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10/12/2003 TRIBUNAL PLENO HABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE PACIENTE : LUIZ ALBERTO CHEMIN IMPETRANTES : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E OUTRO ADVOGADOS : PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR E OUTROS COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por Supremo Tribunal Federal Diário da Justiça de 13/05/2005

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HC 81611Ementa e Acórdão (2)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE PACIENTE : LUIZ ALBERTO CHEMIN IMPETRANTES : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E

OUTRO ADVOGADOS : PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR E OUTROS COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.

1. Embora não condicionada a denúncia à representação da

autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da

punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.

3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do

contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os

Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por

Supremo Tribunal Federal Diário da Justiça de 13/05/2005

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maioria de votos, em conceder o habeas corpus, nos termos do voto do

Relator, vencidos a Senhora Ministra Ellen Gracie e os Senhores

Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, que o indeferiam.

Brasília, 10 de dezembro de 2003.

MAURÍCIO CORRÊA - PRESIDENTE

SEPÚLVEDA PERTENCE - RELATOR

Supremo Tribunal Federal

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Relatório (14)

16/10/2002 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE PACIENTE : LUIZ ALBERTO CHEMIN IMPETRANTES : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E

OUTRO ADVOGADOS : PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR E OUTROS COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - O Ministério

Público Federal, em 18.06.97, ofereceu denúncia contra o paciente

por crimes contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º, I e II,

c/c art. 71 C. Pen.), assim deduzida a imputação - f. 171:

“Consta dos autos das inclusas representações nº 140/96 e 1.512/96 que Luiz Alberto, sócio majoritário com 99% (noventa e nove por cento) das quotas societárias e gerente da Cohapro Consultoria de Imóveis S/C Ltda. até 30 de novembro de 1.993 conforme documento de fls. 118/119 e diretor vice-presidente da Chemin Construtora S.A., conforme ficha de controle da Jucesp a fls. 137 dos autos da representação Ccrim 140/96 praticou as seguintes condutas:

1. Entre agosto de 1.991 e novembro de 1.993

(fls. 120/139 da rep 1.512/96), Luiz Alberto, por ocasião do empreendimento imobiliário denominado “Residencial Parque das Alamedas”, composto por vinte blocos num total de trezentos e sessenta apartamentos, e através dos procuradores de suas duas empresas, firmou com os compromissários compradores dois contratos: um contrato particular de compromisso de compra e venda em que a Chemim Construtora S.A. figurava como vendedora e um segundo contrato, de prestação de serviços, onde a Cohapro Consultoria de Imóveis S/C Ltda., comprometia-se a atuar na “assessoria na intermediação e contratação de financiamento junto a CEF”.

2. Luiz Alberto atendeu a ação fiscal procedida pela Receita Federal. O auditor responsável por tal fiscalização intimou e ouviu todos os adquirentes do supracitado empreendimento, e procedeu a apreensão dos

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contratos. Os termos de declarações e respectivos contratos, acostados aos anexos das presentes representações, atestam os pagamentos efetuados pelos compradores dos imóveis que chegaram a apresentar, na ocasião, os respectivos recibos aos auditores fiscais.

3. Apesar da receita auferida, Luiz Alberto nunca chegou a lançá-la nos registros contábeis da empresa. Aliás, há dúvidas, inclusive, de que a empresa possua os respectivos livros contábeis, uma vez que, apesar de reiteradamente intimada a fazê-lo, os mesmos não foram apresentados.

4. Nas declarações de rendimentos apresentadas pela empresa referentes aos anos-base de 1.991 e 1.992 e na declaração de encerramento referente ao ano-base de 1.993, Luiz Alberto não fez constar quaisquer rendimentos, como se pode ver, as fls. 76/85, 62/71 e 40/60 da representação 1.512/96.

Tais fatos geraram os seguintes autos de infração:

(...) Isso posto, ao suprimir tributo e

contribuição social através da omissão de informação às autoridades fazendárias e mediante fraude a fiscalização tributária, omitindo operações em documentos e livros exigidos pela lei fiscal, o denunciado incorreu no artigo 1º, incisos I e II da Lei 8.137/90, combinados com o artigo 71 do Código Penal.”

02. Recebida a denúncia pela 4ª Vara Federal Criminal da

capital de São Paulo, impetrou-se habeas corpus ao Tribunal Regional

Federal, que o indeferiu (HC 23.669), seguindo-se o desprovimento do

recurso ordinário pelo Superior Tribunal de Justiça (RHC 9191).

03. Da decisão do STJ, houve recurso extraordinário,

indeferido na origem e não conhecido o agravo, por intempestividade.

04. Donde, a presente impetração originária, de cujas razões

extrato:

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“Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de LUIZ ALBERTO CHEMIN objetivando o trancamento de ação penal por pretenso crime contra a ordem tributária, consistente em ter omitido às autoridades tributárias informações referentes à empresa COHAPRO CONSULTORIA DE IMPÓVEIS S/C LTDA, da qual teria sido sócio gerente para suprimir tributo.

No caso, a empresa teria percebido remuneração por conta de serviços prestados a diversos clientes e, não obstante, ao se fazer a respectiva declaração de rendimentos, foi informado que não houve qualquer receita em relação ao mesmo período.

A denúncia foi oferecida perante o Juízo da 4ª Vara Criminal de São Paulo e ali recebida. Impetrou-se, então, pedido de habeas corpus, dirigido ao colendo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em que se argumentou ter havido constrangimento ilegal pelo oferecimento e recebimento da denúncia enquanto ainda estava pendente de apreciação impugnação do lançamento apresentada em sede administrativa, consoante facultado pelo Decreto nº 70.235/72, que rege o processo administrativo fiscal.

Destacou-se que a referida impugnação atacou o Auto de Infração quer quanto ao aspecto da legalidade quer quanto ao montante nele determinado, lembrando que o art. 34 da lei nº 9.429/95 veio a estabelecer a possibildiade de se extinguir a punibilidade mediante o pagamento do tributo, para o que se faz necessário o conhecimento do exato montante devido, o que somente se pode saber após o exaurimento das instâncias administrativas. De modo contrário, a se exigir o pagamento do valor apurado numa primeira fase pelo mero lançamento expresso em Auto de Infração, estaria sendo vilipendiado o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório.

De outro lado, salientou-se que o art. 83 da Lei nº 9.430/96, ao condicionar a comunicação pela autoridade administrativa ao Ministério Público ao exaurimento da fase contenciosa administrativa, teria criado, segundo a ótica de alguns respeitáveis doutrinadores e mesmo eminentes Juízes, uma condição de procedibilidade.

Também argumentou-se que o crime contra a ordem tributária seria crime de dano e não de mera conduta, só se consumando diante da recusa do contribuinte de pagar imposto definitivamente constituído. Entende-se estar definitivamente constituído o lançamento quando este não mais for passível de alteração na fase contenciosa do

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procedimento (art. 13 do Decreto nº 70.235), sendo a partir de então que passa a correr o prazo de prescrição (art. 174 do CTN).

Por maioria de votos, entretanto, a ordem foi denegada, em acórdão assim ementado:

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO

PENAL COM FULCRO NO ART. 83 DA LEI Nº 9.430/96. IMPOSSIBILIDADE.

- A representação fiscal de que fala a Lei nº 9.430/96 não foi erigida em condição de procedibilidade da ação penal tributária. O Parquet pode promovê-la, desde que possua elementos relativos suficientes da autoria e prática delitivas (ADIN nº 1571-1).

- Ordem denegada. No recurso ordinário, sustentou-se, com base em

voto vencido da ilustre Juíza SUZANA CAMARGO, do egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que “tendo o legislador admitido a extinção da punibilidade mediante o pagamento dos tributos devidos e seus acessórios antes do oferecimento da denúncia, em se tratando de crimes contra a ordem tributária, resulta incongruente o desencadeamento da ação penal sem que, antes, esteja ultimado o processo administrativo-fiscal, determinador do quantum debeatur.” Ou, como anotado também por S. Exa., em outro trecho do v. voto vencido:

“Assim, mesmo a despeito de deter o

Ministério Público o poder de exercício da ação penal que lhe é concedido pela Constituição Federal - artigo 129, inciso I, e que no caso em tela, independe da manifestação da vontade de terceiros, resultaria de todo ilógico que o mesmo Estado que instituiu o instituto da extinção da punibilidade ao devedor que viesse a saldar o seu débito antes do oferecimento da denúncia, por outro lado, permitisse que contra o mesmo fosse dado início ao seu “jus puniendi”, sem que antes fosse dada a oportunidade para que aquele pudesse utilizar-se daquela faculdade.

E esta oportunidade só poderá ser exercida quando da obtenção do valor certo, líquido e exigível, até mesmo para que o tipo penal consubstanciado na “supressão ou redução

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do tributo” reste caracterizado, sendo certo que somente após o término do processo administrativo é que isto irá efetivar-se.

Não obstante, limitou-se o v. aresto recorrido,

da também conspícua Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a reafirmar o entendimento de que:

RHC. CRIME CONTRA A ORDEM

TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ART. 83 DA LEI Nº 9.430/96. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. NÃO-RECONHECIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

I. A representação fiscal do art. 83 da Lei nº 9.430/96 não se constitui em condição de procedibilidade para a propositura da ação penal tributária. Precedentes.

II. Recurso desprovido. O ilustre Ministro Gilson Dipp, relator,

assinalou no r. Voto condutor do aresto:

“Não merece prosperar a irresignação.

Esta Turma firmou o entendimento de que a representação fiscal do art. 83 da Lei nº 9.430/96 não se constitui em condição de procedibilidade para a propositura da ação penal tributária, do que resulta a inexistência de qualquer óbice ao prosseguimento instaurado contra o paciente.””

05. O acórdão cita precedentes da Turma, na mesma linha

(STJ:HC 8208, Fischer e HC 6953, Fonseca) e acolhe o parecer da

Subprocuradoria Geral, de sua vez, fundado na decisão do Supremo na

ADInMC 1571, 20.03.97, da lavra do em. Ministro Néri da Silveira (DJ

25.09.98).

06. Segue-se na petição a invocação dos votos proferidos pelo

em. Ministro Jobim e por mim mesmo, no HC 77002 (Inf. STF 228 e

249), cujo julgamento pelo Plenário acabou prejudicado pela

superveniência da absolvição do paciente.

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07. Finalizam os ils. impetrantes:

“Na hipótese vertente, o processo administrativo ainda não está encerrado. No momento, aguarda-se a formalização e publicação de acórdão da 7ª Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, que, apreciando o recurso voluntário interposto, deu parcial provimento ao recurso. De tal decisão, cabe, ainda, recurso para a Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Deve ser assinalado que por conta das decisões administrativas até aqui proferidas o crédito tributário se encontra reduzido a um terço do que originariamente havia sido lançado.

Dessa maneira, patenteia-se que a oferta de denúncia antes do encerramento do processo administrativo-fiscal foi prematuro, como assentado pelos r. votos dos eminentes Ministros JOBIM e PERTENCE no HC 77.002 antes mencionado.

Por isso, a decisão do egrégio Superior Tribunal de Justiça importou em violação ao direito de ir e vir do paciente, que cumpre ser resguardado por força do deferimento do writ.”

08. A impetração veio instruída pelo extrato da decisão da Ac

107-06453, da 7ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes no recurso

administrativo do paciente, parcialmente provido, nos termos

seguintes:

“Texto da Decisão: Por unanimidade votos, REJEITAR as preliminares suscitadas e no mérito, também por unanimidade de votos, DAR provimento PARCIAL para: 1) IRPJ - afastar a exigência relativa ao ano calendário de 1993, admitir a dedução dos prejuízos declarados em relação aos anos calendários de 1991 e 1992; 2) IRLL - declarar insubsistente o lançamento; 3) CSSL - afastar a exigência relativa ao ano calendário de 1993; ajustar ao decidido no IRPJ em relação aos anos calendário de 1991 e 1992; 4) IR NA FONTE; afastar a exigência; 5) PIS - Ajustar ao decidido no IRPJ.”

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09. O pedido foi inicialmente distribuído ao Ministro Néri da

Silveira, que, por despacho de 06.02.02, indeferiu a liminar, porque

inexistente o risco iminente à liberdade de ir e vir do paciente (f.

147).

10. O caso, entretanto, me foi redistribuído por prevenção,

visto ter sido relator do agravo tirado do indeferimento do RE (Ag.

336.299, f. 95 ss).

11. Petição de ilustres advogados constituídos pelo paciente

para insistir na concessão da liminar, depois de referir a decisão

do Conselho de Contribuintes, aduziu:

“Como se verifica, os tributos devidos foram sensivelmente reduzidos por meio do recurso interposto. Mas não é só.

O lançamento ainda não se tornou definitivo porque a decisão proferida pela Sétima Câmara do 1º Conselho de Contribuintes será objeto de novo recurso.

Afora a inexistência de definição em relação ao quantum devido, a empresa Cohapro, em 26 de setembro de 1996 (doc. 5), bem antes do recebimento da denúncia, que se deu em 13 de janeiro de 1998 (doc. 6), já havia efetuado o recolhimento de parte dos tributos devidos, que entendeu por bem não discutir.

Nesse quadro, mesmo reconhecendo que o art. 83 da Lei nº 9430/96 não instituiu condição de procedibilidade da ação penal, o oferecimento e recebimento da denúncia configuram patente constrangimento ilegal contra o paciente.

É que, sem que o lançamento tenha se tornado definitivo, na via própria, inviável o desencadeamento da ação penal contra o paciente.

Entendimento diverso comportaria violação à ampla defesa e ao contraditório porque o contribuinte ficaria impossibilitado de discutir na esfera administrativa a autuação sofrida, sendo compelido a recolher o valor total da autuação, para os fins de extinção da punibilidade, para não ser submetido à ação penal.

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No caso em epígrafe, com maior razão, há de se reconhecer a falta de justa causa para a ação penal, já que houve sensível redução do valor devido, por via recursal; houve recolhimento de parte do tributo devido, antes do recebimento da denúncia e o lançamento ainda não se tornou definitvo, comportando nova impugnação, que será apresentada.”

12. E adiante:

“Esclareça-se ainda que, em decorrência do improvimento do recurso ordinário, pelo Superior Tribunal de Justiça, foi designado interrogatório para o paciente, para o próximo dia 6 de agosto, às 14:00 horas (doc 7).

Além disso, a distribuição do feito em questão está apontada em certidões criminais do paciente, com grande prejuízo para suas atividades profissionais, considerando-se sobretudo que é diretor da empresa Chemin Construtora S/A, que desenvolve empreendimentos imobiliários, dependendo de empréstimos concedidos por instituições financeiras. Tais instituições, para a concessão de crédito à empresa, exigem a apresentação de certidões criminais dos sócios, sendo que o apontamento do processo penal em foco, com relação ao paciente, está limitando os créditos recebidos por sua empresa.”

13. Despachei (f. 239):

“Atento à plausibilidade dos fundamentos da

impetração — coincidentes, ao primeiro exame, com o voto que proferi no HC 77002 (Informativo STF 249) — e às ponderáveis razões aventadas acerca do periculum in mora, defiro a liminar requerida.

Comunique-se ao juízo da causa. Vista à Procuradoria Geral da República.”

14. Pelo Ministério Público Federal, o il. Subprocurador-Geral

Cláudio Fonteles, para opinar pelo indeferimento da ordem, acentuou

- f. 249, 252:

“A circunstância de se estar a discutir, na instância administrativo-fiscal, o crédito tributário,

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esta circunstância, em si, não pode embargar o desenvolvimento da relação processual penal de instauração judicialmente admitida, com o correto reconhecimento da presença do “fumus boni juris” na denúncia, como formalizada.

Pode sim constituir-se - e aí está a garantia da plena defesa com o instrumento apropriado haurido na própria legislação processual penal - em questão prejudicial heterogênea facultativa, como dispõe o artigo 93, do C.P.P., que, e justamente por ser prejudicial, atacará o mérito da pretensão punitiva em decisão transferida a outro Juízo, porque especializado ao tema, mas jamais a órgão administrativo, tal sucede com o conselho de contribuintes.

No caso, inclusive, o próprio conselho reconheceu, na conduta do paciente, a ação dolosa. De se ler na ementa do julgado, trazida pela própria impetração, verbis:

“MULTA AGRAVADA - A ação dolosa

tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento, justifica a multa qualificada.

Há evidência no autos do processo de que a autuada ocultou integralmente receitas obtidas com a execução de contratos de prestação de serviços, e o fez de tal forma que apresentou prejuízo nos dois primeiros anos-calendários, furtando ao conhecimento do fisco a ocorrência do fato gerador do imposto, fundamento da imposição da penalidade fiscal cominada de 150% sobre o imposto e as contribuições mantidos”. (vide: fls. 191) Diz a impetração que: “De tal decisão, cabe,

ainda, recurso para a Câmara Superior de Recursos Fiscais” (fls. 9) e daí, quem sabe, ao Ministro da Fazenda de sorte que teremos, em última instância, solitário ato de autoridade governamental a decidir sobre pretensão punitiva posta ao crivo do Poder Judiciário.”

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15. Reporta-se S. Exa. a artigo doutrinário que publicou (1),

de brilhante e erudita crítica ao voto que proferi no HC 77002, de

que juntou cópia.

16. Nele, depois de resumir com precisão o meu voto e de

sustentar - além do que considerara eu que também o tipo do art. 2º

da L. 8137 é crime de resultado, o il. jurista prossegue - f. 255,

265:

“23. De plano, importa bem estabelecer o que seja condição objetiva de punibilidade.

24. Está em Giuseppe Bettiol, verbis:

“Há porém casos determinados nos quais o legislador, embora considerando estruturalmente perfeito um crime, faz depender a punibilidade do fato delituoso da verificação de um ulterior evento, que Código e doutrina chamam de condições de punibilidade. Assim, por exemplo, o fato da embriaguez recebe punição (art. 688) quando o ébrio seja surpreendido em tal estado em lugar público ou aberto ao público. (Direito Penal – vol I – pg. 240) 25. Adiante, e a partir das colocações de

Vannini, prossegue o em. penalista, verbis:

“Indiscutivelmente – afora a já afirmada inexistência de um crime antes que a condição se verifique – o critério apresentado atinge o escopo porquanto isola a condição de punibilidade dos elementos do fato, e enquanto o fato é o complexo dos elementos materiais reconduzíveis à ação humana, a condição de punibilidade deve encontrar-se fora de qualquer repercussão que a ação humana possa ter sob o aspecto da causalidade física ou do da psicológica. Como afirmou Delitala com exatidão, a condição de punibilidade deve encontrar-se fora de qualquer relação causal

1 Cláudio Fonteles - A constituição do crédito tributário não é condição objetiva de punibilidade aos delitos contra a ordem tributária, RT 796/492

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com a ação humana. Se ela se encontra em relação de dependência causal com a ação, no sentido de que possa ser considerado como efeito embora remoto da ação, tal evento não poderá ser considerado condição de punibilidade mas será elemento constitutivo do fato. Assim, o escândalo público no delito de incesto está sempre em dependência causal com a ação incestuosa e é portanto elemento constitutivo do fato no delito de incesto. A condição de punibilidade é independente ainda da culpabilidade, porque não se exige que ela seja desejada pelo sujeito agente.”(pg. 243/4, grifamos) 26. É por isso que, exterior ao elementos que

constituem o fato típico, inclusive à culpabilidade, agrega-se ao conceito a expressão: objetiva. Assim, condição objetiva de punibilidade.

27. Posicionando-se na mesma linha, o em. Heleno Claudio Fragoso, centrado na punibilidade como fator de presença na estrutura do delito, ainda quando não como constitutivo, mas como decorrência inevitável esclarece, verbis:

“A punibilidade não é característica

geral do crime, ou, se se quiser, elemento do crime, mas sua conseqüência. Porém, é indispensável à existência do delito. Pode haver crime que não seja, eventualmente, punido (morte do réu, prescrição, decadência, etc.) mas não pode haver crime que não seja um fato punível. As condições objetivas de punibilidade são, sem sombra de dúvida, elementos constitutivos do crime, desde que sem elas o fato é juridicamente indiferente: São, pois, condições de punibilidade do fato.

Não existe crime antes que a condição objetiva de punibilidade se verifique. Antes da condição, portanto, não há crime condicional ou condicionado, nem crime de punição condicionada, mas fato irrelevante para o Direito Penal. Tal fato somente se torna punível, ou seja, somente adquire significação para o Direito Penal, no momento em que se verifica a condição objetiva de punibilidade, sendo impróprio falar-se aqui em

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retroação.”(Lição de Direito Penal – A Nova Parte Geral, 11ª edição – pg. 224/5, grifamos) 28. Ora, se a condição objetiva de punibilidade

só pode ser um acontecimento futuro, ou concomitante, e incerto ao fato acontecido (ainda: Fragoso – pg. 226), como conciliar-se tal perspectiva com a prévia colocação do Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de que, verbis:

“Donde, agredir o sistema, que a elas se equiparasse à chamada “representação-fiscal”, o que importaria confiar à burocracia fazendária – cuja ação a lei exige seja “plenamente vinculada”(CTN, art. 3º, 141, d, 142) – mais que a discrição, o arbítrio para decidir da persecução ou não dos crimes contra a ordem tributária: o absurdo da conclusão evidencia o erro da premissa.

De assentar-se, pois, que nos delitos cogitados, a ação penal pública é incondicionada (¹): o que significa dizer que – titular privativo de sua promoção (CF, art. 129, I) – pode o Ministério Público propô-la, independentemente de qualquer iniciativa condicionante da administração tributária – a qual, pelo contrário, está vinculada ao atendimento da requisição de documentos e informações que, para instruir eventual denúncia, por aquele lhe sejam endereçadas (LC 75, art. 8º, II; L. 8.625, art. 26, I, b).” (vide: transcrição feita no item 5, deste escrito) 29. Então, como autorizar-se, legitimando-a, a

iniciativa persecutória do Ministério Público à punição do sonegador fiscal, inclusive vinculando a administração fazendária “ao atendimento da requisição de documentos e informações” à instrução de eventual denúncia, se não se verificou a condição objetiva de punibilidade: a constituição do crédito tributário?

30. Sejam rememoradas as palavras retro-transcritas do em. Heleno Claudio Fragoso, verbis:

“As condições objetivas de

punibilidade são, sem sombra de dúvida, elementos constitutivos do crime, desde que sem

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elas o fato é juridicamente inexistente”. (transcrição no item 27, retro) 31. Como autorizar-se a persecução penal sobre

fato juridicamente inexistente? 32. Na verdade, a constituição do crédito

tributário jamais pode ser condição objetiva de punibilidade, mas sim questão prejudicial heterogênea.

33. Aliás, o Ministro Sepúlveda Pertence a isso justamente alude, no seguinte trecho de seu voto, verbis:

“Cuida-se, sim, de hipótese

extraordinária – posto que não única -, em que, quando não a tipicidade, a punibilidade da conduta do agente – malgrado típica – está subordinada à decisão de autoridade diversa do juiz da ação penal.”(trecho da transcrição feita no item 20, deste) 34. Data venia, não. 35. A questão posta “à decisão de autoridade

diversa do juiz da ação penal” e que, no caso, versa sobre a constituição, ou não, do crédito tributário, se não o afirma, por óbvio impede a afirmação de que houve supressão, ou redução, do tributo e, assim, versa sobre a tipicidade penal, daí porque se constitui em questão prejudicial – atinge a pretensão posta no juízo penal – heterogênea, porque sua decisão está “em autoridade diversa do juiz da ação penal”, para ficar-se com as próprias expressões do Ministro Sepúlveda Pertence.

