suor carisma e controvérsia - paulo romeiro & andré zanin

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  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Editora Candeia - SP)

    Romero, Paulo Zanini, AndrSuor Carisma e Cotrovrisa - Igreja Mundia do Poder de Deus/Paulo Romeiro e Andr Zanini_So Paulo: Candeia 2009 146p: 14X21 cmISBN: 978-85-7352-192-4

    1 .Prticas religiosas 2. Igreja Mundial do Poder de Deus 3. Messianismo I. Ttulo

    CDD280.28CJ

    Copyrightc2009: Paulo Romeiro e Andr Zanini Coordenao Editorial: Claudia Vaz Projeto grfico e capa: BVA Editora Reviso: Paulo C. Oliveira

    F.s te livro tem todos os direitos reservados por:Editora CandeiaNenhuma poro desta obra pode ser reproduzida sem a devida autorizao da editora.

    Gostaramos de saber sua opinio escreva para: [email protected]

  • APRESENTAO

    A presente obra procura refletir sobre o messianismo e o neopentecostalismo presentes na prtica religiosa do apstolo Valdemiro Santiago de Oliveira na Igreja Mundial do Poder deI )eus, fundada por ele, que hoje um novo caminho para muitas pessoas no campo religioso brasileiro. Sua popularidade e carisma chegaram a tal ponto que muitos querem toc-lo porque acreditam que dele exala poder e virtude, inclusive de seu prprio suor.

    O principal foco deste livro compreender os traos messinicos 11a prtica religiosa de Valdemiro Santiago e sua relao com a grande difuso da Igreja Mundial do Poder de Deus 110 Brasil. Para isso necessrio entender que o messianismo, de acordo com Henri Desroche, est fundamentado na esperana, a expectativa de que dias melhores viro. A exemplo da Igreja Mundial do Poder de Deus, todo o caminho que demarca a prosperidade financeira se ancora em certa representao do divino, a qual mobiliza o fiel a agir em benefcio de sua conquista. Esta obra trata de algumas das mais significativas imagens acerca de Deus decorrente da prtica religiosa encontrada na referida instituio.

  • SUMARIO

    Apresentao.............................................................................................................. 3Introduo ............................................................................................................... 7

    Captulol - Messianismo: origens e desdobramentos.......................................11A Espera Messinica.................................................................................................14

    O Caso de Israel.....................................................................................................14O Contexto Israelita no Novo Testamento..................................................... 17O Movimento Messinico e sua Dinmica..........................................................19

    A Ratificao do Messias.........................................................................................22O Caso do Contestado.........................................................................................22O Messias Laico.....................................................................................................24O Culto Personalidade................................................................................... 28

    A Mudana do Status Quo........................................................................................ 31O caso da Idade Mdia...................................................................................... 31O Caso de Canudos.......................................................................................... 36O Messias e seus Efeitos......................................................................................38

    Vivemos um Arrefecimento do Messianismo?................................................ 42

    Captulo 2 Neopentecostalismo: discusses preliminares........................... 47Contextos de Mudanas Sociais.......................................................................... 48Breve Histrico do Neopentecostalismo.................................................................... 51Neopentecostalismo e Dinheiro.............................................................................. 64Neopentecostalismo e Mdia.......................................................................................70Neopentecostalismo e a Igreja Mundial do Poder de Deus..................................74

    Captulo 3 - Valdemiro Santiago e sua Prtica Religiosa............................. 83O Naufrgio................................................................................................................ 84Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus................................... 88Traos Messinicos.....................................................................................................93

  • Anexos.......................................................................................................................... 1177Anexo IIgreja Mundial do Poder de Deus: Uma Nova Prtica Neopentecostal................ 119Anexo IICrente tem Dificuldade Financeira?.......................................................................... 129

  • INTRODUO

    Este livro analisa o fenmeno do messianismo e suas possveis relaes com o neopentecostalismo, que formata um modelo de igreja que tem avanado significativamente no Brasil, em vista do grande nmero de comunidades, especialmente nos grandes centros urbanos. Outro fato perceptvel o avano desses movimentos nos diversos meios de comunicao, principalmente a televiso.

    Tais movimentos, de carter neopentecostal e messinico, tm influenciado o campo religioso brasileiro. Sendo assim, faz- se necessrio compreender at que ponto uma fuso entre neopentecostalismo e messianismo poderia assumir, incentivar ou promover uma prtica religiosa que geraria mais um ingrediente ao caldeiro de relativismos e sincretismos presentes na realidade brasileira.

    Por compreenderem a lgica do momento presente, os grupos neopentecostais resgatam vrios smbolos a fim de Iornarem a f mais palpvel e crvel para seus fiis; e, alm dos smbolos, possvel constatar a ideia de um culto personalidade que, em muitos casos, pode gerar o fenmeno do messianismo.

    Dentre esses grupos destaca-se a Igreja Mundial do Poder de Deus, e por essa razo buscou-se analisar a prtica religiosa de Valdemiro Santiago de Oliveira, seu fundador e lder, avaliar se ele apresenta traos messinicos e compreender se ele se i'ir;uleri'/a em uma roupagem messinicii a IIm de promover sua

  • figura e sua igreja. Bsta no , necessariamente, uma prtica proposital, mas uma espcie de entendimento de qual o tipo de lder que o povo quer e espera para salv-lo dos problemas e aflies da vida.

    Valdemiro Santiago parece ser visto por seus fiis como uma espcie de messias. Este inaugura um novo modelo de religiosidade, e os aflitos correm em busca da soluo que ele pode oferecer ou mediar. C) discurso do apstolo no elaborado cientfica e propositalmente com carter messinico, mas fruto de sua prpria experincia de religiosidade popular. Ele no se denomina messias, mas, em muitos momentos, se comporta como tal e alimenta uma imagem de um lder que instaura uma nova ordem; refere-se a si mesmo como homem de Deus e ungido, e as pessoas nutrem expectativas em relao a sua pessoa como tal.

    Diante disso, algumas perguntas foram levantadas: existe relao entre messianismo e neopentecostalismo? Podemos falar em messianismo neopentecostal ou neopentecostalismo messinico? Os movimentos messinicos arrefeceram no Brasil? Valdemiro Santiago corresponde a um modelo de messias ou carrega traos messinicos em sua prtica religiosa? Que tipo de expectativas ele produz em seus seguidores? O crescimento vertiginoso da Igreja Mundial do Poder de Deus est relacionado somente com a figura carismtica de seu lder? O modelo de religiosidade formatado por Valdemiro Santiago prope um novo neopentecostalismo? Podemos falar em ps- neopentecostalismo?

    As respostas a essas questes visam compreenso dos caminhos e das formas que a religio, mais especificamente o neopentecostalismo, tem tomado a fim de angariar mais fiis para suas fileiras. Outrossim, buscou-se entender como o brasileiro se relaciona com os lderes que, conscientemente ou no, entendem a importncia de possuir um rtulo messinico e, assim, podem configurar uma imagem de messias a fim de chamar mais fiis para suas igrejas.

  • Segundo lenri Desroche, considerado um dos principais estudiosos do messianismo e chamado de socilogo da esperana, o messianismo est embasado na espera, e a ideia de esperana o vis que definiu os caminhos trilhados nesta obra, que pretende contribuir com aqueles que se ocupam em pesquisar os novos1 movimentos religiosos.

    1 Leonildo Silveira Campos (Templo, teatro e m ercado. Petrpolis, So Paulo, So Bernardo do Campo: Vo2es, Simpsio e Umesp, 1997. p. 19) defende que no h rupturas totais nas sociedades humanas, mas sim continuidades retrabalhadas, snteses recompiladas sucessivamente, sempre a partir dc materiais antigos, mas em resposta a desafios histricos e concretos operantes sobre um grupo social ern momentos especficos.

  • I . MESSIANISMO: ORIGENS E

    DESDOBRAMENTOS

    Conceituar o termo messianismo e seus pares messias e messinico no uma tarefa nada simples, porm necessrio que sejam aplicadas definies, no com a pretenso ousada de esgotar o sentido dos termos, especialmente o messianismo, mas com a finalidade de demonstrar qual a direo que trilharemos.

    O messianismo tem sido analisado em seus mais diferentes aspectos e tambm sob uma enorme pluralidade de perspectivas. A compreenso do significado do termo ser, especialmente, analisada nos sentidos histrico, antropolgico, sociolgico, psicolgico e teolgico. E importante ratificar que messianismo, messinico e messias esto, de certa maneira, to intrinsecamente ligados que necessariamente se completam e se relacionam entre si.

    O termo messianismo emprestado da linguagem teolgica. Deriva-se da palavra messias, que em hebraico, mashiah, tem o sentido de ungido. Ao ser traduzido para a Septuaginta, a palavra usada no texto grego foi christs, e sua transliterao para o portugus Cristo e no foi usado o termo ungido. Messias a forma traduzida para o latim . E possvel afirmar, consequentemente, que o Messias o Ungido.2 Entretanto, antes de fazer uma anlise do termo sob outras perspectivas,

    2HARRIS, R. Laitd e t a lii. D icion rio In te rn a c io n a l d e T eolog ia do A n tigo T estam en to . So Paulo: Vida Nova, 1998, p. 884-886.

  • importante entender a ideia de uno que acompanha a palavra messias.

    Reis, sacerdotes e profetas eram ungidos no Antigo Testamento, como se v na Bblia. Essa uno indicava para os demais pertencentes da nao que o ungido era uma pessoa especial que estava sendo investida de autoridade. A uno, portanto, trazia consigo a ideia de santificao e de separao do ungido em relao aos demais. Mesmo alguns objetos eram ungidos com o objetivo de serem identificados como sagrados.3 Henri Desroche, poeticamente, faz uma tentativa de extrair a essncia da palavra uno: Ungidas quer dizer penetradas, impregnadas, reunidas, encharcadas, mas tambm, ao mesmo tempo, embelezadas, brandas, revigoradas, tornadas, segundo o caso, admirveis ou atlticas, prontas para as vitrias da beleza ou da fora. Neste sentido, Messias um homem tomado pelo deus como uma epiderme saturada pelo leo que a massagem de uma mo paciente e inexorvel confunde com ela.4

    Embora o termo messias seja israelita em sua essncia, h evidncias de que outros povos praticavam a uno para separar pessoas e objetos. Contudo, no percorreremos os caminhos para discutir a uno entre os povos da Antiguidade. O objetivo entender que messias est relacionado ao conceito de ungido, e o termo oriundo da nao israelita.

    Foi dentro da religio israelita, analisando pelo contexto histrico, que o conceito de messias adquiriu seu primeiro significado inicialmente nas lutas contra os vizinhos e consolidou- se quando da ocasio dos cativeiros.5 Este significado est ligado espera de um libertador, pois o messias o personagem

    3 Fim Levtico 8.10-12 h exemplos de uno do tabernculo, dos objetos e do sacerdote Aro.4 D icionrio d e M essian isw os e M ilenarism os. So Bernardo do Campo: UMESP, 2000, p.19.5 QUEIROZ, Maria I. Pereira de. O m essian ism o no B ra si l e no m undo. So Paulo: Dominus/USP, 1965, p. 3.

