tcc - 2013
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Instituto de Educação Superior de Brasília
Curso Superior de Tecnologia em Fotografia
Turma: FotNot
TCC
Fotogramas sociogramas Usos sociais e sentido das fotografias de família
Ensaio F.A.M.I.L.I.A.
Nayara da Silva Vieira
Mat: 11243013010
Maio 2013
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Ensaio apresentado à banca examinadora do
curso de tecnologia em fotografia do Instituto
de Educação Superior de Brasília (IESB) como
requisito parcial para a obtenção do título de
tecnólogo em fotografia
Banca examinadora:
_______________________________________
Daniel Mira de Carvalho
_______________________________________
Lourenço Lima Cardoso
“Parece que encontrei muita coisa nesta caixa de sapatos”
3
SUMÁRIO
1. Introdução: Imagem e memória - A fotografia como objeto de memória .................. 4
2. Para recordar: função social e estética dos álbuns de família (o que esperar de uma
foto de família?). .............................................................................................................. 7
3. Memórias vivas? Estado da arte em fotografias de família ....................................... 11
4. Ensaio fotográfico: F.A.M.Í.L.I.A. ................................................................................ 14
5. Referências bibliográficas ........................................................................................... 21
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1. INTRODUÇÃO: IMAGEM E MEMÓRIA - A FOTOGRAFIA COMO OBJETO DE
MEMÓRIA
“O tempo que altera as pessoas não
modifica a imagem que guardamos delas”
Marcel Proust. A procura do tempo perdido
Ao estudar de uma série de fotografias tiradas por camponeses no interior da
França na década de 1930, Bourdieu nos lança uma frase nostálgica “Parece que
encontrei muita coisa nesta caixa de sapatos”1. A imagem de pessoas revirando seus
arquivos, velhos álbuns e caixas, como se abrissem uma caixa de Pandora, em busca do
passado expresso em forma de fotografias faz parte do imaginário de muitos. Em
diversos momentos as gerações de pessoas que tiveram seu passado registrado por
meio de imagens fotográficas sentem a necessidade de revisitá-lo, lançar novamente
um olhar sobre o momento fugaz capturado pelo equipamento fotográfico.
A afirmação da fotografia como meio técnico acessível à sociedade e a sensível
aceleração da história advinda da era industrial levou os indivíduos a ligarem-se
nostalgicamente às suas raízes: daí o entusiasmo pela fotografia, criadora de memórias
e recordações.
A memória humana, que é particularmente instável e maleável, tem assim no
registro fotográfico a possibilidade de reviver o passado e atribuir a ele novas
significações. A fotografia revoluciona a memória: multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe
uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a
memória do tempo e da evolução cronológica.
A necessidade de guardar o momento nasce com a fotografia e se alimenta
dela. A fotografia surge, desde deu início, como acompanhamento necessário das
grandes cerimônias de passagem da vida familiar e coletiva, como nascimentos,
1(Bourdieu, O camponês e a fotografia 2006)
casamentos e até mesmo velórios
vendido em massa para a população em geral: a
Imagem 1: Exemplo de foto no formato carte
distinção social durante o século XIX, tirada pelo fotógrafo teuto
brasileiro Alberto Henschel, o qual quebr
negros posando à vontade ou bem vestidos, escravos ou livres.
Imagem 2: Casamento no interior do estado de Goiás. Década de
1970. Acervo Pessoal
Mesmo se considerarmos a fotografia como uma mercadoria, que visa lucros
com a comercialização da foto, da câmara e dos filmes, não é possível ignorar que a
2Carte-de-visite ou carte de visite (em português: cartão de visita) é o nome dado a um antigo formato
de apresentação de fotografias, patenteado pe1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm aproximadamente). O carte-de-visite tornou-se modismo mundial durante a década de 1860 e popularizou a arte do retrato, conferindo ao fotografado o status de distinção e representação social. Como padrão universal, o cartede-visite era trocado entre familiares, amigos e colecionadoreenvelope de carta comum.(Mauad 1996)
casamentos e até mesmo velórios. Vide o primeiro objeto fotográfico
vendido em massa para a população em geral: a carte-de-visite2
: Exemplo de foto no formato carte-de-visite, símbolo de
distinção social durante o século XIX, tirada pelo fotógrafo teuto-
brasileiro Alberto Henschel, o qual quebrou paradigmas ao retratar
negros posando à vontade ou bem vestidos, escravos ou livres.