36. Questão prejudicial heterogênea quando, por exemplo, o acusado apresenta, documentalmente, na sede penal a decisão administrativa de não constituição do crédito tributário e a sociedade, por seus servidores dotados de legitimação acusatória – os membros do Ministério Público – apresenta, também documentalmente, a prova do ajuizamento de ação cível a questionar tal conclusão administrativa. Abre-se campo à incidência do artigo 93, do Código do Processo Penal, tudo dentro da organicidade do due process of law.

37. Também não posso ter por adequada a ilação do Ministro Sepúlveda Pertence quando, nos instantes conclusivos de seu elaborado voto, formula, verbis:

“Até então, por conseguinte, a

denúncia será de rejeitar-se, nos termos do art. 43, III, C. Pr. Pen., por “falta condição

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exigida pela lei para o exercício da ação penal”. 38. Ora, a rejeição, por tal fundamento, da

peça acusatória reveste-se do caráter dilatório, a teor do quanto traz o Parágrafo único, do mesmo preceito, ao passo que a condição objetiva de punibilidade impede o exercício da ação penal, peremptoriamente.”

É o relatório.

ibc/

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Voto - SEPÚLVEDA PERTENCE (21)

16/10/2002 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator):

17. O longo voto-vista que proferi no HC 77002 - ao cabo de

demorada meditação -, concluiu pela falta de justa causa para a ação

penal pelos crimes de resultado contra a ordem tributária, antes

que, por força da decisão final do processo administrativo, se torne

definitivo o lançamento do tributo em causa.

18. Não me abalaram a convicção então firmada as acuradas

críticas que lhe reservou o parecer da Procuradoria Geral e o

trabalho doutrinário do seu destacado autor, o Prof. Cláudio

Fonteles.

19. Naquele caso - cuja decisão acabou frustrada -, relator, o

em. Ministro Néri da Silveira fundou o seu voto pela denegação do

pedido no acórdão unânime, de cuja formação participei, que

indeferira a medida cautelar na ADIn 1571, assim ementado - RTJ

167/53:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei

nº 9430, de 27.12.1996, art. 83. 3. Argüição de inconstitucionalidade da norma impugnada por ofensa ao art. 129, I, da Constituição, ao condicionar a notitia criminis contra a ordem tributária “a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário”, do que resultaria limitar o exercício da função institucional do Ministério Público para promover a ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária. 4. Lei nº 8.137/1990, arts. 1º e 2º. 5. Dispondo o art. 83, da Lei nº 9.430/1996, sobre a representação fiscal, há de ser compreendido nos limites

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da competência do Poder Executivo, o que significa dizer, no caso, rege atos da administração fazendária, prevendo o momento em que as autoridades competentes dessa área da Administração Federal deverão encaminhar ao Ministério Público Federal os expedientes contendo notitia criminis, acerca de delitos contra a ordem tributária, previstos nos arts. 1º e 2º, da Lei nº 8.137/1990. 6. Não cabe entender que a norma do art. 83, da Lei nº 9.430/1996, coarcte a ação do Ministério Público Federal, tal como prevista no art. 129, I, da Constituição, no que concerne à propositura da ação penal, pois, tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação, conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tiver acesso. 7. O art. 83, da Lei nº 9.430/1996, não define condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública, pelo Ministério Público. 8. Relevância dos fundamentos do pedido não caracterizada, o que é bastante ao indeferimento da cautelar. 9. Medida cautelar indeferida.”

20. Dissentiu o em. Ministro Nelson Jobim, que acolhe a

inadmissibilidade da ação penal antes da decisão final nos processos

administrativos em curso, quando neles se controverta a existência

dos créditos tributários ou o seu montante.

21. O meu voto-vista, como dito - cuja fundamentação peço

escusas aos colegas para reproduzir - se alinhou à conclusão do

Ministro Jobim.

22. Com isso, volto a acentuar, não recuo do meu voto na

ADInMC 1571, mas apenas me pronuncio sobre temas que, naquela

oportunidade, me reservara para melhor exame, quando se fizesse

necessário.

23. Sigo convencido, na verdade, de que o art. 83 da L.

9.430/96 não condicionou a legitimação do Ministério Público para a

ação penal pública por crimes contra a ordem tributária ao que

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chamou de “representação fiscal para fins penais” relativos a tais

delitos.

24. De logo, como enfatizado no precedente pelo em. Ministro

Celso de Mello (RTJ 167/53,59), porque os requisitos de

procedibilidade não se presumem, mas reclamam expressa determinação

legal, que não se contém naquele preceito: nele, somente se fixa o

momento — a decisão final do processo administrativo-tributário — a

partir do qual se faz obrigatória para a autoridade fiscal a remessa

da notitia criminis ao Ministério Público.

25. De resto, ainda que a literalidade do texto legal a

comportasse, a interpretação que convertesse a representação nela

prevista em condicionante da ação penal — nos termos do art. 24

C.Pr.Pen — levaria a rematado absurdo.

26. Com efeito. Nas hipóteses até hoje previstas de ação penal

condicionada, a implementação, ou não, da condição de

procedibilidade — rectius, de legitimação do Ministério Público — é

sempre um ato livre de vinculações.

27. Assim, quando subordinada à representação do ofendido ou

de seu representante, será ela um ato livre de vontade, tão livre

quanto, se fosse o caso, o da propositura da ação penal privada

(v.g., CPen., art. 145, parág. único — crimes contra a honra de

servidor público propter officium; art. 147, parág. único — ameaça;

arts. 151, 152, parág. único; 153, § 1º, e 154, parág. único —

crimes contra a inviolabilidade dos segredos; art. 156, § 1º — furto

de coisa comum; art. 225, § 2º — crimes contra os costumes, se a

vítima é pobre).

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28. E mesmo se condicionada a ação a manifestações de órgãos

ou autoridades públicas, serão todas elas decisões de livre

discrição política: tanto se se cuida, por exemplo, de requisição do

Ministro da Justiça (v.g., C.Pen., art. 145, e L. Impr. Art. 40, I,

a — crimes contra a honra de altos dignitários nacionais e

estrangeiros), quanto se se tratava da licença da respectiva Casa

para a instauração de processo penal contra membros do Poder

Legislativo (CF, art. 53, § 1º, até a EC 32/00, que a aboliu).

29. Em todas as modalidades recordadas, implementar ou não o

ato-condição da ação penal pública depende da vontade do titular —

seja ele o particular ofendido ou a autoridade ou órgão estatal

competente.

30. Donde, agredir o sistema que a elas se equiparasse a

chamada “representação-fiscal”, o que importaria confiar à

burocracia fazendária — cuja ação a lei exige seja “plenamente

vinculada” (CTN, art. 3º, 141 e 142) — mais que a discrição, o

arbítrio para decidir da persecução ou não dos crimes contra a ordem

tributária: o absurdo da conclusão evidencia o erro da premissa.

31. De assentar-se, pois, que nos delitos cogitados, a ação

penal pública é incondicionada (1): o que significa dizer que —

titular privativo de sua promoção (CF, art. 129, I) — pode o

Ministério Público propô-la, independentemente de qualquer

iniciativa condicionante da administração tributária — a qual, pelo

contrário, está vinculada ao atendimento da requisição de documentos

1 Na doutrina, a sustentar a posição contrária — a da ação condicionada à representação do Fisco — encontrei poucas opiniões (v.g. David Teixeira de Azevedo — A representação penal e os crimes tributários: reflexão sobre o art. 83 da Lei 9.430/96, RBCCrim. 19/111; Flávia Penido — O art. 83 da Lei 9.430/96, Cadernos Dir. Tributário, RT, 20/157): trabalhos bem urdidos, mas que não me convenceram.

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e informações que, para instruir eventual denúncia, por aquele lhe

sejam endereçadas (LC 75, art. 8º, II; L. 8.625, art. 26, I, b).

32. Problema de todo diverso — não mais apenas de Processo,

mas também de Direito Penal — é saber se, antes de resolvida, nas

vias administrativas, a impugnação do contribuinte acerca da

existência e do montante do crédito tributário, há justa causa para

a denúncia por crimes tributários (2).

33. A questão não comporta solução unívoca.

34. A resposta há de partir da distinção — à luz da lei penal

incriminatória —, se se cuida de crime material, de dano ou

resultado, ou de crime formal, ou de mera conduta.

35. O voto do Ministro Néri, no HC 77002, parece endossar o

parecer então oferecido pela Procuradoria-Geral, a teor do qual “os

crimes previstos na Lei 8137, em particular aqueles capitulados nos

arts. 1º e 2º, são formais, ou seja, não se exige a produção de um

resultado para a sua consumação”, para concluir daí que “não fica

impedido o Ministério Público de instaurar ação penal, apesar de

ainda pendente o procedimento administrativo”.

2 São diversos e com valiosos subsídios doutrinários os autores que - afastando a tese da ação pública condicionada - no entanto, reclamam a decisão definitiva do processo administrativo. v.g., em pesquisa não exaustiva: Hugo de Brito Machado - Prévio esgotamento da via administrativa e ação penal nos crimes contra a ordem tributária, RBCCrim, RT, 15/231; Nelson Bernardes - ..., RBCCrim, RT 18/93; Damásio de Jesus - A questão da representação na ação penal por delito tributário, Cadernos de Direito Tributário, RT, 20/150; Arlindo Felipe da Cunha - O MP e a representação - art. 83 da L. 9430, Cadernos cit., RT, 20/153; Vinícius Campanile - Interpretação do art. 83..., Cadernos cit., 20/162; Marcelo Borghi da Silva - Da abrangência e da questão da representação do art. 83, Cadernos cit., 21/107; Vidal Serrano Neves - Crimes contra a ordem tributária, Cadernos cit., 21/116; Zelmo Denari, Os ilícitos tributários, Cadernos cit., CDT 21/98;

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36. O silogismo, formalmente correto, perde-se, contudo, data

venia, pela erronia da premissa menor.

37. No art. 2º da L. 8.137, sim, os tipos são de mera conduta

(3).

38. Quanto ao art. 1º, no entanto, engana-se a Procuradoria,

provavelmente porque as ações e omissões previstas nos seus diversos

incisos são descritas em termos similares aos dos tipos dos crimes

contra a fé pública do C.Penal comum.

39. Os últimos, no entanto — os crimes de falsidade material

ou ideológica, segundo a lei comum — são realmente tipos formais, a

cuja concretização bastam a conduta e a potencialidade danosa, não

reclamando a efetivação do prejuízo alheio possível.

40. Diversa a estrutura do delito incriminado no art. 1º da L.

8.137/90, cujo teor vale recordar:

“Art. 1º - Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

3 Em sentido diametralmente oposto, o parecer na espécie do Prof. Fonteles considero que também o art. 2º da Lei tipifica modalidades de crimes de resultado: não convencido, reservo-me para examinar a questão quando necessário, o que não é o caso.

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IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

41. É modalidade clara de tipo misto alternativo, porém, de

resultado: é dizer, qualquer uma das condutas comissivas ou

omissivas descritas nos diversos incisos serve a aperfeiçoar o

crime, mas não basta à sua consumação, para a qual não se prescinde

de que, de uma ou mais delas, resulte a supressão ou redução do

tributo devido.

42. Inversamente do que ocorria na L. 4.729/64 (sonegação

fiscal) — quando, então, sim, condutas similares eram incriminadas

independentemente de lesão efetiva ao Fisco — a vigente L. 8.137/90

optou, no art. 1º, de um lado, por exacerbar gravemente a pena (de 6

meses a 2 anos de detenção para 2 a 5 anos de reclusão), mas, de

outro, pela criação de um tipo de crime de resultado (4): essa

evidência, já a tem proclamado o Tribunal (5).

4 É curiosa a vacilação, a respeito das legislações: nota o d. Hugo de Brito Machado, como, no ponto, a legislação brasileira seguiu o caminho inverso da italiana, na qual se passou, ao contrário, do crime material ao delito formal, precisamente, afirma — invocando Francesco Tesauro — para obviar as dificuldades à persecução penal da evasão tributária advindas da necessidade, à luz do direito anterior, de aguardar se tornasse definitivo o lançamento (Prévio esgotamento da via administrativa e ação penal nos crimes contra a ordem tributária, RBCCrim., 1996, 15/231/233). 5 HC 75 945, 1ª T, 02.12.97, Pertence, DJ 13.02.98: “Crime contra a ordem tributária (L. 8.137/90, art. 1º, I): infração material — ao contrário do que sucedia no tipo similar da L. 4.729/65 —, à consumação da qual é essencial que, da omissão da informação devida ou da prestação da informação falsa, haja resultado efetiva supressão ou redução do tributo: circunstância elementar, entretanto, em cuja verificação, duvidosa no caso, não se detiveram as decisões condenatórias: nulidade”.

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43. A tese de ser crime material ou de resultado o do art. 1º

da L. 8.137/90, de outro lado, parece assente na doutrina pátria (6).

44. Assentado que o aperfeiçoamento do crime atribuído no caso

ao paciente exige resultado lesivo, duas polêmicas intermináveis — a

primeira, paixão dos tributaristas; a outra, dos penalistas —

poderiam ser chamadas ao proscênio, a fim de esclarecer o papel e a

relevância a emprestar, relativamente à persecução dos delitos

contra a ordem tributária, à definitividade — ao menos, na órbita

administrativa — do lançamento da exação tributária em causa.

45. Com efeito. Certo que o crime se consuma com o evento

supressão ou redução do tributo e no momento em que se verifiquem,

uma visão ortodoxamente declarativista do lançamento quiçá pudesse

ser chamada, em tese, para sustentar a retroação da sua eficácia ao

tempo do fato gerador, que coincidiria com o do aperfeiçoamento do

delito e conseqüente viabilidade da ação penal.

46. O que subordinaria a indagação acerca da última — a

viabilidade da ação penal antes da decisão final do processo

administrativo — a percorrer os caminhos pedregosos da controvérsia

infindável entre corifeus e epígonos das diversas teorias sobre a

natureza e a eficácia jurídica do lançamento, em relação à obrigação

e ao crédito tributário — se declaratória, constitutiva, preclusiva,

processual ou procedimental e quantas mais (7).

6 V.g. Damásio de Jesus; Hugo de Brito Machado; Marcelo Borghi Moreira da Silva, Cadernos Dir. Tribut.; Vidal Serrano Nunes, obs locs cits (nota 2 supra). 7 V.g., no Brasil, as notáveis monografias de Alberto Xavier — Do Lançamento, Forense, 1997, J. Souto Maior Borges — Lançamento Tributário, Forense, 1981, a tese de Ruy Barbosa Nogueira — Teoria do Lançamento Tributário, Res. Tribut., 1973 e, com vistas para a questão penal discutida, a palestra de Zelmo Denari — Os Ilícitos Tributários — Caderno de Dir. Tribut., RT, 21/98.

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47. De sua vez — se se assenta a necessidade de aguardar-se a

decisão administrativa final (quando não a de eventual processo

judicial que a questione (8) — poderia parecer necessário dar a

palavra a penalistas e processualistas penais para saber se o

acertamento do crédito tributário, na estrutura do crime,

constituiria elemento essencial do tipo ou condição objetiva de

punibilidade e, em qualquer hipótese, se a pendência de processo

administrativo ou judicial a respeito configuraria, ou não, questão

prejudicial obrigatória.

48. Não me arrisco ao mergulho em águas tão profundas e

procelosas, que, ademais, não creio essencial a decidir a questão.

49. Ao cabo das leituras mencionadas e da demorada reflexão a

que me induziu o caso, cinjo-me a alinhar uns poucos argumentos que

- solidamente alicerçados no direito positivo brasileiro -, foram

bastantes a firmar minha convicção.

50. Da disceptação dos tributaristas em torno da natureza do

lançamento - embora me valha predominantemente de passagem da

admirável reconstrução teórica do tema por Alberto Xavier -, extraio

apenas alguns pontos consensuais, que independem do ponto de partida

teórico e aos quais, de resto, o Cód. Tributário Nacional não

permite fugir.

51. O primeiro é - embora se conceda, ao gosto dos

“declarativistas” e a teor do art. 113 CTN que “a obrigação

tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador” - que o

lançamento - ou, se for o caso, a sua ratificação ou alteração “em

virtude de impugnação do sujeito passivo” (CTN, art. 145, I), na

8 Hugo de Brito Machado, ob. loc. cits., p.

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decisão final do procedimento administrativo - desempenha função de

acertamento da existência e do conteúdo da mesma obrigação.

52. O que, aliás, é próprio de todo ato declaratório, como

enfatiza um “declarativista” assumido, o il. Ruy Barbosa Nogueira

(9), até porque, a rigor, como anota o mestre Souto Maior Borges

(10), “uma eficácia jurídica puramente declaratória corresponderia a

algo paradoxal”.

53. “A relação jurídica tributária, tal como nasce da lei” -

aclara Alberto Xavier (11) - à luz de sua teoria do lançamento como

título jurídico-abstrato do crédito tributário -, “é ontologicamente

certa, no sentido de que, no mundo do direito, ela se constitui

imediatamente com a configuração que lhe traça a norma tributária

material. (...) Mas o fato de a obrigação tributária ser, em si

mesma, certa, não impede que quanto a ela se gere uma situação de

incerteza”. Não importa, aduz, a mera incerteza subjetiva: “como

fundamento da abstração e do efeito preclusivo encontra-se, sim, a

incerteza objetiva, resultante da simples potencialidade de uma

contestação, de um conflito de apreciação quanto à existência e

conteúdo da obrigação”.

54. “O lançamento foi assim concebido pela lei” - conclui -

“como uma forma de remoção ou eliminação da incerteza objetiva que

impende sobre a obrigação tributária...”.

55. A fortiori, essa função do lançamento ganha relevo na

teoria de Souto Maior Borges (12), que - na trilha de Kelsen - divisa

no ato a criação da norma individual da obrigação tributária

9 Ruy Barbosa Nogueira, ob. cit., p. 38 10 José Souto Maior Borges, ob. cit., p. 535 11 Alberto Xavier, ob. cit., p. 580

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concreta, fundada na “obrigação tributária de caráter geral e

abstrato nascida com a ocorrência do fato jurídico-tributário”, mas

sempre inovadora e, pois, com “carga de constitutividade” em relação

a ela.

56. “Antes do lançamento” - assinala, em conseqüência -, “não

há débito, obrigação individualizada e concretizada; há tão só uma

relação entre o dever jurídico do sujeito passivo (contribuinte ou

responsável) e o dever do fisco, que se define como um poder-dever,

de realizar o lançamento”.

57. Dessa necessidade de acertamento ou concretização da

existência e extensão dela é que arranca a distinção no Cód.

Tributário - que ainda assusta aos que apreendemos com os civilistas

a essencial bilateralidade das relações obrigacionais - entre a

obrigação tributária - que “surge com a ocorrência do fato gerador”

(CTN, art. 113, § 1º) - e o crédito tributário - que “compete

privativamente à autoridade administrativa constituir (...) pelo

lançamento” (CTN, art. 142).

58. Em segundo lugar, conspiram os tributaristas, no

interregno de suas desinteligências teóricas, em que a eficácia

preclusiva é um dos instrumentos com os quais opera o lançamento

para realizar sua função de acertamento definitivo, na órbita

administrativa, da existência, individualização e quantificação do

crédito tributário (13).

59. Efeito preclusivo que, como é sabido, se manifesta - no

que interessa - contra a administração, pela impossibilidade de

12 José Souto Maior Borges, ob. cit, p. 535 ss. 13 v.g., Alberto Xavier, ob. cit, p. 581 ss; Souto Maior Borges, ob. cit, p. 543 ss; Ruy Barbosa Nogueira, ob. cit., p. 101 ss;

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revisão do lançamento, em desfavor do contribuinte, salvo hipóteses

legais, restritas e taxativas (CTN, arts. 145, III e 149).

60. “No que concerne às garantias no interesse e da iniciativa

da Administração” - disserta a propósito Alberto Xavier (14) - “a lei

submeteu os poderes de revisão do lançamento de ofício a duas ordens

de limite: limites temporais respeitantes ao prazo dentro do qual a

revisão pode ser legitimamente efetuada, e limites objetivos,

respeitantes aos fundamentos que podem ser invocados para proceder à

revisão”.

61. “Assim” - conclui -, “esgotado o prazo de decadência ou

não existindo fundamento legítimo de revisão, o lançamento torna-se

irrevisível ou imodificável pela Administração, operando-se assim a

sua eficácia preclusiva e a prevalência da relação jurídica

abstrata”.

62. O mesmo é dizer - escusado é demonstrá-lo - se, impugnado

pelo contribuinte, a decisão final do procedimento administrativo do

lançamento termina por desconstituí-lo, declarando a inexistência do

crédito (15).

63. Daí - malgrado a impropriedade conceitual glosada por

Xavier (16) - a freqüência com a qual se alude, na caracterização da

hipótese, a verdadeira “coisa julgada a favor do contribuinte” (17),

para frisar a definitividade, contra a Administração, da decisão

final do procedimento administrativo, quer no tocante ao conteúdo do

lançamento, quer, se for o caso, quanto à inexistência da relação

tributária.

14 Alberto Xavier - ob. cit., p. 583 15 Américo M. Lacombe - Obrigação Tributária, ed. RT 1977, p. 84 16 Alberto Xavier, ob. cit., p. 584

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64. O ponto é indagar dos reflexos penais dessa eficácia

preclusiva da decisão definitiva do procedimento administrativo do

lançamento, em favor do contribuinte ou contra ele.

65. Se é contra ele - de modo a reafirmar a evasão fiscal -,

para não acender a grita da corrente majoritária dos

“declarativistas”, que, por isso, de regra, atribuem retroatividade

ao lançamento -, convém não ir até o ponto de enxergar nessa

hipótese, na decisão administrativa, um elemento essencial do tipo,

que só com o advento dela se consumaria.

66. O que verdadeiramente ilide o juízo positivo de tipicidade

- quando se cogita de crime de dano -, é a eficácia preclusiva da

decisão administrativa favorável ao contribuinte: irrevisível essa,

corolário iniludível da harmonia do ordenamento jurídico impede que

a alguém - de quem definitivamente se declarou, na esfera competente

para a constituição do crédito tributário, não haver suprimido ou

reduzido tributo devido - se possa imputar ou condenar por crime que

tem, na supressão ou redução do mesmo tributo, elemento essencial do

tipo.

67. Se a recíproca é verdadeira, em termos de tipicidade, não

cabe, entretanto, levá-la às últimas conseqüências.

68. E dizer: admitir - em homenagem à alegada retroatividade

do lançamento (18) - que a decisão final adversa ao contribuinte não

é elemento do tipo, que só com ela se consumaria, não vale, em

contrapartida, por afirmar que, antes dela, se possa instaurar o

processo por crime de dano contra a ordem tributária.

17 Vidal Serrano Nunes, ob. loc. cits., p. 118.

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69. Impõe-se aqui uma reflexão de ordem sistemática, além

daquela a que procedeu com lucidez o Ministro Jobim, e sem prejuízo

dela.

70. O art. 146, III, b, da Constituição remeteu à lei

complementar “estabelecer normas gerais em matéria de legislação

tributária sobre (...) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e

decadência tributários”.

