tcc 2014 cybelle manvailler
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS
GRADUAÇÃO
CYBELLE MANVAILER GONÇALVES
UNIVERSOS, IDENTIDADES E AUTOCONHECIMENTO
Campo Grande - MS
2014
CYBELLE MANVAILER GONÇALVES
UNIVERSOS, IDENTIDADES MÚLTIPLAS E AUTOCONHECIMENTO
Relatório de Pesquisa,
apresentado como exigência parcial para
avaliação final na disciplina Trabalho de
Conclusão de Curso II da graduação em
Artes Visuais da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, sob a orientação dos
Prof.ª Eluiza Bortolotto Ghizzi.
Campo Grande – MS
2014
Bem Vindo ao nosso Universo!
Expresso aqui, a minha gratidão, a meus familiares pelo apoio, pela
colaboração e ajuda na compra de materiais e principalmente pelo imenso
sacrifício e dedicação em respaldar minha vida para que eu pudesse concluir
uma faculdade em tempo integral com tantas dificuldades emocionais e
materiais nesse período, em especial a meus avós Neide Manvailer e Alcindo
Manvailer, minha mãe Christina Manvailer, meu padrasto José Irany Fernandes
e meu Tio Marcelo Adão, que se fizeram sempre presentes nos muitos
momentos de dificuldades;
Gratidão também a Andréia da vidraçaria Imperial que deu apoio e incentivo à
obra com parte dos materiais,
Obrigada aos professores pelo incentivo e compreensão quanto à
forma como se desenvolve minha mente hiperativa e sem parada para
descanso,
Especialmente ao Prof. Dr. Paulo Paes e a minha orientadora Prof. Drª
Eluiza Bortolotto Ghizzi, que me ajudou em meio a um processo pessoal
turbulento e com sua compreensão e com seu largo conhecimento me
possibilitou grande liberdade no desenvolvimento da pesquisa teórica fazendo
desse trabalho um processo prazeroso e interessante.
E especial gratidão a meu filho Gabriel Henrique, que com muita
paciência e sacrifícios, exercitou o máximo de sua compreensão e
companheirismo diante dos inúmeros trabalhos, projetos e pesquisas, que por
necessidade do período, tomaram muito de nosso tempo juntos.
A todos a minha imensa e sincera Gratidão!
RESUMO
Neste trabalho de graduação é apresentada uma pesquisa teórica, que aborda
a formação de identidade do indivíduo contemporâneo tendo como foco principal
um convite ao autoconhecimento como forma de desvelar nossas deficiências e
particularidades sofridas ao longo da vida e achar um caminho de leveza e
equilíbrio internos que se façam força maior diante das pressões cotidianas.
Foram abordadas algumas relações estabelecidas pela mente, quanto ao
emocional, intelectual e experiências vividas pelo ser humano, explorando as
possíveis bases de seleção de conceitos formando personalidades e refletindo
sobre as ações como consequências das mesmas. Para abordar as questões de
construção internas, e as exigências do mundo contemporâneo em inter-
relações continuas entre os indivíduos, bem como os processos de seleção de
informação pela mente e finalmente ao trabalho particular de fazer o caminho
interno pelo autoconhecimento, recorremos a análises de área cientificas como,
metapsicologia, semiótica, sociologia e neurociência e “filosofias” orientais
consideradas não-cientificas. Para tal propósito, analisamos teóricos como
Stuart Hall, Sigmund Freud, Rosa Cukier, Paulo Paes, Marilena Chauí, Chalhub
et All, Nörth & Santaella, Osho, Chopra et All, Fred Travis e Tunner et All. Esses
autores partem de perspectivas sociológicas, psicológicas, neurocientíficas,
filosóficas e espiritualistas para abordar o surgimento das construções
identitárias, das quais damos enfoque em especial às particularidades
conflitantes, e o processo de equilíbrio e unificação das mesmas pelo
autoconhecimento. E entendendo como funciona a apropriação de
características individuais pela inter-relação entre as pessoas, uma obra de
instalação apresentada ao público, fruto de pesquisa teórica sem referência
direta de imagem, se propõe a uma reflexão sobre a responsabilidade do artista
quanto ao uso de imagem, bem como, nossa visão de nós mesmos enquanto
indivíduos, considerando nossa singularidade e, dos outros com os quais nos
relacionamos, como vemos e somos vistos, em um convite ao se conhecer e se
questionar, entendendo que antes da crítica alheia devemos fazer uma
autocrítica e identificar onde estamos inseridos e, como nós relacionamos o meio
externo, com esse espaço interno de nós mesmos.
Palavras-chaves: Identidade, Singularidade, Meditação, Autoconhecimento,
Consciência.
ABSTRACT
In this graduate work is presented a theoretical research which
addresses the identity formation of the contemporary individual focusing mainly
on an invitation to self-knowledge as a way of revealing our weaknesses and
peculiarities suffered lifelong and find a way of lightness and inner balance to
make greater strength in the face of daily pressures. They dealt with some links
created by the mind, as the emotional, intellectual and experiences of the human
being, exploring the potential of concepts selection of bases forming personalities
and reflecting on the same actions as the consequences. To address internal
construction issues, and the demands of the contemporary world in continuous
inter-relationships between individuals and the information selection processes
of the mind and finally to the particular job of making the internal path for self-
knowledge, we turn to analysis of scientific area as metapsychology, semiotics,
sociology and neuroscience and "philosophies" Eastern considered non-
scientific. For this purpose, we analyze theorists such as Stuart Hall, Sigmund
Freud, Rosa Cukier, Paulo Paes, Marilena Chauí, et Chalhub All, North &
Santaella, Osho, Chopra et All, Fred Travis and Tunner et all. These authors start
from sociological perspectives, psychological, neuroscientific, philosophical and
spiritual for address the emergence of identity constructions, of which we focus
in particular to conflicting characteristics, and the balancing process and
unification of the same self-knowledge. And understanding how the appropriation
of individual characteristics by the inter-relationship between people, a work of
installation presented to the public in theoretical research result without direct
reference image, it is proposed to reflect on the artist's responsibility for the use
of image as well as our view of ourselves as individuals, considering our
uniqueness and of others with whom we deal, as we see and are seen in an
invitation to meet and questioning, understanding that before the others must
make a critical self-criticism and identify where we operate and how we relate the
external environment, with this inner space of ourselves.
Keywords: Identity, Uniqueness, Meditation, Self-Knowledge, Consciousness.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Crianças fantasiadas de super-heróis...............................................38
Figura 2: Menino e ídolo super-herói................................................................39
Figura 3: Menino de super man........................................................................42
Figura 4: Signo e representamem......................................................................61
Figura 5: Emoção. Esquema signos derivados da emoção que se relacionam
diretamente com signos imagéticos que por sua vez, derivam de signos- objeto-
matéria...............................................................................................................63
Figura 6: Modelo semiótico de relação humana, como exemplo, caso de abuso
sexual.................................................................................................................67
Figura 7: Modelo semiótico de relação humana 2..............................................68
Figura 8: Semiose e possíveis interpretações originárias de outro signo...........69
Figura 9: Consciente e Inconsciente...................................................................77
Figura 10: Ciclo vicioso de ansiedade................................................................78
Figura 11: Subconsciente em conflito.................................................................85
Figura 12: Diminuição de atividade parte frontal cerebral durante sonho e outras
áreas em atividade de reparação.......................................................................97
Figura 13: Estados da consciência relacionando conteúdo mental e senso de
self. Aqui dois estados da consciência...............................................................98
Figura 14: Atividades cerebrais durante o sono.................................................98
Figura 15: Localização do sistema límbico.........................................................99
Figura 16: Áreas ativadas no cérebro para desenvolvimento de tarefas
diferenciadas....................................................................................................100
Figura 17: Áreas cerebrais ativadas antes e depois do experimento................101
Figura 18: Tabela com quatro estados da consciência conforme pesquisa Dr.
Travis...............................................................................................................104
Figura 19: Dimensão vertical da mente............................................................105
Figura 20: tabela do resultado de pesquisa por seleção do tipo de palavras, de
respostas de questionários dos indivíduos, por
software...........................................................................................................107
Figura 21: Meditação Shinsokan 1...................................................................114
Figura 22: Meditação Shinsokan 2...................................................................115
Figura 23: Livro de práticas da primeira infância da autora...............................121
Figura 24: Rosto coberto com atadura gessada e protótipos prontos..............130
Figura 25: Colocação de atadura no rosto........................................................131
Figura 26: Máscara de gesso e resina.............................................................132
Figura 27: Máscara de gesso lixada.................................................................132
Figura 28: Máscara com manta de argila e argila no silicone..........................133
Figura 29: Primeira fôrma para moldar.............................................................133
Figura 30: Modelo de gesso mergulhado em silicone.......................................134
Figura 31: Molde de silicone da máscara-fôrma-protótipo com gesso usado para
produzi-lo.........................................................................................................134
Figura 32: Máscara-protótipo que não deu certo.............................................135
Figura 33: Máquinas para dar acabamento e, lixando máscara de massa
plástica.............................................................................................................136
Figura 34: Protótipo para produzir fôrma-reprodutiva......................................136
Figura 35: Protótipo com vara para suporte na fôrma-reprodutiva...................137
Figura 36: Caixa fôrma 2º etapa.......................................................................137
Figura 37: Protótipo máscara dentro da fôrma para colocar silicone...............138
Figura 38: Vista de adequação do protótipo e, já com silicone na fôrma.........138
Figura 39: Silicone na fôrma final......................................................................139
Figura 40: Fôrma reprodutiva concluída...........................................................140
Figura 41: Correção de lateral com silicone bisnaga........................................141
Figura 42: Diluição de resina com thiner para P.U............................................143
Figura 43: Materiais de segurança para manipulação dos produtos................143
Figura 44: Máscaras super-heróis - gesso........................................................144
Figura 45: Preparo gesso.................................................................................145
Figura 46: Tiragem de máscara de gesso com fundo preenchido....................145
Figura 47: Rostos das crianças que formam caminho em frente ao meditante na
obra..................................................................................................................146
Figura 48: Rostos de massa plástica (crianças), feitos a mão, sem fundo
preenchido, nas fôrmas de atadura gessada....................................................147
Figura 49: Seixos brancos................................................................................148
Figura 50: Tenda branca..................................................................................148
Figura 51: Projeto virtual de instalação em perspectiva....................................151
Figura 52: Projeto virtual de instalação em vista superior.................................152
Figura 53: Teste de Montagem – 1..................................................................154
Figura 54: Teste Montagem – 2.......................................................................155
Figura 55: Máscaras Super Heróis...................................................................155
Figura 56: Chakras e as cores.........................................................................157
Figura 57: Efeito do equilíbrio e desequilíbrio dos chakras..............................157
Figura 58: Máscaras.........................................................................................159
Figura 59: Caminho crianças (detalhe) ............................................................162
Figura 60: Montando Instalação Memorial da Cultura, com modificações.......164
Figura 61: Instalação - Montagem final – Vários ângulos.................................173
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................12
CAPÍTULO 1 – ARTE E TRANSFORMAÇÃO .................................................. 15
1.1 - A arte e construção humana .................................................................... 15
1.2 – Primeira infância e criança interior no adulto ........................................... 21
1.3 - Os Super-heróis, identidades das aspirações humanas subconscientes e a
influência na independência emocional da primeira infância ........................... 38
1.4 - Relações de identidade do indivíduo, sociedade e cultura ...................... 52
1.5 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia................................................. 60
1.6 Pesquisa: detalhes e observações sobre escolhas e desenvolvimento do
projeto. ............................................................................................................. 82
CAPÍTULO 2 – MENTE, CONSCIÊNCIA E EXPERIÊNCIAS PESSOAIS:
COMEÇANDO A INTEGRAR OS FRAGMENTOS DO INDIVÍDUO ................. 84
2.1 – Mecanismos de atenção da mente e experimentação de processos de
autoconstrução. ................................................................................................ 84
2.2 – Consciência pura, funcionamento cerebral e benefícios pela Meditação
como sugestão de prática para o autoconhecimento. ...................................... 95
CAPÍTULO 3 – PROJETO E OBRA – IDÉIA INICIAL E SUAS
MODIFICAÇÕES.............................................................................................116
3.1 - Pesquisas: detalhes e observações sobre escolhas de conteúdo teórico,
desenvolvimento do projeto e minha relação particular com a obra na
experimentação dos processos envolvidos na pesquisa. ............................... 116
3.2 - Produção, acabamento e montagem ..................................................... 129
3.3 - O convite: a filosofia do “EU” revelando a essência individual divina da
totalidade essencial da criação - A Obra e os reflexos do “Eu” ...................... 152
3.4 Mudanças de última hora e Obra conclusa .............................................. 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 165
REFERÊNCIAS...............................................................................................170
APÊNDICE A - Portfólio ................................................................................. 173
12
INTRODUÇÃO
É comum a todo ser humano a busca pela sua individualidade, sua vontade
de ser único, reconhecido, amado e especial. A individualidade remete-nos muitas
vezes à unicidade, mas como estar integrado em si mesmo com tantos detalhes
internos ainda ou sempre em fase de construção? A vida é um aprendizado contínuo
na busca da perfeição, da satisfação e da felicidade. E a arte nesse processo é um
excelente professor. É o palco onde podemos nos ver de fora e visualizar melhor,
entre outras coisas, tudo que faz parte de nossa formação e, assim, realizar a
autocrítica e melhorar e aperfeiçoar nossa programação interna. Para tratar da
necessidade da arte nesse processo recorremos a Ernest Fischer e a sua concepção
da arte como meio de comunicação de informações que interferem diretamente no
subconsciente do interlocutor, não podendo estar alheia às necessidades de
construção e progresso humano individual e coletivo.
A identidade é um conceito que genericamente refere-se a um conjunto de
características que definem as particularidades de um sujeito. Essas particularidades
começam na primeira infância e vão se desenvolvendo e se refazendo ao longo da
vida, com as relações de troca (afeto, conceitos, experiências...) entre os indivíduos.
Delimitamos aqui o foco nas relações familiares e sociais enfatizando a descoberta de
cada detalhe do mundo em si e de si no mundo por parte do público. Entendemos o
papel do artista como intermediário dessas descobertas, capaz de provocar o
interesse por essa busca que ele próprio realiza em si mesmo.
Com a Globalização como carro chefe das enormes mudanças no modo de
se relacionar, as trocas culturais são tão rápidas e intensas que não nos damos conta
do que absorvemos e refletimos em nosso dia a dia; estamos sempre distraídos de
onde e como vem a informação, portadora de conceitos e valores dos quais nos
apropriamos e as quais dividimos todos os dias.
Trabalhamos aqui com as pertinentes considerações de Stuart Hall, que
define o sujeito pós-moderno como um sujeito de identidades fragmentadas e muitas
vezes contraditórias ou não resolvidas assumindo identidades diferentes em
momentos diferentes. Cabe acrescentar que o assunto é demasiadamente discutível
e discutido, dividindo opiniões dentro da comunidade sociológica pela complexidade
13
do conceito “identidade”. O autor também esclarece, construindo a história desse
sujeito, quanto ao desenvolvimento desse processo, definindo mais duas concepções
de sujeito que antecedem na história o sujeito pós-moderno: o sujeito do Iluminismo e
o sujeito sociológico. O sujeito do iluminismo se baseia numa concepção da pessoa
centrada e unificada, baseada num núcleo interior e imutável. Já o sujeito sociológico
considerava esse centro dependente e insuficiente e formado na relação com as
outras pessoas. Tais caracterizações indenitárias, a formação de padrões, conceitos
e escolhas no meio social por parte dos indivíduos nele inseridos e em relação com
informações propagadas na contemporaneidade, são também objeto de estudo tal
como abordado por Lúcia Santaella. Hall identifica as características que formam o
sujeito contemporâneo e Santaella esclarece sua construção atemporal, por meio do
contínuo processo de semiose, com as considerações de Marilena Chauí sobre a
interferência cultural e social na formação individual e seus reflexos coletivos. Todas
essas inter-relações familiares, sociais e culturais, de desenvolvem juntamente com
fatores emocionais advindos de experiências ao longo da vida e principalmente
durante a primeira infância, como esclarecemos com Sigmund Freud e Rosa Cukier.
E após esse mergulho nos caminhos de nossa formação individual, sugerimos
possível caminho de solução para problemáticas individuais, originárias de fragmentos
danosos absorvidos durante nosso processo de desenvolvimento, com
aprofundamento maior na eficiência de processos de autoconhecimento e meditação,
através de experiências pessoais e, as considerações de Chopra et All e Osho,
respaldadas pelas pesquisas do Dr. Frederic Travis, neurocientista que pesquisa os
benefícios da meditação e esclarece sobre os estágios de expansão da consciência
para unificação e reestruturação de nossa fragmentação interna.
Com base nesses estudos sobre interferência social na construção da
identidade e entendendo como funciona a apropriação de características individuais
pela inter-relação entre os indivíduos, em consonância com seu passado histórico,
consideramos o potencial das artes para a educação moral, intelectual e emocional
do ser humano. Propusemos, associado a essas reflexões, uma obra que estimula a
uma reflexão sobre nossa visão de nós mesmos e dos outros; sobre como nos vemos
e somos vistos. O objetivo final desse processo é a descoberta do que de fato somos
em nosso universo interno, uma reflexão principalmente nosso conceito de mundo e
sobre a relação com nosso mundo. A obra de instalação, idealizada a partir desse
14
caminho de se autoconstruir e principalmente solucionar conflitos internos, é nosso
convite às práticas aqui sugeridas e desenvolvidas, para a abertura de consciência e
compreensão de seus estágios. O nosso universo particular é o centro da atenção,
bem como as consequências das nossas ações, que são a materialização dessa
realidade existencial intangível sempre individual, única e intransferível que somos,
mesmo que com muitas semelhanças com outras individualidades.
15
CAPÍTULO 1 – ARTE E TRANSFORMAÇÃO
Começamos este primeiro capítulo entendendo os mecanismos de absorção
e administração de informações por parte da mente, do ponto de vista sociológico,
semiótico e metapsicológico, principalmente no que se refere a condutas nocivas,
tanto ao próprio indivíduo quanto ao outro, e sua relação com a arte. Temos como
referência neste primeiro capítulo autores e pesquisadores como Ernest Fisher (1997)
com a noção de finalidades da arte como veículo de informação e aprendizado; Nörth
et all (2005) com sua visão da semiótica, Marilena Chauí (2008) com sua filosofia
sociológica; e Sigmund Freud (1920) com foco nos processos de seleção de prazer e
desprazer se relacionando com o consciente e o subconsciente e determinando as
ações e aspirações de um indivíduo.
1.1 - A arte e construção humana
Pensando a arte como forma de desvelar os segredos mais íntimos do ser
humano para si, colocando-o em condições, através de muitas reflexões, de melhorar
a si mesmo, moral, emocional e intelectualmente, motivar e exercitar sua capacidade
criativa, de se fazer feliz, dissertamos sobre o desenvolvimento das interferências
indenitárias pelas relações sociais, convidando a uma reflexão individual do leitor e
observador da obra proposta, que poderá levá-lo a buscar a si mesmo dentro desse
contexto, em conjunta compreensão da força da arte nesse processo reflexivo e da
sua necessidade, para a junção de cada fragmento que constitui uma pessoa.
À medida que a vida do homem se tornou mais complexa e mecanizada, mais
dividida em interesses e classes, mais “independente” da vida dos outros homens e
portanto esquecida do espírito coletivo que completa uns homens nos outros, a
função da arte é refundir esse homem, torná-lo de novo são e incitá-lo à permanente
escalada de si mesmo. [FISCHER, 1997, p.8].
Pensemos em uma relação mais profunda entre o homem e o mundo, uma
relação consciente na construção coletiva, entendendo primeiro sua singularidade e
tudo que a compõe e não somente visando a compensação por um equilíbrio
16
ineficiente da realidade. Essa ineficiência está na acomodação diante das auto
negações em nome da aceitação alheia, na falta de posicionamento, na não aceitação
de alguns detalhes e sonhos de si mesmos, no substituir a realidade pela imaginação
ao invés de aproveitá-la para gerar a realidade que a própria intimidade busca; enfim,
é quando confundimos equilíbrio, que vemos aqui como aceitação de todas as nossas
particularidade (sabendo como funciona cada uma delas para construções positivas),
com acomodação e reprodução do fazer alheio e do desejo alheio. A mente costuma
passar mais tempo no “stand by” do que na consciência do aqui e agora. Sofrimentos
variados como traumas, ideias intoleráveis, sentimentos insuportáveis, conduta
reprimida por padrões comportamentais delimitados (culturas familiares: preconceitos,
regra de conduta considerada aceitável pelo meio próximo e que, por vezes, não
dialoga com a sua construção de identidade), angústia ou vergonha e medos de
aceitação, criam mecanismos de defesa emocional para ocultar segredos de nós
mesmos para nós mesmos o que vai ser ou não notado.
Nesses mecanismos de defesa e de repressão1, segundo Freud (1920) em
seu ensaio Além do Princípio do Prazer de 1920, está a dor mental atenuando a
percepção consciente. Sentimentos combatidos dessa forma deformam a
personalidade e deturpam a atenção. Criam uma lacuna, como um mecanismo de
atenção que gera um espaço defensivo na percepção consciente. Os medos e
sentimentos nocivos, transpiram poluindo pensamentos e emoções. Para Freud
(1920) a penalidade da repressão é a repetição. É o mais primitivo de todos os
mecanismos de defesa. É o bloqueio das pulsões do ID no nível do inconsciente. Uma
repetição mascarada para a consciência, já que a mente mantém não perceptível a
ela os itens que causam sofrimento. É auto ilusão fantasiada de realidade.
Observamos que por esses mecanismos se reproduzem também conceitos e
valores em padrões de comportamento, que partindo da unidade (individuo) se
estende ao conjunto (sociedade)
Quando pensamos na necessidade e no papel da arte para a sociedade,
pensamos antes na sua função e, a partir daí, observando-a desde suas origens,
visualizamos como ela é adaptável e como sua função se modificou ao longo dos
tempos. Fischer (1997) nos diz que a sua funcionalidade está sempre em diálogo
1 Mecanismos de defesa – São processos psíquicos inconscientes, que se manifestam para
aliviar a tensão psíquica. Ex: Recalque, Projeção, compensação, racionalização, .... São recursos adotados pelo Ego (princípio de realidade), contra os impulsos provenientes do ID (Princípio de prazer).
17
direto com as necessidades e aspirações de seu tempo, sofrendo modificações e se
reiniciando a partir das necessidades do ser humano.
Quando as pessoas vão ao teatro, ao cinema, ao museu ou leem um livro,
procuram se distrair, relaxar e se divertir; não, porém somente pela fuga das
dificuldades do seu dia mas, também pela identificação com as histórias contidas nos
diálogos com os quais entram em contato e a partir dos quais conseguem sua união
com o “todo”, como define Fischer a relação do indivíduo com o meio externo a si,
com o outro. Sendo isso, sua expressão construtiva ou destrutiva diante do contato
com qualquer informação externa, seja pessoa, sentimento, referência de conduta
etc., em concordância com sua expressão subjetiva interna, pode colocar em
evidência seus defeitos a serem eliminados e qualidades a serem reconhecidas e
aprimoradas, ampliando as possibilidades de criação de sua realidade, como
mostraremos adiante inter-relacionando os conhecimentos necessários para essa
nossa observação. E estar com o “todo”, como descreve o autor, é conseguir a
concentração de atenção real na cena ou tema, ou ambos, de forma que este
observador se sinta realmente inserido no mundo e saiba em que posição se encontra
nele, se algo em sua conduta precisa de modificação, a partir do momento que
entende as consequências, ou de aprimoramento do que já funciona mas necessita
de avanço, ou do que não está funcionando em sua conduta e sua vida. É aceitar
todas as suas particularidades, mesmo que controversas ou, por vezes, incompletas
ou deformadas, para que possam ser reconstituídas ou reconstruídas. É saber o que
é seu mundo interno, o mundo coletivo e o mundo do outro; enfim, é saber como
funcionam seus mecanismos de percepção e aprimorá-los, trazer esses mecanismos
à consciência em cada conduta boa ou má, compreendendo sua origem. Vamos leva-
lo agora leitor, pelo caminho onde cada detalhe que lhe identifica foi construído ao
longo de sua vida, pois entendendo estes detalhes e seus mecanismos de expressão,
você leitor, perceberá como a arte pensada ciente destes detalhes pode influenciar e
se inter-relacionar com você.
Observando a arte como meio de ligação entre o individual e o coletivo, num
sentimento de pertencimento, que inicialmente, só alcança satisfação na relação
conjunta equilibrada com a sua singularidade, bem como um meio influenciador de
ligação entre o “eu” egóico e o “eu” essencial do sujeito2, percebemos que os detalhes
2 O eu egóico – Manifestações dos mecanismos de defesa.
18
que nos diferenciam entre nós, são determinantes nas escolhas acertadas de
construção interna e externa, mas não sendo possível conhecer todos os fragmentos
que compões a singularidade do outro, com o qual nos relacionamos, entendemos
que se conhecermos o processo de construção e expressão dessas particularidades
teremos uma possibilidades maior de prever, modificar e melhorar nossa relação
conosco e com o outro, seja no contato direto ou através da arte.
“A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete
a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e
ideias. ” [FISCHER, 1997, pg. 13].
Mais ainda que isso, nas linguagens artísticas o indivíduo é capaz de se
libertar das pressões cotidianas e de se observar no diálogo proposto, com o
distanciamento e alegria necessários para que consiga identificar e sugestionar um
caminho de solução para problemáticas individuais e talvez até as coletivas, a partir
de uma reflexão equilibrada e sem as distorções de compreensão que confundam a
razão e a emoção, prejudicando assim, a atenção da realidade presente. Refiro-me
aqui aos mecanismos de defesa emocional do subconsciente que, por vezes, nos
levam a condutas nem sempre justas e honestas, mas convenientes dentro de uma
série de justificações de um centro de justiça distorcido nesse mecanismo de
autodefesa, sobre isso nos aprofundaremos mais adiante à teoria Freudiana no
subcapítulo 1.3 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia.
Quando vemos, então, uma peça de teatro que trata de desigualdades sociais
mostrando um lado doloroso e angustiado, esse exagero, seja na expressão do ator
ou na comicidade, na seleção de focos em cena ou outro mecanismo técnico
adequado a tal propósito, além evidenciar a problemática, favorece o espectador a
pensar em si mesmo nesse contexto, a pensar no outro e, talvez, a visualizar soluções
que lhe seja pertinente tomar, só que de forma leve e natural, sem a angústia e a
ansiedade da vivência real do problema, já que nessa situação de espectador, este
está se observando de longe como se passasse a ser o narrador da história,
observando o personagem (que em certo sentido ele também é). Metaforicamente
falando, fica mais fácil reescrever sua própria história observando o sistema
O eu essencial - sujeito em estágio de consciência onde não há dualidade, ou seja, não há
julgamentos e comparações, somente escolha e consequência.
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operacional numa planta baixa, vendo-o de cima e identificando detalhes importantes
desse processo.
Na relação de observador com obras plásticas dependendo do grau de
abstração da obra o processo é mais delicado e subjetivo. A percepção do observador
se dá conforme as informações em conhecimentos que este possua para refletir e
concluir idéias, pensamentos e opinião sobre a obra sendo necessária maior carga de
informações / conhecimento e experiência, pois nas artes plásticas algumas obras não
têm o mesmo caráter narrativo do teatro e, por vezes, podem ser bastante abstratas,
como no caso da conceitual e expressionista.
Por outro lado, sabemos que, as escolhas do ser humano no geral, também
como espectador, antes de tudo, determinam esse caminho que pode ou não ser
aceito e experimentado e/ou de que forma, e até que ponto, será vivido e percebido,
para então ser modificado. E sabendo que cada ser vive sua unicidade em sua
formação e, assim sendo, pode ter reações diferentes a situações semelhantes,
temos, portanto, que considerar que antes da troca entre os indivíduos para sua
construção e aprimoramento há de haver uma autoconsciência. Um caminho de
autoconhecimento é então a relação com o outro, com a obra ou qualquer tipo de
informação com a qual se tenha contato. É um caminho na busca de si próprio. Esses
outros poderão estimular um mecanismo de identificação das problemáticas do Ser, e
não a sua solução, que só será possível com muito trabalho de percepção do EU
comigo, isso é, se observando, identificando, compreendendo e aprendendo.
O interesse e o caminho que buscamos é o de compreender a natureza do
Ser: as emoções que permitirão acessar imagens mentais relacionadas a conceitos e
opiniões que o sujeito possua em seu sistema interno que, quando em contato com
as obras de arte ou outras informações, poderão leva-lo de volta à sua mais primitiva
e pura manifestação mental, livre de condicionamentos, crenças e estereótipos.
Marx [apud Fischer,1997, pg.146] reconheceu que a arte tem o incrível poder
de se sobrepor ao momento histórico, incitando permanente fascínio sobre o ser
humano e colocando-o em contato com a sua mais pura humanidade. É então
importantíssimo estimular e instruir o ser humano a essa forma de sensibilidade, como
defendeu Marx apud Fisher.
Fisher (1997), afirma que a arte é natural e inevitavelmente didática, mas nos
caminhos que busquei, de autoconhecimento, me inserindo em todos os processos
20
aos quais tive acesso (citarei experiências adiante), compreendi os processos de
formação de nossa personalidade e das escolhas que fazemos, foi inevitável a
observação de que a arte pode sim ter na maior parte das vezes caráter instrutivo e
reflexivo, não sendo entretanto, a meu ver diretamente proporcional ao aprendizado e
sim relativamente proporcional ao mesmo. Pois, se observarmos a arte, como veículo
de conhecimento e informação, teremos que considerar que a seleção e absorção das
informações só são possíveis através da escolha, a escolha de interagir com a obra,
bem como a escolha feita pelo nosso aparelho cerebral e seus recursos de seleção
originários das experiências vividas durante a vida. Sendo assim, não aprendemos
diretamente ao contato com a obra, mas sim relativo a observação necessária para
tanto, que façamos da obra. Podemos parar diante dela e só olhar cores e formas,
etc, ou fita-la com mais aprofundamento de nossos diálogos mentais, que possam
surgir, enquanto pensamos nela e não somente olhamos para ela. Ao passo que, se
nos relacionarmos com imagens opressivas, elas se relacionarão com nossas
experiências opressivas pretéritas e se nos relacionarmos com imagens construtivas,
acessaremos em nosso eu interior imagens, lembranças, conceitos e experiências
igualmente semelhantes. E quando tratamos de aprendizado tendemos a pensar em
coisas positivas, mas a má conduta, também vem de um aprendizado, mas de
experiências negativas.
Os mecanismos de defesa aos quais me referi anteriormente e nos
aprofundaremos adiante, através de vários autores, tendem a manter a mente, no
passado, no futuro ou relacionar a outros indivíduos que representam uma experiência
negativa vivida, fazendo com que estejamos constantemente desatentos do momento
presente ocultando sofrimento que pudesse se apresentar como pendência a ser
solucionada e assim sendo nos distanciemos de nosso EU mais puro pelo medo de
reviver situações traumáticas. Sendo assim, o único caminho possível para essa
transformação positiva é perceber, aceitar e ter a coragem de fazer modificações do
nosso universo interno, digo aqui coragem, porque o enfrentamento interno
desencadeia a exposição de todas as negativas protegidas pelo subconsciente,
podendo ser um processo inicialmente doloroso.
Entrando em contato com essa percepção em mim, passei durante a
pesquisa a sentir um forte peso com relação à responsabilidade na criação do uso da
imagem. Entendendo como imagem aqui algo que permeia tudo o que pode ser
21
produzido pelo artista, desde a tela até à escultura que, apesar de ser objeto
tridimensional, é percebida pela retina como imagem, tal qual outro objeto. Além da
percepção fisiológica de imagens, temos também a mente, gerando imagens e
fazendo constantemente relações delas entre si. Todas essas imagens percebidas,
armazenadas ou geradas pela mente, mantém relação com emoções e conceitos,
sendo portanto, informações que se inter-relacionam com a subjetividade individual
do sujeito, seja ela de caráter emocional, imagético, sonoro ou linguístico. Tratarei
portanto, a partir deste momento, todo objeto de arte como imagem e a imagem como
informação para melhor entendimento da reflexão proposta.
1.2 – Primeira infância e criança interior no adulto
Observemos, antes de tudo, nossas casas, pois é lá que se dão os
primeiros contatos de apropriação de conduta e moralidade em nossas vidas.
Ora, se o indivíduo se constrói dentro de relações interdependentes, de práticas,
interesses e obrigações, seu primeiro foco se dá a parir do seu nascimento, na
relação mãe e filho, já citada por Winnicott (apud PAES et al.,2012). Ao longo
desse desenvolvimento e de seu crescimento psicossomático, físico e cultural,
outras relações e situações vão interferindo na construção de identidade desse
indivíduo, porém, a família não perde seu papel, antes serve de base de
sustentação nesse processo, que pode ser positivo ou negativo, dependendo da
forma como se dá.
Descrevendo sobre essa construção condicionada por vários fatores no
desenvolvimento dos adolescentes, Paes (et al., 2010), afirma que: “A maneira
como ele lida com rápidas mudanças e novas experiências varia de acordo com
sua história de vida”. Esclarece ainda, referindo-se a Osório, que:
[...] não há um conceito unívoco de família e que podem ser encontrados conceitos advindos da sociologia, antropologia, psicologia e todos eles devem ser compreendidos sobre uma perspectiva histórica. Há uma multiplicidade de dimensões contidas nesse grupo social e a compreensão do conceito pode variar conforme a dimensão enfocada. Assinala ainda [Osório], que a família é a unidade básica de interação social; não basta situá-la como agrupamento humano no contexto histórico-evolutivo do processo civilizatório. (PAES et al., 2010, p.22,).
E cita:
Família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais - aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consanguinidade (irmãos) – e que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe
22
condições para a aquisição de suas identidades pessoais desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. (OSORIO, apud PAES et al, 2010, p.22).
Sendo assim, o autor, prioriza a dimensão que compreende as funções
de proteção e cuidado formando a estrutura da personalidade do sujeito,
devendo esta ser compreendida como produto de uma longa história de
relações, que acontecem nesse cenário familiar (PAES et al., 2010, p.22). Em
relação a isso lembro que é onde o artista, como qualquer outro indivíduo,
também se encontra.
O artista torna-se, além de fruto de seu cenário, um potencial
influenciador de grande número de outros indivíduos pelo seu trabalho, que
expõe e divide com outros, sua construção pessoal através de imagem, sendo
esta acessível a todos, embora dependa da capacidade de percepção, do grau
de conhecimento e das vivências de cada um.
Winnicott, em seu livro Privação e Delinquência (2005), fala da relação
mãe e família com esse indivíduo, e dos sentimentos de rejeição da infância. A
força da confiança, se bem construída nesse processo, se torna porto seguro da
jornada do indivíduo e, é fator primordial para o desenvolvimento de sua
maturidade. Devemos entender, pois, a construção dos valores no indivíduo para
que a interferência social e/ou externa em sua conduta seja positiva ao seu
crescimento.
Tomando como base os estudos de Paes (et al., 2012) sobre Winnicott,
entendemos como se dá esse desenvolvimento individual e como ele se
relaciona com seu meio, dependendo de sua construção ética, que se inicia no
seu desenvolvimento emocional.
Estudando minuciosamente as relações mãe-filho e as influências
ambientais familiares como facilitadoras para o desenvolvimento humano, em
sua Teoria do Desenvolvimento Emocional, Winnicott (segundo PAES et al.,
2012, p.26), explica que a criança, ao nascer, é um ser indefeso, ainda
desintegrado psiquicamente e necessitando de suporte adequado da mãe
(ambiente – seu primeiro mundo é a própria mãe e sua relação com ela) para a
construção de seu self, “consciência de si mesmo”, verdadeiro. Caso esse
ambiente fracasse em sua responsabilidade de proteção ao bebê, ele, ao longo
23
da vida, vai “fabricando” essa substituição; o chamado falso self, resultado de
uma tentativa de proteger o self verdadeiro como um sistema de defesa.
Chopra (et al., 2010), trabalha de forma aprofundada, do psicológico à
relação religiosa, a questão do falso e verdadeiro self, em seu livro Efeito Sombra
(2010).
O verdadeiro self se relaciona com a essência do ser. Indivíduo com seu
sistema intelectual e emocional ainda livre de deficiências culturais
(preconceitos, ganância, egoísmo, condicionamentos de conduta...) e/ou
traumas por experiências negativas (desde agressões físicas, estupro até
agressões psicológicas que geram nesse indivíduo sensação de incompetência
e incapacidade, entre outras). Ou seja, esse jovem indivíduo, ainda está aberto
às relações puras de amor, esperança e cooperativismo.
O falso self (fruto das experiências negativas, defesa no ego), é um
veículo da psique para sobreviver aos traumas que ficaram no sistema da
memória, criando a ilusão de que com o reflexo de nova conduta pode-se evitar
nova experiência dolorosa, o que inclui também grande culpa por parte do
indivíduo traumatizado, mesmo que, na maioria das vezes este não tivesse
meios para se defender (já que teve o amor próprio agredido por outrem que
deveria ser responsável por este, que ainda se encontrava em processo de
construção de valores e condutas). Isso seria o caso de alguém que, ao longo
da vida e desde suas referências familiares até suas experiências posteriores,
conheceu as relações homem-mulher em conflitos graves e não consegue
assumir relacionamentos com seriedade ou escolhe nunca se casar (evita a dor
numa autosabotagem).
Ainda segundo Hartmann (apud CUKIER, 2008), self seria o ser total,
incluindo o corpo; e ego apenas nomearia uma estrutura psíquica.
Referimo-nos aqui, inicialmente, a crianças e adolescentes, porém o ser
humano passa por esse processo ao longo de toda a vida, sendo mais difícil para
o adulto lidar com problemáticas dessa ordem se na infância não teve base
equilibrada, e não as trabalhou posteriormente, pois não terá referências de
superação com respeito e ética.
Resumindo, são conceitos e condutas relacionadas ao ego, como forma
de sobrevivência emocional diante dessas experiências dolorosas. São como
24
máscaras, personagens criados para a sobrevivência emocional diante de
privações em ambientes agressivos, desequilibrados e hostis.
Voltando à pesquisa de Paes (et al., 2012), sob essa perspectiva, os
processos de base do desenvolvimento emocional são: integração,
personalização e realização. A integração compreende a relação inicial da mãe
com o bebê ainda no princípio da vida, suas urgências instintivas ou sua
expressão agressiva; e o que vem da mãe, que Winnicott denominou holding e
que está relacionada à ação de pegar nos braços, de demonstração de amor, ao
vínculo físico e emocional entre os dois, fundamentará os primeiros pilares da
construção de um desenvolvimento saudável.