: Casamento no interior do estado de Goiás. Década de
0. Acervo Pessoal
Mesmo se considerarmos a fotografia como uma mercadoria, que visa lucros
a comercialização da foto, da câmara e dos filmes, não é possível ignorar que a
visite ou carte de visite (em português: cartão de visita) é o nome dado a um antigo formato
de apresentação de fotografias, patenteado pelo fotógrafo francês André Adolphe EugèneDisdéri em 1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm aproximadamente). O
se modismo mundial durante a década de 1860 e popularizou a arte do retrato, conferindo ao fotografado o status de distinção e representação social. Como padrão universal, o carte
visite era trocado entre familiares, amigos e colecionadores do mundo todo, já que cabia em um (Mauad 1996)
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. Vide o primeiro objeto fotográfico comercial
Mesmo se considerarmos a fotografia como uma mercadoria, que visa lucros
a comercialização da foto, da câmara e dos filmes, não é possível ignorar que a
visite ou carte de visite (em português: cartão de visita) é o nome dado a um antigo formato lo fotógrafo francês André Adolphe EugèneDisdéri em
1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm aproximadamente). O
se modismo mundial durante a década de 1860 e popularizou a arte do retrato, conferindo ao fotografado o status de distinção e representação social. Como padrão universal, o carte-
s do mundo todo, já que cabia em um
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fotografia, desde a sua invenção, desempenha papel fundamental na socialização de
seus membros, e na legitimação do setor privado da sociedade- a família.
Nesse sentido é essencial afirmar que as fotografias de família, ao contrário das
fotografias consideradas artísticas, não são vistas ou apreciadas em si mesmas e por si
mesmas, mas são vistas como forma de resgate da memória individual e coletiva e
fazem parte da construção da identidade individual. Um álbum de família, mesmo que
esteticamente construído para ser belo visualmente, tem como função principal ser
um objeto de significação, criador de memória para um grupo de pessoas unidas pelo
laço familiar.
Pode-se falar desta maneira que mais do que fotogramas, ou seja, imagens
capturadas quimicamente ou digitalmente, as fotografias de família podem ser
consideradas sociogramas, representações imagéticas onde se percebem as relações
estabelecidas entre membros de um conjunto, tornando possível perceber o papel que
cada pessoa ocupa dentro do grupo ou dos grupos em que está inserida.
Nesse sentido, Pierre Bourdieu e a sua equipe puseram bem em evidência o
significado do "álbum de família":
"A Galeria de Retratos democratizou-se e cada
família tem, na pessoa do seu chefe, o seu
retratista. Fotografar as suas crianças é fazer-se
historiógrafo da sua infância e preparar-lhes,
como um legado, a imagem do que foram”
(Bourdieu, O camponês e a fotografia 2006).
O álbum de família exprime uma verdade da recordação social. As
imagens do passado dispostas em ordem cronológica, "ordem das estações" da
memória social, evocam e transmitem a recordação dos acontecimentos que merecem
ser conservados porque o grupo vê um fator de unificação nos monumentos da sua
unidade passada eabsorve do seu passado as confirmações da sua unidade atual.
Desta forma, não haveria algo que estabeleça mais a confiança e seja mais
edificante que um álbum de família: todas as aventuras singulares que a recordação
individual guarda estão ali assinaladas para seus membros e gerações futuras.
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2. PARA RECORDAR: FUNÇÃO SOCIAL E ESTÉTICA DOS ÁLBUNS DE FAMÍLIA
(O QUE ESPERAR DE UMA FOTO DE FAMÍLIA?).
“Graças à fotografia, o ontem não é mais que
um hoje sem fim. Como o cabo que prende o
balão à terra, nosso sensível aparelho permite-
nos sondar o terreno mais difícil, criando um tipo
de vertigem particularmente seu. “
Carlo Rim
A fotografia de família, que como já exposto, divide com a memória o peso da
responsabilidade de guardar as lembranças do grupo familiar. A memória individual e
familiar passa assim a ser constituída tendo por base também o suporte imagético.
Presente desde o início da fotografia como método, a fotografia de família tem
apresentado formas variadas, mas que mantém determinadas características de
destaque.
