sumário da pesquisa
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Consumo, Violência e Juventude
Sumário Executivo
Julho|2010
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
FICHA TÉCNICA
Realização
Governo do Estado de São Paulo | Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania | Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – Diretoria de Relações Institucionais
Instituto Latino-‐Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente – Ilanud Brasil
Diretoria Executiva Paula Miraglia
Coordenação Geral Aline Yamamoto
Pesquisadora responsável Natália Bouças do Lago
Equipe de Pesquisa Dennis van Wanrooij
Mariana Zanata Thibes
Pesquisadores de Campo
Adalton Jose Marques Claudia D’Ipolitto de Oliveira Sciré Glaucia da Silva Destro de Oliveira
José Agnello Alves Dias de Andrade Natália Felix de Carvalho Noguchi
Talita Pereira de Castro
Apoio
Fabiana Rizzo de Moura Leibl
Marina Nunes Rodrigues de Menezes
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
| Índice |
| Apresentação |.......................................................................................................................................3
| Introdução | ...........................................................................................................................................4
| Notas sobre a Metodologia |..................................................................................................................6
Definição da amostra.................................................................................................................................... 6
| As dinâmicas do consumo e da violência|...............................................................................................8
Do Perfil: quem são os adolescentes? .......................................................................................................... 8
Dos hábitos: o que fazer da vida?............................................................................................................... 11
A vontade de comprar ................................................................................................................................ 14
Das percepções: como os adolescentes enxergam a violência?................................................................. 16
Das infrações – como os adolescentes podem ser violentos?.................................................................... 18
| Conclusões e recomendações | ............................................................................................................20
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
| Apresentação |
A despeito da frequente menção ao consumo como fator relevante à compreensão das dinâmicas da violência, sobretudo as relacionadas à autoria de infrações pela juventude, os estudos que relacionam esses três temas são quase inexistentes – quando muito, trabalham a questão da juventude aliada a uma
das outras duas questões.
O presente projeto foi delineado partindo desse cenário, que muito reproduz e pouco conhece as
implicações entre consumo, violência e juventude.
Nesse relatório, são compiladas as informações coletadas no âmbito da pesquisa Consumo, Violência e Juventude, contratada pela Fundação Procon-‐SP e realizada pelo o Ilanud entre os meses de novembro de
2009 a maio de 2010.
A iniciativa, de caráter piloto, obteve informações sobre os temas citados junto a três grupos de adolescentes: i) aqueles em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto; ii) moradores de
um distrito de alta vulnerabilidade social (Brasilândia); e iii) moradores de um distrito de baixa vulnerabilidade social (Perdizes).
Esperamos que esta pesquisa possa contribuir para a reflexão acerca das relações entre consumo e
violência em se tratando de adolescentes e jovens e, sobretudo, estimular a produção de conhecimento sobre esses temas.
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| Introdução |
A pesquisa teve como ponto de partida a revisão da bibliografia existente sobre consumo, violência e juventude para, posteriormente, realizar a coleta de dados junto aos adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas em meio aberto, bem como aos grupos de controle, compostos pelos adolescentes residentes nos distritos de Brasilândia e Perdizes.
Com o objetivo de conhecer a produção científica sobre os temas da pesquisa, foram selecionados artigos,
dissertações, teses, livros e relatórios que continham conceitos e elementos relevantes à construção dos instrumentos e roteiros para a pesquisa de campo, bem como à análise dos dados.
De modo geral, o levantamento bibliográfico aponta para uma produção consistente sobre juventude
aliada a um dos outros dois temas, violência ou consumo. No entanto, são escassos os trabalhos que atentam para a identificação e análise das relações entre os três assuntos, conjuntamente. Isso reforça o caráter inovador do projeto e a importância de melhor conhecer as possíveis imbricações entre eles.
É importante frisar que a revisão bibliográfica foi considerada na análise dos dados, mas sempre com o cuidado de superar os discursos de criminalização da pobreza e não reduzir o envolvimento em atividades ilícitas à incapacidade ou dificuldade de inserção na sociedade de consumo. Nesse sentido, o consumo é
investigado como elemento a ser considerado na construção das identidades, sobretudo as juvenis, sem pretender analisá-‐lo como causa única para práticas violentas ou ilegais. O projeto parte da premissa que todo e qualquer ato violento ou delituoso possui natureza multicausal1 e não pretende buscar soluções
genéricas para estes fenômenos.
Por fim, vale dizer que a pesquisa buscou investigar a violência enquanto categoria que vai além dos atos considerados ilícitos e tipificados pelo Código Penal, incluindo no escopo da “ação violenta” práticas
cotidianas não passíveis de uma punição legal.
Garantia de direitos e a violência
Os adolescentes e jovens também são, hoje, as principais vítimas da violência urbana no país. De acordo com o IHA, Índice de Homicídios na Adolescência, lançado em julho de 20092, em média 2,03 em cada 1.000 adolescentes morrerão antes de completar 19 anos de idade no Brasil. No entanto, a violência letal
contra adolescentes não se distribui de forma homogênea no território.
No que tange ao perfil das vítimas, o estudo mostra que a probabilidade de ser vítima de homicídio é quase doze vezes superior para o sexo masculino, em comparação com o feminino, e mais do que o dobro para os
negros em comparação com os brancos.
1 Compreender a violência passa pela investigação de inúmeros fatores – sociais, culturais, econômicos, a existência de políticas de repressão qualificada, etc. (Londoño, 1998, y Arriagada y Godoy, 1999). 2 O IHA (Índice de Homicídios na Adolescência) foi criado com o objetivo de exemplificar o impacto da violência letal neste grupo social de uma forma simples, sintética e que ajudasse na mobilização das pessoas para a gravidade do problema.
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Dessa forma, é importante ressaltar a determinação social do fenômeno da violência na juventude, o que equivale a dizer que o risco a que um jovem se encontra exposto de envolver-‐se em situações violentas
varia conforme o contexto social em que ele está inserido.
Ainda que os poucos dados existentes sobre a autoria dos crimes apontem para uma significativa presença da juventude entre os perpetradores de ações violentas, sobretudo ao se tratar de jovens entre 18 e 24
anos, há hoje uma forte perspectiva de criminalização da adolescência brasileira e a superestimação dos delitos cometidos por adolescentes no universo de crimes, sobretudo quando são delitos contra a vida. Informações da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República indicam que apenas 0,2% do
universo de adolescentes no país cumpre medidas de privação de liberdade em decorrência da prática de atos infracionais3.