Na Personalização a criança começa a se perceber como algo além de
uma extensão da mãe. Ainda com a mãe ela começa a entender seu próprio
corpo na manipulação do corpo do bebê durante os cuidados de higiene, de
vestir e nos jogos que a mãe estabelece com seu bebe. A possibilidade de
adaptação à realidade é fundamentalmente possível através da apresentação de
objetos pela mãe, que acompanha todos os momentos da evolução, começando
pelo seio na amamentação, na apresentação do rosto, no olhar e assim por
diante, iniciando o exercício mútuo de desenvolvimento de ação e reação (troca
e cumplicidade) emocional. (Paes et al., 2012, p.27).
Winnicott (apud Paes et al., 2012), ressalta ainda como capacidades
para o desenvolvimento emocional normal da criança:
a) “Capacidade de estar só” – “Se desenvolve a partir dos primeiros meses de
vida e está intimamente relacionada com a relação entre a mãe e o filho”, à
forma como o bebê absorve as funções maternas diante de sua ansiedade.
O ápice da maturidade do desenvolvimento emocional, segundo o autor.
b) “Capacidade de brincar” – é um modo de conter sua destrutividade e
construir sua localização no mundo exterior e interior. Seu mundo de
proteção, onde consegue manter o controle diferente do mundo real, novo e
assustador.
“O verdadeiro brincar, na idade adulta, é a expressão da
espontaneidade, da liberdade e de criatividade”. [Paes et all, 2012, p.28]
c) “Capacidades de envolvimento” – Se importar e se preocupar com o outro,
de sentir e aceitar responsabilidades. “Essa capacidade é produto de todo
25
um processo de adequado desenvolvimento emocional anterior e pressupõe
uma completa organização do ego, consequência dos cuidados oferecidos
ao bebê”.
d) “Capacidade de desenvolver sentimento de culpa” – Conforme a criança vai
interagindo os dois aspectos da mãe-objeto e mãe-ambiente, ela é envolvida
por uma espécie particular de angustia chamada de “sentimento de culpa.
Para Winnicott (1966), a ausência de sentimento de culpa é consequência
da falta de confiança na figura materna, anulando o esforço de construção
da criança em suas experiências iniciais e impossibilitando o processo de
integração, não existindo unidade de personalidade ou senso de
responsabilidade total por nada.
Segundo Winnicott (apud Paes et al., 2012), a figura do pai também tem
papel importante na construção do self da criança, com a função de mediador de
equilíbrio da mãe para que ela possa exercer seu papel de cuidadora.
Cabe ressaltar aqui que esse papel de pai e mãe não se refere
exclusivamente a ligações consanguíneas, mas à ligação de cuidado, proteção,
educação e amor dos responsáveis pela criança que, dependendo da forma
como se dá, pode ser construtiva ou destrutiva.
Na adolescência é dada continuidade à linha de vida já vivida pelo
indivíduo antes. Sendo assim, na falta de exemplos de identificação estáveis, os
adolescentes convivem com uma angústia e confusão, em meio a sentimentos
avassaladores de vazio, comprometidos no seu desenvolvimento, que se reflete
em ações violentas e destrutivas como forma de autoproteção e pedido de
socorro. Winnicott acrescenta ainda que “a criança saudável chega à
adolescência já equipada com um método pessoal para atender novos
sentimentos, tolerar situações de apuro e rechaçar situações que envolvam
ansiedade intolerável” (apud PAES et al., 2012 p.29).
3 - A Gravidade da Privação emocional para construção individual
Tendo como base de estudo os processos de privação emocional, para
melhor entendimento de indivíduos emocionalmente e moralmente deficientes,
Paes (et al., 2012) cita Winnicott e Bowlby, dizendo que a privação é a vivência
desde o início do desenvolvimento da criança que, sofrendo rupturas na relação
26
com a família, em geral com os responsáveis mais próximos, “[...] é acometida
de feridas psíquicas que podem perdurar até a vida adulta”. (PAES et al.,, 2012,
p.38). Esses podem vir a ser os traumas e medos que desenvolve e com os quais
passa a conviver para se proteger, ocultando o self verdadeiro. Tornam-se a
sombra que impede o desenvolvimento pleno e cria prisões internas,
deformando os conceitos de felicidade, amor e consciência do progresso
coletivo.
As privações emocionais dificultam a capacidade de abstração,
elaboração e planejamento, sendo essas habilidades necessárias para a
convivência social saudável do jovem. Há também outros determinantes
externos (ou, mesmo, intraindividuais), como os sociais, para manifestações
delinquentes, que podem ser agressões diretas à sociedade, quando esse
quadro se encontra mais agravado pelas frustrações que esse jovem já carrega.
Ou podem ocorrer agressividades e ataques ainda no seio familiar, que podem
se agravar caso esse núcleo de proteção não perceba as necessidades desse
indivíduo e reaja com a mesma agressividade ou indiferença diante da situação.
A indiferença é uma forma de privação emocional, excluindo esse
indivíduo do exercício de amor, troca e diálogo que o ajudam a formar opinião,
respeitando as diferenças e sabendo se portar diante delas. A agressividade
também priva ambas as partes da oportunidade de se colocarem um no lugar do
outro, ouvindo e entendendo as angústias pretensões, necessidades e pontos
de vista (como cada qual construiu o pensamento que defende), para que achem
o equilíbrio de ideias e conduta nessa relação, com respeito e amor.
Paulo Paes (2012, p.39) disserta que Bowlby (1995), seguindo o
raciocínio de Winnicott (2005), demonstra a existência de privações diferentes,
que têm diferentes resultados de atitude na vida adulta. Por exemplo, se a
privação da criança foi contínua durante a infância, mais isolada e apática ela se
tornará; perdendo a capacidade criativa e de interação social e, dificilmente,
tendo atitudes de delinquência.
Já a criança que experimentou uma relação amorosa com envolvimento
de afeto com sua mãe ou parente nos primeiros anos de vida e, depois, perdeu
esse envolvimento, tentará reestabelecer de forma inconsciente essa relação de
amor que foi perdida, através de atitudes delinquentes não pensadas, mas,
27
sentidas. Isso equivale a projetar aquele mundo da mãe (ambiente – objeto)
sobre as outras pessoas da família ou sobre a sociedade, que é o mundo
percebido além do mundo da mãe (que deveria ser sua base de sustentação de
confiança e proteção). Na relação com essas novas pessoas que vão se
apresentar e interagir com ele durante sua vida, ele vê e projeta a principal
relação que exercitou em seu desenvolvimento, que é a relação com a mãe,
sendo a mãe-objeto esse indivíduo novo com o qual está criando nova relação
e/ou vínculo, e a mãe-ambiente a sociedade. Então, diante do sentimento de
perda e/ou rejeição esse indivíduo terá maiores dificuldades em administrar e
resolver dentro de si essa confusão emocional, pois não a conheceu
anteriormente e não teve oportunidades de exercitar seu autocontrole e, assim,
a agressividade se apresenta a ele como única solução, quase numa lei de ação
e reação.
No caso de apatia dá-se da mesma maneira; ele sente e reage, se
isolando como forma de proteção. Enquanto criança ainda há uma leve
consciência dessas deficiências, as quais ele reivindica e se apresentam mais
fortemente na adolescência, quando o conflito mãe se choca com o conflito
social, se agravando portanto. E, já na idade adulta, ele passa a ser envolvido
pela capa da frustração, um sentimento de fracasso e quase uma autoculpa, que
dificulta a identificação da raiz do problema.
Criando uma parábola, seria como se esses sentimentos de rejeição e
indiferença fossem trancados num quarto escuro dentro desse indivíduo e, ao
longo dos anos e experiências vão sendo soterrado por caminhões de areia de
frustração e negação, quanto mais o tempo passa mais difícil e doloroso será
descobri-lo, porque nesse caminho de regressão emocional, necessário para
esse encontro consigo mesmo, há toda essa areia, esse escuro e a chave desse
quarto, que se encontrará lá nas lembranças com a mãe e a família.
Quando a criança recebe suficiente e adequado cuidado materno e
familiar, sua personalidade desenvolve-se de forma integrada durante os
primeiros anos de vida, o que impede “... uma irrupção maciça de agressividade
vazia de sentido.” (PAES, 2012, p.40), ou seja, ela entende o que desencadeou
esse sentimento de raiva e aprende como lidar com ele através de diálogo e
compreensão, controlando-o para resolver o que para ela é um problema.
28
A criança que vive uma privação emocional não tem a possibilidade de desenvolver seu autocontrole a partir do seu próprio comportamento agressivo e destrutivo, o que vai acontecer mais tarde de uma forma não aceita socialmente, gerando sérios problemas de convivência social. Enquanto a criança mantinha uma relação saudável com a mãe e/ou familiares, era valorizada na sua capacidade construtiva e percebia que sua agressividade era suportada e contida sem a perda do afeto familiar. A ausência da capacidade de controle e dos limites da agressividade tem sua gênese na privação emocional causada por omissão, abandono, negligência ou violência propriamente dita. (PAES, 2012, p.40).
Segundo Winnicott (apud PAES, 2012), toda criança, em algum
momento de sua formação, apresenta alto grau de destrutividade, mesmo as
familiarmente integradas e felizes. Essa necessidade de manifestação agressiva
é uma forma de aprender a lidar com sua agressividade desenvolvendo uma
capacidade de socialização saudável. Os adolescentes apresentam essa
agressividade mais tarde, não havendo mais ambiente social que a suporte.
Como é criança normal? Ela simplesmente come cresce e sorri docemente? Não, não é assim. Uma criança normal, se tem a confiança do pai e da mãe, usa de todos os meios possíveis para se impor. Com o passar do tempo, põe à prova o poder de desintegrar, destruir, assustar, cansar, manobrar, consumir e apropriar-se. Tudo o que leva as pessoas aos tribunais (ou aos manicômios, pouco importa o caso) tem seu equivalente normal na infância, na relação da criança com seu próprio lar. Se o lar consegue suportar tudo o que a criança consegue fazer para desorganizá-lo, ela sossega e vai brincar. (...) Antes de tudo a criança precisa estar consciente de um quadro de referência se quiser sentir-se livre e quiser ser capaz de brincar, de fazer seus próprios desenhos, ser uma criança responsável (WINNICOTT apud PAES, 2012, p. 40).
Sendo assim, a criança, quando diante de situação que exige o controle
externo, da família, tendo limite com rigor e entendendo que nem por isso
perderá o amor dos pais, passa por um processo de tentativa de construção de
seus impulsos, desconstruindo-os pelo limite e reconstruindo-os com
consciência de virtudes como respeito, trabalho, perseverança, perdão e
cooperação. E tendo aprendido isso no seio familiar, suas lutas e seu
desenvolvimento tendem a ser menos dolorosos, já que aprendeu na terna
infância a lidar com perdas e ganhos, emocionais e materiais.
O mundo fora desse contexto tende a ser bem mais duro e menos
amoroso, intensificando ainda mais, nesse sentido, a sensação de abandono, da
incapacidade de ser amado e de ser independente. Não tendo satisfação no
convívio consigo mesmo e orgulho de seu papel no contexto social. “[...] O limite
29
é bem aceito pela criança quando essa se sente segura do amor dos pais”
(PAES, 2012, p. 42).
A criança antissocial ou agressiva está pedindo socorro às suas
necessidades de estabilidade e de crescimento emocionais à sociedade, ao
invés da família.
A apropriação (da criança) de elementos do mundo à sua volta se dá
pela invenção e pela imaginação, que têm sua raiz na realidade cotidiana. Ela
cria e inventa para si um mundo particular a partir de sua mãe, de suas coisas,
de seu quarto, numa construção mágica que faz a ponte entre o mundo família,
que é sua base (mãe objeto-ambiente), e o seu próprio mundo que acontece fora
desse, com novos personagens e elementos que vêm aparecendo ao longo de
sua vida.
Pensamos, neste ponto, que quando ela se identifica com um
personagem de desenho ela está buscando a si mesma, seja no que se identifica
com ela, ou no que ela espera de si mesma, capacidades que ela sinta que
possui e que tem grande necessidade de extrair e exercitar. Da mesma forma
pode relacionar personagens de seu contexto familiar a outros desse mundo de
fantasia e buscar soluções através deles para seus problemas e conflitos. Vemos
aqui, pois, a grande responsabilidade na criação de elementos visuais
interferindo na construção individual do ser. As escolhas dos personagens para
solução de suas problemáticas passam a ser referência de conduta para ela.
Segundo Paes (2012), essa reflexão de controle do impulso levou
Winnicott à outra, que é a necessidade de uma criança de dar mais do que
receber. Tendo uma participação ativa no meio familiar, com permanente relação
de condução e controle pela família, a criança sente gratificação por contribuir
na construção de felicidade para o conjunto através da troca e cumplicidade,
para construir a sua própria, identificando seu caráter destrutivo através da culpa
e buscando a satisfação de ser amado através da construção de seu papel
dentro do contexto em que se insere.
Uma criança participa fazendo de conta que cuida do bebê, arruma a cama, usa a máquina de lavar ou faz doces; e uma condição para que essa participação seja satisfatória é que esse faz de conta seja levado a sério por alguém. Se alguém zomba, tudo se converte em pura mímica e a criança experimenta uma sensação de impotência e inutilidade físicas. Então facilmente poderá ocorrer uma explosão de destrutividade e agressão. (WINNICOT apud PAES, 2012, p.43).
30
Tratamos até agora dessa construção da individualidade direto da raiz:
sua terna infância (infelizmente nem sempre tão terna assim). Mas, quando a
fase adulta se aproxima ou chega efetivamente, o que acontece com essa
criança? Isto é, se esse indivíduo não amadureceu seu emocional de forma
saudável, então a idade chega e a criança permanece?
Segundo Rosa Cukier, em Sobrevivência Emocional: as dores da
infância revividas no drama adulto (1998), emocionalmente guardamos “eus
infantis”, que tiveram origem em situações indutoras de vergonha ou
desconfirmadoras da essência da criança, que acompanham de forma imutável
a experiência e posição iniciais junto com o adulto que se desenvolve; então, o
adulto cresce com essa criança assustada dentro de si, ainda vinculada aos
traumas e medos de seu passado, como se ainda os revivesse no seu presente,
fazendo muitas vezes com que reaja negativamente ou fuja de situações que se
pareçam com essas lembranças com cara de ação presente.
Na mitologia de muitas culturas, essa ‘parte infantil no adulto’ representa
a necessidade humana de recapturar a originalidade e a emoção da criança
frente ao estresse e à extrema racionalidade do cotidiano”. (JUNG apud
ABRAMS, 1990, p. 47). Cukier descreveu a criança interna como símbolo da
totalidade da psique [...] (2008, p. 17).
A atenção constante de problemas de adultos sobreviventes emocionais
de famílias disfuncionais gerou uma consciência crescente de que o
desenvolvimento emocional do indivíduo não necessariamente acompanha seu
desenvolvimento fisiológico. Esses traumas podem ser fruto de incesto,
agressão física, psíquica ou emocional. Cukier (2008) divide conosco diversos
caso em graus diferentes que podem ter nefasto poder de destruição interna.
Palavras mal colocadas pelo adulto, desconsiderando a ingenuidade e beleza
interna dessa criança que ainda não se contaminou com as condutas vazias e
egoístas da sociedade, podem chegar como um tornado no seu emocional.
Cukier (2008) cita o exemplo de uma mulher que, quando criança, ouvia da mãe
que ela (a criança) havia sido achada no lixo. Era uma brincadeira, o timbre de
voz, as atitudes, não tinham peso nem agressividade, mas as palavras
identificadas por essa criança vieram com tamanha força que, até a idade adulta,
31
essa carregou certo sentimento de rejeição, inicialmente sem propósito pesando
em seu desenvolvimento relacional.
A preocupação com o desenvolvimento emocional já vem de muito
tempo, mas ganha popularidade no trabalho dos Alcoólicos Anônimos, com filhos
adultos de ex-alcoolatras, livros, workshops, e o seriado na TV de John
Bradshaw (1988, 1990, 1992), um entrevistador americano que discutia e
orientava problemas relacionais ao vivo em seu programa.
O objetivo de trabalhar a criança interna nos adultos é fazer com que
tomem a responsabilidade por seu comportamento atual, resultado de como
vivenciaram suas experiências infantis, através da compreensão do forte
impacto das experiências distorcidas precocemente em sua vida, entendendo
assim o que fazem consigo mesmos. “Situações traumáticas, estressantes e
desconfirmadoras limitam a percepção das escolhas na vida adulta. ” (CUKIER,
2008, p. 18).
Quando, no desenvolver desse processo de se autoconhecer, começa a
identificar a realidade emocional do adulto do presente e da criança do passado,
ele vai aos poucos tomando a responsabilidade por essa criança, como se
dialogasse com ela durante a revivescência desse sofrimento traumático, e
dissesse a ela que não há mais o que temer, porque tudo aquilo já passou e
agora ele (adulto) cuidará dela (criança – lembranças emocionais desse adulto).
Então o Eu mais maduro fica responsável por providenciar proteção e cuidados
para sua parte infantil.
Esse adulto passa, assim, a descobrir novas formas de resolver
problemas a partir de novos sentimentos, pensamentos e comportamentos que
passa a expressar, permitindo também evoluções nos processos de
entendimento moral, ético e prático no seu cotidiano. Inevitavelmente, aprende
a se colocar no lugar do outro, percebendo a realidade interna e de construção
de vida também dos outros personagens, nessa trama em que ele começa
inicialmente sendo protagonista, aprende sobre os coadjuvantes,
protagonizando e refletindo internamente sobre a vivência de cada um, e volta
para o papel dele mesmo com os vários pontos de vista que virão a gerar nova
ótica sobre o problema, cortando as amarras do sofrimento interno. A intenção
não é culpar e perdoar, mas sim se responsabilizar por essa criança que ele
32
carrega dentro de si, já que só ele pode saber realmente o que ela precisa para
ser feliz.
Nós observamos que o teatro é uma ferramenta interessantíssima,
refletindo sobre essa ótica, por ser o lugar onde se deve vivenciar várias
realidades internas para refletir o personagem e, por não necessariamente
estarem vinculadas a traumas internos, acrescentam novas óticas. Pelo
processo direto de amor, sem necessariamente passar pela dor e vice versa, as
experiências podem acrescentar nesse processo de construção da personagem.
O mesmo reflexo interno-externo (artista) ou externo-interno (interlocutor) está
nas outras áreas da arte, plásticas, dança, música. Tudo o que é produzido pelo
artista vem do mundo (sociedade), passa pelo filtro que é ele, onde se encontram
os traumas, medos, sonhos, esperanças, para depois se materializar, traduzindo
o que ele é diante daquilo. Nos detalhes da obra ou da reação do público estão
as verdades dessa pessoa, misturadas com a personalidade (o que a cultura e
sociedade inseriram) e com o ego ou falso self (recursos de proteção psíquica e
emocional que evita conflitos com a parte mal construída do indivíduo e os
esconde atrás da personalidade).
Exemplo: Personalidade – nome, vestuário, gosto por comida, objetos,
locais, tribos...; Ego – conduta que esconde problemas internos: indivíduo que
por convivência dolorosa com a imagem de casal, evita relacionamentos ou
mantém vários ao mesmo tempo na tentativa de não se apegar e não sofrer.
Pessoa que julga mal a outros por não a bajularem ou cumprimentar às vezes,
refletindo indignação, dizendo que o outro é “metido”, onde na verdade é esse
julgador que tenta se sentir tão importante que não pode deixar de ser visto e
paparicado, escondendo na verdade uma imensa falta de amor próprio ou
sentimento de rejeição. Caso, de fato, esse “metido” seja mesmo indiferente, o
indivíduo bem construído, diante dessa situação, não se incomoda, não comenta
nem se abala, e pode até igualmente não notar o outro dessa forma e ter como
primeiros pensamentos que o tal “metido” deve estar num dia difícil, preocupado
ou simplesmente distraído.
Dessa mesma forma, pensamos que se dará a influência e reação no
relacionamento entre público e artista. As primeiras identificações com a imagem
se associam com outras imagens e/ou sentimentos já vivenciados. A pessoa
33
diante da obra dará mais atenção ao que reconhece emocionalmente, começará
a pensar e, a partir dos conflitos gerados com o que não reconheceu
inicialmente, vai formular teses e relações entre o que identificou (que remetem
a lembranças e experiências) e o que vem de “novo”, na proposta do artista.
Esse pensamento, dependendo da construção, pode não se concluir,
mas desencadear reações que se estenderão aos próximos dias, até que ele
possa visualizar uma solução ou conclusão da problemática que se iniciou
internamente, bem como uma solução imediata para desequilíbrios antigos onde
só faltava uma nova pergunta. Para pessoas diferentes ocorrem processos
diferentes na relação com o mesmo objeto e todos esses processos sempre vão
além das intenções do autor produtor. Nesse imenso ciclo de construção
interdependente está a sustentação da responsabilidade, através dos
intelectualmente e emocionalmente mais favorecidos ou esforçados em
conduzir, dentro de seu contexto, essa relação da melhor forma possível para o
todo.
Como esse produzir com responsabilidade passa por um complexo que
abrange muitas outras áreas do conhecimento, sentimos a necessidade de nos
aprofundar nas questões psicológicas, culturais e históricas, como uma
responsabilidade que deve vir antes de nos relacionarmos e de exemplificarmos
essas questões aos outros dentro do contexto artístico. Com isso evitamos
dúvidas internas e podemos dividir o enorme caminho de trabalho, estudo e
experiência, inevitáveis para que nós mesmos pudéssemos nos construir, não
só nos pensamentos, mas, no nosso eu interno.
Sempre penso em Moreno-criança, quebrando o braço ao brincar de ser Deus. Pior do que ter quebrado o braço um dia é ter decidido definitivamente parar de brincar de ser Deus, com medo de se machucar de novo. Resgatar a criança interna dos adultos é convidá-los a jogar o papel de crianças de novo, olhar seus braços e pernas esfolados e doídos, perceber os curativos de outrora e deixar algumas dessas feridas cicatrizarem de vez. [...] É, enfim, resgatar a espontaneidade e o assombro, para que o adulto torne a brincar e criar em sua vida.” (CUKIER, 2012, pg19).
É a sobrevivência emocional contra o atentado à espontaneidade e
essência humana.
Quem é essa criança? Já sabemos que o próprio adulto refletindo seu
passado. Mas em que momentos ela pode trazer problemas? Segundo Cukier
(2012), a criança ferida está vinculada a cenas motrizes que estruturaram
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inicialmente uma situação de defesa e, com o passar dos anos, acabam fazendo
parte da identidade e do caráter do sujeito. Isto é, cenas marcantes, fortemente
opressoras ao amor dessa criança, criam fortes raízes em seu intelecto a fim de
identificar futuras situações semelhantes e permiti-la se autoproteger.
Apesar de citarmos, mais adiante dessa pesquisa, relatos de pacientes
de Cukier, esse é um problema pertinente à grande maioria da população, nesse
mundo apressado e socialmente mal distribuído, no qual os problemas sofridos
são transferidos para os filhos, que impensadamente transferirão aos seus filhos,
num contínuo ciclo vicioso, que já tomou uma cara de normalidade pela
frequência com que ocorre. A única forma de identificação e questionamento
para essas questões, entendemos, deve ser o caminho do autoconhecimento.
Só olhando para dentro, conhecendo nossos pontos positivos e negativos e
entendendo as leis morais que regem o crescimento mútuo seremos capazes de
questionar e, aí sim, decidir com consciência as nossas ações, já sabendo quais
suas reações e saindo da escuridão na qual a maioria ainda vive.
Particularmente, na maioria dos casos em que perguntei a alguém
enraivecido o porquê de sua conduta ou agressividade ao lidar com uma criança
que o desagradou, ou com um adulto com o qual se desentendeu, o sujeito se
sentiu na obrigação de revidar, e a resposta foi: “Meu pai sempre me criou assim,
e eu to aqui, ele também vai aprender! ”; ou: ”O mundo é assim! ”. Quantas vezes
já ouvimos isso por ai ou em nossas próprias casas? Esse sujeito só reproduziu
o pai, não raciocinou em único momento sobre o bem estar de seu filho e do seu
mundo, visto como um mundo muito cômodo, onde a vida decide por ele para
que ele não se dê ao trabalho de pensar.
Concordamos que precisamos entender a diferença entre criar, educar
e amar, como se completam e em que momento são adequadas. Comecemos
pelo “criar”. No dicionário, a primeira definição de criar, entre outras, é ”dar
existência a; tirar do nada; dar princípio a, imaginar, suscitar, fundar, instituir,
educar, promover a procriação de (gado) ” [1975, p. 400]. Podemos perceber
que essa palavra está mais perto do animal primitivo, tal qual a criação de
animais domésticos com alimento, comida e moradia. Quero esclarecer que com
esta colocação não questiono o uso do termo na língua, mas apenas convido à
reflexão pelos caminhos que vamos descobrir aqui. Na definição de Educação
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encontramos, entre outros, a seguinte definição para criar: “Processo de
desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser
humano em geral visando a sua melhor integração individual e social” [1975, p.
499]. Esta colocação é, com certeza, bem mais abrangente e reflexiva, o que
não significa que todos reflitam sobre isso quando fazem uso dela. Convido a
refletir.
E, por fim, “Amor’. Essa é a palavra mais difícil de todas para definir;
acredito que sua essência está além da definição que pode abranger o
dicionário; está nas religiões, na filosofia e nas leis morais universais da psique
humana (consciência). No dicionário encontrei definição de Amor, entre outras:
“Sentimento que dispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa”
[1975, p. 87].
Refletindo sobre cada conceito podemos ver qual é a visão de educação
que tem o sujeito do exemplo citado anteriormente; e qual é a visão de si mesmo,
não só pelo uso do verbo “criar”, mas pela forma como a colocou “... meu pai me
criou assim e to aqui...”. Dá para perceber descontentamento e aceitação, ou
melhor, aceitação de um descontentamento. “E nesse ”[...] to aqui [...]” não nos
remete a uma questão de sobrevivência? De alguém que apesar dos pesares
ainda está aqui, ou seja, vivendo, levando a vida? E quando o sujeito finaliza
dizendo “ele vai aprender”, caberia antes refletir sobre o quê.
Todo mundo se pergunta, cedo ou tarde, por que vive; e busca sua razão
e motivação para viver e ser feliz; se esse sujeito teve sua criatividade, sua
natureza de criança e sua espontaneidade podadas, feridas, oprimidas pelo pai,
acaba, sem o auxílio do conhecimento e da reflexão, reproduzindo isso para seu
filho, como um disco furado.
No processo de se autoconhecer o caminho é esse que acabamos de
fazer, refletir! Não só com as palavras, mas com as ações. Observei que para
cada grito ou tapa que leva a criança, por perturbar a paz do adulto, enquanto
ela corre com seu foguete rumo às estrelas pela sala, ou derruba um copo no
chão por tentar se superar e fazer algo sozinha, para cada ensinamento duro
que recebeu de seus pais, e os quais ela não os vê exercitando no dia a dia,
para cada humilhação que ela passa porque o adulto está mais preocupado com
o que os outros vão pensar ou falar do que com a sua necessidade de
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esclarecimento, com equilíbrio de disciplina e amor e respeito ao seu tempo de
aprendizado, uma parte dela sangra, com seus sonhos assassinados pelos
responsáveis pela sua proteção.
Numa descrição breve Rosa Cukier (2012) deu quatro exemplos de
quadros clínico que buscaram ajuda para sua criança interior:
Paciente 1 – Empresário, bem sucedido, deprimido por problemas no
casamento. Queixa-se de falta de atenção da esposa desde o nascimento de
seu primeiro filho. Não consegue conter acessos de violência física contra a
esposa ou objetos da casa. Cenas de infância: tem cinco anos, é madrugada, o
pai bate na mãe. Tem quatro anos, quer colo, a mãe está cozinhando e os irmãos
riem dele e o chamam de “maricas”.
Paciente 2 – Mulher de 25 anos muito bonita que vive em isolamento
social está sempre mudando de emprego, pois sente uma compulsão por
namorar os chefes e pouco depois é mandada embora. Queixa-se de depressão
e de ser perseguida pelos colegas de trabalho. Dentre várias cenas marcantes,
duas se destacam: Tem seis anos, filha de empregada mãe solteira, que vem
visitá-la aos domingos na casa dos avós. A mãe lhe cobra bons modos à mesa
como vê na casa dos patrões. A menina sente-se inferiorizada perante as
pessoas que admira. Em outra cena tem seis anos e pede a benção do avô
mesmo sabendo que ele não a daria, pois sempre dizia que não abençoaria a
filha bastarda de uma mãe que não prestava. São duas cenas que carregam
humilhação, maus tratos e preconceito.
Paciente 3 – Um homem de 27 anos com graves dificuldades no contato
social, restringindo a vida da casa ao trabalho. Poucos amigos. Já se apaixonou
e sente atração pelo sexo feminino, mas nunca namorou. Admira o poder que
Adolf Hitler tinha para se vingar de quem não gostava e é acometido de muita
raiva quando alguém o desconfirma.
Na primeira cena, ele tem entre 4 e 5 anos, a mãe briga com ele e ele
corre para o banheiro e morde a cortina de plástico para exprimir a raiva. A mãe
o alcança e bate violentamente com uma vara de marmelo até que ele se curve
e peça desculpas. Em outra lembrança ele está com 5 ou 6 anos e ganha um
brinquedo de um porteiro de obra em frente à sua casa e é manipulado
37
sexualmente. Mais tarde quando compreende o fato sente medo e inferioridade
como homem.
Paciente 4 – Executiva de uma multinacional, 35 anos, bonita e se queixa
de problemas de interação social e vazio existencial. Acha que os homens não
prestam e não consegue manter um relacionamento estável, bem como
identificar o que gera a situação. Diz que sempre ajuda a todos e é tida pela
família e no trabalho, como encrenqueira, estúpida e sente-se injustiçada.
Lembra-se da despedida dos pais que imigraram da Europa. Conteve o choro,
pois a mãe estava muito sensibilizada, então, comportando-se como uma “adulta
equilibrada” para que a mãe não desabasse. Em outro momento, viu-se com 7
ou 8 anos, e a avó, que tem um mau casamento, confidencia suas intimidades
(abuso psicológico) e diz que todo homem não presta.
Então vamos refletir sobre essas quatro construções de vida: O paciente
A via o pai bater na mãe, hoje bate na esposa. O paciente B ouviu por toda a
infância que ela e a mãe não prestavam e assumiu o papel da “mulher que não
presta”. O paciente C sofreu abuso sexual e se dobrava de humilhação de tanto
apanhar, e busca em seus delírios de sustentação um Hitler que pode manipular
as pessoas de acordo com sua conveniência. O paciente D ouvia sua avó expor
a intimidade afetiva e sexual e, sem compreender, passou a viver a realidade de
homens que não prestam. Cada uma a seu modo repetem o drama infantil, mas
há também a possibilidade de construção no extremo oposto do que
vivenciaram.
A criança, ao perceber que o adulto está sendo injusto ou abusivo, sente
raiva, mas fica passiva, pois não tem força física para se defender. Tal
submissão forçada por sua fragilidade gera sentimentos de vergonha,
humilhação e inferioridade que não são esquecidos, por maior esforço que o
indivíduo faça para mascará-lo. Nesses momentos de tensão a criança, em sua
psique, faz uma espécie de pacto de vingança, de modo que quando crescer não
permitirá que façam aquilo com ela novamente ou com as pessoas que ama. Em
suma, por trás desses adultos tem uma criança tentando manter seus projetos
de vingança atrás de uma dignidade perdida, sem perceber que se tornou aquilo
que mais odiava, pois não tinha referências diferentes daquelas condutas.
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1.3 - Os Super-heróis, identidades das aspirações humanas
subconscientes e a influência na independência emocional da primeira
infância
Figura nº 1: Crianças fantasiadas de super heróis.
Fonte: http://www.nossauniao.com.br/blog/casamento-real-com-super-criancas/
A escolha dos super-heróis partiu do tema da criança interior como base
de construção do indivíduo. Observamos aqui a força de referência filosófica pela
qual pode ser observado os personagens dos quadrinhos bem com a influência
destes pela indústria midiática na diferenciação do self em crianças.
De acordo com Weschenfelder (2012),Toda infância tem seus super-
heróis de referência, e mesmo os mais antigos, vem se reinventando ao longo
dos tempos pelas novas tecnologias e hoje movimenta bilhões na indústria
cinematográfica. Essas novas adaptações da cultura POP dos quadrinhos para
a linguagem da atualidade, não só tem força econômica e de entretenimento mas
também trazem grandes discussões filosóficas proveitosas para o universo
infanto-juvenil. Trazendo questões de enfrentamento diário comum a todos nós,
seres humanos como a ética e a moral,
Responsabilidade pessoal e social, à justiça, ao crime e ao castigo, à mente e as emoções humanas, à identidade pessoal, à alma, à noção de destino, ao sentido de nossa vida e ao que pensamos da ciência e da natureza, ao papel da fé na aspereza deste mundo, a importância da amizade, ao significado do amor, à natureza da família, às virtudes clássicas como coragem. [Weschenfelder, 2012, p. 2].
Entre outros é o que fazem destas personagens tão encantadoras e
atraentes aos nossos olhos nos despertando quase que instantaneamente uma
identificação com nossa conquistas, faltas e aspirações.
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Figura 2: Menino e ídolo super herói.
Fonte: http://vambebe.wordpress.com/2013/05/29/o-espetacular-homem-aranha-
andrew-garfield-faz-a-alegria-das-criancas-vestido-como-o-heroi/
O autor do artigo os Super-heróis e essa tal filosofia (2012) esmiúça
essas questões dentro do universo de alguns personagens. O Homem-Aranha
por exemplo, é um adolescente em guerra interna como qualquer outro
adolescente, tentando vencer as tentações cotidianas e as confusões de seus
processos de maturidade. Peter Parker perde os pais muito cedo em um acidente
de trânsito, é adotado pelos equilibrados e adoráveis tios May e Ben Parker.
Logo adiante perde tragicamente o tio Bem assassinado. É um adolescente
esquisito, tímido, de auto estima muito baixa, nerd e pouco sociável. Depois de
ser picado por uma aranha geneticamente modificada adquire superpoderes
semelhantes aos do animal e passa a escalar paredes, soltar teias, dar pulos
altos, super sentidos e uma força além do normal. O que lhe confere o status de
super herói? Não são os poderes, mas sim as escolhas que ele faz. Isso difere
o super-herói do vilão. Ainda enquanto Peter ele já se encontra em posição de
escolha e consequência, mas a partir do momento que adquire super poderes
essa responsabilidade se amplia drasticamente conferindo ao personagem seu
caráter tão atraente e referencial ao universo do observador. E o que orienta as
escolhas deste personagem? As referências positivas de seus tios. Apesar das
privações e dificuldades que viveu e vivência ao longo das histórias, Peter tem
não só uma base instrutiva eficiente por parte de sua família quanto à
responsabilidades e compreensão de direito e deveres e escolha e
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consequência como também tem bom exemplo por parte dos mesmos. O autor
atenta para o esquisito coragem dentro das escolhas da personagem,
principalmente no que se refere ao fato de ser o Homem-Aranha. Não são só os
super poderes que fazem dele o que é e o que representa, mas o fato de escolher
combater o crime e ajudar as pessoas indefesas, das personalidades mau
construídas dos vilões. Ele tem a escolha de não ter esse envolvimento, poderia
somente ter a cautela de não usar seus super poderes para prejudicar outrem e
continuar sendo integralmente Peter Parker, poderia também usar seus
superpoderes exclusivamente para proveito próprio, mas não a personagem vai
além e com coragem além de lutar pela melhora de si luta pelo bem estar dos
outros.
De acordo com Aristóteles, referência do autor, para que o julgamento
se apresente de forma construtiva é imperativo que ele tenha instrução no
assunto juntamente com experiência e exemplo. Acrescento aqui novamente a
reflexão de que o aprendizado não é diretamente proporcional ao tempo mas sim
relativamente proporcional. Esse personagem com certeza apresenta
maturidade e entendimentos de vida maior que colegas que tenha que não
passaram seus enfrentamentos pessoais, bem como pode estar ainda além de
pessoas com o dobro de sua idade que pouco conhecem sobre provação
emocional. A Inteligência emocional é fator de suma importância para o
desenvolvimento de aprendizado com sabedoria, conforme foi dissertado
anteriormente
Em boa parte das histórias há momentos em que ele é perseguido e
culpado pelos jornais, pela população e até pela polícia pelos males feitos dos
vilões, por essas pessoas terem tido acesso somente ao momento em que ele
se encontrava presente na sena caótica, não tendo visto sua chegada e sua luta.
Quanto a tal fato vemos a tendência pré-julgadora do ser humano, que pode se
estender a grande fofoca de forma a prejudica-lo, entretanto, o personagem
continua sua luta pela justiça, nesses momentos tendo o enfrentamento
estendido para além dos vilões, pois a partir de sua base ética interna se mantém
a ajudar mesmo sendo criticado e perseguido por quem está ajudando, tentando
compreender essas pessoas e dominar as próprias paixões para continuar seu
propósito sem se deixar agredir pela situação a ponto de revidar. Essa situação
41
é de altos e baixos, hora é aclamado, horas é criticado negativamente, como o
é em nosso cotidiano ao contato com outras pessoas de natureza julgadora e
ainda sem domínio das paixões e longe do equilíbrio reflexivo. A coragem está
no enfrentamento do medo e não na falta dele. E quando se permite o
enfrentamento, o efeito sombra é desfeito. Isso não impede que mal seja feito
por outrem mas neutraliza seu acesso ao nosso emocional, à nossa psique e
dessa forma temos o equilíbrio necessário para tomar a atitude necessária e /ou
desenvolver o que foi interrompido em hora adequada para tal, podendo ainda,
ao longo do processo passar a criar as oportunidades necessárias sem ter
esperar que se apresentem ao acaso.
A coragem é a mediania tocante ao medo a autoconfiança. (...) de modo que o medo é, às vezes, definido como a antecipação do mal. (...) não se pensa que a coragem esteja relacionada com todas essas coisas, uma vez que há alguns males que é certo e nobre temer e vil não temer, do é exemplo a desonra e a ignomínia. Aquele que teme a desonra é um homem honrado, detentor de um devido senso de pudor. [Aristóteles apud Weschenfelder. Pag. 4, 2012.]
O personagem tem em sua família, então um exemplo de educação
virtuosa que possibilita sua percepção de escolha e consequência de coragem
e medo, temperada conforme a situação se apresenta.
“Seja qual for a situação seja qual for o conflito que tivermos dentro de
nós sempre temos uma escolha, pois são as nossas escolhas que fazem de nós
o que somos e sempre podemos escolher aquilo que é certo”. (Fala do
personagem em Homem-Aranha 3, 2007).