Nesse sentido, existem hoje tipos diferentes de retratos de família: os formais
(de casamentos, batizados, formaturas, comunhões) e os informais (retratos de férias
e de momentos de lazer). Os primeiros continuam a ser padronizados, como vinham
sendo desde o século XIX, são posados e geralmente contam com a execução feita por
um fotógrafo profissional; atitudes que refletem a relevância do momento capturado
para o grupo familiar, enquanto ou outros, chamados vulgarmente de instantâneos,
continuam a registrar unicamente instantes alegres e despretensiosos, encobrindo
possíveis conflitos e transgressões no seio familiar.
Nos registros chamados de formais, na maioria das vezes não há um
compromisso com a realidade, apenas com a legitimidade da fotografia apresentada.
O que se busca é uma representação que sirva à memória como uma recordação plena
daquele momento vivido, uma espécie de eternização do status que conseguiu
naquele momento, por conta das pompas que envolvem as cerimônias. Em muitos
casos, as imagens são tomadas fora do momento em que ocorreram, como por
exemplo, crianças posando no altar com uma aura angelical logo ao término de suas
primeiras comunhões ou noivos posando com familiares em torno da mesa de doces e
bolos reafirmando a efetivação do enlace matrimonial.
Nos retratos posados paga a guarda da memória geralmente se vê a
necessidade da construção de cenários, sejam eles mais elaborados, como vi
grandes e famosos estúdios fotográficos, que mantém painéis e objetos cenográficos
para compor as fotos de seus clientes, ou até mesmo a tática de simples fotógrafos
ambulantes que tentavam compor as cenas com fundos de tecido, ou com a paisagem
que os cercavam.
Por alimentarem o imaginário familiar, os retratos de família possuem uma
carga emocional que não depende da técnica utilizada, mas da circunstância. Ainda
assim, os processos fotográficos antigos foram os grandes responsáveis pela imagem
clássica de retratos de família, com fotos de grupos estáticos com expressões sisudas.
Imagem 3: Retrato d
Acervo Pessoal
Imagem 4: Festa de formatura. Abadiânia, Goiás. 1977. Acervo
Pessoal
posados paga a guarda da memória geralmente se vê a
necessidade da construção de cenários, sejam eles mais elaborados, como vi
grandes e famosos estúdios fotográficos, que mantém painéis e objetos cenográficos
para compor as fotos de seus clientes, ou até mesmo a tática de simples fotógrafos
ambulantes que tentavam compor as cenas com fundos de tecido, ou com a paisagem
Por alimentarem o imaginário familiar, os retratos de família possuem uma
carga emocional que não depende da técnica utilizada, mas da circunstância. Ainda
assim, os processos fotográficos antigos foram os grandes responsáveis pela imagem
clássica de retratos de família, com fotos de grupos estáticos com expressões sisudas.
: Retrato de casal. Abadiânia, Goiás. Década de 1940.
Acervo Pessoal
: Festa de formatura. Abadiânia, Goiás. 1977. Acervo
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posados paga a guarda da memória geralmente se vê a
necessidade da construção de cenários, sejam eles mais elaborados, como vistos em
grandes e famosos estúdios fotográficos, que mantém painéis e objetos cenográficos
para compor as fotos de seus clientes, ou até mesmo a tática de simples fotógrafos
ambulantes que tentavam compor as cenas com fundos de tecido, ou com a paisagem
Por alimentarem o imaginário familiar, os retratos de família possuem uma
carga emocional que não depende da técnica utilizada, mas da circunstância. Ainda
assim, os processos fotográficos antigos foram os grandes responsáveis pela imagem
clássica de retratos de família, com fotos de grupos estáticos com expressões sisudas.
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Imagem 5: Retrato de família. Abadiânia, Goiás. Década de 1960.
Acervo Pessoal
Nas imagens anteriores são percebidas as principais características de retratos
de família: presença, mesmo que pressentida, do profissional fotógrafo, poses,
cenários construídos e indícios para a construção da memória coletiva familiar.