71. O Cód. Tributário Nacional, posto que editado em 1966,

tem-se consensualmente como recebido, no tópico, pelos subsequentes

textos constitucionais, incluído o vigente.

72. Nele, como visto - malgrado surja a obrigação tributária

do fato gerador (art. 113, § 1º) - o crédito tributário só é

constituído pelo lançamento - susceptível de revisão, porém,

mediante “impugnação do sujeito passivo” (art. 145, III),

manifestada a qual só ao termo do procedimento ou processo

administrativo se terá por definida a existência e o conteúdo da

relação tributária, pondo fim à “incerteza objetiva, resultante da

simples potencialidade de uma contestação”, como elucida o mestre

Alberto Xavier.

73. De tudo resulta que, enquanto pendente o processo

administrativo, essa incerteza objetiva sobre a existência e o

conteúdo da obrigação remanescerá.

74. Ora - dadas, de um lado, a competência privativa da

Administração fiscal para “constituir o crédito tributário” e, de

18 Contra a retroatividade: José Souto Maior Borges, ob. cit., p. 537

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outro, que o crime definido no art. 1º da L. 8.137 pressupõe a

existência de tributo - rectius, do crédito tributário - que,

mediante uma das condutas prescritas, o agente antes houvesse

logrado “suprimir ou reduzir” -, não se pode afirmar, sequer para a

denúncia, a ocorrência desse pressuposto, enquanto, a respeito, não

opere, pelo menos, o efeito preclusivo da decisão final do processo

administrativo.

75. Não se trata - é imperativo notar - de subordinar a

denúncia à prévia certeza de todos os elementos de fato necessários

à sua procedência: seria imperdoável retrocesso relativamente à

autonomia do direito da ação, pilar de todo o Direito Processual

moderno.

76. Cuida-se, sim, de hipótese extraordinária - posto que não

única -, em que, quando não a tipicidade, a punibilidade da conduta

do agente - malgrado típica - está subordinada à decisão de

autoridade diversa do juiz da ação penal.

77. Por isso - se não se quer, para fugir de polêmica

desnecessária, inserir a decisão definitiva do processo

administrativo de lançamento entre os elementos do tipo do crime

contra a ordem tributária - a questão apenas se desloca da esfera da

tipicidade para a das condições objetivas de punibilidade.

78. A legitimidade dessa categoria das condições objetivas de

punibilidade, sabidamente, não é aceita sem resistências na doutrina

penal, sobretudo pela erosão, que dela pode advir, na linha do art.

44 do Código Penal italiano, de princípios do Direito Penal da Culpa

(19).

19 cf., por todos, Zaffaronni, Trat. Der. Penal, EDIAR, 1988, V/51 ss.

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79. Não obstante, penso - afastados os casos em que seria

possível a sua inserção no tipo, para, conseqüentemente, reclamar-se

a sua compreensão nas raias da culpa do agente -, que há, sim,

espaço para a admissão de verdadeiras condições objetivas de

punibilidade, inconfundíveis com os elementos do tipo.

80. “A punibilidade” - ensinou o douto e saudoso Roberto Lyra

Fº (20) - “enquanto conseqüência do crime, deriva-se, normalmente

(...) da conduta típica, pois a punibilidade nada mais é que a

aplicabilidade da pena, ou seja, a possibilidade jurídica de impor a

sanção”(Antolisei).

81. Mas - afora as hipóteses de isenção de pena (v.g., CP,

art. 181) - anotou - “Noutras hipóteses, há condicionamento de

punibilidade, isto é, a punibilidade só advirá quando um elemento

posterior à conduta típica acrescentar-se, para determinar as

conseqüências penais”.

82. O exemplo de que se serve Lyra Filho é feliz - o do art.

122 C. Pen. - no qual, embora aperfeiçoado o crime com o

induzimento, a instigação ou o auxílio ao suicídio, “simplesmente

tentado, não é punível, quando não sobrevem, pelo menos, lesão

corporal de natureza grave”.

83. Mas - porque, na hipótese aventada, o tipo é de mera

conduta - prefiro recordar outro caso de condição objetiva de

punibilidade, geralmente indicado pela doutrina e melhor assimilável

20 R. Lyra Fº e L.V. Cernicchiaro - Postilas de Direito Penal, Brasília, 1969, p. 168

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à espécie: o da sentença de falência, em relação aos crimes

falimentares, inclusive os de dano (21).

84. A equação é semelhante à da espécie: nesta - sempre no

suposto da sua retroatividade -, à data do fato gerador da obrigação

tributária ou, pelo menos, àquela do lançamento originário, o crime

material contra a ordem tributária, desde então, estaria consumado.

85. Não obstante, a sua punibilidade - pelas razões

sistemáticas antes apontadas - estará subordinada à superveniência

da decisão definitiva do processo administrativo de revisão do

lançamento, instaurado de ofício ou em virtude da impugnação do

contribuinte ou responsável: só então o fato - embora, na hipótese

considerada, já aperfeiçoada a sua tipicidade - se tornará punível.

86. Até então, por conseguinte, a denúncia será de rejeitar-

se, nos termos do art. 43, III, C. Pr. Pen., por “faltar condição

exigida pela lei para o exercício da ação penal”.

87. É certo que, em conseqüência, se estará a erigir uma

decisão administrativa em condicionante da instauração de um

processo judicial.

88. Autores de vulto chegam, por isso, a identificar, na

espécie, uma questão prejudicial obrigatória (22).

21 cf, v.g., Maximilianus Führer, Crimes Falimentares, ed RT, 1972, p. 11; Luiz Carlos Betanho in Alberto Silva Franco e outros, Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, 6ª ed., 2/1464 22 V.g., Hugo de Brito Machado, ob. cit. RBCCrim 15/231; Nelson Bernardes, ob. cit, RBCCrim 18/93; contra, à falta de previsão legal, David Teixeira de Azevedo, RBCCrim 19/111.

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89. Sem tomar de logo compromisso com a equiparação da decisão

administrativa discutida às questões prejudiciais stricto sensu

(C.Pr.Pen., arts. 92-94), a semelhança é patente: a diferença é que,

nessas últimas, a decisão subordinante estará também confiada ao

Poder Judiciário, ao passo que aqui se cuidaria de subordinar a

abertura do processo a uma decisão do Poder Executivo.

90. A circunstância não me parece decisiva: tenho a pretensão

de haver demonstrado no voto-vista proferido na Extr 793-QO - que,

de tais situações, não resulta ofensa ao princípio fundamental da

separação e independência dos poderes, mas, ao contrário, o respeito

a ele.

91. Assim, no caso, trata-se, na verdade, é de não usurpar a

competência privativa da Administração para o ato de constituição do

crédito tributário (CTN, art. 142), sujeito ele mesmo, de resto, ao

controle judicial de sua validade, quando se lhe anteponha pretensão

de direito subjetivo violado do contribuinte

92. O trabalho doutrinário em que se embasa o parecer da PGR

argúi de contraditória a conclusão de constituir o lançamento

definitivo do tributo uma condição objetiva de punibilidade do

crime cogitado e a de ser incondicionada a ação penal para a sua

persecução.

93. A increpação, entretanto, não procede: afirmar - como

continuo a fazê-lo - que o MP pode propor a ação penal

“independentemente de qualquer iniciativa condicionante da

administração tributária” nada tem a ver, data venia, com a

assertiva de que não possa fazê-lo antes que se torne definitiva a

constituição do crédito tributário.

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94. O que decorre, sim, de ser a ação penal incondicionada é

que, uma vez implementada essa condição objetiva de punibilidade,

não depende o MP para denunciar da “representação fiscal” prevista

na lei como simples dever de comunicação de sua ocorrência...

95. O voto do Ministro Jobim no HC 77002 suscitou outra razão

para o deferimento do habeas corpus, que parte do art. 34 da L.

9249/95, a teor do qual:

“Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990 (...), quando o agente promover o pagamento do tributo (...), inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

96. Como acentuei então, em tese, não teria dúvidas em

subscrever também esse fundamento adicional da concessão da ordem.

97. A lei restabeleceu ali normas anteriores e emprestou a um

ato do sujeito ativo da infração penal - a satisfação, antes da

denúncia, do tributo correspondente -, o efeito de extinguir a

punibilidade do crime contra a ordem tributária: o que pressupõe a

exigibilidade e a liquidez do crédito tributário correspondente.

98. Mas, só a decisão definitiva do procedimento

administrativo do lançamento - rectius, de sua revisão provocada

pelo contribuinte - faz líquido o crédito tributário e, em

conseqüência, permite ao devedor liberar-se dele pelo pagamento.

99. “O fato tributário” - esclareceu Xavier (23) - “uma vez

realizado, dá imediatamente origem à obrigação tributária; mas esta

23 Alberto Xavier, ob. cit., p. 576

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situação, este efeito, só é invocável pelas partes através do título

jurídico formal e nos precisos termos”.

100. “O lançamento, como título abstrato da obrigação

tributária” - conclui, a partir das premissas e nos termos de sua

elaborada teoria - “é, assim, em sentido técnico, sua condição de

atendibilidade: na ausência do título, nem o credor pode reclamar a

prestação, nem o devedor pretender cumprir, liberando-se por

consignação em depósito, em caso de mora do credor...”

101. Se assim é, ao devedor ameaçado da ação penal, para

alcançar a extinção da punibilidade, só restaria um caminho: dobrar-

se à exigência fiscal do lançamento objeto da impugnação e renunciar

a esta.

102. Isso representaria, no entanto, o abuso do poder de

instaurar o processo penal para constranger o cidadão a render-se

incondicionalmente aos termos da exigência do Fisco, com a renúncia

não só da faculdade - que a lei complementar lhe assegura -, de

impugnar o lançamento mediante procedimento administrativo nela

previsto, mas também, e principalmente, de eminentes garantias

constitucionais, sintetizadas na do “devido processo legal”.

103. Que a ordem jurídica não o permite, mostraram-no - entre

outros juristas de vulto - o voto mencionado do Ministro Jobim e o

trabalho doutrinário do Prof. Hugo de Brito Machado.

104. “Submeter o contribuinte à coação consubstanciada na

ameaça da ação penal” - extrato desse último, quando invoca o grande

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Beleeiro (24) - “é muito mais grave do que obrigá-lo simplesmente a

pagar para depois discutir. E todos sabem que o velho princípio

‘solve et repete’, que a legislação ditatorial de 1937 a 1946,

introduziu em nosso país, pelos Decs.-leis 5, de 13.11.1937; 42, de

06.11.1937; 3.336, de 10.06.1941, e outros diplomas, que, depois da

Constituição de 1946, vêm recebendo repulsa do Supremo Tribunal, em

dezenas de julgados, a despeito da insistência das repartições

arrecadadoras”.

105. “A exigência de prévio exaurimento da via administrativa,

para que validamente possa ser proposta a ação penal” - conclui o

jurista - “é mais do que uma questão prejudicial. É meio de

assegurar as garantias constitucionais do cidadão contribuinte ...”.

106. Ao caso do HC 77002, contudo, entendi inaplicável o art.

34 da l. 9249 - que restabeleceu a extinção da punibilidade do fato

pelo pagamento do tributo antes da denúncia, porque, quando o

dispositivo entrou em vigor já se propusera a ação penal: reportei-

me, no ponto, a precedente de que fora relator (HC 70641, 10.05.94,

RTJ 160/497).

107. A objeção não se põe na espécie: a L. 9249 é de 26.12.85,

anterior à denúncia oferecida contra o paciente, datada de 18.06.97,

razão porque também acolho o fundamento aventado pelo Ministro Jobim

naquele caso.

108. De tudo, defiro o habeas corpus: é o meu voto.

ibc/

24 Hugo de Brito Machado, ob. loc. cit, p. 237, e Aliomar Baleeiro - Direito Tributário Brasileiro, Forense, 2ª ed., p. 495

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Voto - MOREIRA ALVES (13)

16/10/2002 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Sr. Presidente, no

caso de autolançamento, como é o do imposto de renda e do ICMS, em

que se lança e, só em seguida, é possível verificar-se ter havido

desvios de determinadas importâncias com referência à declaração do

imposto, ou omissão de quantias de dinheiro rigorosamente apurada em

inquérito policial, e se sabendo que, na homologação do

autolançamento, pode-se esperar até cinco anos, que é o prazo de

decadência, só se poderá, então, exercitar a ação penal se a Fazenda

levar em consideração essa circunstância quatro ou cinco anos

depois, quando praticamente vamos cair na prescrição.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator):

Ministro, com todas as vênias, o inquérito policial nunca

substituirá o lançamento, nunca estabelecerá, definitivamente, a

existência e o quantum do crédito tributário.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: – E nem se poderá dizer

que houve sonegação fiscal. Esse lançamento por homologação,

Ministro Moreira Alves, pode ser feito até cinco anos depois; ele

também pode ser feito no dia seguinte à apresentação da declaração.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): O

raciocínio de V.Exa. baseia-se no pavor da prescrição.

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O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Não é o pavor da

prescrição. Estamos partindo aqui, primeiro, de uma teoria com

relação ao problema da constitutividade do crédito que, data venia,

não me parece correta. Não é possível que de um fato gerador nasça

uma obrigação sem que haja um crédito. Pode haver um crédito

ilíquido, mas a homologação é tão-somente quanto à liquidez.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator):

Incerto e ilíquido. Veja V.Exa. que, no caso concreto, em dois dos

exercícios em que se fez o lançamento, o Conselho de Contribuintes

reconheceu a inexistência de débito. Então, é a própria existência

do crédito tributário que pode ser discutida.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Ontem, houve

discussão num caso sobre o ICMS no qual ocorreu o pagamento e,

depois, verificou-se que, nos livros de lançamento de entrada de

mercadorias, se escriturava um preço “x”, muito mais alto do que no

livro de saída, para efeito do ICMS. Será então preciso esperar que

a Fazenda termine um processo administrativo bastante alongado, com

uma série de recursos?

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - É a circunstância da

natureza declaratória do tributo, ou seja, nos lançamentos

declaratórios.

Veja a seguinte situação curiosa, em que o Ministro

Marco Aurélio, no que diz respeito ao ICMS, tem uma teoria sobre o

problema da entrega do bem importado.

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Entende S.Exª. que o bem deverá chegar ao

estabelecimento para se constituir o crédito tributário, e é

vencido, na Segunda Turma, em relação a isso.

¿O cidadão que segue tal teoria, em relação à

constituição do fato gerador do ICMS, está praticando ilícito de

sonegação ou está sujeito a discutir o problema?

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Não, porque não há

fato gerador.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - ¿Como não há?

O fato gerador para a jurisprudência dominante é a

chegada no despacho aduaneiro, é o desembaraço aduaneiro.

Não é o despacho aduaneiro, é a entrada no

estabelecimento.

Então, se o cidadão resolve se conduzir ouvindo o voto

do Ministro Marco Aurélio, por qualquer razão, ou porque acha que

tem razão, ou porque lhe convém, e resolve tomar essa conduta, aí

depois se diz que ele praticou ilícito.

Não, nós precisamos assentar a constituição do débito,

ou seja, a definição.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Mas isso é óbvio. É

claro que precisamos primeiro acertar quando ocorre o fato gerador.

Mas o fato gerador aqui já ocorreu; ele ocorre no imposto de

renda...

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O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Mas é ter certeza

sobre se houve supressão.

Uma coisa é ter ocorrido o fato gerador, outra coisa é

esse fato gerador ter determinado o débito de 100 ou de 200, porque

a lei diz que é a supressão ou a redução.

Essa conduta precisa ter reduzido ou suprimido o

determinado débito fiscal.

Isso precisa ser esclarecido, ser definido na esfera

tributária, senão, não tem jeito.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Então, se for

impugnada na esfera administrativa, judicialmente vamos esperar,

agora, a desconstituição.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Não,

Ministro, isso não desconstitui o ato administrativo.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - No autolançamento,

com a necessidade de só se considerar que houve o lançamento sem

qualquer problema depois de escoado o prazo de decadência, ter-se-á

que esperar que o escoamento desse prazo, o que poderá dar margem a

prescrição penal.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO:- Não, Ministro, diante

do princípio da actio nata. Se não se pode propor a ação penal, não

há falar em prescrição, presente o velho princípio da actio nata.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - O grande problema é

saber o que é crime de sonegação fiscal.

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Estabelecer a condição de procedibilidade, sempre foi,

na história do direito brasileiro - eu fiz um levantamento naquele

voto -, uma forma de cobrar tributo.

A evolução de estabelecer regras foi exatamente uma

forma de cobrar tributo.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator):

Agora, cobrar tributos sem possibilitar ao contribuinte que, perante

a própria administração, demonstre a existência ou não do tributo,

ou se o valor é inferior, data vênia, é de uma violência brutal. A

verdade é esta: mal ou bem a lei estabeleceu uma extinção da

punibilidade dependente de um ato de vontade do sujeito passivo - o

pagamento do tributo. Agora, sonegar ao eventual sonegador o direito

de dizer que não é sonegador ou que sonegou menos...

O SR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Ministro Pertence, essa

tese da condição de procedibilidade não pode ser aplicada a todos os

casos de tributo. Por exemplo: o vendedor do imóvel que faz a venda

por um preço abaixo do real está, ao mesmo tempo, sonegando o

chamado ITBI e sonegando o lucro imobiliário.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: - Mas quem vai dizer

que houve sonegação?

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: – Ministro, mas é

preciso que a autoridade administrativa diga que houve isso.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - A administração é

soberana para dar até imunidade penal.

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O SR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Não, Ministro.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Essa hipótese

enquadra-se no artigo 1º: fazer declaração falsa.

O SR MINISTRO ILMAR GALVÃO - Não, aí a pena é dupla, é

suprimir, é reduzir imposto.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Não é declaração.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - Mas é declaratório.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Mas, então, aqui é a

mesma coisa.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO:– Mas quem pode dizer

que houve redução do tributo é a autoridade administrativa, no

lançamento.

O SR MINISTRO ILMAR GALVÃO - Deixar de lançar a venda

de uma mercadoria...

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Que

evidência essa que é inexigível, Ministro? Ela não é nem exeqüível.

O SR MINISTRO ILMAR GALVÃO - Não precisa lançar por

menos. Deixar de lançar, omitindo o lançamento, não reduz o imposto?

Claro, porque o ICMS é devido.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Acho

que é importante ter em conta a evolução legislativa no particular.

Optara-se por um crime de cominação leve, mas de mera conduta.

A lei atual converteu-o em crime de resultado para

impor-lhe pena muito superior.

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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Esta

matéria foi discutida em outra assentada. Creio que os colegas já

têm convicção a respeito.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Aliás, se não se

pode discutir, também seria perfeitamente inadmissível se escutar o

voto do Ministro Sepúlveda Pertence, pois todos nós já o

conhecíamos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Não,

Ministro, o voto oferta o balizamento da hipótese, não é?

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - O Ministro Gilmar

Mendes também não assistiu à discussão. Não tem sentido se chegar e

dizer: vamos votar, independentemente da discussão.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO:- Acho que cada um deve

votar de acordo com a sua ciência.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Isso é óbvio. Mas

não afasta a necessidade de discussão, principalmente quando se

apresentam casos que são realmente sérios. O próprio Ministro Nelson

Jobim, agora mesmo, há pouco, disse que não podemos decidir

genericamente. Não foi o que V.Exª disse? É preciso examinar caso a

caso. E nós estamos apresentando casos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Para

isso, tivemos o voto do relator, explicitando a hipótese.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Mas se for condição

objetiva, será sempre, será em todos os casos. Com relação ao artigo

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1º será em todos os casos. O artigo 2º, obviamente, não tem nada que

ver com o caso, pois o artigo 2º trata de crime formal.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): O

Dr. Fonteles acha que tem, acha que o art. 2º é de crime material

também.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Isso é outro

problema. Ele acha que o artigo 2º também é crime material e

sustenta com a argumentação do artigo 1º.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - Tem que se saber se a

omissão, a declaração falsa teve a conseqüência de supressão ou

redução de tributo, e se o tributo não era devido, não obstante

aquilo.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Esses casos de

imposto sobre lucro patrimonial, em que, apesar de provado que houve

a venda, apesar de provado que a venda foi por preço muito superior

àquele que estava...

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Não

se lançou tributo.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Não, não se lançou,

porque é autolançamento e é claro que não se pode lançar. Como é que

se vai lançar? Como a Fazenda vai lançar? Obviamente não é possível

haver lançamento; a Fazenda nem sabe disso, mas foi apurado

judicialmente.

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O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): É

coisa entre o sonegador e o Ministério Público.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Numa investigação

criminal pode-se chegar a isso, pode-se verificar esse fato; mas aí

se tem que ficar esperando que a Fazenda se movimente e, depois,

venham os recursos...

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - Aí transformaria a

discussão na área penal da constituição do ilícito, mas o contrário

é verdadeiro.

¿V.Exª. admitiria a hipótese, então, da discussão da

constituição do crédito tributário na esfera penal?

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Para esse efeito,

sim.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Aí, eu vou discutir

se aquele dado foi usado ou não.

Temos dois juízos de lançamento de crédito.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Não, Ministro, foi

para saber se houve redução do imposto...

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - O Código Tributário

Nacional diz que é privativo da Fazenda fazer isso.

Está lá dito que o lançamento é privativo.

É lá que se vai definir quem deve e o quanto deve.

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HC 81.611 / DF

Imagine a seguinte hipótese: o cidadão, para evitar a

ação penal, coagido que está pela tese defendida por V.Exª., terá

que depositar o valor do tributo.

¿Poderá ele continuar discutindo, na esfera

administrativa, não obstante ter depositado?

Ele pode depositar mediante protesto.

Admitamos que, ao depositar, ele tome a cautela,

dizendo: “Vou depositar para evitar a ação penal, mas continuarei

discutindo.”

Deposita, extinguindo, assim, a punibilidade da ação

penal.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – O

problema é que se exige o pagamento.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Ele discute lá e

recebe de volta.

¿A causa da extinção de punibilidade desaparece?

Recebe de volta.

¿O FISCO não recolhe e ele entra com a ação de

repetição de indébito?

¿Como é que faz?

Veja que não funciona.

Não fecha.

Se nós exigimos o depósito do valor para extinguir a

punibilidade e, depois, ele entra com a ação de repetição de

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HC 81.611 / DF

indébito, um juízo cível – tributário – entende que não era devido e

determina o pagamento - a restituição do indébito -, com os devidos

acréscimos.

¿A condição de punibilidade pelo juízo cível manda ser

retirada, sob norma constitucional, porque desapareceu o pagamento?

Não funciona.

O sistema fica de pé quebrado.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Como? Ele depositou

e depois recebeu de volta. E, aí, qual é o problema?

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Então não precisa

depositar.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Sob

pena de ação penal...

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – É aquela história:

você paga, mesmo que não deva, senão vão condená-lo e processá-lo.

O problema aqui é que o direito constitucional de

defender-se administrativamente fica suprimido por uma tese dessa

natureza.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Uma coisa é pagar;

outra é depositar.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): –

Estamos falando de um crime de prescrição de oito a dezesseis anos.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Claro, não se pode

correr riscos.

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HC 81.611 / DF

A pessoa fala: “Ou eu pago ou corro o risco de ser

condenado na ação penal.”

No final, ela resolve não pagar – mesmo tendo a

possibilidade de fazê-lo, se tivesse a consciência da existência do

débito.