Figura 3: menino de super-homem
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Fonte: http://www.pinterest.com/pin/250583166742118968/
Quanto ao super-homem, encontramos sua atitude heroica na
necessidade de pertencimento, fazer parte de um conjunto com nossas
particularidades em evidência, a qual todos buscamos. Ele é um extra terrestre,
sendo assim está só e longe de casa, sua raiz, mas foi muito bem educado e
amado por humanos, então sua necessidade de pertencer é inteira quando se
fragmenta, por um lado ele é Clark Kent, jornalista, um homem comum, repórter
com seus conflitos tal qual qualquer ser humano, por outro ele é um super
poderoso protetor dos fracos e oprimidos, e quando usa seus poderes e atua
com suas particularidades extraterrestres, dessa forma ele abraça dois
fragmentos singulares que fazem dele quem ele é e que resolvem sua sensação
de pertencimento aceitando tudo que o compõe, então os fragmentos aceitos
juntos podem formar o todo que o compõe, a unidade que o faz um ser inteiro.
Quando ele é kriptoniano consegue participar integralmente do mundo a sua
volta.
Vemos aqui que o problema da fragmentação que observamos fazer
parte do mundo humano, principalmente na contemporaneidade como vimos no
capítulo 1, não está em desenhar uma linha reta de unificação interna mas sim
aceitar e integrar sua sinuosidade. Essa integração deve para tanto, penso eu,
ser estudada, é o autoconhecimento, para que possa ser identificado o que são
43
nossas sinuosidades e o que são fragmentos sinuosos apropriados de terceiros
que muitas vezes não dialogam com o que buscamos, sendo só um reflexo do
ego reprimido.
Voltando ao personagem, quando ele participa do mundo a sua volta é
que se sente realizado. O autor cita que quando Aristóteles quis descobrir a
felicidade explorou o que é viver com excelência, conforme descoberta do super-
homem. “Mas se a felicidade consiste na atividade de acordo com a virtude, é
razoável que seja atividade de acordo com a virtude maior (excelência), e esta
será a virtude da melhor parte de nós. ” [ Aristóteles apud Weschenfelder].
Essa virtuosidade em ajudar ao próximo vem de seus instintos naturais
em consonância com sua formação, mas esse altruísmo se estende a “uma
quantidade saudável de interesse próprio” e a grande qualidade ao equilibrar as
necessidades alheias com a suas individuais observando o benefício mútuo e
geral. Ao ajudar o outo o personagem ajuda a si mesmo exercendo seus poderes
singulares e desenhando seu destino. É seu equilíbrio interno que o faz não estar
escravo do medo e tão pouco enfrentar a tudo sem considera-lo. “ Assim a
temperança e a coragem são destruídas pelo excesso e pela deficiência e
preservadas pela observância da mediana”. (Weschenfelder, 2012).
No caso dos X-Man, encontramos em constância uma das
particularidades das experiências do Homem-Aranha. São também
adolescentes, sendo assim em constante conflito interno e tem a base
moralmente virtuosa em seu tutor Charles Xavier. Entretanto, esses
adolescentes passam quase que todos os episódios tendo que se defender
internamente das pressões vidas das pessoas a quem ajudam. São mutantes
vistos como mal exemplo e perigo por parte das pessoas comuns fruto do medo
do desconhecido, e acrescentaria aqui de uma certa inveja das competências
desenvolvidas pelos mutantes às quais as pessoas comuns não possuem.
O Batman, personagem com mais 70 anos de existência tem sua
máxima no fato de ser um humano comum e a captação de recursos financeiros
para executar continuamente seu propósito. É um órfão que dedicou anos ao
treinamento físico e mental, para vingar a o assassinato dos pais e ao longo dos
episódios estende essa visão à proteção de outras pessoas contra o crime e a
corrupção e às vítimas de crimes em Gotan City. Bruce Wayne tinha na figura do
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pai um exemplo a seguir. E entendia o propósito do exemplo e principalmente do
exemplo como ícone, como um homem comum poderia ser destruído mas como
símbolo poderia ser incorruptível e eterno. Então dá continuidade aos propósitos
do pai com visão ampliada do contexto, possível pela experiência perda e
privação junto com base e referência. O pai de Bruce foi à falência combatendo
à pobreza acreditando que seu exemplo motivaria outros ricos de Gotan, mas o
assassinato do pai interrompeu esse propósito ao qual Bruce deu continuidade
assumindo a identidade de Batman, como símbolo de mudança, perseverança,
virtuosidade, moralmente incorruptível e ético é exemplo para os outros e por
sua vez, desta maneira, encontra sua satisfação e motivação pessoais.
Estendo minha observação a figura feminina que também mostra sua
força e sua luta pelas ações da mulher maravilha. O lado feminista da
personagem, a força que está além dos condicionamentos sociais. O isolamento
das amazonas mostrando ao mesmo tempo a exclusão pelo machismo e a
exclusão escolhida pelas personagens pela batalha que tem de travar pelo
respeito, aceitação e livre escolha.
E até em alguns vilões a maldade pela escolha ou pela falta de base de
referência como o amigo de Peter Parker, Harry Osborn, que movido cegamente
pelos sentimentos de ódio e vingança, pelo assassinato do pai, sem
compreender a real figura do pai, um homem ganancioso que sucumbiu ao mal,
começa a se apresentar como vilão mostrando as consequências de uma base
mal construída juntamente com sentimentos e experiências auto destrutivas que
acabam por conduzi-lo à escolha danosa a si e aos outros, pois falta base sólida
para escolhas acertadas com equilíbrio. Então vemos aqui também,
particularidades que movem as escolhas.
Em todas as personagens dos quadrinhos podemos encontrar um
fragmento ou referências filosóficas interessantes na construção de crianças,
adolescentes e até nas reflexões adultas.
Anderson Chalhub e Dionis Soares se aprofundam no que se refere
especificamente as crianças na sua construção individual em seu artigo sobre a
diferenciação do self em crianças.
Em acordo com os autores, a criança começa a vida em fusão completa
com a mãe em situação de dependência física e principalmente emocional.
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Emocionalmente são interdependentes e ao longo dos anos o objetivo de seu
desenvolvimento é torna a criança independente tendo os pais tarefa de conduzi-
la a tal propósito com um comportamento que permita alcançá-lo. A referência
de self aqui exposta parte da teoria apresentada por Bowen. Então aqui será
observada como a “ capacidade de se auto referenciar como indivíduo, de se
distinguir como sujeito perante o objeto”. (Soares &Chalhub, 2010, Pg. 4).
Faço aqui um adendo sobre o fato de utilizarmos conceitos diferentes
sobre mesmo assunto e ou palavra, sem concordar necessariamente entre si.
Estamos falando sobre autoconhecimento, e esse processo inclui principalmente
a visão singular que temos de um fato bem como o aperfeiçoamento em
qualidade e quantidade de conhecimento. Então o presente texto é construído
de forma a possibilitar a liberdade de pensamento e assimilação por parte do
leitor de todos os conhecimentos aqui presentes bem como seu fundamento e
conceitos, compreendendo que um não exclui o outro e se acaso tem definições
diferentes, não nos dificulta compreensão se estivermos trabalhando com
consciência aberta, mas pelo contrário, possibilita maior número de inter-
relações pela mente e consequentemente maior possibilidades conclusivas em
formação de opinião. Por exemplo, o fato do autor, observando pela ótica de
Bowen definir o self infantil como o momento que o mesmo se observa
independente emocional e psicologicamente da família, ainda assim dialoga com
o conceito de self das filosofias budista e tântrica que o observam como o a
nossa essência mais pura de ser divino, pois a criança está no processo de
descoberta de si, assim como o adulto pelo autoconhecimento na busca de se
compreender e exercitar o melhor de si.
Como descrevem os autores anteriormente citados, a criança começa a
desenvolver esse self, por volta dos dois anos de idade apresentando
características físicas e de gênero mais concretas nesse período e a partir de
então suas percepções de mundo se ampliam e sua diferenciação da família de
origem começa a se apresentar e conduzi-lo à individualização, com suas
próprias vontades, anseios, aspirações e forma de ver atuar no mundo. Na
primeira infância, principalmente, o exemplo vivenciado cotidianamente é
referência de conduta como já vimos anteriormente com Freud e Jung e neste
período os efeitos e cores fortes e explosões das linguagens cinematográficas
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dos super-heróis criam na criança um apelo à imitação, tendência já natural que
se manifesta com relação aos pais. As personagens supersônicas e imbatíveis
ao passo que, criam identificação nas crianças, suas particularidades vão sendo
internalizadas como traço de identidade na primeira infância. Como as
experiências vividas pelos super-heróis, a criança experimenta tanto o
pertencimento quanto a diferenciação, onde o pertencimento está em participar,
dividir crenças, valores, sentir-se membro (família, amigos) e a diferenciação em
sua singularidade no direito de se expressar e pensar em valores independentes
dos de sua família.
Há uma energia que o impulsiona ao processo de individualização, para
alcançar sua autonomia, como esclarecem os autores, porém o vínculo inicial
nunca é totalmente quebrado, havendo uma diferença entre o vínculo individual
mantido e massa indiferenciada do Eu familiar. Não há uma individualização
completa. Seria a extensão de Eu no outro na relação de Jung, vista
anteriormente. Essa massa indiferenciada do eu familiar se refere à aglomeração
e fusão desse selfes, onde existe o sentimento de pertencimento, que se
apresenta com extrema renúncia de autonomia em uma fase de transição.
De acordo com Chalhub & Soares (2010), Bowen baseia sua teoria em
duas energias fundamentais a serem observadas, onde uma é a que impulsiona
o indivíduo no caminho da diferenciação e, a outra, leva a pessoa à união com a
família de origem e, embasada por essas duas, cria a escala de diferenciação
de self. A escala classifica o grau de independência emocional do indivíduo
diante de sua família de conforme descrevem os autores. Nos números mais
baixos a dependência e necessidade de aprovação são maiores.
Como mencionam Medeiros, Pedreira e Nunes (2008), a escala de diferenciação do Self de Bowen apresenta os seguintes níveis: de 0-25, 25-50, 50-75 e 75-100. Nos níveis mais baixos de diferenciação, as pessoas estão imersas em seu mundo sentimental e procuram aprovação dos outros, tornando-se assim incapazes de aumentar seus níveis básicos de indiferenciação. Nos níveis mais altos há uma maior consciência entre sentimentos e pensamentos. Como a individualidade já é mais desenvolvida, as pessoas nesses níveis têm uma maior flexibilidade nos relacionamentos íntimos, sabendo que podem se libertar dos mesmos a qualquer momento, descartando velhas crenças a favor de novas. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, Pg. 5]
O autor nos diz que quem vive nessas camadas mais baixas do
inconsciente, que é quando a individualização não foi eficiente para sua
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independência emocional, o indivíduo acaba por se manter imerso em
sentimentos que não são seus tendo como resultado a projeção da culpa por
seus insucessos e/ou sentimentos de insucessos, em seus responsáveis ou
pessoas emocionalmente ligadas a ele, pois não consegue discernir o sistema
afetivo do intelectivo.
Então aqui compreendemos como a base familiar é de suma importância
nas possibilidades de sucesso de indivíduo ao longo de sua vida, tendo forma
maior em sua primeira infância. Nós podemos observar, desde Freud, Jung e
outros autores nos capítulos anteriores até aqui, que todo indivíduo carrega em
si inúmeras referências internas como fantasias inconscientes e conscientes,
infantis e projetadas, condicionamentos adquiridos, experiências que são
armazenadas em forma de emoções, enfim um vasto mundo onde todos seus
fragmentos se relacionam entre si e onde a individualidade do indivíduo está na
relação de desse vasto mundo interno com o mundo externo.
O autor Chalhub & Soares (2010), também cita Winnicott para falar do
processo, que defende que o self, que não é ego, é a pessoa que o indivíduo
realmente é e que sua totalidade está na forma como se opera seu processo de
maturidade. E que todas essas partes do self, descritas anteriormente, se
aglutinam dando ao indivíduo seu sentido interior-exterior no processo de
maturidade e forma suas possibilidades e forma de ver o mundo conforme o
ambiente que cuida dele, que se faz referência pra ele e como este lhe permite
expressar sua liberdade de escolha e compreensão conforme ela se apresenta.
Assim como vimos no capítulo 2, o “ego”, como chama OSHO, se
apresenta como sistema de defesa da psique, ou segundo Freud no sub capítulo
1.3 o “ego reprimido” se defende de uma nova experiência negativa, que aqui
vemos se construir diante de negativas constantes recebidas por parte do
ambiente de referência (família) durante seu processo de maturação impedindo
e/ou dificultando a individualização e a diferenciação do indivíduo.
Independente da diferenciação do nome para conceito o processo é o
mesmo, lembrando aqui novamente que é o processo individual que deve ser
observado e que a necessidade de apresentar conceitos diferente para o mesmo
processo, entendemos se fazer necessária pela proposta de indução ao pensar
por parte do leitor e não somente armazenamento de nosso ponto de vista,
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vejamos aqui toda exceção tem sua regra e jamais toda regra sua exceção.
Como por exemplo, Freud entender que somos compostos de Egos e dividi-los
em ego consciente e ego reprimido, ou para Osho que temos a essência divina
e os egos que são agregados danosos a nossa saúde emocional e para este
ainda espiritual, por apesar de se apresentarem como sistema de defesa é um
sistema autodestrutivo pois vai criando teias cada vez mais complexas de
dependência do medo para o sujeito.
Ambos identificam mesmos danos e semelhante origem para a
fragmentação danosa. Ao nos aprofundarmos em cada autor com outros ensaios
e pesquisas perceberemos diferenças maiores, mas que não necessariamente
se excluem, mas sim apontam continuidade em caminhos diferentes e que
podem ser complementares. Convido os leitos aqui, a partir de agora, exercitar
esse olhar de agregar e não excluir como de costume. Temos uma tendência a
abraçar comprovações e a partir de novas comprovações excluir as anteriores,
e nesse caminho, a continuidade de compreensão não se apresenta, somente
armazenagem. O psiquiatra suíço Carl Jung, apesar de observar inicialmente
aprofundamento na área de psicologia não excluiu seu interesse à
parapsicologia, que estudava percepções exta sensoriais, que efervesceu em
interesse inicial como pesquisa científica entre as décadas de 20 e 30 nos Estado
Unidos, o que acrescentou muito em seus trabalhos póstumos. Como vi no livro
que citei no texto, Poderes da Mente- Mistérios do Desconhecido da Editora
Abril, livro de 1992, através do qual eu praticava exercícios telepáticos aos cinco
anos de idade.
Voltando a Chalhub & Soares (2010), vamos desenvolver aqui a ordem
segundo referências do autor de como se desenvolve essa diferenciação do self.
O primeiro ponto é que o senso de auto consciência começa a se desenvolver
através do autoreconhecimento, primeiramente com os bebês o
autoreconhecimento físico. Primeiramente, reconhecem sua imagem, depois de
21 meses em diante apresentavam noção de auto conceito, entendendo detalhes
como manchas e seus nomes juntamente com reconhecimento de sua imagem.
Já na escola elementar, pelos 6 anos, há uma mudança forte onde a criança
passa a voltar-se cada vez mais para as características internas. A linguagem é
importante como mediador do processo de socialização na construção de sua
49
individualização, pois através dela se dá a troca de conhecimento e experiência
fazendo com que ela entenda ela e outro, seja a linguagem corporal ou falada.
Outro ponto importante de acordo com o autor é a forma como a mãe e a
referência família desenvolve os padrões de apego da criança para que a mesma
possa construir sua individualidade e ir se desvinculando de sua dependência
emocional. O autor nos esclarece que isso acontece durante a troca de estímulos
mãe-criança ou família-criança. A criança sinaliza sua necessidade e recebe um
feed back da mãe ou da família, a forma como acontece esse feedback é que
vai ser responsável pela individualização nesse período.
Casais que se relacionam bem, compartilham emoções positivas entre si, tem crianças emocionalmente seguras, capazes de regular suas emoções, ou seja, o contexto externo também influência na formação de vínculos afetivos, tanto como a cultura, pois nessa perspectiva, o apego só pode ser entendido quando imerso no contexto relacional entre cuidador e criança. Embora as relações parentais sejam constituintes ao sujeito por serem o núcleo relacional da vida familiar, contextos como trabalho, lazer escola, influenciam também na formação do apego. Assim sendo, o apego é considerado como um constructo numa rede ativa de relações, e para se entender seus padrões é indispensável que se entenda o funcionamento do contexto familiar em sua totalidade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p.9].
Então, a qualidade do apego depende da característica dos casais
juntamente com a capacidade de sinalização das necessidades por parte da
criança. A solidez desse processo é responsável por permitir a maior liberdade
da criança no entrar e sair na relação segura. Esse vínculo não é exclusividade
da família, no mundo contemporâneo principalmente, ele se estende abrangendo
figuras parentais de modo mais genérico como amizades e até mesmo relações
mediadas por objetos simbólicos como valores e crenças, como esclarece o
autor, que sinaliza também a observação pessoa, processo, contexto e tempo
como vertentes para entendimento do apego.
É necessário que se considere características da pessoa e dos membros familiares, como cor da pele, as interações da família e criança e m suas atividades e o desenvolvimento da família no sentido histórico, ou seja, que se entenda a vinculação humana em multiníveis de um sistema dinâmico de relações. Para Fromm (1990), o apego é gerado por um anseio profundo de desamparo e essa figura de apego pode ser de toda espécie, um professor, um astro de cinema, ou até os ídolos, sejam eles reais ou imaginários. O ídolo seria uma figura necessária ao homem, tendo como função dar apoio e força. A figura do ídolo, do herói, sempre fez parte da história do homem desde a mitologia grega. Essa função ao
50
ídolo se daria pelo fenômeno da transferência, que é encontrado durante toda a vida, principalmente em relações duradouras de amizade e afetividade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p. 9]
Interferimos aqui novamente, para acrescentar que o homem, o ser tem
suas escolhas e que quanto mais próximo da consciência está a mente, e isto
necessita conhecimento e questionamento, conforme visto em capítulo 2, mais
acertada são suas escolhas para a felicidade e satisfação. Ocorre que o ídolo
como figura a dar apoio e força deve ser compreendido e absorvido como
exemplo e referência, mas nada pode fazer se o próprio admirador não fizer por
sua própria vida. Vemos pessoas que “se rasgam”, gritam e choram na presença
de seres midiáticos, mas não se julgam, capazes de tal feito para suas vidas.
Observam suas referências de longe, como um Deus externo, muito longe das
suas possibilidades. Sendo assim, vivenciam as possibilidades de alcançar seus
sonhos e propósitos mentalmente sem jamais conseguir a força necessária para
transformar tal exemplo em ação. O autoconhecimento nesse ponto, vemos,
seria a ponte que liga essa projeção e ou transferência mental, nesse sentido, à
ação construtiva, pois através dele não encontramos somente a força para tal
fato, mas principalmente podemos nos libertar de fardos subconscientes que
podem estar bloqueando a ação mesmo com tanta vontade de fazê-lo. É
necessário que se saiba diferenciar fanatismo de admiração para que isso possa
acontecer. Na admiração o sentimento pelo idolatrado é o mesmo, porem o
admirador não se vê tão distante do admirado como o fanático, mas sim entende
que a distância que separa os dois é esforço, dedicação e tempo, sendo assim
poderá um dia alcança-lo e até superá-lo. A grande sinapse entre o sonho e a
realização é a base emocional construída, então a forma como a família orienta
esse olhar é de suma importância. Nosso mundo é cheio de dualidades, quem
escolhe que lado da moeda observar e exercitar somos nós, e para tal é
necessário ir se libertando dos agregado simultaneamente ao trabalho de
visualização do que queremos para nós. Caso nossos responsáveis não tenham
tido esclarecimentos suficientes para perceber a importância de seu papel, ou
para aplica-lo, ainda temos escolhas, cabe saber que o caminho se apresentará
mais árduo, pois teremos de destruir as referências emocionais que nos criam
barreiras para criar novas que nos libertem a mente, não sendo entretanto,
impossível. É preciso coragem para quebrar a imagem com a qual convivemos
51
tantos anos e construir uma nova, porém bem mais eficiente. Será que vale a
pena, tanto sofrimento? Pergunte-se antes, quanto valor você dá a você? É um
trabalho que pode demorar anos, mas com certeza, nos trará possibilidades que
podem ir muito além do que imaginamos para nós. Trouxemos aqui então, duas
formas para refletir esse apego no que se refere à idolatria.
Chalhub & Soares (2010), traz em seu artigo alguns detalhes destas
duas formas de apropriação do ídolo como referência, tendo em sua base
também análise prática da relação do comportamento infantil com seus super-
heróis de referência feita com crianças de classes sociais diferentes, ambos os
sexos entre 5 e 6 anos de idade, em uma escola na Bahia, além da base de
referência teórica.
O autor nos esclarece que a mídia atual está distante de seu papel inicial
de divertimento e lazer sendo hoje “um instrumento pelo qual o mundo é
apresentado ao indivíduo. ” (p.10, 2010). A televisão modela comportamentos,
relações e reações de conduta. As crianças passam muitas horas em frente à
televisão, que também pode ser forte tendência no ambiente da família, sendo
infelizmente, por vezes, a única razão de interação familiar no fim do dia.
Em um artigo publicado pela revista Comunicação e educação, Cordelian e Gomes, (1996) fizeram um levantamento sobre pesquisas realizadas relacionadas à temática da audiência televisiva pelas crianças. Percebe-se que as mesmas fazem uso demasiado do televisor, sendo que crianças entre três e quatro anos interpretam e percebem as imagens da tela como reais. [...] Ainda sobre o artigo anteriormente mencionado, o uso extensivo da televisão por crianças levanta o questionamento sobre o efeito que produz nas mesmas. A mídia televisiva participa ativamente no processo cognitivo das crianças, sendo muitas vezes uma mediadora entre elas e a realidade, ganhando espaço na formação subjetiva de algumas crianças”. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p.10].
Então, dentro desta observação a televisão tem seu papel influenciador,
forte, no processo de diferenciação do self infantil.
Os programas assistidos fornecem “roteiros” de comportamento perante situações do cotidiano, gerando um processo de imitação e modelagem pelas crianças, (MARTINS, 2008) sendo algumas vezes até naturalizado pela família, como algo comum e normal à idade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, p.11, 2010].
As roupas e brinquedos de super-heróis estão além da vontade da
criança sendo também um mediador simbólico da “realidade” associada a
apropriação, de forte interesse publicitário. A características de guerreiros fortes,
52
traços e cores forte e jingles fortalecem o vínculo com apropriação e imitação
das mesmas por parte da criança. E nesse processo encontramos tanto os
comportamentos agressivos, explosões e agressões que podem potencializar a
agressividade cotidiana das crianças, como o virtuosismo, a coragem,
honestidade, perseverança e vitórias dos heróis pontuando uma moralidade
ética a ser seguida, conforme as observações do autor ao longo de todo artigo.
Então, nós aqui, vinculando essas observações com todos os
conhecimentos anteriormente expostos, pontuamos que de nada adianta, a
quem deseja “ mudar o mundo” críticas direcionadas à mídia, relacionando à
cultura de massas ou deficiências intelectuais específicas em uma área ou outra.
São necessárias ao esclarecimento, mas que já o possui deve mudar antes a si
e seu meio. Todo ser humano se constrói com uma base de dados única e
intransferível, e na idade adulta exercita seus fragmentos tendo a possibilidade
de destruí-los ou reconstruí-los. Então para quem quer mudar o mundo, só há
um caminho, mude antes a si mesmo! Tendo responsabilidade conosco e com
nossos protegidos e ou dependentes, podemos ser o exemplo a ser reproduzido
mais adiante. Para quem quer mais, é fato que deverá fazer mais! Não se muda
um fim fazendo o mesmo caminho. Muitos já conhecem todas estas máximas,
discutem sobre ela, mas podem não perceber o quanto inserido e anestesiado
estão dentro do mesmo processo. Dentro dessa indústria midiática encontramos
tanto à construção de consciências consumidoras, quanto exemplos de
agressividade e virtuosismo. Cabe a nós o esforço de selecionar o que importa
a nossa própria construção e das crianças pelas quais somos responsáveis. Ser
presente na vida da criança, selecionar seu tempo de exposição às informações
midiáticas e, principalmente, pontuar os pontos que realmente interessam em
conversas francas, algumas vezes, durante a relação tevê-criança-família.
Façamos esse esforço!
1.4 - Relações de identidade do indivíduo, sociedade e cultura
As culturas são compostas de instituições culturais, símbolos e outras
representações, constituindo um modelo de conduta e construção dos nossos
sentidos, influenciando nossas ações e a visão que temos de nós mesmo.
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As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são constituídas. Como argumentou Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma “comunidade imaginada”. [HALL,
1997, p. 50].
Aqui interessa compreender, como se relacionam os indivíduos e as
personalidades de sua identidade individual com a identidade social e a cultural
e, como é o intercâmbio de cada uma delas entre si, podendo talvez dessa forma,
compreender o processo de construção do indivíduo, considerando sempre a
singularidade de associação de seus fragmentos.
Conceito de identidade no dicionário:
Identidade. [Do lat. Escolástico identitate. ] S. f. 1.Qualidade de idêntico: Há entre as concepções dos dois perfeita i d e n t i d a d e. 2.Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, defeitos físicos, impressões digitais, etc. 3. Reconhecimento de que um indivíduo morto ou vivo é o próprio. 4. Carteira de identidade. 5. Mat. Relação de igualdade válida para todos os valores de variáveis envolvidas. [FERREIRA, 1975, p. 738]. Qualidade de idêntico; Paridade Absoluta; Circunstância de um indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que outrem presume que ele seja; Circunstância de um cadáver ser o de determinada pessoa; Equação cujos dois membros são identicamente os mesmos” [AURÉLIO on-line].
Devemos observar, em especial, a definição “[...] um indivíduo ser aquele
que diz ser ou aquele que outrem presume que seja”; inicialmente pensamos o
conceito diretamente ligado às questões que identificam o indivíduo e suas
escolhas, como profissão, nome, estilo de vestir, se expressar, e conduzir ações
entre outras; algumas dessas escolhas que vão dando forma a nossa identidade
(características próprias ou exclusivas de algo através das quais é possível
diferenciá-lo dos outros) que, porém, tem relação com detalhes abstratos desse
indivíduo se relacionando com sentimentos que por sua vez, estão ligados a
experiências vividas, como lembranças com sentimentos e emoções em
relações com a família e com o meio social, que tendem a influenciar decisões
e escolhas. A teoria do princípio de prazer (FREUD 1920) faz jus a esta
observação que fizemos:
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1. Decidimos relacionar o prazer e o desprazer à quantidade de excitação, presente na mente, mas que não se encontra de maneira alguma ‘vinculada’, e relacioná-los de tal modo, que o desprazer corresponda a um aumento na quantidade de excitação, e o prazer, a uma diminuição.[...] Os fatos que nos fizeram acreditar na dominância do princípio de prazer na vida mental encontram também expressão na hipótese de que o aparelho mental se esforça por manter a quantidade de excitação nele presente tão baixa quanto possível, ou, pelo menos, por mantê-la constante. Essa última hipótese constitui apenas outra maneira de enunciar o princípio de prazer, porque, se o trabalho do aparelho mental se dirige no sentido de manter baixa a quantidade de excitação, então qualquer coisa que seja calculada para aumentar essa quantidade está destinada a ser sentida como adversa ao funcionamento do aparelho, ou seja, como desagradável. O princípio de prazer decorre do princípio de constância; na realidade, esse último princípio foi inferido dos fatos que nos forçaram a adotar o princípio de prazer. Além disso, um exame mais pormenorizado mostrará que a tendência que assim atribuímos ao aparelho mental, subordina-se, como um caso especial, ao princípio de Fechner da ‘tendência no sentido da estabilidade’, com a qual ele colocou em relação os sentimentos de prazer e desprazer. [FREUD, p.1-2, 1920].
Então o que foi sentido com prazer é referência de escolha positiva e o
que foi sentido com desprazer passa a ser referência de escolha a ser
descartada ou evitada. Essa seleção começa com referências da primeira
infância e se estende às referências sociais [FREUD, 1920] e culturais (HALL,
1997] com as quais convivemos.
As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influência e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. [HALL, p.51, 1997].
A escolha de uma profissão, por exemplo, pela influência da convivência
com um ente querido que a exerceu e que admiramos ou respeitamos, ou pela
forma deslumbrante com que essa lhe foi apresentada por meios de
comunicação. O Gênero de música favorito pela lembrança feliz de um período
com algum grupo ou pessoa ou pela frequência com que ouvia em sua casa na
infância. O sotaque pela localidade onde nasceu e/ou cresceu. A escolha por
determinado tipo de pessoa para se relacionar por medos que desenvolveu ao
longo da vida ou pela relação feliz ou não, que conviveu dos pais. Cada
fragmento desse indivíduo se relaciona com vários outros fragmentos de outro
indivíduo, num processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução
de suas particularidades através das atividades sociais.
55
E num momento tão pleno de informações diversas, como a
contemporaneidade, com a variedade e velocidade dos meios de comunicação
e as possibilidades de construção de uma personalidade publicitária-social com
o advento da Globalização, fica cada vez mais evidente essa fragmentação
interna que o sujeito carrega em si e, por muitas vezes, até contraditórias, sendo
assim inevitável o acontecimento de grandes conflitos da percepção de si e do
mundo circundante. É uma crise de identidade no mundo moderno com uma
descentralização do sujeito, social e culturalmente (HALL, 1997).
Podemos observar que cada segmento cultural de linguagem como
estilo musical, dança, teatro, produções televisivas entre outros, carrega
conceitos da sua concepção, selecionando seu público pela identificação com
esse conteúdo. E entre as relações diretas, mais estreitas entre indivíduos
tomam forma pequenos grupos, comunidades ou “tribos” em cada segmento:
do regue, da mpb, das raças (negros, branco, índios, japoneses), dos partidos
políticos, dos esportistas e dos sedentários, dos empresários, dos assalariados,
dos cooperativos etc. E não há uma receita com “combo” que inclua
impreterivelmente um conjunto coerente desses segmentos na formação íntegra
do indivíduo; o que queremos demonstrar nessa pesquisa é que toda construção
é única e, por mais que se assemelhem, a forma como foi construída em cada
indivíduo jamais será igual à de outro. A postura desse indivíduo diante de uma
situação, seu ponto de vista, vai depender de qual dos seus fragmentos se
identifica com a mesma e qual tem mais força no momento.
Hall (1997) cita uma situação de escândalo político acontecido nos
Estados Unidos em que um juiz é acusado de assédio por uma camareira. As
opiniões ficaram divididas entre as questões de sexo, raça, classe social ou
inclinação política. Em uma situação em que um político branco é acusado de
estuprar uma mulher negra e pobre, poderemos encontrar vários pontos de vista,
dependendo da construção de vida desse indivíduo. As mulheres conservadoras
que se opõem ao feminismo, com uma inclinação machista, podem culpar a
mulher, já as feministas e progressistas na questão das raças podem opor-se ao
homem; e, dependendo do partido e das ideias que este carrega, teremos mais
divisões, a depender de qual fragmento dessa identidade se manifesta mais forte
56
diante dessa situação, se a questão da raça, da visão machista ou progressista,
de classe social ou de humanidade.
Qualquer um, assim como nós, é capaz de perceber o trabalho de auto
marketing social, temos o facebook como bom exemplo, e nessa superexposição
de qualidades dentro das convenções sociais de acordo com seus segmentos e
necessidades, acontecem trocas de conceitos, de trejeitos, de gestualidade, de
opiniões e conceitos, em que cada um vai agregando novas formas de ser no
seu sistema interno, algumas vezes excluindo umas, outras mantendo conflito
entre elas. O trabalho no escritório pede uma postura, a ida ao mercado outra,
os happy hours outra e as redes sociais outra. Alguns podem manter a mesma
calma e tranquilidade em todos os segmentos, já outros mantêm a conduta
exigida em ambiente de trabalho (sério, tranquilo, imparcial), por exemplo, mas
fora desse ambiente mostram um desprendimento maior para se posicionar a
favor ou contra certos padrões intolerantes e preconceituosos. Enfim, somos
atores no palco da vida trabalhando com vários personagens diariamente e
buscando selecionar ao longo do tempo uma unicidade entre eles, tarefa muito
difícil sem um trabalho que aconteça de dentro para fora do sistema do indivíduo.
Vamos pensar essas referências em termos de cultura ou culturas, outro
termo, diga-se de passagem, bastante abrangente. Cultura, na sua origem, vem
do verbo colére, tendo como significado o cultivo, o cuidado que estava
relacionado à terra de onde brota a vida. Vendo a cultura como cultivo concebia-
se como a ação “que conduz às plenas potencialidades de alguma coisa ou de
alguém; era fazer brotar, frutificar, florescer e cobrir de benefícios” [CHAUI, p.
55, 2007]. Mas ao longo da história do ocidente foi-se perdendo esse sentido até
que no século XVIII, com a Filosofia da Ilustração a palavra cultura torna-se
sinônimo de civilização que deriva da idéia de vida civil, vida política e regime
político. Então, no Iluminismo, o grau de civilidade de uma sociedade passa a
ser medido pela cultura como um critério de avaliação.
Assim a cultura passa a ser encarada como um conjunto de práticas (artes, ciências, técnicas, filosofia, os ofícios) que permitem avaliar e hierarquizar o valor dos regimes políticos, segundo um critério de evolução. No conceito de cultura introduz-se a idéia de tempo, mas de um tempo muito preciso, isto é, contínuo, linear e evolutivo, de tal modo que, pouco a pouco, cultura torna-se sinônimo de progresso. Avalia-se o progresso de uma civilização pela sua cultura e avalia-se a cultura pelo progresso que traz a uma civilização. O conceito
57
iluminista de cultura, profundamente político e ideológico, reaparece no século XIX, quando se constitui um ramo das ciências humanas, a antropologia. [...] As sociedades passam a ser avaliadas segundo a presença ou ausência de alguns elementos que são próprios do ocidente capitalista e a ausência desses elementos foi considerada sinal de falta de cultura ou de uma cultura pouco evoluída. [CHAUI, 2007, p. 55].
Esse padrão naquele período foi a Europa Capitalista. Então observe
nova reflexão, sobre cultura como sinônimo de progresso de uma civilização.
Pensemos aqui sobre a palavra progresso. Tratamos adiante de um progresso
que começa internamente na individualidade de cada um com Osho (2002). Mas
Chauí (2007) dentro dos conceitos de cultura trata do progresso associado a
sociedade; e trazemos aqui uma pergunta que já nos fizemos antes, para
acompanhar a continuidade desse capítulo: Onde começamos a transformação
de “progresso”? No todo ou no individual?
O que estamos observando aqui é se é realmente possível um
progresso, uma melhora coletiva, sem antes interferir no individual, já que o
coletivo é composto de várias singularidades em cada indivíduo. Percebemos
esse conceito coletivo de progresso como condicionamentos sociais, ou seja,
modelos prontos estabelecidos como referência de pensamento e conduta. É a
mente coletiva, que está bem longe da consciência “essencial". Estamos
pensando aqui de forma mais abrangente, pensando na formação da identidade
de nação, no geral e não só Europa capitalista.
Voltando à nossa referência da Europa capitalista para compreensão
desses valores coletivos, foi introduzido um conceito de valor com base nos
elementos Europeus: Estado, mercado e escrita, de forma que tudo que fugisse
a essa regra seria considerado primitivo se colocando em posição etnocêntrica
diante de toda civilização. Estamos discorrendo este período para que pensemos
como se desenvolvem os valores que partem do coletivo para o individual.
Na segunda metade do século XX começou a substituir-se ideologia
etnocêntrica e imperialista de cultura pela antropologia social e pela antropologia
política, em que a expressão cultural de uma sociedade tem sua individualidade
e estrutura próprias dentro de seu desenvolvimento histórico e material.
A cultura passa a ser compreendida como o campo no qual os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, o sentido
58
da linha do tempo (passado, presente, futuro), as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores como verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, instauram a idéia de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, determinam o sentido da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o profano. [CHAUI, 2007, p. 57]
Essa abrangência de cultura encontra como problemática nas
sociedades modernas o fato de serem sociedades e não comunidades, o que
nos leva à diferenciação dos dois termos. Uma comunidade é a idéia de bem
comum, sem mediações institucionais, na relação direta entre os indivíduos;
possui o sentimento de um destino comum, segundo Chauí. O mundo moderno
e seu modo de produção capitalista dá origem à sociedade com indivíduos
separados uns dos outros, por seus interesses e desejos, em “isolamento,
fragmentação ou atomização de seus membros, forçando o pensamento
moderno a indagar como os indivíduos isolados podem se relacionar, tornar-se
sócios. ” (Chauí, 2007, p. 57)
Ora, a comunidade percebida pelo princípio da indivisão, segundo Chauí
(2007) é oprimida pela divisão interna nas sociedades, em classes, gêneros e
interesses diferenciados. A marca da sociedade é a existência da divisão social
por classes, que por sua vez instituiu a divisão cultural, formando grupos isolados
uns dos outros e competitivos.
Então, a partir da compreensão da origem dos condicionamentos sociais
pela “necessidade” de progresso, consideramos que a compreensão individual
de si, pode trazer grandes transformações coletivas. Essas divisões sociais em
meio ao ilimitado fluxo de informação da era tecnológica coloca o sujeito em meio
a um turbilhão de ideais, conceitos, pensamentos, práticas e visões de vida
diferenciados e divididos, sufocando as percepções internas e externas desse
sujeito e fragmentando sua identidade [Hall, 1997] e confundindo sua ânsia
original de construção e progresso interno da aceitação de si, com aceitação do
outro.
Hall [1997] diz que uma cultura nacional constrói sentidos que
influenciam e organizam nossas ações e o modo como nos percebemos,
construindo assim, um senso comum de pertencimento. O autor observa ainda,
que essa construção se baseia em uma narrativa de nação, que é contada e
59
recontada, enfatizando as origens em continuidade através da tradição e
atemporalidade, tradição esta, que também pode ser “inventada” para inserir
“valores e normas através da repetição, a qual, automaticamente, implica
continuidade com o passado histórico”. [Hall, 1997, p.54]
O que observamos adiante é que para que aconteça algum progresso
interno, que é nosso foco de pesquisa, deve haver contínua mudança, e que
processos repetidos levam sempre ao mesmo fim. Não há como mudar o objeto
de destino sem mudar o caminho. Enquanto criança absorvemos o que
vivenciamos com forte tendência a reproduzir o que foi absorvido, depois em
contato com o meio social, recebemos mais informações que são selecionadas
conforme relação que estabelecem com as informações da primeira infância,
gerando assim processos repetitivos, seja no entorno próximo ao indivíduo ou se
estendendo ao indivíduo como fragmento da sociedade.