Na obra “Retratos de família: leitura da fotografia histórica”, a antropóloga
Miriam Leite questiona: “Até que ponto ‘uma imagem vale mais de mil palavras’? É
possível estabelecer essa correspondência?”. Na tentativa de acabar com a ilusão de
que as fotografias dariam acesso direto à realidade, a autora alerta: “a fotografia pode
ser a reprodução de um recorte de alguma coisa existente, mas frequentemente é
mais a reprodução do que o retratado e o fotógrafo quiseram que ela fosse”. (Leite
2005)
A atração dos retratos de família corresponde, pois, a uma necessidade de ver
como os outros nos veem e procurar as ligações com o eu interior, que se dissociam
através da busca de semelhanças e de contrastes nos outros e nas metamorfoses que
o tempo inscreve naquele presente atual ou transcorrido.
Barthes (Barthes 1984) também aponta esta dissociaçãoentre objeto e sujeito
nas fotos retrato, onde para o autor, quatro imaginários se cruzam:
“Diante da objetiva, sou, ao mesmo tempo,
aquele que eu me julgo, aquele que eu
gostaria que me julgassem, aquele que o
fotógrafo me julga e aquele de que ele se
serve para exibir sua arte”.
Toda a intencionalidade do fotógrafo é camuflada por uma aparente auto
dos figurantes que, presentes na imagem, oculta a
quanto à pose, ao tratamento da luz, à con
Contudo, em nenhum momento esta que pode
sincronicidade, ou até mesmo de veracidade com o ocorrido
fotografados, afinal o objetivo do registro fotográfico foi alcançado: uma lembrança
bela de um momento inesquecível para a família.
representação imagética reproduzida em álbuns que perdurarão na família por
gerações alimentando as narrativas particulares daquele grupo.
E não são essas pequenas farsas que garantem o intere
mas a expressão dos retratados, questões mais sutis, não tão óbvias. Um dos aspectos
mais interessantes é que o mistério que envolve um retrato de família só tem sentido
fora da família, não dentro. Fora dela, ninguém sabe as condições
feitos. Em muitos casos, até mesmo transmitem uma opulência que na verdade não
existe, como nas fotos encomendadas pelos pais do fotógrafo Richard Avedon, que
alugavam cães da raça Dálmata
jovem, mas já fotógrafo, Avedon fez uma série de retratos de família em que os grupos
eram retratados sob os toldos de diversos prédios, alegremente segurando as correias
de cães de outras pessoas.
importante”, contou Avedon.
verdade sobre quem queríamos ser.”
alidade do fotógrafo é camuflada por uma aparente auto
dos figurantes que, presentes na imagem, oculta a direção compositiva do fotógrafo
quanto à pose, ao tratamento da luz, à construção estudada dos planos.
Contudo, em nenhum momento esta que poderia ser considerada uma falta de
até mesmo de veracidade com o ocorrido, é questionada pelos
fotografados, afinal o objetivo do registro fotográfico foi alcançado: uma lembrança
bela de um momento inesquecível para a família. A memória é mantida através da
representação imagética reproduzida em álbuns que perdurarão na família por
gerações alimentando as narrativas particulares daquele grupo.
Imagem 5: Richard Avedon e sua mãe.
E não são essas pequenas farsas que garantem o interesse total da imagem,
mas a expressão dos retratados, questões mais sutis, não tão óbvias. Um dos aspectos
mais interessantes é que o mistério que envolve um retrato de família só tem sentido
fora da família, não dentro. Fora dela, ninguém sabe as condições em que eles foram
feitos. Em muitos casos, até mesmo transmitem uma opulência que na verdade não
como nas fotos encomendadas pelos pais do fotógrafo Richard Avedon, que
cães da raça Dálmata para dar mais distinção à família nas fotos. Ain
jovem, mas já fotógrafo, Avedon fez uma série de retratos de família em que os grupos
eram retratados sob os toldos de diversos prédios, alegremente segurando as correias
de cães de outras pessoas. “A posse de cães pela família Avedon era um mito
, contou Avedon. “Era uma mentira sobre quem nós éramos, e uma
verdade sobre quem queríamos ser.”