No caso específico, pelo que foi sustentado da tribuna

e referido pelo Relator, o valor inicial foi reduzido para 1/3, já

na esfera administrativa, ainda não encerrada.

Estava lendo a decisão, nos autos, da Delegacia de

Receita Federal, no julgamento, em São Paulo, e ela mostra a

complexidade da situação; é uma discussão de lançamentos e débitos:

“A fiscalização considerou que a não

contabilização dos contratos de prestação de serviços,

caracteriza omissão de receita...” (sic)

Mais adiante, ele diz que não era contrato de

prestação de serviço, e, sim, outra coisa.

Isso precisa ser discutido na esfera administrativa.

¿Um cidadão vai ser compelido a pagar por estar sob

pressão do Ministério Público, que deseja fazê-lo?

Ora, estamos suprimindo um direito constitucional da

defesa na esfera administrativa.

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HC 81.611 / DF

Não se pode se defender nessa esfera, porque corre-se

o risco do processo penal, não permitindo certidão negativa para

qualquer outro tipo de situação.

Não se pode fazer concurso público, não se pode fazer

nada.

A pessoa fica sem direitos, congelada, porque o

Ministério Público resolveu denunciá-la.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): L

Para um empresário, que é a clientela de eleição do crime

tributário, é fatal.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – É lógico.

Ainda mais um empresário.

Ele fica sem direito ao REFIS, ao parcelamento do

INSS, à exportação e ao crédito de exportação.

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Voto - GILMAR MENDES (1)

16/10/2002 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Sr. Presidente, para

mim, é suficiente o fundamento de constituir aqui a condição

objetiva de punibilidade discriminada contra a ordem tributária.

Basta-me ler o art. 1º para me convencer dos argumentos trazidos

pelo Ministro Sepúlveda Pertence.

Acompanho o Relator e defiro a ordem.

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Vista (1)

16/10/2002 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

A Senhora Ministra Ellen Gracie - : Sr. Presidente, tivemos oportunidade, ainda ontem, de examinar, na Primeira Turma, uma questão assemelhada à presente. Tratava-se, no caso, de um crime contra o Sistema Financeiro. O recurso não foi conhecido por ausência de pré-questionamento das questões constitucionais suscitadas.

O Plenário, que já esteve bem perto de discutir esta questão no caso de

um conhecido cineasta brasileiro, também não alcançou o mérito, porque o habeas corpus ficou prejudicado diante da absolvição do paciente.

A questão central envolvida neste habeas corpus e nesta discussão

me parece fundamental delimitar exatamente a configuração do princípio de separação entre as esferas penal e administrativa. Será o lançamento fiscal condição de procedibilidade para a ação penal? Sê-lo-á sempre? Será obrigatória, como quer o eminente Relator, a retirada da condição de punibilidade? No caso, como se disse da Tribuna, a sensível redução do valor efetivamente cobrado, ou pretendido cobrar e não recolhido, é suficiente para elidir uma conduta eventualmente delituosa?

Tenho dúvidas a respeito de todas essas questões e, por isso, rogo

vênia aos eminentes Colegas, apesar da longa discussão travada, para pedir vista dos autos e melhor refletir sobre a questão.

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Extrato de Ata (1)

TRIBUNAL PLENO

EXTRATO DE ATA HABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE PACIENTE : LUIZ ALBERTO CHEMIN IMPETRANTES : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E

OUTRO ADVOGADOS : PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR E OUTROS COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Relator, e Gilmar Mendes, concedendo a ordem, pediu vista a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falou pelo paciente o Professor Paulo José da Costa Júnior. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 16.10.2002.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Luiz Tomimatsu Coordenador

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Aditamento ao Voto - SEPÚLVEDA PERTENCE (6)

22/10/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

(ADITAMENTO)

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Esse o

voto que proferira em 16.10.2002.

Na ocasião, após o voto do Ministro Gilmar Mendes, que me

acompanhou, pediu vista a Ministra Ellen Gracie.

A significativa alteração na composição do Tribunal levou

o plenário a determinar se refizesse o julgamento, o que hoje se

procede.

Peço vênia para aditar ao meu voto anterior umas poucas

observações.

No curso das intervenções orais no precedente anterior,

afinal prejudicado, e neste caso, uma objeção de política repressiva

veio à tona: aceito o entendimento que abracei, a demora da

definição final do processo administrativo fiscal conduziria

freqüentemente à extinção da punibilidade pela prescrição, de modo a

comprometer a efetividade da norma penal.

Enfatizou-se mais a hipótese do chamado lançamento por

homologação, o qual, na melhor das hipóteses, só seria definitivo

após o prazo qüinqüenal de decadência de sua revisão de ofício pela

administração tributária.

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HC 81.611 / DF

Tais preocupações, posto que respeitáveis, são

evidentemente extra-jurídicas; e a elas me permito opor outra, da

mesma natureza.

À incriminação e à efetiva repressão penal dos crimes

contra a ordem tributária, na lei vigente, não se podem atribuir

inspirações éticas, na medida mesma em que se admite a extinção de

sua punibilidade pela satisfação do tributo devido: a construção da

sanção penal tem, assim, no contexto, o significado moralmente

neutro de técnica auxiliar da arrecadação.

Vá lá que se admita esse verdadeiro abuso da incriminação

penal.

O que, no entanto – como já longamente se demonstrou, em

particular, no voto do Ministro Jobim – princípios e garantias

constitucionais eminentes decididamente não permitem é que, pela

antecipada instauração da ação penal, se subtraia do cidadão os

meios que a lei mesma lhe propicia de questionar, perante o Fisco, a

exatidão do lançamento provisório a que se devesse submeter para

fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.

De qualquer modo, aos que a tudo antepõem o temor da

prescrição, é preciso observar que ele é menor do que, à primeira

vista, pode parecer.

Estou em que enquanto dure o processo administrativo

fiscal por iniciativa do contribuinte, aceito o decorrente empecilho

à instauração do processo penal, a prescrição terá suspenso o seu

curso.

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HC 81.611 / DF

No voto condutor do Inq 457-QO, 10.02.93, aduzi a respeito

da natureza e da fonte dogmática da suspensão da prescrição:

“5. As causas suspensivas da prescrição são costumeiramente explicadas pelo impedimento que acarretam ao exercício da ação penal, à seqüência do processo ou à execução da pena.

6. O velho Carrara (Programma, 1871, P.gen., § 580), que se opunha à interrupção da prescrição por atos do processo, admitia, porém, a suspensão, “quando la non esperibilitá dell’azione penale derivi del fatto stesso del giudicabile; como si, a modo di esempio, l’accusato opponga la pendenza di una lite civile pregiudiciale ostativa a definire il giudizio penale”. “In tale ipotesi” – concedia – “sta bene che si sottragga dal tempo que ocorre a prescrivere lo intervallo nel quale la giustizia fu condannata allá inazione per la eccezione del giudicabile, forze maliziosamente architettata a quel fine”.

7. Além do caso tradicional da pendência de questão prejudicial, diversos ordenamentos penais contemporâneos, dispensando que sejam imputáveis ao réu, erigem em causas suspensivas da prescrição todos os impedimentos à instauração ou ao desenvolvimento do processo.

8. Assim, dispõe o art. 159 do Código italiano que o curso da prescrição permanece suspenso, além da hipótese de “questione deferita ad altro giudizio”, nos casos em que se exige a “autorizzazione a procedere” e em todos aqueles em que “la sospensione del procedimento penale è imposta da una particolure disposizione di legge”.

9. “E bem naturale”, comenta Antolisei (Manuale Dir. Penale, 1963, parte geral, p. 566), “che, non potendosi iniziare o proseguire il procedimento penale, si apra un parentesi nel corso della prescrizione...”

10. Entre nós, por isso, Rodrigues Porto (Da Prescrição Penal, 1957, p. 87) opõe a suspensão da prescrição, que se dá onde “existe impedimento do exercício jurisdicional”, à interrupção, que, ao contrário, “resulta exatamente daquele efetivo exercício”.

11. Certo é, porém, que o art. 116 do nosso Código Penal, desde a versão originária, só considerou causa impeditiva do curso da prescrição da ação penal a pendência, em outro processo de questão prejudicial de que

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dependa reconhecimento da existência do crime e, enquanto durar, o cumprimento de pena, no estrangeiro, pelo agente.

12. Não obstante, é manifesta a analogia entre a pendência de questão prejudicial em outro processo e o obstáculo ao início ou ao curso do processo penal decorrente da imunidade processual do acusado parlamentar.

13. Por isso, sob a Constituição de 1946, malgrado a existência de preceito constitucional ou legal a respeito, tanto Maximiliano (Comentários à Constituição Brasileira, 1948, II/54, § 301), quanto Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1946, 1953, II/247), emprestaram efeito suspensivo da prescrição ao pedido de licença para processar o congressista (curiosamente, aludem ambos os mestres à interrupção da prescrição, mas parece que se referiam à suspensão, tanto que se lê, no texto de Pontes de Miranda (ob. loc. cits), que findas as funções eletivas determinantes da imunidade processual “a prescrição recomeça a correr”...

15. Dando conta da opinião dos renomados comentadores, já sob os textos constitucionais anteriores, e informando que a solução por eles preconizada estava consagrada pela Constituição da Polônia, Raimundo Macedo (Da Extinção da Punibilidade, 1946, p. 153) a ela se opôs, à falta de texto expresso no ordenamento brasileiro.

16. Ao que parece, a tese de Maximiliano e Pontes, efetivamente, não logrou trânsito na jurisprudência, seja sob o regime de 46, seja, sob a Carta de 69, no período de 1978 a 1982, em que vigorou o restabelecimento da exigência constitucional de licença prévia à instauração do processo contra parlamentares.

17. A EC 22/82 substituiu o regime de licença prévia pelo poder de a Câmara respectiva sustar, a qualquer momento, o processo em curso contra Deputado ou Senador.

18. Na vigência dela – depois de casos em que não se cogitou da questão (v.g. APn 233, de 28.6.79, Muñoz, RTJ 96/949 e APn 236, 27.6.79, Muñoz, RTJ 96/951) – é que o Supremo Tribunal passou a decidir que a sustação do processo por deliberação parlamentar implicava a suspensão do curso da prescrição, até que findasse o obstáculo da imunidade (v.g., APn 287, 11.6.86, Sydney Sanches, RTJ 119/477; APn 282, 20.8.86, Oscar Corrêa, RTJ 119/21; APn 294, 9.3.88, Sanches, RTJ 125/415).

19. Salvo engano, a significativa virada jurisprudencial se fez sem motivação mais elaborada. Os dois últimos casos referidos limitam-se à invocação de precedentes. E o primeiro deles remete a breve passagem do

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parecer do il. Subprocurador-Geral Cláudio Fonteles, por mim aprovado, do teor seguinte:

“Decidida pela Câmara a sustação dos

processos-crime em curso na Suprema Corte contra o Deputado Amaral Netto (...) – os autos hão de permanecer inertes no Supremo Tribunal, até que cessem os efeitos da deliberação legislativa, posto que não tem ela o condão de ensejar a prescrição, cujo curso suspende-se enquanto sustado o feito, para que, ulteriormente, nele se prossiga e definido seja”.”

Tem-se, pois, que – antes que a Constituição explicitasse

a solução – a suspensão da prescrição, na hipótese em que a

imunidade formal do parlamentar impedisse o processo penal, o

Tribunal já extraíra daí a suspensão da prescrição, independente de

texto constitucional ou legal que a estipulasse.

Incidentemente, aventei a mesma solução no RE 159230,

quando se afirmou a necessidade de autorização da Assembléia

Legislativa para a instauração, no STJ, de processo penal contra

Governador de Estado, como consignado na ementa – RTJ 158/280:

“II – A necessidade da autorização prévia da Assembléia Legislativa não traz o risco, quando negada, de propiciar a impunidade dos delitos dos Governadores: a denegação traduz simples obstáculo temporário ao curso de ação penal, que implica, enquanto durar, a suspensão do fluxo do prazo prescricional.”

Estou em que nada impede que a mesma conclusão se

estabeleça, relativamente aos crimes materiais contra a ordem

tributária, enquanto a definitividade do lançamento do tributo

esteja obstado por iniciativa ou recursos administrativos do

contribuinte.

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A construção alvitrada apenas não cobre a hipótese do

lançamento por homologação, enquanto pender o prazo de sua revisão

de ofício: é que, aí, é a inércia da administração tributária que,

retardando a definitividade do lançamento, impede a ação penal.

Esse o quadro, reitero o voto proferido na primeira

assentada deste julgamento e defiro a ordem para trancar a ação

penal: suspenso, por isso, o curso da prescrição, nos termos

referidos: é o meu voto.

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Voto Vista - ELLEN GRACIE (11)

22/10/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

A Senhora Ministra Ellen Gracie - : Sr. Presidente, trago o voto vista que havia preparado anteriormente, quando se iniciou este julgamento, e, agora, o contraponho ao brilhante voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, ainda que sem o mesmo engenho e arte.

Antes, todavia, de ingressar propriamente no voto, gostaria de ler

algumas anotações que fiz, ao passo em que examinava os autos, e creio que devam fazer um pano de fundo para a avaliação criteriosa que os Colegas farão das razões contrapostas.

Verifiquei, Sr. Presidente, que o paciente se valeu de todos,

absolutamente todos, os direitos que lhe assegura uma legislação que, do meu ponto de vista, está a merecer reforma e, portanto, tem adiado, por todas as formas, as definições que permitiriam por em marcha a ação penal. Quando do recebimento da denúncia, os autos já contavam com mais de 4.500 páginas.

O paciente, além disso, esgotou todas as vias recursais: do habeas

corpus impetrado perante o TRF/3ªRegião e denegado por aquela Corte, foi interposto (1) um recurso ordinário ao STJ; (2) um RE inadmitido, desta decisão (3) agravou de instrumento. Esse agravo, foi distribuído ao Ministro Sepúlveda Pertence, não foi conhecido pelo Relator, porque intempestivo. (4) Daí seguiu-se um Agravo Regimental ao qual foi negado provimento, em decisão unânime da 1ª Turma.

E a partir daí, Sr. Presidente, pasme, cinco embargos de declaração,

todos rejeitados. Depois disso, é que ele aviou o presente habeas corpus, que foi inicialmente distribuído ao Ministro José Néri, que denegou a liminar. A partir de então é que os advogados pleitearam a redistribuição ao Ministro Sepúlveda Pertence, prevento em razão do julgamento daquele primeiro agravo.

Essas considerações a latere, passo, então, a proferir meu voto,

pedindo, antes, todas as vênias ao eminente Ministro Sepúlveda Pertence para discordar da conclusão – mesmo dessa conclusão que ele trouxe nesta assentada, uma conclusão mitigada, concedendo suspensão da prescrição da pretensão punitiva – e de uma parte da fundamentação de seu douto voto.

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Concordo com o relator que o término do procedimento

administrativo não constitui condição exigida pela lei para o exercício da ação penal ou para fins de recebimento da denúncia (Código de Processo Penal, art. 43, III, parte final).

Vale transcrever algumas decisões em que esta Casa afirmou tal

princípio em matéria diversa:

“A circunstância de pender litígio civil não pode obstar a averiguação criminal, não só porque há a plena independência de instâncias como porque, sob tal perspectiva, a discussão no cível sequer se constitui em questão prejudicial obrigatória.” (STF RHC Rel. Cordeiro Guerra, citado por Wilson Ninno em CPP e sua interpretação jurisprudencial, de Alberto Silva Franco e Rui Stocco, org. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 1025)

"A ação penal para a apuração do crime de falsidade

ideológica não está condicionada ao resultado da prévia ação de nulidade do registro civil." (STF RHC Rel. Bilac Pinto, RTJ 63/660, citado por Wilson Ninno em CPP e sua interpretação jurisprudencial, de Alberto Silva Franco e Rui Stocco, org. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 1025)

É do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decisão segundo a qual:

"Nos crimes contra a ordem tributária, previstos na Lei

8.137/90, o término da esfera administrativa fiscal não é condição de procedibilidade para a ação penal pública incondicionada, pois trata-se de esferas autônomas, podendo correr os processos de forma simultânea e em separado, com independência entre as instâncias, conforme melhor interpretação do art. 83 da Lei 9.430/96 (TJSP HC Rel. Gentil Leite RT 748/623, citado por Wilson Ninno em CPP e sua interpretação jurisprudencial, de Alberto Silva Franco e Rui Stocco, org. São Paulo, Ed Revista dos Tribunais, 2001, p. 1025)

Até aqui, estamos de acordo, o Min. Pertence e eu. Também S.Exa.

deixou claro no seu voto que "nos delitos cogitados, a ação penal pública é

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incondicionada: o que significa dizer que - titular privativo de sua promoção (CF art. 129, I) - pode o Ministério Público propô-la, independentemente de qualquer iniciativa condicionante da administração tributária... "

O que este tribunal decidiu na ADInMc 1.571 é que a norma do artigo 83 da Lei 9.430/96 não resultava em prejuízo às atividades do Ministério Público, eis que endereçada ela, a norma do artigo 83, ao agente fiscal fixando o "momento - a partir do qual, se faz obrigatória para a autoridade fiscal a remessa da notitia criminis ao MP". (voto Pertence, folhas 17). Por isso mesmo foi expresso, em sua meticulosa redação da ementa, o eminente ministro José Néri da Silveira, quando grafou:

"... Não cabe entender que a norma do art. 83, da Lei nº

9.430/96, coarte a ação do Ministério Público Federal, tal como prevista no art. 129, I, da Constituição, no que concerne à propositura da ação penal, pois, tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação, conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tiver acesso.”

Ou seja, a norma do artigo 83, não se endereça ao Ministério Público, mas visa a impedir que dele se soneguem informações que, necessariamente, levariam a propositura de ação penal, nos crimes contra a ordem tributária.

2 - Mas, não me filio à corrente que sustenta seja a ação de que o

paciente é acusado crime de resultado e, mais, que se precise apurar resultado certo ou líquido, para que o Ministério Público tenha justa causa para a instauração da ação penal.

Apreciando o caso concreto, faço questão de reler a denúncia que foi

transcrita no relatório:

"Consta dos autos das inclusas representações nº 140/96 e 1.512/96 que Luiz Alberto, sócio majoritário com 99% (noventa e nove por cento) das quotas societárias e gerente da Cohapro Consultoria de Imóveis S/C Ltda. até 30 de novembro de 1.993 conforme documento de fls. 118/119 e diretor vice-presidente da Chemin Construtora S.A., conforme ficha de controle da Jucesp a fls. 137 dos autos da representação Ccrim 140/96 praticou as seguintes condutas:

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1. Entre agosto de 1.991 e novembro de 1.993 (fls. 120/139 da rep 1.512/96), Luiz Alberto, por ocasião do empreendimento imobiliário denominado "Residencial Parque das Alamedas", composto por vinte blocos num total de trezentos e sessenta apartamentos, e através dos procuradores de suas duas empresas, firmou com os compromissários compradores dois contratos: um contrato particular de compromisso de compra e venda em que a Chemim Construtora S.A. figurava como vendedora e um segundo contrato, de prestação de serviços, onde a Cohapro Consultoria de Imóveis S/C Ltda., comprometia-se a atuar na "assessoria na intermediação e contratação de financiamento junto a CEF".

2. Luiz Alberto atendeu a ação fiscal procedida pela Receita Federal. O auditor responsável por tal fiscalização intimou e ouviu todos os adquirentes do supracitado empreendimento, e procedeu a apreensão dos contratos. Os termos de declarações e respectivos contratos, acostados aos anexos das presentes representações, atestam os pagamentos efetuados pelos compradores dos imóveis que chegaram a apresentar, na ocasião, os respectivos recibos aos auditores fiscais.

3. Apesar da receita auferida, Luiz Alberto nunca chegou a lançá-la nos registros contábeis da empresa. Aliás, há dúvidas, inclusive, de que a empresa possua os respectivos livros contábeis, uma vez que, apesar de reiteradamente intimada a fazê-lo, os mesmos não foram apresentados.

4. Nas declarações de rendimentos apresentadas pela empresa referentes aos anos-base de 1.991 e 1.992 e na declaração de encerramento referente ao ano-base de 1.993, Luiz Alberto não fez constar quaisquer rendimentos, como se pode ver, as fls. 76/85, 62/71 e 40/60 da representação 1.512/96.

Tais fatos geraram os seguintes autos de infração:

(...)

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Isso posto, ao suprimir tributo e contribuição social através da omissão de informação às autoridades fazendárias e mediante fraude a fiscalização tributária, omitindo operações em documentos e livros exigidos pela lei fiscal, o denunciado incorreu no artigo 1º, incisos I e II da Lei 8.137/90, combinados com o artigo 71 do Código Penal.”

Volto, Sr. Presidente, fechando esse parêntese em que reli trecho da denúncia, ao meu voto.

O impetrante dá conta de que, "no momento aguarda-se a

formalização e publicação de acórdão da 7ª Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, que, apreciando o recurso voluntário interposto, deu parcial provimento ao recurso. De tal decisão, cabe, ainda, recurso para a Câmara Superior de Recursos Fiscais” e informa que a exigência tributária foi reduzida a um terço do valor original.

O texto da decisão administrativa que acolheu, em parte, a

irresignação do paciente deixa claro que foi mediante tardia apresentação de demonstrativos de prejuízos que o contribuinte logrou reduzir o montante de tributo devido.

A ver:

“1) IRPJ - afastar a exigência relativa ao ano calendário de 1993, admitir a dedução dos prejuízos declarados em relação aos anos calendários de 1991 e 1992; 2) IRLL - declarar insubsistente o lançamento; 3) CSSL - afastar a exigência relativa ao ano calendário de 1993; ajustar ao decidido no IRPJ em relação aos anos calendário de 1991 e 1992; 4) IR NA FONTE; afastar a exigência; 5) PIS - Ajustar ao decidido no IRPJ."

Leio mais, da respectiva ementa:

"MULTA AGRAVADA - A ação dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do

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imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento, justifica a multa qualificada.

Há evidência no autos do processo de que a autuada ocultou integralmente receitas obtidas com a execução de contratos de prestação de serviços, e o fez de tal forma que apresentou prejuízo nos dois primeiros anos-calendários, furtando ao conhecimento do fisco a ocorrência do fato gerador do imposto, fundamento da imposição da penalidade fiscal cominada de 150% sobre o imposto e as contribuições mantidos".

Ora, no caso, não estamos examinando hipótese que tenha em seu centro pessoa física de atividade artesanal, desorganizada em relação a seus papéis, como no habeas-corpus n° 77.002 (Caso Boal). Trata-se de atividade econômica desenvolvida por empresa que intermediou a comercialização de 20 blocos de edifícios num total de 360 apartamentos. Não é possível imaginar que desenvolvesse atividade de tal porte, sem apoio contábil e jurídico. As situações fáticas são, portanto diversas.

Aliás, é preciso rememorar que nem o impetrante ousou afirmar que

da absoluta ocultação de dados contábeis relatada pela fiscalização tenha resultado recolhimento correto dos tributos, ou que, efetivamente, nada seja devido. Ao contrário, foi ele mesmo quem, por ato inequívoco, reconheceu que houve supressão de tributo. Verifico dos autos que, em 1996, foi efetuado o recolhimento de valores que preferiu não discutir administrativamente. Estão entre fls. 195 e 225 as guias Darf correspondentes ao recolhimento em 1996, antes portanto do oferecimento da denúncia, do valor de R$ 490.449,13, relativos a débitos de IRPJ (R$ 284.332,56), IRPF (R$ 52.791,56), Contribuição Social (R$ 85.608,14), COFINS (R$ 53.249,43) e PIS (R$ 14.467,44).