  • concebido como um guia divino que deve levar o povo eleito ao desenlace natural do desenrolar da histria, isto , humilhao dos inimigos e ao restabelecimento de um reino terreno e glorioso para Israel. A vinda deste reino coincidir com o fim dos tempos e significar o restabelecimento do Paraso na terra.6

    () messias designado, separado, vocacionado e habilitado para ser aquele que resgatar o povo da difcil situao em que se encontra no presente momento. Ele, portanto, no uma pessoa comum, mas recebeu uma tarefa de algum maior. Mesmo que o agente fsico da cerimnia fosse um profeta ou sacerdote, a ideia era que o prprio Deus havia ungido o indivduo e, portanto, este era intocvel.7 O messias algum enviado por uma divindade para trazer a vitria do Bem sobre o Mal, ou para corrigir a imperfeio do mundo permitindo o advento do Paraso Terrestre, tratando-se pois de um lder religioso e social.8

    O messias o lder, messianismo a doutrina e movimento messinico a juno do lder (presente ou no), da doutrina e dos seguidores. Tais termos so por demais abrangentes, e os que se aventuram a percorr-los podem cair nas armadilhas de uma generalizao ou, at mesmo, de um reducionismo que evidenciam tentativas de conceituar esses termos de maneira categrica.

    O messias o lder, messianismo a doutrina e movimento messinico a juno do lder (presente ou no), da doutrina e dos seguidores. Tais termos so por demais abrangentes, e os que se aventuram a percorr-los podem cair nas armadilhas de uma generalizao ou, at mesmo, de um reducionismo que evidenciam tentativas de conceituar esses termos de maneira categrica.

    6 Idem, p. 4.7 HARRIS, R. Laird et alii. Op. cit., p. 884-885.8 QUEIROZ, Maria I. Pereira de. Op. cit., p. 5.

  • A Espera Messinica

    O caso de IsraelSe o messias um salvador que vem da parte de Deus (ou o

    prprio) e vai destruir a opresso e a injustia , portanto, bvio que o grupo que o aguarda o espere ansiosamente devido ao estado de calamidade que muitas vezes se encontra. Os israelitas apresentavam o contexto ideal para a fomentao de uma atmosfera messinica.

    Entretanto, no se podem negar certas peculiaridades do povo de Israel. Sua organizao sociopoltica trazia a liderana de cabeas em cada famlia e tribo, posteriormente juizes, profetas e reis. De certa maneira, o povo nutria expectativas em relao a seus lderes, e tais expectativas eram potencializadas nos momentos de crise, quando o povo clamava e ansiava pelo libertador descendente de Davi, quando este no estava mais presente.

    O rei Davi reinou 33 anos em Israel e sete em Hebrom, perfazendo 40 anos de reinado.9 Ele desempenhou um papel importante no estabelecimento das fronteiras e na solidificao de Israel como nao diante dos demais povos da regio. Ele no somente era o rei guerreiro e vencedor de batalhas que protegia seu povo, mas expressava sua religiosidade de maneira bastante peculiar compondo salmos que revelavam sua relao com o Deus de Israel.

    Aps sua morte, seu filho Salomo conseguiu manter a unidade do reino, mas disputas polticas internas exerciam uma fora que caminhava rumo separao de algumas tribos que compunham a nao de Israel. Com a morte de Salomo a situao ficou insustentvel e houve a separao dos israelitas

    9 1 e 2 Samuel e 1 Reis.

  • em dois reinos: o do norte, que continuou com o nome de Israel, e o do sul, que foi chamado de Jud.10

    Todavia, alternncias de reis e reinados complexos esfacelaram primeiro o reino do norte, que caiu diante da Assria, e depois o reino do sul, que foi vtima da Babilnia.11 Enfim, o que restara do conjunto das tribos era confinado, oficialmente, ao cativeiro, perdendo sua autonomia.

    Posteriormente, alguns dos profetas se referiam ao messias como descendente de Davi. A linhagem real acompanharia o libertador do povo, que sofria as vergonhas do cativeiro. Lamentos profundos foram escritos mostrando a dor de um povo em sofrimento.12 E em um contexto de lamentao a crena messinica se fortalece e se cristaliza. Profetas judeus como Miqueias, por exemplo, pregavam que o messias nasceria na cidade de Davi: E tu, Belm-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Jud, de ti me sair o que h de reinar em Israel, e cujas origens so desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade (Miqueias 5.2).

    E preciso enfatizar que uma esperana de libertao estava presente e, medida que a crise se instalava, consolidava-se no inconsciente dos israelitas a necessidade da manifestao de um libertador.

    Outro fator importante que as tribos estavam familiarizadas com a ideia de libertadores. Moiss, que os libertara no Egito, homens como Gideo e at mulheres como Dbora, no perodo dos juizes, que libertaram o povo de seus inimigos, e o prprio rei Davi, no perodo da monarquia, que os livrara das mos dos filisteus e outros inimigos, eram, indubitavelmente, personagens marcantes com

    13 1 Reis 12." 2 Reis 17 a 25.12 Ver Lamentaes de Jeremias.

  • papis decisivos na histria dos judeus que tipificavam um livramento messinico.

    Sendo assim, no se pode negar que os judeus estavam na expectativa de um libertador, identificando at mesmo um estrangeiro, o rei Ciro da Prsia, como um enviado para libert- los.13 O texto bblico de Isaas 45.1 enfatiza: Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mo direita, para abater as naes ante a sua face, e para descingir os lombos dos reis, e para abrir diante dele as portas, que no se fecharo.

    O rei Ciro, mesmo sendo estrangeiro e adorador de divindades diferentes das de Israel, declarado como um messias libertador. Afinal, ele tirou os israelitas do domnio babilnico e, atravs de decreto, permitiu que judeus voltassem a Jerusalm e iniciassem um processo de reconstruo do Templo.

    Os judeus, ps-perodo monrquico, foram submissos aos reinos dominantes que se seguiam, e tal condio de dominados fomentava ainda mais a espera pelo libertador messinico.

    A regio do Oriente Mdio e particularmente a Palestina exerceu uma permanente atrao sobre diferentes dominadores ao longo da histria. Ora por motivos econmicos, ora polticos ou apenas estratgicos, os assrios (733 a.C.), babilnios (588 a.C.), persas (539 a.C.), ptolomeus (323 a.C.) e selucidas (198 a.C.) se assenhorearam, depredaram e deixaram suas marcas na Palestina. Mas nada se igualou s conseqncias da dominao romana e s dimenses da resistncia desencadeada contra ela.14

    13 Cf. o Livro de Esdras. E interessante notarmos que para os judeus o messias ainda no veio at os dias de hoje, contudo outros messias, que no so a figura esperada, de certa forma tipificam libertadores identificados como verdadeiros messias. Um exemplo Oskar Schindler, que no era judeu, mas salvou a vida de mais de 1100 judeus no perodo da Segunda Guerra Mundial. No documentrio l o ices fr o m the J s t (de Steven Spielberg and Survivors o f the Shoah Visual History Foundation, Universal Studios and Amblin Entertainment, 1993) h depoimentos emocionados e emocionantes de sobreviventes do holocausto em que fica bastante evidente a viso, por parte de muitos judeus, de que Iaweh usou Schindler como um messias libertador. Para mais detalhes, confira esse documentrio.14 HORST-EY, llichard A; IIANSON, John S. B and idos, p r o fe ta s e messias-, movimentos populares no tempo de Jesus. So Paulo: Paulus, 1995, p. 21-56.

  • O contex to isra elita no N ovo Testam entoA dominao romana sobre a Palestina iniciou-se por volta

    de 62 a.C., aps Pompeu anexar o territrio srio. Mantendo sua prtica de utilizar lderes locais para governarem as provncias, Roma nomeou Herodes, que era idumeu (no judeu, portanto), para ser uma espcie de rei da Judeia. Herodes reinou entre 37a.C. e 4 d.C. Ele procurava seguir a cartilha da Pax Romana, pois queria manter seu cargo e para isso exercia sua autoridade, se preciso fosse, com violncia. Aumento de impostos, perseguio religiosa e outros problemas internos aumentavam a fria dos judeus. Estes, alm de todas as humilhaes, se viam obrigados a serem servos de Roma e terem um governante estrangeiro em sua prpria casa.

    Na ebulio de tantos descontentamentos e opresso muitos messias se levantaram entre os judeus. Quando os apstolos de Jesus Cristo foram presos e levados ao Sindrio,15 pela segunda vez, as autoridades judias, interrogando-os, constataram que eles continuavam divulgando a crena na ressurreio de seu messias. No momento de fria do Conselho, levanta-se um membro chamado Gamaliel, cujo discurso mostra o levante de lderes naqueles dias: Mas, levantando-se no Sindrio um fariseu, chamado Gamaliel, mestre da lei, acatado por todo o povo, mandou retirar os homens, por um pouco, e lhes disse: Israelitas, atentai bem no que ides fazer a estes homens. Porque, antes destes dias, se levantou Teudas, insinuando ser ele alguma coisa, ao qual se agregaram cerca de quatrocentos homens; mas ele foi morto, e todos quantos lhe prestavam obedincia se dispersaram e deram em nada. Depois desse, levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou muitos consigo;

    15 () Sindrio era uma espcie de Conselho Judeu. Ali, as principais lideranas religiosas e intelectuais dos judeus analisavam as mais diversas situaes desde que no envolvesse questes de vida e de morte. Era uma liderana local, sob a gide romana, e livrava autoridades romanas dc julgar os casos mais simples.

  • tambm este pereceu, e todos quanto lhe obedeciam foram dispersos. Agora, vos digo: dai de mo a estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem de homens, perecer; mas, se de Deus, no podereis destru-los, para que no sejais, porventura, achados lutando contra Deus. E concordaram com ele (Atos dos Apstolos 5.34-39).

    Gamaliel revela que Jesus Cristo no era o nico a se levantar como messias entre os judeus. Pelo contrrio, a maneira como se expressa d a impresso de que os membros do Sindrio j deveriam ter se acostumado com tais levantes messinicos, contudo faziam alarde por causa de mais um cristo ausente e seus seguidores.

    Outro movimento messinico que ficou conhecido foi o de Simo bar Giora, que inclusive citado, juntamente com outros tantos movimentos messinicos, por Flavio Josefo em sua obra A. guerra judaica. O movimento messinico de Simo durou quase dois anos e considerado um dos mais longos. Porm, quando Tito cercou Jerusalm, em abril de 70 d.C., Simo e seus cooperadores conseguiram resistir por cinco meses, ento os romanos invadiram e tomaram a cidade, saqueando-a e destruindo os rebeldes.