Conhecer a origem das informações que carregamos, acreditamos ser
fundamental, para sair dos padrões repetitivos que vivemos em nosso dia-a-dia,
em especial no que se refere a condutas intolerantes e pré-julgadoras, bem
como, problemas psíquicos traumáticos que tendem a gerar ações danosas tanto
ao próprio indivíduo quanto ao meio em que ele vive. Por exemplo, não podemos
resolver os pré-conceitos de todos as pessoas que carregam valores que as
levaram ter visões preconceituosas e compreendendo que esse pré-conceito
teve origem em valores já arcaicos que protegiam os interesses de um grupo de
determinado período histórico, a única maneira de modificar o padrão coletivo é
em nós mesmos, no individual, que se estenderá a nossos descendentes que
terão em nós nova referência, mais adequada ao convívio coletivo. Para cada
ser que se construir dessa maneira, se estenderá inevitavelmente, a um núcleo
ao seu redor (família), que tendo seguido esse caminho de autoconhecimento,
terá seus valores sobre a base sólida do conhecimento e não o processo
repetitivo sem consciência. Esse processo de autoconhecimento tem um
caminho vasto, que faremos experimentalmente aqui, passando por diversos
fragmentos de nós, sendo a primeira infância e os padrões sociais pré-
estabelecido o pequeno começo. Podemos dizer então, que o Sujeito
contemporâneo se dissolve na própria história, se tornando um sujeito
60
“pixelizado”, se compondo de várias ilusórias partículas identitárias que o
representam com ser uno que, por sua vez, é um pixel no contexto geral social.
Vimos aqui porque a transformação coletiva pode ter um caminho mais
assertivo a começar na individualidade, bem como os fragmentos que compõem
parte dela.
1.5 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia
Nörth et All (2005) aponta, dentre tantas formas de observação das
imagens e representações visuais, o mundo das imagens divididos em dois
domínios: o primeiro, das representações visuais como imagens
cinematográficas, desenhos, pinturas, gravuras, fotografia, entre outros e, o
segundo, é o domínio imaterial, ou seja, das representações em nossa mente,
que aparecem como fantasias, imaginações, esquemas, sonhos. Esses dois
estão, apesar disso, inextrincavelmente ligados.
Os conceitos de signo e representação fazem união entre os dois
domínios. Então o lado perceptível material e o lado mental desenvolvem o que
chamamos signo e representação. Cabe ressaltar que na semiótica geral as
definições são muito variadas e frequentemente imprecisas, mas aproveitáveis
na construção de uma linha observatória desse processo. Vamos dissertar nesse
momento do texto primeiramente com base em duas ciências: a Semiótica e a
Ciência Cognitiva. Da semiótica citamos aqui uma das correntes oriundas de
Charles Sanders Peirce desenvolvida por pesquisadores como Lucia Santaella
e Winfried North. Tratamos de conceitos centrais como “signo, veículo do signo,
imagem (“representação imagética”) ” bem como, significação e referência e da
ciência cognitiva discussões sobre imagens como ideias, ideias como imagens,
a imagem na mente. E no campo da psicologia, trazemos esclarecimentos sobre
o Princípio de Prazer (Freud, 1920), um recurso de autoproteção da psique, que
seleciona informações recebidas pelo indivíduo como agradáveis (prazer) ou não
(desprazer) em um sistema que é constantemente reestruturado pelas
experiências vividas e determina ou influencia escolhas e condutas por parte do
sujeito. Com North et All (2005) observamos as possíveis maneiras de observar
uma imagem (lembrando tudo visto pela retina como imagem), e os caminhos de
61
construção e reconstrução de seus significados através dos observadores e com
Freud, entenderemos como os recursos da psique em diálogo com experiências
vividas pode interpretar e selecionar uma informação que a imagem carrega,
bem como, que tipo de sentimento pode ser amplificado no observador
influenciando sua conduta ou fortalecendo traços dela.
Pierce apud Nörth et All (2005), observa signo, ou representamem, como
aquilo que representa algo para alguém, criando na mente desta pessoa um
signo equivalente ou até um signo mais desenvolvido, se o signo recebido se
relacionar com mais de um signo no banco de dados (memória) do receptor.
Esse signo criado é denominado interpretante do primeiro signo. O signo, então,
representa um objeto, não em todos os seus aspectos mas com relação a algum
tipo de idéia, que Peirce denominou fundamento do representamem. Temos na
figura abaixo, o representamem como uma ideia inicial que é representada pelo
objeto, e os interpretantes como o sujeito que tem a compreensão da ideia inicial
relativa ao conhecimento e experiência particular que carrega em si, podendo
compreender parcialmente a ideia inicial até ir além dela, através de novas
relações de conhecimento.
Figura 4: signo e representamem.
Figura 2 - Signo Fonte: BARROS, Jorge Luiz. Panorama sobre a filosofia de Charles Sanders
Pierce. Mestrando em Filosofia, área de concentração Ciências Cognitivas e Filosofia da Mente - UNESP/Marília.1998.
E “representar como ‘estar para, querer dizer, algo está numa relação tal
com o outro que, para certos propósitos, ele é tratado por uma mente como se
fosse aquele outro”. [PEIRCE apud Nörth et All. 2005. p.17]. Outros autores
como “Speber (1985:77) ”, observam representação como um sinônimo de signo
dividindo-o em representação mental (representações internas ao dispositivo) e
62
representações públicas (representações externas ao dispositivo). E ainda,
representação como relação sígnica (significado), como já na escolástica
medieval era abordado, como processo de apresentação de algo por meio de
signos. As relações humanas mantêm a mente nesse processo semiótico
contínuo e conflituoso. Penso que tanto os pré-conceitos e rótulos acerca das
coisas têm por base esse mesmo processo; não sendo, portanto, o processo em
um problema ou uma solução, mas a forma como ele acontece em cada
situação; como o interpretante é atualizado em cada mente. As emoções, se
danosas, quando agregadas ao processo, deturpam as possibilidades de
compreensão do objeto semiótico, limitando a observação e as interpretações
do objeto, nas quais encontraríamos a compreensão e o discernimento, para nos
desviar, por exemplo, dos padronizados processos repetitivos de defesa da
psique. As emoções relacionadas às experiências, conceitos e imagens,
trabalham num sistema complexo de processos internos, como descreve
Pimenta et All (2012), na imagem abaixo:
Cabe dizer, por fim, que, a partir de uma perspectiva sócio-semiótica, concebemos as emoções como fenômenos complexos que se constituem em várias dimensões, pois, além de possuírem um substrato biológico, são construídas através de processos psicológicos e estão inseridas em contextos históricos, culturais e sociais interativos e dinâmicos. Elas fazem parte de conteúdos internos, subjetivos dos seres humanos e se ligam, de forma dialógica, ao espaço social e objetivo, mantendo, com ele, integração e articulação
constantes. [Pimenta et All, 2012, s/nº p.]
Figura 5 – Emoção. Esquema signos derivados da emoção que se relacionam diretamente com signos imagéticos que por sua vez, derivam de signos- objeto-matéria
63
Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502012000300009&script=sci_arttext
Isso pode ser pensado também quando a imagem (arte) se relaciona
com o público. Uma imagem pesada, opressiva e caótica com certeza agregará
mais energia negativa às informações (experiências, condicionamentos,
emoções, etc.) que o interprete que se relaciona com ela carrega em si. Posso
dizer, então, que imagens dessa natureza utilizadas na busca de denunciar fatos
antiéticos ou despertar o observador para uma consciência individual ou social
mais participativa e positiva, podem não alcançar tal propósito já que, o contato
contínuo do interprete com o objeto semiótico em questão é, correspondente às
informações negativas que o intérprete carrega, podendo portanto, também
ampliar uma visão ainda mais negativa dos fatos apresentados (pela narrativa
da imagem – mais abstrata ou não) e neste caso, com menor possibilidade de
influenciar mudanças que se oponham ao que foi apresentado, já que a resposta
64
do observador depende também das informações que o mesmo carrega em seu
histórico de vida. Acrescentamos que não desconsideramos a importância de
denunciar a natureza negativa da realidade, porém, diante dos esclarecimentos
anteriores, consideramos que, se queremos fortalece no outro (sujeito-interprete-
interpretante), sua visão mais positiva e construtiva dos acontecimentos e
informações que o objeto representa, temos de considerar que uma construção
de imagem (objeto) que dialogue com o que buscamos solucionar, pode ser
eficiente mais eficiente, dependendo do interpretante, do que uma imagem que
reproduza a negativa com a qual discordamos. O problema é uma busca de
solução, então consideramos que a solução deve se apresentar com mais força
que o problema, para que o mesmo, possa ser resolvido. Pois para cada
informação sígnica que recebemos, já temos extenso banco de dados de
semelhança ao qual ela pode ser relacionada e, como as emoções (tanto de
caráter positivo quanto negativo) também fazem parte desse processo semiótico
mental, seria importante refletir na construção da imagem: que informações
emocionais estamos acessando no interprete e qual a consequência delas?
Estamos influenciando pessimismo ou soluções? E como para uma informação
podemos ter uma avalanche de sentimentos diferenciados, então para várias
informações isso provavelmente poderá ser multiplicado. Então para um
caminho eficiente no autoconhecimento e na melhor relação com o outro
devemos selecionar nossas informações de acordo com o que buscamos. Se
queremos paz e equilíbrio, justiça e ética, como nos concentraremos na prática
diária de nosso propósito com os olhos pregados em informações de
assassinato, programas de baixo calão, e pinturas de telas com figuras mórbidas
e demoníacas? E o outro em contato com elas?
O leitor pode estar se perguntando: Devemos então, afastar-nos de
certos aspectos da realidade, selecionando uma realidade individual? Nós
podemos considerar que sim e que não. Sim, no sentido de que as emoções
humanas, podem ser impulsoras da vontade, que por sua vez, leva a ação,
sendo assim, manter a constância de nossa atenção em informações que
movimentem nossa vontade positiva de maneira otimista, pode ser uma escolha
crucial e determinante na perseverança de buscar soluções e talvez conseguir
solucionar um problema coletivo. Pois, somente, nossa força individual, ou seja,
65
acreditar e visualizar a mudança, pode ser capaz de se estender ao coletivo. Por
outro lado, não podemos ignorar os aspectos negativos da realidade, entretanto,
consideramos que já observada e compreendida tal realidade, seria um
desperdício de nossas energias enfatizá-la ainda mais. Quem tem um problema,
almeja solução, então, uma simples narrativa do mesmo não é capaz de fazê-lo.
Podemos considerar aqui que há uma desproporção enorme entre as narrativas
dos problemas e soluções apresentadas, estando esta última, menos favorecida
quantitativamente e, se nos construímos pelo exemplo desde a terna infância até
o fim da vida, como verão adiante com Travis, é na observância do bom exemplo
e das idéias e conduta positivas, que poderemos mudar nossos padrões de
realidade, que começam do subjetivo para o material, mudando antes nossos
padrões mentais. Poderíamos dizer que não sentimos o que vemos mas, como
vemos, sendo assim, a realidade que vivenciamos é a realidade que
observamos, criando padrões mentais que interferem nas escolhas de ação.
Se não escolho amar – se escolho reter o meu amor – naquele momento é criado um vácuo psíquico. E o medo se apressa em preencher o espaço. Isso se aplica aos meus pensamentos sobre os outros e sobre mim. Tendo focado nos aspectos da sombra de outra pessoa, não posso deixar de entrar nos meus: o aspecto da raiva, do controle, da carência, da desonestidade, da manipulação, e por aí em diante. Uma vez que entro na escuridão de culpar e julgar, fico cega para enxergar minha luz, e não consigo achar meu self melhor. [...] O mundo está dominado pelo pensamento baseado no medo [...], o medo fala primeiro e mais alto. Não há escuridão para analisar aqui, é a luz que temos que ascender! De forma a evitar as garras da sombra precisamos constantemente ir em busca da luz. [...] Nosso estilo de vida é em geral uma presa aos pensamentos sombrios, por nenhuma razão além de ser excessivamente ruidoso. Televisão demais, computador demais, excesso de estímulo exterior diminuem a luz que só é encontrada no pensamento reflexivo e contemplativo. [...] O problema então não era a presença da negatividade, mas a ausência da positividade! Assim que preenchi minha mente com gratidão, o traço sombrio de autoaversão já não tinha como existir. Na presença do amor o medo some. [...]A consciência é uma energia dinâmica, criativa. Ela não é inerte estagnada. Está sempre se expandindo; qualquer que seja a direção, está se movendo. O amor sempre constrói sobre o amor e o medo sempre constrói sobre o medo. A sombra é um impulso inexorável na direção do sofrimento e da dor. [...] A única forma de superar a sombra é nos tornarmos nosso verdadeiro self. [ Chopra et All, 2005, p.201 – 217].
E, acrescentando a Chopra et All (2005), a vontade de mudança positiva
não existe onde há medo.
Aprofundamo-nos nessa reflexão adiante compreendendo recursos de
proteção da psique que influenciam escolhas e conduta (Freud 1920) e, no
66
capítulo 2, damos continuidade, com compreensão dos estados da mente e
possíveis caminhos para a melhora da postura mental com Chopra et all (2010),
Osho (2002), Travis (2006), Travis (2014) e Tunner et All (2009).
Freud (1920) comenta, que há um período pré consciente, anterior a
consciência, algo como um período pré-reflexivo e somente depois o reflexivo.
O pré-reflexivo está entre o consciente e subconsciente e, por esse motivo,
busca referência na experiência do outro, mantendo o subconsciente protegido,
enquanto que a reflexão, que vem da compreensão no próprio “Eu”, é a relação
consigo mesmo.
Acreditamos que mostrar informação de agressões cotidianas,
continuamente, seja através de mídia, arte ou outro veículo de linguagem, sem
contraponto de exemplo imagético positivo de como deveria ou poderia ser o
mundo ou o indivíduo, é estar no estágio pré-reflexivo e sem percebê-lo, se
mantendo no medo de resolver as próprias deficiências. Pois, antes de muda-las
é necessário admiti-las, e estando nesse estágio pré-reflexivo, a mente mascara
os próprios desequilíbrios emocionais do sujeito, na tentativa de resolver o que
está no outro. É o eu do sujeito se projetando como eu externo (no outro), para
evitar a dor. Desta maneira, assumir a responsabilidade pela própria mudança é
constantemente adiada, pois a culpa está sendo projetada no outro. Não que
este outro, não possa ter cumprido algum papel de interferência danosa na vida
do sujeito que projeta, entretanto, pode haver de ser fato passado, mas a mente
não trabalha com linearidade de tempo (aprofundamento em Travis mais
adiante), então entende o fato como genérico e não um fato isolado se mantendo
em estado de constante proteção para tal fato danoso ou outros semelhantes.
Projetar-se na consciência do outro, deriva de um sistema de sentido do
inconsciente que seria o signo da consciência pelo qual o outro é percebido num
processo de projeção do eu no outro. Entenderemos esse processo melhor
adiante pelo mecanismo de seleção de prazer e desprazer.
Abaixo, exemplo em esquema sobre reflexão e pré reflexão do ponto de
vista semiótico, neste caso, com relação a meninos que sofreram abuso sexual,
considerando o fato como um exemplo de dano à psique:
O modelo apresenta três diferentes níveis referentes aos procedimentos reflexivos, conforme descreveu Lanigan (1988, pp. 173-174). Na descrição, o foco é a experiência, que consiste na dialética entre eu (self) e outros (others), onde a reflexão como função
67
significante é reflexivamente a pré-reflexão como função significada. No segundo nível (redução), a experiência é uma consciência do (significante) eu (significado) como uma reflexão; enquanto que no plano da pré-reflexão, experiência é a consciência de (significante) um outro (significado) como requerido pela percepção do outro. Ao nível da interpretação focaliza-se a consciência ao situar o fenômeno no campo pré-consciente que é o signo (significante/significado) do eu na consciência como parte do pano de reflexão; reflexivamente, no plano da pré-reflexão, focaliza-se o inconsciente como o signo (significante/significado) da consciência (significante) pelo qual um outro (significado) é percebido. [Kristensen et All, 2001].
Figura 6 - Modelo semiótico de relação humana.
Fonte: http://www.ufrgs.br/museupsi/lafec/a2001a.htm
Adaptando o primeiro modelo aos:
[...] diferentes contextos (as partes) da experiência de abuso sexual (o todo), obtiveram-se seis variações de acordo com a relação de significação apresentada na descrição. No sistema de signos do contexto do abuso, é possível conceituar os prejuízos vivenciais como significantes, enquanto os significados seriam os prejuízos relacionais. [Kirstensen et All, 2001].
Como figura abaixo: Figura 7 – Modelo semiótico de relação humana 2.
68
Nesse ponto analisemos a diferença entre referência, representação e
apresentação.
Enquanto referir-se é um ato de remetimento ao mundo, representar significa “apresentar algo por meio de algo materialmente distinto (...) nas quais certas características ou estruturas daquilo representado devem ser expressas, acentuadas e tornadas compreensíveis pelo tipo de apresentação, enquanto outras devem ser conscientemente suprimidas (...) ‘apresentação’ é utilizada tendencialmente para a presença de conteúdo na mente, enquanto ‘representação’ é reservada para casos de consciência de um conteúdo, nos quais um momento de redação, reprodução e duplicação está em jogo. [Nörth et All, 2005, p. 20]
Marx Bense apud Nörth et All (2005, p.20), conclui que um objeto
apresentado (diretamente, se mostrando a si mesmo) funciona ontologicamente3
e objetos representados (mediados) funcionam semióticamente.
Até a Renascença era atribuída aos signos uma relação de semelhança
com seu objeto de referência e, já no limiar da era clássica, o signo já não
representa uma coisa, mas a ideia de uma coisa. Sendo assim, já duas idéias:
uma do objeto que representa, outra, do objeto representado. Aqui temos uma
ideia de autoreflexividade dos signos. A partir desse período os signos não são
3 Ontologia implica no estudo do comportamento do ser humano por si mesmo, o
conhecimento do seu íntimo e da razão de sua existência.
69
mais representações materiais mas sim subjetivas e únicas de conceitos (North
et All, 2005, p.23).
A partir do século XIX a premissa clássica de que algo é verdadeiro por
não poder ser visto de outra forma, além dos moldes clássicos, deixa de vigorar
quando sofre intervenção do tempo na síntese da representação.
A ordem das coisas não é mais fundamentada na razão e suas representações, mas nas regularidades históricas, que são inerentes aos sistemas das coisas. (...) a representação deixou de ter valor para (...) “as palavras como seu lugar de origem e localização primitiva de sua verdade. (...) A representação que se faz das coisas (...) é a aparência de uma ordem que agora pertence às coisas mesmas e sua lei interior” (Nörth et All, 2005, p. 24).
E o signo passa a carregar consigo vários vestígios de outros signos. Na
imagem abaixo o sujeito observa o objeto sígnico e cria possíveis significados a
partir da relação que objeto sígnico estabelece com as informações (emocionais,
imagéticas, conceituais entre outras) que fazem parte da construção interna do
sujeito.
Figura 8 - Semiose as possíveis interpretações originárias de outros signos
Fonte: http://theorykal.blogspot.com.br/2011_03_06_archive.html
Pensemos essa visão semiótica dentro das considerações de Hall (1997) da
construção de identidades ao longo do tempo e sua fragmentação nos tempos
de hoje, em conflitos internos na simbiose de novas informações. Poderíamos
ver o indivíduo como um grande signo compartimentado em infindáveis signos
menores, sempre se reordenando com informações acrescidas que assim como
70
os signos passados, ao longo dos períodos, também está sob a pressão dos
mesmos no julgamento de si pelos olhos dos outros, tirando o foco de seu centro.
É fato que a troca de experiência e a convivência entre os indivíduos é de suma
importância para a maturidade dos mesmos, mas o que observamos aqui são os
detalhes fragmentados nesse processo que possam causar danos na percepção
e conduta do sujeito, tanto para si quanto para o outro, o que acontece quando
não há compreensão e aprendizado dos fatos vividos. Pensar em representação
mental não é só uma exclusividade da semiótica, mas de outras áreas do
conhecimento como a Ciência Cognitiva e a Psicologia e através delas
entenderemos a natureza dos signos e processos apontados pela semiótica.
A partir daqui as perguntas pertinentes, segundo Nörth et All (2005) são:
como será o armazenamento de conhecimento e informação? É armazenada por
meio de símbolos? Por meio de novas imagens? E as representações mentais
do conhecimento linguístico? Imagens abstratas são codificadas
simbolicamente? Será que há momentos para representações diferentes?
Vejamos!
Nörth et All (2005) apresentam de início quatro modelos sobre a forma
de nossa representação mental.
O Primeiro é o modelo das ideias como uma matéria mental estruturada,
que considera que não somente coisas físicas validam-se como matéria
estruturada mas também as idéias. Ou seja, a representação mental formada a
partir da idéia na mente também compõem-se em matéria e forma. No segundo
modelo imagético, trata de criação de imagens a partir do conhecimento, hoje
denominado representação analógica. No terceiro, por meio de símbolos, trata
da linguagem e, em especial, dos conceitos abstratos que se apresentam
representados como símbolos. E, no quarto modelo, representações mentais
constituídas somente a partir de processos neurofisiológicos, defendida pelo
coneccionismo (aspecto cognitivo assemiótico) onde o “conhecimento é
representado mentalmente [...] na forma de processos de ativação ou inibição
fisiológica de ligações sinápticas em redes neurais”. (Nörth et All, 2005, p.27). O
coneccionismo contrapõe-se ao cognitivismo (aspecto cognitivo semiótico) onde
os processos de transmissão de impulsos eletroquímicos entre neurônios podem
ser interpretados, ao nível biossemiótico, como (neuro) semióticos.
71
Discussões no campo da Ciência Cognitiva, segundo Nörth et All (2005),
trazem questões quanto às imagens, como ideias e ideias como imagens, onde
as ideias poderiam se constituir primeiramente de palavras em contraponto à
observação de que o pensamento só é possível através de imagens. Idéias como
cópias da realidade onde, segundo os epicuristas, “os objetos da realidade
irradiam, na forma de átomos invisíveis, cópias materiais que alcançam o cérebro
humano eidola ou simulacra. Assim, a imagem mental é um ícone da realidade”.
(Nörth et All, 2005, p.28). Os autores também trazem à reflexão sobre o assunto
a Teoria Representativa da Percepção de Descartes, “de acordo com a qual o
percebido provoca representações internas que tem uma relação de semelhança
com os objetos percebidos sem, no entanto, possuir necessariamente o caráter
de imagens reais” [Nörth et All, 2005, p.29]
E, acrescentam, ainda, a observação de pensamentos como cópias da
realidade conforme a epistemologia marxista-leninista onde:
Cada ato de cognição tem uma imagem mental como resultado. Cada cópia mental é um tipo de cópia da realidade. Tais cópias vigoram como resultados ideais de um processo de espelhamento no qual o homem adquire mentalmente uma “realidade objetiva”. Nesse caso, a cópia é distinta do objeto que ela copia devido a processos neurofisiológicos de transformação no cérebro. Contudo, a cópia e o objeto são dependentes um do outro e congruentes um com o outro. [Klaus & Segeth 1962; Klaus 1963; Resnikou 1997 apud Nörth et All, 2005, p.29].
Nörth et All (2005) observam que as discussões se dividem em
controvérsias entre defensores de dois modelos cognitivos: os “modelos
simbólicos proposicionais” da representação mental do conhecimento de mundo
visual e não visual consideram que “ as proposições representam idéias, e que
a linguagem (ou imagery) expressa proposições, e consequentemente idéias. O
pensamento ocorre no nível proposicional”, que é o enunciado de uma verdade
que se quer demonstrar ou de um problema que se pretende resolver, ou seja,
“imagens não são armazenadas de forma visual icônica, mas finalmente, na
forma de símbolos digitais elementares, dos quais se originam redes de sistemas
simbólicos através de regras de combinações” (Nörth et All, 2005, p.31); e o
“modelo analógico” do pensamento em forma de imagem, representam mais
72
diretamente objeto de referência, organizadas por regras específicas à
modalidade através da qual a informação/imagem foi originalmente encontrada.
Os autores, concluem que:
Após controvérsias iniciais entre os defensores dos dois modelos, a opinião de que a representação imagética não se baseia realmente em cópias armazenadas, mas que mesmo assim, tem que ser icônica de uma outra maneira [...]. Pesquisas neurofisiológicas também mostraram que imagens mentais ativam, no cérebro, os mesmos padrões de excitação neuronal (do córtex visual) que a visão real e essas regiões do cérebro ativadas no processo visual são outras do que aquelas ativadas por conceitos abstratos. Por outro lado, operações simbólicas também devem ter, ao mesmo tempo, um papel na evocação de imagens mentais, pois a ativação de regiões do cérebro que, em outros casos, ocorre no processamento linguístico, também pode ser observada. (Nörth et All, 2005, p.32).
Os autores observam um caminho mediador entre as duas posições da
psicologia cognitiva com as teorias de Paivio e Kosslyn:
A Teoria de Paivio (1986) da codificação dual é uma teoria mediadora das duas posições da psicologia cognitiva. De acordo com ela, é verdade que existem dois sistemas mentais separados, dos quais a informação verbal e visual é processada dominantemente. No entanto, no processamento cognitivo de imagens, não somente o sistema visual, mas também o sistema verbal está envolvido. “Cópias” verbais da imagem se originam paralelamente à codificação imagética, que é, assim, codificada duplamente (ver Yiulle, org. 1983). Uma outra posição mediadora entre as teorias da representação mental da imagem e do signo verbal é defendida por Kosslyn (1980; 1981). Ele diferencia entre uma representação de imagens de superfície e uma profunda. A primeira se refere à memória de curto prazo, a última à memória de longo prazo. A representação imagética na memória de curto prazo é, para Kosslyn (1981: 213, 217), “quase pictural” e acontece num “meio espacial”, enquanto a representação de longo prazo de imagens é literal e proposicional. Neste caso, no entanto, a representação profunda estruturada simbolicamente pode, a qualquer momento, gerar uma representação superficial estruturada pictoricamente. [Nörth et All, 2005, p. 32].
Pensando agora em todas essas possibilidades, vamos primeiramente
considerar que a ciência ainda conhece muito pouco sobre os mecanismos e
processos mentais e que nesse vasto campo a ser descoberto ainda para
descobertas, todas podem acontecer simultaneamente ou alternadamente,
dependendo do que se observa e de como se observa. Vamos lembrar também
que a generalização de estudos em questões científicas se propõe a fixar uma
base de referência de acordo com uma maioria de casos semelhantes, mas não
todos os casos existentes no mundo; e que particularidades emocionais e outras
de cada indivíduo interferem de maneiras diferenciadas nesses processos
mentais, emocionais e fisiológicos que constroem cada fragmento que compõe
73
o indivíduo. Aqui o foco são essas particularidades. E que a busca de solucionar
e compreender questões diversas está diretamente ligada à necessidade
humana de buscar segurança e fugir do medo. Pensem aqui então, todas as
questões colocadas com a mente aberta, sem julgamentos de certo e errado
mas, simplesmente de possibilidades que devem ser observadas
particularmente em cada indivíduo e pelo próprio indivíduo para sua construção.
Quando uma obra (pense imagem conforme apontado no início do
capítulo) é criada pelo artista, ela pode ter sido influenciada por outras imagens,
por pesquisa, em um processo de observação direta de outro material (imagens),
ou ter sua criação livre dessas influências, ao menos diretamente (diante do
papel em branco sem tema pré-definido e imagem de referência. No primeiro
caso, a escolha da imagem ou das partes das imagens-referência obedece a
ordenação do sistema interno do produtor, em diálogo com sua percepção de
mundo. No segundo caso, o mesmo também acontece, porém, há maior
liberdade à expressão do subconsciente além do consciente, já que a criação
por ser livre permite o uso de maiores recursos e produtos (subjetivos)
armazenados.
No caso do observador, receptor, interlocutor da obra, a assimilação da
obra e sua proposta é relativa às informações de semelhança que o interpretante
carrega em si, e a quantidade e a qualidade dessas informações possibilitam
também inter-relações que podem ir muito além da proposta inicial da obra.
A emoção tem papel importante nesse processo e costuma estar
associada a imagens, fatos e linguagens variadas, direta ou indiretamente, tendo
seu peso na movimentação das informações entre o consciente e o inconsciente.
Entender a organização das imagens só pela própria imagem nesse sistema de
reflexão espelhada não basta, pois não esclarece sobre o possível responsável
pela seleção delas.
Vimos como as informações possivelmente se manifestam na mente ou
na execução física (obra ou ação), de uma ideia, que surgiu a partir de outra
ideia, entre outras possibilidades. Mas porque escolhemos uma informação em
detrimento da outra? Como a mente seleciona o que vai ser signo do signo e o
que não vai? Além dos fatores sociológicos, citados no capítulo anterior, onde
hà busca de poder, segurança, status, a aceitação por meio de
74
condicionamentos sociais passados ao longo dos séculos, entender um pouco a
função do consciente e do subconsciente é fundamental para começar a trilhar
esse caminho de escolhas acertadas e achar o “eu” interno em nossa essência
mais pura. Já ouvi muitas vezes a expressão: “ Se nascêssemos com um manual
de instruções...’, mas eu acredito que, de certa forma, nascemos. Porém, ele é
único e intransferível e se encontra dentro de cada um, por isso modelos
genéricos das coisas do mundo jamais satisfarão qualquer dúvida interna, uma
vez que funcionam como um mapa do tesouro, podem apontar caminhos; mas,
dentro de cada um, esses caminhos são diferentes e cada um tem de que achar
o seu. Para tanto, vamos percebendo ao longo da pesquisa, a necessidade de
conhecer seu processamento interno.
Essa forma de como usar as referências informacionais para encontrar
o “caminho de si” sabendo que é único e intransferível, é a base da obra de
instalação proposta nesse projeto de pesquisa. E meu interesse em desenvolver
uma pesquisa teórica tão focada no assunto e não circundando apenas o
desenvolvimento técnico de obra, é porque ao longo desse processo percebi
que, apesar do papel didático da arte, como Fisher acrescenta no começo do
texto, essa didática só será possível pela qualidade do autoconhecimento que o
sujeito possua de si, em sua capacidade de percepção, qualitativamente. Então,
concordo que seja didática. Fisher (1997) diz, que a arte é naturalmente didática
sugerindo a construção interna do observador exclusivamente positiva, sem
aprofundamento nas questões que observamos aqui, mas pode não ser
impreterivelmente didática para construções positivas.
Finalmente, em acréscimo, pode-se lembrar que a representação e a imitação artísticas efetuadas por adultos, as quais, diferentemente daquelas das crianças, se dirigem a uma audiência, não poupam aos espectadores (como na tragédia, por exemplo) as mais penosas experiências, e, no entanto, podem ser por eles sentidas como altamente prazerosas. [FREUD, p.6, 1920].
Pode ser interessante deixar a mente do observador (criador artista) fluir
sozinha, quando o criador, enquanto indivíduo também fragmentado e em
contínuo processo de construção, pode encontrar nessa prática muitas
particularidades internas a serem trabalhadas para sua melhora, não se
apresentem claramente para ele, por estarem inconscientes. Mas, seria
interessante pensar em como o que foi criado irá influenciar o observador,
75
quando a obra é exposta ao público. No caso de a obra resultar de uma
transformação interna, uma exteriorização de algo negativo para o artista,
devemos considerar que na relação com o público o significado será também
transformador? Consideramos então, aqui, a necessidade de que quando o
autor/artista cria diálogo com as pessoas, através de sua obra, deve procurar ter
ciência de seu papel influenciador através das informações contidas na obra que,
por sua vez, dialogam com as informações internas do observador. O artista não
deve esquecer que ele próprio é também, influenciado constantemente por
informações externas, tanto quanto o observador, e que essas podem ter grande
peso nas escolhas que ele faz para si. Assim para todos os intermediários de
conhecimento e informação, usando seja qual for a linguagem das artes, ou da
comunicação, observamos aqui a imensa responsabilidade envolvida e, em
consequência, a necessidade de autoconhecimento; nesse caso, principalmente
por parte de quem veicula a informação. Poderíamos então sugerir aqui, que
algumas criações são de importância maior para o executor, seja pela sua
necessidade de expressar-se para seu equilíbrio emocional diante de
determinadas situações ou para se descobrir em fragmentos inconscientes,
podendo não ser necessariamente apropriadas à construção positiva no
observador, enquanto que outras estariam mais adequadas a tal propósito,
motivando e sugerindo mudanças de conduta e pensar mais positivas que
realmente possam movimentar mudanças práticas e consistentes.
Considerei esse exercício teórico na execução de obra importante para
a própria força da obra em sua apresentação. O óbvio absoluto não existe. O
óbvio pode ser óbvio para uns e não para outros, consideramos que a
observação de algo como óbvio é relativo a conhecimento quantitativa e
qualitativamente, que possua o sujeito que faz o julgamento de algo como óbvio.
Não tratemos pois, somente de compreender uma idéia ou proposta mas
também dividir o processo de relacionar idéias, processo de pensar, de
descobrir, de mostrar como se constrói materialmente uma idéia pelas artes, e
como se absorve uma idéia da construção física artística.
Então, retomando o tema, qual o papel do consciente e subconsciente
nesse processo de construção do SER, com seus mecanismos de seleção de
informações singulares, que podemos observar aqui, tanto quanto ao criador de
76
objeto de arte, quanto ao receptor das informações artísticas e o que são o
consciente e o inconsciente? Como funcionam nesse processo de construção do
indivíduo? Freud é uma boa referência inicial para essa compreensão. Em seu
ensaio de 1920, Além do Princípio do Prazer – Livro XVIII (1920), o autor analisa
que o curso tomado pelos eventos mentais está diretamente ligado ao princípio
de prazer4, que parte do instinto, funciona como um regulador de tensão, entre
o prazer e o desprazer que participa dos mecanismos do consciente e do
subconsciente. O consciente é a luz, onde podemos visualizar com clareza os
eventos vividos; e o subconsciente é o quartinho escuro onde fica guardado o
que é nocivo à saúde emocional e à psique.
4 Nos primeiros trabalhos, Freud sugeria a divisão da vida mental em duas partes: consciente e inconsciente. Nos
trabalhos posteriores, Freud reavaliou essa distinção simples entre o consciente e o inconsciente e propôs os conceitos
de Id, Ego e Superego. Id: fonte de energia psíquica e o aspecto da personalidade relacionado aos instintos. Ego:
aspecto racional da personalidade responsável pelo controle dos instintos. Superego: o aspecto moral da personalidade,
produto da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade. O "ID", grosso modo, correspondente
à sua noção inicial de inconsciente, seria a parte mais primitiva e menos acessível da personalidade. O id contém a
nossa energia psíquica básica, ou a libido, e se expressa por meio da redução de tensão. Assim, agimos na tentativa de
reduzir essa tensão a um nível mais tolerável. Para satisfazer às necessidades e manter um nível confortável de tensão,
é necessário interagir com o mundo real. Por exemplo: as pessoas famintas devem ir em busca de comida, caso queiram
descarregar a tensão induzida pela fome. Portanto, é necessário estabelecer alguma espécie de ligação adequada entre
as demandas do id e a realidade. O ego serve como mediador, um facilitador da interação entre o id e as circunstâncias
do mundo externo. Enquanto o id anseia cegamente e ignora a realidade, o ego tem consciência da realidade, manipula-
a e, dessa forma, regula o id. O ego obedece ao princípio da realidade, refreando as demandas em busca do prazer até
encontrar o objeto apropriado para satisfazer a necessidade e reduzir a tensão. O ego não existe sem o id; ao contrário,
o ego extrai sua força do id. O ego existe para ajudar o id e está constantemente lutando para satisfazer os instintos
do id. Freud comparava a interação entre o ego e o id com o cavaleiro montando um cavalo que, fornece energia para
mover o cavaleiro pela trilha, mas a força do animal deve ser conduzida ou refreada com as rédeas, senão acaba
derrotando o ego racional. O superego representa a moralidade. Freud descreveu-o como o "defensor da luta em busca
da perfeição - o superego é, resumindo, o máximo assimilado psicologicamente pelo indivíduo do que é considerado o
lado superior da vida humana" . Observe-se então, que, o superego estará em conflito com o id. Ao contrário do ego,
que tenta adiar a satisfação do id para momentos e lugares mais adequados, o superego tenta inibir a completa
satisfação do id. O superego, desenvolve-se desde o início da vida, quando a criança assimila as regras de
comportamento ensinadas pelos pais ou responsáveis mediante o sistema de recompensas e punições. O
comportamento inadequado, sujeito à punição torna-se parte da consciência da criança, uma porção do superego. O
comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a recompensa torna-se parte do ego-
ideal, a outra porção do superego. O comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a
recompensa torna-se parte do ego- ideal, a outra porção do superego. Dessa forma, o comportamento é determinado
inicialmente pelas ações dos pais; no entanto, uma vez formado o superego, o comportamento é determinado pelo
autocontrole. Nesse ponto, a pessoa administra as próprias recompensas ou punições.
77
Figura 9: Consciente e Inconsciente
Fonte: cosmicapoeira.blogspot.com
Mas como funciona esse recurso? De acordo com as observações do
autor, o instinto nesse sentido funciona pela seleção de informações e conduta
pelo prazer e desprazer, que por sua vez se encontram vinculados à quantidade
de excitação presente na mente, uma vez que o desprazer corresponde a um
aumento na quantidade de excitação, ao passo que o prazer está ligado a uma
diminuição na quantidade de excitação. A observância em questão é o fator
determinante do sentimento relacionado ao aumento ou diminuição de excitação
em um período de tempo específico e não somente uma relação entre as
intensidades dos sentimentos de prazer. Vamos entender que essa excitação
está mais vinculada ao caminho que em excesso encontra o stress e a ansiedade
e irritabilidade ou outros sentimentos como estes.
A imagem abaixo nos introduz à reflexão da força de nossos
pensamentos (manifestação de informações que carregamos, por vezes se
apresentando inconscientemente), como fator condutor de ações e realidades
que viremos a vivenciar. No caso da figura abaixo, a observância da ansiedade
originada de medo diante de projeções futuras na mente, é como antecipação
78
de um problema que ainda não aconteceu e é visto pela mente em simbiose com
emoções de insegurança e medo, trazendo o problema inexistente para o
presente.
Figura 10: Ciclo vicioso de ansiedade.
Figura 9 - Desenvolvimento de Ansiedade Fonte: cosmicapoeira.blogspot.com
O princípio do prazer é nato do método primário de funcionamento do
aparelho mental e, de acordo com Freud (1920), ineficaz e altamente perigoso.
