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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS GRADUAÇÃO CYBELLE MANVAILER GONÇALVES UNIVERSOS, IDENTIDADES E AUTOCONHECIMENTO Campo Grande - MS 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS

GRADUAÇÃO

CYBELLE MANVAILER GONÇALVES

UNIVERSOS, IDENTIDADES E AUTOCONHECIMENTO

Campo Grande - MS

2014

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CYBELLE MANVAILER GONÇALVES

UNIVERSOS, IDENTIDADES MÚLTIPLAS E AUTOCONHECIMENTO

Relatório de Pesquisa,

apresentado como exigência parcial para

avaliação final na disciplina Trabalho de

Conclusão de Curso II da graduação em

Artes Visuais da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, sob a orientação dos

Prof.ª Eluiza Bortolotto Ghizzi.

Campo Grande – MS

2014

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Bem Vindo ao nosso Universo!

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Expresso aqui, a minha gratidão, a meus familiares pelo apoio, pela

colaboração e ajuda na compra de materiais e principalmente pelo imenso

sacrifício e dedicação em respaldar minha vida para que eu pudesse concluir

uma faculdade em tempo integral com tantas dificuldades emocionais e

materiais nesse período, em especial a meus avós Neide Manvailer e Alcindo

Manvailer, minha mãe Christina Manvailer, meu padrasto José Irany Fernandes

e meu Tio Marcelo Adão, que se fizeram sempre presentes nos muitos

momentos de dificuldades;

Gratidão também a Andréia da vidraçaria Imperial que deu apoio e incentivo à

obra com parte dos materiais,

Obrigada aos professores pelo incentivo e compreensão quanto à

forma como se desenvolve minha mente hiperativa e sem parada para

descanso,

Especialmente ao Prof. Dr. Paulo Paes e a minha orientadora Prof. Drª

Eluiza Bortolotto Ghizzi, que me ajudou em meio a um processo pessoal

turbulento e com sua compreensão e com seu largo conhecimento me

possibilitou grande liberdade no desenvolvimento da pesquisa teórica fazendo

desse trabalho um processo prazeroso e interessante.

E especial gratidão a meu filho Gabriel Henrique, que com muita

paciência e sacrifícios, exercitou o máximo de sua compreensão e

companheirismo diante dos inúmeros trabalhos, projetos e pesquisas, que por

necessidade do período, tomaram muito de nosso tempo juntos.

A todos a minha imensa e sincera Gratidão!

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RESUMO

Neste trabalho de graduação é apresentada uma pesquisa teórica, que aborda

a formação de identidade do indivíduo contemporâneo tendo como foco principal

um convite ao autoconhecimento como forma de desvelar nossas deficiências e

particularidades sofridas ao longo da vida e achar um caminho de leveza e

equilíbrio internos que se façam força maior diante das pressões cotidianas.

Foram abordadas algumas relações estabelecidas pela mente, quanto ao

emocional, intelectual e experiências vividas pelo ser humano, explorando as

possíveis bases de seleção de conceitos formando personalidades e refletindo

sobre as ações como consequências das mesmas. Para abordar as questões de

construção internas, e as exigências do mundo contemporâneo em inter-

relações continuas entre os indivíduos, bem como os processos de seleção de

informação pela mente e finalmente ao trabalho particular de fazer o caminho

interno pelo autoconhecimento, recorremos a análises de área cientificas como,

metapsicologia, semiótica, sociologia e neurociência e “filosofias” orientais

consideradas não-cientificas. Para tal propósito, analisamos teóricos como

Stuart Hall, Sigmund Freud, Rosa Cukier, Paulo Paes, Marilena Chauí, Chalhub

et All, Nörth & Santaella, Osho, Chopra et All, Fred Travis e Tunner et All. Esses

autores partem de perspectivas sociológicas, psicológicas, neurocientíficas,

filosóficas e espiritualistas para abordar o surgimento das construções

identitárias, das quais damos enfoque em especial às particularidades

conflitantes, e o processo de equilíbrio e unificação das mesmas pelo

autoconhecimento. E entendendo como funciona a apropriação de

características individuais pela inter-relação entre as pessoas, uma obra de

instalação apresentada ao público, fruto de pesquisa teórica sem referência

direta de imagem, se propõe a uma reflexão sobre a responsabilidade do artista

quanto ao uso de imagem, bem como, nossa visão de nós mesmos enquanto

indivíduos, considerando nossa singularidade e, dos outros com os quais nos

relacionamos, como vemos e somos vistos, em um convite ao se conhecer e se

questionar, entendendo que antes da crítica alheia devemos fazer uma

autocrítica e identificar onde estamos inseridos e, como nós relacionamos o meio

externo, com esse espaço interno de nós mesmos.

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Palavras-chaves: Identidade, Singularidade, Meditação, Autoconhecimento,

Consciência.

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ABSTRACT

In this graduate work is presented a theoretical research which

addresses the identity formation of the contemporary individual focusing mainly

on an invitation to self-knowledge as a way of revealing our weaknesses and

peculiarities suffered lifelong and find a way of lightness and inner balance to

make greater strength in the face of daily pressures. They dealt with some links

created by the mind, as the emotional, intellectual and experiences of the human

being, exploring the potential of concepts selection of bases forming personalities

and reflecting on the same actions as the consequences. To address internal

construction issues, and the demands of the contemporary world in continuous

inter-relationships between individuals and the information selection processes

of the mind and finally to the particular job of making the internal path for self-

knowledge, we turn to analysis of scientific area as metapsychology, semiotics,

sociology and neuroscience and "philosophies" Eastern considered non-

scientific. For this purpose, we analyze theorists such as Stuart Hall, Sigmund

Freud, Rosa Cukier, Paulo Paes, Marilena Chauí, et Chalhub All, North &

Santaella, Osho, Chopra et All, Fred Travis and Tunner et all. These authors start

from sociological perspectives, psychological, neuroscientific, philosophical and

spiritual for address the emergence of identity constructions, of which we focus

in particular to conflicting characteristics, and the balancing process and

unification of the same self-knowledge. And understanding how the appropriation

of individual characteristics by the inter-relationship between people, a work of

installation presented to the public in theoretical research result without direct

reference image, it is proposed to reflect on the artist's responsibility for the use

of image as well as our view of ourselves as individuals, considering our

uniqueness and of others with whom we deal, as we see and are seen in an

invitation to meet and questioning, understanding that before the others must

make a critical self-criticism and identify where we operate and how we relate the

external environment, with this inner space of ourselves.

Keywords: Identity, Uniqueness, Meditation, Self-Knowledge, Consciousness.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Crianças fantasiadas de super-heróis...............................................38

Figura 2: Menino e ídolo super-herói................................................................39

Figura 3: Menino de super man........................................................................42

Figura 4: Signo e representamem......................................................................61

Figura 5: Emoção. Esquema signos derivados da emoção que se relacionam

diretamente com signos imagéticos que por sua vez, derivam de signos- objeto-

matéria...............................................................................................................63

Figura 6: Modelo semiótico de relação humana, como exemplo, caso de abuso

sexual.................................................................................................................67

Figura 7: Modelo semiótico de relação humana 2..............................................68

Figura 8: Semiose e possíveis interpretações originárias de outro signo...........69

Figura 9: Consciente e Inconsciente...................................................................77

Figura 10: Ciclo vicioso de ansiedade................................................................78

Figura 11: Subconsciente em conflito.................................................................85

Figura 12: Diminuição de atividade parte frontal cerebral durante sonho e outras

áreas em atividade de reparação.......................................................................97

Figura 13: Estados da consciência relacionando conteúdo mental e senso de

self. Aqui dois estados da consciência...............................................................98

Figura 14: Atividades cerebrais durante o sono.................................................98

Figura 15: Localização do sistema límbico.........................................................99

Figura 16: Áreas ativadas no cérebro para desenvolvimento de tarefas

diferenciadas....................................................................................................100

Figura 17: Áreas cerebrais ativadas antes e depois do experimento................101

Figura 18: Tabela com quatro estados da consciência conforme pesquisa Dr.

Travis...............................................................................................................104

Figura 19: Dimensão vertical da mente............................................................105

Figura 20: tabela do resultado de pesquisa por seleção do tipo de palavras, de

respostas de questionários dos indivíduos, por

software...........................................................................................................107

Figura 21: Meditação Shinsokan 1...................................................................114

Figura 22: Meditação Shinsokan 2...................................................................115

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Figura 23: Livro de práticas da primeira infância da autora...............................121

Figura 24: Rosto coberto com atadura gessada e protótipos prontos..............130

Figura 25: Colocação de atadura no rosto........................................................131

Figura 26: Máscara de gesso e resina.............................................................132

Figura 27: Máscara de gesso lixada.................................................................132

Figura 28: Máscara com manta de argila e argila no silicone..........................133

Figura 29: Primeira fôrma para moldar.............................................................133

Figura 30: Modelo de gesso mergulhado em silicone.......................................134

Figura 31: Molde de silicone da máscara-fôrma-protótipo com gesso usado para

produzi-lo.........................................................................................................134

Figura 32: Máscara-protótipo que não deu certo.............................................135

Figura 33: Máquinas para dar acabamento e, lixando máscara de massa

plástica.............................................................................................................136

Figura 34: Protótipo para produzir fôrma-reprodutiva......................................136

Figura 35: Protótipo com vara para suporte na fôrma-reprodutiva...................137

Figura 36: Caixa fôrma 2º etapa.......................................................................137

Figura 37: Protótipo máscara dentro da fôrma para colocar silicone...............138

Figura 38: Vista de adequação do protótipo e, já com silicone na fôrma.........138

Figura 39: Silicone na fôrma final......................................................................139

Figura 40: Fôrma reprodutiva concluída...........................................................140

Figura 41: Correção de lateral com silicone bisnaga........................................141

Figura 42: Diluição de resina com thiner para P.U............................................143

Figura 43: Materiais de segurança para manipulação dos produtos................143

Figura 44: Máscaras super-heróis - gesso........................................................144

Figura 45: Preparo gesso.................................................................................145

Figura 46: Tiragem de máscara de gesso com fundo preenchido....................145

Figura 47: Rostos das crianças que formam caminho em frente ao meditante na

obra..................................................................................................................146

Figura 48: Rostos de massa plástica (crianças), feitos a mão, sem fundo

preenchido, nas fôrmas de atadura gessada....................................................147

Figura 49: Seixos brancos................................................................................148

Figura 50: Tenda branca..................................................................................148

Figura 51: Projeto virtual de instalação em perspectiva....................................151

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Figura 52: Projeto virtual de instalação em vista superior.................................152

Figura 53: Teste de Montagem – 1..................................................................154

Figura 54: Teste Montagem – 2.......................................................................155

Figura 55: Máscaras Super Heróis...................................................................155

Figura 56: Chakras e as cores.........................................................................157

Figura 57: Efeito do equilíbrio e desequilíbrio dos chakras..............................157

Figura 58: Máscaras.........................................................................................159

Figura 59: Caminho crianças (detalhe) ............................................................162

Figura 60: Montando Instalação Memorial da Cultura, com modificações.......164

Figura 61: Instalação - Montagem final – Vários ângulos.................................173

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11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................12

CAPÍTULO 1 – ARTE E TRANSFORMAÇÃO .................................................. 15

1.1 - A arte e construção humana .................................................................... 15

1.2 – Primeira infância e criança interior no adulto ........................................... 21

1.3 - Os Super-heróis, identidades das aspirações humanas subconscientes e a

influência na independência emocional da primeira infância ........................... 38

1.4 - Relações de identidade do indivíduo, sociedade e cultura ...................... 52

1.5 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia................................................. 60

1.6 Pesquisa: detalhes e observações sobre escolhas e desenvolvimento do

projeto. ............................................................................................................. 82

CAPÍTULO 2 – MENTE, CONSCIÊNCIA E EXPERIÊNCIAS PESSOAIS:

COMEÇANDO A INTEGRAR OS FRAGMENTOS DO INDIVÍDUO ................. 84

2.1 – Mecanismos de atenção da mente e experimentação de processos de

autoconstrução. ................................................................................................ 84

2.2 – Consciência pura, funcionamento cerebral e benefícios pela Meditação

como sugestão de prática para o autoconhecimento. ...................................... 95

CAPÍTULO 3 – PROJETO E OBRA – IDÉIA INICIAL E SUAS

MODIFICAÇÕES.............................................................................................116

3.1 - Pesquisas: detalhes e observações sobre escolhas de conteúdo teórico,

desenvolvimento do projeto e minha relação particular com a obra na

experimentação dos processos envolvidos na pesquisa. ............................... 116

3.2 - Produção, acabamento e montagem ..................................................... 129

3.3 - O convite: a filosofia do “EU” revelando a essência individual divina da

totalidade essencial da criação - A Obra e os reflexos do “Eu” ...................... 152

3.4 Mudanças de última hora e Obra conclusa .............................................. 164

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 165

REFERÊNCIAS...............................................................................................170

APÊNDICE A - Portfólio ................................................................................. 173

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12

INTRODUÇÃO

É comum a todo ser humano a busca pela sua individualidade, sua vontade

de ser único, reconhecido, amado e especial. A individualidade remete-nos muitas

vezes à unicidade, mas como estar integrado em si mesmo com tantos detalhes

internos ainda ou sempre em fase de construção? A vida é um aprendizado contínuo

na busca da perfeição, da satisfação e da felicidade. E a arte nesse processo é um

excelente professor. É o palco onde podemos nos ver de fora e visualizar melhor,

entre outras coisas, tudo que faz parte de nossa formação e, assim, realizar a

autocrítica e melhorar e aperfeiçoar nossa programação interna. Para tratar da

necessidade da arte nesse processo recorremos a Ernest Fischer e a sua concepção

da arte como meio de comunicação de informações que interferem diretamente no

subconsciente do interlocutor, não podendo estar alheia às necessidades de

construção e progresso humano individual e coletivo.

A identidade é um conceito que genericamente refere-se a um conjunto de

características que definem as particularidades de um sujeito. Essas particularidades

começam na primeira infância e vão se desenvolvendo e se refazendo ao longo da

vida, com as relações de troca (afeto, conceitos, experiências...) entre os indivíduos.

Delimitamos aqui o foco nas relações familiares e sociais enfatizando a descoberta de

cada detalhe do mundo em si e de si no mundo por parte do público. Entendemos o

papel do artista como intermediário dessas descobertas, capaz de provocar o

interesse por essa busca que ele próprio realiza em si mesmo.

Com a Globalização como carro chefe das enormes mudanças no modo de

se relacionar, as trocas culturais são tão rápidas e intensas que não nos damos conta

do que absorvemos e refletimos em nosso dia a dia; estamos sempre distraídos de

onde e como vem a informação, portadora de conceitos e valores dos quais nos

apropriamos e as quais dividimos todos os dias.