Por fim, reconhecendo a violência como um fenômeno multicausal, são muitos os aspectos a serem
investigados para a sua análise e entendimento. O consumo é, geralmente, apontado como um dos fatores que pode contribuir para a violência. Assim, a pesquisa procurou se debruçar sobre tal hipótese, discutindo-‐a e qualificando-‐a a partir da abordagem realizada com adolescentes e jovens de diferentes
realidades do município de São Paulo, com maior destaque para aqueles que, pela prática de atos infracionais, foram inseridos no sistema de justiça juvenil (destinado aos adolescentes de 12 a 18 anos incompletos que praticaram delitos).
3 Secretaria de Direitos Humanos. Levantamento Estatístico do Número de Adolescentes Cumprindo Medidas Socioeducativas, no Brasil, em janeiro de 2004. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/.spdca/mapa2004.pdf
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| Notas sobre a Metodologia |
Para identificar as relações existentes entre consumo, violência e juventude, utilizou-‐se como principal
metodologia a realização de entrevistas orientadas por um questionário quanti-‐qualitativo que buscou abarcar temas como os hábitos dos adolescentes, atividades preferidas, práticas e desejos de consumo e as percepções sobre a violência.
A pesquisa de campo consistiu na aplicação desse questionário junto a três grupos de adolescentes: i) aqueles em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto no município de São Paulo; ii) adolescentes moradores de Perdizes, um distrito de baixa vulnerabilidade social4; e iii) adolescentes
moradores da Brasilândia, um distrito de alta vulnerabilidade social, sendo o primeiro o principal foco de análise da pesquisa e os demais, os grupos de controle.
Além disso, antes da etapa de campo, foram realizados dois grupos de consulta para verificação do
instrumento de pesquisa e da sua eficácia no diálogo com os jovens. Um deles aconteceu no bairro da Vila Nova Cachoeirinha, região de média/alta vulnerabilidade juvenil e o outro em Moema, local de baixa vulnerabilidade juvenil. As opiniões e percepções dos jovens que participaram da dinâmica contribuíram,
de forma efetiva, para a elaboração do questionário e auxiliaram na compreensão dos elementos observados em campo.
Outras duas atividades de consulta foram desenvolvidas, envolvendo especialistas nas temáticas da
pesquisa. A primeira reunião, realizada em 14 de janeiro de 2010, teve o propósito de discutir temas, abordagens e ideias para auxiliar na construção do questionário e identificar aspectos relevantes de análise; a segunda, por sua vez, aconteceu em 29 de abril de 2010 para a discussão da sistematização
preliminar dos dados coletados em campo.
Definição da amostra A definição da amostra dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, que compõe o foco da pesquisa, bem como a seleção dos bairros de Perdizes e Brasilândia, obedeceu as
especificidades de cada grupo.
Como mencionado anteriormente, os adolescentes residentes em distritos de alta e baixa vulnerabilidade foram tratados, para fins da pesquisa, como grupos de controle, sem representar, portanto, uma amostra
estatística fiel ao universo de jovens dessas regiões5. Os dados coletados junto a esses grupos foram utilizados na construção de critérios de comparação em relação aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.
A escolha por focar a pesquisa nos adolescentes em cumprimento de MSE parte da hipótese bastante reproduzida pelos atores do sistema de justiça de que as experiências infracionais dialogam com o consumo. A importância dos grupos de controle reside, justamente, na necessidade de testar uma possível
4 Para a definição dos distritos de baixa e alta vulnerabilidade, utilizou-‐se o Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ), elaborado pela Fundação Seade. 5 O caráter piloto da pesquisa e seu curto período de execução motivaram tal escolha metodológica.
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relação entre a prática de atos de violência, não necessariamente considerados delitos pela lei penal e eventualmente ligados ao consumo, em adolescentes de distintos perfis sociais e que não passaram pelo
sistema de justiça. Menos que uma análise entre diferentes classes sociais, considerou-‐se como fator relevante na investigação a seletividade do sistema punitivo, que notadamente reproduz estigmas sociais e criminalizam jovens com determinados perfis.
Grupo 1: Adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas
A pesquisa realizou entrevistas com adolescentes inseridos em dois tipos de medidas socioeducativas, a
Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e a Liberdade Assistida (LA), ambas executadas em meio aberto. No município de São Paulo, o cumprimento dessas medidas é acompanhado por profissionais dos Núcleos de Proteção Psicossocial Especial (NPPEs)6.
Do total de 4.629 adolescentes cumprindo LA e/ou PSC nos 51 NPPEs do município7, foram realizadas 129 entrevistas, incluindo adolescentes do sexo masculino e feminino. A amostra representa, assim, 2,78% do universo. As entrevistas buscaram contemplar uma representação regional dos núcleos. Todas as 5 regiões
(Norte, Sul, Sudeste, Leste e Oeste) foram investigadas em, pelo menos, 2 núcleos diferentes em cada uma.
Grupo 2: Adolescentes residentes em distritos de alta e baixa vulnerabilidade
Em relação aos grupos de controle, adolescentes residentes em regiões de alta e baixa vulnerabilidade e que não cumprem medidas socioeducativas, foram realizadas 81 entrevistas, distribuídas entre os bairros de Brasilândia e Perdizes, respectivamente. A escolha das localidades foi feita, sobretudo, a partir do Índice
de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) da Fundação Seade.
As entrevistas foram realizadas no Espaço Criança Esperança (ECE)8, no bairro da Brasilândia; em Perdizes, foram entrevistados estudantes de 3 colégios distintos9.
6 Os NPPEs são organizações não-‐governamentais que executam a política de atendimento socioeducativo do município de São Paulo por meio de convênio com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMADS). 7 A informação sobre o universo de adolescentes inseridos no meio aberto foi concedida pela Prefeitura Municipal de São Paulo através da Secretaria Municipal de Assistência Social – SMADS. Os dados referem-‐se à sistematização dos atendimentos realizados no primeiro semestre de 2009. 8 Coordenado pelo Instituto Sou da Paz, o espaço oferece cursos e atividades voltadas à cultura e esportes a crianças e adolescentes da região. 9 Colégios Global, Pentágono e São Domingos
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| As dinâmicas do consumo e da violência| A apresentação dos dados segue a estrutura do questionário, organizado por: i) perfil; ii) hábitos (atividades
cotidianas e práticas de consumo); iii) percepções sobre a violência; e iv) a autoria de infrações.
O foco da análise são os adolescentes que cumprem LA e/ou PSC10, sendo que as informações coletadas junto aos distritos de Perdizes e Brasilândia serão apresentadas apenas quando relevantes para a
comparação com o principal grupo pesquisado.
Do Perfil: quem são os adolescentes?