    Flavio Josefo narra que Simo foi preso vestido como rei (sua priso foi informada ao prprio Csar) e, amarrado, arrastado enquanto sofria escrnios e pancadas de seus algozes. Os romanos o conduziram em procisso at o frum, onde o lder seria sacrificado diante de todos. Estes dois eventos, a rendio cerimonial de Simo e sua execuo ritual no clmax da procisso triunfal im perial revelam no s que Simo se considerava o messias, mas tambm que os conquistadores romanos o reconheciam como lder da nao. Quando Simo apareceu subitamente no lugar em que estivera o templo, vestido com vestes reais, possvel que ele mesmo se estivesse sacrificando como oferenda a Deus. Seu objetivo pode ter sido o de provocar a interveno apocalptica divina ou mitigar a

  • punio que recairia sobre seu povo, atravs do auto-sacrifcio do lder. De qualquer maneira, ele aparece em vestes reais como rei dos judeus. (...) Simo foi cerimonialmente capturado, aoitado e executado como rei dos judeus agora mais uma vez o povo sob dominao romana.16

    Houve, assim, um genuno movimento messinico, pois este refere-se atuao coletiva (por parte de um povo em sua totalidade ou de um segmento de parte varivel de uma sociedade qualquer) no sentido de concretizar a nova ordem ansiada, sob a conduo de um lder de virtudes carismticas.17

    A concentrao de judeus em torno de um lder messinico no precisava se exprimir apenas de maneira pacfica. No obstante, as dinmicas dos movimentos apresentam alguns elementos em comum, contudo, concomitantemente, revelam aspectos particulares obedecendo ao prprio contexto e situao. Todos os dados precisam ser levados em considerao para que se extraia a caracterizao e o tero em que foi gerado o movimento e seu messias.

    O Movimento Messinico e sua DinmicaComo vimos, um movimento messinico tambm pode se

    manifestar de forma violenta: Constituem-se como movimentos messinicos, milenaristas, ou messinicos-milenaristas desde simples contestaes pacficas quanto a aspectos selecionados da vida social, at rebeldias armadas, ambos os tipos informados pelo universo ideolgico religioso, capazes de, ao mesmo tempo, diagnosticar as causas das atribulaes e sofrimentos e indicar caminhos para sua superao, desde os mais racionais at os mais utpicos.18

    16 HORSLEY, Richard A; HANSON, John S. Op. cit., p. 119.17 NEGRO, Lsias Nogueira. Revisitando o Messianismo no Brasil e Profetizando seu Futuro. R evista B rasileira d e C incias Sociais, vol. 16, n. 46, p. 119, junho de 2001.18 Idem, ibidem.

  • importante tambm entender que a prpria abertura que o ser humano d a uma transcendncia do que visvel e materialo torna esperanoso de que dias melhores viro. O olhar que se volta com expectativa para o futuro, uma crena de que dias melhores so possveis, apesar das circunstncias do momento parecerem contrrias. Para Henri Desroche, o messianismo est intrinsecamente ligado ideia de esperana: Edificado na espera e sobre a espera, o fenmeno messinico faz vibrarem todas as modalidades psicolgicas: a expectativa, a suputao, a computao, a extrapolao, a prospectiva, a esperana, a revolta, a pacincia e a impacincia, a resistncia, a frustrao, a insatisfao, o gosto pelo xodo e pelas grandes partidas, o sonho e a nostalgia, o desejo e a aspirao, a recusa e a reivindicao, a fome de evoluo ou o carter incisivo das revolues etc. (...) Trata-se de um fenmeno que no floresce nas sociedades que nada esperam porque j esto saciadas e saturadas ou porque, extenuadas, no podem sequer gritar das profundezas do desespero: o grito de alarme, o famoso Midnight Cry da sentinela na torre de vigia.19

    E possvel afirmar, ento, que o messianismo no um ato consciente programado por um agente especfico, ou seja, algum que, de forma proposital, elabora todo um discurso, e as pessoas, tambm propositalmente, criam uma atmosfera messinica. C) fenmeno est muito mais prximo de um inconsciente coletivo, que, ao reunir as caractersticas propcias, desencadeia uma reao ou at mesmo uma contrarreao que aglutina os povos em uma esperana.

    Comentando o que denomina aquisies sobre os movimentos messinicos que parecem ser definitivas, Lsias Nogueira Negro enumera seis tpicos sobre a obra de Maria Isaura Pereira de Queiroz, O messianismo no Brasil e no mundo:20

    19 DESROCHE, Henri. Op. cit., p. 61.20 Cf. artigo Revisitando o Messianismo no Brasil e Profetizando seu Futuro, cit., p. 122.

  • 1 A ocorrncia dos movimentos messinicos demonstra que mesmo as sociedades de base patrimonialista e tradicionais so dotadas de uma dinmica que permite uma relao dialgica a ponto de responderem de alguma forma aos acontecimentos que os cerca, possibilitando at uma reao.

    2 Os movimentos no podem ser considerados aberraes ou algum tipo de patologia social. So, sim, reaes naturais e normais de uma sociedade em crise, anomia ou mudana de sua estrutura interna. A nfase religiosa no alienao, mas o caminho para a mudana no contexto cultural tradicional.

    3 Os lderes messinicos no seriam loucos ou homens com sede exagerada pelo poder, mas pessoas simples que comungam da prpria crena, geralmente com um pouco mais de esclarecimento que seus liderados.

    4 Os conflitos que ocorreram entre o poder constitudo e os movimentos messinicos no foram resultados especificamente da crena em si ou da falta de ilustrao do grupo, mas geralmente de outros interesses, tais como polticos, econmicos, e da prpria intolerncia dos lderes civis e religiosos das regies nas quais se desencadearam os conflitos.

    5 Alguns movimentos messinicos tolerados mostraram- se como alternativas interessantes para a prpria sociedade que os circundava. Exerciam uma espcie de impacto social que causava transformaes convenientes at para si mesmos.

    6 Estudos mostraram que havia uma ideia de sociedade igualitria, porm pessoas de diferentes classes sociais que aderiam aos movimentos conservavam, dentro das possibilidades existentes, alguns privilgios.

  • Desroche, por sua vez, parece preferir a definio de Hans Kohn por entender o messianismo como essencialmente a crena religiosa na vinda de um Redentor que por fim ordem atual de coisas, quer seja de maneira universal ou por meio de um grupo isolado, e que instaurar uma nova ordem feita de justia e de felicidade.21

    Mas esta manifestao messinica segue, via de regra, alguns passos: eleio divina, provao, retiro e volta gloriosa.22

    O que pode ser denominado de espera messinica seria um tempo que precede a manifestao do messias que, por sua vez, fora previamente anunciado por um pr-messias, um profeta talvez. Geralmente, este um tempo de provao para o prprio messias e at para o grupo que o espera ansiosamente, que ser testado para ver se, de fato, est preparado para seu trabalho.

    A Ratificao do Messias

    O caso do Contestado

    A ratificao do messias demonstrada por seus poderes mgicos e espetaculares. Afinal, ele no pode ser exatamente como os outros em todos os sentidos, pois traz uma nova ordem ao mundo.

    O Brasil presenciou, entre 1912 e 1916, a Guerra do Contestado, tambm chamada de Guerra Sertaneja, que ocorreu na divisa de Santa Catarina e Paran. Ali ocorreu uma disputa de terras entre os dois Estados envolvendo, concomitantemente, os interesses de uma grande empresa, a Brazil Railway. Um dos seus personagens era um curandeiro chamado Joo Maria, que as pessoas consideravam como um novo cristo. Ele possua uma pujante barba grisalha e se abrigava em lugares simples, dormindo

    21 DESROCHE, Henri. Op. cit., p. 20.22 QUEIROZ, Maria I. Pereira de. Op. cit., p. 8.

  • em uma encosta ou sob uma rvore. Este era o precursor do monge Jos Maria, que viria depois e tambm seria considerado messias, mas que teve uma atuao mais efetiva contra os inimigos da monarquia.

    O monge Jos Maria fundou um ncleo chamado de Monarquia Celeste e pretendia preservar os valores da monarquia at o dia em que Dom Sebastio rei de Portugal morto em 1578 na batalha de Alkcer-Qibir voltasse Terra para criar um reino de paz e prosperidade para todos. E interessante notar que a morte de Dom Sebastio e a passagem de Portugal para o domnio de Espanha promovem uma popularidade ainda maior lenda. Cristaliza-se inteiramente em torno da figura do jovem rei malogrado: ele o Encoberto23 que, na distante Ilha das Brumas, aguarda o sinal divino para libertar Portugal, reconduzindo-o chefia entre as naes.24

    Voltando ao Contestado, em resposta ao que parecia uma conspirao antirrepublicana, o governo lanou contra a comunidade diversas campanhas de represso, mobilizando foras do Exrcito e das polcias militares estaduais. Em novembro de 1912 houve o primeiro confronto entre as tropas do governo e as foras de Jos Maria, que morreu em combate.

    Sobre o antecessor Joo Maria, este messias do Contestado, se afirma que tinha poderes sobrenaturais. Receitava um ch de vassourinha, e as pessoas eram curadas. A planta era conhecida, e a virtude no repousava nela, que poderia ser colhida e utilizada por qualquer um, mas no ato de Joo receit-la. Quando mudava

    23 Sobre o Encoberto, que est intrinsecamente ligado ao sebastianismo portugus, Pereirade Queiroz escreve que sua lenda, originando-se em 1530 do sonho de um sapateiro judeu que, oprimido, vaticina em trovas a vinda de um prncipe que vem remir sua raa, se prolonga pela crena de que um messias poltico restaurar a perdida autonomia portuguesa, para terminar na esperana de que um grande Monarca reconduzir Portugal primeira plana entre as naes do mundo, durando at o sculo XIX, isto , perdurando trs sculos (Pereira de Queiroz, op. cit., p. 79).

  • de pouso, atiravam-se os crentes cinza da sua fogueira: costurada num breve, dependurado ao peito, servia para evitar as coisas ruins. Atribuam-se tambm propriedades miraculosas gua da nascente ou do riacho onde o monge bebera. Enchiam-se garrafas e as transportavam a longas distncias. Muitas vezes se erguia no pouso uma cruz de cedro no falquejado, que depois tornava a brotar e virava rvore: proclamava-se que era um novo milagre. Em geral, o lugar ficava sagrado. Freqentemente os moradores o cercavam, e ali vinham rezar na semana santa. Ainda hoje se podem ver alguns desses locais espalhados pela rea, e mais de cinqenta anos depois, no terminou a devoo.25

    Mas se o messias recebe a autenticao por seus milagres e poderes mgicos, possvel afirmar que o messianismo seja um fenmeno estritamente religioso e repleto de misticismo?

    O messias laicoQuando se concorda que o messianismo uma

    manifestao da prpria esperana de dias melhores, na verdade, em um sentido mais amplo, podemos dizer que, de certa maneira, mesmo alguns movimentos no religiosos partilham das caractersticas messinicas. Afinal, a esperana no precisa, necessariamente, estar ligada magia, religiosidade ou misticismo no sentido estrito destes termos.

    Falar em messianismo poltico no absurdo. Infelizmente, as teffveis condies sociais de alguns pases contribuem para que o povo comece a migrar para um imaginrio messinico na poltica, entendendo que determinado lder poder, enfim, trazer- lhes ou restituir-lhes o que perderam.