3 - Se, como argumenta o eminente Rel., o delito do art. 1°, da Lei n°

8.137/90 é crime material, de dano ou resultado, ou - no máximo "tipo misto alternativo, porém de resultado" (voto Pertence, f. 20), o fato de omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias (inc. I); fraudar a fiscalização tributária omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei (inc. II), só haverá justa causa para instauração da ação penal quando de tal atuação resulte a supressão ou dedução de tributo devido. E isso, só será possível afirmar quando encerrada a discussão inaugurada pelo contribuinte a partir da impugnação do auto de infração.

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Para o em. Rel., o legislador brasileiro ao redigir a Lei n° 8.137/90, involuiu no tratamento penal dessas condutas, em relação ao que dispunha a Lei n° 4.729/65, onde, claramente, as condutas similares eram penalizadas independentemente de efetiva lesão ao fisco.

Parece-me que assim não é. Que a punibilidade da conduta esteja

presente mesmo antes do desfecho da impugnação administrativa pode ser demonstrado pelo dispositivo da Lei n° 9.429/95, art. 34, que autoriza a extinção dessa punibilidade, desde que pagos os tributos antes do recebimento da denúncia. E que o legislador pretendesse tornar mais rigorosa a punição dos sonegadores, revela-se na penalidade exacerbada.

Não é razoável imaginar que o legislador que ampliou a penalidade

para o delito em questão tenha, no mesmo ato, inviabilizado sua persecução criminal. O caso se presta para esta demonstração. Os fatos ocorreram em 1991 e 1992, a denúncia foi recebida em 1998, com já metade do prazo prescricional decorrido. Estamos em 2003 e o contribuinte anuncia sua intenção de seguir percorrendo a via administrativa. Por ora, aguarda a publicação da decisão do Conselho de Contribuintes datada de 7/11/2001. O novo recurso, desta feita à Câmara Superior de Recursos Fiscais ainda não é o derradeiro, pois depois dele cabe apelo ao Ministro de Estado. Ou seja, se for deferido o pleito de trancamento da ação penal e anulado o recebimento da denúncia, será de todo impossível fazê-lo processar pelos fatos que constituem, segundo penso, delitos contra a ordem tributária.

Se não fora assim, poderíamos nos encontrar diante de uma situação

paradoxal. Ela surgiria quando a autoridade fazendária deixasse transcorrer o prazo de 5 anos para o lançamento. Nesta hipótese, mesmo havendo ocorrido a supressão de tributo, o delito, que tem prazo prescricional de 12 anos não seria punível! A demonstração pelo absurdo serve para revelar que as esferas, administrativa e penal, são efetivamente independentes.

O entendimento da questão passa pela definição do lançamento, seja

como momento do nascimento da obrigação tributária, seja como mero acertamento de seu valor definitivo.

4. Para alcançar sua refinada construção sobre a natureza do

lançamento, o raciocínio de Souto Maior Borges, adotado pelo eminente Rel., suprime premissa básica. Segundo ele, o lançamento corresponderia à criação da norma individual da obrigação tributária concreta, fundada na "obrigação tributária de

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caráter geral e abstrato nascida com a ocorrência do fato jurídico-tributário", mas sempre inovadora e, pois, com "carga de construtividade" em relação a ela.

Com escusas pela ousadia em dissentir do ilustre autor, entendo que a

obrigação tributária de caráter geral e abstrato não é a ocorrência do fato jurídico tributário, aquilo que, melhor que ninguém, descreveu Geraldo Ataliba1 como o fato gerador da obrigação tributária. A obrigação tributária de caráter geral e abstrato é a que se contém na lei. Lá estão descritas, com precisão, as hipóteses de incidência tributária. Quando ocorra o fato típico nela previsto, a obrigação tributária se concretiza e individualiza. Sabe-se, a partir daí, quem deve, quanto deve e quando se deverá fazer o recolhimento.

Ora, quando, no mundo dos fatos, se intermedia a venda de 360

unidades habitacionais e se auferem resultados financeiros decorrentes de tal atividade, o fato torna-se juridicamente relevante para efeitos tributários e sujeita seu titular ao atendimento de impostos que estão, desde já, certos e definidos em seus elementos fundamentais: base de cálculo, alíquotas, vencimento e obrigações acessórias. Pode suceder – como parece ter ocorrido no caso – que, o contribuinte, pela boa razão de haver ocultado seus ganhos à fiscalização, se viu obrigado a também omitir prejuízos que, eventualmente sofreu e que teriam repercussão sobre os valores a serem recolhidos. No procedimento administrativo tais prejuízos foram reconhecidos e o valor inicial da autuação acabou reduzido. Isso não quer dizer, porém, que não fosse certa, desde a ocorrência do fato gerador, a obrigação tributária que, inatendida no vencimento, teve seu ingresso suprimido aos cofres públicos.

Não foi o julgamento redutor do conselho de contribuintes que tornou

certa a obrigação tributária. A lei já continha os dispositivos que autorizaram o Conselho a reconhecer e acatar a comprovação tardia das perdas verificadas nos exercícios de 92 e 93 e, assim, reduzir o valor bruto inicialmente apurado.

O tributo era devido em seu vencimento e este prazo tem cômputo que

parte da data do fato gerador. As obrigações tributárias são devidas, todos sabemos, em prazo certo. E, seja no montante inicialmente levantado pela autuação, seja naquele reduzido pelo Conselho - não importa a dimensão - o tributo era devido e deixou de ser atendido no vencimento. Não há previsão de arrecadação que se sustente, nem projeção orçamentária possível sem a expectativa de que a atividade econômica do país, num determinado exercício fiscal, gere um quantitativo determinado de ingressos. Quando a

1 Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, 2000 - SP.

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inadimplência, como no caso, resulte de omissão absoluta de comunicação da ocorrência das operações tributáveis, a conduta atrai a sanção penal.

Querer erigir o lançamento, e seus efeitos preclusivos em relação ao

fisco, em momento a partir do qual surja para o contribuinte a obrigação de colaborar no custeio da máquina pública é inverter o fluxo determinado em lei. A preclusão, que se opera em favor do contribuinte, não pode ser transformada em dies a quo do nascimento da obrigação tributária.

Aliás, à base de tanta controvérsia parece estar um equívoco que

coloca em pólos opostos contribuintes e fisco. A relação tributária se estabelece, na realidade, entre a sociedade e seus membros que nela encontram o respaldo de seus direitos e para com ela assumem obrigações, na forma da lei. A administração tributária intermedia o recolhimento das obrigações tributárias, nada mais. Se este setor do serviço público for ineficiente ou insuficiente para evitar que alguns membros da sociedade se furtem a suas obrigações, nem por isso deixa o MP de ter justa causa para a ação penal, independentemente da fixação exata do quantum debeatur.

4.1. O eminente Relator, ademais, dá conseqüência diversa à eficácia

preclusiva da decisão administrativa, quer ela seja favorável ou desfavorável ao contribuinte (voto Pertence, fl. 25/27), o que me parece sistematicamente inaceitável.

Se a impugnação do contribuinte for julgada improcedente, a decisão

não constituiria elemento essencial do tipo, mas assumiria eficácia puramente declaratória, com a conseqüência de retroatividade do lançamento à data de consumação do fato gerador.

Logo, no caso, é daí que correria a prescrição da pretensão punitiva.

Vale dizer, o MP só daria início a sua atuação ou o juiz só receberia a denúncia dela resultante, com a defasagem que vai desde a ocorrência dos fatos até sua verificação pela autoridade fiscal, consubstanciada na autuação. A essa defasagem se acrescentaria o tempo necessário ao trâmite do processo administrativo que veicula a inconformidade do contribuinte. Ou seja, nem mesmo o largo prazo prescricional previsto para o delito seria suficiente para evitar a impunidade generalizada das condutas desta espécie.

A mesma fórmula, parece, se deva aplicar aos casos, como o da

espécie, em que a impugnação for provida em parte. No caso presente, portanto, como os fatos tiveram lugar nos exercícios fiscais de 92 e 93, é de todo improvável que a justiça criminal consiga cumprir suas funções. Até porque, ainda não está encerrada a

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fase administrativa e o ilustre patrono lisamente afirma a intenção de recorrer à instância superior.

E, segundo o Relator, se a impugnação for julgada procedente,

afirmando que o contribuinte não suprimiu ou reduziu tributo, estaria então, afastado o juízo positivo de tipicidade da conduta a permitir que o MP desencadeie a ação penal.

Ou seja, obliquamente, erige-se a solução do processo administrativo

em questão prejudicial. Não, porém, para todos os efeitos. Como se viu antes, na hipótese de improvimento ou de provimento parcial da impugnação administrativa, não se lhe reconhece o efeito de impedir a fluência do prazo prescricional (CP, art. 116, I).

De qualquer sorte, num e noutro caso, embora recusado o

condicionamento da ação do MP e o "subordinamento da denúncia à prévia certeza de todos os elementos de fato necessários à sua procedência", temos, na realidade, a paralisação do órgão acusador diante de condutas altamente lesivas à sociedade, como as que resultam em evasão dos tributos necessários ao desenvolvimento das políticas públicas.

A prevalência e a generalização do entendimento firmado pelo

eminente Ministro Sepúlveda Pertence, não obstante o seu brilhantismo, teria as seguintes conseqüências negativas:

a) A impossibilidade de oferecimento da denúncia pelo Ministério

Público ou a impossibilidade de seu recebimento, no aguardo da conclusão do procedimento administrativo-fiscal, faria com que a prescrição fluísse.

b) O poder-dever do Ministério Público, titular exclusivo da ação

penal ficaria subordinado à burocracia do Poder Executivo. c) Esta burocracia, por sua vez, passaria a deter o poder - mediante sua

eventual omissão - de acarretar a própria extinção do jus puniendi, em evidente afronta ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal.

d) a impugnação de autos de infração se tornaria instrumento de

postergação do direito de punir estatal com o objetivo pernicioso de se alcançar a prescrição. Os inúmeros recursos administrativos postos à disposição do contribuinte pela legislação tributária, certamente seriam utilizados para atingir tal fim, ainda que nenhuma razão jurídica embasasse a impugnação.

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e) E, finalmente, esgotada a instância administrativa, a discussão

poderia ser reaberta em sede judicial, até que se estabelecesse – depois do longo iter recursal que os devedores mais abonados podem percorrer – certeza a respeito do quantum debeatur a ser atendido pelo sonegador.

À luz desse panorama, e da clara opção que orientou o legislador, quando exacerbou a punição desses delitos, não me parece a melhor solução condicionar o exercício da função constitucional do Ministério Público (CF, art. 129, I), cujos membros tem independência funcional (CF, art. 127, § 1°), à ação ou inação de um órgão do Poder Executivo.

Eu havia redigido este voto anteriormente e verifico que, na assentada

de hoje, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence aditou considerações em que mantém o voto anterior pelo trancamento da ação penal, mas suspenso o curso da prescrição. É esse acrescentamento que S. Exa. faz.

Por essas razões é que, com renovada vênia ao eminente Relator,

indefiro a ordem.

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Confirmação de Voto - SEPÚLVEDA PERTENCE (1)

22/10/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): Sr.

Presidente, de certo modo me antecipei, sobretudo no aditamento ao

voto hoje proferido, à linha central da argumentação da eminente

Ministra Ellen Gracie, que ousei chamar de extra-jurídica. Não se

discutiu, efetivamente, o que representa, na equação do crime

material contra a ordem tributária, o acertamento definitivo e a

liquidação, a quantificação do crédito tributário. Mas se desenhou,

com tintas fortes, o temor da prescrição ao qual me antecipara,

entendendo que a hipótese é de suspensão da prescrição, porque,

efetivamente, um procedimento administrativo obstrui a instauração

da ação penal.

Por isso, com todas as vênias, mantenho meu voto.

CR/

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Voto - NELSON JOBIM (7)

22/10/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

À REVISÃO DE APARTE DO SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE(RELATOR).

TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 81.611

VOTO

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Srs.

Ministros, durante a leitura do voto do Ministro Sepúlveda Pertence,

foram feitas várias referências ao voto que proferi no HC Nº 77.002

e S.Exª chamou-as de reflexão de ordem sistemática. Gostaria,

com a permissão de V.Exªs, de reproduzir essa reflexão, que diz

respeito não tanto à ontologia da questão - analisada com grande

percuciência pelo Ministro Sepúlveda Pertence -, mas à

operacionalidade do sistema, como um todo.

Naquele voto, fiz uma resenha, um retrospecto legislativo

de como foi tratada a questão da sonegação fiscal ou atos dessa

natureza na legislação brasileira. Inicia-se em julho de 1964 e

nota-se, perfeitamente, durante toda a evolução de uma série

infindável de legislação, que a vinculação desses ilícitos de

natureza fiscal sempre estiveram vinculados à política econômica do

Governo, ou seja, transforma-se em instrumento de arrecadação.

Então, em determinados momentos, facilita-se a obstrução da ação

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HC 81.611 / DF

penal através do recolhimento do valor antes do acolhimento da

denúncia ou antes da denúncia, depois ou antes da sentença, variando

conforme as necessidades, o que mostra, claramente - isso não

podemos fugir -, que esses ilícitos são tratados como instrumentos

arrecadatórios; são meios pelos quais se otimizam, ou não.

Dependendo da necessidade, num momento histórico da receita

nacional, das contas públicas nacionais e problemas de direito

financeiro e fiscal, temos um agravamento dessa exigência. Quando

não há essa necessidade, temos uma redução da exigibilidade desse

tipo de ilícito.

Depois dessa análise - não podemos fugir da realidade

concreta, sempre foi tratada dessa forma –, quanto à chamada

reflexão de ordem sistemática dita pelo Ministro Sepúlveda Pertence,

eu dizia (lê voto fls. 42 a 46):

“Uma coisa são as controvérsias entre o Fisco e o Contribuinte sobre aplicação da lei tributária.

Divergência sobre recolhimento, configuração de fato gerador, abatimentos, etc.

Enfim, sobre todas as questões que conduzem a inexistências, ou a existência, maior ou menor, de crédito tributário...(lê)...procedimento administrativo-fiscal que o CONTRIBUINTE exerce o seu direito ao contraditório e à ampla defesa.”

Aqui, o ponto curioso:

“É nele - no procedimento administrativo-fiscal - que o CONTRIBUINTE se opõe à pretensão expressa no auto de infração ao deduzir sua impugnação.

É direito subjetivo constitucional (CF, art.

5º, LV).”

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Lembro que a Constituição de 88 foi a primeira a levar à

área constitucional o direito de defesa em áreas não criminais. Até

então, pelas Constituições de 46 e 67, tínhamos só o direito

constitucional de ampla defesa na área criminal. Ao restante, por

interpretação inclusive do Supremo Tribunal Federal, estendia-se

também; mas aqui se colocou expressamente o direito constitucional

de defesa na esfera administrativa.

Digo eu:

“A lei infraconstitucional poderá estabelecer condições para o seu exercício.

Nunca impedir o seu exercício.”

Ou seja, a legislação infraconstitucional que trata do

exercício de direito e defesa deverá definir condições para o

exercício e a sua fórmula, mas nunca impedir que isso ocorra.

“No caso, temos três regras jurídicas. A primeira, de natureza constitucional: (a) O direito ao contraditório e à ampla

defesa, em processo judicial ou administrativo (CF, art. 5º, LV)...(lê)...(c) A extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária (L. 8.123/90) e de sonegação fiscal (L. 4.729/65) com o pagamento antes do recebimento da denúncia.”

Temos o direito de defesa constitucional e, de outro

lado, a não-dependência do Ministério Público da requisição, da

denúncia ou da representação feita pelo Fisco e, a terceira, a

extinção da punibilidade com o pagamento antes do recebimento da

denúncia.

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“Há que se conciliar a aplicação dessas três regras, de forma a assegurar a prevalência à norma constitucional.

Vejamos. Pela segunda regra, o Ministério Público pode,

independentemente da representação fiscal, ajuizar a ação penal.

Logo, não necessita o MP, como é o caso, de aguardar a decisão do contencioso administrativo...(lê)...Na segunda, o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa na esfera administrativa, sujeita o contribuinte à ação penal.

Só o pagamento, sem discussão, evita a ação penal.

Dito de uma forma inteligível para o leigo e retoricamente forte, o contribuinte está sob ameaça.”

Qual ameaça? Se houver discussão, responderá a ação

penal; se não discutir e pagar o que for exigido, a ação penal está

extinta.

“Se não pagar e discutir, será réu em ação penal.

Com todas as conseqüências daí decorrentes. É um preço alto. De fato, e para os efeitos práticos, essa

forma de conjugar as regras referidas tem uma conseqüência: a mínima eficácia de um direito fundamental.”

É evidente que toda a análise da conduta do contribuinte

e das pessoas perante a norma jurídica não é a partir de conceitos

dogmáticos. É uma conduta em que mede os custos marginais de

benefício e de custos. Ou seja, o preço que paga é que avalia a

situação. Aqui, é claro, nessa situação, estaríamos convalidando a

possibilidade de o Fisco exigir – digamos - um valor absurdo,

impedindo o contribuinte de discutir a sua redução de valor. Ele

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está exigindo um milhão de reais. Poderá discutir e reduzir isso

para dez mil, mas ficará dez mil como débito. Mas ele não pode

recorrer dez mil, porque não reconhece. E não pode impedir. Terá que

recolher mil. Então, estaríamos convalidando a possibilidade de o

Fisco exigir um milhão, dois milhões ou três milhões,

independentemente de qualquer possibilidade do contribuinte de

discutir que deve menos, ou seja, inviabiliza a discussão do

montante devido.

“Essa conseqüência demonstra a necessidade de examinarmos a questão.

Entendo que há de se fazer uma distinção. Uma coisa é o ajuizamento da ação penal quando

há fraude do contribuinte. Outra coisa é o ajuizamento da ação penal

quando a questão fiscal se circunscreve à controvérsia sobre a aplicação da lei tributária.

A própria L. nº 8.137/90 é que faz essa distinção.

As condutas arroladas pela Lei (art. 1º) constituem-se em fraude, seja por ação, seja por omissão, que tenha como resultado a supressão ou a redução do crédito tributário.”

E aqui vem o elenco de condutas. Examino o caso concreto

que era o caso BOAL.

Ora, Srs. Ministros, neste caso, ou asseguramos, com

eficácia, a possibilidade do contribuinte discutir com o Fisco o

montante do valor ou a inexistência, inclusive, do débito fiscal, ou

exigimos e permitimos ao Fisco fazer qualquer tipo de exigência. Por

quê? Porque, denunciado que seja, pelo Ministério Público, teríamos,

claramente, a impossibilidade de discutir esse valor. E mais: seria

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na ação penal o local em que o contribuinte irá discutir o valor ou

a existência da dívida por motivo de defesa? Teria a esfera penal a

capacidade penal de dizer: Não, não houve. Ele se defende e diz: Não

pratiquei nenhum ilícito porque as condutas omitidas não levaram ao

resultado de criar. E o juiz penal é que iria decidir a incidência

de normas tributárias, a interpretação de regras tributárias, o

problema da existência ou não?

Lembro que o nosso eminente Procurador-Geral, per lapsu

lingue, evidentemente não está presente – vejam, isso é muito

curioso, é importante se ter presente, porque estamos tratando,

aqui, do mundo; não estamos tratando, aqui, de abstrações -, quando

disse que o poder de requisitar informações, ele usou a expressão,

claramente, requisitar para denunciar; eu sempre havia entendido que

a requisição de informações era para verificar se era caso de

denúncia. E ele não. Mostra claramente qual é a tensão psicológica

que se passa nestes casos.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator) -

Requisitar, porque o fiscal ainda não pode mandar.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – É. V. Exª

tocou em algo importante. Toda vez que se discutiu, no Congresso

Nacional, a questão desse tipo ilícito, estava algo na base dessa

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discussão, que é algo real e que temos que levar em conta. E esta

realidade é qual? A possibilidade, ou não, de você aumentar ou

reduzir, pela lei, a capacidade extorsiva que possa se dar a um

fiscal na ação de fiscalização efetiva. Isso precisamos dizer. Se

não contarmos com esse dado da realidade, não saberemos julgar os

casos conforme a necessidade que se impõe à uma corte constitucional

da natureza da nossa.

Com vênias à Ministra Ellen Gracie, também acompanho o

Relator. Fiz esses acréscimos exatamente pela autoridade que me deu

o Relator ao referir ao meu voto.

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Extrato de Ata (1)

TRIBUNAL PLENO

EXTRATO DE ATA HABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE PACIENTE : LUIZ ALBERTO CHEMIN IMPETRANTES : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E

OUTRO ADVOGADOS : PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR E OUTROS COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Relator, e Gilmar Mendes, concedendo a ordem, pediu vista a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falou pelo paciente o Professor Paulo José da Costa Júnior. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 16.10.2002.

Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros

Sepúlveda Pertence, Relator, e Nelson Jobim, deferindo a ordem, e do voto da Senhora Ministra Ellen Gracie, indeferindo-a, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Renovado o relatório. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Maurício Corrêa, Presidente. Falaram, pelo paciente, o Prof. Paulo José da Costa Júnior e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente. Plenário, 22.10.2003.

Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Luiz Tomimatsu Coordenador

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Voto Vista - JOAQUIM BARBOSA (22)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O – V I S T A

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Sr. Presidente, a

discussão travada no presente habeas corpus, que consiste em saber

se o lançamento definitivo é ou não é essencial à configuração dos

crimes do art. 1º da Lei 8.137/1990, tem revelado argumentos muito

interessantes.

Pedi vista dos autos justamente porque gostaria de expor

meu ponto de vista, que diverge ligeiramente das opiniões já

esposadas.

Antes mesmo de entrar no cerne da questão do esgotamento

da via administrativa nos crimes tributários, creio seja necessário

fazer um retrospecto dos fundamentos fáticos da impetração e dos

excelentes votos proferidos pelo ministro Sepúlveda Pertence e pela

ministra Ellen Gracie.

I - Resumo dos fatos

O paciente foi denunciado porque, na qualidade de sócio-

gerente da empresa COHAPRO CONSULTORIA DE IMÓVEIS S/C LTDA., teria

suprimido tributo (imposto de renda e contribuição social), mediante

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omissão e fraude nas informações prestadas à fiscalização

tributária.

A denúncia foi recebida enquanto pendia recurso

administrativo, razão por que se impetrou habeas corpus em favor do

paciente ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

A ordem foi denegada por aquele Tribunal, tendo sido

interpostos, posteriormente, recurso ordinário ao Superior Tribunal

de Justiça (RHC 9.191) e recurso extraordinário a esta Corte (RE

191.029, rel. min. Ilmar Galvão).

O recurso extraordinário não foi admitido (DJ 30.05.1997),

o que deu ensejo a agravo de instrumento (AI 336.299, rel. min.

Sepúlveda Pertence), não conhecido pelo relator, porquanto

intempestivo (DJ 26.03.2001).

Na seqüência, foram opostos embargos de declaração,

igualmente rejeitados.

O recurso ordinário, distribuído à Quinta Turma do

Superior Tribunal de Justiça, foi desprovido por unanimidade.

Diante desse acórdão é que se impetrou a presente ordem.