De modo geral, as informações obtidas confirmam os dados já existentes sobre adolescentes que cumprem medidas socioeducativas: identificou-‐se uma maior parte de pretos e pardos, com defasagem idade-‐série no que se refere aos estudos, um alto índice de evasão escolar11 e uma relação precoce com o mundo do
trabalho – na grande maioria das vezes, o trabalho informal.
Na realização do campo, buscou-‐se fidedignidade às informações já existentes quanto ao perfil dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto no que se refere a sexo e
idade. Assim, a maior parte dos 129 adolescentes em cumprimento de MSE entrevistados é do sexo masculino (92%), sendo que apenas 8% são do sexo feminino12.
Com relação à idade, partiu-‐se da informação do Mapeamento Nacional que apontava uma maior
prevalência de adolescentes entre 16 e 17 anos em cumprimento de MSE em meio aberto. Assim, a pesquisa buscou essa mesma proporção, tendo 52% dos adolescentes entrevistados entre 16 e 17 anos; 25% entre 12 e 15 anos; e 23% entre 18 e 21 anos.
Cor
Por ser um aspecto diretamente relacionado à vitimização pela violência urbana, outro elemento relevante à análise do perfil dos adolescentes é a sua cor ou raça. Nas entrevistas, a pesquisa abordou essa questão a
partir da autodeclaração13 dos adolescentes, ou seja, de que maneira eles se identificam quanto à sua cor14. Verificou-‐se, entre os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, uma considerável prevalência de pretos e pardos, que juntos representam 64% dos adolescentes. Ainda, 27% se declararam brancos, 3%
indígenas e 1% amarelos.
10 Quando o texto se refere a “adolescentes”, sem especificação, as informações dizem respeito àqueles em cumprimento de medidas socioeducativas, foco da pesquisa. Nos casos em que forem citados os entrevistados de Perdizes e Brasilândia, tal diferenciação será apresentada. 11 Informações do Mapeamento Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (Ilanud, 2007) apontam que a maior parte dos adolescentes em cumprimento de medidas tem entre 16 e 17 anos e cursa o ensino fundamental. 12 Ressalta-‐se que a pesquisa não tem como objetivo retratar igualmente os gêneros, muito menos fazer uma análise aprofundada deles, mas representá-‐los conforme o contexto analisado. A proporção pesquisada obedece as informações coletadas no Mapeamento Nacional supracitado. 13 A pesquisa escolheu adotar essa prática nas entrevistas usando como referência a sua utilização, pelo IBGE, na coleta de dados. 14 A autodeclaração foi feita a partir da leitura, pelo pesquisador, das categorias de cor/raça estabelecidas pelo IBGE: branca, preta, parda, indígena, amarela.
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Entre os adolescentes dos grupos de controle, há uma grande maioria de entrevistados autodeclarados brancos em Perdizes, e uma maioria de pardos, na Brasilândia.
Pode-‐se perceber, portanto, a prevalência de adolescentes pretos e pardos cumprindo medidas socioeducativas, já apontada em diversas pesquisas anteriores. Tal dado pode ser problematizado a partir da constatação de que o Sistema de Justiça é seletivo, reproduz estigmas sociais e atinge, portanto, pessoas
mais vulneráveis por questões de classe, locais de residência, escolaridade e, também, cor e raça.
Religião
Assim como a cor pode ser um fator de vitimização, a prática de uma religião pode ser entendida como um
fator de proteção social15.
Contudo, a maioria das respostas (65%) entre adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas indica que eles não praticam atividades religiosas. Esses números se repetem em Perdizes, onde 60% dos
entrevistados dizem não praticar qualquer religião.
Na Brasilândia verificou-‐se, por outro lado, uma prevalência de adolescentes que possuem algum credo (59% dos entrevistados).
Escolaridade
Os dados da pesquisa indicam que 64% dos adolescentes em MSE afirmam estudar, enquanto 36% estão fora da escola.
A quantidade de adolescentes que não estuda é significativa, ainda mais quando se leva em conta que um dos elementos do cumprimento da liberdade assistida e da prestação de serviços à comunidade é a inserção na educação formal. A grande proporção de adolescentes em cumprimento de medidas que está
fora da escola indica que a evasão escolar16 dialoga com a situação de vulnerabilidade comumente relacionada à prática de um ato infracional.
Dos adolescentes em MSE que estudam, 59% cursam o ensino fundamental. Há, portanto, um déficit de
escolaridade se considerarmos que 75% desse grupo tem mais de 16 anos, idade compatível com o ensino médio. Esse quadro não se reproduz na Brasilândia, tampouco em Perdizes.
Trabalho
Dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, 81% deles trabalha ou já trabalhou em algum momento de sua vida.
Nota-‐se que trabalhar é interpretado, na maior parte das vezes, como uma “atividade que gera renda”, seja ela formal ou informal. Ao longo das entrevistas pôde-‐se perceber que o trabalho formal é uma situação excepcional e as atividades empregatícias comumente relacionam-‐se a serviços temporários ou informais.
Renda
15 Elemento também apontado por alguns dos integrantes da primeira reunião de consulta com especialistas em consumo, violência e juventude. 16 Os dados de evasão escolar do município de São Paulo é um dos fatores utilizados para a construção do Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) da Fundação Seade.
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Os adolescentes em MSE responderam, em sua maioria (56% dos casos), que não possuem renda mensal individual. Esse dado coincide com as informações levantadas em Perdizes e Brasilândia.
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Dos hábitos: o que fazer da vida?
“Faço tudo que quero” 17.
“Deitar na cama e ficar sossegado, com uma companhia do lado, não há coisa melhor”.
Entender as dinâmicas relacionadas ao que fazem com o seu tempo livre, de que maneira se informam a respeito do mundo e, ainda, como compram e se compram o que querem, oferece elementos para uma
compreensão das práticas que os envolvem, as estratégias utilizadas para concretizar essas práticas e também as maneiras de construir suas identidades.
De modo geral, percebe-‐se que os adolescentes realizam atividades pouco diversificadas no seu cotidiano.
A televisão possui presença significativa no seu dia a dia e eles quase não participam de atividades que envolvam a organização em grupos – sejam elas relacionadas a ONGs, igrejas, esportes ou artes. Os hábitos e desejos de consumo são, por sua vez, majoritariamente compostos por produtos como roupas e sapatos
e pela vontade de possuir uma moto ou um carro (muitas vezes, os dois ao mesmo tempo).
Atividades mais frequentes e preferidas
Em ordem de relevância, as cinco atividades mais realizadas18 são19: ouvir música, assistir televisão, encontrar amigos, ficar/namorar e assistir filmes em casa. A sistematização da frequência com a qual os adolescentes realizam as atividades indica que o repertório de opções é restrito aos espaços da sua casa
(ouvir música, assistir TV, assistir filmes em casa) e às relações com pessoas próximas do convívio, como amigos(as) e namorados(as).