    A prpria eleio de um presidente, muitas vezes, carrega ares messinicos. A palavra de ordem na posse de Lula, presidente do Brasil, no primeiro mandato que a esperana venceu o

    25 QUEIROZ, Maurcio Vinhas de. Messianismo e conflito socia l: a guerra sertaneja do Contestado (1912-1916). 2. ed. So Paulo: tica, 1977, p. 50

  • medo. Lula foi eleito em 2002, aps segundo turno, com mais de 52 milhes de votos (em tomo de 62%). Ora, bem possvel que, de certa forma, o pobre menino nordestino que venceu as adversidades e se tornou presidente foi encarado por muitos, em um pas com srios problemas sociais como o Brasil, como uma espcie de Salvador da Ptria.26

    J presidente c em seu segundo mandato, Luiz Incio Lula da Silva fez um pedido: que no usassem seu nome em vo. A declarao foi feita durante comcio em favor da candidatura de Oswaldo Dias Prefeitura de Mau, na Grande So Paulo. A popularidade impressionante do presidente parece dar-lhe um ar to superior que no aceita crticas. Sua popularidade impressiona cientistas polticos e jornalistas.

    Programas sociais como o Bolsa Famlia, por exemplo, confundem a figura de Lula com aquele que d o po de cada dia para muitos brasileiros. De fato, para as pessoas mais simples o que mais importa o alimento na mesa. Alguns analistas entendem que a figura de Lula, especialmente no Nordeste, messinica. E uma espcie de messianismo, algo recorrente na histria poltica nacional. Desde os tempos de Getlio Vargas, a classe poltica esqueceu das massas. Alm de ser uma figura do Nordeste esquecido e relegado a um segundo plano, Lula hoje representa uma espcie de novo Getlio, lutando pelas massas desfavorecidas.27

    No importa muito se o presidente no se v como messias, pois a massa dialoga com sua figura e lhe atribui um rtulo, vendo-o como seu libertador da fome e da misria. Lula no foi o primeiro e, provavelmente, no ser o ltimo, seja no Brasil ou no resto do mundo.

    26 http://www.estadao.com.br/suplcmciitos/not sup 140914.0.htm. Acesso em 20/03/2008. Neste link h um artigo do professor de sociologia da USP Jos de Souza Martins que traz uma anlise da figura messinico-milenarista de Lula.27 htlp://gl .globo.com/'Noticias./Brasil/0AA1262637-5598,00.httnl. Acesso em 12/12/2008.

  • Observemos com ateno eleio de Barack Obama, que decretou que a mudana possvel e chegou. Indubitavelmente, este personagem j marcou a histria por ser, de fato, o primeiro presidente norte-americano afrodescendente.

    Vrios movimentos messinicos se manifestam quando perodos de grandes crises sociopolticas se instalam na sociedade, sendo que o discurso a proclamao do fim do status quo e a chegada de um novo momento. Nos Estados Unidos Barack Obama tem, de certa forma, sido encarado como um messias que a sociedade norte-americana espera que resolva os vrios problemas, especialmente econmicos, e devolva o ttulo de nao mais importante da Terra. Fala, alis, que o prprio Obama usou em seu discurso de posse, prometendo colocar os EUA novamente na cabea do mundo.

    O nome Barack, em rabe, significa o abenoado. Se algum interpretar isso pelo lado mstico talvez fosse obrigado a dizer que a bno de Obama foi profetizada quando do seu nascimento e reside fundamentalmente na rdua misso de tirar seu pas do caos. A bno de Obama vem pelo fato de levar nas costas a responsabilidade de provar ao mundo inteiro que a competncia tcnica, poltica e de qualquer outra natureza no tem nada a ver com a cor da pele. Vrios argumentos antropolgicos, mdicos, etc. de natureza racista tentaram, vezes sem conta, criar uma estratificao social baseada na cor. Mesmo em sociedades mais cultas como Frana ou Espanha, por exemplo, desnecessrio dizer que, infelizmente, ainda h resqucios de racismo. 28

    Por mais que se saiba que a atuao de Obama ser no campo da administrao de uma megapotncia e a poltica ser o meio para alcanar possveis solues, ele mesmo ser vtima,

    28 h t t p : / / w w v v . e s t a d a o . c o m . b r / i n t e r a t i v i d a d e / M u l t i m d i a ShowEspeciais!destaque.action?destaque.idEspeciais=849. Acesso em 12/12/2008.

  • nem que seja em um primeiro momento, de uma enorme euforia que tomou conta dos americanos, que repetem unssonos a frase smbolo de sua campanha: Yes, we can. A salvao do pssimo contexto esperada, e grande a expectativa.

    Se as crenas messinicas implicam necessidade de salvao terrena, apesar dos olhares voltados para a Terra e o material, v-se uma estreita ligao com o espiritual igualmente. Contudo, algumas doutrinas polticas e filosficas podem conter ideias milenaristas e messinicas no necessariamente religiosas: Se um lder surgir ento com caractersticas carismticas pronunciadas, poder se tornar um messias leigo, destinado pelos seus dons a conduzir os homens na realizao das mudanas anunciadas por suas crenas. Comunismo, fascismo, hitlerismo, poderiam ser considerados como a laicizao de movimentos messinicos e, conhecido o mecanismo destes, seria talvez possvel dominar aqueles.29

    Na concepo de Desroche, mesmo a cincia, que seria uma opositora da religio, no deixa de ser participante a um s tempo de uma esperana e de uma desesperana. Ela relativiza as fronteiras, torna-as permeveis, estabelece correntes de fraternidade entre os homens. Por seu mtodo racional, sua linguagem, sua maneira de enfrentar os problemas, de resolv- los, ela estabelece uma atitude intelectual e espiritual universal.30

    Logo, o termo messianismo est intrinsecamente ligado ideia de religio em sua essncia, porm, no decorrer da prpria histria, ele, ou pelo menos elementos comuns a ele, foi ou foram incorporados em diversos contextos sociais com diferentes personagens e situaes. O laicato messinico no impossvel.

    29 QUEIROZ, Maria I. Pereira de. Op. cit., p. 16.30 DESROCHE, Henri. Op. cit., p. 192-193.

  • O Culto PersonalidadeE lugar-comum quando se afirma que o messias,

    necessariamente, precisa ser um lder carismtico. Portanto, ele ter cultuada sua imagem por seus seguidores. O messianismo e movimentos messinicos giram em torno da personalidade do messias, que o elemento catalisador das alenes: Todo lder carismtico tem em torno de si um grupo que lhe corresponda. Em torno do profeta com seus discpulos, h a coletividade mais ampla dos adeptos, que chamada congregao; os discpulos so os indivduos mais chegados que ajudam ativamente o profeta e que em geral tambm so dotados de certas virtudes carismticas, servindo de intermedirios entre o messias e o restante do grupo. O messias modela a seu talante a comunidade que o cerca, mas a prpria quantidade de funes que se arroga lhe impe a diviso do trabalho e, conseqentemente, o aparecimento de uma srie de auxiliares, seus ntimos.31

    A ideia de carisma, de onde trazemos carismtico, pode ser definida desta maneira: A expresso carisma deve ser compreendida como referindo-se a uma qualidade extraordinria de uma pessoa, quer seja tal qualidade real, pretensa ou presumida. Autoridade carismtica, portanto, refere-se a um domnio sobre os homens, seja predominantemente externo ou interno, a que os governados se submetem devido sua crena na qualidade extraordinria da pessoa especfica. O feiticeiro, o profeta... o chefe guerreiro... o chefe pessoal de um parddo so desses tipos de governantes para os seus discpulos, seguidores, soldados, parddrios, etc. A legitimidade de seu domnio se baseia na crena e na devoo ao extraordinrio, desejado porque ultrapassa as qualidades humanas normais e originalmente considerado como sobrenatural. A legitimidade do domnio carismtico baseia-se,

  • assim, na crena nos poderes mgicos, revelaes e culto do heri.32

    Considerando o avano tecnolgico que trouxe o rdio, a televiso e a internet como meios de divulgao dos movimentos, possvel inferir que este aumento da tecnologia produziu e potencializou figuras cujas imagens, espalhadas pelo mundo, encontram muitos coraes cheios de esperana. O desenvolvimento tecnolgico acentua a questo do culto personalidade. Isso acontece porque o ser humano um adorador por natureza e cultuar uma de suas atividades essenciais. Entretanto, no seu afa de adorar ele tomou, ao longo da histria, caminhos espiritual e socialmente tortuosos. Desde jangais da Africa, desertos da Arbia, at ao frenesi das grandes metrpoles, adoradores podem ser encontrados aos bilhes, ora prostrando-se diante de uma vaca sagrada, de algum amuleto, ou altar, ora diante de algum lder religioso ou guru.33

    Ento, pode-se afirmar que existe um encontro no mnimo interessante: de um lado, uma figura carismtica que consegue aglutinar as pessoas ao redor de si mesma e, de outro, o ser humano que, naturalmente, nutre admirao por personalidades e lideranas marcantes e um adorador nato.

    Todavia, tal fuso pode revelar-se assaz perigosa em muitas situaes. Como exemplo, temos o caso de David Koresh, que liderava o grupo denominado de Ramo Davidiano em Waco, Texas, nos EUA. Koresh se considerava o messias e utilizava esta expresso em seu prprio carto de visitas. Ele se dizia o prprio Cristo. Seus fiis lhe obedeciam cegamente, a ponto de pais e maridos entregarem a ele suas esposas e filhas... Tambm entregaram dinheiro e, finalmente, a prpria vida quando, em

    32 WEBER, Max. h n sa io s d e sociologia . 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982, p. 340.33 ROMEIRO, Paulo. E vanglicos em crise: decadncia doutrinria na igreja brasileira. 4. ed. So Paulo: Mundo Cristo, 1999, p. 51.

  • 19 de abril de 1993, o FBI cercou o rancho onde Koresh e seus discpulos estavam a fim de acabar com o que considerara charlatanismo. Em torno de 85 pessoas morreram, vtimas de um incndio provocado no rancho; preferiram morrer a entregar-se ou entregar seu messias!

    Desroche, por sua vez, descreve o grupo que est convicto e se insurge, seja em que grau for, como, praticamente, sem possibilidade de freios. A insurreio alimenta uma imaginao coletiva de uma memria coletiva que fornece dados para uma conscincia coletiva. "A conscincia coletiva ela oferece a revivescncia de seu foco pois ela se desenrola como um quase- culto de possesso: marchas sagradas rumo terra sem males, sublevaes, transes, sacrifcios, xtases extenuantes ou exterminadores, festividades exaltantes e iconoclastas, greves gerais e por vezes biolgicas de sociedades por demais 'estabelecidas', deciso de tudo arriscar por uma 'causa', jbilo de um holocausto, cerimnias rituais de encantamento e esconjuro, partidas, viagens, xodos, cruzadas, partir, sair do espao e do tempo... A memria coletiva, ela oferece a reativao de sua garantia. Pois, embora se refira memria coletiva cria ou recria sua prpria referncia, vale-se contra uma tradio menos profunda de uma tradio mais profunda, ressuscita um passado morto ou oculto para restituir-lhe a vida ou a luz; seu projeto de um aps valida sua lembrana do antes."34

    Um caso semelhante ao de Koresh, mas ocorrido quinze anos antes, em 1978, ocorreu na Guiana, quando Jim Jones, fundador da seita Templo do Povo, em Jonestown, ordenou que seus discpulos se suicidassem ingerindo cianureto. Morreram quase mil pessoas, em um caso que chocou o mundo.