Como pano de fundo da matéria em exame, a ministra Ellen

Gracie fez valiosas considerações sobre o fato concreto que deu

ensejo à ação penal e a este habeas corpus, razão por que tomo a

liberdade de transcrever pequeno trecho de seu magnífico voto:

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“[N]o caso, não estamos examinando hipótese que tenha em seu centro pessoa física de atividade artesanal, desorganizada em relação a seus papéis, como no habeas-corpus nº 77.002 (Caso Boal). Trata-se de atividade econômica desenvolvida por empresa que intermediou a comercialização de 20 blocos de edifícios num total de 360 apartamentos. Não é possível imaginar que desenvolvesse atividade de tal porte, sem apoio contábil e jurídico. As situações fáticas são portanto diversas (...)

Verifiquei, Sr. Presidente, que o paciente se valeu de todos, absolutamente todos, os direitos que lhe assegura uma legislação que, do meu ponto de vista, está a merecer reforma, e, portanto, tem adiado, por todas as formas, as definições que permitiriam pôr em marcha a ação penal. Quando do recebimento da denúncia, os autos já contavam com mais de 4.500 páginas.

O paciente, além disso, esgotou todas as vias recursais: do habeas corpus impetrado perante o TRF/3a Região e denegado por aquela Corte, foi interposto (1) um recurso ordinário ao STJ; (2) um RE inadmitido, desta decisão (3) agravou de instrumento. Esse agravo, distribuído ao Ministro Sepúlveda Pertence, não foi conhecido pelo Relator, porque intempestivo. (4) Daí seguiu-se um Agravo Regimental ao qual foi negado provimento, em decisão unânime da 1.ª Turma.

E a partir daí, Sr. Presidente, pasme, cinco embargos de declaração, todos rejeitados. Depois disso, é que ele aviou o presente habeas corpus, que foi inicialmente distribuído ao Ministro José Néri, que denegou a liminar. A partir de então é que os advogados pleitearam a redistribuição ao Ministro Sepúlveda Pertence, prevento em razão daquele primeiro agravo.”

II – Resumo dos votos do ministro Sepúlveda Pertence e da ministra

Ellen Gracie

O ministro Sepúlveda Pertence, na qualidade de relator do

feito, entendeu que o art. 83 da Lei 9.430/1996 não criou condição

de procedibilidade, porquanto se dirige apenas aos agentes

fazendários.

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Com relação ao lançamento definitivo, o nosso ilustre

decano afirmou que configuraria condição objetiva de punibilidade.

Segundo o eminente relator, os crimes do art. 1º da Lei

8.137/1990 seriam materiais, ocorrendo a consumação quando

verificado o resultado decorrente das condutas de suprimir ou

reduzir tributo.

O fato, todavia, somente seria penalmente relevante com a

constituição do crédito tributário, vale dizer, a ação penal estaria

subordinada ao conteúdo da decisão administrativa, considerada

condição objetiva de punibilidade.

Diante da possibilidade de ocorrer a prescrição da

pretensão punitiva, dado o lapso temporal existente para o

esgotamento da via administrativa, o ministro Sepúlveda Pertence

sustentou, em aditamento a seu voto, a suspensão do prazo

prescricional, enquanto pendente a discussão na via administrativa.

O fundamento adotado seria análogo ao antigo § 2º do art.

53 da Constituição Federal, revogado pela Emenda Constitucional

35/20011.

Esse preceito dispunha que, na hipótese de crime praticado

por parlamentar federal, se a respectiva Casa não concedesse licença

para que o deputado ou senador fosse processado, a prescrição do ius

puniendi ficaria suspensa.

1 § 2º - O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato.

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Em síntese, o ministro Sepúlveda Pertence entende que o

crime se consuma com a conduta típica, mas, uma vez que a

punibilidade se subordina à decisão administrativa superveniente, o

prazo prescricional ficaria suspenso.

Concordando com esse posicionamento, o ministro Nelson

Jobim acompanhou o relator, concedendo a ordem.

A ministra Ellen Gracie concordou com os ministros

Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, no sentido de que o art. 83 da

Lei 9.430/1996 não constitui óbice à propositura da ação penal nos

crimes contra a ordem tributária.

Quanto à consumação dos crimes em tela, a ministra Ellen

divergiu da linha traçada no voto do relator, pois entende serem

eles crimes formais. Assim, para serem puníveis, bastaria a

realização das condutas descritas nos incisos do art. 1º da Lei

8.137/1990.

Feito esse breve retrospecto das teses já levantadas,

passo a proferir meu voto.

III – Análise da argumentação dos votos já proferidos

De início, devo dizer que penso ser de fundamental

importância um tratamento harmônico da matéria na esfera

administrativa, na esfera civil e na esfera penal, de forma a evitar

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a indesejável coincidência de uma condenação penal seguida do

reconhecimento da inexistência do tributo na esfera administrativa.

Primeiramente, no que diz respeito à condição de

procedibilidade supostamente prevista no art. 83 da Lei 9.430/1996,

comungo com o entendimento externado nos votos já proferidos, no

sentido de que o referido dispositivo legal tem como destinatários

os agentes fazendários, e não o Ministério Público, e de que a ação

penal nos crimes tributários é pública incondicionada.

Aliás, a conclusão da medida cautelar na ADI 1.571 (rel.

min. Gilmar Mendes, RTJ 167/53), é exatamente essa, de sorte que não

vejo necessidade de maiores digressões sobre o assunto neste habeas

corpus.

Quanto à classificação do delito imputado ao paciente,

qual seja, a supressão de tributo e contribuição social, entendo que

se trata de crime material.

O caput do art. 1º da Lei 8.137/1990 tem a seguinte

redação:

“Art. 1o Constitui crime contra a ordem

tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração

falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária,

inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

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III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” (Grifos nossos)

A simples leitura desse dispositivo indica que o crime

tributário de sonegação ou redução de tributo somente tem conteúdo

quando, em decorrência de certas condutas (descritas nos incisos do

referido art. 1o), ocorre efetiva lesão à Fazenda.

Vale dizer, a ação de suprimir ou reduzir tributo

constitui crime, na medida em que implica a violação do papel do

indivíduo-contribuinte quando este, por meios juridicamente

condenáveis, causa prejuízo ao Fisco.

Nesses dois pontos (natureza do art. 83 da Lei 9.430/1996

e exigência de dano nos crimes de sonegação e redução de tributo),

concordo com o eminente relator.

Por outro lado, com a devida vênia, não concordo

inteiramente com o ministro Sepúlveda Pertence quando atribui ao

lançamento definitivo a natureza jurídica de condição objetiva de

punibilidade.

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É que tenho dificuldade em conciliar o conceito de

condição objetiva de punibilidade com o papel do Fisco no lançamento

da obrigação tributária, para efeito de caracterização dos crimes de

que trata a Lei 8.137/1990.

Para NÉLSON HUNGRIA, o direito penal cogita de condições

objetivas de punibilidade quando a punição da conduta penalmente

ilícita fica condicionada a certas “circunstâncias extrínsecas ao

crime, isto é, diversas da tipicidade, da injuridicidade e da

culpabilidade”. E prossegue: “Dizem-se condições objetivas porque

são alheias à culpabilidade do agente. Nada têm a ver com o crime em

si mesmo, pois estão fora dele. (Não há confundir as condições em

apreço com os chamados ‘pressupostos’ do crime, isto é, fatos ou

situações preexistentes, a que a lei subordina o reconhecimento de

determinado crime ou grupo de crimes.)”2

MARCELO FINZI, no artigo “Delitos cuya punibilidad depende

de la realización de un suceso”, em que examina precisamente o crime

de instigação ou auxílio ao suicídio, tomado pelo ministro Sepúlveda

Pertence como exemplo para ilustrar sua tese, sustenta que nesses

casos trata-se de “uma infração cuja punibilidade está condicionada

à verificação de um acontecimento incerto e futuro”.3

2 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. I, tomo II, p. 28-29. 3 FINZI, Marcelo. “Delitos cuya punibilidad depende de la realización de um sucesso”, in Revista Jurídica Argentina la Ley. 1944. tomo 34, p. 1144-1147.

Em seu voto, para explicar o conceito desse instituto, o ministro Sepúlveda Pertence lança mão dos exemplos dos crimes de participação em suicídio e dos crimes pré-falimentares.

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Ora, o crime de sonegação fiscal é de fácil compreensão.

Praticada a conduta descrita no tipo penal e produzido o resultado,

que é a supressão do tributo ou contribuição, está consumada a

prática do ilícito penal. Noutras palavras, nesse tipo de crime o

delito se consuma quando se verifica o resultado lesivo ao Fisco.

Uma leitura atenta desses tipos penais revela a dificuldade em identificar a

localização e função das condições objetivas de punibilidade na teoria do delito. Voltemos aos dois exemplos citados pelo relator, os quais, por questões didáticas, também utilizarei. Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Crimes falimentares Art. 186 – Será punido com detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, quando concorrer com a falência algum dos seguintes fatos: VI – inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa.

Percebe-se que o evento morte (ou lesão grave) pertence à descrição legal (no preceito secundário), enquanto que a constituição da falência não está prevista no tipo incriminador.

Na realidade, a despeito do que parte da doutrina mais tradicional afirma3, a morte (ou lesão grave) nos crimes de participação em suicídio é o resultado naturalístico essencial à própria tipicidade: se não ocorrerem esses resultados, a conduta simplesmente será atípica (e não típico mas impunível).

Diferentemente, nos crimes antefalimentares, a sentença constitutiva de falência não integra a tipicidade desses delitos, sendo uma circunstância extrínseca, mas subordinante, do nascimento do fato punível.

Tem-se, portanto, uma verdadeira condição objetiva de punibilidade. Explico. No caso da participação em suicídio, o evento superveniente, embora

descrito pelo preceito secundário, é decorrência das ações descritas no preceito primário.

Já nos crimes antefalimentares, a ausência da devida escrituração dos livros mercantis, por exemplo, não tem, em princípio, qualquer vínculo (quer físico, quer normativo) com a sentença “declaratória” de falência.

Mas, ao se constituir o estado falimentar, o que era um irrelevante penal, apesar da subsunção do fato ao tipo penal, torna-se um fato com dignidade penal.

Em síntese, um fato, para ser considerado condição objetiva de punibilidade, exige três requisitos: (i) não ser elementar, mas circunstância acessória do tipo3, (ii) não ser decorrente do curso causal e (iii) estar inserido na norma proibitiva de conduta.

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Observe-se que o resultado naturalístico é descrito no

próprio tipo, o que faz a doutrina classificar esses crimes como

crimes de resultado (de dano ou materiais).

Assim, não me parece razoável acrescentar aos elementos do

crime algo que o legislador nele não quis incluir. A decisão da

autoridade administrativa acerca da impugnação do contribuinte

poderá ter duas naturezas distintas. Se ela for no sentido de

indeferir a impugnação do contribuinte e confirmar a existência do

débito tributário, constituirá um elemento adicional de comprovação

da materialidade do crime.

Aliás, o antigo Decreto 83.081/1979 (Regulamento do

Custeio da Previdência Social) deixava isso claro em seu art. 168,

in verbis:

“Art. 168 - Julgado procedente, o auto

referente à infração constituirá prova de materialidade do crime capitulado neste título, para os efeitos do Código de Processo Penal.”

Se julgar procedente a impugnação do contribuinte, a

decisão do Fisco constituirá no máximo um elemento de exclusão de

tipicidade.

Em suma, não vejo como condicionar o exercício da ação

penal a um “evento futuro e incerto, extrínseco ao crime”, que é o

conceito doutrinário das condições objetivas de punibilidade.

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Além dessa primeira objeção, preocupam-me certas

dificuldades que surgiriam caso venha a se consolidar o entendimento

de que o lançamento definitivo seria uma condição objetiva de

punibilidade. Essas dificuldades referem-se às hipóteses

relacionadas ao chamado lançamento por homologação.

Nesses casos, como se sabe, a legislação atribui ao

contribuinte o dever de antecipar o pagamento do tributo sem prévio

exame da autoridade administrativa (Código Tributário Nacional, art.

150). Esta, ao tomar conhecimento do exercício pelo contribuinte de

tal prerrogativa, expressamente a homologa. Mas, segundo o § 4º do

art. 150 do Código Tributário Nacional, se, no prazo de cinco anos,

contados do fato gerador, a Administração Tributária não se

manifestar acerca da antecipação do tributo feita pelo contribuinte,

ocorre a homologação tácita, ficando definitivamente extinto o

crédito tributário. Fica, portanto, preclusa qualquer atividade do

Fisco com relação àquele fato oponível.

Ora, nesta hipótese, por definição, inexiste qualquer

decisão administrativa sobre o lançamento. Ao contrário, o

lançamento feito pelo contribuinte tem, desde o início, grande

probabilidade de assumir caráter definitivo.

A esse respeito, vale a observação de HUGO DE BRITO

MACHADO:

“As leis geralmente não fixam prazos para a

homologação. Prevalece, pois, a regra da homologação

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tácita no prazo de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador. Findo esse prazo sem um pronunciamento da Fazenda Pública, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito tributário, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, ou fraude ou simulação.”4

Daí a perplexidade que me leva a uma primeira indagação:

qual seria, nesse caso, o fato ou ato jurídico consubstanciador da

condição objetiva de punibilidade?

Outra indagação me ocorre: não seria um perfeito flou

artistique considerar a inércia do Estado como uma condição objetiva

de punibilidade?

Ora, o que ocorre nesta hipótese é que não estamos diante

de um evento futuro e incerto (condição), mas da passagem de certo

lapso temporal, uma vez que, para haver homologação tácita (pela

decadência), não pode existir impugnação pelo Fisco. Caso esta

ocorra, não haverá, por definição, lançamento por homologação, e sim

lançamento de ofício, conforme expressamente previsto no art. 149,

V, do Código Tributário Nacional5.

4 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 153.

Confira-se, ainda, a tese sustentada por Roque Carrazza, no sentido de que, corroborando o entendimento de Paulo de Barros Carvalho e Alberto Xavier, tecnicamente, sequer existe lançamento (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 824-825. nota nº 23). 5 Art. 149 – O lançamento é efetuado ou revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente

obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte [que cuida do lançamento por homologação].

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Em outras palavras, na hipótese do lançamento por

homologação, teríamos, em rigor, um “termo objetivo de

punibilidade”. Só que, curiosamente, teríamos um natimorto, pois, ao

mesmo tempo em que surge o relevante penal, o crédito tributário se

extingue, fazendo desaparecer o ius puniendi.

E essa conclusão revela a seguinte violação do princípio

político do direito penal da subsidiariedade: ou seja, somente com o

desinteresse da intervenção estatal na esfera patrimonial de uma

pessoa (menos grave) é que surgiria a intervenção estatal mais

grave, isto é, a possibilidade de aplicação da sanção penal.

Tenho ainda uma outra dúvida, de natureza estritamente

pragmática. Como o Ministério Público deverá atuar nos casos em que

houver envolvimento dos agentes do Fisco em infrações penais

tributárias?

Tome-se um exemplo imaginário em que, apesar de ter

ocorrido o fato imponível, o lançamento, de forma fraudulenta, não

seja realizado.

Estaria, assim, o poder-dever de punir limitado a outra

investigação e possível decisão acerca da fraude realizada? Ou seja,

o delito estaria subordinado não apenas à decisão administrativa

sobre o lançamento mas também à decisão sobre a conduta dos agentes

envolvidos em tal fato?

Creio que não.

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Por fim, gostaria de fazer uma observação acerca da

suspensão da prescrição enquanto se aguarda o lançamento definitivo,

proposta no aditamento do voto do ministro relator.

O ministro Sepúlveda Pertence, ao tentar conciliar os

conceitos de condição de punibilidade e de prescrição, criou uma

situação, data venia, dogmaticamente incoerente.

É que o ius puniendi nasce com o fato punível. Em regra,

isso ocorre com a consumação do delito, uma vez que a punibilidade

normalmente não está subordinada a qualquer outro evento futuro.

Porém, nos casos em que se faz presente a condição

objetiva de punibilidade, embora consumado o delito, o fato ainda

não será punível, de forma que não há como se falar em pretensão

penal.

Disso decorre que não será possível o oferecimento de

denúncia, porquanto a ação penal não será exercitável, simplesmente

pela inexistência do poder-dever de punir.

A propósito, tenho por esclarecedor o ponto de vista de

AFRÂNIO JARDIM sobre a matéria:

“A punibilidade, a nosso juízo, não é elemento

ou requisito da infração penal, devendo ser entendida como a possibilidade jurídica de aplicação de sanção penal ao seu sujeito ativo. Crimes há que, enquanto não preenchidas determinadas condições, não são punidos. Veja-se, como exemplo, o disposto no § 2.º, do art. 7.º,do Cód. Penal, letras “b” e “c””.

As condições de punibilidade se diferem das chamadas condições de procedibilidade. As primeiras, por serem pressupostos do poder-dever de punir do Estado,

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referem-se ao mérito da pretensão do autor, enquanto às últimas condicionam o regular exercício da ação penal.

Assim, o poder-dever de punir do Estado pressupõe: a) a prática de uma infração penal (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) ; b) punibilidade do sujeito ativo da infração.”6

O reflexo da inexistência de pretensão sobre o instituto

da prescrição, mais precisamente sobre o dies a quo do prazo

prescricional, é patente.

Ordinariamente, vale a regra do inciso I do art. 111 do

Código Penal, ou seja, o prazo para a prescrição da pretensão

punitiva inicia-se com a consumação do delito.

No entanto, nos casos em que se verifica a ocorrência da

condição objetiva de punibilidade, somente com o evento

superveniente é que surge a pretensão punitiva e, conseqüentemente,

tem-se o início do prazo prescricional.

É justamente esse o fundamento teórico que levou doutrina

e jurisprudência ao entendimento de que o prazo prescricional nos

crimes antefalimentares começa a correr da data da constituição do

estado falimentar7.

6 JARDIM, Afranio Silva. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 5ª edição, 1995. p. 242. 7 STJ, Quinta Turma, RHC 4.990-SP, rel. min. Assis Toledo, assim ementado (grifos nossos): “Penal. Prescrição. Crimes falimentares. Nos crimes falimentares, a prescrição ocorre em dois anos, quer se trate de prescrição da ação, quer se trate de prescrição da condenação. O prazo, porém, começa a fluir quando não tenha sido encerrada a falência, da data em que isso deveria ter ocorrido, ou seja, depois de dois anos da decretação da quebra (arts. 132, § 1º, e 199 da Lei de Falências). Nesse sentido a Súmula 147 do STF. Esse prazo sofre a incidência das causas interruptivas do Código Penal (Súmula 592 do STF). Hipótese em que não ocorreu a prescrição. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.”

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Em síntese, e já concluindo esta observação, se não houver

pretensão penal antes do lançamento definitivo, não há como

suspender o prazo prescricional, na medida em que sequer existe a

possibilidade de ocorrência da prescrição.

Em rigor, a pretensão punitiva e a contagem do prazo

prescricional têm início com a ocorrência do fato punível.

IV – Voto

Explicitada minha opinião sobre alguns pontos do brilhante

voto do ministro Sepúlveda Pertence, passo a expor algumas

conclusões.

Entendo que a decisão administrativa acerca do lançamento

tem diferentes graus de influência sobre a jurisdição penal.

Num patamar extremo - e isso já ameniza a preocupação do

ministro Nelson Jobim externada no julgamento do HC 77.002 (rel.

para o acórdão min. Ellen Gracie, DJ 02.08.2002) -, o pagamento ou a

decisão administrativa que nega a existência ou exigibilidade do

tributo, a qualquer momento da ação penal, extingue a punibilidade

nos crimes tributários, por força do § 2º do art. 9º da Lei

10.684/2003.8

8 Por ocasião do julgamento daquele caso, o ministro Nelson Jobim, com base no que dispunha o art. 34 da Lei 9.249/1995, consignou que:

“a extinção da punibilidade só se dará se o Contribuinte pagar o débito antes do recebimento da denúncia. Assim, a denúncia e o seu recebimento podem se dar antes da decisão final administrativa.

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Antes havia, de fato, o problema de o contribuinte ter de

pagar antes da denúncia, para não correr o risco de ser condenado, o

que lhe retiraria a possibilidade de discussão na via

administrativa.

Hoje, a situação é diversa. O art. 34 da Lei 9.249/1995

foi revogado pelo aludido art. 9º da Lei 10.684/2003, cuja redação é

a seguinte:

“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do

Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o

período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes

referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.” (Grifos nossos)

Fica claro, portanto, que a referida lei dá um tratamento

uniforme ao ilícito penal e ao débito tributário.

Nessa linha, restaria ao Contribuinte a opção de pagar para evitar a ação penal. Ou, não pagar e não evitar a ação penal. Na primeira alternativa, o Contribuinte, porque decide pagar, renuncia ao direito constitucional de discutir a legalidade do lançamento tributário, na esfera administrativa. Na segunda, o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa na esfera administrativa, sujeita o contribuinte à ação penal. Só o pagamento, sem discussão, evita a ação penal. Dito de uma forma inteligível para o leigo e retoricamente forte, o contribuinte está sob ameaça.

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Já na situação oposta, ou seja, quando o Fisco concluir

pela existência do débito tributário, não há como se deduzir

automaticamente que houve delito da Lei 8.137/1990, porque o

lançamento é simplesmente um indicativo da materialidade. Por

aproximação, seria algo como um laudo de corpo de delito. No máximo,

o que teremos é a comprovação, por um ato administrativo

presumidamente legítimo, de que o réu é devedor da Fazenda. E isso

significa apenas que houve o resultado naturalístico previsto no

tipo incriminador.

Era o que prescrevia, como já afirmei, o art. 168 do

antigo Regulamento da Previdência.

Por derradeiro, há a situação intermediária – e é esta que

nos interessa -, em que não existe decisão definitiva sobre o

lançamento do tributo.

Creio que a solução a ser dada nesse caso já é prevista em

lei, especificamente no art. 93 do Código de Processo Penal, que

trata das questões prejudiciais heterogêneas9.

Veja-se que o deslinde acerca da relação jurídica

tributária é estranho ao direito penal, de forma que, em louvor à

regra da especialidade, tal relação jurídica há de ser mais bem

Se não pagar e discutir, será réu em ação penal.”

9 Posição comungada, entre outros, por HUGO DE BRITO MACHADO (Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 15, 1996, p. 231-239), EDUARDO REALE FERRARI (Boletim do IBCCrim, n. 50, 1997) e LUIZ FLÁVIO GOMES (Revista dos Tribunais, v. 812, p. 418-433).

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apreciada pelo juízo ou órgão que ordinariamente cuida dessa

matéria.

Assim, a decisão acerca da existência ou inexistência de

crime fiscal compete exclusivamente ao Poder Judiciário, mas o ato

de lançamento continua sendo atribuição da Administração Pública.

Isso nos leva a dizer que, nos crimes tributários, a

instância administrativa e a jurisdicional têm relativa

independência, porquanto o fato humano voluntário que faz surgir a

obrigação tributária e o ilícito penal é o mesmo.