Quando se encontra sob a influência do instinto de autopreservação do ego é
substituído pelo princípio de realidade. Este último mantém a intenção
fundamental de obtenção de prazer, entretanto efetua o adiamento da satisfação
e uma tolerância do desprazer. É dessa maneira que costumamos adiar nossa
felicidade. A mente sempre mantendo o pensamento de que “quando tal coisa
acontecer” ou “quando tal coisa for resolvida”, então serei feliz. E assim a mente
nos mantém num futuro que nunca chega e a experiência de prazer e alegria no
presente, no agora, nunca se faz possível, pois está sempre em adiamento. O
desprazer também é liberado nos conflitos do ego, enquanto está se
79
desenvolvendo para organizações mais altamente compostas, que são as
fragmentações dissertadas anteriormente por Hall (1997). É quando os instintos
individuais ou parte deles se mostram “incompatíveis com seus objetivos e
exigências, com os remanescentes, que podem combinar-se na unidade
exclusiva do ego”. (FREUD, 1920, p. 32). Crenças e valores que entram em
choque enquanto o indivíduo está no processo de compreensão das mesmas na
tentativa de escolhas com consequências mais acertadas e previsíveis.
O autor, para melhor exemplificar a questão, nos convida a imaginar “um
organismo vivo na sua forma mais simplificada possível, como uma vesícula
indiferenciada de uma substância que é suscetível à estimulação” (FREUD,
1920, p.11), sendo esse organismo nossa psique. A superfície da mesma voltada
para o mundo externo se diferenciará de seu interior para o recebimento de
estímulos externos de energia. A continuidade de estímulos conflituosos com a
natureza da psique (qualquer informação recebida que desencadeie emoções
fortemente danosas ao indivíduo, que mantém o sujeito com a mente em
constante estado de excitação, por exemplo, stress, ansiedade, raiva, tristeza) a
torna inorgânica, formando uma membrana grossa na área externa a fim de
proteger seu interior da morte. A membrana externa salva todas as camadas
mais profundas com sua morte e a partir daí as energias externas só acessam
as camadas adjacentes com fragmentos de sua intensidade original. Esse
mecanismo não só diminui o acesso de quantidades excessivas de estimulação
como também exclui tipos inapropriados de estímulos (como exemplificado,
anteriormente). Passam a apanhar apenas amostras do mundo externo. Ocorre
que se esse processo se fizer continuo, certa hora a camada interna estará
impenetrável a qualquer tipo de estímulo externo.
Como o interior, não tendo a mesma natureza do escudo protetor da
parte externa, quando em constante contato com estímulos externos danosos,
ocorre que em grandes doses de sofrimento (estímulo) o escudo passa a ser
atravessado em alguma região e a mente reage à invasão convocando energia
catéxica de todos os lados e fornecendo catexias altíssimas nos arredores da
ruptura. A Catexia é o processo pelo qual a energia libidinal disponível na psique
é vinculada a representação mental de uma pessoa, ideia ou coisa. Por exemplo,
a raiva sentida contra uma pessoa é uma catexia ou fixação de energia na
80
representação mental dessa pessoa e não dela como objeto. Sendo assim, o
objeto de observação interno passa a ser sentido como externo no processo de
proteção contra um mal eminente. Os processos mentais inconscientes são
atemporais, ou seja, as informações nele contidas se mantem imutáveis e o
sentimento relacionado às mesmas permanece sempre como no momento em
que a informação chegou.
E, considerando que boa parte dos conceitos e condicionamentos
sociais, religiosos, familiares e outros, têm base nos sentimentos de medo,
acompanhado de falso senso de proteção, como por exemplo, evitar que algo
não previsível possa causar danos, ou mecanismos de projeção de danos
anteriormente sofridos (por parte do próprio indivíduo ou de suas referências),
que é quando o indivíduo projeta no outro (pessoa externa) problemas sofridos
no passado que acrescento, podem também não necessariamente, ter relação
com esse outro, se a pessoa estiver num processo de projeção posterior ao fato
danoso, ou seja, relacionando nova experiência a experiência negativa pretérita.
Como exemplos citados por Cukier (2008), no Subcapítulo 1.2, vemos que esse
processo não se limita a questões de traumas graves que desencadearam
processos psíquicos mas são inerentes à todos os indivíduos, em graus
diferenciados, relativos às experiências vividas.
Simplificando, o consciente, com seu mecanismo base de prazer e
desprazer para proteção psíquica, quando exposto a excessiva quantidade de
estímulos de excitação, manda a informação relacionada à situação ao
subconsciente, que são as camadas menos acessíveis e quando isso acontece
há uma mudança na relação prazer/desprazer. Pois o que antes era prazer,
quando mandado para as regiões mais obscuras passa a ser desprazer por ser
reprimido. O reprimido, por sua vez, se mantém em constante adiamento do
prazer, com medo de sofrimento de desprazer em altas cargas novamente.
A maior parte do desprazer que experimentamos é um desprazer perceptivo. Esse desprazer pode ser a percepção de uma pressão por parte de instintos insatisfeitos, ou ser a percepção externa do que é aflitivo em si mesmo ou que excita expectativas desprazerosas no aparelho mental, isto é, que é por ele reconhecido como ‘perigo’. [FREUD, p.3, 1920].
Por exemplo, relacionamentos íntimos têm situações de prazer como
confiança, amizade, troca de afeto entre outras. Se uma pessoa sofre grandes
quantidades de estímulos danosos em experiência negativa desse caso, passa
81
a evitar relações, pois estas passaram em sua percepção à condição de perigo
e viram sinônimo de desprazer futuro. O mesmo ocorre quanto a condutas
nocivas ao “outro”, como roubo, dissimulação, fofoca, pessimismo, que não
necessariamente precisam ser experienciadas de fato. Uma pessoa que cresce
ouvindo que “todo mundo não presta”, e que “passar a perna no outro é uma
questão de sobrevivência”, a famosa expressão “antes o outro do que eu”, esteve
sob constante estímulo pela fala de sua referência e passa a se defender da
possibilidade de sofrer o dano. Então, não tendo outra referência em estímulos
mais fortes, passa a causar o dano, nesses exemplos, ao outro. Podendo
também causar dano a si mesma, em um “autoboicote” inconsciente, quando
cresce ouvindo que nada do que ela faz presta ou frases contínuas como: “você
não vai ser ninguém na vida”, “se escolher isso vai morrer de fome”. Como Cukier
(2008) esclareceu anteriormente, ela passa a representar o papel que o outro
definiu para ela através dos estímulos danosos que Freud (1920) observou,
como forma de se defender dos mesmos.
E nesse processo familiar a todos acontece que, assim como recebemos
estímulos externos, recebemos também internos, que estando em conflito
passam a aumentar cada vez mais a excitação, desencadeando ansiedades,
medos, frustrações, raivas e outros similares.
Dessa situação surge a projeção, quando o indivíduo que está em
profundo conflito em seu princípio de prazer não consegue uma independência
emocional eficiente de sua base de referência (família), que tem papel
fundamental nesse processo, como aprofundamos no subcapítulo 1.3, tratando
a indiferenciação do self em crianças. Então, passa a projetar seus conflitos
emocionais e problemas nos responsáveis mais próximos por estes não terem
sido eficientes em seu processo de individualização. Por mais que tente, o
indivíduo não consegue a separação emocional necessária do ambiente familiar
e vive uma co-dependência emocional que gera culpas internas no indivíduo que
se relacionam com culpas por parte dos familiares (no sistema de projeção), e
distorce sua percepção de si mesmo por esse ambiente não ser capaz de lhe
permitir manifestar sua individualidade e personalidade próprias.
Além dos processos psíquicos, o autor (Freud, 1920) também considera
questões biológicas, a natureza mecânica da questão, estando estas na
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hereditariedade de padrões comportamentais familiares, como os processos
migratórios de aves e peixes, que buscam o caminho de seus progenitores sem
antes ter passado por eles, ou seja, o autor considera a possibilidade de ter esse
mecanismo de prazer e desprazer, reestruturado antes da primeira infância,
tendo então herdado geneticamente de seus pais a inversão de prazer e
desprazer vivenciada pelos pais. Apesar de pouco recurso no período para tal
afirmativa, Freud (1920), foi capaz de considerar algo que somente a pouco
tempo a ciência, dispôs de recurso e aparelhagem necessária para tal estudo.
Na responsabilidade de não mascarar detalhes que possam ajudar o leitor no
auto questionamentos desse caminho de autoconhecimento, apesar de não nos
aprofundarmos neste assunto na presente pesquisa, deixamos esse pequeno
adendo às reflexões pessoais do leitor.
Temos aqui a tendência ao processo de repetição, tanto pelo biológico
quanto pelos mecanismos de defesa do ego reprimido. Mas, estando tudo isso
em condição de tendência, não sendo imutável portanto, é possível reverter
padrões repetitivos pela compreensão dos mesmos e evitá-los pelo controle das
paixões. Não estando mais controlados pelo instinto, mas sim pela razão.
Estamos interconectados uns com os outros, mas temos em nossas escolhas as
possibilidades que vivenciaremos.
1.6 Pesquisa: detalhes e observações sobre escolhas e desenvolvimento
do projeto.
Este projeto foi realmente um grande desafio e um grande risco que nos
propusemos a correr e, valeu a pena. Fazer leituras de diferentes áreas do
conhecimento já é uma prática que trago desde a adolescência pela própria
necessidade que vai se apresentando quando, se mergulha fundo nesse
caminho do autoconhecimento, o que facilitou muito e aprimorou em nós a
capacidade e agilidade de inter-relacionar ideias.
Antes da faculdade nunca havia pensado em escrever ou organizar
materialmente aprendizado tão rico para mim, para dividir com outras pessoas
e, a partir do momento em que me vi tendo que escolher o que trabalhar para
graduação, vi que só poderia ser esse nosso projeto de pesquisa, caminho que
conheço há muitos anos.
83
Ocorre que quando comecei, já tinha em minha mente toda inter-relação
de ideias e sua compreensão bem estruturadas, mas não conseguia ver um
centro, ou problema em foco, mais direcionado ou específico para resolver. O
que eu sabia é como funcionam inúmeros recursos de construção de um
indivíduo, e possíveis soluções para problemas desenvolvidos ao longo dessa
construção, tanto por experiência, quanto por conhecimentos teóricos, como
argumentado com o leitor nos subcapítulos 2.2 e 3.1. Mas esse enorme caminho
traz inúmeras problemáticas e não um foco em específico, o que provavelmente
no começo, passou a impressão a quem comigo conviveu nos primeiros anos de
organização do material teórico da pesquisa, que eu estivesse perdida no
assunto que queria trabalhar. Outro ponto foi a seleção do que explicitar aqui,
pois na escrita percebi que seria um trabalho para muitos anos, e que o que
estava tão simples em minha mente despendia de tempo imenso para ser bem
elaborado em palavras escritas. Sintetizei aqui então considerações pertinentes
a compreensão de como se constrói a identidade de um indivíduo, considerando
vários fragmentos que o possam compor, do racional ao emocional e selecionei
praticas experienciadas e conhecidas teoricamente por mim para
aprofundamento, tendo se mostrado eficientes nessa reconstrução e unificação
internas, como singela sugestão, entre tantas outras citadas, como início de
caminho interno para o leitor.
Todo ser humano seleciona e escolhe com base em conceitos internos,
que por sua vez podem ter origem externa (familiar, social, material...),
principalmente familiar na primeira infância, ou interna instintiva e estão
continuamente em transformação. E, observando o mundo como se encontra
com tantos contrastes (interno e externo) e injustiças, podemos dizer que esse
sistema interno não está trabalhando bem ou devemos compreendê-lo melhor
para dominá-lo e ordená-lo.
Vejamos, então, os mecanismos de seleção de informação e de atenção
do observador pelas explicações de Osho, que por meio da meditação, com
esclarecimento de seu real conceito (diferente do que vemos em propagandas
turísticas-culturais), orienta práticas de cura interna pela atenção tanto às
informações armazenadas no subconsciente quanto às observações do
consciente. Qual está ordenando esse sistema e qual está obedecendo? E, com
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base em conceitos milenares do Tantra e, principalmente, do Budismo, conseguir
alcançar a tão almejada cura interna.
CAPÍTULO 2 – MENTE, CONSCIÊNCIA E EXPERIÊNCIAS PESSOAIS:
COMEÇANDO A INTEGRAR OS FRAGMENTOS DO INDIVÍDUO
Após um mergulho em estudos sobre nossos fragmentos, entendendo
sua origem e mecanismos de expressão, tratamos neste capítulo de propor
possibilidades de integração, da união desses fragmentos, a ponto de aquilo que
mantém a mente ausente do momento presente (transitando entre o passado e
o futuro), cesse até o estado mental contínuo de não julgamento, com a mente
consciente no presente. Podemos assim encontrar com o “Eu” mais puro de nós
mesmos. Nossa consciência divina. Com considerações de Osho (2002), Chopra
(et al.,2010) e análises do neurocientista Fred Travis (2006), de Travis (2009) e
de Tunner (et al., 2009) quanto aos mecanismos de atenção da mente e estados
de consciência, visualizaremos possibilidades de solução para esses conflitos
internos do ser humano, resultados comprovados e sugestão de prática para o
leitor ao fim do capítulo.
2.1 – Mecanismos de atenção da mente e experimentação de processos de
autoconstrução.
A mente está sempre inquieta, tendendo ao passado ou ao futuro. Se
observarmos nossos pensamentos durante o dia, veremos que passamos mais
tempo pensando no que fizemos, se deveríamos ter feito ou não, ou no que
faremos, em como faremos, e se dará certo ou não. A mente tagarela o tempo
todo, conforme analisa Osho (2002), professor de filosofia e mestre na arte da
Meditação. A imagem abaixo (três figuras, como ID, Ego e Super Ego,
respectivamente, e que não nos aprofundamos nesta pesquisa. Observar aqui o
conflito como início para inter-relação das propostas desta pesquisa) exemplifica
nossos conflitos internos.
Figura 11 - Subconsciente em conflito
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Fonte: http://psicologpsique.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html
Osho (2002) propõe, sucintamente, dividir a percepção de um objeto em
concentração, contemplação e meditação, como estados da mente. A
concentração significa que a mente está focada em um único ponto. Já a
contemplação é mais ampla. “Se você está contemplando a beleza, há milhares
de coisas belas, e você pode passar por cada uma delas” (OSHO, 2002. p.9). A
restrição se dá a um assunto e não a um ponto, como na concentração. O
método da ciência é a concentração, já o da filosofia a contemplação. Na
filosofia, se alguns detalhes precisarem de um esforço focado é possível acessar
a concentração como ferramenta. O objeto pode ser algo material, externo a
você ou sua a própria mente – como pensamento ou teorias. Osho (2002) diz
que a concentração não é natural para mente, que frequentemente gosta de
“vagabundear, mover-se de uma coisa à outra” (2002, p.10), o que é sempre
cansativo. Já a meditação seria o caminho entre as duas. Meditar é um estado
de contato consigo mesmo, com a mente mantendo-se no aqui, agora. É
conseguir silenciar as turbulências da mente enquanto dirige, trabalha, conversa,
enfim enquanto vive o seu dia a dia. É ter consciência do que quer, de quem é,
do que está sentindo, no momento presente, é aprender a SER. Esse estado de
meditação é nossa natureza essencial e natural.
Inserimo-nos, pessoalmente, nos últimos anos, em experiências
diversas através da umbanda, Kardec, Gnose, Budismo, Tantra e Seicho-no-ie.
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Todas elas associadas a pesquisas nas áreas de neurociência, biogenética,
física quântica e religião. Todas essas experiências nos levaram à busca por
conhecimentos teóricos mais aprofundados para avançar na compreensão das
práticas de autoconhecimento mencionadas. A prática de meditação foi a
escolhida entre todas para maior aprofundamento. Entretanto, não deixamos de
comentar, em meio aos dados dos estudos realizados, experiências psicológicas
e transcendentais vividas, entendendo que elas podem esclarecer detalhes do
caminho que trilhamos nesta pesquisa, além de oferecer ao leitor, caso lhe seja
interessante, informações que possam lhe ser úteis, caso ele queira começar
seu autoconhecimento, sempre um caminho longo e de vastas possibilidades de
escolha a se percorrer.
Ao longo de todo capítulo 2 deixamos sublinhadas as sugestões de
exercícios práticos para autoconhecimento e melhor desenvolvimento dos
padrões mentais. Constatamos que as práticas das filosofias ou religiões
orientais e milenares são muito eficientes nesse processo de autoconhecimento
e para a integração dos fragmentos de nosso “eu”, bem como para a solução de
problemáticas psíquicas e emocionais que estejam manifestando consequências
danosas ao nosso dia a dia, nossa capacidade de se expressar e nossa auto
confiança.
A Gnose, por exemplo, trata o tema do Eu agora numa prática que se
chama Chave de Sol. A proposta é dividir três focos de atenção
simultaneamente: Sujeito, Objetivo e Lugar, onde Sujeito é: Quem sou eu?
Identificando aqui o que sentimos de nós, o que seriam nossos “agregados” ou
chamados “egos”5 (que são mecanismos de defesa para adaptação ao mundo
geral, presentes como conduta para aceitação, como esclarecemos no primeiro
capítulo, e ainda qualidades externas como profissão, estilo de vestir e assim por
diante), que podem mostrar detalhes que são próprios de nós e reforçá-los em
nossa confiança ou não, caso o observador descubra que algumas de suas
5 Os mecanismos de defesa são manifestações do ego diante das exigências de outras instâncias psíquicas (Id e Superego). O Ego dribla as exigências das outras instâncias Id e Superego. São ações psicológicas que buscam reduzir as manifestações inconscientes perigosas ao ego. Freud vê o ego se desenvolvendo no nível consciente e inconsciente (que é o ego saudável e o ego reprimido), enquanto que Osho nos diz que a consciência se caracteriza pela ausência do ego. E logo adiante veremos com as pesquisas neurocientíficas de Travis, que os estágios de consciência mais puro não tem ego nem dualidade/julgamento.
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escolhas, fruto de influência da família ou outra referência externa, não
expressam sua real natureza, fazendo com que se sinta sempre insatisfeito e
sem confiança. Nesse caso, reconhecendo sua real natureza de expressão,
poderá descobrir outras possibilidades, sendo vontades ainda não
experimentadas, mas natas de sua forma de ver e sentir o mundo, considerando
o melhor de si mesmo, Reconhecê-las fortalece a confiança que movimenta a
vontade para expressão das mesmas, pois nem sempre o motivo do conflito
interno pode estar claro para nós.
Refletindo por exemplo: “Sou Arquiteto, arquiteto é minha formação
profissional, como me comporto, como ser na profissão de arquiteto? Sou
honesto? Sou cooperativo ou competitivo? Como é meu trabalho diário?
Realmente gosto disso? Nessa observação de conduta encontraremos a parte
da essência, que é nossa forma original de ser, puro, místico e perfeito; caso a
resposta não seja positiva encontramos os agregados, que naturalmente
aparecem primeiro e que podem ser resolvidos.
Pensamos que nossa essência é uma bola de luz e que os agregados
são “sujeiras” de outra natureza, presas ao redor de nossa bola de luz.
Acrescentamos ainda que essa “sujeira” não passa de ilusão da mente, embora
vista como real; e que a falta de consciência de nós mesmo acaba nos fazendo
ver inversamente: vemos a essência, que é real e livre de prejulgamentos e
medos, como ilusória; e vemos os agregados como reais. A mente gera a
realidade que vivenciamos e com a qual nos relacionamos; pelos mecanismos
de defesa do ego selecionamos sempre, pessoas, experiências, lugares, que se
relacionem com ele. Assim nos privamos da liberdade interna, de ir além, ao
inusitado, ao imprevisível, de considerar a beleza possível.
Em Objetivo: O que estou fazendo agora? E em Lugar: Onde estou? O
exercício é levar essas perguntas constantemente no nosso dia a dia, até que o
processo se torne natural e a mente se mantenha naturalmente atenta e
vivenciando o momento presente.6 Em objetivo podemos observar o agora, tanto
como tempo real do momento da pergunta, quanto o presente como período,
que envolveria então, a semana, o mês ou o ano. Deixe a mente livre para se
expressar, ela lhe dirá o que você particularmente precisa observar. E a forma
6 Sublinhado para facilitar identificação de práticas citadas, em uma busca posterior ao longo do texto.
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como ela observa o agora dependerá das relações que ela esteja estabelecendo
entre as experiências vividas, que estão tentando sair da repressão. Lembremo-
nos aqui das observações de Freud (1920) sobre consciente e subconsciente.
As informações negativas se encontram no subconsciente por instinto primitivo
de proteção, que pode ser imensamente danoso. Esse processo tem função
emergencial de proteção pela exposição da mente a contínuas e altas
quantidades de excitação, mas as informações que estão reprimidas tentam se
expressar de alguma maneira tentando alcançar a luz da consciência.
O inconsciente, ou seja, o ‘reprimido’, não oferece resistência alguma aos esforços de tratamento. Na verdade ele próprio não se esforça por outra coisa que não seja irromper através da pressão que sobre ele pesa, e abrir seu caminho à consciência ou a uma descarga por meio de alguma ação real. (FREUD, 1920, p.07).
Para pessoas menos reflexivas e filosóficas no dia-a-dia a chave de sol
da gnose pode ser mais eficiente por ser direcionada, ajudando a pessoa a focar
as perguntas em si mesmo para auto percepção, mantendo a mente presente.
No Tantra e no budismo o processo mental para observação do mundo
em processo meditativo é, de certa maneira, semelhante. A observação da
mente é livre, não tem a orientação das perguntas, deixando a mente livre para
“tagarelar” até que sesse por completo e atinja o silêncio original. Esse silêncio
mental traz instantaneamente um sentimento de paz e equilíbrio; e nesse
momento observamos o agora sem julgamentos, condicionamentos sociais e
auto cobranças, possibilitando maior eficiência na execução e compreensão das
tarefas do dia a dia. Pude ainda experimentar nessa prática o alinhamento do
equilíbrio energético interno, pude sentir como se fossem bolas de energia
girando em pontos do meu corpo, que mais tarde soube que (nessas filosofias)
chamam-se chacras.
A mente está sempre confusa com vários pensamentos que nos
embaçam a clareza de interação entre nossos espaços interno e externo de
forma equilibrada. A clareza vem quando estamos sendo apenas nós mesmos.
Então a meditação não é contra a ação. Isso não significa que você tenha que fugir da vida: você se torna o centro do ciclone. Sua vida continua e, na verdade, torna-se mais intensa, mais cheia de alegria, com maior clareza, mais visão e mais criatividade. Ainda assim, você está nas nuvens, um observador nas montanhas, apenas vendo o que ocorre a seu redor [...]. As ações continuam em seu nível não há
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problema. Você pode fazer coisas pequenas ou grandes. A única coisa que não lhe é permitida é perder o seu centro. (OSHO, 2002, p.15)
Sobre as repetições no pensamento que levam a repetições de conduta,
Osho (2002) nos traz à reflexão a diferença entre mente e consciência. Osho
compara a mente a um mecanismo. Então a mente é um biocomputador que tem
habilidade funcional, mas não percepção e inteligência. É um aparelho de
registro de informações que age 24 horas por dia mantendo padrões repetitivos
para que a consciência não retorne à sua origem não é linear e livre. “A mente
significa palavras, o ser significa silêncio. A mente não é nada além das palavras
que você acumulou (OSHO, 2002, p.25)”, que por sua vez estão ligadas à
experiências vividas, emoções e conceitos.
Se você vive uma vida repetitiva é porque sua mente tem controle demais sobre você. Tente fazer algo novo a cada dia, e a mente terá menos controle sobre você. Não preste atenção às velhas rotinas: quando a mente disser alguma coisa, responda: ‘Nós estamos fazendo isso a muito tempo. Vamos fazer algo novo. ’ [...] A mente é seu passado tentando constantemente controlar seu presente e seu futuro. É o passado morto, que permanece controlando o presente vivo. Fique alerta quanto a isso. [...] A mente obtém seus dados dos pais, da escola, de outras crianças, de vizinhos, de parentes, da sociedade como um todo. A mente é um fenômeno social, um subproduto da sociedade. (OSHO, 2002, p.30-71).
Então é a mente mandando na consciência enquanto que a nossa
origem essencial (pureza do estado de SER, mente livre de julgamentos) é que
deveria ordenar a mente. “Nenhum pensamento na mente é original, são todos
repetições” (OSHO, 2002, p.31). Entender a natureza da consciência é entender
a diferença mais profunda entre SER e FAZER (relacionado ao estado transitório
das coisas e não à nossa essência primeira; é necessário refletir aqui sobre ser
e estar). “O fazer é sempre algo superficial. O ser deve permanecer
transcendental em relação a seu fazer” (Osho, 2002, p.51).
Como a mente controla essas repetições? É como se a mente nos
dissesse que se não a escutarmos não seremos tão eficientes quanto ela, te
convencendo de que a eficiência está no que já foi feito antes e trazendo a
informação que se fizer algo novo poderá não ser tão eficiente. Ou seja, é um
caminho que oferece menos resistência por já ser conhecido; pelo medo do
desconhecido você se mantém na certeza dos padrões repetitivos, que trazem
conforto, mas vão contra o avanço, o progresso e a transformação do Eu, tão
necessários à evolução interior. Segundo Osho (2002), a mente é transe, é
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estado de inconsciência. Mantém o ser “protegido” de correr os riscos do
inusitado, do diferente, dos padrões que observou a vida inteira; e você pode até
não concordar, mas ela lhe diz: “Isso tem sido feito há muito tempo, é muito mais
seguro! Outro caminho pode ser perigoso. A maioria não faz isso. O que os
outros vão pensar? ”. É um processo de medos repetitivos na carapuça da
aprovação alheia e da autoafirmação, fruto de uma vida inteira na observação
de vários outros padrões de repetição. Não estamos propondo uma contestação
do sistema do mundo e sobre a importância que esses padrões adquirem para
certas funções, mas uma reflexão sobre para que proposito esses padrões
funcionam e, principalmente, como funcionam em nós? Realmente estão
funcionando? Estou satisfeito comigo dentro desses padrões?
Freud (1920) diz que a projeção é um meio de sobrevivência da psique
nos tirando do momento presente e nos colocando no passado ou no futuro,
livres do sentimento doloroso de assumir os riscos e responsabilidades pelas
mudanças necessárias e dolorosas que o inconsciente solicita. O sentimento de
liberdade do indivíduo, que só é possível internamente, se altera conforme o
padrão em atividade no momento.
Todo ser humano tem como finalidade encontrar a felicidade. Uns
procuram no dinheiro, outros nas relações sociais, outros em livros de autoajuda
e assim por diante. Mas a verdade é que a felicidade é um estado de SER e não
de TER. Esses são todos caminhos, não soluções prontas; e todos necessitam
de equilíbrio conjunto. O que não significa que deixaremos as observações
mentais para a prosperidade material, mas olharemos de modo diferente. O
ponto é observar cada coisa em seu momento e em seu lugar. Levar tudo o que
for sendo acessado na nossa essência e que ela tem de mais puro, através da
consciência no presente, na nossa conduta do dia a dia, em meio às necessárias
buscas materiais.
Os processos repetitivos e a mente tagarela resultam num contínuo
“efeito sombra”. Chopra (et al., 2010) nos fala sobre esse efeito sombra; esse
lado negro e autodestrutivo natural do ser humano, esclarecendo que se a
sombra é parte de nós, não é negando-a que solucionaremos o problema, mas
sim reconhecendo, aceitando e abraçando todas as nossas particularidades
sombrias, conforme se apresentam. Essa sombra é como a criança ‘birrenta’ que
91
incomoda tentando chamar a atenção para sua necessidade de amor e afeto. E
devemos reconhecer os condicionamentos sociais na sombra coletiva. Os
noticiários mostram a pior forma da natureza humana em todos os seus
aspectos. Vemos também isso em nosso dia-a-dia. Precisamos saber identificar
o poder desse tipo de informação em nossa mente, pela observação constante
que fazemos da mesma. O caminho para essa consciência é, antes de tudo,
reconhecer em nós a sombra que carregamos.
A sombra expressa seu poder fazendo com que a escuridão pareça com luz [...] Passando os canais de televisão pelos desastres e horrores, você jamais imaginaria que os seres humanos sempre tiveram poder de encontrar a paz, a elevação e a liberdade na escuridão. [...] O segredo está na palavra “consciência”. (CHOPRA et al., , 2010, p.19-20).
E para que haja consciência tem que ser ultrapassada a dualidade na
mente humana. O self reprimido (sombra) tem que ser integrado ao self
verdadeiro (luz) para que, sendo reconhecido e estando na luz vire um self único
e verdadeiro. A sombra é ausência de luz. Se a luz se estender a todas nossas
particularidades, não haverá sombra, a mente tem de estar limpa para não
projetar sombra, como explica Chopra (et al., 2010):
Há muito tempo os realistas desistiram de ver o lado bom da natureza humana superando o lado mal. [...] Sigmund Freud, um dos pensadores mais realistas a confrontarem a psique [...] havia concluído que a civilização existe a um custo trágico. Precisamos reprimir nossos instintos selvagens e atávicos, de modo a mantê-los em xeque; porém, apesar de nossos melhores esforços, haverá muitas derrotas. O mundo irrompe na violência em massa; os indivíduos irrompem na violência pessoal. Essa análise implica em uma forma terrível de resignação. Meu “eu bom” não tem nenhuma chance de viver uma vida pacífica, afetuosa e organizada, a menos que meu “eu mau” seja preso na escuridão, enjaulado em confinamento solitário. [...] sempre que qualquer aspecto do Self for separado, rotulado como mau, ilícito, vergonhoso, culposo ou errado, a sombra ganha poder. Não importa se o lado sombrio da natureza humana se expressa de forma violenta ou branda, socialmente tolerada. O fator essencial é que uma parte do Self foi separada. [...] Depois de separado, o fragmento “ruim” perde contato com a essência do self, a parte que consideramos “boa” por conta de sua permanente ausência de violência, raiva e medo. Esse é o self adulto, o ego que se adaptou tão bem ao mundo e às outras pessoas. [...] Você só tem um self. É o seu eu real. Ele está além do bem e do mal. A sombra perde o poder quando a consciência para de se dividir. Quando você já não está mais dividido, não há nada para ver além de um self em todas as direções. Não há compartimentos ocultos, calabouços, celas de tortura ou rochas limosas onde se esconder. A consciência vê a si mesma. Essa é a sua função mais básica, e, ao descobri-la, veremos que dessa simples função pode nascer um novo self, talvez um novo mundo. (CHOPRA et al.,, 2010, p.21-26).
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Esse nosso lado sombrio nada mais é do que fragmentos de nós ainda
em busca de amor; e negá-los só intensifica seu poder destrutivo, porque o
interesse primeiro de nossa sombra é resolver conflitos e não gerar mais; mas a
partir do momento em que ela é excluída, se vê em conflito novamente e projeta
esse conflito em nossa consciência para que, incomodados, não a deixemos
mais ignorada.
Chopra (et al., 2010), observa que já a religião, que é o veículo mais
antigo na busca de si e de uma melhor relação com mundo, põem em dúvida a
solução almejada. É difícil saber se a religião derrota a sombra ou se dá mais
poder a ela, instigando sentimentos fortes de pecaminosidade e culpa, vergonha
e medo das torturas de uma posteridade infernal. A religião enquanto objeto de
reflexão filosófica pode ser muito útil para nossa construção interna, se não a
observarmos como objeto de verdade absoluta em si. É necessário lembrar que
as instituições religiosas, ao longo dos séculos estiveram diretamente vinculadas
à política como recurso de poder e, por este motivo, podem carregar distorções
de sua raiz mais pura de conhecimento na construção do indivíduo como ser
íntegro, virtuoso e consciente de sua natureza divina. Lembremos lá do início do
texto: o medo é uma sombra também, que pode atrair aquilo que queremos evitar
por estarmos observando mais o que não queremos do que o que de fato
queremos.
A natureza humana inclui um lado autodestrutivo. Quando o psicólogo suíço Carl Jung pressupôs o arquétipo a sombra, disse que ela cria uma névoa de ilusão que cerca o self. Encurralados nessa névoa, lançamo-nos a própria escuridão e, consequentemente, damos a sombra cada vez mais poder sobre nós. (CHOPRA et al., 2010, p.18)
“O lado obscuro da natureza humana viceja na guerra interna, na dificuldade
e no conflito”. (CHOPRA et al., 2010, p.21). Se há dualidade sempre haverá guerra
interna, pois teremos duas particularidades em conflito, e estaremos tentando fazer a
escolha de uma ou da outra. Se negar a necessidade de receber amor, como o
receberá? Isto é, se o ser humano se julgar tão autossuficiente, onde fica a beleza da
troca, do doar e receber, amor, alegrias, conhecimento? Os demônios, as doenças os
conflitos não passam de sombras, névoa de ilusão, que se apresentam pela ausência
de luz. Observando o presente podemos levar luz a cada fragmento sombrio que está
em busca dela. Devemos observar a sombra desfilando em nossos pensamentos sem
julgamento, somente observando, e achar sua origem. É para essa finalidade que a
93
sombra se apresenta e se reapresenta nos processos repetitivos, até que lhe demos
o devido valor. Precisamos evoluir nossa inteligência emocional.
Então, temos o self individual (self reprimido e verdadeiro), que existe a
fim de evitar que nosso cérebro seja bombardeado com infindáveis imagens
sensoriais que não fariam sentido, e o self coletivo. E os dois estão em diálogo
mútuo e contínuo. Nenhum deve ser desconsiderado do outro, pois um não
existe sem o outro. Cada um de nós é um (individual), ao mesmo tempo em que
somos, todos, fragmentos de um uno maior (coletivo). “Eu e meu” existem por
um motivo – para lhe dar um direito pessoal no mundo” (CHOPRA et al., 2010,
p.27) e, consequentemente, desencadeiam a comparação com o outro e com o
seu eu coletivo. Então esse caminho nos apresentou as origens e as forma de
trabalhar da sombra em nossa vida.
Quanto à relação emocional, realidade “material” e presença do coletivo
o autor descreve, por exemplo:
Em casamento feliz o deixa saudável. Em princípio essa descoberta foi difícil de aceitar, porque pesquisas médicas não viam ligação alguma entre um estado mental e o corpo. Como poderia o coração ou uma célula pré-cancerígena em algum lugar do corpo saber como a pessoa se sente? Foi preciso a descoberta das chamadas moléculas mensageiras para demonstrar que o cérebro traduz cada emoção em um equivalente químico. À medida em que as moléculas mensageiras percorrem a corrente sanguínea, circulando através de centenas de bilhões de células, a infelicidade, ou a felicidade é transmitida ao coração, fígado, intestino e rins. Subitamente, a medicina corpo-mente tinha uma base real. (CHOPRA, 2010. p.31).
E novamente menciono aqui a responsabilidade do artista. Imaginem
quanta força dão à sombra as imagens grosseiras, penosas, chocantes e
destruidoras? E quanto ao artista? Como pode estar preparado para interferir de
forma eficiente em seu meio social, exercendo um papel importante e
necessário, sem trabalhar suas próprias sobras, seu autoconhecimento,
correndo o risco de projetá-las e, assim, dar mais força tanto às suas próprias
sombras quanta às coletivas?
Segundo Chopra et all (2010, p. 49):
Quando damos força à sombra?
1 – segredos: medo de exposição de quem é você, com base em
condicionamentos repressivos, às vezes oriundos de família desequilibrada.
94
2 – culpa e vergonha: ninguém é perfeito. Não se acomoda nessa
máxima de forma a manter os padrões confortavelmente, nem se puna em
excesso por um erro cometido. Tente de novo. Com consciência.
3 – injustiça: o julgamento é a culpa mascarando a dor. Mesmo que veja
potencialidades em si diante do outro. Saiba que o que é pérola para uns é lixo
para outros. Cada um tem seu tempo, respeite e não acelere o outro, cuide de
você.
4 – Ignorar as próprias fraquezas ao criticar os que estão à sua volta:
Em contrapartida, não justifique o que vê de melhor no outro em menosprezo e
conclusões simplistas; se esforce em buscar o que é seu, pois não encontrará
no outro, só dentro de você. Não projete!
5 – Se ver separado dos outros aumenta a sensação de medo e
desconfiança.
6 – Pensar que o mal está à espreita a todo momento, em toda parte,
mantém o mal contido, fazendo com o que o criador de ilusões seja iludido por
suas próprias criações.
Qual então a saída? Chopra (et. Al., 2010, p. 51) simplifica, dividindo em
quatro categorias:
“Pare de Projetar-se
Desprenda-se
Abra mão do julgamento pessoal
Reconstrua seu corpo emocional”.
E acrescento aqui mais uma observação de suma importância: faça as
pazes com tudo e com todos! O perdão e a gratidão são duas forças poderosas!
Chopra (et al., 2010) nos orienta a observar o perdão como realidade
positiva já concreta, da seguinte maneira:
[...] quando vê a Realidade, em si mesmo e nos outros, você ganha poder para evoca-la. Somos curados quando nos sentimos perdoados. Saramos na presença da compaixão. Se você realmente quer que alguém mude, o milagre está na habilidade de ver quão perfeito ele é. A sombra não vai embora quando é atacada mas promove a cura quando é perdoada. Não removemos nossa máscara sombria na presença de alguém que nos culpa, mas na presença de alguém que diz, através de palavras ou comportamentos: “Eu sei que isso não é você”. Milagrosamente saramos na presença de alguém que acredita na nossa luz, mesmo quando estamos perdidos em nossa escuridão. E, quando aprendemos a ver os outros na luz de seu verdadeiro ser, estando ou não sob essa luz, temos o poder de realizar esse milagre por eles.
95
O perdão à uma ação, mas ele surge de uma postura. O verdadeiro perdão significa saber que [...] nossa luz é que é real. (CHOPRA et al., 2010, p.229).
E Osho nos diz que quando emanamos gratidão a todas às coisas o
universo converge numa simbiose pura e plena dentro de nós e ao nosso redor.
Então a meditação aparece aqui como sugestão para processo de
autoconhecimento e para essa cura interna, sendo mais importante manter a
disciplina e a continuidade, mesmo que o caminho escolhido seja outro de
mesma finalidade.
A busca de todo ser humano até a felicidade, precisa do entendimento
de que ela já se faz presente, só precisa da observação correta para ser
acessada, sendo a felicidade e satisfação um estado de SER da nossa essência
mais pura, que só pode ser acessada com a consciência do EU em MIM - e
jamais do outro em mim, ou do eu no outro em processo de projeção. As inter-
relações e as já comprovadas experimentações, pessoais e profissionais,
empíricas ou científicas, podem ser referências, mas jamais determinantes de
um processo, já que os estudos citados mostram que ele sempre vai ser
individual, único e intransferível, embora nunca isolado do todo que nos une e
que temos de observar em sua melhor expressão para que possamos vivenciá-
la.
Somente quando temos coragem para enfrentar as coisas como elas são, sem qualquer autoengano ou ilusão, é que uma luz surgirá dos acontecimentos, pela qual o caminho do nosso sucesso poderá ser reconhecido - I CHING (CHOPRA et al., 2010, p.239).
2.2 – Consciência pura, funcionamento cerebral e benefícios pela
Meditação como sugestão de prática para o autoconhecimento.