    H, sem dvida, nos movimentos messinicos uma contemplao interativa dos seguidores com o messias. Tal interatividade nada mais que uma relao de trocas e

  • expectativas, muito mais por parte dos seguidores, porm o messias molda o grupo e se molda no grupo. A personalidade cultuada e carismtica proporciona a oportunidade de o messias conduzir os seguidores de maneira praticamente inquestionvel.

    A Mudana do Status Quo

    O caso da Idade MdiaMas h um fato importante sobre a questo messinica, que

    a transformao do status quo. E inerente ao messianismo que, de alguma maneira, o sobrenatural ir interferir no mundo fsico. Logo, possvel afirmar que a transformao elemento imprescindvel no messianismo. Afinal, o messianismo que no muda a realidade, melhorando-a, no pode ser considerado como tal. Espera-se pelo reino messinico. E a salvao das injustias e maldades que as pessoas sofrem: "Derivando da insatisfao humana diante das imperfeies do mundo, comparadas com a pureza de um modelo sobrenatural, segundo o qual se deseja modificar o que de errado existe, o Reino Celeste ter sempre as caractersticas de terreno, mas ser santificado e perfeito".35

    E exatamente a pardr do estado lamentvel que se projeta uma viso para um lugar melhor. E a partir da dura realidade da vida que muitas pessoas idealizam um mundo melhor para si mesmas. O desejo se relaciona com a esperana. A utopia, que nada mais que o "no lugar", uma espcie de contramodelo da prpria realidade que no atende s expectativas dos homens; ela, a utopia, no parece to distante assim para os esperanosos. "Um estado de esprito utpico quando est em incongruncia com o estado de realidade dentro do qual ocorre."36

  • Do sculo X ao XVIII o continente europeu mantinha uma cultura basicamente agrcola. Estima-se que mais de 80% da populao vivia do trabalho no campo. Contudo, apesar de lidarem com os recursos prprios da terra, a fome prevalecia na maioria dos lugares. A busca desordenada por terras para a agricultura parece ter gerado um tipo de crise ecolgica. A terra j no respondia com tanta fartura. Mesmo a Frana, que era considerada um pas com muitos recursos para a agricultura, passou por algumas crises de fome. E se a Frana enfrentava tal problema, outros pases europeus penavam ainda mais.

    Entretanto, preciso ressaltar que a produo de alimentos sempre foi deficiente na Europa, da a fome ser uma ameaa constante. E no apenas a fome, mas tambm a falta de estrutura das cidades para suportar o aumento populacional, associada ao problema da fome, acabou facilitando a propagao de uma srie de epidemias. A pior de todas a conhecida Peste Negra, que varreu a Europa entre 1348 e 1350 e matou cerca de um tero da populao.

    Alm da fome e da peste, inmeras guerras tambm contriburam para aumentar a mortandade e tornar a situao na Europa ainda mais difcil. A maior das guerras deste perodo foi a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), travada entre as monarquias da Inglaterra e da Frana.

    Sob este trplice flagelo - fome, doena e guerra -, acentuado no sculo XIV, a populao diminua e a mo de obra se tornava cada vez mais escassa. Isso levou os senhores feudais a aumentar a explorao sobre os camponeses. Em conseqncia, houve inmeras revoltas, nas quais os camponeses rebelados queimavam propriedades e assassinavam senhores feudais. Em muitas cidades houve desordens e motins.

    Com poucas possibilidades diante do contexto desfavorvel para plantar, da guerra, das epidemias, os camponeses necessitavam buscar algum tipo de alternativa, mesmo que esta no fosse vinculada com o "real". D-se, ento, a elaborao de

  • uma srie de mitos que povoariam a mente das pessoas, que precisavam fugir da dura realidade.

    Desta maneira, possvel averiguar que messianismo e milenarismo fomentaram o povo no ressurgimento de uma esperana no perodo medieval, pois, diante de tamanha crise, as crenas forneciam aos camponeses, sofredores e marginalizados, a expectativa de um novo momento em que suas aspiraes seriam concretizadas.

    Era comum os camponeses difundirem contos que expressavam o imaginrio popular e as esperanas da prpria sociedade da poca. Tal sociedade tentava suprir suas carncias, especialmente sociais, criando mitos de lugares sensacionais e espetaculares que correspondiam ao prprio desejo das pessoas. Um dos mitos difundidos foi o pas da Cocanha.37 Esta seria uma terra perfeita com abundncia de recursos e prazeres que saciariam o mais faminto campons medieval. "Quando a imaginao no encontra sua satisfao na realidade existente, busca refgio em lugares e pocas desiderativamente construdos. Mitos, contos de fada, promessas supraterrenas da religio, fantasias humansticas, romances de viagens tm sido expresses, em contnua mutao, do que estava faltando na vida real."38

    A misria fomenta o sonho de estar e pertencer a um lugar melhor. O tempo, por sua vez, colabora para cristalizar a utopia. A populao tornava-se vtima de si mesma e de suas alienaes, que visavam amenizar sua prpria condio infeliz. Mesmo que os fatos apontassem o contrrio, a f substitua a razo, levando muitas pessoas a sonharem o pouco provvel.

    Pode-se dizer que procurar pelo reino ou pela terra santa , em ltima instncia, procurar o prprio progresso, assim como procurar fartura procurar fugir e superar a misria. Contudo,

    j7 Para mais informaes consultar a obra: FRANCO JR., H. Cocanha, a histria de um p a is im aginrio. So Paulo: Companhia das Letras, 1988.38 MANNHEIM, Karl. Op. cit., p. 228.

  • tal procura est muito mais relacionada a uma espera pelo devir histrico. A socieciade acaba desvalorizando seu momento presente e se inclina com tanto desespero para uma virada messinica que acaba correndo o risco de se esquecer da prpria realidade.

    Todavia, o messianismo se torna uma fora dinmica e prtica. Ele no pode ser visto como uma crena passiva e entorpecida, de conformismo. Ao mesmo tempo em que se nega a presente realidade, prepara-se o caminho concreto para um momento diferente e melhor que o atual, ou seja, uma nova realidade.39

    E possvel afirmar que o principal sentido do messianismo a coletividade. Os movimentos messinicos ganham fora especialmente porque envolvem o grupo e no somente o indivduo. O status quo ser transformado no apenas para uma pessoa, mas para muitas. Os lderes messinicos, que ocupam a posio de individualidade, so uma espcie de elemento aglutinador que capta os demais indivduos em torno de si, de seu discurso, do sonho de um lugar melhor e de sua prtica. Um messias, lder reconhecido pelo povo como seu libertador enviado pela divindade ou no, nada mais faz do que acessar esse banco de sonhos, o inconsciente coletivo. Uma vez que os sonhos so canalizados para uma pessoa ou instituio que se acredita seja a realizao desse sonho contido, seu poder de atrao se torna irresistvel. Por outro lado, o fracasso de tantos cristos ou tradies religiosas est ligado, em grande parte, falta de identificao do inconsciente coletivo com esse dado messias. preciso que o candidato messinico convena as pessoas de que seus sonhos se realizaro, de que ele a resposta ou o depositrio fiel desses sonhos por uma vida melhor.40

    39 QUEIROZ, Maria 1. Pereira de. Op. cit., p. 7, 346-347.40 MODES, Luciano. Assim na terra como no cu: Uazenda Mova Cana, arquitetura de um milenarismo, Orcnla, So Bernardo do Campo, v. 2, n. 3, 2006.

  • justamente no encontro da sociedade real com a ideal que as diferenas se acentuam. Segundo os padres messinicos, a sociedade presente est equivocada, portanto precisa ser mudada. Desta forma, o messianismo um importante fator de mudana social que atua nas bases e nos grupos. Ento, os movimentos messinicos no podem ser encarados como uma pueril fuga da realidade (embora haja este risco), mas devem ser encarados como organizaes complexas que constroem e interagem com sua prpria realidade: presente, passado e futuro. A histria dos povos que tm uma histria , diz-se, a histria da luta de classes. A histria dos povos sem histria , dir-se- com ao menos tanta verdade, a histria da sua luta contra o Estado.41

    Entretanto, preciso ressaltar que, graas ao conflito de determinada sociedade, temos um mover histrico. C) conflito ou crise permite que avaliaes e reavaliaes sejam efetuadas e, assim, o prprio status quo passa por julgamentos que geraro veredictos que o puniro ou no. Porm, apesar das crises e conflitos com a realidade, preciso enfatizar que a mudana social nem sempre se dar de acordo com os desejos dos que reivindicam dias melhores; na maioria das vezes o que se v a vitria da situao dominante que, geralmente, detm o poder.

    A crena se fortalece onde h descontentamento. Diante da terrvel realidade da vida, a existncia torna-se suportvel quando as pessoas carregam consigo alguma esperana. A idealizao de terra santa, lugar melhor, bastante evidente em Canudos, por exemplo.42

    41 CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia poltica. 4. ed. Rio de Janeiro: Erancisco Alves, 1988, p. 152.42 Convm, para uma anlise mais aprofundada, consultar as obras Os ser t es , de Euclides da Cunha, e C anga ceiros e fa n tico s , de Rui Eac. .

  • O caso de CanudosNas zonas mrais brasileiras a situao de misria era

    conseqncia direta da violncia dos coronis e da concentrao de terras nas mos de um pequeno grupo de latifundirios. A populao era esquecida e no contava com o apoio do Estado em suas necessidades bsicas, tais como escolas e hospitais, alm de enfrentar muitas dificuldades com as difceis condies das lavouras em um solo pouco aprazvel.

    Neste contexto, Antnio Conselheiro, que teve alguma formao religiosa, mas no chegou a ser ordenado padre, saa pelo interior do Nordeste pregando suas doutrinas e fazendo caridade. Muitas pessoas aderiram a seus discursos, que, aps a queda da monarquia e a separao entre Igreja e Estado, estavam inflamados contra a Repblica, que Conselheiro identificava com a figura do Mal ou, mais especificamente, a lei do co.43

    Depois de um confronto em Bom Conselho, na Bahia, quando Conselheiro queimou documentos de cobrana oriundos do Estado, ele e seus seguidores fugiram e ocuparam uma fazenda abandonada na regio conhecida como Canudos. Ali fundou o Arraial do Belo Monte, que, apenas um ano depois, contava com aproximadamente 16 mil pessoas. As prprias agruras ajudam a configurar um local de fuga das condies desfavorveis. Um desalento com determinada ordem social pode desencadear tanto um processo de fuga da realidade construda socialmente, como tambm gerar novas utopias dentro de fronteiras que estabeleam uma ordem social alternativa dentro ou fora da sociedade experimentada pelos agentes naquele momento de crises e dificuldades.44

    43 FACO, Rui. C angaceiros e fan ticos: gnese e lutas. 6. cd. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira/Universidade Federal do Cear, 1980, p. 83.44 CAMPOS, Leonildo Silveira. O milenarismo intramundano dos novos pentecostais brasileiros, b s lu d o s da Religio, ano XIV, n. 18, 2000, p. 102.

  • Nesta fazenda viviam em uma espcie de sociedade comunal. As pessoas viviam na prtica da solidariedade sob a gide de seu messias. Era um local proibido para ladres, prostitutas e bebida alcolica. As atividades religiosas eram constantes e movimentavam o arraial, que vivia basicamente da agricultura e da pecuria.