E, aqui, valho-me das observações feitas pela ministra

Ellen Gracie acerca da natureza jurídica do lançamento:

“Com escusas pela ousadia em dissentir do

ilustre autor [referindo-se a Souto Maior Borges], entendo que a obrigação tributária de caráter geral e abstrato não é a ocorrência do fato jurídico tributário, aquilo que, melhor que ninguém, descreveu Geraldo Ataliba como fato gerador da obrigação tributária. A obrigação tributária de caráter geral e abstrato é a que se contém na lei. Lá estão descritas, com precisão, as hipóteses de incidência tributária. Quando ocorra o fato típico nela previsto, a obrigação tributária se concretiza e individualiza. Sabe-se, a partir daí, quem deve, quanto deve e quando se deverá fazer o recolhimento.”10

Disso se extrai que o lançamento tem duas faces. Uma

declaratória da ocorrência do fato imponível e outra constitutiva do

crédito tributário11.

10 Em idêntico sentido, CARRAZZA, ob. cit., p. 608. 11 CTN, art. 142 (grifos nossos): “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da

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Assim, um determinado comportamento humano, amoldado à

hipótese da regra matriz de incidência e do tipo penal, estará

subsumido à norma jurídica tributária e à penal, sujeitando o agente

às respectivas conseqüências.

De forma objetiva, o lançamento definitivo condiciona

apenas a ação de execução fiscal, até porque não existe, para esse

fim, ação de conhecimento fiscal.

À luz desse entendimento, havendo os requisitos para

oferecimento da denúncia, o Ministério Público deverá oferecê-la. A

seguir, o juiz poderá seguir dois caminhos diferentes, para resolver

a questão prejudicial.

O primeiro, que me parece metodologicamente

desinteressante, seria o da decisão, em caráter incidental (ou seja,

na motivação), sobre a ocorrência do fato típico tributário,

hipótese em que não haveria coisa julgada material.

Já o segundo, mais coerente com tudo aquilo exposto, é o

da suspensão do processo penal, cumulada com a suspensão do prazo

prescricional, na forma do art. 93 do Código de Processo Penal, para

que se aguarde o desfecho acerca do lançamento.

Dessa forma, após a decisão administrativa sobre o

lançamento definitivo (portanto, sobre a ocorrência ou não-

ocorrência do fato imponível, nos termos da lei tributária), ou a

obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação

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ação penal se encerrará sem julgamento do mérito, ou retomará seu

curso com a prova da existência do resultado naturalístico exigido

pelo art. 1º da Lei 8.137/1990.

Assim, para encerrar, creio que as conclusões extraídas

por LUIZ FLÁVIO GOMES acerca desse tema se encaixam perfeitamente na

argumentação que procurei tecer neste voto, razão por que as

transcrevo:

“Cabe ainda considerar que a tese da

prejudicialidade, tal como sustentada neste trabalho e no acórdão citado:

a) não impede a atuação do Ministério Público (que está autorizado a dar início à ação penal, segundo jurisprudência do STF);

b) não viola sua prerrogativa de promover com exclusividade a ação penal pública (CF, art. 129, I);

c) não lhe veda o acesso ao judiciário (CF, art. 5.º, XXXV) (leia-se: está garantida a processabilidade);

d) não fere a intelecção da Súm. 609 do STF (que diz que a ação penal nos crimes tributários é pública incondicionada);

e) não conflita com a orientação do STF tomada na ADIn 1.571, isto é, não afeta a processabilidade concreta;

f) não leva à prescrição do crime, porque o seu curso fica suspenso (CP, art. 116, I);

g) não favorece a ‘indústria’ da prescrição porque o recebimento da denúncia é o primeiro marco interruptivo da extinção da punibilidade;

h) não favorece a impunidade porque o juiz deve colher a prova testemunhal e outras de natureza urgente, preservando-as para atendimento do interesse público fundado na segurança;

i) não significa morosidade da prestação jurisdicional porque o processo administrativo-fiscal relacionado com a exigência do tributo ou contribuição tem prioridade (art. 6.º do Dec. 982/93);

da penalidade cabível.”

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j) faculta ao contribuinte o exercício do direito constitucional da ampla defesa, isto é, permite-lhe discutir (no âmbito administrativo) direito que lhe pertence.”12

Diante de todo o exposto, Sr. Presidente, embora

concordando com o ilustre relator quanto à tese da natureza material

dos crimes do art. 1º da Lei 8.137/1990 e quanto à tese da

necessidade da suspensão do processo e da prescrição no aguardo da

decisão administrativa, divirjo de Sua Excelência quanto ao

resultado deste habeas corpus, indeferindo a ordem.

12 Ob. cit., p. 427.

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Confirmação de Voto - SEPÚLVEDA PERTENCE (3)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator) - Sr.

Presidente, serei muito breve.

Meu voto foi chamado ao mesmo tempo de brilhante e de

contorcionismo. O suposto brilhantismo, eu o atribuo à velha amizade

do Ministro Joaquim Barbosa; o contorcionismo, assumo-o eu. Com as

vênias de Sua Excelência — e pedindo licença ao Ministro Carlos

Britto, para retornar a Voltaire — não concordo com quase nenhuma

palavra do que Sua Excelência disse, mas respeitarei até a morte (ou

quase) o seu direito de dizê-las.

Claro que, para ficar num ponto, atrai, à primeira

vista, a caracterização do curso do processo administrativo até o

lançamento definitivo como uma prejudicial heterogênea, embora muito

heterogênea, porque a prevista no Código de Processo Penal é a

pendência de outro processo judicial, e, aqui, o que se tem é um

processo administrativo.

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Acontece que o grande problema, posto com uma clareza

e uma dramaticidade invejáveis no voto do Ministro Nelson Jobim, é

que, mal ou bem, a lei deu ao contribuinte o direito potestativo de

impedir a ação penal pelo pagamento do tributo antes do recebimento

da denúncia. E suspensão do processo para aguardar a solução, embora

no âmbito administrativo – isso não me causa espécie –, de questão

prejudicial heterogênea implica suspensão de um processo em curso e,

conseqüentemente, requer o prévio recebimento da denúncia. De tal

modo que, se ao final dessa prejudicial administrativa heterogênea

se concluir que o contribuinte deve um décimo daquilo que,

inicialmente, lhe fora lançado, estaria ele impedido de exercer o

direito potestativo, que, mal ou bem, lhe deu a lei, de impedir, de

extinguir a punibilidade pelo pagamento, antes do processo, isto é,

do recebimento da denúncia. De sua vez, o parcelamento tem por

suposto a confissão. O pressuposto do parcelamento é a confissão do

débito tributário. É exatamente a situação oposta àquela na qual o

contribuinte está discutindo a existência ou o montante do seu

débito.

No caso concreto, apesar do perfil escatológico que se

traçou do paciente, que não sei quem seja, o certo é que dois terços

do seu crédito tributário já foram desfeitos por decisão

administrativa.

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Por isso, Sr. Presidente, deixando para outras

oportunidades a discussão acadêmica sobre a existência ou não no

caso de condição objetiva de punibilidade, continuo a acreditar que

a equação do problema é muito similar à dos crimes falimentares, com

a única exceção de que aqui a condição é uma decisão administrativa,

e lá, uma decisão judicial. Mas deixo isso para outra ocasião em que

seja essencial discuti-lo.

Mantenho o meu voto, com as vênias devidas, deferindo

a ordem.

CR/

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Voto - CARLOS BRITTO (2)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO - Senhor Presidente,

não concordo com a tese da precedência da jurisdição fiscal ou

fazendária sobre a jurisdição propriamente penal. A leitura que faço

do artigo 34 da Lei nº 9.249 não coincide com a do eminente Ministro

Carlos Velloso, e a leitura que faço do caput do artigo 83 da Lei nº

9.430, também, não coincide com a do eminente Ministro Marco

Aurélio, data venia de ambos.

Fiquei mal-impressionado com a tese de que há uma

precedência da jurisdição fiscal. Lembraria até que, quando a

Constituição quis estabelecer uma precedência para a jurisdição

fazendária, ela o disse. Está no inciso XVIII do artigo 37.

O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO – Ministro Carlos Britto,

Vossa Excelência me permite? Não há falar em precedência. Estamos

aqui encaminhando a questão em termos de princípios.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – É que o Código Tributário

prescreve que compete privativamente à autoridade administrativa

fazer o lançamento.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – Mas a Constituição

diz que compete privativamente ao Ministério Público propor ação

penal pública.

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O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO – Quando for possível.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – Não, basta que

haja indícios da autoria e certeza da materialidade do crime.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Autoria de quê? É preciso

que exista prova da existência de um fato típico para se cogitar da

autoria.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO - Não me convenci da

tese de que o crédito tributário só se consuma e se perfaz com o

lançamento.

Senhor Presidente, sigo, comodamente, os votos da Ministra

Ellen Gracie e do Ministro Joaquim Barbosa, pedindo vênia redobrada

ao Mestre Sepúlveda Pertence, para discordar do voto de Sua

Excelência.

* * * * * * * *

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Voto - CEZAR PELUSO (12)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Sr. Presidente, vou

pedir vênia aos eminentes ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa,

para acompanhar, na íntegra, embora com algumas distinções, que eu

diria marginais, o voto do eminente Relator.

Não há nenhuma dúvida de que o caso envolve delito de

dano, cujo tipo tem por objeto material a existência de tributo.

Quando a lei alude a tributo, evidentemente está aludindo a tributo

que seja devido, o que permite logo dizer, com toda a propriedade, e

até para ser fiel à linguagem do Código Tributário Nacional, que seu

correspondente passivo, na relação jurídico-tributária, está na

existência de obrigação jurídica exigível.

Terei a ousadia de me apartar um pouco dos fundamentos

teóricos do voto do eminente Ministro-Relator, menos porque mantenha

reservas pessoais à solução que Sua Excelência deu, em termos de

condições de punibilidade, do que pela necessidade de tentar salvar

a inteireza do raciocínio às críticas da doutrina, algumas até muito

extremadas, a respeito dessa categoria jurídica, como, por exemplo,

a do saudoso professor ASSIS TOLEDO, que não reconhecia a existência

de condições de punibilidade, porque as reduzia a elementos do tipo,

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ou à classe das condições gerais de procedibilidade. Prefiro, por

simplificação, identificar a referência do texto a tributo, no caso,

como elemento normativo do tipo, que, como se sabe, é sempre o

produto de um juízo legal de valor e, portanto, dado cultural, que

guarda aqui caráter extralegal.

De modo que, sendo tributo elemento normativo do tipo

penal, este só se configura quando se configure a existência de

tributo devido, ou, noutras palavras, a existência de obrigação

jurídico-tributária exigível. No ordenamento jurídico brasileiro, a

definição desse elemento normativo do tipo não depende de juízo

penal, porque, dispõe o Código Tributário, é competência privativa

da autoridade administrativa defini-lo.

Ora - e aqui me parece o cerne da argumentação do

eminente Relator -, não tenho nenhuma dúvida de que só se

caracteriza a existência de obrigação jurídico-tributária exigível,

quando se dê, conforme diz Sua Excelência, a chamada preclusão

administrativa, ou, nos termos no Código Tributário, quando

sobrevenha cunho definitivo ao lançamento.

Os autores costumam discutir muito a respeito da suposta

contradição teórica entre as disposições dos artigos 113, § 1º, e

142, caput, do Código Tributário Nacional, como se se cuidasse de

coisas opostas e inconciliáveis. Suponho que se trate, antes, de

normas que apreciam aspectos diferenciados do mesmo fenômeno

jurídico.

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O art. 113, § 1º, quando enuncia que a obrigação

principal nasce com o fato gerador, descreve, pura e simplesmente, o

fenômeno da incidência normativa (adequação da norma ao fato, ou

subsunção deste a essa), mas que apresenta peculiaridade no campo do

Direito Tributário: tal incidência não gera ainda obrigação

exigível; gera só obrigação particularizada, conquanto já não mais

obrigação geral e abstrata, prevista na fattispecie normativa

abstrata do Código ou das leis tributárias. E a peculiaridade é que,

conforme o art. 142, só com o lançamento se especificam e

concretizam alguns elementos essenciais à exigibilidade da obrigação

tributária. Ou seja, com a ocorrência do fato gerador (fattispecie

concreta) e a incidência conseqüente da norma típica tributária,

tem-se já obrigação jurídica, ou, recte, relação jurídico-

tributária, da qual se irradia a obrigação, mas esta ainda é

inexigível, porque é só com o ato de lançamento que sobrevêm os

demais elementos indispensáveis à sua exigibilidade, como se vê

claríssimo ao disposto no caput do art. 142, o qual estatui que o

lançamento tende:

“(...) a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”

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Sem a atividade completa do lançamento, pois, é

inoperante, em termos de exigibilidade da obrigação já delineada, a

mera aplicação do art. 113, § 1º. E isso significa e demonstra, a

mim me parece que de maneira irrespondível, que o lançamento tem

natureza predominantemente constitutiva da obrigação exigível: sem o

lançamento, não se tem obrigação tributária exigível.

Não encontro tampouco nenhum obstáculo de caráter

teórico, no campo penal, quanto à ficção com que opera o art. 144,

caput, ao fazer remontar à data do fato gerador a eficácia do

lançamento. Trata-se de verdadeira ficção, enquanto técnica

normativa de criação de verdade jurídica, mas cujo campo de

abrangência é aqui apenas o tributário, não tendo, por conseguinte,

repercussão alguma, a meu ver, na província do Direito Penal.

Retomando o raciocínio, o tipo penal só estará plenamente

integrado e perfeito à data em que surge, no mundo jurídico, tributo

devido, ou obrigação tributária exigível. Antes disso, não está

configurado o tipo penal, e, não o estando, evidentemente não se

pode instaurar por conta dele, à falta de justa causa, nenhuma ação

penal.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO - Vossa Excelência

me permite um aparte, só para adensar um pouco mais a discussão. O

fato é que o Ministério Público, titular da ação penal, não precisa

da certeza da autoria, mas da certeza da materialidade do crime. Se

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ele entender que já dispõe dos elementos suficientes de propositura

da denúncia, ele o faz. Talvez fosse melhor —— Vossa Excelência me

permite a título de sugestão ——, ainda nessa fase de discussão que

tem mesmo o objetivo de fixar o entendimento razoável, esta Casa não

generalizar, não dizer que a via administrativa é sempre e sempre

condicionante da propositura da ação penal.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Neste caso, é.

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO - Agora, aí sim,

caso a caso devemos, neste caso.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO - Caso a caso, não. Na

hipótese que estamos a discutir, é necessário aguardar o lançamento,

verificando-se, entretanto, quando ocorre esse lançamento.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Outra coisa é se, no

início da investigação administrativa, encontrasse, por exemplo, uma

nota calçada. Essa é a história.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Se Vossa Excelência me

permite, ainda tenho outros argumentos. Só estou começando a

raciocinar.

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O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – Neste caso, o

Ministro Sepúlveda Pertence - insisto nisso - tomou os cuidados

necessários quando impediu, com seu voto, que a pretensão punitiva

do Estado restasse prejudicada. É por isso que prefiro decidir nesta

matéria caso a caso.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Acho que estamos, primeiro,

discutindo a tese para, depois, aplicá-la à hipótese, isto é, temos

de fixar os princípios para posteriormente saber se calham, ou não,

aos fatos da causa.

Vou responder à objeção, abrindo um parêntese na

argumentação, em homenagem a Vossa Excelência, para notar que o

problema de apuração da prova é secundário. Enquanto o fato seja

atípico, pode haver prova do que quer que seja, mas será inútil para

os fins da discussão, pois será sempre prova de fato atípico. Dito

doutro modo, enquanto não estiverem integrados todos os elementos do

tipo penal, não adianta fazer prova de nada, porque o fato que for

provado será sempre fato atípico, penalmente irrelevante.

Eu estava por fazer observação quanto à necessidade de

uma interpretação restritiva nesta matéria, porque aqui se dá também

o fenômeno chamado superposição de espaços normativos. Na verdade, o

que o Direito Penal faz aqui não é valorar determinado fato, mas

valer-se de fato que já está valorado pelo Direito Tributário, com a

particularidade de que ambos, assim o Direito Penal, como o Direito

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Tributário, são guiados pelo princípio da legalidade estrita, de

modo que toda a interpretação – agora por dois motivos – há de ser

estritíssima. É só com lançamento definitivo que aparece obrigação

exigível, portanto tributo “devido”, que, presentes os demais

elementos, configura o tipo penal, antes de cuja perfeição é

impossível, do ponto de vista jurídico, propositura da ação penal.

Não há crime!

Discutiu-se se o caso não seria de prejudicialidade.

Tenho, com o devido respeito, dificuldades para tentar equacionar o

problema em termos de prejudicialidade, e por duas razões. A

primeira, porque - e até admito que seria motivo superável, de força

algo débil, a interpretação textual do Código de Processo Penal -

este se refere à prejudicialidade como objeto de algum processo

pendente de caráter não-penal. No caso, essa prejudicialidade não

poderia existir, por dizer respeito a uma atividade administrativa,

sem correspondência com o pressuposto específico do Código de

Processo Penal. O que de todo modo me parece decisivo, e esta é a

segunda razão, é que a prejudicialidade tem sempre por objeto,

sobretudo no campo penal, algum elemento que não impeça a

propositura da ação penal. Ou seja, é impossível excogitar

prejudicialidade, no processo em curso, a respeito da existência de

elemento normativo sem o qual a ação penal não poderia ter sido

iniciada. Se falta justa causa, não se pode suspender o processo

penal para aguardar sobrevenha justa causa para a ação! A

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prejudicialidade há de ter sempre por objeto alguma dúvida sobre

elemento que seja claramente admitido como não essencial à

propositura legítima da ação penal. Este caso dá, aliás, prova clara

do asserto.

Insisto: não pode haver prejudicialidade a respeito de

elemento normativo do tipo penal, assim como, na área civil, não se

concebe prejudicialidade que tenha, v. g., por objeto a existência

jurídica do casamento, senão em demanda para cuja propositura não se

pressuponha a existência jurídica do mesmo casamento.

Por esses dois motivos, acredito não seja caso de

prejudicialidade, porque, se o elemento normativo do tipo não está

nem estava presente, o processo penal não poderia ter legitimamente

sido instaurado, e, se o foi, não é caso de ser suspenso, mas de ser

extinto desde logo por falta de justa causa.

Mas o que me parece mais grave ainda são outras

conseqüências que dizem respeito às funções jurídico-normativas do

Direito Penal e do Direito Tributário. Prescreve o art. 151, III, do

Código Tributário Nacional, que a obrigação tem a exigibilidade

suspensa com:

“as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo.”

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Isso significa, a todas as luzes, que, em pendendo

reclamação ou recurso administrativo, o Fisco não pode exigir nem

cobrar o tributo, na esfera civil. E, não o podendo, temos de, sob

pena de conspícuo absurdo, admitir não possa muito menos fazê-lo, de

modo indireto, na esfera penal, desvirtuando os propósitos e a

vocação político-normativa do Código Penal, e transformando o

processo penal em sub-rogatório da execução fiscal que não pode ser

iniciada. Está suspensa a exigibilidade do crédito.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Há no Código do

Consumidor um artigo que prevê tipo a encerrar um princípio por

vezes esquecido pelo Estado-fiscal. Refiro-me ao artigo 71:

Art. 71 - Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação,

constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.

Daí a inviabilidade de tomar-se a ação penal como um

instrumento coercitivo para compelir o contribuinte a satisfazer um

tributo que ainda está sendo discutido, cujo processo que leva a tal

discussão tem eficácia suspensiva. Falar em sonegação, que é o

crime, quando não se tem a exigibilidade do tributo, só em passe de

mágica.

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O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Agradeço o argumento de

Vossa Excelência, que reforça meu raciocínio.

O art. 174, caput, estabelece:

Art. 174 – A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.”

Não há nenhuma dúvida, portanto, de que é a

definitividade do lançamento, com a conseqüente constituição

definitiva do crédito, como preceitua a norma, que dá origem à

pretensão. Antes disso, não há pretensão fiscal, porque não há

obrigação exigível. Mais do que isso, o Fisco não tem ainda ação,

pretensão, nem direito subjetivo, e é essa a razão manifesta por que

o Código Tributário os resguarda, em não permitindo que, antes da

exigibilidade do crédito, principie a correr prescrição da ação

civil (rectius, da pretensão civil, que ainda não nasceu).

Eu diria, por fim, que nem a questão do termo inicial da

prescrição criminal apresenta dificuldades teóricas. Segundo o

disposto no art. 111, I, do Código Penal, a prescrição penal só

começa a correr da data em que o crime se consume, e o crime só se

consuma, como é óbvio, no momento em que se lhe reúnem todos os

elementos normativos do tipo. Está nisso a resposta, simples e

clara, à indagação.

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No caso do lançamento por homologação, o que se tem de

reconhecer é que a prescrição principia a correr na data em que a

administração pública esteja em condições objetivas de promover a

mesma homologação, de maneira que também me parece não menos clara e

simples, aí, a solução da dúvida.

Mas quero arrematar, valendo-me da lembrança do eminente

Ministro Marco Aurélio. É que seria inexplicável e intolerável

desvirtuamento da função normativa penal autorizar o Fisco a exigir,

pela força coercitiva da ignomínia que sempre representa ao réu a

pendência de uma ação penal, tributo que não pode exigir por via de

ação civil!

E isso me recorda frase muito expressiva de CLAUS ROXIN:

o Direito Penal é um mal necessário e, quando se transpõem os

limites da necessidade, resta apenas o mal. Acho que é este o caso

com que nos defrontamos, Sr. Presidente. Não há como nem por onde

convalidar interpretação que, com o devido respeito, permita o uso

de remédio de caráter penal, para obter resultado tributário que é

impossível de ser logrado na via civil. E, aliás, em postura de todo

em todo contrária à tradição desta Corte, que, em, pelo menos, três

súmulas, reafirmou a inadmissibilidade jurídica de expedientes, como

o da hipótese, com que o Fisco costuma, vez por outra, valer-se para

arrecadar tributo (súmulas 70, 323 e 547).

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Sr. Presidente, não tenho dúvida alguma em, com o devido

respeito aos votos divergentes, acompanhar o eminente Relator e

conceder a ordem.

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Voto - GILMAR MENDES (2)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: -

Sr. Presidente, já tinha observado, na espécie, não

havia que fazer ressalvas à posição já externada pelo Ministro

Sepúlveda Pertence.

Acredito que a questão relativa à prescrição e à

suspensão responde de forma superior à objeção séria quanto a um

eventual risco de impunidade. A solução proposta revela-se adequada

na espécie.

Foi ressaltado, também, o caráter constitutivo do

lançamento. Aqui, talvez, não há que envidar esforços para resolver

sobre a natureza definitiva do instituto, se condições objetivas de

punibilidade ou coisas assemelhadas. O importante é que se

identifique a especificidade do caso.

Quanto ao risco - que, também, já foi aventado aqui -

da eternização das demandas dos procedimentos administrativos -

acredito que tal aspecto foi destacado no voto da Ministra Ellen

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Gracie -, é uma questão de norma de organização e procedimento. É um

raciocínio, certamente, de lege ferenda. O tema poderá ser objeto

dos ajustes necessários, de modo, a permitir que, mediante fórmulas

de preclusão, se encerrem as discussões no âmbito administrativo,

restando definida a questão relativa à constitutividade do

lançamento.

Portanto, com essas observações, acompanho o eminente

Relator.