Neste subcapítulo dissertamos sobre benefícios da meditação no
desenvolvimento da consciência mais elevada, sua influência na percepção do
self e experiências transcendentais. Há muitas outras maneiras de trilhar o
caminho do autoconhecimento, mas na presente pesquisa escolhemos como
referência para maior aprofundamento, além dos conhecimentos sobre
construção individual do social ao psicológico, a meditação. A meditação pode ir
muito além do que se espera dela no referencial material ou fisiológico e
independe de crenças ou religiões, estando a serviço do bem estar comum de
todos. Aqui nos embasamos em pesquisas do Dr. Fred Travis (2006) e (2014) e
96
Tanner et al (2009), neurocientista renomado que há mais de 30 anos se dedica
à pesquisa sobre os efeitos da meditação para melhorar o funcionamento do
cérebro e a saúde em geral, tendo publicado mais de 70 artigos nas melhores
revistas científicas e palestrado em grandes conferências internacionais.
Em suas pesquisas ao redor do mundo, o Dr. Travis usou medições
eletroencefalográficas (EEG) para observar as mudanças no funcionamento do
cérebro que ocorrem durante a prática da Meditação Transcendental (MT). Essa
pesquisa mostra que a MT aumenta a coerência das ondas cerebrais e promove
o funcionamento do cérebro integrado. Vários estudos indicam o
desenvolvimento do Total Funcionamento Cerebral através da prática regular da
técnica da Meditação Transcendental.
A descoberta mais interessante, particularmente para nós, no que se
refere à consciência é à descoberta do que o pesquisador chamou de uma quarta
dimensão no cérebro de pessoas com Transtorno de atenção e hiperatividade
(TDAH), por meio da qual esses conseguem ter senso de self sem conteúdo
mental focado. A psicologia moderna, por sua vez, só aceita e compreende a
consciência (em processo de vigília – acordado), com foco em objeto e tem
dificuldade de compreender, portanto, como o indivíduo TDAH, consegue manter
seu senso de self com ausência desse conteúdo mental focado. Essa descoberta
traz novos olhares para o hiperativo, bem como as possibilidades de ampliação
da consciência por parte dos que não são sobre esses indivíduos.
Um equilíbrio maior para os hiperativos pode ser oferecido pela
meditação, como os benefícios da ampliação da consciência. Em seguida,
explicamos melhor sobre o funcionamento do cérebro e os estados de
consciência alcançados pela meditação.
Travis (2006) explica que a diferenciação dos estados de consciência
está na definição dos padrões mentais quando experiências subjetivas se
excluem mutuamente; esses padrões podem ser divididos em duas dimensões:
presença e ausência de self (consciência real de si) e de conteúdo mental.
Durante o sono a ativação das áreas frontais é reduzida; o autor define essa área
como chefe do cérebro, pois todas as outras áreas enviam energias/informação
para a parte frontal que organiza esses insumos para nossa próxima resposta.
97
A finalidade do sono é de reparação do aparelho cerebral, então, enquanto a
área frontal é menos ativa as outras estão em maior atividade (Figura nº 12).
Figura nº 12: Diminuição de atividade parte frontal cerebral durante o sono e outras áreas em
atividade de reparação.
7
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
Quando não há tanto sentido de self quanto conteúdo mental estamos
dormindo (Figura nº 13, primeira); e quando não há sentido de self, mas há conteúdo
mental durante o sono, estamos sonhando (Figura nº 13, segunda). Nesse
momento, o senso de self se identifica com as experiências caracterizadas por
experiências oníricas vívidas.
7 Diminuição de atividade na região frontal cerebral durante o sono / O sono é um momento de atividade de reparação do cérebro.
98
Figura nº 13: Estados da consciência relacionando conteúdo mental e senso de self.
Aqui dois estados da consciência.
8
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
O autor esclarece que o cérebro durante o sonho é tão ativo quanto no
estado de vigília. As áreas frontais e parietais (atrás) estão menos ativas porque
sua função está relacionada ao contato com o mundo externo, do qual estamos
isolados durante o sono. A figura nº 14 indica em azul a diminuição das atividades
cerebrais e em vermelho as áreas de aumento delas.
Figura nº 14: Atividades cerebrais durante o sono.
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
8As tabelas mostram os estados de consciência relacionando senso de self (autoconsciência) e conteúdo mental (pensamentos). Yes / NO = presença / ausência
99
As áreas visuais e do sistema límbico são também extremamente ativas
durante o sonho, estando ligadas a imagens fortes, bizarras e/ou emocionais. O
sistema límbico é uma unidade responsável pelas emoções e comportamentos
sociais e se localiza na superfície medial do cérebro dos mamíferos (Figura nº15).
Figura nº 15: Localização do sistema límbico
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
Pesquisamos para melhor entendimento desse sistema, que o termo
límbico corresponde a um adjetivo que dá o valor de relativo ou pertencente ao
limbo, ou seja, remete para o conceito de margem. O Sistema Límbico
compreende todas as estruturas cerebrais que estejam relacionadas,
principalmente, com comportamentos emocionais e sexuais, aprendizagem,
memória, motivação, mas também com algumas respostas homeostáticas.
Resumindo, a sua principal função será a integração de informações sensitivo-
sensoriais com o estado psíquico interno, onde é atribuído um conteúdo afetivo
a esses estímulos; a informação é registrada e relacionada com as memórias
pré-existentes, o que leva à produção de uma resposta emocional adequada,
consciente e/ou vegetativa.
Quando acordamos temos o senso de self com conteúdo mental.
Durante a vigília diferentes áreas do cérebro se encontram ativas para suportar
diferentes experiências racionais, sensoriais e emocionais na relação de ação e
reação ao mundo externo.
100
Na figura nº 16, o topo esquerdo está vendo palavras; o topo direito,
ouvindo palavras; o inferior esquerdo, falando palavras e, no inferior direito
gerando palavras; cada coisa em áreas específicas do cérebro.
Figura nº 16: Áreas ativadas no cérebro para desenvolvimento de tarefas diferenciadas.
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
A parte frontal do cérebro aumenta o tempo simbólico de espaço e de
tempo quando experiências concretas se relacionam com valores, memórias e
metas. E para cada experiência as ondas de atividade elétrica que se movem
através do cérebro reforçam as conexões entre os neurônios, o que indica que
a prática fortalece o processo praticado.
O autor nos diz que a experiência muda o cérebro ao longo de toda a
vida e não somente na infância, como se pensava, sendo essa uma visão bem
nova da neurociência. Pensamos aqui, então, que padrões comportamentais,
para serem melhorados e aprimorados devem atentar à compreensão de uma
série de fatores em áreas distintas, da psicologia à neurociência, pois uma não
tem trabalho eficiente sem a outra, já que trabalhamos fragmentos particulares
e diferenciados que se relacionarão com áreas distintas do conhecimento.
Dr. Fred Travis (2011), fez um experimento com um gorila, mapeando as
atividades cerebrais antes do estímulo na ponta dos dedos do animal por 20
minutos por dia, durante 3 meses e, depois (Figura nº17), constatou que após os
101
estímulos contínuos, quando o gorila tinha contato com algo através do toque,
mais áreas do cérebro eram ativadas do que antes do estímulo.
Figura nº 17: Áreas cerebrais ativadas antes e depois do experimento.
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
Então, talvez possamos interpretar que também os padrões repetitivos
adquiridos na primeira infância e adolescência podem ser modificados e o
caminho do indivíduo pela sua conduta reescrito pelas novas escolhas do ser.
Para comparação de diferenças nas atividades cerebrais o Dr. Travis
analisa o funcionamento do cérebro em Disléxicos e Hiperativos (os TDAH),
adendo importante aqui, já que uma observação no funcionamento do cérebro
TDAH possibilitou a conclusão de algo não aceito pela psicologia moderna: de
que é possível senso de self sem conteúdo mental, sendo esse o mesmo sistema
de consciência atingido pela meditação, o da consciência pura sem referencial a
objeto e, então, mente livre de pré-julgamentos.
Three major themes emerged from this analysis. Sixty-eight percent of the subjects explicitly characterized deep experiences during practice of the Transcendental Meditation technique by the absence of space, time, or body-sense. The other two themes—peaceful (32%) and unboundedness (20%)—implicitly include the lack of boundaries of space, time and body-sense, but further describe the experience when these boundaries were absent. For instance, one subject described the experience of pure self-awareness as: [...] a couple of times per week I experience deep, unbounded silence, during which I am completely aware and awake, but no thoughts are present. There is no awareness of where I am, or the passage of time. I feel completely whole and at peace.” (TRAVIS,. 2006, p.11).9
9 Três grandes temas emergiram desta análise. Sessenta e oito por cento dos indivíduos explicitamente caracterizado experiências profundas durante a prática da técnica da Meditação Transcendental pela ausência de espaço, tempo, ou senso de corpo (percepção de seu corpo). Os outros dois temas: pacíficos (32%) e ilimitação (20%) - incluem implicitamente a falta de limites de espaço, tempo e percepção corporal, mas descrevem ainda mais a experiência quando esses limites estavam ausentes. Por exemplo, um sujeito descreveu a experiência de autoconhecimento puro como: [...] Um par de vezes por semana
102
O autor explica que a dislexia é uma doença de desenvolvimento,
enquanto que o TDAH é um transtorno no desenvolvimento entre as áreas
frontais (cerebrais) e a área motora.
Para entender melhor, recorremos às explicações sobre o assunto no
livro Mentes Inquietas de Ana Beatriz B. Silva (2003). A autora explica que no
lobo frontal as áreas responsáveis pelo emocional e pelo racional trabalham
super ativadas e livres. O fluxo de informação chega em maior quantidade e
intensidade, estando a função de ação filtrante que modula esse fluxo diminuída
“ tem-se o cognitivo e o emocional exacerbados na tomada de decisões” [SILVA,
2003, p.102]. Os hiperativos apresentam grande potencial criativo e uma enorme
amplitude de soluções para um mesmo problema. Aprendem com facilidade pela
observação, podendo ser bem eficientes em ação, pela capacidade de criar
mentalmente maquetes virtuais muito eficientes com potencial de antever
situações ainda não experiênciadas, com a referência virtual se for de interesse
emocional dos mesmos.
O importante aqui, contudo, pela observação, do Dr.Travis (2001),
quanto às mentes hiperativas, é que com esse fluxo intenso de informações de
todas as ordens, sensorial, racional, emocional, mais um mediador de
informação trabalhando pouco em relação a ela, o HTDA não regula seu
comportamento. Ele entra e sai do foco de atenção conforme a intensidade de
seus sentidos, trabalhando simultaneamente; e ai está o ponto que, segundo o
pesquisador, nos leva à “quarta caixa” dos estados de consciência: apresenta-
se aí um senso de self sem conteúdo mental.
Intendemos, então, através de Travis (2011), que o hiperativo pode estar
com vários focos simultâneos e nenhum ao mesmo tempo, o que equivale,
talvez, ao conceito de meditação de Osho (2002), segundo o qual observamos,
contemplamos e meditamos alternadamente conforme a necessidade observada
pelo observador, sem seguir regras lineares pré-estabelecidas, mas respeitando
o nosso próprio movimento.
que eu profunda experiência, o silêncio ilimitado, durante o qual eu estou completamente consciente e desperto, mas não há pensamentos presentes. Não há consciência de onde eu sou, ou a passagem do tempo. Eu me sinto completamente inteiro e em paz.
103
No início deste subcapítulo relatamos que o estado de vigília (acordado)
tem de ter um estado de consciência (senso de self) mais um objeto, enquanto
que o caso TDAH se opõe à essa definição de consciência ou de estar
consciente.
De acordo com Travis (2006), a meditação nos leva a essa auto-
percepção sem foco em um objeto.
A second reliable marker of this state are skin conductance responses at the onset of breath changes (Travis et al., 1997). This autonomic response is similar to that seen during orienting—attention switching to environmental stimuli that are novel (Sokolov, 1963; O'Gorman, 1979) or significant (Maltzman, 1977; Spinks et al., 1985). These autonomic responses could mark the transition of awareness from active thinking processes to pure self-awareness devoid of customary content. (TRAVIS, 2006, p.10].10
Aquela “mente tagarela” como descreveu Osho (2002) cessa e passa a
observar sem julgamentos, no caso da meditação, e se apresenta à consciência
mais pura, como uma consciência sem conteúdo, um vazio na mente, um silêncio
de paz na mente.
A meditação é um estado de clareza e não um estado de mente. [...] As palavras são as figuras, o silêncio é o fundo. Palavras vão e voltam, o silêncio permanece. Quando você nasceu, nasceu como silêncio – apenas intervalos e intervalos, espaços e espaços. Veio ao mundo com um vazio infinito, um vazio sem limites que trouxe você à vida. E então você começou a colecionar palavras. O vazio é seu ser. [OSHO, 2002, p.20 e 25].
Apesar de Osho (2002) ver consciência pura como estado de clareza e
não de consciência, como Travis (2006), os dois concordam quanto a todos os
benefícios do processo. Dessa perspectiva, a definição por Osho, do ponto de
vista espiritualista, e a de Travis (2006), de um ponto de vista científico, são
coincidentes.
Sobre esse estado de consciência sem objeto de referência ou o quarto
elemento Travis elabora a tabela abaixo (Figura nº18).
Figura nº 18: Tabela com os quatro estados da consciência conforme pesquisa do Dr. Fred Travis.
10 Aqui o autor identifica apresentação de sinais que indicam a mudança do estado de consciência com pensamentos e a pura consciência; apontando como marcador confiável deste estado, respostas condutância da pele no início da alteração da respiração. Esta resposta é similar ao observado enquanto há uma orientação de mudança de atenção para estímulos ambientais que são novos ou significativos.
104
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
Na base direita, dormindo=conteúdo mental (objeto) e senso de self
ausentes; no topo direito, sonhando= objeto presente sem senso de self; no topo
esquerdo acordado= objeto e senso de self presentes; e por fim, na base
esquerda temos a consciência pura= objeto ausente + senso de self presente.
A consciência pura é caracterizada pela ausência de tempo, espaço e
sensação de corpo, com elevada coerência das ondas cerebrais.
O autor diz que para entender esse conceito é preciso visualizar a mente
como tendo uma dimensão vertical (Figura nº 19), semelhante a um copo d’água.
Figura nº 19: Dimensão vertical da mente
105
11
Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm
Na tabela acima, a bolha menor é o início dos pensamentos, como um
“burburinho”, e à medida que sobe vai encontrando e sendo influenciado por
emoções, lembranças, expectativas e aspirações, até chegar à superfície onde
é observado superficialmente, sem julgamento. E desse ponto em diante pode
continuar em processo de progresso, o que leva ao desenvolvimento das
percepções extras sensoriais, por esse motivo comentamos anteriormente
experiências pessoais dessa natureza.
Fazemos breve observação do ponto de vista de quem é uma hiperativa
e conheceu e experimentou as práticas descritas nesta pesquisa, sendo essas
observações, portanto, fruto de experiências pessoais. Vimos nessa construção
vertical da mente que do início de um pensamento até a superfície da água (topo
– exemplo do copo d’água), antes há uma efervescência nas tagarelices
(experiência própria, inclusive) da mente com uma ampliação pela influência de
outros fatores. O hiperativo estaria no auge das tagarelices mentais, mas, por
apresentar configuração semelhante à da consciência pura pela meditação de:
ausência de objeto + presença de senso de self, penso que talvez estejam a um
passo da superfície. Já as mentes lineares ainda estão no meio de caminho da
bolha e, se considerarmos os detalhes dos princípios de prazer, os recursos de
defesa do subconsciente e a tendência à repetição como consequência deles,
mais as possibilidades de projeção e transferência, então criei um esquema
11 A mente tem uma dimensão vertical. A seta azul indica a localização dos pensamentos e a consciência acima deles.
106
mental de que a justificativa corrente para se manter na zona de conforto, fruto
desses mecanismos, conforme subcapítulo 1.3, mantém o indivíduo sempre no
meio desse caminho vertical e mais, fazendo um caminho horizontal, se
mantendo sempre na mesma dimensão mental.
Essa nossa maneira de visualizar influenciou muito a construção da obra
artística apresentada como parte deste estudo, com seus vários elementos
refletidos nos espelhos, que podem refletir várias vezes entre si, além de me
acrescentar muitas facilidades na forma de orientar minha mente para
meditação, pois nos facilita criar imagens mentais que induzam nossa atenção
às palavras proferidas, como se nós montássemos um gráfico mental, tanto para
ordenar os pensamentos, quanto para manter a mente consciente. E
compreender melhor, em estágios de tempo livres, nas possibilidades espaciais
sem linearidade, todas as experiências extras sensoriais que experimento desde
a primeira infância, sem poder compreender nem minimamente na época em
que começaram a se apresentar. Descobrimos também que, mesmo para quem
não nasceu com essas particularidades como telepatia, vidência, viagem astral,
vidas passadas, é possível desenvolvê-las, pois quando tive acesso a trabalhos
em grupo de meditação, pude conviver com pessoas que desenvolveram isso
posteriormente. Mas vi mesmo que, antes de tudo, é preciso estar leve e livre de
traumas e egos. As experiências extra-sensoriais acrescentam muito à elevação
pessoal, emocional e espiritual, mas sem resolver os agregados nocivos à nossa
psique de medos e traumas, de regras e condicionamentos que não dialogam
conosco. A confusão interna no caminho pode ser enorme, pois os egos lutam
para sobreviver; e para estar em paz travamos, antes, uma guerra interna. Por
esse motivo fizemos questão de acrescentar a esta pesquisa a formação de
nossas particularidades do ponto de vista semiótico, metapsicológico,
sociológico, até chegar à meditação como recurso sugerido. Assim temos uma
base para encontrar nosso caminho interno respeitando as particularidades de
cada um e, ainda, abrindo possibilidades inúmeras na mente do leitor e
experimentador da obra artística desenvolvida durante todo esse processo de
pesquisa bibliográfica, associada a uma autorreflexão e a uma reflexão
retrospectiva sobre nosso próprio self, para solução de problemáticas pessoais
com o impulso par a criatividade ilimitada que nos afeta.
107
Vejamos como vai transitando a percepção de si mesmo para quem
inicia a prática de meditação como autoconhecimento, também, ao longo dos
anos em que o faz com frequência. Veremos os não meditantes, os de médio
prazo e os de longo prazo. Compreender isso requer relembrar o diálogo sobre
identidades-personalidades que compõem o sujeito e pelas quais o sujeito se
identifica, apresentado no capítulo 1 desta pesquisa. Tomando a pesquisa de
Travis como base, os indivíduos não transcendentais, de mente não expandida,
entendem seu self como sistema de crença, estilo cognitivo, sentimentos e
regras sociais. Enquanto que os sujeitos MT de médio prazo veem o self
gerenciando essas particularidades e os MT de longo prazo se percebem
independentes delas! Como tabela abaixo (Figura nº20):
Figura nº 20: Tabela do resultado de pesquisa por seleção de tipo de palavras de resposta de questionário dos indivíduos, por software:
Gro
up
Avera
ge Word
Count
Avera
ge Quotations
Tot
al
Cod
es
Superco
des
Non
-TM
554±4
59
9.5 ±
5.0
57
Self is
identified with
thoughts, feelings,
and actions12
Shor
t-Term
850±7
60
9.3 ±
3.2
56
Self is
the director of
thoughts, feelings
and actions13
Lon
g-term
1156
±1180
10.1 ±
6.2
59
Self is
underlying and
independent of
thoughts, feelings
and actions14
Fonte: http://www.drfredtravis.com/CV.html (TRAVIS, Fred. From I to I. 2006)
Entre os não meditantes (Non-TM) há os que dizem estar abertos a
experiências novas, os que querem inovar, os que se veem como seus
sentimentos e dizem gostar de coisas ímpares e diferentes que outras pessoas
não tinham.
Os meditantes de médio prazo (Short-Term), se veem como a própria
consciência, a capacidade de aprender, dividida em níveis (mãe, amiga, irmão,
12 A pessoa se auto percebe (Self) e se identifica por pensamentos, sentimentos e ações 13 Self percebido como diretor dos pensamentos, sentimentos e ações. 14 O Self é adjacente e independente de pensamentos, sentimentos e ações.
108
filho, esportista, estudante...), o que o representava internamente,
subjetivamente com relação ao mundo externo, de uma forma geral, com uma
observação mais cósmica, do que dia a dia comum.
Os meditantes de longo prazo (Long – Term) veem a si mesmos além de
suas experiências, para além do universo, sentindo uma totalidade em si como
se fossem o próprio universo, vendo em si o “eu” com “eu”, o “eu” com “todos”,
num “eu” penetrante e sem limites, quase sem vocabulário que pudesse
descrever.
Vejamos a seguir os benefícios que se apresentaram aos meditantes na
pesquisa do Dr. Travis.
Em análise de grupo de pessoas experimentando a meditação védica da
Índia (numa média de 4 – 5 anos), tendo foco na atenção superficial de
percepção e pensamento, Dr. Travis identificou maior coerência entre as ondas
cerebrais no estado de consciência, bem como de frequência de pico nos
eletroencefalogramas, de forma que várias partes do cérebro estão em atividade
e, estando em coerência, há maior equilíbrio e compatibilidade simultânea de
trabalho em várias regiões cerebrais, além de fortalecimento das ligações
sinápticas.
A third marker, which is less obvious but has been reported in most studies, is a trend for increasing frequency of the peak power in the EEG. Compared to the period prior to the experience of pure self-awareness, the frequency of peak power of the EEG increases from 0.5 to 1.5 Hz. Fluctuations in frequency of peak power follow fluctuations in alertness. For instance, during sleep 1 Hz EEG is seen, while during very focused tasks 40 Hz EEG activity is reported. The observed increase in frequency of peak power during respiration suspensions could be associated with increased alertness during this experience. These changes in EEG power occur on the background of high global EEG coherence. Coherence represents level of connectedness between different brain areas (Florian et al., 1998; Pfurtscheller, 2001). Higher EEG coherence is associated with higher emotional stability, higher moral reasoning, more inner motivation, and lower anxiety (Travis et al., 2004). Alpha EEG coherence rises to a high level in the first minute of TM practice and continues at that high level through the rest of the session (Travis et al., 1999). Recent research also reports higher frontal/parietal phase synchrony during TM practice (Hebert et al., in press). This unique constellation of physiological patterns is unlike any seen in normal waking, sleeping, or dreaming. [TRAVIS, 2006, p.11]15
15 Um terceiro marcador, o que é menos óbvio, mas tem sido relatado na maioria dos estudos, é uma tendência para o aumento da frequência da potência de pico no EEG (Abreviação para Eletroencefalograma). Em comparação com o período anterior à experiência de autoconsciência pura, a frequência de potência de pico do EEG aumentou de 0,5 a 1,5 Hz. Flutuações da frequência de potência de pico acompanham as flutuações no estado de alerta. Por exemplo, durante o sono 1 Hz EEG é visto,
109
O pesquisador observou o estado de consciência da mente como
estando na base dos estados de vigília, sono e sonho e, principalmente, que
pode se integrar a estes não sendo, portanto, somente um subjacente. Quando
essa integração acontece é amplia a capacidade de solucionar problemáticas de
várias ordens e naturezas.
Repeated experience of the state of pure self-awareness alternated with customary waking activity gives rise to a new integrated brain state in which pure self-awareness co-exists with waking, dreaming and sleeping (Maharishi Mahesh Yogi, 1969; Travis et al., 2002). In this new integrated state, pure awareness is experienced as a foundational state that gives rise to ongoing experience (Maharishi Mahesh Yogi, 1969). It is analogous to the vastness of the ocean that is not lost with each rising wave of daily life. Research has identified physiological and phenomenological markers of this integrated state during sleep and during problem solving.” (TRAVIS, 2006, p.13).16
O sono também ganha em qualidade para reparação de células e
desgaste cerebral, como ficou sugerido pela pesquisa.
All subjects appeared to have similar requirements for the restorative value of sleep, which recent research suggests is for cellular repair following normal day-to-day wear and tear on the brain (Huber et al., 2004).([TRAVIS, 2006, p.15).17
O autor identificou que, com o passar dos anos de prática de MT, a
relação de autoconsciência pura com os estados de vigília, sono e sonho ia se
apresentando cada vez mais frequente; já em torno de 25 anos de práticas de
enquanto que durante tarefas muito focadas 40 Hz atividade EEG é relatado. O aumento observado na frequência de potência de pico durante suspenção da respiração poderia ser associado ao aumento da vigilância durante esta experiência. Estas alterações no poder de EEG ocorrem no fundo de alta coerência EEG global. Coerência representa o nível de conectividade entre as diferentes áreas do cérebro. Maior coerência EEG é associado com maior estabilidade emocional, raciocínio moral mais elevado, mais motivação interna e menor ansiedade. Coerência de ondas Alfa EEG sobe para um nível alto no primeiro minuto de prática TM e continua a este nível elevado através do restante da sessão. Pesquisas recentes também relatam maior sincronia na fase superior/parietal durante a prática TM. Esta constelação única de padrões fisiológicos é diferente de qualquer uma vista em vigília normal, dormindo ou sonhando. Ondas Alfa (8 – 12 Hz), caracteriza relaxamento, mediação, mente clara e tranquila, aprendizagem acelerada, visualização.... 16 Experiência constante do estado de autoconsciência pura alternado com atividade de vigília habitual dá origem a um novo estado cerebral, integrado, em que a autoconsciência pura coexiste com vigília, sonho e sono. Neste novo estado integrado, consciência pura é experimentada como um estado fundamental que dá origem a experiência em curso. É análogo à vastidão do oceano que não se perde com cada onda crescente da vida diária. A pesquisa identificou marcadores fisiológicos e fenomenológicos deste estado integrado durante o sono e durante a resolução de problemas. Apresentou-se uma melhora no sono, na solução de problemas cotidianos, observando-o com mais simplicidade e melhoras consideráveis na estrutura fisiológica dos meditantes. 17 As pesquisas sugerem que o sono serve para que possa ser feita a reparação das células do desgaste cerebral do dia a dia, sendo assim, o bom sono, torna esse processo de reparação muito mais eficiente. Mantendo as regiões do cérebro mais saudáveis para execução de suas tarefas.
110
MT a experiência de autoconsciência passou a ser contínua ao longo de
atividades diárias.
Você leitor pode pensar: Como estar sem pensar nada com tantas
tarefas para cumprir ao longo do dia e, ainda, enquanto na prática delas? Explico:
É como se os pensamentos não “aderissem à mente” eles vêm e vão conforme
necessidade de observação, mas não ficam se estendendo em burburinhos
mentais para além disso; e o principal disso é que não há julgamentos com
relação a nada, há somente cálculo de escolha e consequência para definir uma
ação, além de uma profunda integração do indivíduo com o todo (mundo interno,
externo e universo), como explicamos na tabela acima. É o contemplar, observar
e meditar naturalmente, como descreveu Osho (2002), se permitindo viver cada
momento aqui e agora e sentindo o movimento natural dos acontecimentos e
suas consequências.
Travis (2006) observou que também é ampliada, ao longo do tempo, a
capacidade de descrever experiências subjetivas e que a experiência da
consciência transcendental é responsável pela continuidade de ações com
consciência (termo conceituado anteriormente) como subproduto. Outro fator
positivo é o aumento de atenção plena que, por sua vez, descobriu-se associada
ao bem estar psicológico: “[...] whereas mindfulness was positively correlated
with self-rated physical health, self-esteem, and satisfaction with life.” 18[TANNER
et all. 2009, p.19].
O autor também transcreve que as experiências transcendentais
(TRAVIS, 2014) promovem maior desenvolvimento humano, proporcionando
maior integração do cérebro, diminuição da ansiedade durante tarefas
desafiadoras e maior estabilidade emocional. Um estado integrado entre auto
consciência, vigília, sono e sonho é chamado consciência cósmica na tradição
Védica. A relação sujeito/objeto durante essas experiências é caracterizada por
ausência de espaço/tempo/corpo/sentido, bem como por ausência da estrutura
que dá sentido às experiências de vigília. Na transcendência é apresentado um
estado não dual segundo o autor, o que significa que não há certo X errado, bom
18 Mindfulness (atenção) foi positivamente correlacionada com a autopercepção de saúde física, a auto-estima e satisfação com a vida
111
X mau, há somente escolha e consequência, que é possível por transcender
processos cognitivos e afetivos.
Na meditação transcendental repete-se um mantra continuamente até
que a mente pare de observar sentido na palavra ou significado e seja apenas
som. Outra característica é a sincronização do mantra com a respiração. Esse
tipo de meditação faz parte do modelo Védico usado pelo autor em suas
pesquisas, que pude experimentar em retiro, sendo este de origem Tantra e não
Védico, com Monge Indiano Acharya Jinanananda (Dada, como gosta de ser
chamado), nascido no Congo e praticante de tantra Yoga desde 1986, que com
larga experiência adquirida em 11 anos de trabalho no sudoeste da Ásia, atua
no Brasil desde 1999, divulgando o Neohumanismo, o Tantra Yoga (meu objeto
de interesse), o vegetarianismo e o Prut, oferecendo uma visão de futuro
sustentável para todos. Meditamos entre várias palavras e seus significados, em
“Baba Nam Kevalam”, sendo que no literal, baba significa pai, nam nome e
kevalam somente. Seu significado é, porém, bem mais profundo, pois cada uma
dessas palavras tem outros significados; o contexto geral pode ser
compreendido como “somente existe o amor”, amor em deus”, “somente o nome
do pai supremo”, “supremo amor do pai”, entre outras. Agora tente juntar todas
essas sentenças e poderá ter ideia de sentido, mas não definição em palavras.
Também há o modelo que conheci pelo budismo (que divido com vocês abaixo
e com os experienciadores da instalação artística proposta), onde há uma
repetição de sentenças e não de palavras, em sincronicidade com a respiração,
que vai orientar a mente até seu estado natural de pura consciência.
Encontrei nessas pesquisas do Dr. Travis grande identificação com
minhas experiências:
Transcendental Meditation practice can be superficially described as thinking or repeating a mantra—a sound without meaning—and going back to it when it is forgotten.21 A person with this understanding might maintain that thinking a mantra and experiencing pure self-awareness are mutually exclusive. They are right. In pure consciousness there can be no shadow of thought or individual intention. Other mantra meditations involve keeping the mantra in awareness, linking the mantra with our breath, or thinking about the meaning of the mantra. These would be counter to the process of transcending. The TM technique does involve a mantra; but TM is a process of transcending perception of the mantra. Transcending means appreciating the mantra at “finer” levels in which the mantra becomes increasingly secondary in experience, ultimately disappearing, and self-awareness becomes primary.9, 22 Silence, expansion and evenness begin to dominate awareness, while mental activity decreases in intensity and frequency,
112
and ultimately ceases. Transcending is automatic, conducted by the natural tendency of the mind.9 Transcending must be an automatic process. Any intention or individual directing of the mind leads to increased activity in a localized area—the mind cannot transcend. Maharishi Mahesh Yogi, who brought the TM technique to the West, described pure consciousness in this way:9 The state of Being is one of pure consciousness, completely out of the field of relativity; there is no world of the senses or of objects, no trace of sensory activity, no trace of mental activity. There is no trinity of thinker, thinking process and thought, doer, process of doing and action; experiencer, process of experiencing and object of experience. The state of transcendental Unity of life, or pure consciousness, is completely free from all trace of duality. (p.222). (TRAVIS, 2014. p.5).19
São inúmeros os benefícios da prática de meditação para saúde do
corpo e da mente. E tendo as práticas de meditação relação direta com mente,
pensamentos, ordenação mental e emocional, todos esses caminhos que
percorremos nos capítulos anteriores consideramos escolha apropriada para
compor o esqueleto da obra de instalação, fruto desta pesquisa. Este subcapítulo
compartilha potenciais desenvolvidos pela prática de meditação védica do Dr.
Travis, mas deixamos como adendo uma sugestão de meditação da Seicho-no-
ie, que é uma vertente da filosofia budista, chamada meditação Shinsokan (que
já experienciamos), (ver figura 18 e 19), com as devidas orientações do Prof.
Masaharu Taniguchi, líder religioso japonês fundador da Seicho-no-ie (vista
como filosofia e não religião, que tem adeptos exclusivos bem como atende
pessoas de várias outras crenças). Sugiro um mantra de palavra a escolha do
19 A pratica da Meditação Transcendental pode ser superficialmente descrita como ficar pensando ou repetindo um mantra até que a palavra perca o sentido e seja esquecida. Uma pessoa com esse entendimento pode sustentar o pensamento de que o mantra e a experiência de consciência pura são mutuamente exclusivos. Estarão corretos. Na consciência pura não há qualquer sombra de pensamento ou intenção individual. Outras meditações em mantras envolvem manter o mantra na consciência, associando o mantra à respiração, ou pensando no significado do mantra. Isto poderia ser contrário ao processo de transcendência. A técnica TM envolve um mantra; mas é um processo de transcender a percepção do mantra. Transcender significa apreciar o mantra em nível sutil onde o mantra começa, cada vez mais, a ficar secundário na experiência, finalmente desaparecendo e mantendo a autoconsciência como primordial. Silêncio, expansão e uniformidade começam a dominar a consciência, enquanto que a atividade mental diminui de intensidade e frequência, e, finalmente cessa. Estar transcendendo deve ser um processo automático, realizado pela tendência natural da mente. Qualquer intenção ou direcionamento individual da mente leva ao aumento da atividade em uma área localizada, em que, a mente não pode transcender. Maharishi Mahesh Yogi, que trouxe a técnica da MT para o Ocidente, descreveu a pura consciência desta forma. O estado de Ser é um dos estados da consciência pura, completamente fora do campo da relatividade; não existe um mundo dos sentidos ou de objetos, nenhum traço de atividade sensorial, nenhum traço de atividade mental. Não há trindade do pensador, processo de pensamento e pensamento, executor, processo de fazer e ação; experimentador, processo de experimentar e objeto de experiência. O estado de unidade transcendental da vida, ou consciência pura, é completamente livre de qualquer traço de dualidade.
113
meditante, para quem não tem experiências anteriores, anteriormente à prática
Shinsokan, por ser bastante favorável a melhora de concentração para essa
posterior prática de sentenças, não sendo impreterivelmente necessário,
entretanto.
Deixo sugestão que aprendi com o monge: não é necessário que procure
uma palavra indu ou budica, mas uma que esteja em seu interesse ou
necessidade, como por exemplo: “amor, amor, amor, amor....”, “luz, luz, luz, luz,
luz....”, “sol, sol, sol, sol...”, pois depois de alguns minutos repetindo a palavra
perderá sentido e a percepção a observará de outra forma como som ou
frequência de onda. Outra observação (Dada) é quanto ao tempo de dedicação,
é ideal que seja feita diariamente, mas o monge atenta que é melhor fazer três
vezes por semana, ou 5 a 10 min, por dia que não fazer. Apesar de não ter muita
eficiência, pouco tempo pode ir despertando o hábito gradualmente e facilitando
o processo diário.
Estarão disponíveis também no espaço da obra 200 impressos dessa
prática, para que os “meditantes” possam levar para seu dia-a-dia e experimentar
os benefícios mencionados, que para serem desenvolvidos precisam de
disciplina diária, sendo a obra então concebida como um convite atraente e inicial
à prática da meditação, oferecendo-se assim como um modo de a artista
estender e compartilhar experiências vividas e transformadoras de si mesma,
ciente de que as suas experiências, ainda que fortemente individuais, têm um
fundo universal que as teorias abordadas aqui ajudam a compreender.
114
Figura nº 21: Meditação Shinsokan 1
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves
115
Figura n º 22: Meditação Shinsokan 2
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves
116
CAPÍTULO 3 – PROJETO E OBRA – IDÉIA INICIAL E SUAS
MODIFICAÇÕES
O interesse inicial desta pesquisa partiu de outra pesquisa que vinha
fazendo há alguns anos, com o intuito de me autoconstruir e resolver padrões
repetitivos que identificava em meu meio familiar, bem como de superar
dificuldades de confiança e relacionamento social, incomuns na minha forma de
agir, visto que passei a convive-las depois de certo período da vida.
Este capítulo trata tanto da obra plástica nos projetos iniciais, quanto das
modificações realizadas até execução final, quanto dos bastidores do
desenvolvimento teórico, que se distanciou bastante da pesquisa inicial pela
necessidade de preservar a qualidade do mesmo, sendo necessário maior tempo
de pesquisa, para seguir um caminho de estudo que aborda diferentes áreas
relacionando-as, conforme foram percebidas como complementares.
A obra plástica foi a parte que mais sofreu modificações em relação ao
meu interesse inicial. A pesquisa teórica teve força maior no desenvolvimento
deste projeto, porque para mim desde conhecimentos anteriores à faculdade, o
conhecimento linguístico vem antes que o visual, explicita e exemplifica melhor
seu conteúdo. Toma como um interesse particular ser clara tanto para indivíduos
com formação superior quanto para pessoas com menor grau de
desenvolvimento educacional institucional.
Falar em educação pela arte, arte-educação ou em autoeducação pela
arte significa pensar em atender a interesses coletivos considerando a
individualidade humana além das fronteiras institucionais, sociais, egoísticas e
competitivas. Do ponto de vista desenvolvido aqui, o primeiro interessado em se
autoconstruir deve ser o próprio artista, para que possa realmente trazer
modificações sólidas e efetivas, às pessoas com as quais sua arte interage.
3.1 - Pesquisas: detalhes e observações sobre escolhas de conteúdo
teórico, desenvolvimento do projeto e minha relação particular com a obra
na experimentação dos processos envolvidos na pesquisa.
b) PROJETO TEÒRICO
As relações entre conhecimentos teóricos são fruto menos de uma
análise sintética do assunto e mais fruto do modo como minhas experiências de
117
vida me levaram a relacioná-las. Uma característica especial deste trabalho é de
que faço aqui relação entre conhecimentos oriundos de áreas da ciência
(metapsicologia, psicologia cognitiva, semiótica e neurociência) e de “filosofias”
consideradas não científicas, como as práticas espiritualistas, em particular as
orientais de estudo da meditação através de Osho e observações para
construção interna do indivíduo de Chopra et All.
Início a presente proposta comentando particularidades a meu respeito,
a deixar explícito que não se trata simplesmente de situações de conhecimento
teórico para mim, mas também de situações vivenciadas, tanto nas
problemáticas quanto nas soluções. Essa dupla vivência, fez delas, acredito eu,
mais acertadas e intensas no seu desenvolvimento.