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alidade do fotógrafo é camuflada por uma aparente autonomia
compositiva do fotógrafo
trução estudada dos planos.
ria ser considerada uma falta de
é questionada pelos
fotografados, afinal o objetivo do registro fotográfico foi alcançado: uma lembrança
mantida através da
representação imagética reproduzida em álbuns que perdurarão na família por
sse total da imagem,
mas a expressão dos retratados, questões mais sutis, não tão óbvias. Um dos aspectos
mais interessantes é que o mistério que envolve um retrato de família só tem sentido
em que eles foram
feitos. Em muitos casos, até mesmo transmitem uma opulência que na verdade não
como nas fotos encomendadas pelos pais do fotógrafo Richard Avedon, que
para dar mais distinção à família nas fotos. Ainda
jovem, mas já fotógrafo, Avedon fez uma série de retratos de família em que os grupos
eram retratados sob os toldos de diversos prédios, alegremente segurando as correias
“A posse de cães pela família Avedon era um mito
“Era uma mentira sobre quem nós éramos, e uma
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3. MEMÓRIAS VIVAS? ESTADO DA ARTE EM FOTOGRAFIAS DE FAMÍLIA
“A necessidade de confirmar a realidade e de
realçar a experiência por meio de fotos é um
consumismo estético em que todos estão
viciados. As sociedades industriais
transformaram seus cidadãos em dependentes
de imagens, é a mais irresistível forma de
poluição mental”
Susan Sontag
O mercado de fotografia de família contemporâneo vive hoje um dilema. Com a
ascensão da fotografia digital e a democratização de seus meios, poucas pessoas tem
buscado o trabalho de profissionais para captar imagens, a não ser em momentos
considerados excepcionalmente importantes, tendo como grande exemplo as
cerimônias de casamentos. Geralmente em eventos menores, como aniversários,
batizados, reuniões familiares, o encargo de fotografar muitas vezes fica com alguém
mais familiarizado com o equipamento fotográfico, e a difusão dessas imagens nem
chega a ser feita em papel, hoje em dia em sua maioria transita em meios digitais
como emails e redes sociais.
Ressalta-se que, mesmo que a feitura e os caminhos em que estas fotos
transitam não fazem delas menos, pelo contrário, hoje observamos a construção da
memória coletiva fluida, que transita em meios digitais, mas que tem também como
objetivo criar a imagem individual e coletiva.
Entretanto, mesmo com o acesso constante com equipamentos fotográficos,
sejam eles câmeras reflex, compactas e até mesmo celulares, muitas pessoas ainda
consideram essencial a fotografia executada por profissional para captar momentos
considerados únicos pelo seu grupo familiar.
Os retratos hoje comercializados como profissionais não abandonaram por
inteiro a formatação esperada e já descrita de um retrato de família comum, com suas
poses e esquemas visuais. Se vê repetidas vezes a formação de grupos, configuração
de cenários artificiais, poses e expressões forçadas.
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Estas construções, mesmo que quando descritas causem estranheza, são
visualmente comuns e interpretáveis por todos, pois formam uma linguagem visual
amplamente conhecida e difundida. Ressalta-se que, nesse contexto, é ilusório pensar
que as imagens se comuniquem imediata e diretamente ao observador, levando
sempre vantagem à palavra, pela imposição clara de umconteúdo explícito. Na maioria
das vezes, ao contrário, se calam em segredo, exigindo contextualização pela memória.
Por isso, muitas vezes uma foto que não tem sentido algum para um estranho ao
grupo familiar seja de importância fundamental para uma família e constitua até
mesmo um pequeno tesouro familiar.
Imagem 6: Registro contemporâneo de cerimônia de casamento.
Fonte: http://www.evandrorocha.com.br/ acesso em 2 maio de 2013
Todavia, é perceptível no trabalho atual dos fotógrafos de eventos familiares a
influência da fotografia contemporânea, seja na concepção geral da fotografia, na
composição e arranjo dos objetos e pessoas em cena e na disposição das luzes e cores.
Na imagem acima, efetuada pelo fotografo Evandro Rocha3, mesmo que a imagem seja
notoriamente conhecida, o beijo dos noivos ao final do casamento, a fotografia
apresenta uma composição bela, com harmonia de cores e ousado enquadramento.
3 Evandro Rocha tem se destacado no cenário nacional, além de fotografar casamentos por todo o país é
palestrante de eventos como o Photoshow e Wedding Brasil, com público de 1600 fotógrafos profissionais; ministrou workshops em Paris, Boston, New York e Lisboa. Em 2010 foi contratado pela Canon para realizar palestras no estande oficial da marca na feira PhotoImageBrazil; teve seu trabalho publicado em mídias importantes como Revista Isto É, Revista Caras, UOL, BOL e programa Domingo Legal (SBT).