Trabalhamos aqui com as pertinentes considerações de Stuart Hall, que

define o sujeito pós-moderno como um sujeito de identidades fragmentadas e muitas

vezes contraditórias ou não resolvidas assumindo identidades diferentes em

momentos diferentes. Cabe acrescentar que o assunto é demasiadamente discutível

e discutido, dividindo opiniões dentro da comunidade sociológica pela complexidade

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13

do conceito “identidade”. O autor também esclarece, construindo a história desse

sujeito, quanto ao desenvolvimento desse processo, definindo mais duas concepções

de sujeito que antecedem na história o sujeito pós-moderno: o sujeito do Iluminismo e

o sujeito sociológico. O sujeito do iluminismo se baseia numa concepção da pessoa

centrada e unificada, baseada num núcleo interior e imutável. Já o sujeito sociológico

considerava esse centro dependente e insuficiente e formado na relação com as

outras pessoas. Tais caracterizações indenitárias, a formação de padrões, conceitos

e escolhas no meio social por parte dos indivíduos nele inseridos e em relação com

informações propagadas na contemporaneidade, são também objeto de estudo tal

como abordado por Lúcia Santaella. Hall identifica as características que formam o

sujeito contemporâneo e Santaella esclarece sua construção atemporal, por meio do

contínuo processo de semiose, com as considerações de Marilena Chauí sobre a

interferência cultural e social na formação individual e seus reflexos coletivos. Todas

essas inter-relações familiares, sociais e culturais, de desenvolvem juntamente com

fatores emocionais advindos de experiências ao longo da vida e principalmente

durante a primeira infância, como esclarecemos com Sigmund Freud e Rosa Cukier.

E após esse mergulho nos caminhos de nossa formação individual, sugerimos

possível caminho de solução para problemáticas individuais, originárias de fragmentos

danosos absorvidos durante nosso processo de desenvolvimento, com

aprofundamento maior na eficiência de processos de autoconhecimento e meditação,

através de experiências pessoais e, as considerações de Chopra et All e Osho,

respaldadas pelas pesquisas do Dr. Frederic Travis, neurocientista que pesquisa os

benefícios da meditação e esclarece sobre os estágios de expansão da consciência

para unificação e reestruturação de nossa fragmentação interna.

Com base nesses estudos sobre interferência social na construção da

identidade e entendendo como funciona a apropriação de características individuais

pela inter-relação entre os indivíduos, em consonância com seu passado histórico,

consideramos o potencial das artes para a educação moral, intelectual e emocional

do ser humano. Propusemos, associado a essas reflexões, uma obra que estimula a

uma reflexão sobre nossa visão de nós mesmos e dos outros; sobre como nos vemos

e somos vistos. O objetivo final desse processo é a descoberta do que de fato somos

em nosso universo interno, uma reflexão principalmente nosso conceito de mundo e

sobre a relação com nosso mundo. A obra de instalação, idealizada a partir desse

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caminho de se autoconstruir e principalmente solucionar conflitos internos, é nosso

convite às práticas aqui sugeridas e desenvolvidas, para a abertura de consciência e

compreensão de seus estágios. O nosso universo particular é o centro da atenção,

bem como as consequências das nossas ações, que são a materialização dessa

realidade existencial intangível sempre individual, única e intransferível que somos,

mesmo que com muitas semelhanças com outras individualidades.

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CAPÍTULO 1 – ARTE E TRANSFORMAÇÃO

Começamos este primeiro capítulo entendendo os mecanismos de absorção

e administração de informações por parte da mente, do ponto de vista sociológico,

semiótico e metapsicológico, principalmente no que se refere a condutas nocivas,

tanto ao próprio indivíduo quanto ao outro, e sua relação com a arte. Temos como

referência neste primeiro capítulo autores e pesquisadores como Ernest Fisher (1997)

com a noção de finalidades da arte como veículo de informação e aprendizado; Nörth

et all (2005) com sua visão da semiótica, Marilena Chauí (2008) com sua filosofia

sociológica; e Sigmund Freud (1920) com foco nos processos de seleção de prazer e

desprazer se relacionando com o consciente e o subconsciente e determinando as

ações e aspirações de um indivíduo.

1.1 - A arte e construção humana

Pensando a arte como forma de desvelar os segredos mais íntimos do ser

humano para si, colocando-o em condições, através de muitas reflexões, de melhorar

a si mesmo, moral, emocional e intelectualmente, motivar e exercitar sua capacidade

criativa, de se fazer feliz, dissertamos sobre o desenvolvimento das interferências

indenitárias pelas relações sociais, convidando a uma reflexão individual do leitor e

observador da obra proposta, que poderá levá-lo a buscar a si mesmo dentro desse

contexto, em conjunta compreensão da força da arte nesse processo reflexivo e da

sua necessidade, para a junção de cada fragmento que constitui uma pessoa.

À medida que a vida do homem se tornou mais complexa e mecanizada, mais

dividida em interesses e classes, mais “independente” da vida dos outros homens e

portanto esquecida do espírito coletivo que completa uns homens nos outros, a

função da arte é refundir esse homem, torná-lo de novo são e incitá-lo à permanente

escalada de si mesmo. [FISCHER, 1997, p.8].

Pensemos em uma relação mais profunda entre o homem e o mundo, uma

relação consciente na construção coletiva, entendendo primeiro sua singularidade e

tudo que a compõe e não somente visando a compensação por um equilíbrio

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16

ineficiente da realidade. Essa ineficiência está na acomodação diante das auto

negações em nome da aceitação alheia, na falta de posicionamento, na não aceitação

de alguns detalhes e sonhos de si mesmos, no substituir a realidade pela imaginação

ao invés de aproveitá-la para gerar a realidade que a própria intimidade busca; enfim,

é quando confundimos equilíbrio, que vemos aqui como aceitação de todas as nossas

particularidade (sabendo como funciona cada uma delas para construções positivas),

com acomodação e reprodução do fazer alheio e do desejo alheio. A mente costuma

passar mais tempo no “stand by” do que na consciência do aqui e agora. Sofrimentos

variados como traumas, ideias intoleráveis, sentimentos insuportáveis, conduta

reprimida por padrões comportamentais delimitados (culturas familiares: preconceitos,

regra de conduta considerada aceitável pelo meio próximo e que, por vezes, não

dialoga com a sua construção de identidade), angústia ou vergonha e medos de

aceitação, criam mecanismos de defesa emocional para ocultar segredos de nós

mesmos para nós mesmos o que vai ser ou não notado.

Nesses mecanismos de defesa e de repressão1, segundo Freud (1920) em

seu ensaio Além do Princípio do Prazer de 1920, está a dor mental atenuando a

percepção consciente. Sentimentos combatidos dessa forma deformam a

personalidade e deturpam a atenção. Criam uma lacuna, como um mecanismo de

atenção que gera um espaço defensivo na percepção consciente. Os medos e

sentimentos nocivos, transpiram poluindo pensamentos e emoções. Para Freud

(1920) a penalidade da repressão é a repetição. É o mais primitivo de todos os

mecanismos de defesa. É o bloqueio das pulsões do ID no nível do inconsciente. Uma

repetição mascarada para a consciência, já que a mente mantém não perceptível a

ela os itens que causam sofrimento. É auto ilusão fantasiada de realidade.

Observamos que por esses mecanismos se reproduzem também conceitos e

valores em padrões de comportamento, que partindo da unidade (individuo) se

estende ao conjunto (sociedade)

Quando pensamos na necessidade e no papel da arte para a sociedade,

pensamos antes na sua função e, a partir daí, observando-a desde suas origens,

visualizamos como ela é adaptável e como sua função se modificou ao longo dos

tempos. Fischer (1997) nos diz que a sua funcionalidade está sempre em diálogo

1 Mecanismos de defesa – São processos psíquicos inconscientes, que se manifestam para

aliviar a tensão psíquica. Ex: Recalque, Projeção, compensação, racionalização, .... São recursos adotados pelo Ego (princípio de realidade), contra os impulsos provenientes do ID (Princípio de prazer).

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direto com as necessidades e aspirações de seu tempo, sofrendo modificações e se

reiniciando a partir das necessidades do ser humano.

Quando as pessoas vão ao teatro, ao cinema, ao museu ou leem um livro,

procuram se distrair, relaxar e se divertir; não, porém somente pela fuga das

dificuldades do seu dia mas, também pela identificação com as histórias contidas nos

diálogos com os quais entram em contato e a partir dos quais conseguem sua união

com o “todo”, como define Fischer a relação do indivíduo com o meio externo a si,

com o outro. Sendo isso, sua expressão construtiva ou destrutiva diante do contato

com qualquer informação externa, seja pessoa, sentimento, referência de conduta

etc., em concordância com sua expressão subjetiva interna, pode colocar em

evidência seus defeitos a serem eliminados e qualidades a serem reconhecidas e

aprimoradas, ampliando as possibilidades de criação de sua realidade, como

mostraremos adiante inter-relacionando os conhecimentos necessários para essa

nossa observação. E estar com o “todo”, como descreve o autor, é conseguir a

concentração de atenção real na cena ou tema, ou ambos, de forma que este

observador se sinta realmente inserido no mundo e saiba em que posição se encontra

nele, se algo em sua conduta precisa de modificação, a partir do momento que

entende as consequências, ou de aprimoramento do que já funciona mas necessita

de avanço, ou do que não está funcionando em sua conduta e sua vida. É aceitar

todas as suas particularidades, mesmo que controversas ou, por vezes, incompletas

ou deformadas, para que possam ser reconstituídas ou reconstruídas. É saber o que

é seu mundo interno, o mundo coletivo e o mundo do outro; enfim, é saber como

funcionam seus mecanismos de percepção e aprimorá-los, trazer esses mecanismos

à consciência em cada conduta boa ou má, compreendendo sua origem. Vamos leva-

lo agora leitor, pelo caminho onde cada detalhe que lhe identifica foi construído ao

longo de sua vida, pois entendendo estes detalhes e seus mecanismos de expressão,

você leitor, perceberá como a arte pensada ciente destes detalhes pode influenciar e

se inter-relacionar com você.

Observando a arte como meio de ligação entre o individual e o coletivo, num

sentimento de pertencimento, que inicialmente, só alcança satisfação na relação

conjunta equilibrada com a sua singularidade, bem como um meio influenciador de

ligação entre o “eu” egóico e o “eu” essencial do sujeito2, percebemos que os detalhes

2 O eu egóico – Manifestações dos mecanismos de defesa.

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que nos diferenciam entre nós, são determinantes nas escolhas acertadas de

construção interna e externa, mas não sendo possível conhecer todos os fragmentos

que compões a singularidade do outro, com o qual nos relacionamos, entendemos

que se conhecermos o processo de construção e expressão dessas particularidades

teremos uma possibilidades maior de prever, modificar e melhorar nossa relação

conosco e com o outro, seja no contato direto ou através da arte.

“A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete

a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e

ideias. ” [FISCHER, 1997, pg. 13].

Mais ainda que isso, nas linguagens artísticas o indivíduo é capaz de se

libertar das pressões cotidianas e de se observar no diálogo proposto, com o

distanciamento e alegria necessários para que consiga identificar e sugestionar um

caminho de solução para problemáticas individuais e talvez até as coletivas, a partir

de uma reflexão equilibrada e sem as distorções de compreensão que confundam a

razão e a emoção, prejudicando assim, a atenção da realidade presente. Refiro-me

aqui aos mecanismos de defesa emocional do subconsciente que, por vezes, nos

levam a condutas nem sempre justas e honestas, mas convenientes dentro de uma

série de justificações de um centro de justiça distorcido nesse mecanismo de

autodefesa, sobre isso nos aprofundaremos mais adiante à teoria Freudiana no

subcapítulo 1.3 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia.

Quando vemos, então, uma peça de teatro que trata de desigualdades sociais

mostrando um lado doloroso e angustiado, esse exagero, seja na expressão do ator

ou na comicidade, na seleção de focos em cena ou outro mecanismo técnico

adequado a tal propósito, além evidenciar a problemática, favorece o espectador a

pensar em si mesmo nesse contexto, a pensar no outro e, talvez, a visualizar soluções

que lhe seja pertinente tomar, só que de forma leve e natural, sem a angústia e a

ansiedade da vivência real do problema, já que nessa situação de espectador, este

está se observando de longe como se passasse a ser o narrador da história,

observando o personagem (que em certo sentido ele também é). Metaforicamente

falando, fica mais fácil reescrever sua própria história observando o sistema

O eu essencial - sujeito em estágio de consciência onde não há dualidade, ou seja, não há

julgamentos e comparações, somente escolha e consequência.

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operacional numa planta baixa, vendo-o de cima e identificando detalhes importantes

desse processo.

Na relação de observador com obras plásticas dependendo do grau de

abstração da obra o processo é mais delicado e subjetivo. A percepção do observador

se dá conforme as informações em conhecimentos que este possua para refletir e

concluir idéias, pensamentos e opinião sobre a obra sendo necessária maior carga de

informações / conhecimento e experiência, pois nas artes plásticas algumas obras não

têm o mesmo caráter narrativo do teatro e, por vezes, podem ser bastante abstratas,

como no caso da conceitual e expressionista.

Por outro lado, sabemos que, as escolhas do ser humano no geral, também

como espectador, antes de tudo, determinam esse caminho que pode ou não ser

aceito e experimentado e/ou de que forma, e até que ponto, será vivido e percebido,

para então ser modificado. E sabendo que cada ser vive sua unicidade em sua

formação e, assim sendo, pode ter reações diferentes a situações semelhantes,

temos, portanto, que considerar que antes da troca entre os indivíduos para sua

construção e aprimoramento há de haver uma autoconsciência. Um caminho de

autoconhecimento é então a relação com o outro, com a obra ou qualquer tipo de

informação com a qual se tenha contato. É um caminho na busca de si próprio. Esses

outros poderão estimular um mecanismo de identificação das problemáticas do Ser, e

não a sua solução, que só será possível com muito trabalho de percepção do EU

comigo, isso é, se observando, identificando, compreendendo e aprendendo.

O interesse e o caminho que buscamos é o de compreender a natureza do

Ser: as emoções que permitirão acessar imagens mentais relacionadas a conceitos e

opiniões que o sujeito possua em seu sistema interno que, quando em contato com

as obras de arte ou outras informações, poderão leva-lo de volta à sua mais primitiva

e pura manifestação mental, livre de condicionamentos, crenças e estereótipos.

Marx [apud Fischer,1997, pg.146] reconheceu que a arte tem o incrível poder

de se sobrepor ao momento histórico, incitando permanente fascínio sobre o ser

humano e colocando-o em contato com a sua mais pura humanidade. É então

importantíssimo estimular e instruir o ser humano a essa forma de sensibilidade, como

defendeu Marx apud Fisher.