Pode-‐se dizer que os adolescentes pesquisados, independente do bairro onde residem ou do seu
envolvimento com atos infracionais, possuem semelhanças no que se refere às práticas mais presentes em seu cotidiano. Essa constatação é fortalecida no que se refere às suas atividades preferidas: as práticas esportivas aparece em primeiro lugar de preferência tanto nos grupos de controle como para os
adolescentes que cumprem uma medida socioeducativa. A vontade de encontrar os amigos e usar o computador também são comuns aos três grupos.
17 A partir desse momento do relatório, todo tópico que se inicia terá como epígrafe uma ou mais frases dos adolescentes entrevistados pelos pesquisadores de campo. 18 As atividades mais realizadas são aquelas que os adolescentes afirmam realizar praticamente todos os dias ou ao menos uma vez na semana. 19 As atividades mais realizadas pelos adolescentes foram investigadas a partir de uma pergunta com 22 ações pré-‐estabelecidas, mais a possibilidade de inclusão de atividades na categoria “outra”. Para ver a questão, consultar o questionário no Volume II desse relatório.
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Com relação ao reconhecimento de limitações para a realização de atividades, os adolescentes em MSE, em sua maioria (60%), afirmam não deixar de realizar as atividades que gostam, característica também
encontrada entre as respostas dos residentes na Brasilândia – ainda que em menor proporção (51%).
Já os moradores de Perdizes afirmam, em maior proporção, deixar de realizar o que gostam (62% das respostas). O principal obstáculo à realização de atividades (sendo as mais citadas as práticas esportivas)
também é a falta de tempo, ressaltando que neste grupo, há adolescentes que indicam a não permissão dos pais ou responsáveis como um impeditivo.
A quantidade de adolescentes em MSE que afirmam não ter impeditivos para a prática das suas atividades
preferidas é relevante, ainda mais se considerarmos que essa fase da vida é marcada por limitações (geralmente impostas pelos adultos) que se somam às dificuldades relacionadas ao contexto em que vivem, com menor oferta e pior acesso a determinados serviços e equipamentos.
Sendo assim, a inexistência de impedimentos pode ser interpretada tanto como uma real possibilidade de se fazer o que se quer independente de obstáculos como distância, limitações financeiras e restrições dos familiares, mas também pode dar indícios da existência de um repertório limitado de atividades (o que
torna mais fácil realizá-‐las), de um menor controle social (nesse caso, exercido pela família) e, consequentemente, de uma maior autonomia -‐ ou, ao menos, de uma crença de que essa autonomia existe e pode ser praticada sem restrições.
Além disso, as informações obtidas indicam uma participação pequena dos adolescentes em MSE em atividades coletivas, embora encontrar amigos seja uma das ações mais presentes em suas vidas, tanto entre aqueles que cumprem medidas quanto entre os ouvidos nos bairros de Perdizes e Brasilândia.
Dos meios de comunicação
A TV e a internet representam, juntas, 75% dos meios de comunicação mais acessados pelos adolescentes,
com maior presença da primeira (43%) em relação à segunda (32%).
Os adolescentes dos grupos de controle indicam que a televisão tem menor relevância em suas vidas como principal meio de comunicação. Em ambos os bairros, a internet já é a forma mais utilizada para acesso à
informação, com destaque em Perdizes (onde 80% dos entrevistados afirmam utilizar mais a internet do que qualquer outro veículo).
Vale destacar que os jornais e revistas só aparecem como meios de comunicação mais utilizados entre os entrevistados da Brasilândia, e de forma pouco significativa.
Tais informações sugerem que os adolescentes pesquisados não possuem o hábito de ler, sobretudo se
considerarmos a pouca menção de revistas e jornais como meios de comunicação e o fato de a leitura não aparecer como uma atividade frequente e ser pouco citada entre as preferidas para o tempo livre. No entanto, é preciso considerar que os jovens podem acessar outras ferramentas de leitura, geralmente
associadas ao computador.
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
As respostas relacionadas aos principais acessos à internet dão conta de que as redes sociais (como Orkut e Facebook) e ferramentas de comunicação instantânea (como MSN Messenger, Google Talk e Skype) são,
juntos, os mais indicados por metade dos adolescentes em MSE.
Identificou-‐se também que a frequência do uso da internet é maior entre os entrevistados dos grupos de controle, sendo que os residentes em Perdizes são os que mais a acessam. Mais de 30% dos adolescentes
em MSE não utilizam a rede virtual ou o fazem raramente, enquanto que metade dos entrevistados de Brasilândia afirma se conectar à internet praticamente todos os dias da semana20; em Perdizes, todos os entrevistados a acessam, no mínimo, algumas vezes por semana.
Os indicadores de frequência no uso da internet entre todos os entrevistados apontam que a democratização desse meio de comunicação está ligada ao contexto social dos jovens. Os adolescentes em MSE são os que menos a utilizam, seguidos pelos entrevistados da Brasilândia. Perdizes, o bairro de baixa
vulnerabilidade juvenil, é o único onde todos os entrevistados acessam a internet, mesmo que não diariamente.
Ainda, a presença da televisão na vida dos adolescentes em MSE foi um fator bastante significativo entre as
respostas relacionadas às atividades frequentes e às formas de acesso à informação.
Ainda que a TV seja o meio de comunicação mais utilizado pelos adolescentes, a internet obteve mais citações quando indagados a respeito da preferência. De todo modo, também na internet é considerável o
número de anúncios e de marketing direcionados a jovens, bem como de facilidades de compra que atraem esse segmento. As próprias redes sociais, como Orkut e Youtube passaram a hospedar anúncios em seus sites.
Juntos, televisão e internet, criam poderosos padrões de necessidades, desejos, sentimentos e comportamentos, levando, muitas vezes, à frustração, insatisfação e baixa autoestima dadas as dificuldades em alcançar a visão de felicidade e sucesso veiculadas nesses meios de comunicação, muito atreladas à
imagem e condição social.
A respeito da influência21 que as propagandas exercem nas vidas dos adolescentes em MSE, mais de 70% respondeu que ela não existe. Os entrevistados em Perdizes e Brasilândia, por sua vez, indicaram, em sua
maioria, a existência de influência das propagandas em suas vidas e se lembram com mais frequência das publicidades existentes.
Nesse aspecto, é preciso considerar que a influência desses meios de comunicação nem sempre é consciente – o que é muito explorado pelos profissionais de marketing.
