palavra de Deus, e em todos os ensinamen-
tos pregados por Jesus Cristo, o enviado de
Deus. Na Bíblia há inúmeras referências ao
comportamento do cristão que age com fé. Uma
das frases sobre o tema afirma que "a fé é o fir-
me fundamento das coisas que se esperam, e a
prova das coisas que não se vêem". (Hebreus
11:1)
Em A Saga do Cariri, o elemento é a fé,
são os costumes, as crenças, a oralidade e o
regionalismo que marca o povo do nordeste
brasileiro.
Não muito distante, mas bem acentuado,
a personagem Henrique que, depois de haver
caminhado por muito com o pó dos ossos do
seu pai num saco preto, não abandonou os cos-
tumes da boemia e que, por um descuido, ao se
ausentar se deu pelo desaparecimento do saco
e, para seu infortúnio, por engano o filho da do-
na de um bar espalhou todo o pó sobre a sua
horta.
O romantismo de Junior Dalberto agora
preenche o espaço em Blattodea e se apresen-
ta de forma lírica, absorta e única. É a sutileza
do fazer poético e a presença de um referencial
praieiro a partir de um desejo e de um romance
que começou às margens da praia, com uma
dose de poesia de Walt Whitman:
"Esta manhã, antes do alvorecer, subi
numa colina para admirar o céu povoado, E dis-
se à minha alma: Quando abarcarmos esses
mundos e o conhecimento e o prazer que en-
cerram, estaremos finalmente fartos e satisfei-
tos?
E minha alma disse: Não, uma vez al-
cançados esses mundos prosseguiremos no
caminho."
Walt Whitman
“[...]
Mergulho com minhas penas e bicos
Embico
O mar
A terra
O ar
Lar
Mergulho minha alma
Dentro das águas
[...]”
(Blattodea. Pág.124 – Gaivotas)
A presença da intertextualidade, mesmo
que de forma poética, conseguimos destacar.
Em ambos, a presença desse Mar, desse ce-
nário mágico e cheio de mistérios que por mui-
to encantou marujos, viajantes, moças e rapa-
zes na presença de um sentimento maior aqui
apresentado em Ventre de Ostras.
De um conto que exalta Kakfa, passan-
do pelo regionalismo nordestino e desembo-
cando em Malca, num conto que faz alusão ao
trabalho da Polícia Federal nos aeroportos do
Brasil. Nada escapa ao olhar precioso de Juni-
or Dalberto. Então, é isso que um escritor aten-
to faz: transforma o crivo do seu olhar atento
em palavras a compor um texto. Como nos ver-
sos do eterno Manuel Bandeira:
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais
simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem
lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase
sem perfume
A pureza da chama em que se conso-
mem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam
sem explicação.
Assim, Junior quis sua obra Blattodea.
Um livro de contos, de histórias vividas ou con-
tadas, de uma maneira a reinventar a fantasia,
como assim ele nos bonifica em Uma História
Animal. A personificação de animais que se
preparam para receber o menino Jesus, mas
quando observamos cada animal presente, faz-
se também presente o orgulho, a ganância, a
inveja e a mesquinhez do homem na terra.
Uma obra literária que nos permite trafe-
gar pelo viés do Realismo machadiano, nove-
lístico de Castelo Branco, pelos costumes e
crenças com bem nos apontava João Cabral
de melo Neto em alusão a fé do povo, seus ví-
cios, assim como na intertextualidade poética
de Walt Whifmam, sob a ótica crítica de Arthur
Schopenhauer.
REFERÊNCIAS Aguiar, Luiz Antônio, 1955 – Almanaque Machado de Assis : vida, obra, curiosidades e bruxarias lite-rárias / Luiz Antônio Aguiar. – Rio de janeiro : Re-cord, 2008. Schopenhauer, Arthur, 1788 – 1860 – A arte de escrever / Arthur Schopenhauer; tradução, organi-zação, prefácio e notas de Pedro Süssekind. – Por-to Alegre : L&PM, 2007.
Michelle Paulista além de pesquisadora e cronista é professora de
língua portuguesa, literatura e produção textual. Doutoranda em Estudos
da Linguagem - PPgEL - UFRN e diretora da Escola do Legislativo da
Câmara Municipal de Natal. Idealizadora e coordenadora do Projeto
"Câmara no Enem", TV Câmara Natal. Assessora em revisão textual.
KUKUKAYA - Natural de uma cidade onde
dois grandes romances a retratam com as suas
riquezas e ao mesmo tempo as suas mazelas
sociais e políticas, que é Barro Blanco de José
Mauro de Vasconcelos e Macau de Aurélio Pi-
nheiro. Como você analisa a Macau de hoje em
relação a Macau desses dois escritores?
MICHELLE - Acho que Macau não mudou
muita coisa, não. Talvez o “layout” da cena ur-
bana, mas há “macauísmos”, como dizia Benito
Barros, que permanecem da mesma forma. Ve-
lhos fazeres, velhos hábitos...
KUKUKAYA - No Estado do RN temos gran-
des escritores já tarimbados e outras revela-
ções no campo da literatura e das artes, poderí-
amos citar alguns já nacionalmente conhecidos
como Câmara Cascudo, Ney Leandro de Castro
e o saudoso Dorian Gray Caldas. O que está
faltando para escritores como Manoel Onofre
Jr., Diógenes da cunha Lima, Thiago Gonzaga,
Junior Dalberto, Lívio Andrade e tantos outros
se despontem no cenário nacional, já que são
personalidades excepcionais dentro do gênero
que os mesmos são inseridos?
MICHELLE - Acredito que falta a eles o que
falta para todo artista potiguar, seja da escrita,
música ou artes plásticas: incentivos reais. Infe-
lizmente, não há um movimento pragmático de
valorização do que é daqui. Isso é facilmente
comprovado nos festivais e eventos em geral: a
prata da casa é remunerada muito aquém dos
nomes nacionais e, além disso, o pagamento
demora meses para ser efetuado. Digo isso a
título de exemplo, mas um sistema literário, co-
mo preconiza o mestre Antônio Cândido, é algo
muito distante da nossa realidade. Além disso,
sinto falta de iniciativas que amparem, valori-
zem e fomentem a literatura potiguar nas esco-
las. Na realidade, estudantes desconhecem as
obras literárias de autores potiguares, tampou-
co há iniciativas sistematizadas nesse sentido
nas esferas governamentais. O que existem
são ações pulverizadas aqui e acolá, por parte
de algum professor.
KUKUKAYA - Fale-nos um pouco sobre a Es-
cola do Legislativo da Câmara Municipal de Na-
tal?
MICHELLE - É uma escola voltada para a for-
mação do servidor da Câmara, prioritariamente,
mas expandimos esse atendimento a toda a
população. A Escola é um equipamento
educacional da Câmara Municipal e repre-
senta, para mim, um desafio pessoal e pro-
fissional, uma vez que está inserida numa
casa política e bastante plural. Contudo, consi-
dero que temos avançado e conseguido dar
mais visibilidade à instituição, contando com a
força do trabalho e a ajuda dos servidores e
parceiros.
KUKUKAYA - Você compôs a mesa da
FLIN 2017 (Festival Literário de Natal) ao lado
do Imortal Acadêmico Diógenes da Cunha Li-
ma, debatendo o poeta e folclorista Veríssimo
de Melo. Qual a importância de Veríssimo para
a literatura potiguar?
MICHELLE - Esse foi um momento especialís-
simo na minha carreira, como professora e pes-
quisadora. Abrir o FLIN
2017 foi um grande pri-
vilégio, um momento ím-
par. Veríssimo de Melo
foi um grande homem,
deixou um legado imen-
surável em diversas
áreas, como na Antropologia, Literatura, Poe-
sia, Folclore e Cultura em geral. Sua obra preci-
sa e deve ser resgatada e não apenas isso:
precisa chegar às salas de aula da Educação
básica. Essa é uma necessidade premente.
KUKUKAYA - Você acha que a próxima
FLIN deveria propor outras mesas para debater
nomes da literatura potiguar e qual nome você
imaginaria que daria uma boa rodada de bate-
papo?
MICHELLE - Sem dúvida. Não faz sentido um
Festival literário que não dê protagonismo aos
escritores potiguares. Acho que nomes como
Juvenal Antunes, Nilo Pereira e Gilberto Avelino
precisam ser resgatados e lembrados na próxi-
ma edição do festival.
KUKUKAYA - Há hoje algum projeto no
campo da literatura de incentivo e divulgação
de escritores que você está inserida ou já pen-
sou em gestar algum projeto dessa natureza?
MICHELLE - Esse é um sonho antigo. Gosta-
ria muito de implantar nas escolas públicas um
projeto de trabalho com a literatura potiguar,
junto a professores e estudantes. Inclusive, já
tenho o nome: “Por mares nunca dantes nave-
gados”. Entretanto, não consegui adesão das
secretarias de Educação, o que é uma pena.
Há um projeto interes-
santíssimo de divulga-
ção de escritores con-
temporâneos, que é a
“Caravana de escrito-
res”, capitaneada por
Thiago Gonzaga. Mas o
meu projeto visa o resgate da obra dos escrito-
res potiguares “canônicos”, alguns já falecidos.
KUKUKAYA - Como Michelle Paulista vê
os incentivos governamentais ou até mesmo os
da iniciativa privada para fomentar e publicar
escritores potiguares?
MICHELLE - Considero-os tímidos e insufici-
entes.
KUKUKAYA - Você tem algum livro no
prelo? E se tem, qual a abordagem do mesmo?
MICHELLE - Tenho um livro de crônicas e po-
emas, mas ainda não consegui publicar. Está
todo organizado e tenho a honra de ter o prefá-
cio de Manoel Onofre Jr.
“Veríssimo de Melo foi um grande ho-
mem, deixou um legado imensurável
em diversas áreas, como na Antropo-
logia, Literatura, Poesia, Folclore e
Cultura em geral”. (Michelle Paulista)
KUKUKAYA - Fale-nos um pouco sobre a
sua participação na coluna do site de notícias
NO MINUTO.COM?
MICHELLE - É uma das coisas mais prazero-
sas, no momento, pra mim. Antes eu publicava
num jornal impresso, mas hoje conto com a co-
luna do portal, que me acolheu muito bem. Tra-
ta-se de um
espaço de di-
vulgação de
coisas ligadas
à Educação,
Cultura e Le-
tras potiguares.
Costumo publi-
car semanal-
mente, geral-
mente às se-
gundas feiras.
Convido todos
a acessarem a
coluna “Entre
lanternas e li-
vros”, no ende-
reço http://
www.nominuto.com/entrelanternaselivros.