Fisher (1997), afirma que a arte é natural e inevitavelmente didática, mas nos

caminhos que busquei, de autoconhecimento, me inserindo em todos os processos

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aos quais tive acesso (citarei experiências adiante), compreendi os processos de

formação de nossa personalidade e das escolhas que fazemos, foi inevitável a

observação de que a arte pode sim ter na maior parte das vezes caráter instrutivo e

reflexivo, não sendo entretanto, a meu ver diretamente proporcional ao aprendizado e

sim relativamente proporcional ao mesmo. Pois, se observarmos a arte, como veículo

de conhecimento e informação, teremos que considerar que a seleção e absorção das

informações só são possíveis através da escolha, a escolha de interagir com a obra,

bem como a escolha feita pelo nosso aparelho cerebral e seus recursos de seleção

originários das experiências vividas durante a vida. Sendo assim, não aprendemos

diretamente ao contato com a obra, mas sim relativo a observação necessária para

tanto, que façamos da obra. Podemos parar diante dela e só olhar cores e formas,

etc, ou fita-la com mais aprofundamento de nossos diálogos mentais, que possam

surgir, enquanto pensamos nela e não somente olhamos para ela. Ao passo que, se

nos relacionarmos com imagens opressivas, elas se relacionarão com nossas

experiências opressivas pretéritas e se nos relacionarmos com imagens construtivas,

acessaremos em nosso eu interior imagens, lembranças, conceitos e experiências

igualmente semelhantes. E quando tratamos de aprendizado tendemos a pensar em

coisas positivas, mas a má conduta, também vem de um aprendizado, mas de

experiências negativas.

Os mecanismos de defesa aos quais me referi anteriormente e nos

aprofundaremos adiante, através de vários autores, tendem a manter a mente, no

passado, no futuro ou relacionar a outros indivíduos que representam uma experiência

negativa vivida, fazendo com que estejamos constantemente desatentos do momento

presente ocultando sofrimento que pudesse se apresentar como pendência a ser

solucionada e assim sendo nos distanciemos de nosso EU mais puro pelo medo de

reviver situações traumáticas. Sendo assim, o único caminho possível para essa

transformação positiva é perceber, aceitar e ter a coragem de fazer modificações do

nosso universo interno, digo aqui coragem, porque o enfrentamento interno

desencadeia a exposição de todas as negativas protegidas pelo subconsciente,

podendo ser um processo inicialmente doloroso.

Entrando em contato com essa percepção em mim, passei durante a

pesquisa a sentir um forte peso com relação à responsabilidade na criação do uso da

imagem. Entendendo como imagem aqui algo que permeia tudo o que pode ser

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produzido pelo artista, desde a tela até à escultura que, apesar de ser objeto

tridimensional, é percebida pela retina como imagem, tal qual outro objeto. Além da

percepção fisiológica de imagens, temos também a mente, gerando imagens e

fazendo constantemente relações delas entre si. Todas essas imagens percebidas,

armazenadas ou geradas pela mente, mantém relação com emoções e conceitos,

sendo portanto, informações que se inter-relacionam com a subjetividade individual

do sujeito, seja ela de caráter emocional, imagético, sonoro ou linguístico. Tratarei

portanto, a partir deste momento, todo objeto de arte como imagem e a imagem como

informação para melhor entendimento da reflexão proposta.

1.2 – Primeira infância e criança interior no adulto

Observemos, antes de tudo, nossas casas, pois é lá que se dão os

primeiros contatos de apropriação de conduta e moralidade em nossas vidas.

Ora, se o indivíduo se constrói dentro de relações interdependentes, de práticas,

interesses e obrigações, seu primeiro foco se dá a parir do seu nascimento, na

relação mãe e filho, já citada por Winnicott (apud PAES et al.,2012). Ao longo

desse desenvolvimento e de seu crescimento psicossomático, físico e cultural,

outras relações e situações vão interferindo na construção de identidade desse

indivíduo, porém, a família não perde seu papel, antes serve de base de

sustentação nesse processo, que pode ser positivo ou negativo, dependendo da

forma como se dá.

Descrevendo sobre essa construção condicionada por vários fatores no

desenvolvimento dos adolescentes, Paes (et al., 2010), afirma que: “A maneira

como ele lida com rápidas mudanças e novas experiências varia de acordo com

sua história de vida”. Esclarece ainda, referindo-se a Osório, que:

[...] não há um conceito unívoco de família e que podem ser encontrados conceitos advindos da sociologia, antropologia, psicologia e todos eles devem ser compreendidos sobre uma perspectiva histórica. Há uma multiplicidade de dimensões contidas nesse grupo social e a compreensão do conceito pode variar conforme a dimensão enfocada. Assinala ainda [Osório], que a família é a unidade básica de interação social; não basta situá-la como agrupamento humano no contexto histórico-evolutivo do processo civilizatório. (PAES et al., 2010, p.22,).

E cita:

Família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais - aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consanguinidade (irmãos) – e que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe

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condições para a aquisição de suas identidades pessoais desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. (OSORIO, apud PAES et al, 2010, p.22).

Sendo assim, o autor, prioriza a dimensão que compreende as funções

de proteção e cuidado formando a estrutura da personalidade do sujeito,

devendo esta ser compreendida como produto de uma longa história de

relações, que acontecem nesse cenário familiar (PAES et al., 2010, p.22). Em

relação a isso lembro que é onde o artista, como qualquer outro indivíduo,

também se encontra.

O artista torna-se, além de fruto de seu cenário, um potencial

influenciador de grande número de outros indivíduos pelo seu trabalho, que

expõe e divide com outros, sua construção pessoal através de imagem, sendo

esta acessível a todos, embora dependa da capacidade de percepção, do grau

de conhecimento e das vivências de cada um.

Winnicott, em seu livro Privação e Delinquência (2005), fala da relação

mãe e família com esse indivíduo, e dos sentimentos de rejeição da infância. A

força da confiança, se bem construída nesse processo, se torna porto seguro da

jornada do indivíduo e, é fator primordial para o desenvolvimento de sua

maturidade. Devemos entender, pois, a construção dos valores no indivíduo para

que a interferência social e/ou externa em sua conduta seja positiva ao seu

crescimento.

Tomando como base os estudos de Paes (et al., 2012) sobre Winnicott,

entendemos como se dá esse desenvolvimento individual e como ele se

relaciona com seu meio, dependendo de sua construção ética, que se inicia no

seu desenvolvimento emocional.

Estudando minuciosamente as relações mãe-filho e as influências

ambientais familiares como facilitadoras para o desenvolvimento humano, em

sua Teoria do Desenvolvimento Emocional, Winnicott (segundo PAES et al.,

2012, p.26), explica que a criança, ao nascer, é um ser indefeso, ainda

desintegrado psiquicamente e necessitando de suporte adequado da mãe

(ambiente – seu primeiro mundo é a própria mãe e sua relação com ela) para a

construção de seu self, “consciência de si mesmo”, verdadeiro. Caso esse

ambiente fracasse em sua responsabilidade de proteção ao bebê, ele, ao longo

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da vida, vai “fabricando” essa substituição; o chamado falso self, resultado de

uma tentativa de proteger o self verdadeiro como um sistema de defesa.

Chopra (et al., 2010), trabalha de forma aprofundada, do psicológico à

relação religiosa, a questão do falso e verdadeiro self, em seu livro Efeito Sombra

(2010).

O verdadeiro self se relaciona com a essência do ser. Indivíduo com seu

sistema intelectual e emocional ainda livre de deficiências culturais

(preconceitos, ganância, egoísmo, condicionamentos de conduta...) e/ou

traumas por experiências negativas (desde agressões físicas, estupro até

agressões psicológicas que geram nesse indivíduo sensação de incompetência

e incapacidade, entre outras). Ou seja, esse jovem indivíduo, ainda está aberto

às relações puras de amor, esperança e cooperativismo.

O falso self (fruto das experiências negativas, defesa no ego), é um

veículo da psique para sobreviver aos traumas que ficaram no sistema da

memória, criando a ilusão de que com o reflexo de nova conduta pode-se evitar

nova experiência dolorosa, o que inclui também grande culpa por parte do

indivíduo traumatizado, mesmo que, na maioria das vezes este não tivesse

meios para se defender (já que teve o amor próprio agredido por outrem que

deveria ser responsável por este, que ainda se encontrava em processo de

construção de valores e condutas). Isso seria o caso de alguém que, ao longo

da vida e desde suas referências familiares até suas experiências posteriores,

conheceu as relações homem-mulher em conflitos graves e não consegue

assumir relacionamentos com seriedade ou escolhe nunca se casar (evita a dor

numa autosabotagem).

Ainda segundo Hartmann (apud CUKIER, 2008), self seria o ser total,

incluindo o corpo; e ego apenas nomearia uma estrutura psíquica.

Referimo-nos aqui, inicialmente, a crianças e adolescentes, porém o ser

humano passa por esse processo ao longo de toda a vida, sendo mais difícil para

o adulto lidar com problemáticas dessa ordem se na infância não teve base

equilibrada, e não as trabalhou posteriormente, pois não terá referências de

superação com respeito e ética.

Resumindo, são conceitos e condutas relacionadas ao ego, como forma

de sobrevivência emocional diante dessas experiências dolorosas. São como

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máscaras, personagens criados para a sobrevivência emocional diante de

privações em ambientes agressivos, desequilibrados e hostis.

Voltando à pesquisa de Paes (et al., 2012), sob essa perspectiva, os

processos de base do desenvolvimento emocional são: integração,

personalização e realização. A integração compreende a relação inicial da mãe

com o bebê ainda no princípio da vida, suas urgências instintivas ou sua

expressão agressiva; e o que vem da mãe, que Winnicott denominou holding e

que está relacionada à ação de pegar nos braços, de demonstração de amor, ao

vínculo físico e emocional entre os dois, fundamentará os primeiros pilares da

construção de um desenvolvimento saudável.

Na Personalização a criança começa a se perceber como algo além de

uma extensão da mãe. Ainda com a mãe ela começa a entender seu próprio

corpo na manipulação do corpo do bebê durante os cuidados de higiene, de

vestir e nos jogos que a mãe estabelece com seu bebe. A possibilidade de

adaptação à realidade é fundamentalmente possível através da apresentação de

objetos pela mãe, que acompanha todos os momentos da evolução, começando

pelo seio na amamentação, na apresentação do rosto, no olhar e assim por

diante, iniciando o exercício mútuo de desenvolvimento de ação e reação (troca

e cumplicidade) emocional. (Paes et al., 2012, p.27).

Winnicott (apud Paes et al., 2012), ressalta ainda como capacidades

para o desenvolvimento emocional normal da criança:

a) “Capacidade de estar só” – “Se desenvolve a partir dos primeiros meses de

vida e está intimamente relacionada com a relação entre a mãe e o filho”, à

forma como o bebê absorve as funções maternas diante de sua ansiedade.

O ápice da maturidade do desenvolvimento emocional, segundo o autor.

b) “Capacidade de brincar” – é um modo de conter sua destrutividade e

construir sua localização no mundo exterior e interior. Seu mundo de

proteção, onde consegue manter o controle diferente do mundo real, novo e

assustador.

“O verdadeiro brincar, na idade adulta, é a expressão da

espontaneidade, da liberdade e de criatividade”. [Paes et all, 2012, p.28]

c) “Capacidades de envolvimento” – Se importar e se preocupar com o outro,

de sentir e aceitar responsabilidades. “Essa capacidade é produto de todo

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um processo de adequado desenvolvimento emocional anterior e pressupõe

uma completa organização do ego, consequência dos cuidados oferecidos

ao bebê”.

d) “Capacidade de desenvolver sentimento de culpa” – Conforme a criança vai

interagindo os dois aspectos da mãe-objeto e mãe-ambiente, ela é envolvida

por uma espécie particular de angustia chamada de “sentimento de culpa.

Para Winnicott (1966), a ausência de sentimento de culpa é consequência

da falta de confiança na figura materna, anulando o esforço de construção

da criança em suas experiências iniciais e impossibilitando o processo de

integração, não existindo unidade de personalidade ou senso de

responsabilidade total por nada.

Segundo Winnicott (apud Paes et al., 2012), a figura do pai também tem

papel importante na construção do self da criança, com a função de mediador de

equilíbrio da mãe para que ela possa exercer seu papel de cuidadora.

Cabe ressaltar aqui que esse papel de pai e mãe não se refere

exclusivamente a ligações consanguíneas, mas à ligação de cuidado, proteção,

educação e amor dos responsáveis pela criança que, dependendo da forma

como se dá, pode ser construtiva ou destrutiva.

Na adolescência é dada continuidade à linha de vida já vivida pelo

indivíduo antes. Sendo assim, na falta de exemplos de identificação estáveis, os

adolescentes convivem com uma angústia e confusão, em meio a sentimentos

avassaladores de vazio, comprometidos no seu desenvolvimento, que se reflete

em ações violentas e destrutivas como forma de autoproteção e pedido de

socorro. Winnicott acrescenta ainda que “a criança saudável chega à

adolescência já equipada com um método pessoal para atender novos

sentimentos, tolerar situações de apuro e rechaçar situações que envolvam

ansiedade intolerável” (apud PAES et al., 2012 p.29).

3 - A Gravidade da Privação emocional para construção individual

Tendo como base de estudo os processos de privação emocional, para

melhor entendimento de indivíduos emocionalmente e moralmente deficientes,

Paes (et al., 2012) cita Winnicott e Bowlby, dizendo que a privação é a vivência

desde o início do desenvolvimento da criança que, sofrendo rupturas na relação

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com a família, em geral com os responsáveis mais próximos, “[...] é acometida

de feridas psíquicas que podem perdurar até a vida adulta”. (PAES et al.,, 2012,

p.38). Esses podem vir a ser os traumas e medos que desenvolve e com os quais

passa a conviver para se proteger, ocultando o self verdadeiro. Tornam-se a

sombra que impede o desenvolvimento pleno e cria prisões internas,

deformando os conceitos de felicidade, amor e consciência do progresso

coletivo.

As privações emocionais dificultam a capacidade de abstração,

elaboração e planejamento, sendo essas habilidades necessárias para a

convivência social saudável do jovem. Há também outros determinantes

externos (ou, mesmo, intraindividuais), como os sociais, para manifestações

delinquentes, que podem ser agressões diretas à sociedade, quando esse

quadro se encontra mais agravado pelas frustrações que esse jovem já carrega.

Ou podem ocorrer agressividades e ataques ainda no seio familiar, que podem

se agravar caso esse núcleo de proteção não perceba as necessidades desse

indivíduo e reaja com a mesma agressividade ou indiferença diante da situação.

A indiferença é uma forma de privação emocional, excluindo esse

indivíduo do exercício de amor, troca e diálogo que o ajudam a formar opinião,

respeitando as diferenças e sabendo se portar diante delas. A agressividade

também priva ambas as partes da oportunidade de se colocarem um no lugar do

outro, ouvindo e entendendo as angústias pretensões, necessidades e pontos

de vista (como cada qual construiu o pensamento que defende), para que achem

o equilíbrio de ideias e conduta nessa relação, com respeito e amor.

Paulo Paes (2012, p.39) disserta que Bowlby (1995), seguindo o

raciocínio de Winnicott (2005), demonstra a existência de privações diferentes,

que têm diferentes resultados de atitude na vida adulta. Por exemplo, se a

privação da criança foi contínua durante a infância, mais isolada e apática ela se

tornará; perdendo a capacidade criativa e de interação social e, dificilmente,

tendo atitudes de delinquência.