20 Destaca-‐se que a quantidade de adolescentes que afirmou acessar a internet pelo Espaço Criança Esperança foi muito pequena. 21 As respostas relacionadas à influência das propagandas na vida dos adolescentes apontaram a existência de: i) total; ii) bastante; ou iii) pouca influência.
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A vontade de comprar
“– O que, para você, é importante consumir?
– Roupa. Sem roupa você não é nada”.
“Todo mundo tem necessidade de mostrar que tem coisa de marca, se não tem, você é menos”.
Os adolescentes foram questionados a respeito das últimas coisas que haviam comprado, e a proporção de
respostas relacionadas a roupas e sapatos foi consideravelmente mais alta do que qualquer outro produto22. Em seguida, os objetos mais citados foram os acessórios, também diretamente relacionados à forma de se vestir. Juntos, roupas, sapatos e acessórios somam mais de ¾ dos produtos mais citados entre
as últimas compras dos adolescentes em MSE.
Entre os entrevistados de Brasilândia e Perdizes, as roupas e sapatos também foram mais mencionadas, seguidas por comida e bebida no primeiro e pelos acessórios no segundo.
Para investigar os desejos de consumo que não se limitam às reais possibilidades de compra, os adolescentes foram questionados sobre o que comprariam, se pudessem, independente do preço. A
despeito da variedade de respostas, que incluíram não só objetos, mas também valores e sensações23, mais de 1/3 dos adolescentes em MSE afirmaram a vontade de ter um carro e/ou uma moto. Da mesma forma que a vestimenta, ficou evidente que o desejo de ter uma moto e/ou um carro inclui aspectos subjetivos
ligados a sensações de pertencimento e melhor posição social perante os amigos, familiares, comunidade etc.
Os questionamentos acerca dos desejos de consumo dos adolescentes foram seguidos de um diálogo a
respeito das formas para concretizá-‐los. A grande maioria dos entrevistados, sejam aqueles em cumprimento de MSE como os dos grupos de controle, aponta o trabalho como o principal meio de alcançar seus desejos de consumo. Entre os adolescentes em MSE, o trabalho foi citado por 77% dos
entrevistados, incidência superior à encontrada nos demais grupos.
Apesar de representar apenas 4% das respostas, as práticas infracionais foram citadas como forma de acesso aos desejos de consumo pelos adolescentes em MSE e indicadas, ainda que de maneira pouco
expressiva, nas entrevistas de Brasilândia e Perdizes.
As respostas de Perdizes apontam para um senso de planejamento do que se fazer com o dinheiro, ou seja, economizar para conseguir comprar alguma coisa posteriormente, e indicam a não necessidade de
contribuir para o orçamento da própria família, o que faz com que a utilização do dinheiro seja integralmente para si.
22 Essa questão era aberta, ou seja, não havia categorias pré-‐estabelecidas como respostas. 23 Tais como amor, paz, igualdade social e racial.
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É importante ter em vista que a ação de economizar projeta o uso do recurso para o futuro (próximo ou distante) e que, no caso de adolescentes que vivem em contextos de maior vulnerabilidade, onde as taxas
de homicídios atingem predominantemente essa faixa etária, as perspectivas para o futuro são, provavelmente, menos presentes em suas vidas.
Além disso, os adolescentes em MSE afirmam gastar o seu dinheiro com produtos diversos: os itens
relacionados à aparência (roupas, sapatos, produtos de higiene e beleza) somam 28% das citações, produtos alimentícios não ligados à primeira necessidade (lanches fora de casa, guloseimas e refrigerantes) representam 25%, e os gastos com lazer tem como destaque evidente as festas e baladas (12%).
Os artigos relacionados à aparência demonstram a importância da construção da imagem e, por sua vez, da identidade, superando em importância os produtos alimentícios, que seriam os itens mais básicos à sobrevivência. Ainda, percebe-‐se que festas ou “baladas” são, reconhecidamente, espaços fundamentais de
sociabilidade dos adolescentes.
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Das percepções: como os adolescentes enxergam a violência?
“Porque a criminalidade aqui é muito vulgar, muito na cara”.
Os adolescentes foram questionados sobre o que consideram um comportamento violento, e maior parte
dos que cumprem medida socioeducativa (34%) mencionou a agressão física.
Entre os jovens de Perdizes e Brasilândia, os resultados seguem a mesma tendência, com destaque para as agressões físicas, seguidas pelas agressões morais e verbais.
Em relação aos locais onde os adolescentes em MSE mais presenciam violência, foram destacados o espaço público (rua), com 46% e a TV/internet, com 35%. A maior parte dos adolescentes de Brasilândia (51%) também citou a rua como o espaço no qual presenciam mais violência, seguida pela TV/internet (35%). Em
Perdizes, curiosamente, a proporção se inverte: 51% afirma presenciar violência na TV/internet e 31% cita a rua. Esse dado pode ser explicado pelo fato de Perdizes ser um bairro considerado de baixa vulnerabilidade
social, no qual a probabilidade (e os dados mostram) do adolescente presenciar um fato violento no espaço público é menor se comparado a um bairro de alta vulnerabilidade.
Os adolescentes também foram questionados sobre a percepção que têm da violência em seu dia a dia.
Nesta questão, poderia se esperar que os adolescentes em MSE percebessem maior violência em seu cotidiano. No entanto, o resultado da pesquisa apontou em sentido contrário: desse universo, 54% afirmou ter contato com a violência no dia a dia, enquanto em Brasilândia e Perdizes, essa proporção foi de 71% e
62% respectivamente. Esse dado pode ser interpretado não como um indício de que existe mais violência em Brasilândia e Perdizes, mas sim que a percepção dos entrevistados acerca da violência está intimamente relacionada ao seu contexto social, e que o mesmo fato pode receber diferentes
interpretações dependendo do local onde é presenciado.
Essa aparente incoerência pode também ser interpretada como parte de uma estratégia que relaciona a construção de uma concepção sobre a violência à reflexão sobre as suas próprias práticas enquanto
violentas ou não. Em outras palavras, o esforço de definição do que é um ato violento pode levar a ponderações sobre os próprios atos, e a existência de justificativas para determinada forma de proceder fazem parte da elaboração do veredicto sobre a ação, a ser entendida como violenta ou não. Assim, algo
que poderia ser considerado, a princípio, violento, pode não ser encarado como tal se é precedido por uma justificativa que o abone.
Os eventos violentos mais citados pelos adolescentes em MSE foram as agressões, a violência policial e as
brigas. Os entrevistados da Brasilândia falaram sobre as brigas e as agressões e em Perdizes, as brigas, a discriminação, preconceito e bullying e os assaltos ou roubos. Observa-‐se que as brigas figuram entre os principais episódios de violência presenciados nos três universos em questão. A diferença se localiza na
presença da violência policial entre os adolescentes em MSE, e do preconceito, bullying e os assaltos entre os adolescentes de Perdizes.