Por falar na coluna, de onde surgiu esse no-
me? Conto essa história numa crônica e é bem
curiosa. Quando criança, eu era fascinada pela
coleção do Sítio do Pica-pau amarelo, de Mon-
teiro Lobato e pelos livros da biblioteca da mi-
nha madrinha, Rosário Guerra. Entretanto, mi-
nha mãe me proibia porque achava que muita
leitura “fazia mal”. Então consegui uma lanter-
na para ler escondida, à noite. Fui iluminada
pelas luzes da lanterna e da literatura.
KUKUKAYA - E a Michelle Paulista, como ela
se vê inserida nesse cenário tortuoso e ao
mesmo tempo
fascinante da
literatura poti-
guar?
MICHELLE -
Digo que sou
uma sobreviven-
te, as letras me
salvaram. São
os arranjos esti-
lísticos que per-
mitem, diaria-
mente, que me
recomponha do
caos cotidiano.
Acredito que
sou uma militan-
te das letras po-
tiguares; como
muitos colegas,
busco me esta-
belecer como artesã das letras, é assim que
me defino. Contudo, o cenário é adverso; publi-
car um livro é uma odisseia. Então, responden-
do objetivamente à pergunta... sou uma pro-
fessora, pesquisadora e artesã das palavras.
Assim, tortuoso e fascinante. Ser gauche na
vida, como dizia Drummond.
Foto do acervo da Michelle Paulista. Na mesa da FLIN ao lado de Diogenes da
Cunha Lima - Membro da Academia Note-rio_grandense de Letras.
N atural de São Vicente (RN), Wescley J. Ga-ma reside há muitos anos na cidade de Cur-
rais Novos. Escritor e poeta, faz parte da geração que traz nos versos uma tradição literária se-ridoense que vem desde Zila Mamede e José Bezerra Go-mes, passando por Luís Carlos Guimarães, Nei Leandro de Castro, Moacy Cirne, Nivaldete Ferreira, Humberto Hermenegil-do, e mais re-centemente Iara Maria Carvalho, Luma Carvalho , Ana de Santana, Maria Maria Go-mes, Theo Al-ves, Jeanne Ara-újo, Muyrakitan Kennedy Mace-do, Valdenides Cabral, dentre outros valores.
Vencedor de vários con-cursos literários neste início de novo milênio, Wescley J Gama é um dos ad-ministradores do Grupo Casarão de Poesia, ONG cultural que in-centiva a leitura, a literatura e a música entre os jovens serido-enses. Músico, compositor e militante cultural, além de escri-tor e poeta Wescley gravou três Cds, “Chuva, Estiagem, Água, Lampiões”. “Seridolendas”, e “Campos Grandes Reunidos” e publicou dois livros: “Com a For-ça das Folhas que Estiverem Vivas” (poesia) e mais recente-mente “Nove Contos Serra-nos” ( Editora OffSet, 2017).
De um artigo, que tivemos oportunidade de escrever sobre um livro de sua autoria, desta-camos o seguinte trecho.
“Para o escritor Wescley J. Gama, em seu novo livro, “Com a Força das Folhas que Estiverem Vivas”, a poesia está diretamente relacionada ao seu chão de origem.
burros com carga d´água passam sede no caminho
seco O local da sua vivência,
fonte inesgotável de poemas, o Seridó, é cantado em versos: as lembranças dos dramas da se-
ca, que agoniam periodicamente a região; o fruto, a água, o homem, os bichos, são in-termináveis maté-rias para a poesia de Wescley. A par-tir de alguns dos seus poemas, con-seguimos penetrar nas paisagens do interior do Estado, numa parte da sua história, com seus tipos humanos. A poesia de Wes-cley cumpre a sua
missão, que é representar fatos, coisas e pessoas de forma artís-tica, servindo como registro de uma realidade, captando com sensibilidade a paisagem serido-ense...”
Em sua estreia na ficção, o desempenho do autor não é diferente. A ideia de sertão é construída discursivamente ao longo das narrativas de Wes-cley, e todo esse pequeno/grande mundo ressurge em uma prosa intensamente poética, afir-mando, sem dúvida, uma das principais referências literárias da cultura seridoense contempo-rânea.
Wescley J. Gama : Foto Internet
Thiago Gonzaga é escri-
tor e professor. Mestre
em literatura comparada
pela UFRN, autor de “Os
Grãos – Ensaios Sobre
Literatura Potiguar Con-
temporânea”, “Presença
do Negro na Literatura
Potiguar” e outros livros.
* Homero de Oliveira
Costa, Prof. do De-
partamento de Ciên-
cias Sociais da
UFRN.
N o livro As lições do
fascismo (Graal,
1977), o filósofo
marxista Leandro
Konder chamou a atenção para
o “alto teor explosivo” da pala-
vra “fascista”. Escrevendo em
plena ditadura militar (1964-
1985) afirmava que ela vinha
sendo utilizada mais como arma
política do que com o necessá-
rio rigor científico. Naquelas cir-
cunstâncias, considerava que o
uso do termo da forma como
utilizado pela esquerda era
compreensível “para efeito de
agitação, é normal que a es-
querda se sirva dela como epí-
teto injurioso contra a direita”,
mas que era necessário “uma
análise realista e diferenciada
dos movimentos das forças que
lhe são adversas”.
Não é nosso objetivo fa-
zer uma ampla discussão sobre
o fascismo. Já existe publicada,
inclusive em português, uma
extensa bibliografia, abordando
os seus mais diferentes aspec-
tos. O livro de Leandro Konder
é um deles. Aqui, trata-se ape-
nas de situar sumariamente
quanto a sua permanência, ou
seja, não circunscrito as experi-
ências da Itália e Alemanha no
período de 1920/40.
Nesse sentido, uma ex-
celente contribuição é o livro de
Rob Riemen “O eterno retorno
do fascismo” (Editorial Bizâncio,
Lisboa, 2012) que, como indica
o título, analisa a permanência
do fascismo mesmo em países
com democracias consolidadas,
como na Europa Ocidental.
No livro Lições do fascismo
(1970) o dirigente do partido co-
munista italiano Palmiro Togliatti
afirma que o fascismo assume
diferentes formas, em diferentes
países, porque seu credo não se
fundamenta num único valor uni-
versal. Lembra ainda que Musso-
lini ascendeu ao poder pela via
democrática e, portanto nas de-
mocracias representativas é pos-
sível que um fascista seja eleito.
Como ele alerta, a chave do êxito
do fascismo na Itália foi a crença
na sociedade que as qualidades
do seu grande líder iriam trazer
ordem, prosperidade e seguran-
ça ao país. Para Robert O. Pax-
ton, em Anatomia do fascismo
( 2007), da mesma forma que Togliatti, afirma
que o fascismo assumirá sempre a formas do
seu tempo e da sua cultura e, portanto, não é
um fenômeno específico da Itália, alimentando-
se do ressentimento (orientado para um inimi-
go) e um líder carismático e autoritário ( “um
mito”) que seja obedecido pelas massas. Rob
Riemen alerta para o fato de que quando se en-
trega o poder a demagogos e charlatães, que
usam os mass media para cultivar a crença de
que esse líder, o político que pretende ser con-
tra a política é a única pessoa capaz de salvar o
país, as instituições constitucionais e democráti-
cas desaparecem tão
depressa como a con-
fiança nas autoridades
porque já ninguém
acredita nelas.
É impor-
tante compreender
que o fascismo é uma
forma específica
de regime político do
Estado capitalista.
Mas, não qualquer re-
gime, não qualquer ditadura, mas uma ditadura
contrarrevolucionária com características distin-
tas, por exemplo, das ditaduras militares na
América do Sul nos anos l960-80, incluindo a
do Brasil. No livro Fascismo e Ditadura (1970),
Nicos Poulantzas faz uma análise das forma-
ções sociais da Alemanha e Itália e a constitui-
ção de um tipo de Estado de exceção - o fascis-
ta – e a relação entre as classes sociais, deter-
minante para a emergência (e explicação) do
fascismo. De acordo com ele, o Estado fascista
seria uma forma distinta de Estado, forjado em
condições peculiares da crise política durante a
transição ao capital monopolista. Mostra o pa-
pel do Estado fascista de reorganizar, pela re-
pressão e pela ideologia, o bloco das classes
dominantes no poder, além das iniciativas que
os fascismos alemão e italiano tomaram para
assegurar a dominação do grande capital e das
alianças com a pequena burguesia.
O fascismo portanto, não pode ser
analisado como qualquer movimento conserva-
dor ou fenômeno autoritário, ele tem suas pró-
prias características e assume formas distintas,
mantendo o essencial,
que é a dominação do
grande capital. Se o
fascismo teve início na
Itália, num determinado
contexto histórico, resul-
tado, em grande parte
das conseqüências e
profundidade da crise
européia (antes e de-
pois a Primeira Guerra
Mundial) sua influência
(e permanência) vai muito além do seu contexto
histórico e geográfico. Como afirma João Ber-
nardo no livro “Os labirintos do fascismo: na en-
cruzilhada da ordem e da revolta” (2015), “a his-
tória do fascismo não está concluída por-
que o fascismo é ainda uma realidade em
suspenso”. O livro, como ele diz, não tra-
ta de uma história do fascismo, “mas o de
apresentar a história dos problemas
que o fascismo revelou plenamente como
tais e que continuam hoje por resolver”.
O fato é que hoje os sinais de fascis-
mos são evidentes em várias partes do mundo,
como o fascismo islâmico, o crescimento da
extrema direita na Europa, e com partidos xe-
nófobos e neofascistas em outras partes do
mundo, como na Áustria, Alemanha, Dinamar-
ca, Holanda, França e Itália.
Mas se ele tem se apresentado de dife-
rentes formas e com influências distintas, há
uma questão que,hoje, no caso da Europa, os
une: a imigração. A oposição veemente a qual-
quer aumento do número
de imigrantes tem levado a
um crescimento do apoio a
eles em diversos países,
criando a possibilidade de
ampliação de sua influên-
cia.
Na Itália, por
exemplo, a Liga Norte é
um partido claramente fas-
cista que tem se afirmado como uma das for-
ças da extrema direita que ingressaram no Eu-
ro parlamento. Há outros como Forza Nueva e
CasaPound, que têm crescido nas eleições
parlamentares, todos contra a imigração.
Na Áustria, o fascista Partido da Li-
berdade, conseguiu 20,5% nas eleições gerais
de 2013. Na Holanda, o Partido pela Liberdade
conseguiu 13,3% nas eleições européias. Es-
ses dois partidos juntos se tornaram a terceira
força política em seus respectivos países.
Em relação à Holanda, país de larga
tradição democrática, o Partido fascista, lidera-
do por Geert Wilders, é no dizer de Rob Rimen
“o protótipo do fascismo contemporâneo”. Para
ele, não apenas o da Holanda, mas também de
outros países “não são senão as conseqüên-
cias políticas lógicas de uma sociedade pela
qual todos somos responsáveis”.