Padrões de conduta em meu meio familiar como pré-conceitos e, uma
visão de vida baseada quase que exclusivamente em construir uma vida com
base em recursos materiais sem considerar minha pré-disposição, afinidade ou
dom, em algumas escolhas na vida como, profissão por exemplo, visão essa,
baseada no medo do desconhecido, pois define a vida dentro do quesito
sobrevivência (pagar contas e conseguir uma posição admirável no padrão
coletivo social, sem considerar minha relação dia-a-dia com tal escolha), bem
como pouca tolerância quanto à diferenças, identifiquei como padrão repetitivo
a partir do momento que tive contato com as experiências que tiveram esses
familiares mais próximos a mim, com sua família de origem, que por sua vez
tinham os semelhantes padrões de conduta e pensamento. Eu, não sentindo
conforto, confiança ou adequação a esses padrões, passei a reagir ao longo do
tempo, com agressividade e indiferença a meu meio familiar, passando cada vez
menos tempo no ambiente e evitando ao máximo qualquer proximidade de
convivência. Essa minha reação por sua vez, tendo acontecido no auge de minha
adolescência, se manifestou de forma tão bruta e rápida, que a distância que
começou a se apresentar não permitiu que eles me conhecessem de fato, me
observassem realmente. Como eu era? Porque eu era? Juntamente com todas
as mudanças que se construíam em mim, e menos ainda eles se manifestavam
muito interessados, pois eu via que ali a referência de viver era o viver do outro,
e não nossas particularidades em expansão contínua de construção, que por sua
vez, mantinham o ambiente geral familiar sempre caótico, não deixando espaço
118
para que pudessem perceber sequer a origem de suas suposições acerca da
vida. Desta forma, criaram com o passar do tempo a imagem de mim, a partir
dos poucos minutos de convivência que tinham comigo, mais conveniente a
justificar minha conduta bem como manter seus padrões repetitivos protegidos.
Nesse momento eu que já não tinha referências, pois as que me foram
apresentadas não faziam sentido à minha forma de observar a vida, perdi
qualquer possibilidade de referência, nem que fosse com fragmentos daquela
base emocionalmente caótica e de ambiente ora agressivo, ora indiferente e
sempre desunido. Cabe ressaltar que vivenciei extremos emocionais, pois se por
alguns eu conheci a indiferença, por outros eu conheci o excesso de zelo, o que
me permitiu vislumbrar como seria o equilíbrio, o meio. Apesar da primeira
infância, conturbada, cada um à sua maneira me passou bons valores e
fortaleceu em mim um senso ético muito forte, minha maior dificuldade foi,
apesar de saber de tudo isso, com o passar dos anos não ver isso sendo aplicado
por eles, com convicção em ações cotidianas, principalmente no ambiente
familiar, conforme me ensinaram. Estavam presos aos padrões pretéritos de
família e muitos padrões sociais. Tive que escolher. Escolhi o que aprendi e
compreendi como sensato, mais do que o que vi dentro das conveniências nas
ações de cada um. Principalmente escolhi tentar compreendê-los sem esperar
que me compreendessem. E meu ponto de partida foi me compreender primeiro,
a fim de que pudesse no mínimo ter mais confiança em defender minhas
particularidades não aceitas e sempre em questionamento.
Nesse momento iniciei uma busca difícil, dolorosa e ao mesmo tempo
maravilhosa, para construir minha própria base de referência, e fortalecer minhas
convicções positivas, com o campo imensamente ampliado que a vida e, as
diferenças podem oferecer, indo muito além da referência familiar.
Durante o caminho percebi que, em alguns aspectos, como confiança, a
forma como me percebo, a minha capacidade de correr riscos, inovar em
soluções variadas para solucionar problemas do dia a dia, que sempre se
manifestaram de forma eficiente em minha relação com ambiente social até a
primeira infância, passaram a se apresentar de forma danosa em minha vida se
agravando a partir da adolescência. Percebi que necessitava buscar muito mais
recurso emocional para resolver pequenos problemas, do que outras pessoas
119
que cresceram em ambiente mais equilibrado e unido. Identifiquei que, por mais
que eu quisesse melhorar algo em mim, só o quere não bastava, pois eu
precisava “deletar”, “destruir” os padrões que ecoavam em minha mente,
absorvidos ao longo de tantos anos, para que qualquer reprogramação mental e
emocional positiva pudesse se manifestar. Não foi tarefa fácil.
Essa minha observação de minhas intensões, conduta e pensamentos
conflituosos foi determinante para que eu começasse um aprofundamento
teórico com tudo que se relacionasse com a forma com nós, indivíduos, somos
construídos ou vamos nos construindo até o que manifestamos no presente, bem
como em solucionar os problemas, pois para tal eles precisam estar à luz da
consciência, na sombra do inconsciente pode-se perder detalhes valorosos de
nossas experiências que precisam ser desconstruídos para que o melhor de nós
possa se expressar. Criando uma analogia seria o mesmo que destruir uma casa
para construir outra em seu lugar, que é o início do processo de
autoconhecimento e parte mais dolorosa dele, ou colocar a casa em reforma.
Mas nossa reforma interna, precisa ser feita ao longo de toda à vida, já que
durante todo este período estamos expostos a todo tipo de informação e
experiência.
Além da necessidade de equilibrar os conflitos emocionais e mentais de
ambiente caótico no meu cotidiano, precisava compreender também,
particularidade que trago de nascimento, com relação a experiências
consideradas fenomênicas ou extrafísicas, que manifesto desde a infância,
tendo convivido com elas com mais profundidade minha avó materna, por ser a
única pessoa aberta a me orientar em tais questões, ou pelo menos me ouvir e
incentivar a extrair o mais positivo delas. Apesar de manifestar nitidamente, certo
receio ao interesse em me aprofundar em tais experiências e me trazer alguns
conflitos pelo mesmo motivo.
No período não consegui compreender tais manifestações como,
telepatia, experiência fora do corpo, previsões de coisas que estavam por vir,
lembrança de vidas passadas, entre outras, que no Kardec são chamadas
mediunidade, pois naquela época não havia tido contato com nomes e conceitos
específicos da metafísica, espiritualista e afins, assim como não tinha procurado
por isso. Venho de base católica, então apesar de tudo ser vivido, não tinha
120
nomes explicáveis pra mim e até aquele momento o pré-conceito e o medo do
desconhecido por parte da maioria das pessoas era enorme no que se referisse
a essa questão. Era difícil conversar com qualquer um sobre isso, o
desconhecimento do assunto e o medo do desconhecido, talvez, levavam as
pessoas a evitar o assunto.
Também não havia porque buscar pois estava em equilíbrio interno e
havia sido, pra mim, desde a infância, muito natural, todas esses sentidos
incomuns à uma grande maioria, na época, sentidos estes que me ajudavam a
solucionar rapidamente problemáticas internas e externas com muita facilidade,
além de por vezes ampliar meus sentidos mais comuns, os cinco sentidos. O
fato de esses sentidos “extras” terem relação com minhas percepções mais
comuns, acabou por ampliar muitíssimo os problemas emocionais, pois os
sentidos “extra-sensoriais” também começaram a necessitar de equilíbrio e
conhecimento mais aprofundados, precisaram ser trabalhados por estarem
sofrendo influência das minhas percepções e sensações comuns.
O máximo que tive quando criança foi o treino mental, que me colocava
para fazer às vezes: eu ficava radiante, pois sempre acertava. Era um jogo
sugerido por um livro chamado Poderes da Mente da Editora Abril (ver fig. 20),
que falava sobre conexão quântica, Xamãs, dimensão sensitiva, sonhos,
espectros sensoriais da natureza entre várias outras coisas. Mas, aos 5 anos eu
me concentrava nos joguinhos, esses realmente me interessavam, e havia um
dentro do livro sobre telepatia. Vinham 28 cartas com figuras diferenciadas. Duas
pessoas pegavam cada uma, uma carta e olhando fixo nos olhos uma da outra,
tinham que tentar acessar o pensamento da outra para “ver” o que essa estava
vendo na carta. Então, se minha irmã estava com uma carta na mão ela olhava
e eu acessava o que ela estava observando e tinha enorme número de acertos,
quando eu não acertava, ela me dizia: “essa não foi a carta que escolhi, mas a
última figura que olhei no livro foi essa! ”. Cada carta tinha uma figura diferente.
Nós já sabíamos todas. Difícil ficava quando o pensamento era focado em
imagem nunca vista antes, pois nem sempre a pessoa consegue focar só a
imagem, e o pensamento vem sujo e a imagem desconexa. Aconteciam
naturalmente.
Figura nº 23: Livro de prática da primeira infância da autora
121
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Só quando, depois da adolescência, que comecei a manifestar padrões
familiares danosos à minha saúde física, psíquica e de ambiente é que me
interessei e “dar nome aos bois” e em conhecer todos os nomes e conceitos. Só
muito anos depois fui conhecer teóricos. E mais alguns anos adiante, na
faculdade é que me interessei a escrever sobre eles, associando as idéias
desenvolvidas por eles com aquelas que eu própria havia desenvolvido a partir
de minha experiência de vida.
Começou com estudos que partiam de conceitos religiosos controversos
à cerca do mundo e das sugestões por meio das instituições religiosas de
padrões de conduta e da forma como deveríamos, segundo cada uma, nos
observar perante a essência criadora e o universo juntamente com pesquisas
históricas sobre os mesmos assuntos e seus períodos. Onde foi possível
identificar, por exemplo, que a seleção e organização das escrituras antigas que
compõem alguns livros religiosos, obedeciam a interesses políticos do período,
e que várias outras escrituras que haviam sido excluídas de tal organização,
mudariam em muito a interpretação que fazemos hoje desses fragmentos
selecionados (esses manuscritos e essa observação vem de historiadores da
área). Ou seja, neste momento de minha vida, passei a questionar e experiência
ao máximo o que eu entrava em contato. Vejamos neste caso que cito, o
responsável por passar adiante o conhecimento religioso é o próprio homem,
que tem suas limitações e fraquezas, bem como, interpretações que só são
possíveis a partir do conhecimento que possua e da liberdade mental que se
permita. Ou seja, a compreensão das coisas da vida e da morte serão sempre
122
individuais e intransferíveis. Perguntas como: “Porque tal fulano consegue ver
espíritos e eu não? ”, “Existe reencarnação? ”, acredito serem perguntas a se
fazer a si mesmo, jamais ao outro. Não precisamos de nenhum pesquisador
assinando embaixo, para considerarmos que das leis e recursos do universo, o
homem sabe quase nada e ainda tem muito a descobrir sobre sua própria
natureza.
No ensino médio comecei a relacionar conceitos de matemática e física
sobre planos, tempo, aceleração e visão espacial de plano, dentro das duas
matérias. Em 1999, tive contato pela primeira vez com teorias que explicavam
exatamente o que eu supunha anos antes: A Teoria das Supercordas. Tudo o
que pensava e escandalizava as pessoas com quem eu conversava estava ali
anos depois, defendido por um físico de quem eu nunca ouvira falar (naquela
época abrir a mente para conhecimentos metafísicos, metapsíquicos e,
principalmente, espiritualistas, era motivo de muita crítica e até de médico; às
vezes, era mesmo para “me acabar de rir” o medo do desconhecido nos olhos
das pessoas e a necessidade de todos de se provar o que é dito, sem considerar
as novas e maravilhosas possibilidades de observação de nossa natureza, que
elas possam trazer. Mas havia também, aquelas pessoas que embora com
medo, tinham uma curiosidade, que me faziam questionamentos e que
acabavam por me indicar novos caminhos. No final simplesmente percebiam que
já consideravam tais possibilidades, mas, talvez, não se aceitassem por que
estavam buscando sempre a aceitação do outro, eu inclusive, principalmente por
parte da família. A partir desse momento fui me aventurando em todas as
vertentes do conhecimento que se relacionassem com comportamentos, ideais,
emoções, traumas, crenças, que formam personalidades ou, por vezes,
controlam personalidades em massa, personalidades essas que, por sua vez,
gerenciam ações num processo imediatista, autoprojetor e, às vezes, repetitivos.
Mas, meu interesse maior no início eram os traumas graves, sendo que ao
longo desse processo percebi que o caminho de construção e desconstrução de
traumas graves era o mesmo para identidades pouco tolerantes, preconceituosas ou
simplesmente não maleáveis e autoritárias. Quanto as práticas espiritualistas,
vivenciei Umbanda, Kardec, Gnose, Seicho-no-ie (que conheci a convite de meu
padrasto José Irany a quem tenho imensa gratidão), Tantra e Budismo: apesar de ser
123
de família de base católica me senti muito mais à vontade com os conhecimentos
espiritualistas, principalmente a partir das filosofias orientais, por seu conteúdo teórico
bem organizado em conjunto com as práticas. Em 2010, já no do curso de Artes,
quando me vi tendo que escolher uma pesquisa para conclusão de curso, foi inevitável
que eu continuasse o caminho que comecei lá atrás, pois meu foco nos últimos anos,
até por uma necessidade particular de me livrar de traumas graves de infância e
adolescência, havia sido este. Agora, porém, com o acréscimo das referências que
tive que atualizar às minhas vivências, pois no começo meu interesse não era passar
a outras pessoas. Essa busca dos conhecimentos de base, os primeiros com os quais
tive contato, me trouxeram caminhos novos; e minha ansiedade em me aprofundar
em cada um deles acabou se estendendo, ampliando demasiadamente a pesquisa
inicial e tornando-a muito complexa. Precisei de um ano, só para organizar até estar
bastante satisfeita com o mergulho que fiz em cada uma delas: neurociência, física,
física quântica, metafisica, biogenética e, mais um pouco para selecionar quais os
conhecimentos eu apresentaria nesta pesquisa.
Tive novos acréscimos quando a colega de curso, Liege Dreyer foi convidada
a conhecer A Homeostase Quântica da Essência, do terapeuta em formação Sérgio
Ceccato, me estendendo o convite. O tema tratava de boa parte das questões que eu
já conhecia pelas experiências espirituais, principalmente budista e tântrica, que têm
em sua base o controle da mente pela observação presente e consciente das coisas,
gerando realidades curativas do ponto de vista material ao psicológico. A homeostase
pontuava novas formas de aplicação terapêutica, tendo como base os mesmos
conhecimentos, no tratamento doenças graves, através da limpeza de traumas e
condicionamentos pela expansão da consciência, por meio de comandos verbais de
indução mental (frases especificas identificadas depois de muitas experimentações,
que dão acesso direto à consciência de base das informações armazenadas pelo
indivíduo e que desencadeavam acesso ao subconsciente e consequentemente ao
registro das experiências gravadas protegidas pela psique nesse departamento mais
obscuro de difícil acesso e pouca atividade).
Não me aprofundei, nessa pesquisa, nesse caminho homeostático, apesar de
estar vivenciando inteiramente e continuamente o processo, de forma tanto prática
quanto teórica: mas trato, até onde for pertinente, dos conhecimentos e práticas
búdicas e tântricas que experiênciei. Esses comentários pretendem incitar seu olhar,
124
observador, desde já, à forma como funcionam as divisões de informação do
consciente e do subconsciente e sobre sua seleção, conhecimento de suma
importância para quem busca aprofundamento em si, a tal ponto que o equilíbrio
interno supere qualquer turbulência externa ou, pelo menos possa desenvolver auto
controle e tranquilidade diante das adversidades, bem como oferecer uma educação
cada vez mais acertada a seus dependentes, seja familiares ou institucionais.
Esta pesquisa, então, concentrou seu foco na necessidade do
autoconhecimento, tanto por parte do público das artes quanto do artista produtor,
considerando principalmente que se tenha em mente que o óbvio não é absoluto, e
sim relativo ao conhecimento e às informações que cada um carrega em si e, sendo
assim, é muito importante saber prever as possíveis identificações que o interlocutor,
em vários graus de conhecimento, pode fazer da imagem. É importante usa-la com
responsabilidade consciente da influência que exerce sobre o outro, amplificando a
emoção dos mesmos através de lembranças e informações que são acessadas no
contato com a obra. Não me limitando a isso, percebi também que o conhecimento
por meio de linguagem escrita deve ser considerado parte importante em obras
quando a mesma já tem um conteúdo de direção de pensar determinada mas muito
abstrata, para que todos do menor ao maior grau de conhecimentos sejam
institucionais ou não possam se sentir igualmente inteirados com a obra e possam se
observar e conseguir observar também, isoladamente as intenções do autor da obra.
Por exemplo, um texto explicativo ou sugestivo acerca de possíveis formas interpretá-
lo, ou ainda melhor, mais sugestivo e menos óbvio para não quebrar a magia da obra,
uma lista de perguntas, que possam orientar os pensamentos de pessoas menos
instruídas e menos acostumadas a inter-relacionar conhecimentos e formar opinião
própria acerca das coisas, podendo assim também, talvez, estimular essa prática no
cotidiano do observador, mesmo que inconscientemente. Assim, estamos
colaborando com a formação de opinião e não só armazenagem da opinião alheia.
Para isso, precisamos entender como funciona nossa absorção de
informações, os mecanismos da mente, e ampliar nossa visão de mundo, de
tempo e espaço, das diversas realidades das mentes humanas, suas verdades
individuais e, principalmente, precisamos entender a nós mesmos,
individualmente.
125
Como a pesquisa inclui experiências próprias, cito aqui também, a
Seicho-no-ie, uma vertente filosófica do budismo nos diz que a matéria é criação
ilusória de nossa mente, ainda em começo do processo evolutivo do mundo
fenomênico que vivenciamos. A Seicho-no-ie entende como fenomênico a
experiência da matéria, sendo assim a mente gera a realidade, não sendo um
instrumento de percepção do mundo que vivemos, mas o que o cria dentro de
nossa realidade dimensional. E que a realidade mesmo, só passa a existir
conforme vamos acessando a consciência mais próxima da nossa essência
divina. Experimentei mudanças sólidas, de ação e matéria, pela mudança de
meus padrões mentais. Descobri que não há sombras, trevas, demônios,
sofrimentos e doenças isso é somente a ausência da luz. E na ausência da luz
(onde mora a verdade divina da pureza e perfeição originais), a mente,
principalmente as mais longes da consciência e mais escravas do
subconsciente, por não ter domínio das paixões, começa a criar fenômenos que
venham confortar, ajudar a aceitar realidades dolorosas num círculo vicioso
contínuo. E você se pergunta, mas como assim? Vejo o sofrimento na tevê, no
vizinho, na minha casa, e crio isso com a mente e a doença então? De certa
forma, sim! Nós não podemos evitar a conduta danosa alheia, todos têm direito
à sua escolha, mas podemos evitar o fruto da mesma, assim temos que melhorar
primeiramente nossa própria conduta, instruir aqueles sobre nossa
responsabilidade nesse caminho de seu reino interno. Sem esquecer que o reino
de seu filho não é o seu, os caminhos dele também não! Suas experiências de
vida podem ser suas referências, mas jamais determinantes; só ele é capaz de
gerenciar corretamente o reino dele e se você o invadir só prejudicará em vez de
colaborar. Isso vale para o respeito entre todos os reinos, não só entre mãe e
filhos.
A doação de experiência deve ser despretensiosa e cheia de amor, caso
contrário jamais será doação. E doação não é caridade, nesse caso é reflexo do
amor incondicional por alguém, onde o prêmio é a paz e a satisfação pela própria
ação. E, conforme andamos nesse caminho, vamos naturalmente nos afastando
de pessoas de natureza desonesta, ou bloqueando seu acesso a nosso reino,
caso seja inevitável conviver com eles em situação de trabalho, faculdade ou
escola. Esse foi meu maior aprendizado nesse período. Bloquear essas pessoas
126
sem apego, medo ou ressentimento. Simplesmente escolhendo o que dialoga
com meu reino. Aceitando e vivendo o melhor de mim e do outro que dialoga
comigo. Nem sempre é tarefa fácil. E a doença? Descobri sua relação direta com
as informações emocionais danosas no subconsciente. Isso será base sólida de
construção da continuidade desta pesquisa.
Lembram-se da catexia quirense de Freud? Pois então, recebendo
energia danosa ao nosso sistema continuamente, geramos reflexo semelhante
na tentativa de autoproteção; mas sendo a energia de frequência semelhante,
não há bloqueio definitivo. Então, com o passar do tempo essa energia fica
insuportável ao sistema e começa a se manifestar materialmente, tem relação
com os pontos de energia do corpo, os cháckras, que em desequilíbrio começam
a concentrar essa energia em pontos específicos relacionados, gerando matéria
densa da mesma informação. É o fenômeno matéria. Mas a partir do momento
que não observamos mais suas referências dolorosas e focamos na saúde
mental e física, essa se apresenta na matéria. E no caso de doenças existentes,
o processo de cura é mais eficiente e mais rápido, não desconsiderando para
tanto o uso dos medicamentos necessários para saná-la por completo. Vemos
matérias e documentários sobre isso com muita frequência nos tempos atuais.
Observemos então o que queremos para nós e não o que não queremos. Pois é
o que é observado, que logicamente se apresenta aos olhos. Então vamos
abandonar os condicionamentos e os pré-conceitos a respeito das coisas,
observá-los, compreendê-los, escolher o que queremos com consciência e, o
principal praticá-los. Não vamos mais falar de amor. Vamos fazer o amor no
nosso dia a dia. Amor é ação!
Então o foco aqui é autoconhecimento. Mas, damos um indicativo de
vários caminhos a pensar a partir disso: quanto ao artista produtor, quanto ao
espectador, quanto ao ser individual no todo e o todo manifestado de maneira
genérica de várias individualidades coordenadas pelo subconsciente. Esta
pesquisa é um pequeno fragmento introdutório às outras duas em construção
simultânea a esta. O mais interessante foi observar que fiz o caminho inverso do
costumeiro. Vim do mais complexo para voltar a esse mais simples, um
conhecimento sobre o meu eu particular; sempre evitei as coisas simples por
não manterem minha atenção contínua. Sou hiperativa e aprendi a usar esse
127
sistema mental a meu favor. Percebi que minha mente trabalha em produção de
teias simultâneas de conhecimentos absorvidos, armazenados e criados ao
mesmo tempo e num fluxo tão grande que quase minha coordenação corporal
não consegue acompanhar. Essa forma de gerência mental é de nascimento,
mas foi alvo de muita crítica e repressão pelo simples fato de eu não observar o
mundo a partir do que tem que ser provado, o que me abriu muitas portas
especiais, sem dúvida! Não sou a única em minha família, e conheci muitas
outras ao longo da vida, e percebi que os problemas gerados para essas
pessoas ou projetados por elas estão principalmente no fato de terem o
funcionamento de seu sistema não respeitado, sendo obrigada a vivenciar
padrões programatórios que não lhes são natos. Aceitando essa particularidade
em mim pude extrair o melhor dela e ter a coragem de afirmar que quem busca
a solução de um fato apenas em si mesmo jamais a encontrará. Os
conhecimentos das distintas áreas são inevitavelmente complementares, onde
um te falta, o outro vem completar; então temos que deixar a mente aberta; e
para que a mente esteja assim é preciso saber controlá-la e não ser controlado
por ela. É preciso saber sentir o momento presente e estar sempre na companhia
do consciente mandando, e saber resolver as “pendengas” do inconsciente que
inclina todo ser humano aos processos repetitivos, sejam sociais, traumáticos
entre outros, por fazer parte de um mecanismo de defesa natural instintivo da
nossa espécie.
a) OBRA
A obra de instalação apresentada é consequência natural de pesquisa
teórica, sem referências imagéticas ou pesquisas anteriores de outras obras. A
obra é uma instalação que sugere um ambiente meditativo, entretanto, com
adendos pertinentes a representar todo o caminho de construção do indivíduo
desenvolvidos no conteúdo teórico, convidando o interlocutor a refletir sobre
cada particularidade de si, de forma que, o próprio estivesse livre de
representações imediatistas que pudessem influencia-lo em seu processo de
busca interna. Trataremos o indivíduo em contato com a obra aqui de meditante.
Dentro do espaço de uma tenda branca de 2,40 m², está toda a
organização da obra. Logo na entrada o meditante, se depara com um tapete
colocado para que sente e comesse uma experiência por seus caminhos
128
internos. A frente dele se forma um caminho com rostos de crianças, todos
brancos, representando a pureza e a inocência da criança, bem como, que
representando a criança interior como base importante de compreensão dos
fragmentos que compõe o meditante, terminando em um grande espelho
colocado de frente do meditante. Nas laterais do tapete, um pouco atrás do
meditante, tem dois espelhos em ligeira diagonal direcionados para o espelho
que está à frente do meditante. Nas laterais direita e esquerda da tenda, bem
como o fundo, à frente do meditante estão espelhos e máscaras (rostos)
flutuantes, intercalados e presos por fios de nylon. Nas laterais do caminho
construído com os rostos das crianças, há seixos brancos e, sobre eles, mais
algumas máscaras representando os fragmentos que compõem o indivíduo bem
como as inter-relações dos indivíduos entre si. Fica disponível, no espaço da
obra, áudio de indução meditativa, bem como um papel com orientação de
meditação Tântrica e um modelo de meditação Budista este último,
especificamente da vertente Seicho-no-ie, para que o meditante leve para casa.
Até que a obra chegasse a essa configuração final, sofreu inúmeras
modificações. A única coisa em comum à todas as propostas era o uso das
máscaras para construir a obra. A primeira idéia necessitaria de um número
imenso de máscaras, todas em resina cristal e mais programação por programa
Arduíno, projeção e construção de vídeo projetado, porém, além de estar
totalmente fora do tempo disponível, exigiria um gasto inviável para o período.
Outro, fator determinante para não produzir essa idéia, foi o fato de ter sido
excluído de conteúdo teórico algumas pesquisas que dialogavam perfeitamente
com a proposta. A segunda proposta também com máscaras, era uma
organização das mesmas divididas sobre três painéis de madeira, com trabalhos
de pintura construído a partir de conhecimentos de psicodinâmica das cores.
Esta porém, não senti que tivessem poder representativo perante à
complexidade da pesquisa feita e foi desconsiderada. Entre essas duas fiz
inúmeros croquis, à mão livre, sempre ao fim de leitura de pesquisa ou práticas
de autoconhecimento ou espiritualista, mas não encontrava nada que me
tocasse como o conteúdo teórico. Decidi então, deixar de lado a construção de
obra e me dedicar profundamente à pesquisa teórica e às práticas espiritualistas
que participam de minha rotina, entre elas a meditação. Já ao fim de delimitar o
129
quê, de tudo que havia me aprofundado em pesquisa teórica, iria ser
apresentado para este trabalho, foi que a idéia de obra me veio à mente à medida
que eu ia intercalando conhecimentos, como se explicasse a alguém e, em
menos de 15 minutos, ela estava pronta em minha mente.
Todos os recursos plásticos utilizados na obra estavam sendo
desenvolvidos e ou estavam se relacionando comigo e com a pesquisa de
alguma forma direta ou indiretamente, mas sem minha observação direta de
criação da obra, estavam funcionando mais como passa tempos para mim.
Depois de idéia montada na mente, me apliquei em reproduzir a quantidade de
máscaras que precisava para essa montagem de instalação, sendo a fôrma
criada para reprodução contínua das máscaras a parte mais difícil da produção,
principalmente pela necessidade de que as máscaras fossem encaixáveis ao
rosto. Esse detalhe foi de suma importância para diminuir o peso das mesmas
para que a tenda pudesse suportar bem como economia de material. Assim
como o teórico, corri alguns riscos imprevisíveis ao escolher executar a obra
escolhida. O tempo foi um deles.
Outro ponto a considerar, foi a montagem que visualizei em projeto.
Essa montagem poderia não ser possível na prática pela leveza das arestas da
tenda (de alumínio, encaixáveis até dar o comprimento da altura) em relação ao
peso dos elementos presos ao seu redor. Consegui vislumbrar algumas soluções
e entre elas escolhi o uso de ferro de fundição para sustentação de vigas na
construção civil estando então, no comprimento das arestas completas, para
fortalecer a estrutura da tenda, sendo então colocados por dentro das arestas de
alumínio da tenda, já encaixadas. Foi ainda assim um tiro no escuro. O resultado
realmente, só visualizei na montagem. Essa foi a melhor parte de todo esse
trabalho: qualquer inusitado no resultado, tendo se materializado a partir de
conhecimento teórico!
3.2 - Produção, acabamento e montagem
Os materiais utilizados na obra foram uma tenda branca 2,40 m², máscaras
possíveis de serem encaixadas ao rosto e outras, de fundo maciço, espelhos,
tinta, plástico grosso e transparente, seixos brancos e áudio de indução
autoreflexiva.
130
Os recursos de áudio foram baixados da internet e todos os selecionados
fizeram parte de minha experiência pessoal em meditação e canalização de
pensamento, me trazendo resultados incríveis na descoberta e às vezes solução
de conflitos psicológicos familiares na criança interior até situações que havia
experimentado antes de começar essa busca. Os áudios meditativos
participantes no processo dialogam com o espaço. Ficam disponíveis na tenda
algumas cópias dos áudios em cd para quem quiser levar. O áudio parte da
instalação permanece sempre no aparelho de execução. Para o áudio tem um
pequeno aparelho de som, com cd e fones de ouvido.
A maior complexidade na criação da instalação foram as máscaras
encaixáveis, especificamente a produção da fôrma para produzi-las com maior
rapidez. Foram várias formas produzidas para chegar à forma final.
Na 1ª etapa comecei tirando formas de vários rostos feitas de atadura
gessada. Nesse processo é passada uma camada de vaselina sobre o rosto de
uma pessoa e são colocados gradualmente retalhos de atadura gessada sobre
esse rosto até cobri-lo totalmente, como mostra figura 24.
Figura 24: Rosto coberto com atadura gessada e protótipos prontas
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
131
Figura 25: Colocação de atadura no rosto
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014
Dessas fôrmas foram tiradas máscaras (ver fig. 26) com fundo sólido;
isto é não encaixáveis ao rosto. Mas a proposta da obra é que sejam encaixáveis,
em sua maioria tanto pela possibilidade de interação do público com as mesmas,
como pela economia de resina cristal e de massa plástica.
Figura 26: Máscaras de gesso e resina, respectivamente.
132
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
A fôrma de reprodução contínua foi possível pelo uso do silicone (ver
figura 33), pois as fôrmas de atadura gessada não têm durabilidade para resina
e massa plástica. A resina, depois de duas tiragens, danifica totalmente a forma.
Para a “fôrma reprodutiva”, primeiro tirei uma máscara de gesso de uma
fôrma de atadura gessada, passando vaselina sólida no interior da máscara com
um pincel e depois colocando a mistura de gesso. Desenformei e lixei até ficar
bem lisa, sem imperfeições fortes (fig. 27).
Figura 27: máscara de gesso lixada
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Depois montei uma caixa de folhas grossas de isopor, presas com palitos
de madeira para churrasco e fita crepe. Por dentro, nas junções do isopor, passei
argila para lacrar totalmente a caixa. A máscara de gesso feita anteriormente foi
coberta com plástico filme, depois com uma manta de argila aberta, igual massa
com rolo de macarrão. (Ver figuras 28)
133
Figura 28: Máscara com manta de argila e argila no silicone.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Na caixa de isopor foi passada vaselina sólida em todo seu interior;
depois despejei uma mistura de gesso; e quando a mistura começou a reagir e
se solidificar mergulhei a máscara coberta com argila na mistura dentro da caixa
(ver figura 30).
Figura 29: Primeira fôrma para moldar.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
A argila entre o bloco de gesso e a máscara de gesso é o espaço para
o primeiro trabalho com silicone. Retirei então a argila, fiz o preparo do silicone
e despejei sobre a cavidade no bloco, e por cima coloquei novamente a máscara
de gesso, agora sem argila e com uma camada de vaselina sobre ela.
Figura 30: Modelo gesso mergulhado em silicone
134
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Dessa forma saiu a primeira forma de silicone para protótipo de forma final (figura
31).
Figura 31: Molde de silicone de máscara-fôrma-protótipo com gesso usado para produzi-lo.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
135
A primeira dificuldade surgiu aqui. Tentei inicialmente tirar um protótipo
dessa fôrma feito de argila para poder modelar e aperfeiçoar e depois de seco
revesti-lo com massa plástica. Não deu nada certo, pois fica difícil manter a
espessura da massa plástica em igualdade por toda a máscara manualmente,
toma muito tempo e onde ficou muito fina ela quebrou (figura 32).
Figura 32: Máscara que não deu certo
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
O protótipo foi feito então somente de massa plástica, pela sua
resistência para várias manipulações na fôrma e pela facilidade de lixar e dar
acabamento. Passei camadas sucessivas de massa plástica dentro da máscara,
fôrma de silicone (figura 31). Retirei, acrescentei mais massa, até chegar à
espessura esperada; e finalizei com máquinas de lixa e, lixa d’água dentro de
uma bacia de água (figura 33).
Figura 33: Máquinas para dar acabamento e, lixando máscara de massa plástica
136
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Figura 34: Protótipo para produzir fôrma-reprodutiva
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Figura 35: Protótipo com vara para suporte na fôrma-reprodutiva.
137
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
A partir desse protótipo de máscara encaixável de massa plástica (ver
figura 34) pude começar a fôrma final.
Na 2ª etapa da produção de máscaras fiz novamente uma caixa com
paredes de isopor grosso com mesmo processo da primeira, mas agora maior,
pois precisava ter sobras largas ao redor da máscara protótipo. Cobri a máscara
protótipo com argila, centralizei no meio da caixa e fiz uma parede de argila para
isolar a fôrma em duas metades. Passei vaselina sólida num dos lados e enchi
com preparado de gesso. Depois de seca, mantive a máscara com argila no
mesmo lugar, mas retirei a parede de argila. Passei vaselina sólida novamente
na parede de gesso e laterais do lado ainda em isopor. Enchi com outra mistura
de gesso e esperei secar. (fig. 36)
Figura 36: Caixa fôrma 2º etapa.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Quando aberto fica um espaço do tamanho da máscara mais a folga da
argila com a qual foi revestida. Nessa folga entra o silicone da forma final.
138
A máscara protótipo foi lavada e fixada no queixo da figura (que é a parte
que fica para cima, na abertura do bloco de gesso para colocar o silicone), com
uma vareta feita de quatro palitos de churrasco de madeira revestidas de massa
plástica (figura37). Passei argila nas paredes rente ao formato vazado, coloquei
a máscara com a vareta para cima e centralizei deixando espaço ao redor do
protótipo.
▼Figura 37: Protótipo mascara dentro da fôrma para colocar silicone.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Figura 38: Vista de adequação do protótipo e, já com silicone na fôrma.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Com pincel comprido passei vaselina no interior da fôrma bloco de
gesso. Fixei a vareta no gesso (figura 38) e fiz marcação de canetinha do lado
de fora para evitar perder o protótipo da posição correta depois do silicone.
139
Coloquei o preparado de silicone (figura 38) e esperei dois dias para secagem
total. Fôrma de máscara encaixe concluída.
Figura 39: Silicone da fôrma final
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
140
Figura 40: Fôrma reprodutiva concluída.
▼ ▼
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Depois de concluída, foi só passar vaselina sólida com pincel na parte
interna, fechar a fôrma com câmara de bicicleta e colocar a mistura desejada
para máscara (gesso, massa plástica e resina) pelo orifício (▼) no queixo da
face na fôrma de silicone. (figura 40).
As máscaras de encaixe foram feitas de resina, massa plástica e gesso.
Primeiro tirei máscaras de gesso dessa fôrma e depois massa plástica.
Depois de 12 tiragens a lateral mais fina do silicone perdeu um pedaço e
consegui consertar com silicone incolor em bisnaga (figura 41), o mesmo que se
usa para box de banheiro e aquários.
Figura 41: Correção de lateral com silicone bisnaga
141
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Mais adiante, essa lateral mais fina perdeu um pedaço. Corrigi cavando
mais o gesso na parte interna da forma, delimitando espaço de preenchimento
com argila e por fim colocando mais silicone nesse espaço, conseguindo desta
forma engrossar a lateral que estava fina. O problema foi resolvido sem mais
intercorrências.
Detalhes a considerar na produção das máscaras:
Para que não correr nenhum risco de danificar a fôrma novamente,
envolvi a parte de silicone (azul) com plástico filme, pois no caso da resina, por
exemplo, se vazasse e chegasse às paredes da caixa de gesso a fôrma estaria
perdida. Com as máscaras de gesso nenhum problema, o material pode ser
retirado tranquilamente sem necessidade de passar vaselina nas paredes
internas da forma. A massa plástica também, porém, recomendo passar a
vaselina sólida para maior durabilidade da fôrma.
No caso da resina deve ser passado, impreterivelmente, vaselina tanto
na parte interna onde está a forma a desejar reproduzir, quanto nas laterais que
partem desta, para que, caso a resina vase um pouco, não deixe grudada as
duas partes da fôrma. Para que o material escorra com eficiência preenchendo
toda a fôrma deve estar mais líquido. Se a massa plástica vier muito firme, pode
ser diluída em álcool antes de ser acrescentado o catalizador. Já a resina,
normalmente vem mais liquida que a massa plástica. Na primeira tiragem que
fiz, entretanto, já estava mais viscosa, então tive de pesquisar um diluente para
resina. Inicialmente descobri o Etil-metacrilato ou metacrilato de etila, da família
do éster, fórmula molecular C6 H10; é um liquido sem coloração, odor penetrante
e degradável e flutua na água. Essa substância é comumente utilizada por
142
dentistas para polimento químico de materiais de resina, como a parte que
encaixa ao céu da boca em aparelhos dentários móveis, bem como em alguns
elementos de implante dentário. É altamente tóxica e inflamável. Para a
finalidade ortodôntica, a substância é aquecida a 75º C, o aparelho dentário
então é mergulhado na substância sendo movimentado por 10 segundos. A
resina sai lisa e polida. Pode ser interessante para facilitar o processo de
finalização de materiais de resina, entretanto tem um gasto considerável, pois é
preciso um aparelho que aqueça e mostre a temperatura ideal bem como com
capacidade de mantê-la.
Outro material mais específico para diluir a resina e não polimento como
o anterior, é o Monômero de Estireno. O estireno é um hidrocarboneto aromático
não saturado. À temperatura ambiente é um líquido oleoso incolor, que
polimeriza com facilidade à temperatura ambiente na presença do oxigénio. É o
ideal para diluição da resina, mas não encontrei à venda em Campo Grande,
então liguei para uma empresa no Paraná que me orientou a procurar um similar,
que foi testado por eles na diluição do material. A sugestão é o thiner, mas não
é qualquer thiner que reage conforme o esperado; é necessário que seja um
thiner para tinta PU (poliéster) automotiva. Na hora de testar deve-se observar a
reação dos dois produtos, caso o thiner seja fraco a resina talha, fica como leite
coalhado, se for forte demais a resina dilui, mas não enrijece com o catalizador.
Existem várias numerações de thiner PU, então para achar o mais adequado
observei a composição química que mais se parecesse com o Monômero de
Estireno. Dos dois que encontrei um tinha álcool na composição e
hidrocarboneto diferente, já o outro não tinha álcool e tinha acetona como no
monômero e mais hidrocarboneto similar. Foi o que escolhi e deu certo. É o thiner
para Poliéster/PU da marca Wanda, número 1.100. Lembrando que essa
numeração muda de acordo com a marca. Consegui uma consistência mais
liquida e o processo de produção acabou se mostrando mais eficiente até do que
o da massa plástica, pois a resina escorreu pela forma com mais facilidade.