Já a criança que experimentou uma relação amorosa com envolvimento

de afeto com sua mãe ou parente nos primeiros anos de vida e, depois, perdeu

esse envolvimento, tentará reestabelecer de forma inconsciente essa relação de

amor que foi perdida, através de atitudes delinquentes não pensadas, mas,

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sentidas. Isso equivale a projetar aquele mundo da mãe (ambiente – objeto)

sobre as outras pessoas da família ou sobre a sociedade, que é o mundo

percebido além do mundo da mãe (que deveria ser sua base de sustentação de

confiança e proteção). Na relação com essas novas pessoas que vão se

apresentar e interagir com ele durante sua vida, ele vê e projeta a principal

relação que exercitou em seu desenvolvimento, que é a relação com a mãe,

sendo a mãe-objeto esse indivíduo novo com o qual está criando nova relação

e/ou vínculo, e a mãe-ambiente a sociedade. Então, diante do sentimento de

perda e/ou rejeição esse indivíduo terá maiores dificuldades em administrar e

resolver dentro de si essa confusão emocional, pois não a conheceu

anteriormente e não teve oportunidades de exercitar seu autocontrole e, assim,

a agressividade se apresenta a ele como única solução, quase numa lei de ação

e reação.

No caso de apatia dá-se da mesma maneira; ele sente e reage, se

isolando como forma de proteção. Enquanto criança ainda há uma leve

consciência dessas deficiências, as quais ele reivindica e se apresentam mais

fortemente na adolescência, quando o conflito mãe se choca com o conflito

social, se agravando portanto. E, já na idade adulta, ele passa a ser envolvido

pela capa da frustração, um sentimento de fracasso e quase uma autoculpa, que

dificulta a identificação da raiz do problema.

Criando uma parábola, seria como se esses sentimentos de rejeição e

indiferença fossem trancados num quarto escuro dentro desse indivíduo e, ao

longo dos anos e experiências vão sendo soterrado por caminhões de areia de

frustração e negação, quanto mais o tempo passa mais difícil e doloroso será

descobri-lo, porque nesse caminho de regressão emocional, necessário para

esse encontro consigo mesmo, há toda essa areia, esse escuro e a chave desse

quarto, que se encontrará lá nas lembranças com a mãe e a família.

Quando a criança recebe suficiente e adequado cuidado materno e

familiar, sua personalidade desenvolve-se de forma integrada durante os

primeiros anos de vida, o que impede “... uma irrupção maciça de agressividade

vazia de sentido.” (PAES, 2012, p.40), ou seja, ela entende o que desencadeou

esse sentimento de raiva e aprende como lidar com ele através de diálogo e

compreensão, controlando-o para resolver o que para ela é um problema.

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A criança que vive uma privação emocional não tem a possibilidade de desenvolver seu autocontrole a partir do seu próprio comportamento agressivo e destrutivo, o que vai acontecer mais tarde de uma forma não aceita socialmente, gerando sérios problemas de convivência social. Enquanto a criança mantinha uma relação saudável com a mãe e/ou familiares, era valorizada na sua capacidade construtiva e percebia que sua agressividade era suportada e contida sem a perda do afeto familiar. A ausência da capacidade de controle e dos limites da agressividade tem sua gênese na privação emocional causada por omissão, abandono, negligência ou violência propriamente dita. (PAES, 2012, p.40).

Segundo Winnicott (apud PAES, 2012), toda criança, em algum

momento de sua formação, apresenta alto grau de destrutividade, mesmo as

familiarmente integradas e felizes. Essa necessidade de manifestação agressiva

é uma forma de aprender a lidar com sua agressividade desenvolvendo uma

capacidade de socialização saudável. Os adolescentes apresentam essa

agressividade mais tarde, não havendo mais ambiente social que a suporte.

Como é criança normal? Ela simplesmente come cresce e sorri docemente? Não, não é assim. Uma criança normal, se tem a confiança do pai e da mãe, usa de todos os meios possíveis para se impor. Com o passar do tempo, põe à prova o poder de desintegrar, destruir, assustar, cansar, manobrar, consumir e apropriar-se. Tudo o que leva as pessoas aos tribunais (ou aos manicômios, pouco importa o caso) tem seu equivalente normal na infância, na relação da criança com seu próprio lar. Se o lar consegue suportar tudo o que a criança consegue fazer para desorganizá-lo, ela sossega e vai brincar. (...) Antes de tudo a criança precisa estar consciente de um quadro de referência se quiser sentir-se livre e quiser ser capaz de brincar, de fazer seus próprios desenhos, ser uma criança responsável (WINNICOTT apud PAES, 2012, p. 40).

Sendo assim, a criança, quando diante de situação que exige o controle

externo, da família, tendo limite com rigor e entendendo que nem por isso

perderá o amor dos pais, passa por um processo de tentativa de construção de

seus impulsos, desconstruindo-os pelo limite e reconstruindo-os com

consciência de virtudes como respeito, trabalho, perseverança, perdão e

cooperação. E tendo aprendido isso no seio familiar, suas lutas e seu

desenvolvimento tendem a ser menos dolorosos, já que aprendeu na terna

infância a lidar com perdas e ganhos, emocionais e materiais.

O mundo fora desse contexto tende a ser bem mais duro e menos

amoroso, intensificando ainda mais, nesse sentido, a sensação de abandono, da

incapacidade de ser amado e de ser independente. Não tendo satisfação no

convívio consigo mesmo e orgulho de seu papel no contexto social. “[...] O limite

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é bem aceito pela criança quando essa se sente segura do amor dos pais”

(PAES, 2012, p. 42).

A criança antissocial ou agressiva está pedindo socorro às suas

necessidades de estabilidade e de crescimento emocionais à sociedade, ao

invés da família.

A apropriação (da criança) de elementos do mundo à sua volta se dá

pela invenção e pela imaginação, que têm sua raiz na realidade cotidiana. Ela

cria e inventa para si um mundo particular a partir de sua mãe, de suas coisas,

de seu quarto, numa construção mágica que faz a ponte entre o mundo família,

que é sua base (mãe objeto-ambiente), e o seu próprio mundo que acontece fora

desse, com novos personagens e elementos que vêm aparecendo ao longo de

sua vida.

Pensamos, neste ponto, que quando ela se identifica com um

personagem de desenho ela está buscando a si mesma, seja no que se identifica

com ela, ou no que ela espera de si mesma, capacidades que ela sinta que

possui e que tem grande necessidade de extrair e exercitar. Da mesma forma

pode relacionar personagens de seu contexto familiar a outros desse mundo de

fantasia e buscar soluções através deles para seus problemas e conflitos. Vemos

aqui, pois, a grande responsabilidade na criação de elementos visuais

interferindo na construção individual do ser. As escolhas dos personagens para

solução de suas problemáticas passam a ser referência de conduta para ela.

Segundo Paes (2012), essa reflexão de controle do impulso levou

Winnicott à outra, que é a necessidade de uma criança de dar mais do que

receber. Tendo uma participação ativa no meio familiar, com permanente relação

de condução e controle pela família, a criança sente gratificação por contribuir

na construção de felicidade para o conjunto através da troca e cumplicidade,

para construir a sua própria, identificando seu caráter destrutivo através da culpa

e buscando a satisfação de ser amado através da construção de seu papel

dentro do contexto em que se insere.

Uma criança participa fazendo de conta que cuida do bebê, arruma a cama, usa a máquina de lavar ou faz doces; e uma condição para que essa participação seja satisfatória é que esse faz de conta seja levado a sério por alguém. Se alguém zomba, tudo se converte em pura mímica e a criança experimenta uma sensação de impotência e inutilidade físicas. Então facilmente poderá ocorrer uma explosão de destrutividade e agressão. (WINNICOT apud PAES, 2012, p.43).

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Tratamos até agora dessa construção da individualidade direto da raiz:

sua terna infância (infelizmente nem sempre tão terna assim). Mas, quando a

fase adulta se aproxima ou chega efetivamente, o que acontece com essa

criança? Isto é, se esse indivíduo não amadureceu seu emocional de forma

saudável, então a idade chega e a criança permanece?

Segundo Rosa Cukier, em Sobrevivência Emocional: as dores da

infância revividas no drama adulto (1998), emocionalmente guardamos “eus

infantis”, que tiveram origem em situações indutoras de vergonha ou

desconfirmadoras da essência da criança, que acompanham de forma imutável

a experiência e posição iniciais junto com o adulto que se desenvolve; então, o

adulto cresce com essa criança assustada dentro de si, ainda vinculada aos

traumas e medos de seu passado, como se ainda os revivesse no seu presente,

fazendo muitas vezes com que reaja negativamente ou fuja de situações que se

pareçam com essas lembranças com cara de ação presente.

Na mitologia de muitas culturas, essa ‘parte infantil no adulto’ representa

a necessidade humana de recapturar a originalidade e a emoção da criança

frente ao estresse e à extrema racionalidade do cotidiano”. (JUNG apud

ABRAMS, 1990, p. 47). Cukier descreveu a criança interna como símbolo da

totalidade da psique [...] (2008, p. 17).

A atenção constante de problemas de adultos sobreviventes emocionais

de famílias disfuncionais gerou uma consciência crescente de que o

desenvolvimento emocional do indivíduo não necessariamente acompanha seu

desenvolvimento fisiológico. Esses traumas podem ser fruto de incesto,

agressão física, psíquica ou emocional. Cukier (2008) divide conosco diversos

caso em graus diferentes que podem ter nefasto poder de destruição interna.

Palavras mal colocadas pelo adulto, desconsiderando a ingenuidade e beleza

interna dessa criança que ainda não se contaminou com as condutas vazias e

egoístas da sociedade, podem chegar como um tornado no seu emocional.

Cukier (2008) cita o exemplo de uma mulher que, quando criança, ouvia da mãe

que ela (a criança) havia sido achada no lixo. Era uma brincadeira, o timbre de

voz, as atitudes, não tinham peso nem agressividade, mas as palavras

identificadas por essa criança vieram com tamanha força que, até a idade adulta,

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essa carregou certo sentimento de rejeição, inicialmente sem propósito pesando

em seu desenvolvimento relacional.

A preocupação com o desenvolvimento emocional já vem de muito

tempo, mas ganha popularidade no trabalho dos Alcoólicos Anônimos, com filhos

adultos de ex-alcoolatras, livros, workshops, e o seriado na TV de John

Bradshaw (1988, 1990, 1992), um entrevistador americano que discutia e

orientava problemas relacionais ao vivo em seu programa.

O objetivo de trabalhar a criança interna nos adultos é fazer com que

tomem a responsabilidade por seu comportamento atual, resultado de como

vivenciaram suas experiências infantis, através da compreensão do forte

impacto das experiências distorcidas precocemente em sua vida, entendendo

assim o que fazem consigo mesmos. “Situações traumáticas, estressantes e

desconfirmadoras limitam a percepção das escolhas na vida adulta. ” (CUKIER,

2008, p. 18).

Quando, no desenvolver desse processo de se autoconhecer, começa a

identificar a realidade emocional do adulto do presente e da criança do passado,

ele vai aos poucos tomando a responsabilidade por essa criança, como se

dialogasse com ela durante a revivescência desse sofrimento traumático, e

dissesse a ela que não há mais o que temer, porque tudo aquilo já passou e

agora ele (adulto) cuidará dela (criança – lembranças emocionais desse adulto).

Então o Eu mais maduro fica responsável por providenciar proteção e cuidados

para sua parte infantil.

Esse adulto passa, assim, a descobrir novas formas de resolver

problemas a partir de novos sentimentos, pensamentos e comportamentos que

passa a expressar, permitindo também evoluções nos processos de

entendimento moral, ético e prático no seu cotidiano. Inevitavelmente, aprende

a se colocar no lugar do outro, percebendo a realidade interna e de construção

de vida também dos outros personagens, nessa trama em que ele começa

inicialmente sendo protagonista, aprende sobre os coadjuvantes,

protagonizando e refletindo internamente sobre a vivência de cada um, e volta

para o papel dele mesmo com os vários pontos de vista que virão a gerar nova

ótica sobre o problema, cortando as amarras do sofrimento interno. A intenção

não é culpar e perdoar, mas sim se responsabilizar por essa criança que ele

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carrega dentro de si, já que só ele pode saber realmente o que ela precisa para

ser feliz.

Nós observamos que o teatro é uma ferramenta interessantíssima,

refletindo sobre essa ótica, por ser o lugar onde se deve vivenciar várias

realidades internas para refletir o personagem e, por não necessariamente

estarem vinculadas a traumas internos, acrescentam novas óticas. Pelo

processo direto de amor, sem necessariamente passar pela dor e vice versa, as

experiências podem acrescentar nesse processo de construção da personagem.

O mesmo reflexo interno-externo (artista) ou externo-interno (interlocutor) está

nas outras áreas da arte, plásticas, dança, música. Tudo o que é produzido pelo

artista vem do mundo (sociedade), passa pelo filtro que é ele, onde se encontram

os traumas, medos, sonhos, esperanças, para depois se materializar, traduzindo

o que ele é diante daquilo. Nos detalhes da obra ou da reação do público estão

as verdades dessa pessoa, misturadas com a personalidade (o que a cultura e

sociedade inseriram) e com o ego ou falso self (recursos de proteção psíquica e

emocional que evita conflitos com a parte mal construída do indivíduo e os

esconde atrás da personalidade).

Exemplo: Personalidade – nome, vestuário, gosto por comida, objetos,

locais, tribos...; Ego – conduta que esconde problemas internos: indivíduo que

por convivência dolorosa com a imagem de casal, evita relacionamentos ou

mantém vários ao mesmo tempo na tentativa de não se apegar e não sofrer.

Pessoa que julga mal a outros por não a bajularem ou cumprimentar às vezes,

refletindo indignação, dizendo que o outro é “metido”, onde na verdade é esse

julgador que tenta se sentir tão importante que não pode deixar de ser visto e

paparicado, escondendo na verdade uma imensa falta de amor próprio ou

sentimento de rejeição. Caso, de fato, esse “metido” seja mesmo indiferente, o

indivíduo bem construído, diante dessa situação, não se incomoda, não comenta

nem se abala, e pode até igualmente não notar o outro dessa forma e ter como

primeiros pensamentos que o tal “metido” deve estar num dia difícil, preocupado

ou simplesmente distraído.

Dessa mesma forma, pensamos que se dará a influência e reação no

relacionamento entre público e artista. As primeiras identificações com a imagem

se associam com outras imagens e/ou sentimentos já vivenciados. A pessoa

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33

diante da obra dará mais atenção ao que reconhece emocionalmente, começará

a pensar e, a partir dos conflitos gerados com o que não reconheceu

inicialmente, vai formular teses e relações entre o que identificou (que remetem

a lembranças e experiências) e o que vem de “novo”, na proposta do artista.