Para ele, o fascismo contemporâneo
resulta, mais uma vez, de partidos políticos que
renunciam à sua tradição intelectual, de intelec-
tuais que cultivam um niilismo complacente, de
universidades que já não são dignas desse no-
me, da ganância do mundo de negó-
cios e de mass media que preferem
ser ventríloquos do público em vez
de o seu espelho crítico. São estas
as elites corrompidas que alimentam
o vazio espiritual contribuindo para
uma nova expansão do fascismo
(p.51)
Na Europa, em vários paí-
ses, grupos fascistas estão atacando
imigrantes e os seus centros de acolhimento,
além de ataques a organizações não-
governamentais que têm procurado ajudar os
que fogem de guerras (caso da Síria) e das
perseguições religiosas (como os que conse-
guem fugir do Estado Islâmico). Como o núme-
ro de refugiados cresce, a tendência, ao que
parece, também é de crescimento da intolerân-
cia e da violência.
Em relação à permanência do fascismo,
Albert Camus faz uma alegoria do fascismo no
livro A peste (1947) que se passa “em uma ci-
dade comum (...) uma prefeitura francesa na
costa argelina”. O livro conta a história de uma
peste na cidade em que o médico Bernard Ri-
eux não se junta à celebração depois em que é
anunciado que o reino da peste havia termina-
do. No final do romance ele diz “Na verdade,
ao ouvir os gritos de alegria que vinham da ci-
dade, Rieux lembrava de que essa alegria es-
tava sempre ameaçada. Porque ele sabia o
que essa multidão eufórica ignorava e se pode
ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem
desaparece nunca, pode ficar dezenas de
anos adormecido nos móveis e nas roupas,
espera pacientemente nos quartos, nos po-
rões, nos baús, nos lanços e na papelada. E
sabia também que viria talvez o dia em que,
para desgraça
e ensinamento
dos homens, a
peste acorda-
ria os seus
ratos e os
mandaria mor-
rer numa cida-
de feliz”
Para
Albert Camus,
o bacilo fas-
cista sempre
estará presen-
te, inclusive
nas democra-
cias de mas-
sas e nesse
sentido é de
fundamental
importância
ficar alerta pa-
ra a gestação de um embrião fascista no Bra-
sil, como os que defendem a intervenção mili-
tar, o fechamento do Congresso Nacional, a
ditadura e a tortura.
Como diz Roberto Amaral, o fascismo
não começa pela sua exasperação, ele come-
ça lento, com ofensas verbais, e depois evolui
para agressões físicas e coletivas. Para ele,
isso ocorre quando há um ambiente favorável
e se torna mais perigoso na medida em que os
meios de comunicação são usados para desti-
lar preconceitos e intolerâncias “dia e noite jun-
to à população”.
O sociólogo Florestan Fernandes,
numa palestra na Universidade de Harvard
em 1971 intitulada “Notas sobre o fascismo na
América Latina”, chama a atenção para os
processos de “fascistização sem fascismo”, no
qual valores e idéias fascistas podem existir
nos mais diversos tipos de regime político, in-
clusive nas democracias. Ele se refere à longa
tradição de fascismo potencial na América La-
tina, no qual “uso estratégico do espaço políti-
co”, mesmo nas democracias, “permitem dis-
torções que comprometem a possibilidade re-
al de um
exercício
democráti-
co”.
O
ambiente de
polarização
política e
intolerância
na socieda-
de brasileira
é uma porta
aberta para
o fascismo porque possibilita a ascensão da
intolerância, da xenofobia, do racismo, da ho-
mofobia, nas ruas e redes sociais, e aí reside
o grande o perigo para a democracia: a forma
como os discursos de intolerância, ódios e
ressentimentos são aceitos por parcelas con-
sideráveis da sociedade. É um ambiente que
nutre analfabetos políticos e que é potenciali-
zado com as redes sociais.
Na introdução do livro Como conversar
com um fascista (2016), de Márcia Tiburi, Ru-
bens Casara afirma que o antídoto para o fas-
cismo é a democracia e por isso “os fascistas
não suportam a democracia, entendida como
a concretização dos direitos fundamentais de
todos, como processo de educação para a li-
berdade, de governos através de consensos,
de limites ao exercício do poder e de substitui-
ção da força pela persuasão e sugere con-
frontar o fascista, desvelar sua ignorância, for-
necer informação/conhecimento, levar esse
interlocutor à
contradição,
desconstruin-
do suas certe-
zas, forçando-
o a admitir
que seu co-
nhecimento é
limitado. Daí a
importância da
difusão do co-
nhecimento
em confronto
como a tradição autoritária que condiciona o
pensamento e a ação no Brasil”.
Para enfrentar essa perigosa onda
conservadora e autoritária é necessário que a
esquerda deixe de brigar consigo mesma e se
unifique e se junte a todos os antifascistas e
que assim possa se fortalecer e, quem sabe,
formar uma frente ampla, popular que reúna
os setores progressistas e democráticos para
enfrentar a ameaça fascista.
Vazio
Como a própria definição o
diz, o vazio é um lugar onde não
existe nada, mas no interior do
qual se espera que venha a acon-
tecer tudo.
(Lídia Jorge, em O organista)
A porta se abriu.
Nos olhos dela, o vazio. Em sua boca, o va-
zio. No colo dela, as mãos cruzadas, a ofertar-lhe o
vazio.
Aproximou-se, beijou-lhe a face fria e pres-
sentiu, cansado, que havia um perfume de espe-
rança a escapar-lhe pelos cabelos lisos.
Guardou, então, os seus pertences, pôs a
mesa e a esperou.
Com pouco, ela entrou no interior da sala e
pôs-se a dedilhar, oscilante, o velho órgão. Uma
tocata e fuga. Em ré menor.
A porta se fechou.
Deusa
Ninguém levanta impunemente os olhos para uma
deusa.
(Cesare Pavese, em Diálogos com Leucó)
Na comissura dos lábios, o indecifrável. No
canto do olhar, a perdição. No ritmo das pernas, o
abismo.
Parou frente a todos. Estes, atemorizados e
trêmulos, abaixaram-lhe a vista.
Lá do fundo, da infância das primícias, um
se alevantou. Na caminhada, desfez-se dos mitos e
das lendas, como a querer (re)provar, e beber, o
inominável e o infinito. Frente a frente com ela,
mergulhou no azul dos seus olhos, a beber do vi-
nho da Quimera, envelhecido nos cântaros do sem-
sentido.
Ao perder de todo a Razão, acoitou-se, co-
pulando com ela sob o império da Noite, no sereno
da bênção das lágrimas da Alegria. Ele, fez-se lou-
co; ao tempo em que ela, travestida de escrava,
assumiu a condição de Deusa.
Lo bueno si es breve, es dos veces bueno.
Dito espanhol
*Antonio Clauder Alves Arcanjo (Clauder Arcanjo)
Em 2005 cofundou a editora Sarau das Letras e, pa-
ralelamente, produz e apresenta, na TV Cabo Mosso-
ró, o programa cultural Pedagogia da Gestão. Mem-
bro da Academia Mossoroense de Letras (AMOL) au-
tor dos livros de contos Licânia (2007) e Lápis nas
veias (2009) dentre outros. Vencedor do Prêmio Geir
Campos, da União Brasileira dos Escritores/RJ.
Membro da Academia Norte-Rio_Grandense de Letras
e-mail: [email protected]
* Manoel Onofre
de Souza Jr. Natu-
ral de Martins-RN , é
magistrado e escri-
tor, membro da Aca-
demia Norte-rio-
grandense de Letras
e sócio efetivo do
Instituto Histórico e
Geográfico do Rio
Grande do Norte.
M uito já se disse,
mas não custa
repetir que o ho-
mem é o único
animal que ri. Obviamente, o riso
nasceu com o homo sapiens. No
entanto, se procurarmos situá-lo
na literatura, é indubitável que um
dos primeiros, senão o primeiro
grande autor a explorar o riso, em
sua obra, com engenho e arte, foi
Aristófanes ( c. 448 a C – c 388-
385 a C ). Autor mais representa-
tivo da comédia grega, Aristófa-
nes, construiu com um certo de-
boche e muito sátira política, vá-
rias peças ainda hoje representa-
das em todo o mundo – As Nu-
vens, Lisístrata, A Revolução
das Mulheres – que são clássicos
inigualáveis. Numa destas, satiri-
zou a figura de Sócrates, de tal
modo que teria contribuído para a
morte trágica do grande filósofo.
Muito depois dessa culmi-
nância, vamos encontrar outra
alta manifestação de humor& ar-
te, já em Roma, todavia não mais
no teatro, e sim na ficção. É
quando surge Apuleio ( c. 124 - c
170), autor de O Asno de Ouro,
único romance latino a sobreviver
na íntegra até os dias de hoje.
Apuleio pode ser considerado o
patrono do Romance Universal.
Cremos que somente Miguel de
Cervantes, muitos séculos de-
pois, é que se pode ombrear com
ele. Em se tratando, porém, de
conto e novela, cabem os louros,
sem dúvida, a Giovanni Boccac-
cio (1313- 1375). Com o seu mo-
numental Decamerão, Boccaccio
é um dos escritores que prenun-
ciaram a Renascença, lançando
os alicerces da ficção moderna;
suas novelas, mesclas geniais de
humor, erotismo e crítica social,
não envelheceram, decorridos
tantos anos de sua primeira publi-
cação ; pelo contrário, despertam
cada vez mais atenção dos estu-
diosos e leitores mais exigentes.
Outro ícone da literatura de hu-
mor, o enfant terrible François
Rabelais ( 1494 – 1553). Autor de
emblemáticos romances quando
se trata do riso desbragado, as-
sociado à glutoneria e outros exa-
geros, ele tinha para com os seus
grandes ( sem trocadilho) perso-
nagens, a seguinte divisa: “ Co-
mer, beber e ficar alegre”. É
questionável a sua inclusão entre
os renascentistas prototípicos.
Sacerdote católico e médico, além de
escritor, Rabelais possuía outros dons dignos
de nota, inclusive a língua ferina e o ceticismo.
Quando estava para morrer, disse : “Vou em
busca de um grande talvez”.
Por fim, devemos também mencionar,
como cultor da arte do riso em seus primór-
dios , o irlandês Laurence Sterne ( 1713-
1768), autor do romance Vida e Opiniões de
Tristam Shandy e outras obras, que inclusive,
influenciaram bastante o nosso Machado de
Assis. Sterne é considerado o precursor de um
outro tipo de humor- humour – definido, de mo-
do simplista, como aquele que não provoca
gargalhadas, mas, apenas discretos sorrisos. É
a antítese do riso rabelaisiano, por exemplo.