    Conselheiro pregava que um dia o rei Encantado viria e restauraria a monarquia para o bem de todos. Contudo, o paraso terreno incomodava as autoridades, que enviaram soldados, os quais somente a partir da quarta expedio comearam a minar Belo Monte, que resistiu at a morte da maioria de seus moradores.

    Em Canudos houve uma tentativa de viver uma prvia do paraso terrestre at a chegada do rei Encantado. Este, finalmente, estabeleceria o paraso, em sua plenitude, na Terra. Era o sonho de viver em um lugar melhor.

    Atualmente, em Irec, municpio do semirido no Estado da Bahia, tambm existe uma tentativa de criar um lugar mais aprazvel em meio s mazelas da vida. Ali a Igreja Universal do Reino de Deus possui uma fazenda45 com 450 hectares, onde se pratica uma agricultura com tcnicas avanadas, cria-se gado e existe uma escola que fornece ensino para muitos habitantes da pobre regio. Alm desses benefcios, tambm h tratamento mdico e espiritual. Das redondezas do que hoje Irec muitos seguiram Conselheiro para o arraial de Belo Monte, uma nova Cana; hoje muitos vo fazenda da Igreja Universal, a Nova Cana, em busca de abrigo e recursos.46

    45 Cf. para mais informaes: MODKS, Luciano. Assim 11a terra como no cu: Fazenda Nova Cana, arquitetura de um milenarismo, O rcu lo , So Bernardo do Campo, v. 2, n. 3, 2006.46 Idem, p. 15.

  • A Fazenda Nova Cana divulga a possibilidade de uma vida melhor, mesmo em meio ao deserto. () sonho da Terra Prometida se mostra, em muitos casos, arquetpico na humanidade. O messias e o reino, muitas vezes, esto to entrelaados que um e outro se fundem na configurao do prprio movimento messinico.

    O Messias e seus EfeitosEm relao presena do messias e do reino, Desroche faz

    alguns comentrios que defendem que o personagem historicamente presente pode ser pretendente ou pretendido: O pretendente messianidade geralmente reivindica, como j foi observado, um vnculo nativo com o poder divino supremo que governa a histria universal. P^ le pai, me, filho, esposa etc., desse poder, ou ainda, na figura de um ser redivivus, o prprio Deus ou o ancestral divino.47

    Neste caso existe uma espcie de autodeificao. Atravs de um sonho ou revelao a pessoa toma conscincia de sua messianidade; ou esta conscincia progressiva, quando de forma gradativa ela tem noo de sua prpria misso, seja qual for. Ela pode ser exclusiva (messianidade de um indivduo) ou compartilhada (messianidade de uma descendncia, de uma etnia...).48

    J o messias pretendido segue outra lgica: O messias pretendido no reivindica o ttulo de messias. Tal ttulo lhe e atribudo ou pelo crculo ou pela posteridade de seus discpulos. Esse crculo ou essa posteridade podem no apenas atribuir-lhe esse ttulo, mas at mesmo conferir-lhe, criar para ele sua prpria historiografia ou historializao.49

    47 DRSROCHE, Henri. ()p. cit., p. 32.48 Tdem, ibidem.49 Idem, ibidem.

  • Desta maneira o messias precedido pela conscincia coletiva dos demais integrantes do grupo. Com o tempo o messias pretendido passa a aceitar o prprio ttulo como seu, embora possa at recusar no incio.50

    Quando o personagem est historicamente ausente, temos outra discusso que passa, inclusive, pela historiografia e a prpria manipulao da histria em determinados casos. De acordo com Desroche:51

    1. O personagem veio, mas ningum o conhece. Pode ser que at ele mesmo no se conhea.

    2. Ele veio, mas continua escondido. S alguns o conhecem.3. Ele ainda no veio, mas sua vinda iminente (espera e

    suputaes em relao me).4. Ele veio, partiu e aguarda o momento de reaparecer.5. Ele est a e aguarda, mas os destinatrios de sua vinda

    no querem reconhec-lo.6. Ele est, definitivamente, em outra parte, mas seu lugar

    deve permanecer livre, ningum poder ocup-lo etc.

    O messias, como lder carismtico, tambm o orculo da nova tica do reino e ele mesmo inaugura a nova ordem redentora desse reino e reinado. Contudo, a tipologia pode variar de acordo com a prpria lgica sistmica que o movimento desenrola nos mais diferentes contextos. Em relao tipologia dos reinados ou reinos messinicos, ainda que esses novos reinos impliquem sempre um vnculo entre fatores religiosos e fatores sociais, igualmente novos, a nfase pode ser colocada em nveis diferentes.52

    50 Idem, p. 33.51 Idem, ibidem.52 DESROCHE, Henri. Op. cit. p. 34.

  • Nveis diferentes determinam os vnculos entre os fatores religiosos e os fatores sociais, e geralmente, apesar de a lgica ser semelhante, h certa predominncia de algum fator em especial nos movimentos messinicos:

    Religioso ou eclesiolgico: d-se quando o messianismo mais focado nas questes de reforma da religio ou da cultura, i uma greve sociorreligiosa contra a sociedade global. Minimamente haver um boicote ao oficialato do sagrado. E a vida fora do mundo.53

    Poltico: quando dinastias, regimes ou surgimento de nacionalidades acompanham expectativas messinicas. H exemplos em pases como Frana, Alemanha, Polnia, Estados Unidos da Amrica e antiga Unio das Repblicas Socialistas Soviticas. So os direitos divinos que acompanham os eleitos.54

    Econmico-social: nas revoltas sociais possvel ver aspectos messinicos. Nelas a estrutura dominante questionada e a massa pode levantar-se com esperanas profundas que se confundem com religiosidade. Alguns usam como exemplo o caso sovitico.55

    Sexual e familiar: em certas manifestaes messinicas defende-se que no h homens ou mulheres; porm h outras variantes dentro dos movimentos com especificidades. H os casos de endogamia, exogamia, poligamia (mrmons), casamento plural (oneidistas) ele.56(Footnotes)

    53 Idem, ibidem.54 No casn norte-americano havia a crcna de um destino manifesto. K a ideia bsica de povo escolhido por Deus para levar a civilizao, a paz, a liberdade e a igualdade ao resto do mundo, ao mesino tempo em que se expandia, no incio da colonizao da Amrica do Norte, invadindo os territrios indgenas. Um povo que entende tjue nasceu para levar a civilizao e o progresso para os demais, mas especialmente para si mesmo... DESROCHE, Henri, op. cit., p. 34.55 DESROCHE, Henri. Op. cit., p. 34.56 Idem, p. 35.

  • Naturista: h tambm os aspectos que se referem ao regime alimentar, quando os integrantes dos movimentos devem abster-se de determinados alimentos; e tambm as questes de vesturio etc.57

    Csmico: o reinado messinico pode penetrar os aspectos da natureza e moviment-la de acordo com seus propsitos: paz mundial, mudanas climticas etc. Neste momento a sociologia do messianismo encontra a sociologia da utopia.58

    No messianismo tambm h, segundo Desroche, o material imaginrio do messianismo-milenarismo, que seriam os nmeros, figuras e parbolas. E preciso salientar que o milenarismo est, em muitos casos, ligado ao messianismo. Geralmente eles se confundem de tal forma que so quase indissociveis. Em linguagem teolgica que parece a linguagem mais apropriada para este problema existiria uma escatologia, ou corpo de doutrinas concernentes ao estado final do mundo, que era quilistica no sentido mais geral do termo significando que predizia um milnio, no necessariamente limitado a mil anos, e na verdade sem limitao alguma, em que o mundo seria habitado por uma humanidade de bondade perfeita e gozando tambm felicidade perfeita.59

    Na literatura judaica temos vrias referncias ao milenarismo e ao uso de simbologia. O livro do profeta Daniel, que se encontra na Bblia, repleto desses exemplos: a grande esttua (captulo 2), que mostra uma profecia de reinos que se sucederiam; as setenta semanas (captulo 9), que falam de purificao; os 1290 e 1335 dias (captulo 12), que seria o tempo da desolao.

    Outro livro bastante simblico o Apocalipse, que apresenta seres fantsticos, imagens, parbolas e tantas outras

    57 Idem, ibidem.58 Idem, ibidem.59 Norman Cohn, apud QUEIROZ, Maria I. Pereira de. Op. cit., p. 8.

  • figuras que, ao serem apropriadas por um movimento messinico-milenarista, podem se tornar fonte de argumentos para suas crenas.

    Os Adventistas do Stimo Dia,60 por exemplo, usaram e continuam usando essas figuras para justificao de sua espera pelo retorno de seu messias. Sua hermenutica os conduz a interpretar que eles so o povo escolhido que aguarda a volta do messias que os levar para o cu, onde reinaro com Cristo durante mil anos. As profecias e os smbolos so decodificados de forma a gerar uma compreenso de acordo com os princpios da prpria igreja.

    Vivemos um Arrefecimento do Messianismo?Apesar da linguagem e dos muitos problemas que ainda esto

    presentes na prpria sociedade, ventila-se a possibilidade de uma diminuio no surgimento de novos movimentos messinicos na sociedade brasileira. De fato, medida que a sociedade brasileira se industrializa e urbaniza, aps os anos 1930, escasseiam-se tais movimentos e diminui tambm sua capacidade mobilizadora de adeptos, ao menos nas regies Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Talvez esta afirmao no seja verdadeira para a regio Norte, onde parecem persistir diversos movimentos recrutando ndios destribalizados, seringueiros, pescadores etc.61

    Tal afirmao se funda na hiptese de que os movimentos messinicos tm estreita relao com as chamadas sociedades tradicionais. Contudo, no podemos deixar de levantar a conjetura de que os movimentos messinicos podem se apresentar com novas roupagens dentro da sociedade urbano-industrial e, por

    60 Esse movimento nasceu nos EUA no final do sculo XIX e defende, entre outras doutrinas, o dia de sbado corno descanso e o retorno de Cristo, que os levar aos cus para mil anos de paz, quando julgaro os povos. Para mais informaes consultar: H. Desroche, D icionrio de m essian ism os e m ilenarism os, p. 70, 1, 337 c 338.61 NEGRO, Lsias Nogueira. Op. cit., p. 125.