Esse pensamento, dependendo da construção, pode não se concluir,

mas desencadear reações que se estenderão aos próximos dias, até que ele

possa visualizar uma solução ou conclusão da problemática que se iniciou

internamente, bem como uma solução imediata para desequilíbrios antigos onde

só faltava uma nova pergunta. Para pessoas diferentes ocorrem processos

diferentes na relação com o mesmo objeto e todos esses processos sempre vão

além das intenções do autor produtor. Nesse imenso ciclo de construção

interdependente está a sustentação da responsabilidade, através dos

intelectualmente e emocionalmente mais favorecidos ou esforçados em

conduzir, dentro de seu contexto, essa relação da melhor forma possível para o

todo.

Como esse produzir com responsabilidade passa por um complexo que

abrange muitas outras áreas do conhecimento, sentimos a necessidade de nos

aprofundar nas questões psicológicas, culturais e históricas, como uma

responsabilidade que deve vir antes de nos relacionarmos e de exemplificarmos

essas questões aos outros dentro do contexto artístico. Com isso evitamos

dúvidas internas e podemos dividir o enorme caminho de trabalho, estudo e

experiência, inevitáveis para que nós mesmos pudéssemos nos construir, não

só nos pensamentos, mas, no nosso eu interno.

Sempre penso em Moreno-criança, quebrando o braço ao brincar de ser Deus. Pior do que ter quebrado o braço um dia é ter decidido definitivamente parar de brincar de ser Deus, com medo de se machucar de novo. Resgatar a criança interna dos adultos é convidá-los a jogar o papel de crianças de novo, olhar seus braços e pernas esfolados e doídos, perceber os curativos de outrora e deixar algumas dessas feridas cicatrizarem de vez. [...] É, enfim, resgatar a espontaneidade e o assombro, para que o adulto torne a brincar e criar em sua vida.” (CUKIER, 2012, pg19).

É a sobrevivência emocional contra o atentado à espontaneidade e

essência humana.

Quem é essa criança? Já sabemos que o próprio adulto refletindo seu

passado. Mas em que momentos ela pode trazer problemas? Segundo Cukier

(2012), a criança ferida está vinculada a cenas motrizes que estruturaram

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inicialmente uma situação de defesa e, com o passar dos anos, acabam fazendo

parte da identidade e do caráter do sujeito. Isto é, cenas marcantes, fortemente

opressoras ao amor dessa criança, criam fortes raízes em seu intelecto a fim de

identificar futuras situações semelhantes e permiti-la se autoproteger.

Apesar de citarmos, mais adiante dessa pesquisa, relatos de pacientes

de Cukier, esse é um problema pertinente à grande maioria da população, nesse

mundo apressado e socialmente mal distribuído, no qual os problemas sofridos

são transferidos para os filhos, que impensadamente transferirão aos seus filhos,

num contínuo ciclo vicioso, que já tomou uma cara de normalidade pela

frequência com que ocorre. A única forma de identificação e questionamento

para essas questões, entendemos, deve ser o caminho do autoconhecimento.

Só olhando para dentro, conhecendo nossos pontos positivos e negativos e

entendendo as leis morais que regem o crescimento mútuo seremos capazes de

questionar e, aí sim, decidir com consciência as nossas ações, já sabendo quais

suas reações e saindo da escuridão na qual a maioria ainda vive.

Particularmente, na maioria dos casos em que perguntei a alguém

enraivecido o porquê de sua conduta ou agressividade ao lidar com uma criança

que o desagradou, ou com um adulto com o qual se desentendeu, o sujeito se

sentiu na obrigação de revidar, e a resposta foi: “Meu pai sempre me criou assim,

e eu to aqui, ele também vai aprender! ”; ou: ”O mundo é assim! ”. Quantas vezes

já ouvimos isso por ai ou em nossas próprias casas? Esse sujeito só reproduziu

o pai, não raciocinou em único momento sobre o bem estar de seu filho e do seu

mundo, visto como um mundo muito cômodo, onde a vida decide por ele para

que ele não se dê ao trabalho de pensar.

Concordamos que precisamos entender a diferença entre criar, educar

e amar, como se completam e em que momento são adequadas. Comecemos

pelo “criar”. No dicionário, a primeira definição de criar, entre outras, é ”dar

existência a; tirar do nada; dar princípio a, imaginar, suscitar, fundar, instituir,

educar, promover a procriação de (gado) ” [1975, p. 400]. Podemos perceber

que essa palavra está mais perto do animal primitivo, tal qual a criação de

animais domésticos com alimento, comida e moradia. Quero esclarecer que com

esta colocação não questiono o uso do termo na língua, mas apenas convido à

reflexão pelos caminhos que vamos descobrir aqui. Na definição de Educação

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encontramos, entre outros, a seguinte definição para criar: “Processo de

desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser

humano em geral visando a sua melhor integração individual e social” [1975, p.

499]. Esta colocação é, com certeza, bem mais abrangente e reflexiva, o que

não significa que todos reflitam sobre isso quando fazem uso dela. Convido a

refletir.

E, por fim, “Amor’. Essa é a palavra mais difícil de todas para definir;

acredito que sua essência está além da definição que pode abranger o

dicionário; está nas religiões, na filosofia e nas leis morais universais da psique

humana (consciência). No dicionário encontrei definição de Amor, entre outras:

“Sentimento que dispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa”

[1975, p. 87].

Refletindo sobre cada conceito podemos ver qual é a visão de educação

que tem o sujeito do exemplo citado anteriormente; e qual é a visão de si mesmo,

não só pelo uso do verbo “criar”, mas pela forma como a colocou “... meu pai me

criou assim e to aqui...”. Dá para perceber descontentamento e aceitação, ou

melhor, aceitação de um descontentamento. “E nesse ”[...] to aqui [...]” não nos

remete a uma questão de sobrevivência? De alguém que apesar dos pesares

ainda está aqui, ou seja, vivendo, levando a vida? E quando o sujeito finaliza

dizendo “ele vai aprender”, caberia antes refletir sobre o quê.

Todo mundo se pergunta, cedo ou tarde, por que vive; e busca sua razão

e motivação para viver e ser feliz; se esse sujeito teve sua criatividade, sua

natureza de criança e sua espontaneidade podadas, feridas, oprimidas pelo pai,

acaba, sem o auxílio do conhecimento e da reflexão, reproduzindo isso para seu

filho, como um disco furado.

No processo de se autoconhecer o caminho é esse que acabamos de

fazer, refletir! Não só com as palavras, mas com as ações. Observei que para

cada grito ou tapa que leva a criança, por perturbar a paz do adulto, enquanto

ela corre com seu foguete rumo às estrelas pela sala, ou derruba um copo no

chão por tentar se superar e fazer algo sozinha, para cada ensinamento duro

que recebeu de seus pais, e os quais ela não os vê exercitando no dia a dia,

para cada humilhação que ela passa porque o adulto está mais preocupado com

o que os outros vão pensar ou falar do que com a sua necessidade de

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esclarecimento, com equilíbrio de disciplina e amor e respeito ao seu tempo de

aprendizado, uma parte dela sangra, com seus sonhos assassinados pelos

responsáveis pela sua proteção.

Numa descrição breve Rosa Cukier (2012) deu quatro exemplos de

quadros clínico que buscaram ajuda para sua criança interior:

Paciente 1 – Empresário, bem sucedido, deprimido por problemas no

casamento. Queixa-se de falta de atenção da esposa desde o nascimento de

seu primeiro filho. Não consegue conter acessos de violência física contra a

esposa ou objetos da casa. Cenas de infância: tem cinco anos, é madrugada, o

pai bate na mãe. Tem quatro anos, quer colo, a mãe está cozinhando e os irmãos

riem dele e o chamam de “maricas”.

Paciente 2 – Mulher de 25 anos muito bonita que vive em isolamento

social está sempre mudando de emprego, pois sente uma compulsão por

namorar os chefes e pouco depois é mandada embora. Queixa-se de depressão

e de ser perseguida pelos colegas de trabalho. Dentre várias cenas marcantes,

duas se destacam: Tem seis anos, filha de empregada mãe solteira, que vem

visitá-la aos domingos na casa dos avós. A mãe lhe cobra bons modos à mesa

como vê na casa dos patrões. A menina sente-se inferiorizada perante as

pessoas que admira. Em outra cena tem seis anos e pede a benção do avô

mesmo sabendo que ele não a daria, pois sempre dizia que não abençoaria a

filha bastarda de uma mãe que não prestava. São duas cenas que carregam

humilhação, maus tratos e preconceito.

Paciente 3 – Um homem de 27 anos com graves dificuldades no contato

social, restringindo a vida da casa ao trabalho. Poucos amigos. Já se apaixonou

e sente atração pelo sexo feminino, mas nunca namorou. Admira o poder que

Adolf Hitler tinha para se vingar de quem não gostava e é acometido de muita

raiva quando alguém o desconfirma.

Na primeira cena, ele tem entre 4 e 5 anos, a mãe briga com ele e ele

corre para o banheiro e morde a cortina de plástico para exprimir a raiva. A mãe

o alcança e bate violentamente com uma vara de marmelo até que ele se curve

e peça desculpas. Em outra lembrança ele está com 5 ou 6 anos e ganha um

brinquedo de um porteiro de obra em frente à sua casa e é manipulado

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sexualmente. Mais tarde quando compreende o fato sente medo e inferioridade

como homem.

Paciente 4 – Executiva de uma multinacional, 35 anos, bonita e se queixa

de problemas de interação social e vazio existencial. Acha que os homens não

prestam e não consegue manter um relacionamento estável, bem como

identificar o que gera a situação. Diz que sempre ajuda a todos e é tida pela

família e no trabalho, como encrenqueira, estúpida e sente-se injustiçada.

Lembra-se da despedida dos pais que imigraram da Europa. Conteve o choro,

pois a mãe estava muito sensibilizada, então, comportando-se como uma “adulta

equilibrada” para que a mãe não desabasse. Em outro momento, viu-se com 7

ou 8 anos, e a avó, que tem um mau casamento, confidencia suas intimidades

(abuso psicológico) e diz que todo homem não presta.

Então vamos refletir sobre essas quatro construções de vida: O paciente

A via o pai bater na mãe, hoje bate na esposa. O paciente B ouviu por toda a

infância que ela e a mãe não prestavam e assumiu o papel da “mulher que não

presta”. O paciente C sofreu abuso sexual e se dobrava de humilhação de tanto

apanhar, e busca em seus delírios de sustentação um Hitler que pode manipular

as pessoas de acordo com sua conveniência. O paciente D ouvia sua avó expor

a intimidade afetiva e sexual e, sem compreender, passou a viver a realidade de

homens que não prestam. Cada uma a seu modo repetem o drama infantil, mas

há também a possibilidade de construção no extremo oposto do que

vivenciaram.

A criança, ao perceber que o adulto está sendo injusto ou abusivo, sente

raiva, mas fica passiva, pois não tem força física para se defender. Tal

submissão forçada por sua fragilidade gera sentimentos de vergonha,

humilhação e inferioridade que não são esquecidos, por maior esforço que o

indivíduo faça para mascará-lo. Nesses momentos de tensão a criança, em sua

psique, faz uma espécie de pacto de vingança, de modo que quando crescer não

permitirá que façam aquilo com ela novamente ou com as pessoas que ama. Em

suma, por trás desses adultos tem uma criança tentando manter seus projetos

de vingança atrás de uma dignidade perdida, sem perceber que se tornou aquilo

que mais odiava, pois não tinha referências diferentes daquelas condutas.

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1.3 - Os Super-heróis, identidades das aspirações humanas

subconscientes e a influência na independência emocional da primeira

infância

Figura nº 1: Crianças fantasiadas de super heróis.

Fonte: http://www.nossauniao.com.br/blog/casamento-real-com-super-criancas/

A escolha dos super-heróis partiu do tema da criança interior como base

de construção do indivíduo. Observamos aqui a força de referência filosófica pela

qual pode ser observado os personagens dos quadrinhos bem com a influência

destes pela indústria midiática na diferenciação do self em crianças.

De acordo com Weschenfelder (2012),Toda infância tem seus super-

heróis de referência, e mesmo os mais antigos, vem se reinventando ao longo

dos tempos pelas novas tecnologias e hoje movimenta bilhões na indústria

cinematográfica. Essas novas adaptações da cultura POP dos quadrinhos para

a linguagem da atualidade, não só tem força econômica e de entretenimento mas

também trazem grandes discussões filosóficas proveitosas para o universo

infanto-juvenil. Trazendo questões de enfrentamento diário comum a todos nós,

seres humanos como a ética e a moral,

Responsabilidade pessoal e social, à justiça, ao crime e ao castigo, à mente e as emoções humanas, à identidade pessoal, à alma, à noção de destino, ao sentido de nossa vida e ao que pensamos da ciência e da natureza, ao papel da fé na aspereza deste mundo, a importância da amizade, ao significado do amor, à natureza da família, às virtudes clássicas como coragem. [Weschenfelder, 2012, p. 2].

Entre outros é o que fazem destas personagens tão encantadoras e

atraentes aos nossos olhos nos despertando quase que instantaneamente uma

identificação com nossa conquistas, faltas e aspirações.

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Figura 2: Menino e ídolo super herói.

Fonte: http://vambebe.wordpress.com/2013/05/29/o-espetacular-homem-aranha-

andrew-garfield-faz-a-alegria-das-criancas-vestido-como-o-heroi/

O autor do artigo os Super-heróis e essa tal filosofia (2012) esmiúça

essas questões dentro do universo de alguns personagens. O Homem-Aranha

por exemplo, é um adolescente em guerra interna como qualquer outro

adolescente, tentando vencer as tentações cotidianas e as confusões de seus

processos de maturidade. Peter Parker perde os pais muito cedo em um acidente

de trânsito, é adotado pelos equilibrados e adoráveis tios May e Ben Parker.

Logo adiante perde tragicamente o tio Bem assassinado. É um adolescente

esquisito, tímido, de auto estima muito baixa, nerd e pouco sociável. Depois de

ser picado por uma aranha geneticamente modificada adquire superpoderes

semelhantes aos do animal e passa a escalar paredes, soltar teias, dar pulos

altos, super sentidos e uma força além do normal. O que lhe confere o status de

super herói? Não são os poderes, mas sim as escolhas que ele faz. Isso difere

o super-herói do vilão. Ainda enquanto Peter ele já se encontra em posição de

escolha e consequência, mas a partir do momento que adquire super poderes

essa responsabilidade se amplia drasticamente conferindo ao personagem seu

caráter tão atraente e referencial ao universo do observador. E o que orienta as

escolhas deste personagem? As referências positivas de seus tios. Apesar das

privações e dificuldades que viveu e vivência ao longo das histórias, Peter tem

não só uma base instrutiva eficiente por parte de sua família quanto à

responsabilidades e compreensão de direito e deveres e escolha e

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consequência como também tem bom exemplo por parte dos mesmos. O autor

atenta para o esquisito coragem dentro das escolhas da personagem,

principalmente no que se refere ao fato de ser o Homem-Aranha. Não são só os

super poderes que fazem dele o que é e o que representa, mas o fato de escolher

combater o crime e ajudar as pessoas indefesas, das personalidades mau

construídas dos vilões. Ele tem a escolha de não ter esse envolvimento, poderia

somente ter a cautela de não usar seus super poderes para prejudicar outrem e

continuar sendo integralmente Peter Parker, poderia também usar seus

superpoderes exclusivamente para proveito próprio, mas não a personagem vai

além e com coragem além de lutar pela melhora de si luta pelo bem estar dos

outros.