Sterneanamente leve, sutil, irônico, mas como
toda espécie de humor, permeado de crítica
social.
Na literatura brasileira, Machado de As-
sis talvez seja a maior referência quando se
trata de humor. Mas, o seu humor faz o leitor
rir mais com os olhos do que com os lábios.
Riso descontraído e solto encontra-se é na
Crônica, gênero literário que se desenvolveu e
aprimorou-se, em nosso país, de modo surpre-
endente. Luís Fernando Veríssimo, Stanislaw
Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto), Jo-
sé Cândido de Carvalho (a crônica e a histori-
nha) e Fernando Sabino, entre outros nomes,
são expoentes. Millôr Fernandes, embora não
seja, propriamente, cronista, sobressai-se com
o seu riso cáustico, incomparável.
A literatura do Rio Grande do Norte, co-
mo não podia deixar de ser, também conta com
alguns escritores que têm o humor como princi-
pal característica.
Na prosa de ficção, por exemplo, Alex
Nascimento (1947) e Carlos Fialho ( 1979),
dois nomes em destaque.
Dono de uma ironia mordaz, com enor-
me poder de sátira em seu prosear anárquico,
Alex é autor de Recomendações a Todos e três
outras obras , híbridas de ficção e crônica,
além de poesias, todas elas da melhor qualida-
de. Carlos Fialho, bem mais jovem, cultiva um
humor á maneira de Luís Fernando Veríssimo
e Mário Prata sem nunca deixar de ser ele pró-
prio. Ao contrário de Alex, que deflagra o riso
exuberante, Fialho provoca leves sorrisos, com
seus contos, novelas e crônicas, na mesma li-
nhagem de um Sterne, de um Machado de As-
sis. E note-se que tal qual estes clássicos, ele
faz crítica social , todavia, reporta-se, não raro,
a fatos atuais da comunidade onde vive, e não
reluta em “dar nomes aos bois”.
Ridendo castigat mores – poderia ser o
lema de Alex Nascimento e Carlos Fialho, se
por acaso fossem de usar lemas...
Ainda no campo da ficção, devo mencio-
nar Nei Leandro de Castro, autor de vários li-
vros de poemas, um de conto e quatro roman-
ces, sendo que, em um destes, As Pelejas de
Ojuara, justamente considerado sua obra-
mestra, relata as peripécias hilariantes do seu
herói, ou melhor, anti-herói picaresco, Ojuara,
um Araújo pelo avesso....
Seu humor é, quase sempre, grosso, de-
bochado, de cunho fescenino. Creio que Boc-
caccio assinaria, com prazer alguns dos casos
que compõem a narrativa. Personagens, como o
seu Celso da Silva fariam inveja a Rabelais...
Mas, além desse riso desbragado – como já tive
oportunidade de dizer - , Nei Leandro demonstra
possuír uma outra veia de humor, quando, por
exemplo, glosa a letra da valsa “Boneca” ou
quando “explica” a origem da palavra revanche.
Registre-se que o personagem Celso da
Silva foi calcado numa figura real, o escritor e po-
eta Celso da Silveira, por sinal, autor de amplo
anedotário, publicado em plaquetes, e de poesias
fesceninas e humorísticas. Tal como Celso da
Silveira, outro escritor veterano, José de Castro,
produz textos curtos, porém de uma outra nature-
za, quase sempre aforismos, pequenos poemas
em prosa etc. José de Castro sabe, como pou-
cos, brincar com palavras.
Em 2016 organizei a coletânea Humor no
Conto Potiguar, publicada pela 8 editora, uma
amostra significativa dessa modalidade, reunindo
contistas de várias gerações (em ordem cronoló-
gica): José Pinto Júnior, Augusto Severo Neto,
Eulício Farias de Lacerda, Luís Carlos Guima-
rães, Bartolomeu Correia de Melo, Tarcísio Gur-
gel, Demétrio Diniz, François Silvestre de Alen-
car, Osair Vasconcelos, Clauder Arcanjo, Aldo
Lopes de Araújo, Cellina Muniz, Carlos Fialho,
Thiago Gonzaga e Carlos Onofre. Destes todos,
apenas Augusto Severo Neto, Carlos Fialho e
Carlos Onofre adotaram o humor, como traço es-
sencial, em seus escritos ; os demais incursio-
nam, esporadicamente, pelos temas jocosos. E
bem.
Entre os nossos poetas nenhum fez poesia hu-
morística como Virgílio Trindade ( 1887- 1969).
Injustamente esquecido, Virgílio Trindade partici-
pou da Academia Norte-rio-grandense de Letras,
e teve certa projeção nos círculos literários nata-
lenses, mas as novas gerações o desconhecem
totalmente.
O bom- humor parece ser a nota predomi-
nante não só em sua produção poética, jornalís-
tica e comediográfica, mas também na sua pró-
pria vida de homem simples e bom: vivia fazendo
blagues, contando anedotas – diz Veríssimo de
Melo, em Patronos e Acadêmicos, vol. II. Se-
gundo a mesma fonte, curiosamente, Virgílio não
publicou livros, embora os tivesse, inéditos, como
“Águas Passadas”, e “Despropósitos a Propósi-
to”. Colaborava em quase todos os jornais de Na-
tal.
Para encerrar estas despretensiosas no-
tas, nada melhor do que o seu soneto sobre o
galo metálico da torre de Santo Antônio, quando
o mesmo foi lançado por terra devido a um raio, “
que por pouco não o fulminou” – no dizer bem –
humorado de Nilo Pereira.
Eis o soneto:
Lembrou-se enfim desta Natal a gente
Que tu deves voltar, meu galo amigo,
Às alturas da torre novamente.
“Como a ave que volta ao ninho antigo”.
Com tal noticia vais ficar contente.
O ostracismo é um fatigante abrigo.
E assim verás Natal bem diferente
Desde a Ribeira à ponte sem perigo.
Penso que os galos todos, entretanto,
Não trocariam teu zimbório santo
Pelo livre terreiro das vizinhas.
Pois vou jurar que nenhum deles quer
Ficar como tu ficas, Chantecler:
“Perto dos raios, longe das galinhas...”
*Prof. Dr. Antonio Júlio
Garcia Freire
Formação e pós-
graduação em Filo-
sofia; professor da
Universidade do Es-
tado do Rio Grande
do Norte (UERN).
Pesquisador nas
áreas de Metafísica,
Estética e Educação.
Foi um dos fundado-
res da banda Cabe-
ças Errantes (anos
1980), ícone da cena
musical alternativa
de Natal
Site: http://
joaoligeiro.com.br
S abemos que a alma
(do grego psyché)
tem um significado
especial para as reli-
giões e para a Filosofia. Na anti-
guidade, não raro se falava em
uma “saúde da alma” vinculada à
“saúde do corpo”. Para os epicu-
ristas antigos, o fundamento de
uma alma sadia estava intima-
mente ligado a sua imperturbabili-
dade (ataraxía). Tal estado era
associado invariavelmente a uma
existência feliz (makários zèn),
sendo então princípio e a própria
realização da vida. Uma alma sa-
dia, era por assim dizer, uma al-
ma feliz. Por outro lado, os temo-
res e medos insensatos eram
considerados as causas princi-
pais da angústia e do desespero,
e que tinham como origem os ter-
rores imputados principalmente
pela religião e por um modo de
viver que não levava em conta a
simplicidade, o comedimento e o
viver “conforme a natureza”. Tal
era a causa de uma alma doente,
“perturbada”. Para alcançar a ata-
raxía, era necessário regular a
conduta e os desejos, levar a al-
ma a um processo de boas esco-
lhas, recusando as vãs opiniões
(kenón doxai) e os desejos des-
necessários.
Epicuro, nascido nos fins do
século IV a.C., foi o fundador da
escola filosófica que leva seu no-
me, criando uma comunidade em
nos arredores de Atenas conheci-
da como “o Jardim”. Entre os
principais pontos do seu pensa-
mento, elaborou um conjunto de
quatro máximas
(tetraphármakon), as quais se
constituem numa terapia para as
doenças da alma. Das máximas
epicuristas, uma é tratada amiúde
pelo filósofo Lucrécio - discípulo
tardio do Filósofo do Jardim - em
sua obra poética Da Natureza
das Coisas, poema composto por
seis livros. Trata-se do medo in-
fundado da morte, uma vez que,
objetivamente para um epicurista,
ela nada significa: não se deve
temer o que não está presente e
quando estiver, não mais estare-
mos aqui para senti-la.
Exceto pela sua única obra
conhecida, pouco se sabe acerca
da vida de Lucrécio, a não ser
que o lugar de seu nascimento se
deu provavelmente em Roma,
vivendo ali até a sua morte, por
volta do ano de 55 a.C. A lenda
da sua loucura e suicídio foi am-
plamente explorada pelo cristia-
nismo posterior, sendo propaga-
da por São Jerônimo (347 – 420 d.C.) como a
prova do triste fim a que se chega um epicuris-
ta.
As reflexões do terceiro livro se concen-
tram nos temores infundados da morte e
como tais temores são algumas vezes, as
causas de males e doenças em vida, es-
pecialmente aqueles de natureza moral,
como a ambição desmedida, a avareza, a
cobiça, a ausência de uma vida piedosa e
do cultivo da amizade. Para entender co-
mo são vãos tais temores, Lucrécio argu-
menta que é necessário entender a natu-
reza da alma: a alma é tão corpórea quan-
to o corpo-carne, mas é constituída de
uma substância extremamente sutil. Os
corpos (alma e corpo-carne) por sua vez,
são constituídos de diminutas partículas,
impossíveis de serem captadas pelos sen-
tidos: os átomos. Se a alma é também um
corpo, uma das proposições mais impor-
tantes da filosofia epicurista vem a ser jus-
tamente esta: sendo a alma corpórea, não
sobrevive à morte do corpo. Pode-se per-
ceber as implicações éticas dessa doutri-
na, tendo uma relação estreita com a con-
cepção epicurista da morte. Sendo a alma
uma espécie de corpo dentro de outro cor-
po, há uma relação de interdependência
de um em relação ao outro. O fato de que
a alma tem a habilidade de interagir com o
corpo e de ser afetada por ele, é o que explica
tal natureza.
Lucrécio nomeia três doenças anímicas
fundamentais: a intranquilidade (curas), a dor
ou a aflição (luctus) e o temor (metus). Este
último - considerando o temor da morte - seria
a causa de vários desvios morais. Segundo o
filósofo latino, para que o homem possa livrar-
se de tal temor, faz-se necessária uma investi-
gação da própria natureza da alma, livre
das explicações fantasiosas e terríveis pro-
pagadas pela superstição e pela religião
sobre o destino dos vivos. Essa reflexão
Lucrécio - imagem da Internet
se constitui em uma verdadeira terapia da al-
ma, em que o desconhecido pode ser desvela-
do e compreendido em toda a sua plenitude,
sem a necessidade de recorrer a argumentos
baseados no castigo, na culpa e no sacrifício a
deuses
e enti-
dades
sobre-
naturais. Uma vez que se puder compreender
a natureza da alma, percebendo a sua consti-
tuição material, entendendo a sua finitude e o
processo inerente de sua dissolução – um pro-
cesso natural - não haveria motivo para temer
a morte.