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
Seria possível argumentar que as percepções dos adolescentes sobre a violência são informações por demais subjetivas para serem confiáveis. No entanto, notou-‐se que a percepção deles está relacionada à
vivência concreta de situações violentas. Dentre os adolescentes em MSE, 45% disse já ter sofrido algum tipo de violência. Em Brasilândia, de forma semelhante, 46% dos entrevistados afirma ter sido vítima de violência. Em Perdizes essa porcentagem foi de 35%. Apesar das diferenças nas significações que a violência
adquire nesses universos, os resultados mostram que parte considerável dos entrevistados sente que já sofreu algum tipo de violência, independente do bairro onde reside.
No que diz respeito ao tipo de violência sofrida, em todos os universos houve destaque para as agressões.
Entre os adolescentes em MSE, contudo, a segunda situação mais mencionada foi a violência policial, enquanto em Perdizes e Brasilândia foi o roubo. O local onde mais ocorrem as agressões é a rua, em todos os casos. Nos grupos de controle, contudo, destacaram-‐se as agressões ocorridas na escola, informação
que se relaciona com o destaque dados por esses adolescentes às formas de agressão classificadas como discriminações, preconceitos e bullying, que ocorrem, majoritariamente, no ambiente escolar.
Ao vislumbrar a autoavaliação dos entrevistados sobre seus comportamentos, a porcentagem dos que se
consideram nunca ou raramente violentos sobe para 71% dos adolescentes em MSE. Isso talvez mostre que eles se enxergam mais como vítimas do que como perpetradores da violência. Em Perdizes, essa porcentagem é de 83% e em Brasilândia, de 68%. Aqui, vale retomar que considerar-‐se violento passa por
interpretar as práticas possivelmente violentas à luz de fatos e justificativas que podem vir a amenizar o proceder, tornando-‐o, aos olhos do seu autor, uma ação não violenta.
Com efeito, ao serem questionados a respeito da autoria de algum comportamento violento no último ano,
53% dos adolescentes em MSE responderam positivamente, o que, aparentemente, contradiz o dado anterior. Porém, é possível aventar que haja uma notável diferença entre se considerar uma pessoa violenta e cometer pontualmente algum ato dessa natureza. Dessa forma, o fato de terem sido autores de
alguma ação violenta, para os próprios, não seria suficiente para caracterizá-‐los enquanto pessoas violentas. Dentre esses 53% dos disseram ter praticado algum ato violento, 22% foram autores de agressões e 17% de assaltos ou roubos.
A pesquisa também indagou sobre a possibilidade dos adolescentes já terem exercido algum comportamento violento para comprar ou ter alguma coisa que desejam muito. Os resultados mostraram
que a maioria deles (59%) respondeu negativamente. Dentre aqueles que disseram que usaram ou usariam de violência para obter algo desejado, 76% apontou o assalto ou roubo. Por fim, o que mais chama a atenção é que 81% dos adolescentes afirmam que nenhum objeto de consumo seria razão para que tivesse
algum comportamento violento.
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
Das infrações – como os adolescentes podem ser violentos?
“– Por qual ato infracional você foi acusado?
– 157. Quando a vítima sai do trabalho ou do banco e coloca-‐se um 3 8ão”.
Verificou-‐se que dentre os entrevistados, o cumprimento da LA, isolada ou cumulada com a PSC, teve a representação mais significativa entre as respostas.
Em seguida, constatou-‐se que a grande maioria dos adolescentes foi autor de atos infracionais equiparados
a crimes contra o patrimônio: roubo e furto. O tráfico de drogas também tem grande destaque entre os delitos mais cometidos.
Os hábitos e desejos de consumo são fatores relevantes no cotidiano dos adolescentes, em suas atividades
realizadas e preferidas e, assim, nos processos de socialização e construção de identidades. Nesse sentido, o consumo também pode ser um dos diversos elementos presentes nos processos de envolvimento dos adolescentes com práticas ilícitas, partindo da concepção que indica o consumo não como uma atividade-‐
fim, mas sim um meio de se alcançar determinadas formas de ser e agir constitutivas das identidades.
Questionados a respeito das motivações para a prática do ato infracional pelo qual foram acusados, quase
metade dos adolescentes aponta questões relacionadas aos bens de consumo como justificativas (48%). Elementos relacionados à identidade e apontados de forma mais explícita também foram significativos entre as respostas, com 19% das citações24.
As motivações sistematizadas na categoria outros são apresentadas na tabela abaixo, bem como as citações que correspondem às demais categorias – bens de consumo, identidade e necessidade.
24 As categorias foram criadas a partir da sistematização das respostas à pergunta aberta, apenas para facilitar a análise e considerando o elemento mais explicitado na fala dos adolescentes. Sabe-‐se, no entanto, que tais justificativas podem apresentar inúmeras implicações e que, portanto, são passíveis de serem encaixadas em mais de uma categoria.
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Tabela 1: Motivações para a prática de atos infracionais
Motivo Especificação Citações Queria muito o objeto (CD) 1 Comprar moto 3 Comprar drogas 5 Vontade de ter coisas (mais rapidamente, sem trabalhar) 9 Comprar roupas, tênis 20 Ter dinheiro 17
Motivos ligados à bens de consumo Comprar bebida em festas/baladas 7 Total 62
Independência 4 Causar impressão (com as meninas) 4 Provocações, brigas (entre grupos ou interpessoais) 7 Dar um rolê de carro/ moto 2
Motivos ligados à identidade Influência de amigos 8 Total 25 Motivos ligados à necessidade Ajudar mãe 2 Total 2
Se proteger 1 Estava bêbado 1 Revolta com a vida 1 Sem motivo/ eu quis 4
Outros Pagar dívida/ contas 4 Total 11 Não quis responder 13 Diz-‐se inocente 12 Sem informação 4 Fonte: Ilanud – Pesquisa Consumo, Violência e Juventude – 2010.
Analisando as informações apresentadas pelos adolescentes para a prática do ato infracional é possível
identificar os discursos existentes ao longo de todo o questionário, que permeiam tanto os hábitos dos adolescentes quanto as suas considerações sobre comprar e querer determinados produtos.
Assim, as motivações para a prática de atos infracionais relacionadas aos bens de consumo corroboram
com a hipótese de que a cultura de consumo, de maneira mais geral, e o desejo de possuir determinados bens, de forma específica, são fatores que, a despeito de não serem necessariamente únicos ou de maior
relevância, integram as dinâmicas da violência.