De acordo com Aristóteles, referência do autor, para que o julgamento

se apresente de forma construtiva é imperativo que ele tenha instrução no

assunto juntamente com experiência e exemplo. Acrescento aqui novamente a

reflexão de que o aprendizado não é diretamente proporcional ao tempo mas sim

relativamente proporcional. Esse personagem com certeza apresenta

maturidade e entendimentos de vida maior que colegas que tenha que não

passaram seus enfrentamentos pessoais, bem como pode estar ainda além de

pessoas com o dobro de sua idade que pouco conhecem sobre provação

emocional. A Inteligência emocional é fator de suma importância para o

desenvolvimento de aprendizado com sabedoria, conforme foi dissertado

anteriormente

Em boa parte das histórias há momentos em que ele é perseguido e

culpado pelos jornais, pela população e até pela polícia pelos males feitos dos

vilões, por essas pessoas terem tido acesso somente ao momento em que ele

se encontrava presente na sena caótica, não tendo visto sua chegada e sua luta.

Quanto a tal fato vemos a tendência pré-julgadora do ser humano, que pode se

estender a grande fofoca de forma a prejudica-lo, entretanto, o personagem

continua sua luta pela justiça, nesses momentos tendo o enfrentamento

estendido para além dos vilões, pois a partir de sua base ética interna se mantém

a ajudar mesmo sendo criticado e perseguido por quem está ajudando, tentando

compreender essas pessoas e dominar as próprias paixões para continuar seu

propósito sem se deixar agredir pela situação a ponto de revidar. Essa situação

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é de altos e baixos, hora é aclamado, horas é criticado negativamente, como o

é em nosso cotidiano ao contato com outras pessoas de natureza julgadora e

ainda sem domínio das paixões e longe do equilíbrio reflexivo. A coragem está

no enfrentamento do medo e não na falta dele. E quando se permite o

enfrentamento, o efeito sombra é desfeito. Isso não impede que mal seja feito

por outrem mas neutraliza seu acesso ao nosso emocional, à nossa psique e

dessa forma temos o equilíbrio necessário para tomar a atitude necessária e /ou

desenvolver o que foi interrompido em hora adequada para tal, podendo ainda,

ao longo do processo passar a criar as oportunidades necessárias sem ter

esperar que se apresentem ao acaso.

A coragem é a mediania tocante ao medo a autoconfiança. (...) de modo que o medo é, às vezes, definido como a antecipação do mal. (...) não se pensa que a coragem esteja relacionada com todas essas coisas, uma vez que há alguns males que é certo e nobre temer e vil não temer, do é exemplo a desonra e a ignomínia. Aquele que teme a desonra é um homem honrado, detentor de um devido senso de pudor. [Aristóteles apud Weschenfelder. Pag. 4, 2012.]

O personagem tem em sua família, então um exemplo de educação

virtuosa que possibilita sua percepção de escolha e consequência de coragem

e medo, temperada conforme a situação se apresenta.

“Seja qual for a situação seja qual for o conflito que tivermos dentro de

nós sempre temos uma escolha, pois são as nossas escolhas que fazem de nós

o que somos e sempre podemos escolher aquilo que é certo”. (Fala do

personagem em Homem-Aranha 3, 2007).

Figura 3: menino de super-homem

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Fonte: http://www.pinterest.com/pin/250583166742118968/

Quanto ao super-homem, encontramos sua atitude heroica na

necessidade de pertencimento, fazer parte de um conjunto com nossas

particularidades em evidência, a qual todos buscamos. Ele é um extra terrestre,

sendo assim está só e longe de casa, sua raiz, mas foi muito bem educado e

amado por humanos, então sua necessidade de pertencer é inteira quando se

fragmenta, por um lado ele é Clark Kent, jornalista, um homem comum, repórter

com seus conflitos tal qual qualquer ser humano, por outro ele é um super

poderoso protetor dos fracos e oprimidos, e quando usa seus poderes e atua

com suas particularidades extraterrestres, dessa forma ele abraça dois

fragmentos singulares que fazem dele quem ele é e que resolvem sua sensação

de pertencimento aceitando tudo que o compõe, então os fragmentos aceitos

juntos podem formar o todo que o compõe, a unidade que o faz um ser inteiro.

Quando ele é kriptoniano consegue participar integralmente do mundo a sua

volta.

Vemos aqui que o problema da fragmentação que observamos fazer

parte do mundo humano, principalmente na contemporaneidade como vimos no

capítulo 1, não está em desenhar uma linha reta de unificação interna mas sim

aceitar e integrar sua sinuosidade. Essa integração deve para tanto, penso eu,

ser estudada, é o autoconhecimento, para que possa ser identificado o que são

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nossas sinuosidades e o que são fragmentos sinuosos apropriados de terceiros

que muitas vezes não dialogam com o que buscamos, sendo só um reflexo do

ego reprimido.

Voltando ao personagem, quando ele participa do mundo a sua volta é

que se sente realizado. O autor cita que quando Aristóteles quis descobrir a

felicidade explorou o que é viver com excelência, conforme descoberta do super-

homem. “Mas se a felicidade consiste na atividade de acordo com a virtude, é

razoável que seja atividade de acordo com a virtude maior (excelência), e esta

será a virtude da melhor parte de nós. ” [ Aristóteles apud Weschenfelder].

Essa virtuosidade em ajudar ao próximo vem de seus instintos naturais

em consonância com sua formação, mas esse altruísmo se estende a “uma

quantidade saudável de interesse próprio” e a grande qualidade ao equilibrar as

necessidades alheias com a suas individuais observando o benefício mútuo e

geral. Ao ajudar o outo o personagem ajuda a si mesmo exercendo seus poderes

singulares e desenhando seu destino. É seu equilíbrio interno que o faz não estar

escravo do medo e tão pouco enfrentar a tudo sem considera-lo. “ Assim a

temperança e a coragem são destruídas pelo excesso e pela deficiência e

preservadas pela observância da mediana”. (Weschenfelder, 2012).

No caso dos X-Man, encontramos em constância uma das

particularidades das experiências do Homem-Aranha. São também

adolescentes, sendo assim em constante conflito interno e tem a base

moralmente virtuosa em seu tutor Charles Xavier. Entretanto, esses

adolescentes passam quase que todos os episódios tendo que se defender

internamente das pressões vidas das pessoas a quem ajudam. São mutantes

vistos como mal exemplo e perigo por parte das pessoas comuns fruto do medo

do desconhecido, e acrescentaria aqui de uma certa inveja das competências

desenvolvidas pelos mutantes às quais as pessoas comuns não possuem.

O Batman, personagem com mais 70 anos de existência tem sua

máxima no fato de ser um humano comum e a captação de recursos financeiros

para executar continuamente seu propósito. É um órfão que dedicou anos ao

treinamento físico e mental, para vingar a o assassinato dos pais e ao longo dos

episódios estende essa visão à proteção de outras pessoas contra o crime e a

corrupção e às vítimas de crimes em Gotan City. Bruce Wayne tinha na figura do

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pai um exemplo a seguir. E entendia o propósito do exemplo e principalmente do

exemplo como ícone, como um homem comum poderia ser destruído mas como

símbolo poderia ser incorruptível e eterno. Então dá continuidade aos propósitos

do pai com visão ampliada do contexto, possível pela experiência perda e

privação junto com base e referência. O pai de Bruce foi à falência combatendo

à pobreza acreditando que seu exemplo motivaria outros ricos de Gotan, mas o

assassinato do pai interrompeu esse propósito ao qual Bruce deu continuidade

assumindo a identidade de Batman, como símbolo de mudança, perseverança,

virtuosidade, moralmente incorruptível e ético é exemplo para os outros e por

sua vez, desta maneira, encontra sua satisfação e motivação pessoais.

Estendo minha observação a figura feminina que também mostra sua

força e sua luta pelas ações da mulher maravilha. O lado feminista da

personagem, a força que está além dos condicionamentos sociais. O isolamento

das amazonas mostrando ao mesmo tempo a exclusão pelo machismo e a

exclusão escolhida pelas personagens pela batalha que tem de travar pelo

respeito, aceitação e livre escolha.

E até em alguns vilões a maldade pela escolha ou pela falta de base de

referência como o amigo de Peter Parker, Harry Osborn, que movido cegamente

pelos sentimentos de ódio e vingança, pelo assassinato do pai, sem

compreender a real figura do pai, um homem ganancioso que sucumbiu ao mal,

começa a se apresentar como vilão mostrando as consequências de uma base

mal construída juntamente com sentimentos e experiências auto destrutivas que

acabam por conduzi-lo à escolha danosa a si e aos outros, pois falta base sólida

para escolhas acertadas com equilíbrio. Então vemos aqui também,

particularidades que movem as escolhas.

Em todas as personagens dos quadrinhos podemos encontrar um

fragmento ou referências filosóficas interessantes na construção de crianças,

adolescentes e até nas reflexões adultas.

Anderson Chalhub e Dionis Soares se aprofundam no que se refere

especificamente as crianças na sua construção individual em seu artigo sobre a

diferenciação do self em crianças.

Em acordo com os autores, a criança começa a vida em fusão completa

com a mãe em situação de dependência física e principalmente emocional.

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Emocionalmente são interdependentes e ao longo dos anos o objetivo de seu

desenvolvimento é torna a criança independente tendo os pais tarefa de conduzi-

la a tal propósito com um comportamento que permita alcançá-lo. A referência

de self aqui exposta parte da teoria apresentada por Bowen. Então aqui será

observada como a “ capacidade de se auto referenciar como indivíduo, de se

distinguir como sujeito perante o objeto”. (Soares &Chalhub, 2010, Pg. 4).

Faço aqui um adendo sobre o fato de utilizarmos conceitos diferentes

sobre mesmo assunto e ou palavra, sem concordar necessariamente entre si.

Estamos falando sobre autoconhecimento, e esse processo inclui principalmente

a visão singular que temos de um fato bem como o aperfeiçoamento em

qualidade e quantidade de conhecimento. Então o presente texto é construído

de forma a possibilitar a liberdade de pensamento e assimilação por parte do

leitor de todos os conhecimentos aqui presentes bem como seu fundamento e

conceitos, compreendendo que um não exclui o outro e se acaso tem definições

diferentes, não nos dificulta compreensão se estivermos trabalhando com

consciência aberta, mas pelo contrário, possibilita maior número de inter-

relações pela mente e consequentemente maior possibilidades conclusivas em

formação de opinião. Por exemplo, o fato do autor, observando pela ótica de

Bowen definir o self infantil como o momento que o mesmo se observa

independente emocional e psicologicamente da família, ainda assim dialoga com

o conceito de self das filosofias budista e tântrica que o observam como o a

nossa essência mais pura de ser divino, pois a criança está no processo de

descoberta de si, assim como o adulto pelo autoconhecimento na busca de se

compreender e exercitar o melhor de si.

Como descrevem os autores anteriormente citados, a criança começa a

desenvolver esse self, por volta dos dois anos de idade apresentando

características físicas e de gênero mais concretas nesse período e a partir de

então suas percepções de mundo se ampliam e sua diferenciação da família de

origem começa a se apresentar e conduzi-lo à individualização, com suas

próprias vontades, anseios, aspirações e forma de ver atuar no mundo. Na

primeira infância, principalmente, o exemplo vivenciado cotidianamente é

referência de conduta como já vimos anteriormente com Freud e Jung e neste

período os efeitos e cores fortes e explosões das linguagens cinematográficas

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dos super-heróis criam na criança um apelo à imitação, tendência já natural que

se manifesta com relação aos pais. As personagens supersônicas e imbatíveis

ao passo que, criam identificação nas crianças, suas particularidades vão sendo

internalizadas como traço de identidade na primeira infância. Como as

experiências vividas pelos super-heróis, a criança experimenta tanto o

pertencimento quanto a diferenciação, onde o pertencimento está em participar,

dividir crenças, valores, sentir-se membro (família, amigos) e a diferenciação em

sua singularidade no direito de se expressar e pensar em valores independentes

dos de sua família.

Há uma energia que o impulsiona ao processo de individualização, para

alcançar sua autonomia, como esclarecem os autores, porém o vínculo inicial

nunca é totalmente quebrado, havendo uma diferença entre o vínculo individual

mantido e massa indiferenciada do Eu familiar. Não há uma individualização

completa. Seria a extensão de Eu no outro na relação de Jung, vista

anteriormente. Essa massa indiferenciada do eu familiar se refere à aglomeração

e fusão desse selfes, onde existe o sentimento de pertencimento, que se

apresenta com extrema renúncia de autonomia em uma fase de transição.

De acordo com Chalhub & Soares (2010), Bowen baseia sua teoria em

duas energias fundamentais a serem observadas, onde uma é a que impulsiona

o indivíduo no caminho da diferenciação e, a outra, leva a pessoa à união com a

família de origem e, embasada por essas duas, cria a escala de diferenciação

de self. A escala classifica o grau de independência emocional do indivíduo

diante de sua família de conforme descrevem os autores. Nos números mais

baixos a dependência e necessidade de aprovação são maiores.

Como mencionam Medeiros, Pedreira e Nunes (2008), a escala de diferenciação do Self de Bowen apresenta os seguintes níveis: de 0-25, 25-50, 50-75 e 75-100. Nos níveis mais baixos de diferenciação, as pessoas estão imersas em seu mundo sentimental e procuram aprovação dos outros, tornando-se assim incapazes de aumentar seus níveis básicos de indiferenciação. Nos níveis mais altos há uma maior consciência entre sentimentos e pensamentos. Como a individualidade já é mais desenvolvida, as pessoas nesses níveis têm uma maior flexibilidade nos relacionamentos íntimos, sabendo que podem se libertar dos mesmos a qualquer momento, descartando velhas crenças a favor de novas. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, Pg. 5]

O autor nos diz que quem vive nessas camadas mais baixas do

inconsciente, que é quando a individualização não foi eficiente para sua

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independência emocional, o indivíduo acaba por se manter imerso em

sentimentos que não são seus tendo como resultado a projeção da culpa por

seus insucessos e/ou sentimentos de insucessos, em seus responsáveis ou

pessoas emocionalmente ligadas a ele, pois não consegue discernir o sistema

afetivo do intelectivo.

Então aqui compreendemos como a base familiar é de suma importância

nas possibilidades de sucesso de indivíduo ao longo de sua vida, tendo forma

maior em sua primeira infância. Nós podemos observar, desde Freud, Jung e

outros autores nos capítulos anteriores até aqui, que todo indivíduo carrega em

si inúmeras referências internas como fantasias inconscientes e conscientes,

infantis e projetadas, condicionamentos adquiridos, experiências que são

armazenadas em forma de emoções, enfim um vasto mundo onde todos seus

fragmentos se relacionam entre si e onde a individualidade do indivíduo está na

relação de desse vasto mundo interno com o mundo externo.