A morte como a completa extinção de
uma combinação temporária de partículas atô-
micas, é talvez, a conclusão mais importante
quando falamos da análise epicúrea da alma.
Como corolário ético, Lucrécio afirma que não
devemos, em nome de vãs superstições, dei-
xar o medo da morte arruinar nossas vidas, já
que o objetivo do homem é desfrutar de uma
vida plena e feliz (makários zen). “A morte, por-
tanto, nada é para nós e em nada nos toca,
visto ser mortal a substância do espíri-
to” (LUCRÉCIO, 1988, p. 73). Pensar a não-
existência ou aquele que ainda não nasceu,
também não deveria ser motivo de temor e an-
gústia: a morte não é tão pior do que o fato de
ainda não ter nascido. Passado e futuro seriam
instâncias que teriam características semelhan-
tes, ou um tipo de isometria.
O medo da morte é irracional porque é
baseado em proposições contrárias à natureza
da alma e da própria constituição da natureza
como um todo (phýsis). Para Lucrécio e toda a
tradição epicúrea, o medo de um inferno após
a morte é na verdade, o medo projetado dos
terrores morais pessoais, adquiridos nesta vida
e que são a causa das doenças anímicas. Para
a tradição epicúrea, morrer bem é o ápice de
uma boa vida, pautada pelo equilíbrio e tran-
quilidade da alma.
REFERÊNCIAS
LUCRÉCIO. Da Natureza. Antologia de textos
in Epicuro, Lucrécio, Sêneca e Marco Aurélio,
São Paulo. Abril Cultural, 1988.
CARLOS ALBERTO JO-
SUÁ COSTA - Engenhei-
ro Civil, Escritor, Membro
da Academia Macaibense de
Letras)
E ntro numa livraria como
entro num templo: com
todo o respeito e admira-
ção pelo conhecimento que ali,
nas prateleiras, estão à espera de
leitores para que sejam
“adotados”.
Tenho a impressão que cada au-
tor, estando lado a lado,
“conversam” sobre o que trazem
nos seus conteúdos e, quando a
nossa mão guiada pelo olhar, de-
les se aproximam, com a intenção
de folheá-los, “dizem” tchau e se
desejam, boa sorte!
O que me leva a escolher um livro
a outro?
Fico às vezes refletindo: tomo es-
sa decisão baseado no meu esta-
do de espírito, pela quarta capa
onde um relato breve apresenta o
tema, os personagens, e como
eles se desenvolvem durante a
história, ou ainda, pelo título?
Não tenho uma regra para tal, mas
certamente, cada um desses pro-
cedimentos será determinante pa-
ra facilitar minha decisão.
Recentemente testei minha
“resistência” numa livraria da cida-
de - depois de passear pelas es-
tantes, as mais diversas, tomei
emprestados alguns livros para
pacientemente escolher qual deles
faria companhia aos meus velhos
“conhecidos” autores que se de-
bruçavam na minha cabeceira.
Cada livro “mostra” para mim, sua
parte mais visível (lombada) que é
o lado vertical do livro onde se li-
gam capa e miolo que contém in-
formações como o título e o autor
da obra. Como estava me testan-
do, nada li sobre aqueles escolhi-
dos.
Esse momento é cerimonioso.
Um assento, uma cadeira qual-
quer, dá o amparo para prosseguir
na decisão. Mas, de pronto reto-
mei consciência do descaso que a
totalidade das livrarias tem com os
leitores burilados pela idade, que
“adoram” descansar as pernas fo-
lheando e fazendo “amizade” com
cada autor, e nada de um lugarzi-
nho para tal.
Em sinal de protesto, fui penosa-
mente, devolvendo aos seus devi-
dos lugares, justamente aqueles
que nada tinham com o menospre-
zo dos atuais livreiros da cidade.
Vingança? Não. Pernas sem condições de pau-
sadamente criar vínculos com o pensamento, a
mensagem, que o livro oferece.
Porém, um fato curioso me chamou atenção:
ao reconduzir um dos livros a sua posição origi-
nal, eis que sua “vaga” estava ocupada por ou-
tro.
Que atrevimento!
Retirei-o e devolvi o espaço ao
seu dono primeiro. Mas, fiquei
novamente com um livro nas
mãos. Dissipei meu protesto –
afinal não levei minha bandei-
ra, e me fixei no título: PACI-
ÊNCIA COM DEUS – Opor-
tunidade para um encontro, de
Tomás Halik, cientista social e
teólogo, nascido em Praga
(1948).
Paciência com Deus?!
A todo instante tenho clamado
pela paciência de Deus e não
“de lá pra cá”.
As pernas deixaram de incomodar, a “revolta” sumiu
e com um sorriso fui me acomodar num cantinho do
balcão com o olhar vidrado na “Oportunidade para
um encontro”.
A cada página aberta e escaneada pelo olhar acolhe-
dor, apenas fragmentos de frases me absorviam.
Vejamos algumas:
“Mas onde é que Deus está quando não há amor,
quando só há crueldade, dor, pecado e sofrimento?”
“Sempre que seguimos no encalço de Jesus, aproxi-
mamos os outros de nós, incluindo os que estão
“afastados”, o Reino de Deus é alargado na terra”.
O autor, Tomás Halik, desenvolve o seu pensamento
a partir de Lucas (19,1-10) que trata da história
evangélica de Zaqueu, po-
rém refletido sobre três as-
pectos: Horizonte (olhar pa-
ra as margens), Perspectiva
(paradoxos da vida) e Estilo
(modo sapiencial de olhar a
vida).
Diz ele: “Zaqueu é, aqui,
muito mais que ele próprio.
Ele é símbolo de uma procu-
ra, de um desassossego. Ou
melhor, é símbolo de quan-
tos vivem de maneira desas-
sossegada em atitude de
procura”.
Não é um livro de autoajuda,
mas de reflexão sobre o
Cristianismo como herme-
nêutica das luzes e sombras da vida, que tem na pa-
ciência sua grande regra.
Não sou de me apegar a certas ligações, mas foi co-
mo se o Senhor me dissesse: “Desce da árvore do
orgulho”.
Sorri para a atendente do caixa, já com o livro na
sacola e, como “humano” desassossegado retruquei:
coloque umas cadeiras para os “velhinhos”.
*José de Castro, jor-
nalista, escritor, poeta.
Mestre em Tecnologia
da Educação. Autor de
livros infantis (A mar-
reca de Rebeca, O
mundo em minhas
mãos, Poemares, Poe-
trix, Dicionário Engra-
çado, A cozinha da
Maria Farinha, Poemas
brincantes). Contato:
josedecas-
A educação brasileira,
em termos de política
educacional, está na
contramão de muitos
dos conceitos apregoados pelo
saudoso mestre Paulo Freire, um
dos únicos brasileiros que consta
dentre os 100 estrangeiros estu-
dados em universidades norte-
americanas. E que, infelizmente,
no Brasil é pouco valorizado.
Ele é autor, dentre outros, dos
livros "Pedagogia do Oprimido" e
"Educação como prática da Liber-
dade". Paulo
Freire sem-
pre nutriu
um grande
respeito pelo
saber do ou-
tro e sempre
defendeu o
diálogo en-
tre o saber
do mestre e
o do apren-
diz. O respeito pela cultura do ou-
tro. O respeito pelo povo como
produtor da genuína cultura.
No nosso país, ainda hoje
há um grande desrespeito com os
profissionais educadores. São tra-
tados como profissionais de quin-
ta categoria. São desrespeitados
em seu saber e em sua dignida-
de. Paulo Freire sempre disse
que os educadores também preci-
sam ser educados. E quem educa
o educador?
E eu acrescento as perguntas:
quem respeita o educador? Quem
o valoriza?
No Brasil, o seu saber ainda
é desprezado e remunerado de
maneira vil. Há também pouco
estímulo para que esses profissi-
onais da educação básica conti-
nuem sempre estudando e apri-
morando seus conhecimentos.
Não há incentivo para que eles
façam pós-graduação, por exem-
plo, pois isso pouco lhes acres-
centará nos rendimentos.
Todo
esse descaso
com os edu-
cadores refle-
te na escola,
nos alunos e,
claro, na qua-
lidade da
educação
praticada.
Mas a
remuneração é apenas um dos
lados da questão, pois há tam-
bém uma grande falta de profissi-
onalismo nas atividades de ges-
tão escolar. Hoje, o instituto da
eleição direta existente nas esco-
las não vem assegurando a efici-
ência e os resultados que se es-
perava, pois incorre nos mesmos
vícios do processo eleitoral brasi-
leiro, com o seu extremo cliente-
lismo e outros desvios perversos.
De outro lado, as escolas
carecem de bibliotecas. Quando as têm, são
meros depósitos de velhos livros didáticos ou
de refugos editoriais. Não existe atualização de
acervos e tampouco bibliotecários em quantida-
de para as atividades técnicas inerentes e, mui-
to menos, profissionais agentes de leitura ou
mediadores, como hoje são denominados. Ge-
ralmente, o professor que vai para a biblioteca
é aquele que não tem mais condições de dar
aula por algum problema de saúde. Então é de-
signado para ser o cuidador dos livros. Ou se-
ja, o nosso país carece de uma política para
essa área, seja para os profissionais, para os
livros, para a leitura ou para as bibliotecas.
Se bem que no governo que está hoje
provisoriamente
afastado do po-
der houve um
pontapé inicial
com a elabora-
ção de um
"Plano Nacional
do Livro e da
Leitura - PNLL"
e a exigência de
planos corres-
pondentes nos
âmbitos estadu-
al e municipal de todo o país. Mas isso ainda é
coisa recente e, com o governo interino, não se
sabe os rumos que essa política irá tomar. A
verdade é que, apesar de tudo, ainda somos
um país de não-leitores.
Assim, penso que três passos iniciais poderiam
ser dados para se tentar avançar um pouco na
área educacional.
Em primeiro lugar, cuidar do salário dos
profissionais educadores. Melhorar a sua remu-
neração de maneira que eles não tenham mais
que ser taxistas que correm de uma escola pa-
ra outra,entre duas ou três, para auferirem me-
lhores ganhos.
Uma proposta razoável seria a de se bus-
car uma aproximação do salário dos professo-
res da educação básica com aquele que é pra-
ticado com seus colegas do ensino superior.