  • mais que se descaracterizem em alguns aspectos do que poderamos denominar de messianismo clssico, podem manter, em sua essncia, aspectos messinicos. Talvez, em virtude destas hipteses, no caso dos movimentos metropolitanos, elementos totalmente novos so adotados: do esoterismo, como um apelo constante aos segredos das cincias ocultas, s profecias, desde Nostradamus at dom Bosco, fico cientfica, astrologia e ufologia.62

    Tais mecanismos de troca da sociedade urbano-industrial, suas diferentes formas de relao, suas complexidades e seus discursos inclusivistas e relativistas formam um grande caldeiro de conceitos a cada dia mais pluralistas. Como profecia final, devemos estar preparados para o surgimento de novos movimentos nos centros urbanos, orientados no mais por vises religiosas especficas, mas por perspectivas eclticas e plurais, introduzindo elementos do imaginrio da vida moderna de alguma forma ligados a antigas tradies ocultistas e esotricas. O pluralismo religioso e a difuso pela mdia das mais variadas prticas religiosas e sistemas alternativos de conhecimento criam um caldo de cultura mstico capaz de produzir os mais surpreendentes resultados.63

    Falando mais especificamente do Brasil, preciso considerar que o povo brasileiro trata a religiosidade de maneira menos formal, o que abre possibilidades de modelos messinicos, especialmente nos crculos religiosos mais pluralistas e, por que no, com doses acentuadas de sincretismo. O que representa semelhante atitude uma transposio caracterstica para o domnio religioso desse horror s distncias que parece constituir, ao menos at agora, o trao mais especfico do esprito brasileiro. Note-se que ainda aqui ns nos comportamos de modo perfeitamente contrrio atitude j assinalada entre japoneses, onde o ritualismo invade o terreno da conduta social para dar-lhe mais

    62 Idem, p. 128.63 Idem, ibidem.

  • rigor. No Brasil precisamente o rigorismo do rito que se afrouxa e se humaniza.64

    A liberdade do brasileiro, produzida em uma terra totalmente nova e aberta, acaba regendo as relaes com os mais diversos aspectos da vida, inclusive a religio. A vida ntima do brasileiro nem bastante coesa, nem bastante disciplinada, para envolver e dominar toda a sua personalidade, integrando-a, como pea consciente, no conjunto social. Ele livre, pois, para se abandonar a todo o repertrio de idias, gestos e formas que encontre em seu caminho, assim ilando-os freqentemente sem maiores dificuldades.65

    Entretanto, preciso reconhecer que h um desejo de melhores expectativas no brasileiro e no restante do conjunto da prpria humanidade. E um desejo de preservar sua prpria vida e espcie. Nos mais diferentes povos existe a ideia de querer se preservar para o amanh. Tal desejo de preservao , tambm e provavelmente, natural na espcie humana.

    Nos lugares com mais dificuldades sociais e/ou polticas, econmicas, psicolgicas, espirituais, e outras tantas dificuldades, existe uma propenso ao surgimento de uma espcie de vlvula de escape que poderia salv-los das condies desfavorveis daquele momento.

    O messianismo e os movimentos messinico-milenaristas seriam, juntamente com outras, formas de reagir ao status quo e procurar uma alternativa que os tire do mau momento. E o romper com a situao em busca de algum fio de esperana que os livrem da tal calamidade.

    64 HOLANDA, Sergio Buarque de. Rat\es do B rasil. 26. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 149.65 HOLANDA, Sergio Buarque de. Op. cit., p. 151.

  • O messias o alvo de inmeras expectativas, e tanto o grupo como o indivduo dialogam com o personagem de uma maneira que consigam encontrar as respostas que anseiam.

    Tambm no podemos negar que messianismo e seus pares pertencem ao imaginrio de um grupo, e lidar com o imaginrio tarefa muitas vezes ingrata, pois podemos cair em subjetividades para as quais as metodologias podem at oferecer ferramentas, mas no conseguem buscar exatamente o que h no ntimo de cada indivduo ou grupo.

    Para Desroche os fenmenos messinicos esto necessariamente sobre a estrutura da espera. Sendo assim, todas as nuances, detalhes e caractersticas peculiares de cada uma das manifestaes do messianismo esto baseados nesta espera, por mais que existam combinaes diferentes.66

    Ele defende que um fenmeno humano e como tal se d nas relaes da prpria sociedade e nos polos: o personagem (messinico), o reino (milenarista), a sociedade religiosa (igreja ou qualquer outro corpo religioso), a sociedade poltica (a nao, o Estado ou a unio das naes etc.).67

    As circunstncias histricas apenas e to somente constituem o meio para o surgimento e apario do sentimento de espera que estava guardado no ntimo dos indivduos e do grupo. Os movimentos se parecem e, neste sentido, forma-se at uma tradio messianista.68 Quanto ao messias, preciso salientar que ele s vir quando j no ser necessrio. S vir um dia depois de seu advento. No vir no dia do juzo, mas no dia seguinte.69

    66 DESROCHE, Henri. Op. cit., p. 61.67 Idem, ibidem.68 Tdem, ibidem.69 DESROCHE, Henri. Sociologia Ha esperana. So Paulo: Paulinas, 1985, p. 194.

  • 11. NEOPENTECOSTALISMO:DISCUSSES

    PRELIMINARES

    Trabalhar a temtica neopentecostal fundamental para compreendermos a prtica religiosa de Valdemiro Santiago de Oliveira, afinal ele lder de uma denominao que se encaixa no perfil dessa corrente evanglica. Mais adiante ser analisada a relao entre a Igreja Mundial do Poder de Deus e o neopentecostalismo.

    Em princpio, preciso ressaltar que o neopentecostalismo fa parte de uma das manifestaes pluralistas da prpria prtica religiosa da contemporaneidade. Como toda e qualquer expresso histrica ou social, ele fruto do contexto e se relaciona com as diversas complexidades do momento.

    Pode-se dizer que o movimento neopentecostal uma espcie de reforma da prpria estrutura protestante. Uma vez que o protestantismo defende a fid es reformata et semper reformanda est, acaba se tornando vtima de suas prprias contradies e abrindo precedentes para novos movimentos e novas denominaes. Em suma, pode-se dizer que o livre exame, acompanhado de uma livre interpretao da Bblia, e um contexto que colabore para mudanas e rearranjos, ajuda a produzir muitas correntes consideradas evanglicas e at mesmo no evanglicas pelas denominaes protestantes tradicionais. O que certo que o campo religioso est em franco processo de rearrumao. Isso se espraia por diversos lugares: a emergncia de novas formas de subjetividade; a expanso do horizonte pluralista caracterizada

  • pela afirmao de diferenas e de um campo agonstico em que lutam por conhecimento e/ou capacidade de influencia; modulaes polticas desta relao agonstica; ressonncias culturais das novas identidades religiosas e de suas formas de se relacionar com o corpo e de descrever o mundo vis--vis a esfera espiritual.70

    Ao contrrio das expectativas de muitos cientistas e pesquisadores que acreditavam em um arrefecimento da religiosidade, na verdade o que temos um aumento da busca pelo sobrenatural, o que estimula muitos pesquisadores a retornarem ao assunto da religio. A profecia da morte da religio falhou (...) o problema exatamente o contrrio, pois experimenta-se justamente uma exploso de religiosidades novas por toda parte, o que tornou complicada a manuteno da tese da secularizao. (...) O que est na ordem do dia no mais a extino, e sim a efervescncia da religio, exatamente no interior de uma civilizao que, ao menos teoricamente, deveria ter obstaculizado tal sobrevivncia.71

    Contextos de Mudanas SociaisPara compreender o neopentecostalismo e sua insero na

    modernidade, de acordo com Bitun,72 fundamental entender os conceitos de sociedade tradicional e sociedade moderna. A transio destes momentos histricos d uma viso mais ntida de alguns rompimentos do neopentecostalismo com o tradicional pentecostalismo clssico da primeira e segunda onda.

    A sociedade tradicional era conduzida por um modelo patriarcal e a famlia, no modelo tradicional, era a base da sociedade. Havia pouqussimas transform aes; era um

    70 13URTTY, Joanildo. Id en tid a d e e p o l t i c a no cam po re lig io so . Receife: IPRSP/Editora da UFPE, 1997, p. 66.71 CAMPOS, Leonildo Silveira. Templo... cit., p. 32-33.72 () n eop en teco sta lism o e sua in ser o no m ercado m oderno. Dissertao de mestrado, IMES, 1996.

  • momento em que a palavra, a honra e o sangue eram bastante valorizados. Nessa sociedade as famlias viviam, basicamente, da terra e do que esta produzia. Uma sociedade mais prxima das coisas prprias da natureza que precisava respeitar os tempos e estaes do ano.

    Religiosamente eram muito tradicionais. As pessoas tinham a Igreja como marco central e as figuras religiosas como autoridades constitudas. C) espao para variaes litrgicas era muito pequeno, e o modelo de culto era sagrado. Em algumas regies mais longnquas ainda se v que a prpria construo das casas na cidade ao redor do Templo ou da Matriz.

    A transio da sociedade tradicional para a sociedade moderna percebida por trs instituies que passaram a ter mais fora: o Estado Nacional, o mercado e a moeda.73

    O mercado passa a ter uma importncia vital, uma vez que ele deixa de ter, exclusivamente, o papel de lugar para troca de excedentes e passa a ser a ltima na hora das aquisies. Sem ele o homem moderno no consegue captar mercadorias essenciais ou no para sua vida.

    A fora econmica fortaleceu o Estado, que agora arrecada muito mais moeda para si mesmo. Sua interveno nas diversas reas da sociedade e seu poder restaurado de rbitro das questes lhe garante cada vez mais condies de controlar o meio social. A secularizao tira Deus do controle e d ao Estado muitos papis que eram interpretados pela Igreja. Os feriados ou dias santos, por exemplo, no precisam mais, necessariamente, ser determinados pela Igreja.

    () homem j no trabalha exclusivamente em casa. Ele sai para trabalhar, separando-se da vida da sociedade tradicional e, aos poucos, penetra em uma realidade moderna, uma sociedade mais tecnolgica e racionalizada, caminhando para o industrial.

  • A sociedade que comeou a surgir com a Revoluo Industrial na Inglaterra, em meados do sculo XVIII, alcanou amadurecimento no decorrer do sculo XIX. Essa sociedade industrial e capitalista caminha em direo liberdade de mercado e troca do foco do comrcio para a indstria, pela propriedade burguesa dos meios de produo e pelo trabalho assalariado.

    Do ponto de vista ideolgico, a sociedade industrial capitalista do sculo XIX foi marcada pelo triunfo do liberalismo. No panorama poltico a democracia representativa acabou se consolidando, e na esfera social grandes tenses e conflitos dominaram a cena, envolvendo, sobretudo, a burguesia e o proletariado.

    Tais conflitos chegaram a colocar em risco o modelo capitalista, fato que levou Karl Marx o criador, ao lado de Friedrich Engels, do chamado socialismo cientfico - a afirmar que o sculo XIX seria o sculo da revoluo proletria, assim como o sculo XVIII fora o da revoluo burguesa. O homem e a relao deste com a realidade que o cerca so prioritrios, e se houvesse qualquer transformao seria motivada pela ao humana.74

    preciso enfatizar que a mudana da sociedade tradicional para sociedade moderna rompe diversos costumes e traz uma nova ordem e uma nova lgica. Os homens no leem mais o mundo da mesma maneira que antes. E possvel, assim, afirmar que o mesmo homem usando lentes novas!

    Portanto, pode-se afirmar que em um modelo tradicional no h espao para o neopentecostalismo. Este se casa com a mentalidade urbana e capitalista. Ento o movimento neopentecostal precisava do contexto ideal para proliferar, especialmente em nosso pas, no to urbano e catlico e tradicional em muitos de seus conceitos e perspectivas.

    74 MARX, Karl; ENGELS, F. M an ifesto do P a rtid o C om unista . 7. ed. So Paulo: Global,1988.

  • Assim, antes dos anos de 1960 poucos imaginariam que o Brasil entraria em uma crise econmica. Desemprego e desencontros na economia marcaram os anos daquela dcada. Contudo, o problema no era apenas econmico, mas tambm poltico.