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Voto - MARCO AURÉLIO (3)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente,

quando apreciado o pedido de concessão de medida acauteladora na

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.571, somei o meu voto,

tendo em conta razões diversas, ao proferido pelo relator, ministro

Néri da Silveira. Na oportunidade, deixei consignado:

“Senhor Presidente, entendo que a norma é razoável” - a norma questionada da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, condicionando a representação, considerado o crime contra a ordem tributária, o envio da notitia criminis ao Ministério Público, à decisão final no processo administrativo-tributário – “sob o ângulo constitucional e viabiliza, a meu ver, o exercício amplo do direito de defesa na fase administrativa, evitando-se açodamentos por parte do fisco e até mesmo, na hipótese de sonegação fiscal,” - é o caso concreto – “pendente recurso administrativo com efeito suspensivo, e não se tendo, portanto, a exigibilidade do valor apontado, venha-se a caminhar, mesmo assim, de forma paradoxal, para notícia do que seria o crime de sonegação. Isso só levaria o Ministério Público a uma atuação que, sob os meus olhos, pelo menos, exsurgiria como pouco cautelosa, como se o Ministério Público estivesse sem matérias para tratar, sem processos para acompanhar, sem ações para propor, visando à persecução criminal. O quadro autorizaria” - disse já àquela altura – “a conclusão sobre a inexistência de justa causa. Inexigível, embora momentaneamente, o tributo, a sonegação fica em suspenso e, aí, tem-se o prejuízo do próprio tipo penal, deixando de haver base para a atuação do Estado-acusador, ou seja, do Ministério Público.

Claro que se houver outro motivo suficiente” - a hipótese, se não for de sonegação fiscal, estando em curso o processo administrativo-tributário – “para a

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propositura da ação penal, o preceito não inibirá o Ministério Público, cabendo ao órgão julgador que tiver a incumbência de examinar a propositura da ação, a denúncia apresentada, definir se a recebe, ou não, decidir a respeito, glosando-a, se a hipótese for reveladora de precipitação.”

Senhor Presidente, sempre interpretei o artigo 34 da

Lei nº 9.249/95 como a revelar hipótese de esgotamento da fase

administrativo-tributária, no que esse preceito consigna que se

extingue a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27

de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965,

quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição

social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. A

não se assentar, a não se proclamar essa óptica, ter-se-á ação penal

como meio coercitivo para chegar-se à arrecadação, à cobrança do

tributo. Há a independência, não existe a menor dúvida, das esferas

civil, administrativa e penal. Mas a ordem jurídica é única, sendo

essa independência norteada pela interpretação sistemática das

diversas normas.

Até a vinda à balha da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro

de 1996, vigia uma regra que, às vezes, levava à precipitação, um

dispositivo semelhante ao artigo 40 do Código de Processo Penal,

compelindo o fisco a comunicar, diante de mero indício de crime, a

prática ao Ministério Público. O legislador de 1996 mostrou-se

pedagógico, ao jungir a comunicação que tem como objetivo maior

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proporcionar ao Ministério Público meios para ofertar a denúncia à

decisão final no processo administrativo, uma vez que esse processo

– como foi ressaltado pelo ministro Cezar Peluso - tem o efeito de

suspender a exigibilidade do tributo, a teor do disposto no inciso

III do artigo 151 do Código Tributário Nacional.

Senhor Presidente, o bom senso – perdoem-me ressaltar

o enfoque sob esse ângulo, sem demérito para quem sustente o

contrário - conduz à conclusão de que não coabitam o mesmo teto a

noção de sonegação fiscal, a existência do processo administrativo

com eficácia suspensiva e, mesmo assim, a ação a ser intentada pelo

Ministério Público. Não cabe, aqui, o argumento ad terrorem da

impunidade, porque não é dado falar em prescrição, se a ação penal

ainda não nasceu, por ausente a justa causa para a propositura.

Acompanho o voto do relator, portanto, para conceder a

ordem e ressaltar o aspecto pragmático, no caso concreto: o

contribuinte já logrou, e isso é muito comum em época de deficiência

de caixa em relação à receita e ao Estado – e sempre convivi com

esse clima – ver declarada a improcedência de cerca de dois terços

do que cobrado, sob o ângulo fiscal.

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Voto - CARLOS VELLOSO (7)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: - Sr. Presidente, quando do

julgamento da ADI nº 1.571, medida cautelar, sustentei:

Sr. Presidente, os crimes praticados por

particulares contra a ordem tributária - reduzir ou suprimir tributo, art. 1º, da Lei 8.137, de 27.12.90 - realizam-se mediante as condutas especificadas nos incisos I a V do mencionado artigo 1º. Os crimes tipificados no artigo 2º da mesma Lei 8.137, de 27/12/90, são da mesma natureza; é dizer, são crimes de sonegação fiscal: art. 2º, incisos I a V. As condutas inscritas nos incisos dos artigos 1º e 2º, adotadas por particulares, têm por escopo sonegar tributo.

Ambos os artigos, 1º e 2º, tipificam, portanto, crime de

sonegação fiscal. Posta a questão nesses termos, a ação penal, em

tais casos, não pode ser instaurada enquanto não existir lançamento

fiscal definitivo, dado que não há crédito tributário sem

lançamento.

No voto que proferi na mencionada ADI nº 1.571, disse

mais: que o caput do art. 1º fala em falsificar ou alterar nota

fiscal. Falsificar ou alterar nota fiscal, para quê? Para suprimir

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ou reduzir tributo; fraudar a fiscalização tributária, inserindo

elementos inexatos, omitindo operação de qualquer natureza, para

quê? Para alcançar esta finalidade: suprimir ou reduzir tributo.

Ora, se não houver redução ou supressão de tributo, não há crime.

Vale dizer, se não houver sonegação de tributo, não há crime.

Ora, se não se tem lançamento definitivo, não se tem

crédito fiscal exigível. O Ministério Público não poderá, então,

instaurar a ação penal, simplesmente porque não se sabe ainda se

houve ou não redução ou supressão de tributo.

Acentuei no mencionado voto proferido na citada ADI nº

1.571:

“O art. 14, da Lei 8.137, de 1990, estabelecia:

‘Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos artigos 1º a 3º quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.’

Esse artigo 14, da Lei 8.137/90, foi, entretanto, revogado pelo art. 98, da Lei nº 8.383, de 30.12.91.

Todavia, a Lei nº 9.249, de 26.12.95, art. 34,

restabeleceu a norma do art.14, da Lei nº 8.137/90:

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‘Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.’ (Art. 34, da Lei 9.249, de 26.12.95).

Sobreveio, então, a Lei nº 9.430, de 27.12.96, que dispôs, no seu artigo 83 e seu par. único:

‘Art. 83 – a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhado ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Parágrafo único. As disposições

contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26.12.95, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo Juiz.’

Ora, se não se tem lançamento definitivo, decisão final definitiva, não se tem, ainda, crédito fiscal exigível. O Ministério Público não poderá, então, instaurar ação penal...”

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Esta é uma questão elementar em direito tributário: só há

crédito tributário, não obstante a obrigação tributária nascer com a

ocorrência do fato imponível, que é a realização, no mundo das

coisas, da hipótese de incidência, só há crédito tributário, repito,

com a realização do lançamento. Isso é de disposição expressa do

Código Tributário Nacional, que é a lei complementar a regular, por

força da Constituição, a matéria (art. 146 da Constituição).

Portanto, com a vênia dos eminentes Colegas que não pensam

dessa forma, a eminente Ministra Ellen Gracie e o eminente Ministro

Joaquim Barbosa, acompanho o voto do Sr. Ministro Sepúlveda

Pertence.

Desejo dizer mais uma palavra a respeito. Sei que há

grande preocupação com a impunidade, ou com a prescrição dos crimes

tributários. Ninguém mais do que eu se preocupa com a impunidade no

direito penal de modo geral. É que vivemos momentos de violência e

alta criminalidade. A Suprema Corte tem que estar atenta a isso.

Todavia, no caso, não temos motivo para preocupação. É que a

prescrição da pretensão punitiva começa a correr do dia da

consumação do crime (Código Penal, art. 111, inciso I). E o crime se

diz consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua

definição legal (Código Penal, art. 14, inciso I).

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Ora, o crime de sonegação fiscal ⎯ “suprimir ou reduzir

tributo” ⎯ inscrito no art. 1º da Lei 8.137, de 1990, só se consuma

no momento em que a autoridade administrativa, incumbida do

lançamento, diz, em definitivo, que houve supressão ou redução de

tributo. Isso só ocorre com o lançamento, ou com a constituição

definitiva do crédito fiscal. É a partir daí, portanto, que se tem a

consumação do crime; é a partir daí que começa a correr a prescrição

para o Ministério Público. E mais: há um princípio na teoria geral

do direito, mais velho do que a Sé de Braga: a prescrição da ação

rege-se pelo princípio da actio nata. Se o direito de ação ainda não

nasceu, não há falar em prescrição. A ação penal, no caso, somente

nasce com a realização do lançamento fiscal, com a constituição

definitiva do crédito tributário. Só assim será possível falar-se na

ocorrência da figura típica do crime de sonegação fiscal.

O Sr Ministro JOAQUIM BARBOSA – Gostaria de indagar se

Vossa Excelência não vê uma ambigüidade fundamental no fato de que o

Supremo Tribunal Federal, na medida cautelar na ADI 1.571, disse que

não há empecilho ao ingresso do Ministério Público com uma ação

penal, nesses casos.

O Sr Ministro MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me permite?

Ressaltei até o aspecto - a decisão foi unânime, e o Tribunal,

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HC 81.611 / DF

quanto aos fundamentos, esteve dividido. Eu próprio assentei que não

via, no dispositivo atacado mediante a ação direta de

inconstitucionalidade, uma carta em branco para o Ministério Público

atuar sem a exigibilidade do tributo, portanto, de forma precoce e

açodada. Por isso é que indeferi a suspensão do artigo 83.

O Sr Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator) – O problema

é esse. Se há um processo administrativo concluído, nada impede o

Ministério Público de, por qualquer meio, tomar conhecimento desse

lançamento definitivo e propor ação penal. É nesse sentido que a

ação é pública e incondicionada.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO – Eminente Ministro, o

Tribunal indeferiu a medida liminar, quer dizer, não suspendeu o

artigo 83, parágrafo único, da Lei nº 9.430, de 1996, que estabelece

justamente isso:

“A representação fiscal para fins penais

relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”

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HC 81.611 / DF

Estamos, agora, a decidir, exatamente, nos termos da lei

que o Supremo Tribunal Federal não suspendeu a eficácia. Então não

há nenhuma contradição, estamos de acordo com o que decidiu a Corte

Constitucional no julgamento da ADI nº 1.571.

Com essas considerações, acompanho o voto do eminente

Ministro-Relator, que, aliás, dispensaria qualquer acréscimo; se

tentamos fazê-lo, foi em homenagem aos votos divergentes.

É como voto, Senhor Presidente.

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Aditamento ao Voto - NELSON JOBIM (1)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 81.611

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Sr. Presidente, eu vou

juntar aos autos o meu voto no HC nº 77.002, onde desenvolvi a

matéria.

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Confirmação de Voto - ELLEN GRACIE (8)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

C O N F I R M A Ç Ã O D E V O T O

A Sra. Ministra Ellen Gracie - Sr. Presidente, faço uma breve intervenção, posto que a Casa acaba de definir os contornos da controvérsia. Estamos decidindo um caso concreto, de cores muito particulares, aqui, já assinalados: são fatos ocorridos em 1991, a construção de trezentos e sessenta apartamentos, sobre os quais não se pagou um único centavo de imposto e cuja contabilidade foi extraviada. Colocamos como condição necessária de procedibilidade que esse processo administrativo chegue ao seu termo com a definição exata do quantum debeatur.

O eminente Relator, no seu voto adicional, tomou a cautela de

estabelecer contornos, porque a Casa, realmente, tem essa preocupação com a impunidade generalizada, e o próprio País já se escandalizou muito, há um tempo, quando alguém afirmou que a sonegação neste País é endêmica. Os brios nacionais ficaram afetados, e a Casa – creio - deve se preocupar com a questão da eventual impunidade desse tipo de delito agora abordado.

O eminente Relator foi muito feliz ao nos trazer, a título de paradigma, a

solução adotada pelo Tribunal para a procedibilidade contra os parlamentares, uma vez que, anteriormente, sabe-se, as Casas parlamentares, sistematicamente, recusavam a licença para os seus membros serem processados.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator): Foi o primeiro caso em que o Tribunal concluiu que a suspensão da prescrição advinha de qualquer obstáculo ao exercício da jurisdição, e não, apenas, da hipótese prevista no Código Penal de existência, tecnicamente, de uma prejudicial pendente da decisão de outro processo.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Ou seja, naquele caso, Vossa Excelência considerava que o próprio imputado colocava, por intermédio de seus pares, um obstáculo a que fosse levado às barras dos Tribunais. Aqui, pelo menos no caso concreto, isso também está ocorrendo. Desde 1991, nada se paga de imposto, e é até inadequado, em relação a todas as outras empresas deste País que cumprem com as suas

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HC 81.611 / DF

obrigações tributárias, que não estabeleçamos, com muita clareza, a partir de onde vamos fazer contar essa prescrição. Será a partir do momento em que esse contribuinte impediu o Ministério Público de desempenhar as suas funções? Este ofereceu a denúncia em 1998.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Eminente Ministra, é a partir da consumação do crime.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – E quando é a consumação do crime? Os atos ocorreram em 1991.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Com a realização do lançamento.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Em qualquer das duas, a prescrição não correu um dia, sequer.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Quando se fala na lentidão da Justiça, tem de se pensar, antes, na lentidão administrativa. Vossa Excelência mencionou o ano de 1991. Então, de 1991 até 2003, a administração pública não concluiu o lançamento. Isso é um absurdo. A Justiça não tem a menor culpa.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – O contribuinte diz que o Conselho acaba de julgar e anuncia que vai recorrer ao Ministro de Estado. Há – creio - uma definição que o Plenário precisa fazer: encerrado esse procedimento administrativo, evidentemente, ocorrerá o acesso ao Judiciário; não podemos recusá-lo. Ainda assim, continuaremos esperando a solução?

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Isso é outra questão, e não está em debate. A lei fala em sonegação fiscal, redução ou supressão de tributo. A conduta típica, pois, é reduzir ou suprimir Tributo. Numa palavra, sonegar Tributo.

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O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Salvo qualquer medida judicial cautelar.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Mas isso é outra questão.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Pelo que depreendo dos votos condutores, suspensa está a prescrição.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – O prazo da prescrição nem se iniciou, ainda.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Ela não iniciou?

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Não. Primeiro, porque o crime só se consuma com o lançamento; segundo, somente quando nasce a ação, segundo o princípio da actio nata, é que começa a correr a prescrição.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Então, Vossa Excelência considera que a supressão de tributo não teve lugar em 1991, vai ter lugar em 2010, quando terminar?

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Se a administração está assim tão lenta, paciência. O lançamento é que dirá se houve redução ou supressão de Tributo.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Quando falo em suspensão de prescrição, esse é o nome que a doutrina dá às hipóteses do art. 116 do Código Penal, que, na verdade, fala de causas impeditivas.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Essa é uma questão realmente importante.

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O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Seria bom ficar consignado.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Acho absolutamente necessário defini-la.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Sem dúvida. No meu voto isso está claro, e, também, no voto do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Pode-se colocar até no dispositivo: concedeu-se a ordem para trancar a ação penal, suspensa e prescrição.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Nesse sentido, concordei inteiramente com Vossa Excelência.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Creio que essa seria uma clarificação importante.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Suspensa a prescrição.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Suspensa, não. A prescrição ainda não começou a correr. Somente com a consumação do crime é que isto acontece.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Ministro, isso é tão velho, isso já está em “Carrara”.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Muitas vezes, é preciso reafirmar as coisas velhas.

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O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Sem curso da prescrição.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Sem dúvida.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Sem curso a prescrição, porque ainda não ocorreu o delito.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Até que se torne definitivo o lançamento na órbita administrativa.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Nesse caso, acho que vamos ter um julgamento unânime.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Não, porque Vossa Excelência recebia a denúncia; dou ao paciente, uma vez tornado definitivo o lançamento, a possibilidade de pagar o débito e impedir o processo.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Eu disse expressamente que concordava com Vossa Excelência em relação à suspensão da prescrição; disse taxativamente.

O Senhor Ministro Maurício Corrêa (Presidente): – Mas, aí, ficaria com o ônus da ação penal em andamento.

O Senhor Ministro Cezar Peluso – Essa posição é até mais desfavorável ao Fisco, porque deduzida em termos de suspensão; sustento que a prescrição nem começou.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Nesse ponto, concordo. Há que se dizer isso claramente na decisão.

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O Senhor Ministro Maurício Corrêa (Presidente): – Mas se não há nem título da dívida constituída administrativamente.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Não precisava nem ser dito. O crime somente ocorre quando houver supressão de crédito, já que a conduta típica é suprimir ou reduzir tributo. Estamos dizendo que só ocorre com o lançamento a consumação do crime.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Chegamos, então, na segunda dificuldade que encontro na solução dada pelo Plenário, que é o fato de esta solução não se aplicar àqueles tributos de lançamento por homologação.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Não, Eminente Ministra, o lançamento tem que ocorrer. O lançamento por homologação ou é tácito ou é expresso; de um modo ou de outro, tem que ocorrer.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Sim, mas veja que estamos realmente invertendo toda a sistemática de fiscalização aplicada não só neste País, como em todo o mundo, que é a fiscalização por amostragem aleatória. Não é possível, nos tributos por homologação, criarmos um verdadeiro exército de fiscais a irem atrás de todas as empresas para fazerem a fiscalização.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Seja no resto do mundo, seja apenas, aqui, passados cinco anos, o quantum debeatur declarado pelo contribuinte se torna definitivo.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – E, neste caso, em que o contribuinte nada declarou?

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Se houver denúncia, ele pagará aquilo que declarou.

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A Sra. Ministra Ellen Gracie – Nada declarou. Ele extraviou a contabilidade.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Nada mais lhe será cobrado. Então, como não pode mais cobrar, como não pode mais propor uma execução fiscal, põe-se o cidadão atrás das grades?

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Até sob esse aspecto, quando há fraude, não recolhimento do tributo, não se observa o prazo de cinco anos, mas até dez anos.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – Não vamos fazer uma cartilha, mas decidir o caso.

O Sr. Ministro Carlos Velloso – Todos esses temas que estamos a mencionar não são cabíveis, aqui, porque, se amanhã ocorrer a questão do lançamento por homologação, teremos de dizer quando ocorrem a decadência e a prescrição no lançamento por homologação. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça está discutindo essa questão. O antigo Tribunal Federal de Recursos tinha posição firme a respeito.

O Senhor Ministro Maurício Corrêa (Presidente): – Uma questão curiosa é o paciente ter dois terços no recurso administrativo.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Quanto a essa questão levantada por Vossa Excelência, tenho uma explicação muito clara, pois a examinei quando do voto-vista. Dois terços dessa dívida foram eliminados porque, como tinha dito antes, toda a contabilidade foi extraviada; o Fisco lançou pelo valor global – digamos - nessas obras. Como nada foi declarado como lucro, também o contribuinte não podia declarar os prejuízos que teve. Quando se abriu o procedimento administrativo, ele veio e demonstrou alguns prejuízos que resultaram nessa dívida.

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O Senhor Ministro Maurício Corrêa (Presidente): – E se ele ganhar o um terço, agora, que vai voltar?

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Se ele suprimir um centavo de imposto, é um centavo a mais que o resto da população brasileira terá de pagar por ele.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - (Relator) – É a lei, mostrando que Direito Penal, nesta matéria, quer mesmo ser um reforço de cobrança. Mas, pelo menos, que não seja substitutivo da cobrança que não pode ser feita. Deu-se ao acusado, ou ao cidadão, por mais bandido que seja, uma possibilidade de impedir a ação penal, pagando um centavo ou trinta bilhões.

A Sra. Ministra Ellen Gracie – Sr. Presidente, mantenho integralmente o meu voto.

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Aditamento ao Voto - CEZAR PELUSO (2)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Sr. Presidente, gostaria

de fazer duas observações. A primeira, que, realmente, é muito fundada a

preocupação da eminente Ministra a respeito, vamos dizer assim, das

vicissitudes do erário. Mas acho que este não pode queixar-se. Se não me falha

a memória, a “Folha de São Paulo” de hoje revela que a arrecadação tributária

só tem aumentado no país. E tudo isso é consideração extrajurídica.

Queria, no entanto, deixar claro o meu ponto de vista quanto à

prescrição penal. Como o crime só se consuma com a constituição definitiva do

lançamento, é nessa data que principia a correr a prescrição penal, porque, em

tal hipótese, não se exclui a prática de atos imputáveis ao contribuinte que

podem retardar o ato que desencadeia o curso da prescrição penal. Na hipótese

de homologação, a partir do momento em que o Fisco pode fazê-la, começam a

pretensão e a prescrição penais, porque aí só depende, o início da prescrição,

de ato do Fisco. Isto é, se ele não homologa, é porque negligencia, se omite,

quando tem, já, à disposição, todos os dados para efetivar o lançamento. A partir

desse momento deve começar, pois, a correr a prescrição penal. E em nenhuma

das hipóteses há prejuízo para o Fisco.

Devo acrescentar observação de caráter extrajurídico, mas que

parece relevante, porque, no fundo, também estamos girando em torno de

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considerações metajurídicas. Qual seria o valor atual do tributo neste caso?

Ninguém o sabe. Nem o Fisco!

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Aditamento ao Voto Vista - JOAQUIM BARBOSA (1)

10/12/2003 TRIBUNAL PLENOHABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O - V I S T A

(ADITAMENTO)

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Sr. Presidente,

gostaria de fazer um pequeno adendo. Acho que o voto do ministro

Cezar Peluso constitui, na verdade, uma otimização do voto do

ministro Sepúlveda Pertence e das singelas considerações que fiz em

meu voto. Dizer que o prazo prescricional sequer começa a correr é

ir muito além daquilo que Sua Excelência preconizou.

Adiro, também, a esse ponto de vista.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator) – Data

venia, quanto ao prazo, não, Excelência: quando falei de suspensão,

usei de uma expressão doutrinária imprópria para o que o Código

Penal chama de impedimento do curso da prescrição. Às vezes começa

depois, por exemplo, quando o acusado foge.

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Não vejo abuso nem

constrangimento em se instaurar uma ação penal contra alguém que

construiu 360 imóveis e não recolheu um centavo de tributo.

Por essa razão, denego a ordem.

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Extrato de Ata (2)

TRIBUNAL PLENO

EXTRATO DE ATA HABEAS CORPUS 81.611-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE PACIENTE : LUIZ ALBERTO CHEMIN IMPETRANTES : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E

OUTRO ADVOGADOS : PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR E OUTROS COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Relator, e Gilmar Mendes, concedendo a ordem, pediu vista a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falou pelo paciente o Professor Paulo José da Costa Júnior. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 16.10.2002.

Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros

Sepúlveda Pertence, Relator, e Nelson Jobim, deferindo a ordem, e do voto da Senhora Ministra Ellen Gracie, indeferindo-a, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Renovado o relatório. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Maurício Corrêa, Presidente. Falaram, pelo paciente, o Prof. Paulo José da Costa Júnior e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente. Plenário, 22.10.2003.

Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu o habeas corpus, nos termos do voto do Relator, vencidos a Senhora Ministra Ellen Gracie e os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, que o indeferiam. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 10.12.2003. Presidência do Senhor Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

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Luiz Tomimatsu Coordenador

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