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Imagem 7: Retrato contemporâneo de casal. Fonte:
http://www.bstuckert.com/ Acesso em: 2 de maio de 2013
No retrato acima, percebe-se a intencionalidade do fotógrafo em compor um
belo pano de fundo para destacar os rostos de seus fotografados, uma preocupação
que é constante desde os primórdios da fotografia social. Só que neste caso Bruno
Stucker 4 elegeu um cenário urbano, uma composição diferenciada de cores, e mais
uma vez, um ousado enquadramento.
Pode-se assim notar que a fotografia contemporânea de família mantém alguns
antigos índices visuais, mas sofre e cresce com a influência das artes plásticas e da
fotografia moderna.
4 Em 2003 Bruno Stuckert redescobriu um novo olhar fotográfico para flagrar momentos únicos e
especiais, quando passou a direcionar seu trabalho à cobertura de casamentos. Inspirado por renomados fotógrafos como Annie Leibovitz , Bob Wolfenson e o primo, Ricardo Stuckert, Bruno já fez diversos trabalhos dentro e fora do País e leva aos seus trabalhos a arte de imprimir nas lentes a captação de momentos únicos e especiais.
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4. ENSAIO FOTOGRÁFICO: F.A.M.Í.L.I.A.
“La memoria es el espejo donde
vemos a los ausentes”
A fotografia já foi considerada uma forma menor de expressão porque,
supostamente, limitava-se a coletar do mundo, por meio de um gesto mecânico,
fragmentos de formas prontas e já resolvidas em seus sentidos. Pudemos perceber
durante este ensaio que a fotografia por si mesmo não constrói o sentido, sendo
necessária uma dita gramática visual para compreendê-la.
No caso da fotografia de família a gramática visual necessária para uma
compreensão ampla das imagens passa por conceitos como coletividade e afetividade.
Viver dentro de uma cultura é dar sentido às coisas e assumir papéis. Não há, portanto
como pensar as fotografias familiares sem dar conta das representações que o homem
constrói de si mesmo e de seu entorno.
De fato, é preciso buscar nas imagens algo mais do uma aparência que elas
próprias ajudam a moldar. Mas as teorias que opõem radicalmente imagem e
realidade parecem sonhar com a possibilidade de uma existência das coisas em estado
puro e originário, algo que, para um ser simbólico como o homem, só pode existir
como fantasia teórica.
Na busca da assinalação dos itens visuais das fotografias de família e na
desconstrução dos mesmos, neste ensaio a imagem fotográfica buscou desfazer o
traçado dos pressupostos tradicionais de retratos de família, a exemplo de identidade,
verossimilhança e afetividade, para trazer a imagem apenas com a formatação de um
retrato de família, resultando em imagens que ao mesmo tempo geram
estranhamento e reconhecimento de padrões.
Em termos de significado da narrativa, esse trabalho é socialmente subversivo
ou difícil, mas nem por isso deixa de ser executado segundo a estética de fotografia
familiar. Ao observar as imagens, quase tarde demais nos damos conta do verdadeiro
sentido daquilo a que fomos atraídos, que desfrutamos e parecíamos.
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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ariès, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros técnicos e
científicos editora, 1981.
Barthes, Roland. A câmara clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
Bourdieu, Pierre. La fotografía: un arte intermédio. Ciudad de México: Nueva Imagen,
1979.
Bourdieu, Pierre. “O camponês e a fotografia.” Revista de sociologia e política, n. 26
(2006): 31-39.
Cotton, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
Fontcuberta, Joan. El beso de Judas: Fotografía y verdad.Barcelona: Editorial Gustavo
Gili, 2002.
Jung, Ana Emília. “Como a fotografia contemporânea pensa a memória?” Crítica
Cultural 4 (2009): 205-214.
Le Goff, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
Leite, Mirian Lifchitz Moreira. “Retratos de família: imagem paradigmática no passado
e no presente.” In: O fotográfico, por Etienne Samain, 33-38. São Paulo: Senac, 2005.
Mauad, Ana Maria. “Através da imagem: Fotografia e história interfaces.” Tempo 1
(1996): 73-98.
Sontag, Susan. Sobre fotografia. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2004.