O autor Chalhub & Soares (2010), também cita Winnicott para falar do

processo, que defende que o self, que não é ego, é a pessoa que o indivíduo

realmente é e que sua totalidade está na forma como se opera seu processo de

maturidade. E que todas essas partes do self, descritas anteriormente, se

aglutinam dando ao indivíduo seu sentido interior-exterior no processo de

maturidade e forma suas possibilidades e forma de ver o mundo conforme o

ambiente que cuida dele, que se faz referência pra ele e como este lhe permite

expressar sua liberdade de escolha e compreensão conforme ela se apresenta.

Assim como vimos no capítulo 2, o “ego”, como chama OSHO, se

apresenta como sistema de defesa da psique, ou segundo Freud no sub capítulo

1.3 o “ego reprimido” se defende de uma nova experiência negativa, que aqui

vemos se construir diante de negativas constantes recebidas por parte do

ambiente de referência (família) durante seu processo de maturação impedindo

e/ou dificultando a individualização e a diferenciação do indivíduo.

Independente da diferenciação do nome para conceito o processo é o

mesmo, lembrando aqui novamente que é o processo individual que deve ser

observado e que a necessidade de apresentar conceitos diferente para o mesmo

processo, entendemos se fazer necessária pela proposta de indução ao pensar

por parte do leitor e não somente armazenamento de nosso ponto de vista,

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vejamos aqui toda exceção tem sua regra e jamais toda regra sua exceção.

Como por exemplo, Freud entender que somos compostos de Egos e dividi-los

em ego consciente e ego reprimido, ou para Osho que temos a essência divina

e os egos que são agregados danosos a nossa saúde emocional e para este

ainda espiritual, por apesar de se apresentarem como sistema de defesa é um

sistema autodestrutivo pois vai criando teias cada vez mais complexas de

dependência do medo para o sujeito.

Ambos identificam mesmos danos e semelhante origem para a

fragmentação danosa. Ao nos aprofundarmos em cada autor com outros ensaios

e pesquisas perceberemos diferenças maiores, mas que não necessariamente

se excluem, mas sim apontam continuidade em caminhos diferentes e que

podem ser complementares. Convido os leitos aqui, a partir de agora, exercitar

esse olhar de agregar e não excluir como de costume. Temos uma tendência a

abraçar comprovações e a partir de novas comprovações excluir as anteriores,

e nesse caminho, a continuidade de compreensão não se apresenta, somente

armazenagem. O psiquiatra suíço Carl Jung, apesar de observar inicialmente

aprofundamento na área de psicologia não excluiu seu interesse à

parapsicologia, que estudava percepções exta sensoriais, que efervesceu em

interesse inicial como pesquisa científica entre as décadas de 20 e 30 nos Estado

Unidos, o que acrescentou muito em seus trabalhos póstumos. Como vi no livro

que citei no texto, Poderes da Mente- Mistérios do Desconhecido da Editora

Abril, livro de 1992, através do qual eu praticava exercícios telepáticos aos cinco

anos de idade.

Voltando a Chalhub & Soares (2010), vamos desenvolver aqui a ordem

segundo referências do autor de como se desenvolve essa diferenciação do self.

O primeiro ponto é que o senso de auto consciência começa a se desenvolver

através do autoreconhecimento, primeiramente com os bebês o

autoreconhecimento físico. Primeiramente, reconhecem sua imagem, depois de

21 meses em diante apresentavam noção de auto conceito, entendendo detalhes

como manchas e seus nomes juntamente com reconhecimento de sua imagem.

Já na escola elementar, pelos 6 anos, há uma mudança forte onde a criança

passa a voltar-se cada vez mais para as características internas. A linguagem é

importante como mediador do processo de socialização na construção de sua

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individualização, pois através dela se dá a troca de conhecimento e experiência

fazendo com que ela entenda ela e outro, seja a linguagem corporal ou falada.

Outro ponto importante de acordo com o autor é a forma como a mãe e a

referência família desenvolve os padrões de apego da criança para que a mesma

possa construir sua individualidade e ir se desvinculando de sua dependência

emocional. O autor nos esclarece que isso acontece durante a troca de estímulos

mãe-criança ou família-criança. A criança sinaliza sua necessidade e recebe um

feed back da mãe ou da família, a forma como acontece esse feedback é que

vai ser responsável pela individualização nesse período.

Casais que se relacionam bem, compartilham emoções positivas entre si, tem crianças emocionalmente seguras, capazes de regular suas emoções, ou seja, o contexto externo também influência na formação de vínculos afetivos, tanto como a cultura, pois nessa perspectiva, o apego só pode ser entendido quando imerso no contexto relacional entre cuidador e criança. Embora as relações parentais sejam constituintes ao sujeito por serem o núcleo relacional da vida familiar, contextos como trabalho, lazer escola, influenciam também na formação do apego. Assim sendo, o apego é considerado como um constructo numa rede ativa de relações, e para se entender seus padrões é indispensável que se entenda o funcionamento do contexto familiar em sua totalidade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p.9].

Então, a qualidade do apego depende da característica dos casais

juntamente com a capacidade de sinalização das necessidades por parte da

criança. A solidez desse processo é responsável por permitir a maior liberdade

da criança no entrar e sair na relação segura. Esse vínculo não é exclusividade

da família, no mundo contemporâneo principalmente, ele se estende abrangendo

figuras parentais de modo mais genérico como amizades e até mesmo relações

mediadas por objetos simbólicos como valores e crenças, como esclarece o

autor, que sinaliza também a observação pessoa, processo, contexto e tempo

como vertentes para entendimento do apego.

É necessário que se considere características da pessoa e dos membros familiares, como cor da pele, as interações da família e criança e m suas atividades e o desenvolvimento da família no sentido histórico, ou seja, que se entenda a vinculação humana em multiníveis de um sistema dinâmico de relações. Para Fromm (1990), o apego é gerado por um anseio profundo de desamparo e essa figura de apego pode ser de toda espécie, um professor, um astro de cinema, ou até os ídolos, sejam eles reais ou imaginários. O ídolo seria uma figura necessária ao homem, tendo como função dar apoio e força. A figura do ídolo, do herói, sempre fez parte da história do homem desde a mitologia grega. Essa função ao

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ídolo se daria pelo fenômeno da transferência, que é encontrado durante toda a vida, principalmente em relações duradouras de amizade e afetividade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p. 9]

Interferimos aqui novamente, para acrescentar que o homem, o ser tem

suas escolhas e que quanto mais próximo da consciência está a mente, e isto

necessita conhecimento e questionamento, conforme visto em capítulo 2, mais

acertada são suas escolhas para a felicidade e satisfação. Ocorre que o ídolo

como figura a dar apoio e força deve ser compreendido e absorvido como

exemplo e referência, mas nada pode fazer se o próprio admirador não fizer por

sua própria vida. Vemos pessoas que “se rasgam”, gritam e choram na presença

de seres midiáticos, mas não se julgam, capazes de tal feito para suas vidas.

Observam suas referências de longe, como um Deus externo, muito longe das

suas possibilidades. Sendo assim, vivenciam as possibilidades de alcançar seus

sonhos e propósitos mentalmente sem jamais conseguir a força necessária para

transformar tal exemplo em ação. O autoconhecimento nesse ponto, vemos,

seria a ponte que liga essa projeção e ou transferência mental, nesse sentido, à

ação construtiva, pois através dele não encontramos somente a força para tal

fato, mas principalmente podemos nos libertar de fardos subconscientes que

podem estar bloqueando a ação mesmo com tanta vontade de fazê-lo. É

necessário que se saiba diferenciar fanatismo de admiração para que isso possa

acontecer. Na admiração o sentimento pelo idolatrado é o mesmo, porem o

admirador não se vê tão distante do admirado como o fanático, mas sim entende

que a distância que separa os dois é esforço, dedicação e tempo, sendo assim

poderá um dia alcança-lo e até superá-lo. A grande sinapse entre o sonho e a

realização é a base emocional construída, então a forma como a família orienta

esse olhar é de suma importância. Nosso mundo é cheio de dualidades, quem

escolhe que lado da moeda observar e exercitar somos nós, e para tal é

necessário ir se libertando dos agregado simultaneamente ao trabalho de

visualização do que queremos para nós. Caso nossos responsáveis não tenham

tido esclarecimentos suficientes para perceber a importância de seu papel, ou

para aplica-lo, ainda temos escolhas, cabe saber que o caminho se apresentará

mais árduo, pois teremos de destruir as referências emocionais que nos criam

barreiras para criar novas que nos libertem a mente, não sendo entretanto,

impossível. É preciso coragem para quebrar a imagem com a qual convivemos

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tantos anos e construir uma nova, porém bem mais eficiente. Será que vale a

pena, tanto sofrimento? Pergunte-se antes, quanto valor você dá a você? É um

trabalho que pode demorar anos, mas com certeza, nos trará possibilidades que

podem ir muito além do que imaginamos para nós. Trouxemos aqui então, duas

formas para refletir esse apego no que se refere à idolatria.

Chalhub & Soares (2010), traz em seu artigo alguns detalhes destas

duas formas de apropriação do ídolo como referência, tendo em sua base

também análise prática da relação do comportamento infantil com seus super-

heróis de referência feita com crianças de classes sociais diferentes, ambos os

sexos entre 5 e 6 anos de idade, em uma escola na Bahia, além da base de

referência teórica.

O autor nos esclarece que a mídia atual está distante de seu papel inicial

de divertimento e lazer sendo hoje “um instrumento pelo qual o mundo é

apresentado ao indivíduo. ” (p.10, 2010). A televisão modela comportamentos,

relações e reações de conduta. As crianças passam muitas horas em frente à

televisão, que também pode ser forte tendência no ambiente da família, sendo

infelizmente, por vezes, a única razão de interação familiar no fim do dia.

Em um artigo publicado pela revista Comunicação e educação, Cordelian e Gomes, (1996) fizeram um levantamento sobre pesquisas realizadas relacionadas à temática da audiência televisiva pelas crianças. Percebe-se que as mesmas fazem uso demasiado do televisor, sendo que crianças entre três e quatro anos interpretam e percebem as imagens da tela como reais. [...] Ainda sobre o artigo anteriormente mencionado, o uso extensivo da televisão por crianças levanta o questionamento sobre o efeito que produz nas mesmas. A mídia televisiva participa ativamente no processo cognitivo das crianças, sendo muitas vezes uma mediadora entre elas e a realidade, ganhando espaço na formação subjetiva de algumas crianças”. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p.10].

Então, dentro desta observação a televisão tem seu papel influenciador,

forte, no processo de diferenciação do self infantil.

Os programas assistidos fornecem “roteiros” de comportamento perante situações do cotidiano, gerando um processo de imitação e modelagem pelas crianças, (MARTINS, 2008) sendo algumas vezes até naturalizado pela família, como algo comum e normal à idade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, p.11, 2010].

As roupas e brinquedos de super-heróis estão além da vontade da

criança sendo também um mediador simbólico da “realidade” associada a

apropriação, de forte interesse publicitário. A características de guerreiros fortes,

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traços e cores forte e jingles fortalecem o vínculo com apropriação e imitação

das mesmas por parte da criança. E nesse processo encontramos tanto os

comportamentos agressivos, explosões e agressões que podem potencializar a

agressividade cotidiana das crianças, como o virtuosismo, a coragem,

honestidade, perseverança e vitórias dos heróis pontuando uma moralidade

ética a ser seguida, conforme as observações do autor ao longo de todo artigo.

Então, nós aqui, vinculando essas observações com todos os

conhecimentos anteriormente expostos, pontuamos que de nada adianta, a

quem deseja “ mudar o mundo” críticas direcionadas à mídia, relacionando à

cultura de massas ou deficiências intelectuais específicas em uma área ou outra.

São necessárias ao esclarecimento, mas que já o possui deve mudar antes a si

e seu meio. Todo ser humano se constrói com uma base de dados única e

intransferível, e na idade adulta exercita seus fragmentos tendo a possibilidade

de destruí-los ou reconstruí-los. Então para quem quer mudar o mundo, só há

um caminho, mude antes a si mesmo! Tendo responsabilidade conosco e com

nossos protegidos e ou dependentes, podemos ser o exemplo a ser reproduzido

mais adiante. Para quem quer mais, é fato que deverá fazer mais! Não se muda

um fim fazendo o mesmo caminho. Muitos já conhecem todas estas máximas,

discutem sobre ela, mas podem não perceber o quanto inserido e anestesiado

estão dentro do mesmo processo. Dentro dessa indústria midiática encontramos

tanto à construção de consciências consumidoras, quanto exemplos de

agressividade e virtuosismo. Cabe a nós o esforço de selecionar o que importa

a nossa própria construção e das crianças pelas quais somos responsáveis. Ser

presente na vida da criança, selecionar seu tempo de exposição às informações

midiáticas e, principalmente, pontuar os pontos que realmente interessam em

conversas francas, algumas vezes, durante a relação tevê-criança-família.

Façamos esse esforço!

1.4 - Relações de identidade do indivíduo, sociedade e cultura

As culturas são compostas de instituições culturais, símbolos e outras

representações, constituindo um modelo de conduta e construção dos nossos

sentidos, influenciando nossas ações e a visão que temos de nós mesmo.

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As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são constituídas. Como argumentou Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma “comunidade imaginada”. [HALL,

1997, p. 50].

Aqui interessa compreender, como se relacionam os indivíduos e as

personalidades de sua identidade individual com a identidade social e a cultural

e, como é o intercâmbio de cada uma delas entre si, podendo talvez dessa forma,

compreender o processo de construção do indivíduo, considerando sempre a

singularidade de associação de seus fragmentos.

Conceito de identidade no dicionário:

Identidade. [Do lat. Escolástico identitate. ] S. f. 1.Qualidade de idêntico: Há entre as concepções dos dois perfeita i d e n t i d a d e. 2.Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, defeitos físicos, impressões digitais, etc. 3. Reconhecimento de que um indivíduo morto ou vivo é o próprio. 4. Carteira de identidade. 5. Mat. Relação de igualdade válida para todos os valores de variáveis envolvidas. [FERREIRA, 1975, p. 738]. Qualidade de idêntico; Paridade Absoluta; Circunstância de um indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que outrem presume que ele seja; Circunstância de um cadáver ser o de determinada pessoa; Equação cujos dois membros são identicamente os mesmos” [AURÉLIO on-line].