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
| Conclusões e recomendações |
“[Quero ter carro e moto] porque são as coisas principais para se querer na vida. Depois vem roupa, tênis e
outras coisas”.
“– Se eu desse a você 200 reais agora, o que você faria?
– Eu não tava aqui, tava cheirando. Não escreve isso. Estaria comprando umas roupinhas”.
O consumo deve ser entendido, no contexto da pesquisa, como um elemento que faz parte da constituição
das identidades na adolescência e juventude. Em uma sociedade de consumo, sentir-‐se incluído e ter acesso a determinados produtos e serviços ganha ainda mais importância nas etapas de definição identitária e de autoafirmação. As práticas de consumo e os bens em si mesmos estão relacionados aos
modos de ver-‐se e ser visto, afirmar-‐se e diferenciar-‐se de pessoas e grupos. Nesse sentido, os relatos sistematizados pelas entrevistas mostram que se vestir de certa maneira e ter a possibilidade de acessar objetos (como roupas, sapatos e acessórios) traduzem uma determinada maneira de ver o mundo, de se
relacionar com os pares, de atribuir significados aos produtos etc.
A análise dos dados indica que elementos relacionados ao consumo, juventude e violência dialogam entre si. No entanto, é evidente que determinados desejos de consumo típicos da adolescência não estão
diretamente ligados à prática de atos violentos, sejam ilícitos ou não25, e por isso não podem ser analisados isoladamente do contexto em que esses adolescentes estão inseridos. Mesmo a prática de atos infracionais cuja relação com o consumo parece ser mais evidente também é resultado de múltiplos fatores e, dentre
outros aspectos, pode ser um atalho para a conquista de determinados bens que fazem parte dos desejos comuns ao segmento juvenil.
Nesse aspecto, as informações dos adolescentes autores de atos infracionais ou moradores das regiões de
Brasilândia e Perdizes mostraram que, ainda que os hábitos e desejos de consumo sejam os mesmos, as formas de acesso a eles e o grau de exposição à violência se diferenciam.
É possível perceber, a partir dos dados coletados, que o perfil dos adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas é bastante semelhante ao constatado pelo IHA26 como o grupo com alto risco de sofrer homicídios, pois é majoritariamente composto por adolescentes e jovens do sexo masculino, negros, de baixa escolaridade e residentes de regiões periféricas ou consideradas vulneráveis. No mesmo sentido,
dados de 2009 indicam que a violência é uma presença constante na vida de quase 1/3 da população jovem do país27 – com maior ênfase aos jovens negros, do sexo masculino e em condições precárias de trabalho. A violência policial, amplamente citada pelos adolescentes em MSE como constante em suas vidas, é um dos
fatores presentes nas respostas de quase 60% dos jovens entrevistados, segundo o mesmo estudo. Dessa
25 Levando em conta que nem todas as ações violentas são tipificadas pela legislação enquanto crimes e contravenções. 26 Índice de Homicídios na Adolescência, apresentado na Introdução. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/IHA.pdf 27 BRASIL, Ministério da Justiça, Pronasci, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ILANUD, Instituto Sou da Paz, SEADE. Projeto Juventude e Prevenção da Violência: primeiros resultados. Brasília, novembro de 2009.
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
forma, o adolescente morador da periferia, muitas vezes estigmatizado pelo senso comum como potencial criminoso, é retratado por essa e outras pesquisas principalmente como uma potencial vítima da violência,
incluindo a policial.
Com efeito, tais fatores de risco podem ser encontrados, em alguma medida, entre os adolescentes da Brasilândia, mas se distanciam radicalmente do perfil dos entrevistados de Perdizes. Por sua vez, alguns
fatores de proteção estão mais presentes entre os adolescentes de Perdizes e Brasilândia, se comparados com os adolescentes em cumprimento de medidas.
Exemplo disso é a alta proporção de adolescentes em MSE que não estudam. Assumindo que a conclusão
do ensino médio é um fator que contribui para a entrada no mercado de trabalho, sobretudo o formal, a defasagem educacional constatada entre esses adolescentes reduz as oportunidades de emprego e, consequentemente, traz impacto no acesso aos bens de consumo. Esse déficit de escolaridade não é
encontrado, nas mesmas proporções, entre os entrevistados na Brasilândia e tampouco entre os adolescentes em Perdizes, que não vivenciam essa experiência.
Relacionado ao contexto educacional está o fato de que os adolescentes se inserem precocemente em
atividades de trabalho que, em geral, caracterizam-‐se pela informalidade –não garantem direitos, não oferecem estabilidade e não proporcionam chances de crescimento profissional. O hiato causado pela inexistência de uma renda estável contribui para a impossibilidade do estabelecimento de hábitos de
consumo regulares.
Analisando as informações coletadas em seus diferentes contextos, tendo em vista as distintas situações de vulnerabilidade dos adolescentes (que incluem o fator da renda, mas vão muito além dele e consideram,
especialmente, o grau de exposição à violência) é possível afirmar que existe não uma relação direta, mas uma relação mediada entre consumo e violência. Isso significa que entre a constatação de que os adolescentes têm desejos de consumo comuns (porém impossíveis de serem concretizados) e a prática de
uma ação violenta ou delituosa para conquistá-‐lo, há inúmeros fatores que participam dessa relação. Os dados apresentados fornecem pistas desses elementos, que podem ser mais bem aprofundados em futuras investigações sobre o tema. Alguns exemplos são: nos casos de adolescentes que vivem em contextos
sociais parecidos, a escola aparece como um fator de proteção social relevante, enquanto em situações distintas, a exposição à violência, o menor controle social e o uso/abuso de drogas aparecem como fatores
de risco.
Assim, a presente pesquisa apontou para a necessidade de melhor conhecer as atuais concepções da adolescência, com atenção às informações que indicam aparentes incongruências entre concepção e
prática, entre ação e representação, em diferentes assuntos abordados no questionário, mas sobretudo sobre violência. Os adolescentes se representam de uma maneira e com uma determinada distância daquilo que consideram violência, mas seu cotidiano, seus hábitos, sua maneira de interpretar o mundo e
até mesmo níveis de tolerância variados revelam uma prática distinta. Assim, investigar com mais profundidade os múltiplos significados que “ser violento” pode ganhar é uma etapa fundamental para um estudo posterior.
Observou-‐se que os adolescentes procuram inserir a violência em uma determinada conjuntura, incluindo na análise justificativas que podem relativizar uma ação que, a princípio, seria considerada violenta. Em
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
outras palavras, a presença de “contradições” lança luz a elementos subjacentes aos discursos, que são relacionados aos três temas da pesquisa e devem ser interpretados no contexto de ação do jovem e de sua
história.