Ou seja, buscar um pouco de isonomia salarial
faria bem para os professores. Este seria um
primeiro passo. Pois entendo que uma das con-
dições primordiais para a melhoria da qualidade
do ensino passa, sim, pelo bolso do professor.
Uma remuneração digna lhe assegura
melhores condições de vida, mais tranquilidade
e melhores recursos para o exercício da sua
profissão. Por exemplo, terá dinheiro para com-
prar livros, para investir em equipamentos de
informática, para ter o seu carro, o seu trans-
porte próprio e
morar, se vestir
e se alimentar
melhor. Poderá
cuidar melhor
de sua saúde,
do seu lazer e
dar melhores
condições de
vida à sua famí-
lia. Observe-se
que não se trata
de privilégios,
mas, sim, de direitos essenciais de qualquer
cidadão.
Chega de dizer que magistério é sacerdó-
cio, sacrifício, algo destinado a quem é idealis-
ta. Nunca ouvi dizerem isso com relação àque-
les que buscam os cursos de medicina, enge-
nharia ou direito, áreas que são muito cobiça-
das. O que, infelizmente, não acontece com os
cursos de pedagogia. Quem, em sã consciên-
cia, quer ser hoje um professor de educação
básica? Só aqueles que não tiverem possibili-
dade de outra escolha, que forem forçados a
isso devido a um processo seletivo excludente
e desigual, que dificulta o acesso do cidadão
comum, do mais desfavorecido, aos melhores
cursos das universidades. Ou então os cursos
de pedagogia ficam reservados para aqueles
que forem muito idealistas ou vocacionados.
Mas não se deve tomar isso como regra, como
único princípio definidor da escolha. Vocação -
chamamento - e gostar do que se faz é reco-
mendável para todo ser humano. Mas nem
sempre isso garante com tranquilidade o pão de
cada dia.
Assim, não só os professores das univer-
sidades, mas também aqueles que alfabetizam,
que dão aulas para crianças, para adolescentes
e para jovens merecem ganhar bem. Afinal, é
bem mais árduo dar aula para crianças do que
para adultos, por razões óbvias.
Além do que esses profissionais precisam
estar bem ou melhor preparados que os do ter-
ceiro grau, pois praticam uma educação básica.
Ora, se processo educacional começar mal já
na base, depois ficará mais difícil e mais caro
para se consertar o desastre. É fundamental
que a educação básica seja de qualidade. Aliás,
ensino fundamental é um dos níveis da educa-
ção básica.
A remuneração digna, então, seria um pri-
meiro passo... Depois, viriam outros, como me-
lhoria da gestão. Este poderia ser o segundo
passo, o que significaria um esforço para a real
profissionalização da condução gerencial das
escolas, de forma que a sua missão educativa
seja realizada a contento. Isso significaria colo-
car como diretores de escolas profissionais de
carreira bem preparados para o exercício dessa
importante tarefa, concursados de preferência.
Não se trata de imitar, através da eleição direta,
um arremedo de democracia como temos no
viciado sistema político brasileiro, tão pródigo
em promessas na hora de obter o voto e tão
distantes de serem cumpridas após a obtenção
da vitória nas urnas. Infelizmente, o processo de
eleição direta nas escolas não vem asseguran-
do qualidade e nem eficiência ao sistema. O
que não pode ser imputado apenas ao proces-
so, muitas vezes, enviesado de escolhas. Exis-
tem outros aspectos que dificultam a vida de um
diretor. E isso não é culpa de o processo ser ou
não democrático, apenas. Mas, com certeza, o
despreparo para o exercício da função tem sido
um dos maiores entraves observados.
Um terceiro passo poderia ser dado na
direção de se valorizar o livro e a leitura, através
da instalação e da manutenção de bibliotecas
vivas. Nestas, deverão existir profissionais
bibliotecários e mediadores de Leitura bem
preparados e remunerados à altura. Os acervos
devem existir em quantidade e qualidade, sem-
pre atualizados, de forma a construir o gosto e
o prazer pela leitura. Além do que as bibliote-
cas precisam ser consideradas também como
espaços privilegiados de aprendizagem.
É claro que existem outros passos impor-
tantes a serem dados para se conferir mais
qualidade e propriedade à educação brasileira.
Os três aqui apontados, melhoria de salário,
aperfeiçoamento da gestão e incentivo à leitura,
seriam apenas um começo de todo um proces-
so mais amplo. Isso implicaria na busca de ou-
tras medidas ou estratégias que poderiam ser
implementadas, passos mais ousados, como,
por exemplo, a adoção do sistema de escola de
tempo integral. Mas isso já seria objeto de um
outro artigo.
Um país que tem como patrono da educa-
ção um intelectual como Paulo Freire, merecia
cuidar melhor dessa área. Afinal, a educação
não é um mero investimento, não é algo a ser
contabilizado apenas como investimento em
capital humano, como estratégia mercantilista.
Educação é algo mais sério, mais profun-
do. É um mecanismo ou uma ferramenta per-
manente de formação de seres pensantes, críti-
cos, que sabem fazer a leitura de si mesmos,
de sua identidade, de sua cultura, ou seja, pes-
soas capazes de fazerem a leitura do mundo
em que vivem. E que tenham a capacidade de
compreender os mecanismos de funcionamento
da sociedade em sua inteireza e amplitude polí-
tica, econômica, cultural e filosófica. E que este-
jam sempre dispostos a aprender tanto quanto
ensinar, o que significa um processo dialético:
ensinar é também um ato de aprendizagem, de
troca de saberes entre indivíduos que se respei-
tam.
Além do mais é importante que se com-
preenda em profundidade o que significam as
palavras da poeta Cecília Meireles num dos
poemas do seu livro "Cânticos" quando diz:
"hoje desaprendo o que tinha aprendido até on-
tem e que amanhã recomeçarei a aprender".
E, finalmente, é preciso levar a sério os
ensinamentos apregoados por Paulo Freire, nos
quais ele afirmava ao mundo inteiro a sua con-
vicção de que a verdadeira educação deve ser
vista sempre como uma prática do homem em
direção à sua liberdade.
* Weidde Andrino -
Estudante univer-
sitário de História.
Bilíngue. Poeta e
escritor.
“Ler livros nos faz
descobrir a leitura
do maior livro de
todos, o livro de
nosso próprio ser.”
www.aliteraturado
eu.blogspot.com.br
E ra uma vez um se-
nhor que não cuidou
do seu glaucoma
preventivamente.
Os médicos falaram para sua filha
que começaria a perder a visão
paulatinamente em três meses.
Quando soube disso, o senhor
ainda aproveitou seu tempo em
contagem regressiva, para aprovei-
tar o verde das plantas e o azul do
céu. Não ver nunca mais, era uma
tristeza. Contudo...aprendeu a
aproveitar a vida bem melhor...e
não se importava. Comprou um cão
labrador guia...Que seria seu me-
lhor amigo até o fim da vida.
No fim da vida percebeu, que
ficamos cegos para ela a vida toda.
E quando perdemos a visão de ver-
dade...é quando acordamos para a
vida.
Mas já era tarde...porém, não.
Deus lhe deu a oportunidade de vi-
ver bem mais intensamente...No
fim...cego de amor pela...vida.
“Apenas damos valor para algo,
quando perdemos esse algo. ”
Ditado popular.
N ós somos energia. Isto é
fato concreto, provado e
confirmado por estudio-
sos em todo o mundo. O que não
atentamos, pelo menos não o sufi-
ciente, é que somos projetores da
nossa energia, daquilo que cria-
mos dentro de nós.
Projetamos sonhos para
realizarmos, projetamos as alegri-
as e dores que sentimos dentro de
nós, enfim, todo sentimento, toda
reação criada por nós, é energia
que transpõe o nosso ser físico e
passa a fazer par-
te da nossa pró-
pria vida.
Sempre
tem alguém que
diz, antes mesmo
de tentar, que
aquilo “não vai dar
certo”. E não vai mesmo! Com es-
sa projeção de fracasso, de pessi-
mismo, vai dar errado, com certe-
za!
Outras pessoas projetam a
negatividade sobre o outro: no dia
em que eu vejo fulano (a), nada
dá certo! E não dá mesmo, porque
nós já dirigimos nossa energia
nesse sentido, já ensinamos a ela
a dar errado quando diante de
certas circunstâncias.
Assim não seremos capa-
zes de agir, de realizar as coisas
boas que a vida planejou para
nós. Porque bloqueamos o que
vem de bom, bloqueamos, com a
nossa energia “menos bonita”, os
arco-íris que a vida nos dá.
O que precisamos fazer é
sermos fortes. Diante de tantas
possibilidades de sermos criado-
res de ondas de energias, o que
nos resta é a força, a força de co-
mandar nossos pensamentos, nós
mesmos e nossos destinos.
O que precisamos fazer é
escolher entre o que é negativo, o
que nos faz mal e nos destrói e
aquilo que é po-
sitivo, que nos
empurra para
frente, que nos
ajuda a ser mais
felizes.
A vida é feita de
escolhas, e é
responsabilidade de cada um ar-
car com as suas próprias. Então,
que de hoje em diante tomemos
as rédeas dos nossos pensamen-
tos para que possamos nos cercar
do que é bom, do que é salutar,
pois, se agirmos com medo, se
agirmos com negatividade, tudo o
que atrairemos serão consequên-
cias destes sentimentos.
Seremos reféns do nosso
próprio cérebro, criadores da nos-
sa própria realidade. Cabe a cada
um escolher qual será, como virá.
Já dizem os espíritas: o
plantio é livre, mas a colheita é
obrigatória.
* Ana Luiza Rabelo -
Escritora e advogada.