Figura 42:Diluição de resina com thiner para P.U.
143
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
A resina deve ser misturada ao catalizador suavemente, e durante sua
colocação na fôrma é necessário movimentar a forma com batidas leves na mesa
de apoio para que as bolhas subam e se desfaçam e para que a resina escorra
mais rapidamente; e aos poucos se vai colocando mais até preencher toda a
fôrma.
É necessário o uso de luvas, óculos de proteção totalmente fechado,
máscara de pó (branca) e máscara de odor (cinza e preta) para manipulação dos
materiais químicos aqui discriminados (figura 43).
Figura 43: Materiais de segurança para manipulação dos produtos
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
A maior parte das máscaras de super-heróis foi feita de gesso sem
encaixe, direto na atadura gessada, por facilitar a pintura e o tempo de processo
(figura 44).
144
Figura 44 : Máscaras super heróis - gesso
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Para as máscaras de verso preenchido de gesso e resina:
Coloquei uma toalha grossa em baixo das máscaras e potes de iogurte
virados do avesso entre elas, para que não virassem (figura 45). Passei camadas
grossas de vaselina sólida industrial e, por último, coloquei a mistura de gesso e
água. Para fazer o gesso coloquei água em uma bacia e fui polvilhando com
peneira, pois facilita a mistura e evita bolhas e sujeiras. Quando começarem a
formar ilhas de gesso sobre a água já teremos a quantidade necessária para
misturar. Misture com a mão até que fique um pouco mais grosso e depois
despeje sobre a fôrma.
Figura 45: Preparo do gesso
145
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Figura 46: Tiragem de máscara de gesso com fundo preenchido.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
As máscaras que não têm encaixe ao rosto foram tiradas diretamente da
fôrma de atadura gessada, de adultos e crianças (figura 46).
Figura 47: Rostos das crianças que formam caminho em frente ao meditante na obra.
146
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves
As máscaras de encaixe de molde de rosto adultos foram tiradas da
fôrma de silicone. As de encaixe das crianças foram tiradas diretamente da
atadura gessada.
A fôrma de silicone foi feita especialmente para atender as necessidades
de reprodução rápida e mais de uma tiragem de resina, material que mais
danifica a fôrma se tirada diretamente da atadura gessada ou gesso. Como a
confecção de uma fôrma de silicone como esta é demorada e de custo alto, tive
de optar por tirar máscaras de encaixe das crianças de massa plástica direto da
atadura gessada (figura 48). Se tiver uma espessa camada de vaselina sólida
industrial é possível tirar até 3 moldes da atadura gessada sem muitas
danificações; a partir daí a fôrma começa a quebrar e a perder partes dos
retalhos de atadura que a compõem. Consegui tirar mais moldes refazendo a
fôrma com cautela para aproveitá-la ao máximo.
147
Figura 48: Rostos de massa plástica (crinaças), feitos sem fundo preenchidoe à mão
nas fôrmas de atadura gessada.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
Um outro elemento importante da instalação são os espelhos. Os
espelhos de pequenas dimensões foram retalhos de corte de uma fábrica de
espelhos que me doou. Os grandes são de uso pessoal.
Os seixos marmorizados brancos, usados no piso, colaboram com a
limpeza visual do espaço, com a luminosidade, pelo branco e brilho leve das
pedras. (figura 49)
Figura 49: Seixos Brancos.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.
148
A tenda que delimita o espaço da instalação é um produto industrializado; é
simples, branca, de arestas leves de fácil montagem.
Figura 50: Tenda branca
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, 2014.
A obra passou por quatro projetos diferenciados até se concretizar.
Inicialmente, não haveria obra, somente pesquisa teórica, logo depois surgiu
uma assemblage, a primeira sugestão para obra plástica. A segunda que
realmente estava em concordância com a primeira pesquisa teórica proposta, foi
projetada para ser realizada em grandes dimensões e com inúmeros recursos
tecnológicos de montagem e apresentação; esta era a mais diferente das
possibilidades sugeridas para esta pesquisa e a mais coerente com toda
pesquisa que fiz até hoje, incluindo os anos anteriores ao curso, quando me
iniciei nessa busca. Esta pesquisa, então se estabelece a partir de fragmentos
teóricos de uma pesquisa maior, que segue em andamento; e a de instalação
aqui apresentada juntamente com este relatório de pesquisa foi criada
especificamente para este trabalho. Esta terceira opção, teve suas modificações
e acréscimos em paralelo com a revisão do conteúdo teórico, só tomando forma
conclusiva à medida que este ia sendo desenvolvido e concluído. Esta terceira
149
opção, como as outras, nasceu sem referências diretas de obras anteriores de
outros artistas, tomando forma com base nos conhecimentos teóricos, associada
às experiências vividas por mim no budismo, tantra com monge Dada e Gnose,
além das experiências com técnicas de escultura. Posso dizer, então, que minha
referência foram imagens eidéticas20, vindas naturalmente de meu
subconsciente durante a pesquisa.
Os únicos objetos que se mantiveram imutáveis em todas as propostas
foram as máscaras, que representam identidades e/ou personalidades tratadas
no texto, além da estamparia/pintura em cores sobre as mesmas, realizadas com
base em estudos do texto Psicodinâmica das Cores, de Modesto Farina,
observando os possíveis efeitos das cores, tanto de caráter fisiológico como
psicológico, e suas potencialidades para influenciar no ser humano certos
sentimentos ou significados. Mas como o foco aqui é o autoconhecimento,
produzir as máscaras a partir dos conhecimentos da psicodinâmica das cores
seria uma contra proposta. Então, as máscaras foram produzidas livremente
permitindo a manifestação do meu consciente e subconscientes naturalmente e
analisadas posteriormente sob à ótica da psicodinâmica das cores
especificamente aqui através das observações de Modesto Farina.
Apenas algumas pinturas sobre as máscaras são com base em super-
heróis. Outras têm pinturas livres, que buscam um equilíbrio visual pelas formas
e cores. Apesar do estudo sobre psicodinâmica das cores, não criei as pinturas
com base nesse estudo, mas deixei a pintura fluir do subconsciente para depois
analisar algumas peças sobre o ponto de vista de Modesto Farina; já que
estamos em um processo de descoberta interna, nada mais cabível do que
analisar o que nasceu naturalmente, sem manipulações controladas de formas
e cores, apenas pelas relações das mesmas com emoções e situações.
20 Palavra originária do grego ‘eidos’ que se refere a idéia. Termo de muita importância e
empregado tanto na filosofia quanto na psicologia. Mais recentemente tem tido supremacia na fenomenologia, notadamente a partir dos estudos de Edmund Husserl. Essa palavra fenomenológica foi usada pela primeira vez por Hegel. É uma teoria psicológica de que algumas pessoas possuem a capacidade de evocar visual e exatamente eventos passados ou imagens de objetos vistos (imagens eidéticas). Acrescento que no caso desse projeto não tive nenhuma lembrança ou referência vivida de obra ou idéia de outrem, considero então o termo na presente questão, pelo fato de que as idéias partem de meu banco de dados de experiências e conhecimentos armazenados ao longo da vida, então não podem ter origem sem referência ao mesmo tempo que se manifesta sem acessa-las conscientemente. Esse processo de criação subconsciente foi escolha pessoal e acredito eu de acordo com os interesses de quem busca se conhecer em si e não no outro.
150
Quanto à montagem, a tenda tem ao redor um plástico duro e
transparente para proteção da chuva; este plástico tem abertura em dois lados
paralelos. De um lado fica o “tapete real”, para o convidado sentar para
meditação reflexiva e, de frente para ele, do lado oposto, fica um espelho grande.
Nas laterais do meditante, um pouco mais atrás, ficam outros dois espelhos em
diagonais fechadas, no sentido do meditante, sendo que cada um desses dois
alcançam o reflexo do meditante e mais parte do jardim.
Quanto ao acesso aos materiais, optei por aqueles de custo mais baixo;
tive dificuldades em encontrá-los em Campo Grande, e quando encontrei eram
muito caros. Muitas vezes, o material mais o frete sai muito mais barato do que
os comprados aqui na cidade, pois não há representação de fábricas dos
materiais no Estado e os encargos são altíssimos. Quando há, as empresas só
vendem para atacado com quantidade mínima muito alta.
Foram acrescentadas à tenda máscaras flutuantes (presas no teto) e
pequenos espelhos pela parede ao redor de todo espaço da obra, como
símbolos da “inter-ferência” entre os mundos individuais (que defendo como
reais já que a construção mental do indivíduo gera ações “reais”), gerando o
mundo (espaço físico) – e as consequências entre o choque ou concordância
desses mundos.
Os três espelhos grandes, mais os vários pedaços de espelhos
pequenos espalhados por toda obra, geram reflexos de reflexos de reflexos,
multiplicando tanto a imagem do meditante, das máscaras e de todos os
elementos da obra até chegar ao jardim.
Entre o tapete (local do meditante) e o espelho grande à frente dele há
um caminho feito somente de faces de crianças, todas brancas como os seixos
ao seu redor. A criança é como o caminho para início de nossas construções
internas, com sua pureza representada pelo branco.
Somando todos esses elementos temos um ambiente agradável e
“reflexivo” (palavra que pode ser observada de vários ângulos neste caso), para
nossa viagem ao nosso EU mais íntimo.
Maquete virtual de projeto:
151
Figura 51: Projeto virtual de instalação em perspectiva.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, Croqui virtual, 2014.
152
Figura 52: Projeto virtual de instalação em vista superior.
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, Croqui virtual, 2014.
3.3 - O convite: a filosofia do “EU” revelando a essência individual divina
da totalidade essencial da criação - A Obra e os reflexos do “Eu”
Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber tratá-la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, formas e convenções com que a natureza – esta provocadora – pode ser dominada e sujeitada à concentração de arte. A paixão que consome o diletante serve ao verdadeiro artista; o artista não é possuído pela besta-fera, mas doma-a. [FISCHER, 1997, pg.14]
153
Quando escolhi os materiais não me prendi ao detalhe de sua dureza
poder estar em contraponto à busca pela leveza emocional, mas, novamente,
aos conhecimentos budistas sobre a necessidade da matéria e do dinheiro no
caminho de evolução espiritual. Osho (2002), bem como, o Monge Dada, falam
sobre esse fato nos esclarecendo que a visão que temos do Budismo, da Índia
como referência da religião ou outras vertentes dessa filosofia, é distorcida pelos
interesses de divulgação turísticos. Ele diz que a referência que temos da Índia
é de seus tempos áureos de riqueza e que hoje, em meio a tanta miséria e
pobreza, não é possível manter as mesmas práticas. Como uma pessoa que
está em constante preocupação com a comida na mesa e todas as suas
necessidades mais básicas pode conseguir mente livre para meditar em seu
espírito? Sendo assim, observei que a proposta, não deveria estar presa a
considerações externas, como o material por exemplo, mais sim na mensagem.
O autor fala que o conhecimento real de base budista tem se distanciado até
mesmo de alguns monges e guias espirituais. Sem riqueza não há contraponto
de comparação e aprendizado. Ele diz que melhor sabe da humildade aquele a
quem não falta nada, pois é ai que ela pode se apresentar, já que ela está no
desapego e que, para perceber esse desapego é necessário que haja algo para
testá-lo.
Ele nos conduz a observar tudo com gratidão e o papel de todas as
coisas; e a se distanciar de estereotipar o conhecimento e a filosofia em mais
uma máscara. Não é para construir a máscara da pureza e da leveza; é para
senti-la e compreendê-la. Sendo assim, não vi necessidade de escolher o
material pela proposta, mas de compreender seu papel dentro da proposta. Os
materiais empregados na fabricação das máscaras atentem aqui, antes a,
questões de tempo e reprodutibilidade do que a leveza ou a dureza relacionadas
as observações de pesquisa, pois é a mensagem sendo absorvida e
compreendida que transforma. Assim como existem pedras duras que
carregamos de experiências passadas e a serem jogadas fora, há também o
aprendizado no tempo em que convivemos com elas; e aceitar a dor é a única
forma de eliminá-la. Não uma aceitação acomodada e imóvel, mas o reconhecer
que sentimos e porque sentimos. Pensamos? Julgamos? Porque pensamos?
Por que julgamos? É achar a pergunta certa, para a resposta certa sem interferir
154
no mundo externo, mas sim nosso reino interno, que é o que realmente pode ser
modificado. Os granilhos e seixos branco que forram o chão, nas laterais, do
caminho com rosto das crianças, vem fazer a essa idéia. As pedras, costumam
ser símbolo de problemas, obstáculos e percalços. Aqui elas vem representar a
superação dentro da proposta de montagem. Por serem brancas e brilhantes
(representação de pureza e reflexão), e estarem abaixo de outras máscaras que
estão pelo chão, fazem força à superação dos conflitos que outrora foram
percalços, mas hoje, são equilíbrio fruto de superação. Pode ter outra conotação,
caso a pessoa veja as máscaras pintadas como egos, sobre a pureza, pela
brancura dos seixos. Deixamos livre à mente do observador percorrer as
possibilidades.
Consideramos uma boa escolha, a primeira montagem da obra no jardim
do Bloco de Artes, pois atenderia perfeitamente a proposta de integração do ser
em nosso universo interno, sendo o ambiente elemento a reforçar o que tem de
mais puro na criação de nossa natureza. O céu livre de concreto e o verde ao
redor em contraste com a brancura e brilho dos granilhos pelo chão, traria mais
leveza ao espaço interno da tenda.
Figura 53: Teste de montagem - 1
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)
155
Figura 54: Teste montagem - 2
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)
As máscaras dos super-heróis rememoram fragmento de nossas
primeiras referências externas de valores éticos e força moral, como justiça,
amor, honestidade, dedicação, cooperativismo, superação e principalmente a
força diante dos enganos atraentes do mundo externo, na figura de cada
representante de tais referências, cada qual, com sua história, que carrega
dualidades, entretanto, sempre com as escolhas mais acertadas, conforme já
foi desenvolvido em Subcapítulo 1.3.
Figura 55: Máscaras Super Heróis
156
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)
As máscaras com cores vivas e com formas fluidas e ou geométricas
recobrindo sua superfície total, e outras em graduada desconstrução, até chegar
aos transparentes, vêm traçar o caminho de purificação do “eu interno” pelo
autoconhecimento e limpeza dos agregados: os egos. Vislumbrei inicialmente as
máscaras translúcidas como sinal da pureza, da iluminação almejada e/ou
alcançada, mas posteriormente percebi que o observador poderia fazer a mesma
observação de um caminho de melhora pelo revés, se considerar, por exemplo,
as cores como sinal dessa iluminação, o que continuaria de acordo com
conhecimentos budistas abordados, já que cada cor tem sua localidade
energética no corpo humano, partindo da nossa essência divina, os chamados
chacras21.
21 Chacras ou xacras, também conhecidos pela grafia chakras - segundo a filosofia iogue, centros energéticos dentro do corpo humano, que distribuem a energia (prana) através de canais (nadis) que nutre órgãos e sistemas. A palavra chakra vem do sânscrito e significa "roda", "disco", "centro" ou "plexo". Nesta forma eles são percebidos por clarividentes como vórtices (redemoinhos) de energia vital, espirais girando em alta velocidade, vibrando em pontos vitais de nosso corpo. Os chakras são pontos de interseção entre vários planos e através deles nosso corpo etérico se manifesta mais intensamente no corpo físico. Os Vedas (5.000 a.C.), contêm os mais antigos registros sobre chakras de que se tem notícia. Quando foram escritos, o Yoga já sistematizava o conhecimento e o trabalho energético dos chakras. São sete os principais chakras, dispostos desde a base da coluna vertebral até o alto da cabeça e cada um corresponde à uma das sete principais glândulas do corpo humano. Cada um destes chakras está em estreita correspondência com certas funções físicas, mentais, vitais ou espirituais. Num corpo saudável, todos esses vórtices giram a uma grande velocidade, permitindo que a "prana" (sopro de vida, energia vital), flua para cima por intermédio do sistema endócrino. Mas se um desses centros começa a diminuir a velocidade de rotação, o fluxo de energia fica inibido ou bloqueado - e disso resulta o envelhecimento ou a doença. 1º) Chakra básico (Rádico), localizado nos órgãos genitais e na pélvis, relacionado com as gônadas (glândulas sexuais), governa o sistema reprodutor. Este chakra anima a substância do corpo físico, o poder e o instinto de sobrevivência. É a ligação com a terra. Concentra as energias da Kundaliní (É a energia espiritual que permanece adormecida na base da coluna vertebral de todos os seres humanos. Quando desperta no aspirante espiritual e passa através dos centros de consciência (chakras) no canal
157
Figura 56: Chakras e as cores
Fonte: www1.folha.wol.com.br
Figura 57: Efeitos do equilíbrio e desequilíbrio dos chakras
central da espinha, essa energia manifesta-se em experiências místicas e vários graus de iluminação), que uma vez despertadas progridem coluna acima, seguindo um padrão geométrico similar ao padrão apresentado na dupla hélice das moléculas de DNA que contém o código da vida. Sobrevivência, alimento, conhecimento, autorealização, valores (segurança financeira), sexo (procriação), longevidade e prazer. 2º) Chakra Esplênico, localizado na lombar e abaixo do umbigo, está relacionado com as glândulas suprarrenais, regendo a coluna vertebral e os rins. Rege os rins, sistema reprodutor, circulatório e bexiga. As energias como a paixão, sensualidade e a criatividade são manifestadas através deste chakra. Poder de seduzir criatividade e relacionamento. 3º) Chakra Umbilical ou plexo solar, localizado um pouco acima do umbigo. Rege o pâncreas. A área de influência deste chakra é o sistema digestivo: estômago, fígado e a vesícula biliar, além do sistema nervoso. Escolhas do que você quer. Individualidade e poder pessoal (como você se vê), sua identidade no mundo. 4º) Chakra do coração ou cardiochakra, situa-se na região do tórax e está conectado com a glândula timo, responsável pelo funcionamento do sistema imunológico. É o chakra do coração, centro energético do amor. 5º) Chakra laríngeo, localizado sobre a garganta, se comunica com a glândula tireoide. Está ligado à inspiração, a comunicação e a expressão com o mundo. 6º) Chakra Frontal, localizado entre as sobrancelhas, se relaciona com a glândula pituária. Intuição (eventos paranormais) e a consciência. Capacidade de se observar sem julgamento. 7º) Chakra coronário ou coronochakra, localizado no topo da cabeça. E o portal da espiritualidade, do reconhecimento de Deus/Deusa em nós e no outro. Iluminação.
158
Fonte: https://acuracomosanjos.wordpress.com
Ao criar os desenhos sobre as máscaras, considerei os pontos
energéticos de cada região no corpo (chakras) e suas cores representantes,
relacionados as emoções trabalhadas pelos processos citados, e a possível
desproporção de equilíbrio das mesmas, antes do caminho de limpeza e
regeneração interna. As formas e linhas sobre as máscaras respeitaram as
necessidades de expressão do meu subconsciente, visto que, o trabalho se
propõe antes de tudo ao autoconhecimento com o adendo de minhas
experiências pessoais, sendo então a meditação, entre outras possibilidades
citadas, budistas, indianas, védicas, gnósticas, tântricas ou quânticas e
homeostáticas, caminhos de escolha singular, dentro da necessidade e interesse
de cada um, então evitei o uso de símbolos ou imagens que fizessem parte de
qualquer uma destas filosofias. O fato de a pintura ter sido feita, exclusivamente,
sobre rostos e nenhuma outra parte do corpo, foi com propósito de explicitar a
natureza ao mesmo tempo singular e coletiva que compõe a todos nós, sendo o
rosto, representação primeira de identidade e reconhecimento de sua
individualidade por parte das pessoas.
Figura 58: Máscaras
159
160
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografias)
O Chakra, é algo bem conhecido da cultura oriental pelos ocidentais e,
nesse caso, a máscara transparente poderia representar a essência que não foi
ainda acessada. Pela teoria das cores, também, podemos desenvolver
observações acerca do fato de que as cores são fruto da luz, que quando
fragmentada sobre um prisma de cristal, se apresentam aos olhos em várias
direções translúcidas e vívidas, as cores luz. E, ainda, no caso das cores
pigmentos, todas são fruto do branco, que representa a pureza e a paz. E ainda,
de maneira mais abrangente, tudo isso, cores, formas, transparências,
desencadeia processos diferenciados nas relações internas de cada um,
considerando a singularidade de cada criatura e de seu caminho de iluminação
interior, na busca de sua divindade única e intransferível a ser descoberta.
Quanto aos materiais utilizados, foram excluídas a madeira e o insulfilme
espelhado, que participariam da assamblage no primeiro projeto, e
acrescentadas a tenda, os espelhos e a algumas imagens de super-heróis,
161
representando seus poderes especiais, e, ao mesmo tempo, as aspirações e
sonhos comuns à todo ser humano, nessa busca corrente pela perfeição.
Os três espelhos grandes mostram o meditante em várias reflexões de
si e da natureza circundante, enquanto que os fragmentos de espelhos ao redor
da tenda, juntamente com as máscaras, mostram as várias personalidades do
meditante e, ainda, as possíveis fragmentações das mesmas, vindas de outras
pessoas; fragmentações estas que não fazem parte de sua natureza, mantendo-
o sempre em conflito interno; e que, entretanto, foram absorvidas pelo princípio
de prazer, na necessidade de aceitação pelo outro e por esses reflexos encontrar
a auto aceitação e o amor próprio desapegado.
Outro fator importante a considerar é o local de exposição dessa
instalação. Eu particularmente, não havia pensado muito a respeito e quando
visualizava algum local no bloco de artes, nenhum me parecia adequado, mas
logo que inseri a tenda na proposta, necessária para criar um ambiente mais
aconchegante e fazer de sua finalidade fato possível aos convidados, ela acabou
por colocar-se naturalmente em minha mente no único local que poderia estar:
o jardim. Nossa essência divina só poderia sentir-se realmente à vontade em
contato com o que ainda há de mais puro na criação do todo: a natureza. Temos
assim, então, em diálogo, as naturezas: humana, vegetal, animal (pássaros,
gatos, borboletas e outros no local), mineral e divina.
As máscaras das crianças conversam com a criança interior em nosso
subconsciente. As memórias de nossa infância contêm as armas mais poderosas
nessa luta de egos, já que é na primeira infância que nosso “sistema operacional”
começa a ser programado pela educação que recebemos, os exemplos que
observamos e as experiências vividas. São também de forma geral, referência
de processos de mudança, visto que, a partir do momento que a criança com
padrões negativos identifica os mesmo, o adulto compreendendo essa sua
criança interior, pode a partir de então mudar esses padrões, que tendem a se
repetir em seu meio familiar, mudando sua conduta e agindo com consciência
do seu papel programador como responsável dessa nova personalidade que se
forma, que podem ser filhos, netos, primos e qualquer outra criança que
mantenha relação afetiva e ativa estreita com o mesmo.
162
O caminho convite é feito pelas crianças. O adulto que acolhe e
compreende sua criança interna pode melhorar continuamente os padrões de
conduta e experiências de seus descendentes; a criança também é, em termos
gerais, referência de transformação, pois para cada novo indivíduo existe uma
nova oportunidade de criar novos sistemas de seleção, pelo aprendizado e pelas
referências que recebem, quebrando e bloqueando cada vez mais os padrões
nocivos e repetitivos, tanto no indivíduo quanto no núcleo familiar.
Figura 59: Caminho crianças (detalhe)
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)
O “tapete real” funciona como trono de nossa divindade humilde,
desapegada e cheia de amor. É um tapete colocado em local estratégico na cena
163
da tenda, tal qual ficaria o trono de um rei ao fundo de uma sala, observando
tudo ao seu redor, mas agora sem a pompa que representaria os “agregados”,
mas somente para representar seu espaço, de forma que o “meditante”, tenha
amplo campo de visão da instalação e para além dela, já que a tenda mantém
as laterais livres, sem paredes sólidas. Observem da seguinte maneira: quando
conhecemos nosso mundo interno, conhecemos na verdade nosso reino interno
pelo qual somos responsáveis. O que acontece quando um rei se ausenta de
seu trono? Corre o risco de ter seu reino roubado ou invadido e prejudicado. O
trono é colocado de tal forma que o rei possa visualizar todo o salão de sua
realeza, mas aqui sem a pompa dos “agregados”. O tapete no chão mostra o rei
que sabe ser combatente quando preciso, esse caminho de limpeza não são só
flores, temos de lembrar que estamos limpando ervas daninhas e a inda
reflorestando muitos cantos do reino. Mas a simplicidade e o desapego das
paixões são necessários para vivenciar a paz e o amor de seu reino na calmaria,
sem se manter no repetitivo processo de guerra ou de acomodação. O tapete
real vem abrir as possibilidades da observação, contemplação e meditação para
o meditante. O rei deve aprender o momento certo de observar, contemplar ou
meditar seu reino, de forma eficiente para identificar corretamente e solucionar
problemas e manter o equilíbrio no reino, considerando a singularidade de tempo
em seu espaço e de seu espaço no tempo e de seu espaço tempo intransferível
de seu reino real: a consciência.
Os áudios disponíveis na tenda tornam possível a experiência também
a quem não tem referências e conhecimento suficientes para se observar
inteiramente, induzindo essa viagem ao seu reino interno e ao seu encontro com
o todo. Esse encontro com a parte dela que, ao longo do caminho, vai deixando
os julgamentos e a dualidade humana de lado e se manifestando o amor e na
gratidão despretensiosa a tudo e a todos.
Todos esses olhares resultaram nesse cantinho de choque entre interno
e externo, pelos reflexos de si e dos outros em fragmentos contraditórios,
escancarados e imperativos a se resolver e, ao mesmo tempo, de aconchego e
acolhimento. Para que realmente não seja só observado mas experienciado a
identificação e cumprimento de seu propósito pessoal a só assim assumir seu
164
real valor, fora do olhar ao mundo fenomênico ilusório que criamos para nós,
mas sim, livre na verdadeira essência de nossa luz e poder internos.
3.4 Mudanças de última hora e Obra conclusa
Figura 60: Montando instalação Memorial da Cultura, com modificações.22
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)
Conforme explicado anteriormente, no ato da montagem, poderíamos
encontrar algumas intempéries, como sustentação da tenda, entre outras, e
encontramos. Os vários espelhos, nas laterais da tenda foram retirados, pois não foi
financeiramente viável manter a dupla face espelhada, e não tendo os dois lados
reflexivos em tamanho adequado, a sensação de amplitude de espaço não pode ser
alcançada. As máscaras laterais, foram também, retiradas, pois sem os espelhos,
trariam uma sensação de opressão no ambiente. Os três espelhos grandes, sofreram
modificação de local. Como os espelhos não eram tão grandes quanto o necessário
para refletir o meditante, adequadamente, conforme proposta de um deles à frente do
meditante e, outros dois, ligeiramente na diagonal, atrás do meditante, foram então,
colocados, os dois espelhos que ficariam atrás do meditante, nas laterais da tenda, à
22 A Exposição citada no Memorial da Cultura, faz parte do Projeto Território Ocupado. Todos graduandos Bacharéis em Artes Visuais, pela UFMS, expõem, suas obras desenvolvidas para trabalho de conclusão do curso, em exposição coletiva.
165
frente do meditante, voltados para ele em diagonal. Essas modificações resultaram
em um espaço mais leve e claro, dentro das possibilidades de custo e tempo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos aqui a necessidade de observação de vários ângulos
simultâneos para a solução de qualquer problemática do Eu nesse caminho de
busca de nossas particularidades mais puras. Temos vertentes que partem da
referência familiar, aqui apontamos educação, exemplo, referência, amor e
temperança, tendência à imitação e as vertentes da singularidade, onde
começam a ser vinculadas à referência familiar experiências únicas,
conhecimentos novos e novas referências do externo, entre ambas temos ainda
o princípio de prazer que seleciona e ordena informações e direciona conduta,
que por sua vez se desenvolve na vivencia entre as duas anteriores, família e
singularidade e, ainda sofrem interferência de condicionamentos e padrões
sociais. Compreendemos também como todas essas observações podem ter
suas problemáticas resolvidas por meio da meditação através de conhecimentos
experimentais, tanto pessoais quanto pela visão do meditante Osho, com
respaldo de pesquisas da neurociência através do Dr. Fred Travis.
Observem como é um sistema complexo para se observar, já que esses
fragmentos anteriores quando pensados e aprofundados nesse conhecimento
do eu abrirão mais uma infinidade de detalhes que nos constroem ou destroem
ao longo de nossos anos de vida. Por esse motivo buscamos elaborar o presente
texto de forma a passar por várias opções de observação pertinentes à busca de
nós mesmo. Nós compreendemos aqui que as referências da figura dos super-
heróis e suas representações conforme transcrito na primeira parte deste
subcapítulo, vão dialogar e ser selecionadas em conformidade com os modelos
experiênciado de diferenciação do self com a criança e a família e a
necessidades nesse sistema, particular de cada criança, e que as referências
podem ser usadas e orientadas à mente da criança de forma a solidificar as
referências absorvidas dos pais e de seu ambiente mais próximos, mas podem
também tender a uma válvula de escape no caso de o ambiente referência não
ter estabilidade. Nesse último caso essas referências poderiam ser parte do
conflito interno causado pelo sistema de princípio de prazer apresentado por
166
Freud. Então a referência é ruim mas o contato com outra que lhe parece mais
estável acaba por abrir nova possibilidade de escolha. O sistema se apresentará
confuso enquanto houver esse conflito, mas uma possibilidade melhor já existe
e pode ser escolhida a qualquer momento. Isso não acontece somente com a
referência de super-heróis mas qualquer outro objeto representativo de
informação, seja material ou sensorial.
Compreendemos também que uma primeira infância ou adolescências
mal vividas não podem determinar uma vida dependente e internamente instável,
apesar dos recursos de proteção primitivos da nossa psique, desde que,
conheçamos a origem das mesmas. E que isso, deve ser compreendido por
parte de quem quer se construir e se superar, bem como, dos que busquem
trabalhar, ou já trabalhem de forma a motivar essa superação e progresso no
desenvolvimento dos talentos de outras pessoas. É necessário que essa pessoa
entenda que precisará de muito mais batalha interna e recursos emocionais para
superar problemáticas que podem ser extremamente simples para o indivíduo
que teve em seu processo de construção e individualização, equilíbrio, incentivo,
experiências afetivas positivas e respeito.
Observamos que a compreensão de todos esses fatores no caminho de
auto construção, devem ser considerados, não só pelas pessoas em geral, mas
especialmente o artista produtor, da responsabilidade na produção de obras
expostas ao público, visto que, as informações visuais, como analisa esta
pesquisa, caso tenha conteúdo informacional emocionalmente negativo ao
observador amplifica as informações de mesma natureza que ele traga em seu
histórico de vida. Sendo assim, no caso de obras onde o artista pretende
despertar o indivíduo para uma mudança em sua conduta com relação à
sociedade, e usa de recursos de imagem opressivos e deprimentes, esses
recursos não farão além de reforçar informações negativas ao observador,
podendo ser, portanto, o resultado, o oposto do que pretendia o artista. Devemos
dividir as emoções que queremos vivenciar. Não é estar alheio a certos tipos de
realidades, mas sim acrescentar possíveis soluções, visto que, as negativas da
natureza humana estão expostas constantemente em altíssimo grau através dos
veículos de informação, com um contraponto desequilibrado em relação às
soluções que se encontram em menores qualitativamente e quantitativa. Desta
167
forma, o artista é primeiro que precisa antes, ser o primeiro a trilhar seu caminho
interno para que possa atuar em sociedade consciente da influência que exerce
sobre a mente humana com seus mecanismos de defesa.
E ainda, sobre, os mecanismos de defesa, podemos também
acrescentar, que as imagens, que por ventura, tenham sido criadas livremente,
isto é, sem cópia ou referência de outra imagem, e tenham caráter negativo ou
não, podem ser um recurso para que o produtor possa observar detalhes de si,
que subconscientemente esteja ali, detalhes com os quais, não está
conseguindo se resolver bem ou não havia observado para valorizá-lo como
deveria, assim trazendo levando a mente ao caminho autoconsciente. E, como
mostra a pesquisa considerando o sistema mental e seus recursos de proteção
da psique, as produções artísticas de caráter opressivo, ou qualquer
característica negativa, que possa ser um dano para os observadores, seria
interessante que se mantivessem dentro desta proposta de auto construir. Sendo
esse, um caminho para que a criação de obra seja pensada para exposição ao
público, considerando seu papel influenciador da razão e estimulante quanto às
emoções que dialogam com a informação do observador, com uma ação artística
mais responsável e consciente.
Outro ponto, observado foi a amplitude do que podemos alcançar
dentro das práticas de autoconhecimento, nos levando da superação de nossos
medos, traumas e limitações até o desenvolvimento de novas percepções
sensoriais, conhecidas como manifestações de paranormalidade, que conforme
observado pelo Dr. Travis em suas pesquisas, sugerem ser naturais de todo ser
humano, dependo seu desenvolvimento, da amplitude, do estágio de
consciência do indivíduo. Nos trazendo novos questionamentos e perspectivas
do Ser, e nos levando a novos caminhos de compreensão de nossa natureza,
bem como, nossa percepção de realidade, espaço e tempo.
Quanto ao convite-obra-de-instalação os espelhos podem nos mostrar
o que de fato é nosso e o que foi apropriado de outrem, se essa apropriação
realmente nos faz feliz, ou se na verdade faz um outro alguém e nos deixa
confortável pelo ego teimoso, vaidoso mas mentiroso, que pelas dependências
emocionais, nos tomam a origem divina e a consciência e ainda oprime o
inconsciente que quer se libertar, para manter o poder pela repetição das ilusões
168
de um mundo fenomênico doloroso gerado por nós mesmos. Podem também
nos ajudar a ver o que evitamos a todo custo e também o que procuramos em
lugares onde jamais seria possível encontrar, podemos ainda descobrir que o
que procuramos não é realmente o que procurávamos e aprender que, as
perguntas vindas antes das respostas devem ser muito bem elaboradas com as
dúvidas que as geraram bem observadas para que tenhamos certeza de que o
que procuramos é realmente o que procurávamos quando encontrarmos. É o se
olhar de todos os ângulos, físicos, metafísicos, metapsicológico, interespaciais,
espirituais, universais e todos mais que a mente quiser encontra e falar, até que
cesse por completo e possa estar na frequência mais sutil e mais forte,
meditando seu mundo entre todos os outros, ausento da dualidade e pleno de
amor, palavrinha de cinco letras que resume tantas coisas ao mesmo tempo,
palavra nada simples de compreender para a condição de evolução humana
ainda hoje. Precisamos nos empenhar. Ser feliz não é tarefa fácil, precisamos
nos conhecer antes de tudo, para atingir tal propósito em nosso estado de
espírito. O sucesso é ser feliz!
169
“II. Um coro com várias vozes. De um lado, a Noite e de outro o Universo.
Coro da Noite – Tudo é poder em nós
e tudo grita.
Coro do Universo – Não há poder maior
que a força viva.
Coro da Noite – Mas que força viva
sem os olhos
ou que olhos
são esses
tão por dentro,
que em vez
de serem fontes
são espelhos?
Coro do Universo – O poder é a memória
que pressente
o frio de haver
memória.
Coro da Noite – O poder é a demora
da semente.
Os dois Coros Juntos – E aurora
é o que está
dentro do ventre.”
(Carlos Nejar – O Pai das Coisas. 1985)
170
REFERÊNCIAS
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CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis. A influência dos super-heróis no
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http://revistas.unijorge.edu.br/intersubjetividades/pdf/2010_1_Artigo1_28.pdf >
Acesso em 01 Set. 2014.
173
APÊNDICE A - Portfólio
Figura 61: Instalação – Montagem Final – Vários ângulos
174
175
176
177
Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografias)
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Ficha Técnica
Artista: Cybelle Manvailer Gonçalves
Título Obra: Universos em Transformação
Técnica: Instalação
Dimensões: 2,40 m²
Currículo
Nome: Cybelle Manvailer Gonçalves
Contato: [email protected] / (067) 9928-6941
Nacionalidade Brasileira
Campo Grande – Ms
Formação:
Conservatório de Artes Centro de Arte Viva (Campo Grande – MS):
Canto e Técnica Vocal com Clarisse Maciel (1996);
Canto Erudito Coral da Fundação de Cultura com Maestro Denis Lopes
(1997 e 1998);
Canto erudito, Coral do Rádio Clube) com Maestro Luiz Quirino (1999 e
2000);
Pintura em tela – Prof. Silvio Batistela (1996 – 1998);
Técnicas Mistas – Prof. Wilton Dourado (1998 – 1999);
Atelier Massaico Fujita (1999 – 2001).
Workshop de texturização em tela com Ulisses de Andrade (2005).
Oficina de Cenografia com Dóris Rollemberg da UFRJ em 2009 em Campo
Grande MS.
Oficina de Desenho Artístico com Elomar Bakony (2011) – UFMS.
Oficina de Introdução de Animação 2D com Tiago Moraes (2011), Festival de
Arte e Tecnologia 3.0, UFMS.
Oficina de Escultura com Carla de Cápua (2012) UFMS.
Oficina de Cerâmica com Maria Alice Porto Rossi (2012) UFMS.
Oficina de Tratamento da Imagem Fotográfica em Software Livre, com Alexandre
Sogabe (2012) Festival de Arte e Tecnologia 4.0.
Oficina Criatividade Designer em publicações com Thiago Darlan (2013) Festival
de Arte e Tecnologia 5.0.
179
Oficina de Montagem Teatral com Leandro Faria (2013).
Oficina de Técnica Vocal com Christina Passos (2013) UFMS.
Oficina de Montagem e Produção Musical com Christina Passos (2013) UFMS.
Canto e Coral (2013) UFMS.
Artes Visuais, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Bacharelado.
(2014).
Exposições
*Coletivo I Esticadores de Horizontes, Parque Ayrton Sena em Setembro de
2010.
No Compasso das Cores (série 3 pinturas)
* Individual Experimentações 1 – Rockers sound Bar, em dia de Gravação de cd
ao vivo da Banda campograndense Dombráz em Campo Grande MS (2011).
*Coletivo Esculturas, Unidade VII UFMS em Junho de 2011 –
Égua de Fogo (Altíssimo Relevo em Massa Plástica
*Coletivo Olhares, Cubo de Vidro – Estação Ferroviária em Novembro de 2013
Série 3 pinturas em técnica mista
*Coletivo Olhares, Cubo de Vidro – Estação Ferroviária em setembro de 2014
Auto Construção em Foco (série 3 Pinturas)
*Coletivo Click – Primeira Amostra Acadêmica de 2014
Arte Digital – Ascenção mulher contemporânea
*Coletiva INTRO do Projeto Território Ocupado no Memorial Apolônio de
Carvalho em Campo Grande, Ms. (2014)
Obra de Instação: Universos em Transformação.