Por todos os aspectos debatidos no relatório que ressaltam as relações de consumo enquanto categoria de análise relevante à juventude – uma vez que ela permeia os hábitos, as preferências e as formas de
socialização dos entrevistados, estas devem ser consideradas nas intervenções que visam compreender as vulnerabilidades de adolescentes e jovens e pensar em ações de prevenção à violência. É imprescindível que as iniciativas que estudam ou atuam em tais temas atentem para o papel que o consumo assume, em
alguma medida, na vida de todas as pessoas, e para as formas de entrelaçamento entre o consumo e as vulnerabilidades que afetam, de maneira mais aguda, esse público específico.
Portanto, a presente pesquisa não só não finaliza esse campo de análise como aponta a necessidade de se
realizarem estudos posteriores, com grupos mais amplos de adolescentes, que possam perscrutar os diferentes fatores apresentados nesse relatório. Assim, realizar investigações focadas em questões específicas tais como o acesso à informação, os hábitos de lazer e as próprias percepções sobre a violência
podem aprofundar as aparentes incoerências encontradas e avançar nessa temática ainda pouco explorada.
Tendo isso em vista, apresentamos, como recomendações, questões que apareceram, ao longo da análise,
de forma tanto explícita quanto latente, e que são passíveis de serem trabalhadas para melhor compreender como e em que medida as temáticas do consumo, da violência e da juventude dialogam entre si.
Recomendações
Identidades Juvenis e Prevenção à violência
A adolescência e a juventude são períodos cruciais para a definição das identidades. Esse processo, por sua vez, é influenciado por uma série de fatores existentes na socialização, entre eles a própria lógica de
consumo e a formulação de concepções sobre determinadas formas de ser e agir que pode envolver, por exemplo, atos violentos.
A maioria dos adolescentes entrevistados, independente do perfil social, sentem a presença da violência em suas vidas. No entanto, aqueles em situação de maior vulnerabilidade social, estão altamente expostos a situações diversas de violência. Esses matizes precisam ser considerados em qualquer iniciativa de
pesquisa ou intervenção com esse público que tratem da prevenção à violência.
Procurou-‐se demonstrar, ainda, que a violência não é fenômeno diretamente relacionado à pobreza, assim como também não o são os desejos de consumo, já que eles ultrapassam em grande medida a dimensão da
necessidade. Dessa forma, foi possível vislumbrar hábitos e desejos semelhantes em bairros de estratos sociais diferentes. A maior diferença reside, contudo, no acesso a esses bens, notavelmente menor em bairros pobres. Assim, sugere-‐se que o consumo, bem como as formas de consumo consciente, sejam
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
incluídos entre as temáticas pertencentes ao repertório dos projetos que atuam com juventude em diversos âmbitos –formação, sensibilização, profissionalização, lazer, cultura, esportes etc.
É importante, ainda, criar espaços de diálogo com adolescentes e jovens, para refletirem sobre formas saudáveis de lidar com o consumo e serem críticos a respeito das informações e conteúdos que acessam, bem como às propagandas de que são alvo.
Assim, se sabemos que as políticas de prevenção à violência voltadas à juventude devem compreender as matizes que marcam o universo juvenil e que permeiam os espaços de sociabilidade e a construção de identidades, buscando problematizar diversos fatores, como a influência de família, amigos, comunidade e,
entre outros, é preciso ampliar esses requisitos e incluir o consumo também como tema.
Mídia
A pesquisa indicou que as relações entre os adolescentes e a mídia merecem ser mais bem aprofundadas, sobretudo porque, em geral, os entrevistados negam a influência que ela exerce em suas vidas – ao passo que especialistas apontam essa faixa etária como alvo crescente da publicidade28.
Como foi possível constatar, a televisão possui significativa relevância na vida dos adolescentes e, sem dúvida, seus conteúdos (programas, novelas, propagandas etc) influenciam na modulação de desejos, comportamentos, opiniões, percepções e sentimentos. Ao lado dela, outro meio de comunicação que
ganha cada vez mais adeptos nessa faixa etária é a internet, elemento que dá outro corpo às dinâmicas de acesso à informação, chamando atenção as diferentes formas de relacionar-‐se com as pessoas por meio dessa rede virtual. As redes sociais estão entre os principais usos da internet por adolescentes e jovens, não
havendo dúvida de que se tornou um importante espaço de sociabilidade e, como qualquer outro, também sujeito a atos de violência.
Dessa forma, é importante entender como esses meios de comunicação podem ser utilizados. Se por um
lado, os programas e projetos voltados à juventude podem aproveitar essas ferramentas para facilitar a abordagem e estreitar o contato com os adolescentes, os profissionais da mídia também se empregam dessa mesma estratégia para dialogar diretamente com esse público.
Assim, é fundamental promover a sensibilização dos atores da mídia, entre jornalistas e publicitários, para as correlações existentes entre consumo e juventude e, sobretudo, as formas como esses fatores se
relacionam à violência.
Além disso, faz-‐se necessário aprofundar a investigação sobre a recepção e o possível impacto das propagandas na vida dos adolescentes e incluir, nesses estudos, a análise sobre as construções sociais que
são apresentadas e reafirmadas pelas propagandas, tais como as concepções sobre liberdade, sucesso, popularidade, gênero, poder, sexualidade etc.
28 O crescimento da propaganda dirigida a adolescentes e jovens foi um elemento apontado pelos especialistas participantes nas reuniões de consulta realizadas.
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Projeto Consumo, Violência e Juventude – Sumário Executivo
As entrevistas realizadas com três grupos de adolescentes em contextos e com perfis distintos mostraram que há muitos aspectos em comum no que se refere aos hábitos de vida, aos desejos e compreensões
sobre a violência. Entre diferenças e semelhanças, é preciso problematizar os encontros e desencontros para que se possa pensar em ações preventivas a situações violentas. Trata-‐se de compreender essas realidades e contribuir para a formação crítica dessas pessoas, sem partir para proposições que impliquem
mais formas de privação de desejos e vontades para aquele segmento mais vulnerável, já privados de uma série de recursos (sociais, humanos, lúdicos, afetivos etc).
A riqueza e complexidade dos temas e do universo pesquisado não se esgotam nas informações aqui
apresentadas – resultantes de uma iniciativa piloto que mais teve a habilidade de direcionar olhares e propor um campo de investigação que trazer respostas assertivas sobre esse campo de análise.
Essa riqueza é, assim, um convite à produção de outros estudos, quantitativos e qualitativos, que se
proponham a aprofundar algumas das questões aqui apresentadas e ampliem o conhecimento sobre essa relação ainda pouco investigada: o consumo e a juventude aliados às reflexões sobre a violência.