    O golpe de 1964 apenas fomentou a crise. Inflao e represso deixavam o pas bastante instvel. Apesar de o perodo conhecido como Milagre Econmico dar um respiro para as dificuldades, em 1973 uma crise do petrleo atingiu novamente o Brasil, que mal dera alguns passos de sossego na perspectiva econmica.

    O final dos anos de 1970 mostrava um quadro intrigante na economia brasileira. Apesar de mais um plano econmico dos militares, a situao piorou rapidamente. Em 1979 a inflao chegou a 77%, quase o dobro da de 1978. As taxas internacionais de juros continuavam subindo vertiginosamente, empurrando a dvida externa cada vez mais para cima.75

    Instabilidade poltica, desemprego, aumento da dvida externa, arrocho salarial, crise no atendimento pblico, com falta de servios essencia is... nesse contexto que as igrejas neopentecostais comeam a divulgar sua mensagem de esperana para um povo desesperanado com a realidade brasileira.

    Breve Histrico do NeopentecostalismoO termo neopentecostalism o pressupe um novo

    pentecostalismo. E uma nova roupagem que carrega, de certa forma, a essncia pentecostal, mas, por sua vez, no pode mais ser identificada com a matriz.

    O movimento pentecostal reivindica seu incio ao longnquo perodo da chamada Igreja Primitiva, no sculo I, que narrada no livro de Atos dos Apstolos. Nesta obra, conta-se que,

  • cinqenta dias aps a morte de Jesus Cristo, os discpulos, reunidos em Jerusalm, receberam o Esprito Santo e houve a manifestao da glossolalia (falar em uma lngua desconhecida). Dessa maneira, os pentecostais defendem que os membros da Igreja devem, mesmo nos dias atuais, receber o batismo do Esprito Santo e terem manifestaes parecidas com aquelas que os primeiros discpulos de Jesus tiveram.

    Atravs dos tempos existiram vrias manifestaes de avivamentos ocorridos em igrejas, embora haja uma tendncia de associar o termo avivam ento com os chamados despertamentos espirituais protestantes nos Estados Unidos, especialmente no sculo XIX e incio do XX.

    Porm, antes dos avivamentos estadunidenses existiram outras manifestaes que merecem considerao, como os movimentos perifricos,"6 que influenciaram o pentecostalismo. Esses movimentos foram importantes, pois ajudaram a formatar o movimento pentecostal.

    O Montanismo, um movimento considerado de natureza apocalptica liderado por Montano no sculo II d.C., defendia, especialmente, que cada cristo poderia ser um canal de revelao do prprio Esprito Santo. O movimento foi suprimido no Ocidente e Oriente respectivamente nos sculos III e VI, mesmo tendo Tertuliano77 como um de seus principais defensores.

    76 ROMETRO, Paulo. D ecep cionados com a g r a a : esperanas e frustraes no Brasil neopentecostal. So Paulo: Mundo Cristo, 2005, p. 23.77 Para Cairns (O cristian ism o a travs dos sculos: uma histria da Igreja crist. 2. cd. So Paulo: Vida Nova, 1995), Tertuliano (c. 160 c. 230) foi o principal apologista da Igreja Ocidental. Ele nasceu na casa de um ccnturio romano de servio em Cartago. Conhecedor de grego e latim, os clssicos lhe eram familiares. Fez-se um advogado competente, ensinou oratria e advogou em Roma, onde se converteu ao cristianismo. Sua natureza fogosa e seu esprito de luta levaram-no a se aproximar das propostas do montanismo, tomando-se montanista em 202. Sua mente lgica latina inclinou-o para o desenvolvimento de uma slida teologia ocidental e na refutao s falsas foras filosficas e pags que se opunham ao cristianismo (p. 87). Outra obra que enfatiza mais os aspectos doutrinrios de Tertuliano A histria das doutrinas crists (So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1992), de Louis Berkhof.

  • Percebe-se que o Montanismo, ao defender a liberdade de ao do Esprito Santo, defendia uma espcie de liberdade dos adeptos no contato com o sobrenatural, aproximando o cristo de uma realidade transcendente. A ideia de revelao do sobrenatural estava bastante presente neste grupo.

    C) Pietismo teve seu incio entre luteranos alemes no sculo XVII. A obra clssica do movimento Pia desideria, de Philipp Jakob Spener (1635-1705), onde o autor comenta: Apesar de no ser facilmente discernvel aos olhos humanos, a misria espiritual de nossa pobre igreja , incomparavelmente, mais grave e perigosa. (...) Aprendemos muito aquilo que desejaramos no ter aprendido. Negligenciamos, porm, as coisas fundamentais, como ouvimos de Lutero. Quantos pastores, chegando pela primeira vez em suas comunidades, descobrem que aquilo que lhes custou tanto para aprender, completamente intil. Ento comeam a refletir sobre o que lhes realmente necessrio e descobrem que se trata daquilo que eles rejeitaram e agora arrependem-se, desejando t-lo aprendido

    j y 7 f ianteriormente .O Pietismo tambm uma crtica ao modelo de igreja da

    poca e trazia o discurso de prtica dos ensinamentos bblicos, questionando o conhecimento exacerbado que no gerava frutos.

    Mas a grande contribuio para o surgimento do pentecostalismo veio, mais especificamente, do Metodismo.79 Este foi um movimento ingls do sculo XVIII que teve como grande expoente a figura de John Wesley (1703-1791).

    Wesley fora influenciado pelo pietismo alemo e dizia que o mundo era a sua parquia, ou seja, pregaria onde fosse preciso e possvel. Muitos comearam a se reunir em torno de suas mensagens, e aps as perseguies religiosas na Europa um

    78 SPENER, Philip Jakob. Pia desideria . So Bernardo do Campo: Imprensa Metodista c Programa Ecumnico de Ps-Graduao em Cincias da Religio, 1985, p. 23-33.79 ROMETRO, Paulo. D ecep cion a d o s...cit., p. 30.

  • grande nmero de adeptos do metodismo foi para os Estados Unidos.

    Aquilo que se denomina como pentecostalismo atual80 tem ligao direta com o que aconteceu em Topeka, Kansas, Estados Unidos da Amrica. O pregador Charles Parham comeou, em 1900, uma escola bblica chamada Betei. Este grupo, influenciado por crculos que buscavam santidade, estava em busca de uma ligao mais direta com o Esprito Santo.

    Uma experincia transcendente de um jovem que orava no dia 1. de janeiro de 1901, e que relatava sentir uma alegria muito grande, louvando a Deus e falando lnguas estranhas, desencadeou outras experincias similares. Tais experincias vieram acompanhadas de outros sinais, como curas e converses, que se espalharam pelo territrio norte-americano e at para outros pases.81

    As denominaes tradicionais levantaram crticas ao novo movimento, mas os questionamentos no impediram o avano pentecostal.82 Muitas igrejas foram formadas, sendo as Assemblias de Deus a maior delas. Mais tarde, o pentecostalismo tornou-se fator importante para a formao de outro grupo na Amrica do Norte, que tambm alcanaria propores mundiais, e que seria conhecido como movimento carismtico. Com nfase no batismo do Esprito Santo e na glossolalia, esse movimento passaria a existir em quase todas as denominaes evanglicas tradicionais, preparando o caminho para o futuro movimento neopentecostal.83

    80 Idem, p. 31.81 Idem, p. 32.82 No Brasil tambm houve perseguies e crticas ao pentecostalismo. Boanerges Ribeiro, em seu livro Igre ja eva n glica e rep b lica b ra sile ira (1S 89-1930) (So Paulo: () Semeador, 1991), traz algumas destas situaes de perseguio que ocorreram com os protestantes tradicionais e com os pentecostais.83 ROMEIRO, Paulo. D ecep cionados., .cit., p. 34.

  • () Brasil recebeu o pentecostalismo do estrangeiro, como, geralmente, quase tudo que chegava aqui.84 No incio do sculo XX, missionrios, especialmente norte-americanos, que j tinham trazido as igrejas denominadas protestantes histricas, trazem para o pas a nova roupagem protestante, com outros atores.85 Embora os missionrios pentecostais fossem decisivos para o sucesso da empresa no Brasil, houve o caso, por exemplo, da Congregao Crist no Brasil, que seguiu um modelo peculiar por ter sido implantada por um leigo.

    No Brasil o pentecostalismo tambm demonstrou sua tendncia de produzir formas autctones, mesmo recebendo, a p r io r i , uma doutrinao que vinha do exterior. O Pentecostalismo chegou tarde ao cenrio religioso brasileiro, mas chegou com a fora de uma tempestade tropical, penetrando nas principais regies do pas e em quase todos os povoados. Direta ou indiretamente, atingiu todas as igrejas e esforos missionrios e talvez, at certo ponto, todas as congregaes locais. O Pentecostalismo descobriu nas massas esquecidas e analfabetas e nos adeptos do catolicismo popular um campo frtil para sua mensagem e mtodos e obteve resposta. (...) Ou bem ou mal, ele influenciou todo o culto no pas, tanto protestante como catlico.86

    No ano de 1910 um imigrante italiano chamado Luigi Francescon, que professara o presbiterianismo nos Estados Unidos da Amrica, onde tambm tivera algumas experincias carismticas, chegou ao Brasil e passou a pregar na cidade de So Paulo e na pequena localidade de Santo Antnio da Platina, no Paran. Ele no estava ligado a nenhuma organizao eclesistica

    84 Alis, as igrejas ditas histricas e tradicionais vieram do estrangeiro. () livro de Ruth A. Tucker, A t os con fins da terra: urna histria biogrfica das misses crists, So Paulo: Vida Nova, 1996, traz informaes sobre esta perspectiva missionria dos protestantes.85 Congregao Crist no Brasil (1910), Assembleia de Deus (1911), Igreja do Evangelho Quadrangular (1953), para citar apenas algumas consideradas pentecostais.86 IIAI1N, Carl Joseph. H istria do cu lto p ro te s ta n te no B rasil. So Paulo: Aste, 1989, p. 335.

  • estrangeira, e a sua pregao acabou dando origem Congregao Crist no Brasil, a primeira igreja pentecostal brasileira, que at hoje conserva caractersticas prprias e mantm-se independente de qualquer outra denominao estrangeira. Essa originalidade ser uma constante no surgimento de novas denominaes pentecostais no Brasil.8"

    O desenvolvimento do pentecostalismo brasileiro deu-se por geraes de diferentes igrejas que, mesmo pentecostais, tm suas diferenas bem acentuadas entre si.88 A Congregao Crist no Brasil e as Assembleias de Deus, que se iniciaram em 1910 e 1911 e se tomaram instituies bastante fortes, fazem parte da primeira gerao ou primeira onda. Nesse primeiro momento h uma nfase na questo do dom de lnguas (glossolalia) e tambm na cura; apesar de entendida como dom particular, no d lugar a sesses espetaculares ou a publicidade prosetista. Na evangelizao, a Congregao Crist, por exemplo, utiliza a maneira direta (sem ir s praas ou a emissoras de rdio); os prprios membros divulgam as doutrinas da igreja e fazem novos adeptos.

    As igrejas que fazem parte da segunda onda, surgida nos anos 50, poderiam ser consideradas de movimen