OAB/RN 8823
Fone: (84) 99981-2161
* Francisco Ramos Ne-
ves
Dr. em Filosofia - Pro-
fessor de Filosofia –
UERN
A globalização neoliberal tem dificuldades intrans-poníveis para esconder a sua verdadeira face de
velho imperialismo. O capitalismo não pode ser visto como o cami-nho necessário de uma evolução histórica que leva a um mundo melhor gestado por uma socieda-de justa e humanamente viável. O movimento comunista, sob orien-tação marxista, ao pensar assim forneceu bases para a aceitação de uma política historicista con-servadora, o que transmutou o ideal revolucionário em apatia so-cialdemocrata. Walter Benjamin em 1940 em suas “Teses sobre a fi-losofia da história” afirmava que nada fora mais corruptor para o movimento operário do que esta crença de que a humanidade caminhava natu-ralmente em um progresso a um fim prometeico e salvador. Com es-sa visão teleológi-ca, a esquerda socialdemocrata fez acreditar, a partir do resgate da leitura de “O Capital” de Karl Marx, que o capitalismo é um mal necessário, algo inevitável, que deveria ser aceito como momento do desenvolvimento econômico, para ser suplantado e destruído para construção de uma nova so-ciedade, obedecendo as etapas lógicas de suas ideias. De acordo com esta concepção “etapista” o imperialismo seria a fase superior do capitalismo, como diagnostica-va Lênin, líder bolchevique em seus escritos. Esta orientação mecanicista, como último suspiro do historicismo iluminista defen-
dia que esta condição econômica seria o elemento revolucionário que anunciaria a mudança socie-dade. Marx foi superado a partir, também, desta fundamentação da teoria revolucionária. A sociedade capitalista se transmutou e não chegou ao seu fim, mesmo com a estonteante contradição existente entre avanço das forças produti-vas e as relações sociais de pro-dução. Vivemos com formas hiper avançadas de forças produtivas que incrementam a produção tec-nológica de mercadorias na velo-cidade digital da informática, mas convivemos com relações sociais
de produção pré-modernas, quase medievais, basea-das em infindáveis bolsões de miséria e exclusões de toda ordem. Mes-mo assim, o ca-pitalismo não se desconstruiu. Ele disfarçou seu im-perialismo com a imagem neoliberal denominando-a de globalização. A
revolução social possível não po-de partir desta lógica instrumen-tal. Precisamos repensar e redis-cutir o papel do Estado e sua im-portância para uma nova socieda-de. O Estado não pode ser mais visto pela visão marxista, como mero instrumento de poder e do-minação das massas pelas elites. O poder se redesenha como bio-poder e se efetiva em uma rela-ção, como nos ensina Michel Foucault, e que atualmente extra-pola a esfera do Estado e se exerce na relação biopolítica en-tre grupos. O racismo de Estado é substituído por um racismo in-tergrupos.
O fundamental no momento é perceber que a globalização sob controle neoliberal não é o inevitável, muito menos a etapa necessária da evolução social moderna, poderíamos estar em outro estágio. A globalização neoliberal atua com características modernas, mas de acordo com a mesma estratégia do imperialis-mo, submetendo e destruindo a soberania dos estados-nações e subjugando-os ao seu núcleo mercantil de poder. Veja o exemplo da Grécia, que seguiu todas as receitas do sistema finan-ceiro internacional neoliberal e se anexou ao bloco econômico europeu, como exigência glo-balizante. Agora quando não mais pode alimen-tar a fome de lucro do grande capital financeiro se encontra ameaçada por uma política eugêni-ca contra sua população que será expurgada da comunidade do euro, como forma de aper-feiçoar o corpo neoliberal das populações euro-peias, extirpando a sua parte “doentia”. É esta a nova fase da biopolíti-ca tão estudada por Foucault em suas obras, mas só que ago-ra assume uma nova etapa. Hannah Arendt na sua obra “Origem do Totalitarismo” nos alerta que inclusive certos ci-entistas usaram a ciên-cia para legitimar e jus-tificar a ideologia racis-ta, fazendo desta a principal arma da política imperialista. A tese do darwinismo social se aplica bem ao analisar-mos o caso da Grécia. A lógica eugênica dos grupos fortes da Comunidade Europeia (autoproclamados de ‘raça pura’) implementam ações de ameaças e políticas de exclusão das nações (entendidas em Foucault e Arendt co-mo raças) consideradas raças impuras e fra-cas. O que o imperialismo da globalização neo-liberal tenta insanamente e desumanamente demonstrar é que a sobrevivência dos mais ap-tos da tese evolucionista de Darwin pode ser aplicada na “seleção natural” de raças puras. Seleção natural entre aspas para designar uma ideia de natureza politizada, conscientemente e instrumentalmente empregada, pois é uma se-leção ideologicamente articulada por uma eco-no-bio-política de exclusão para o definhamen-to da parte do corpo social e político (bloco econômico), apontada como doentia, para evi-tar o declínio do corpo total considerado puro.
Segundo Arendt a bestialidade sempre esteve presente na eugenia e nega os princípios de igualdade e solidariedade que servem de base para construção das organizações nacionais de povos em sua união com outros povos, garan-tindo a ideia de humanidade.
A Grécia já foi a bola da vez do biopoder do neoliberalismo imperialista está fazendo de tudo para sua própria extirpação, ao tentar se disciplinar e se regrar de acordo com os dita-mes do mercado financeiro neoliberal. Além do desemprego amplamente crescente os aposen-tados tiveram suas pensões reduzidas em cer-ca de 30%. O salário mínimo dos trabalhadores sofreu reduções drásticas e as políticas públi-cas para a educação e saúde estão se arras-tando com apenas 40% dos recursos anteriores à crise. A fome que impera, a mortalidade que cresce, o que inclui altos índices de suicídio, atestam a nova lógica da biopolítica neoliberal,
que é a lógica do fazer morrer e do não deixar viver, obrigando-nos a resgatar Foucault e repensar os seus con-ceitos para além do próprio Foucault. Nes-ta gestão da vida pela política, não é mais o Estado que exerce o poder soberano de matar como visto an-tes nas sociedades
punitivas. As punições e o poder sobre a vida das pessoas eliminando-a são articulados e combinados com técnicas disciplinares de re-gulação por meio de diversos dispositivos de controle. O antigo direito de morte sobre a vida do indivíduo é exercido sobre a população não diretamente, mas por artifícios de sufocamento e esmagamento financeiro. O Estado na era do capital financeiro regido pelo neoliberalismo im-perialista perde o seu papel soberano para a força centralizadora, manipuladora e vigilante de fortes grupos financeiros transnacionais. O que ontem ocorreu com outros países margina-lizados e em crise como a Grécia, hoje ocorre com o Brasil pós-golpe de 2016. Atualmente o Brasil está sendo mais uma vítima da vez. Te-mática a ser tratada em outro artigo, onde dis-cutiremos como a população brasileira está sendo a mais sofrida e silenciosa vítima deste biopoder em sua lógica eugênico-financeira im-perialista sob a égide do Capital Financeiro.
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
ALEX NASCIMENTO
( SONETO DO LIVRO “ALMA MINHA GENTIL”, 1992)
O amor é uma cura sem doença,
É um landau vermelho sem pneu,
É uma face oculta em camafeu,
É um rezar de tanto não ter crença.
É nunca perceber a diferença,
É ser cristão contra um leão orfeu,
É não cair diante da sentença,
É não lembrar de quem nunca esqueceu.
É tanger os limites da conduta,
É confundir plateia e direção,
É coquetel de vinho com cicuta,
É ser original e imitação.
Patogênico amor que bem disputa
Pau a pau com o enfarte o coração.
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
QUATRO POEMAS DE SOCORRO TRINDAD
QUAL É A TUA, MARIA ANA?
Até quando, Maria
continuarás em cima do muro,
assistindo a tudo
como mera expectadora?
(...............................................)
PRA VOCÊ, COM AMOR.
Duas coisas tocam minha carne
de mulher: o vestido e você.
AMANTE
Gosto de ser a outra
mas com outros....
FEMININO
A boceta também é uma flor
MARIA MARIA GOMES
BICICLETA DE DOMINGO
Alguém pode dar uma volta
de bicicleta comigo?
Vou no bagageiro, prometo,
ao entardecer desse domingo.
PENSO…
(Sandemberg Oliveira)
A janela aberta,
A rua lá fora... fora de si...
Um homem caminha...
Sobe a ladeira, fora de si.
Seu rumo incerto,
Pela rua lá fora...
Perdendo seu tempo,
Pensando na hora,
Fora de si... na rua lá fora.
Nos sobe e desce
Das ruas incertas...
Um homem caminha,
Mas não sabe chegar...
Não tem ponto fixo
Sequer moradia...
Sem ter alegria
O homem caminha
Mas como chegar?
Perdeu a visão e a audição...
Pois vendo o que quer
Como também ouvindo...
Perdeu o seu rumo...
E sem ter onde ir
O homem caminha
Na rua, lá fora e fora de si...
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
Raramente a história fala
dos que não tiveram sorte.
De Zé Pretinho ela narra
que foi condenado à morte.
Se nada se lhe atenua
o tempo sábio o redime:
não ficou o sobrenome,
também não ficou o crime.
Diz-se que olhou a cidade
entre inocente e escarninho,
antes de última vontade:
comer bolo e tomar vinho.
Quem era esse Zé Pretinho?
Homem simplório sem dolo,
ou não pedia, adivinho,
um copo de vinho e bolo.
Ou será que Zé Pretinho
bem sabia o que fazia?
Diverso pão, outro vinho –
blasfêmia ou eucaristia?
PAULO DE TARSO CORREIA DE MELO
UMA CANÇÃO PARA ZÉ PRETINHO
Zé pretinho foi o primeiro executado em Natal, na manhã de 23 de
maio de 1843. Não sabemos onde nasceu, como vivia, idade, antecedentes,
espécie de delito. A memória popular defende o acusado, na acepção de ino-
cência total.
Luís da Câmara Cascudo
História da Cidade do Natal
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense e Mundial
MARIZE CASTRO
VINHO
Se o queres seco
para molhar a garganta
eu o quero suave
para reinventar
essa chama
se o queres branco
para velar a virgem
eu o quero
vermelho
do porto
para aportar
as paixões
que me dividem
DOIS HAICAIS DE JARBAS MARTINS
Até logo, Che.
A Revolução na esquina
E a barba por fazer
-0-
raro escrevo.Vivo.
escrever é um verbo
intransitivo.
ADRIANO DE SOUSA
BIOGRAFIA
aos 20 anos
era um jovem poeta
promissor
aos 30 anos
era um jovem poeta
aos 40 já era
ÁRVORE
Um era negro
A outra é branca
Um é negro
Outra é branca
Outra é negra
Outro é branco
Um não tem cor
Eu sou negro
A outra é branca.
Anchieta Rolim, do livro Contagem Regressi-
va, Sarau das Letras, 2013.
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense e Mundial
CARMEN VASCONCELOS
CORUJAS
Belo é não ter pátria.
Morar em entrecascas, por aí…
Porém, se te recordo, terra remota,
É ao meu coração que retorno.
E não me é dado dilapidar distâncias.
A TEIA DA ARANHA
A aranha mora na teia
Construída com perfeição
Na teia segura o luar
Que vagueia
Ou prende o azul que desmaia
Do arco-íris passageiro.
Na teia dissolve o tempo
Resolve o alimento.
A aranha mora na teia
E nas entranhas da moradia
A aranha captura
A vida e a fantasia.
Anchella Monte, do livro A Trama da Ara-
nha, Sebo Vermelho, 2001.
NADA SERÁ EM VÃO
(Alfredo Neves)
O mundo respira bombas,
Os homens vomitam poder,
Os loucos se amarguram,
O mar rebelou-se no litoral
E furacões passam errantes.
Risos fartos se escasseiam,
Carruagens não passam,
Cães não ladram
E o sol castiga a carne.
Corpos não se veem,
Bocas se desencontram
E perdemos a fé na luta.
O rio , esse que corre
Sem se importar,
É o único que desemboca
E nos traz esperanças.
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
ANCHELLA MONTE
O POEMA
O verso é livre arbítrio
Escolha
Palpite.
Feliz ou infeliz
O verso já existe
Quase exato
Antes do trato.
O verso é promessa
Do poema:
Acerto ou
Equívoco.
O leitor é arbitro
Do poeta que se enreda
No poema.
LÍVIO OLIVEIRA
DE CRIANÇA
PULEI
E, APÓS O MURO,
VI QUE MEUS COMPANHEIROS…
EU JÁ NÃO OS PODIA ALCANÇAR.
O BARCO JANILSON SALES DE CARVALHO Sou um barco Na lama do rio Esperando a maré Meu tempo É o das águas Subindo e descendo O sol me seca A chuva me encharca Entre o quente e o frio Minha carcaça racha Em pequenas fissuras Ali as cracas se enfiam Em silenciosa invasão Acomodam-se no meu templo Seus pequenos movimentos Lembram-me que não estou morto Sou guarida As ostras grudam-se Na minha borda e no meu casco Aos poucos a lama me invade E deixo de oscilar com as ondas As águas circulam no meu ventre Sempre aberto Fissuras viraram brechas Onde peixes trafegam curiosos Enquanto a maré me encobre Depois que seca Caranguejos e siris Passeiam em meus restos Já misturados à lama e ao seu cheiro Não vou mais ao mar Ele vem a mim E conta em rugidos Segredos matutinos A lua me encontra no mesmo lugar Hoje sou uma estrela do lodaçal
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
NOS TEMPOS DE MENINICE
CLÉCIA SANTOS
Quando chegavam as férias
Nem mesmo amadurecia...
Nossas malas, já fazíamos
E rumávamos pro sertão de Caicó.
Ainda lembro de vovô, tios,
Tias, primos, primas, agregados...
Até curiosos, se achegavam.
Aquele cheirinho de terra batida
A bicharada, o ar quente e puro.
Tudo, tudo era prosa!!
Lembranças que não voltam...
Estão acesas apenas na memória.
Nos tempos de meninice
Lá em algum espaço de Caicó!
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
CANTOS NA MADRUGADA
WILDMA ALVES
Quero cantar a ti esta canção.
Teus coqueiros,
O teu céu e mar,
Fazem brilhar meu coração de mar sem igual.
As últimas palavras de um poeta
São o último suspiro de um sábio.
O sol desaparece,
Cai o anoitecer,
A lua brilha,
A estrela pisca,
E meus olhos fascinaram-se ao te olhar.
Eu queria ser uma borboleta, pousar no seu peito
Sentir teu coração...
Felicidade é igual a uma borboleta: quanto mais ela foge...
Uma dia você se distrai e ela pousa em teu ombro.
O verdadeiro amor é aquele que constrói pontes e derruba barreiras.
Dizem que na vida quem perde o telhado ganha as estrelas.
Sou como águia sempre vou voar bem alto...
Se você quer saber o quanto eu te amo, é simples.
Multiplique as estrelas do céu pelas gotas dos oceanos.
Porque nem uma coleção de estrelas teria tanto brilho quanto um sorriso teu.
Posso conhecer todos os sorrisos do mundo,
Mas apenas um tem a chave para o meu coração, teu.
Da mais bela flor nasceu nosso amor.
Meu coração tem dono.
Vem me esquecer nesse outono.
Deixar o sol entrar.
Pode abrir as janelas.
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
NORDESTINA
ah! mágoa antiga!
pois, ainda menina, minha infância via
copos cheios de cachaça
para nublar pratos vazios
ou para calar sempre tão velhos
outros desafios.
e enquanto vivo e vivi
renovam-se sempre dores mais e outras.
as palavras rotas, gastas, soltas
não secam a sede dos potes,
secas úvulas.
copos e gargantas,
e o homem, forte homem
espera ainda entre a fé e a crença,
pele espetada de ossos
que acreditem que a seca não se cura
com xaropes de emergência.
VICENTE VITORIANO, do livro OS VÉRTICES DO TRIÂNGU-
LO, entre 1974 e 1983.
FLOR PARTIDA
Oreny Jr.
E as folhas secas entre as páginas de um livro dá voz geral aos sentidos imaginários,
imaginários sem sentidos, germinando em doses cavalares de sólidas decomposi-
ções amarelecidas em dióxidos de óxidos, óxidos, ferrosos assim.
Aflorando num dia qualquer da abertura vértice em uma página ajardinada pela mol-
dagem cozinhada de uma marca qualquer, florescências.
E o poeta cordial oferece a flor geral, não uma flor qualquer, uma flor que perdura
por cinquenta e três anos no cálice inebriado de um mar em vórtice.
Por quanto tempo uma flor espera por um olhar qualquer, mas não um olhar qual-
quer, o olhar de Leda, quando a depositou sob os olhos pastoreantes tocando a flau-
ta que a perderia na floresta das pétalas de quatro folhas.
Flores que acalantam, poemas, dádivas, divas empalhadas em porcelanatos, rijas de
dóceis doces sorrisos pelos jardineiros afoitos.
Frutos em caules sob sombras dão o doce sabor para o melhor chocolate, servidos
em dias frios com o olhar que enxerga a bifurca certeza do imprevisto encontro que
marcamos sóbrios.
Folhas não tão simples assim, rebelde, perde-se do ramalhete, por não ser uma flor
tão simples assim, mas seria o marcador que lembraria a página seguinte ou o me-
lhor texto, onde sublinhamos o melhor poema, o perfume da memória da nossa ado-
lescência.
Em noturnas colheitas despeço-me das solidões pelos tempos que tenho passado na
espera do anjo avoante que me replantasse na aridez do seu sertão.
Aos anjos, estrelas, às folhas, flores...
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
A imprecisão das coisas
é fato decisivo
na cartografia indecisa
do cotidiano
O que pulveriza a rotina?
Por trás do silêncio
Um amálgama de conflitos
O que se esconde?
O que se retrata?
O que escapa?
A tática do silêncio que julga
mais a que fala
O efeito do sentido quando o silêncio fala
Hordas em maledicências
vão tecendo a matéria vil
de um silêncio sem motivo
eis a dança das najas cotidianas
que soltam a peçonha do silêncio
também a tagarelice, esse signo vulgar,
não reúne as cores vivas
da surpresa
Vale o impreciso do silêncio
como um preceito búdico
que diz o branco do branco
e o escuro em que somem
os matizes
para reverberar tudo
na mistura da festa dos sentidos
JOÃO BATISTA DE MORAIS NETO, do livro O VENENO DO SILÊNCIO, 2010.
A PRECISÃO DAS COISAS
João Batista
O NAVEGANTE
Em meio a viagens errantes,
Ancorando em diversos portos de obscuros mares,
O solitário navio vivenciava as mais assombrosas experiências:
Sombra e luz,
Agonia e êxtase,
Gravidade e leveza;
Doença e saúde,
Exílio e refúgio,
Inferno e paraíso.
Nele não existia rota definida,
Capitão nem marinheiros que o orientasse.
Ele era a sua própria bússola,
Seu próprio leme,
Seu próprio deus.
Após vários verões escaldantes,
O solitário resolveu se apartar de mais um porto.
Nele vivenciou experiências sublimes
E sentiu demasiados prazeres arrebatadores
Que o preencheu e o fez transbordar
Igualmente as músicas do magnânimo Mozart.
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia
Norte-Rio-Grandense
A âncora foi sendo içada lentamente.
Entre o navio e o porto abriu-se um espaço
Para que outro navegante pudesse ali se atracar.
Os céus se escureceram.
Tambores rufaram das densas nuvens
E raios caíram sobre o mar;
Às águas se eletrizaram e o vento soprou intensamente.
A cada relâmpago que iluminava o momento de ruptura,
O espaço entre o solitário e o belo porto aumentava.
A tempestade que há muito tempo não caía sobre aquele mar,
Fez com que o vento acelerasse a partida do solitário navio.
Da proa ele viu o magnífico porto diminuir.
Em seu coração de lata,
Ficaram as ideias que ali foram criadas
E a imagem das furiosas ondas batendo contra um obtuso recife
Que para trás ficou.
E assim se foi o solitário,
Navegando em meio ao mar tempestuoso;
Carregando em seu convés as experiências vivenciadas...
Tiago Xavier - Mestrando em Filosofia pela UFRN.
O PROFESSOR COMO INTELECTUAL ORGÂNICO: UMA REFLEXÃO SOBRE A RE-
ALIDADE DA DOCÊNCIA BRASILEIRA
Francisco Marcos Alves1
Dr. Francisco Ramos Neves2
RESUMO: Na perspectiva da formação docente, Antônio Gramsci, em sua obra, caracteriza to-
dos os homens como intelectuais, já que todo trabalho manual ou instrumental envolve uma téc-
nica, uma atividade intelectual criadora, dividindo-os em intelectuais tradicionais e orgânicos. Os
primeiros se caracterizam por seu apoio incondicional a classe dirigente de uma determinada so-
ciedade; já os orgânicos são os que surgem no seio de todo agrupamento próprio da esfera produ-
tiva que criam uma "consciência da própria função, não apenas no campo produtivo, mas tam-
bém no social e no político. Sob esse enfoque, o presente artigo tem como objetivo discorrer acer-
ca da necessidade de atuação dos professores como intelectuais orgânicos frente à proletarização
da profissão, refletindo sobre a realidade da atividade docente no país. Trata-se de um trabalho
bibliográfico, metodologicamente fundamentado no materialismo histórico dialético, particular-
mente nas formulações de Antônio Gramsci.
Palavras-chave: Formação docente. Proletarização docente. Intelectuais orgânicos.
ABSTRACT: In the perspective of teacher education, Antônio Gramsci, in his work, characteriz-
es all men as intellectuals, since all manual or instrumental work involves a technique, a creative
intellectual activity, dividing them into traditional and organic intellectuals. The former are char-
acterized by their unconditional support to the ruling class of a given society; the organic ones
are those that arise within any grouping proper to the productive sphere that create an
"awareness of the function itself, not only in the productive field, but also in the social and the
political. about the need of teachers as organic intellectuals in the face of the proletarianization of
the profession, reflecting on the reality of the teaching activity in the country, a bibliographical
work, methodologically grounded in dialectical historical materialism, particularly in the formu-
lations of Antônio Gramsci.
Keywords: Teacher training. Teacher proletarianization. Organic intellectuals.
1 INTRODUÇÃO
OBRA DO ARTISTA PLÁSTICO FRANZ KLINE