Devemos observar, em especial, a definição “[...] um indivíduo ser aquele

que diz ser ou aquele que outrem presume que seja”; inicialmente pensamos o

conceito diretamente ligado às questões que identificam o indivíduo e suas

escolhas, como profissão, nome, estilo de vestir, se expressar, e conduzir ações

entre outras; algumas dessas escolhas que vão dando forma a nossa identidade

(características próprias ou exclusivas de algo através das quais é possível

diferenciá-lo dos outros) que, porém, tem relação com detalhes abstratos desse

indivíduo se relacionando com sentimentos que por sua vez, estão ligados a

experiências vividas, como lembranças com sentimentos e emoções em

relações com a família e com o meio social, que tendem a influenciar decisões

e escolhas. A teoria do princípio de prazer (FREUD 1920) faz jus a esta

observação que fizemos:

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1. Decidimos relacionar o prazer e o desprazer à quantidade de excitação, presente na mente, mas que não se encontra de maneira alguma ‘vinculada’, e relacioná-los de tal modo, que o desprazer corresponda a um aumento na quantidade de excitação, e o prazer, a uma diminuição.[...] Os fatos que nos fizeram acreditar na dominância do princípio de prazer na vida mental encontram também expressão na hipótese de que o aparelho mental se esforça por manter a quantidade de excitação nele presente tão baixa quanto possível, ou, pelo menos, por mantê-la constante. Essa última hipótese constitui apenas outra maneira de enunciar o princípio de prazer, porque, se o trabalho do aparelho mental se dirige no sentido de manter baixa a quantidade de excitação, então qualquer coisa que seja calculada para aumentar essa quantidade está destinada a ser sentida como adversa ao funcionamento do aparelho, ou seja, como desagradável. O princípio de prazer decorre do princípio de constância; na realidade, esse último princípio foi inferido dos fatos que nos forçaram a adotar o princípio de prazer. Além disso, um exame mais pormenorizado mostrará que a tendência que assim atribuímos ao aparelho mental, subordina-se, como um caso especial, ao princípio de Fechner da ‘tendência no sentido da estabilidade’, com a qual ele colocou em relação os sentimentos de prazer e desprazer. [FREUD, p.1-2, 1920].

Então o que foi sentido com prazer é referência de escolha positiva e o

que foi sentido com desprazer passa a ser referência de escolha a ser

descartada ou evitada. Essa seleção começa com referências da primeira

infância e se estende às referências sociais [FREUD, 1920] e culturais (HALL,

1997] com as quais convivemos.

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influência e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. [HALL, p.51, 1997].

A escolha de uma profissão, por exemplo, pela influência da convivência

com um ente querido que a exerceu e que admiramos ou respeitamos, ou pela

forma deslumbrante com que essa lhe foi apresentada por meios de

comunicação. O Gênero de música favorito pela lembrança feliz de um período

com algum grupo ou pessoa ou pela frequência com que ouvia em sua casa na

infância. O sotaque pela localidade onde nasceu e/ou cresceu. A escolha por

determinado tipo de pessoa para se relacionar por medos que desenvolveu ao

longo da vida ou pela relação feliz ou não, que conviveu dos pais. Cada

fragmento desse indivíduo se relaciona com vários outros fragmentos de outro

indivíduo, num processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução

de suas particularidades através das atividades sociais.

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E num momento tão pleno de informações diversas, como a

contemporaneidade, com a variedade e velocidade dos meios de comunicação

e as possibilidades de construção de uma personalidade publicitária-social com

o advento da Globalização, fica cada vez mais evidente essa fragmentação

interna que o sujeito carrega em si e, por muitas vezes, até contraditórias, sendo

assim inevitável o acontecimento de grandes conflitos da percepção de si e do

mundo circundante. É uma crise de identidade no mundo moderno com uma

descentralização do sujeito, social e culturalmente (HALL, 1997).

Podemos observar que cada segmento cultural de linguagem como

estilo musical, dança, teatro, produções televisivas entre outros, carrega

conceitos da sua concepção, selecionando seu público pela identificação com

esse conteúdo. E entre as relações diretas, mais estreitas entre indivíduos

tomam forma pequenos grupos, comunidades ou “tribos” em cada segmento:

do regue, da mpb, das raças (negros, branco, índios, japoneses), dos partidos

políticos, dos esportistas e dos sedentários, dos empresários, dos assalariados,

dos cooperativos etc. E não há uma receita com “combo” que inclua

impreterivelmente um conjunto coerente desses segmentos na formação íntegra

do indivíduo; o que queremos demonstrar nessa pesquisa é que toda construção

é única e, por mais que se assemelhem, a forma como foi construída em cada

indivíduo jamais será igual à de outro. A postura desse indivíduo diante de uma

situação, seu ponto de vista, vai depender de qual dos seus fragmentos se

identifica com a mesma e qual tem mais força no momento.

Hall (1997) cita uma situação de escândalo político acontecido nos

Estados Unidos em que um juiz é acusado de assédio por uma camareira. As

opiniões ficaram divididas entre as questões de sexo, raça, classe social ou

inclinação política. Em uma situação em que um político branco é acusado de

estuprar uma mulher negra e pobre, poderemos encontrar vários pontos de vista,

dependendo da construção de vida desse indivíduo. As mulheres conservadoras

que se opõem ao feminismo, com uma inclinação machista, podem culpar a

mulher, já as feministas e progressistas na questão das raças podem opor-se ao

homem; e, dependendo do partido e das ideias que este carrega, teremos mais

divisões, a depender de qual fragmento dessa identidade se manifesta mais forte

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diante dessa situação, se a questão da raça, da visão machista ou progressista,

de classe social ou de humanidade.

Qualquer um, assim como nós, é capaz de perceber o trabalho de auto

marketing social, temos o facebook como bom exemplo, e nessa superexposição

de qualidades dentro das convenções sociais de acordo com seus segmentos e

necessidades, acontecem trocas de conceitos, de trejeitos, de gestualidade, de

opiniões e conceitos, em que cada um vai agregando novas formas de ser no

seu sistema interno, algumas vezes excluindo umas, outras mantendo conflito

entre elas. O trabalho no escritório pede uma postura, a ida ao mercado outra,

os happy hours outra e as redes sociais outra. Alguns podem manter a mesma

calma e tranquilidade em todos os segmentos, já outros mantêm a conduta

exigida em ambiente de trabalho (sério, tranquilo, imparcial), por exemplo, mas

fora desse ambiente mostram um desprendimento maior para se posicionar a

favor ou contra certos padrões intolerantes e preconceituosos. Enfim, somos

atores no palco da vida trabalhando com vários personagens diariamente e

buscando selecionar ao longo do tempo uma unicidade entre eles, tarefa muito

difícil sem um trabalho que aconteça de dentro para fora do sistema do indivíduo.

Vamos pensar essas referências em termos de cultura ou culturas, outro

termo, diga-se de passagem, bastante abrangente. Cultura, na sua origem, vem

do verbo colére, tendo como significado o cultivo, o cuidado que estava

relacionado à terra de onde brota a vida. Vendo a cultura como cultivo concebia-

se como a ação “que conduz às plenas potencialidades de alguma coisa ou de

alguém; era fazer brotar, frutificar, florescer e cobrir de benefícios” [CHAUI, p.

55, 2007]. Mas ao longo da história do ocidente foi-se perdendo esse sentido até

que no século XVIII, com a Filosofia da Ilustração a palavra cultura torna-se

sinônimo de civilização que deriva da idéia de vida civil, vida política e regime

político. Então, no Iluminismo, o grau de civilidade de uma sociedade passa a

ser medido pela cultura como um critério de avaliação.

Assim a cultura passa a ser encarada como um conjunto de práticas (artes, ciências, técnicas, filosofia, os ofícios) que permitem avaliar e hierarquizar o valor dos regimes políticos, segundo um critério de evolução. No conceito de cultura introduz-se a idéia de tempo, mas de um tempo muito preciso, isto é, contínuo, linear e evolutivo, de tal modo que, pouco a pouco, cultura torna-se sinônimo de progresso. Avalia-se o progresso de uma civilização pela sua cultura e avalia-se a cultura pelo progresso que traz a uma civilização. O conceito

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iluminista de cultura, profundamente político e ideológico, reaparece no século XIX, quando se constitui um ramo das ciências humanas, a antropologia. [...] As sociedades passam a ser avaliadas segundo a presença ou ausência de alguns elementos que são próprios do ocidente capitalista e a ausência desses elementos foi considerada sinal de falta de cultura ou de uma cultura pouco evoluída. [CHAUI, 2007, p. 55].

Esse padrão naquele período foi a Europa Capitalista. Então observe

nova reflexão, sobre cultura como sinônimo de progresso de uma civilização.

Pensemos aqui sobre a palavra progresso. Tratamos adiante de um progresso

que começa internamente na individualidade de cada um com Osho (2002). Mas

Chauí (2007) dentro dos conceitos de cultura trata do progresso associado a

sociedade; e trazemos aqui uma pergunta que já nos fizemos antes, para

acompanhar a continuidade desse capítulo: Onde começamos a transformação

de “progresso”? No todo ou no individual?

O que estamos observando aqui é se é realmente possível um

progresso, uma melhora coletiva, sem antes interferir no individual, já que o

coletivo é composto de várias singularidades em cada indivíduo. Percebemos

esse conceito coletivo de progresso como condicionamentos sociais, ou seja,

modelos prontos estabelecidos como referência de pensamento e conduta. É a

mente coletiva, que está bem longe da consciência “essencial". Estamos

pensando aqui de forma mais abrangente, pensando na formação da identidade

de nação, no geral e não só Europa capitalista.

Voltando à nossa referência da Europa capitalista para compreensão

desses valores coletivos, foi introduzido um conceito de valor com base nos

elementos Europeus: Estado, mercado e escrita, de forma que tudo que fugisse

a essa regra seria considerado primitivo se colocando em posição etnocêntrica

diante de toda civilização. Estamos discorrendo este período para que pensemos

como se desenvolvem os valores que partem do coletivo para o individual.

Na segunda metade do século XX começou a substituir-se ideologia

etnocêntrica e imperialista de cultura pela antropologia social e pela antropologia

política, em que a expressão cultural de uma sociedade tem sua individualidade

e estrutura próprias dentro de seu desenvolvimento histórico e material.

A cultura passa a ser compreendida como o campo no qual os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, o sentido

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da linha do tempo (passado, presente, futuro), as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores como verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, instauram a idéia de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, determinam o sentido da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o profano. [CHAUI, 2007, p. 57]

Essa abrangência de cultura encontra como problemática nas

sociedades modernas o fato de serem sociedades e não comunidades, o que

nos leva à diferenciação dos dois termos. Uma comunidade é a idéia de bem

comum, sem mediações institucionais, na relação direta entre os indivíduos;

possui o sentimento de um destino comum, segundo Chauí. O mundo moderno

e seu modo de produção capitalista dá origem à sociedade com indivíduos

separados uns dos outros, por seus interesses e desejos, em “isolamento,

fragmentação ou atomização de seus membros, forçando o pensamento

moderno a indagar como os indivíduos isolados podem se relacionar, tornar-se

sócios. ” (Chauí, 2007, p. 57)

Ora, a comunidade percebida pelo princípio da indivisão, segundo Chauí

(2007) é oprimida pela divisão interna nas sociedades, em classes, gêneros e

interesses diferenciados. A marca da sociedade é a existência da divisão social

por classes, que por sua vez instituiu a divisão cultural, formando grupos isolados

uns dos outros e competitivos.

Então, a partir da compreensão da origem dos condicionamentos sociais

pela “necessidade” de progresso, consideramos que a compreensão individual

de si, pode trazer grandes transformações coletivas. Essas divisões sociais em

meio ao ilimitado fluxo de informação da era tecnológica coloca o sujeito em meio

a um turbilhão de ideais, conceitos, pensamentos, práticas e visões de vida

diferenciados e divididos, sufocando as percepções internas e externas desse

sujeito e fragmentando sua identidade [Hall, 1997] e confundindo sua ânsia

original de construção e progresso interno da aceitação de si, com aceitação do

outro.

Hall [1997] diz que uma cultura nacional constrói sentidos que

influenciam e organizam nossas ações e o modo como nos percebemos,

construindo assim, um senso comum de pertencimento. O autor observa ainda,

que essa construção se baseia em uma narrativa de nação, que é contada e

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recontada, enfatizando as origens em continuidade através da tradição e

atemporalidade, tradição esta, que também pode ser “inventada” para inserir

“valores e normas através da repetição, a qual, automaticamente, implica

continuidade com o passado histórico”. [Hall, 1997, p.54]

O que observamos adiante é que para que aconteça algum progresso

interno, que é nosso foco de pesquisa, deve haver contínua mudança, e que

processos repetidos levam sempre ao mesmo fim. Não há como mudar o objeto

de destino sem mudar o caminho. Enquanto criança absorvemos o que

vivenciamos com forte tendência a reproduzir o que foi absorvido, depois em

contato com o meio social, recebemos mais informações que são selecionadas

conforme relação que estabelecem com as informações da primeira infância,

gerando assim processos repetitivos, seja no entorno próximo ao indivíduo ou se

estendendo ao indivíduo como fragmento da sociedade.

Conhecer a origem das informações que carregamos, acreditamos ser

fundamental, para sair dos padrões repetitivos que vivemos em nosso dia-a-dia,

em especial no que se refere a condutas intolerantes e pré-julgadoras, bem

como, problemas psíquicos traumáticos que tendem a gerar ações danosas tanto

ao próprio indivíduo quanto ao meio em que ele vive. Por exemplo, não podemos

resolver os pré-conceitos de todos as pessoas que carregam valores que as

levaram ter visões preconceituosas e compreendendo que esse pré-conceito

teve origem em valores já arcaicos que protegiam os interesses de um grupo de

determinado período histórico, a única maneira de modificar o padrão coletivo é

em nós mesmos, no individual, que se estenderá a nossos descendentes que

terão em nós nova referência, mais adequada ao convívio coletivo. Para cada

ser que se construir dessa maneira, se estenderá inevitavelmente, a um núcleo

ao seu redor (família), que tendo seguido esse caminho de autoconhecimento,

terá seus valores sobre a base sólida do conhecimento e não o processo

repetitivo sem consciência. Esse processo de autoconhecimento tem um

caminho vasto, que faremos experimentalmente aqui, passando por diversos

fragmentos de nós, sendo a primeira infância e os padrões sociais pré-

estabelecido o pequeno começo. Podemos dizer então, que o Sujeito

contemporâneo se dissolve na própria história, se tornando um sujeito

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“pixelizado”, se compondo de várias ilusórias partículas identitárias que o

representam com ser uno que, por sua vez, é um pixel no contexto geral social.

Vimos aqui porque a transformação coletiva pode ter um caminho mais

assertivo a começar na individualidade, bem como os fragmentos que compõem

parte dela.

1.5 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia

Nörth et All (2005) aponta, dentre tantas formas de observação das

imagens e representações visuais, o mundo das imagens divididos em dois

domínios: o primeiro, das representações visuais como imagens

cinematográficas, desenhos, pinturas, gravuras, fotografia, entre outros e, o

segundo, é o domínio imaterial, ou seja, das representações em nossa mente,

que aparecem como fantasias, imaginações, esquemas, sonhos. Esses dois

estão, apesar disso, inextrincavelmente ligados.

Os conceitos de signo e representação fazem união entre os dois

domínios. Então o lado perceptível material e o lado mental desenvolvem o que

chamamos signo e representação. Cabe ressaltar que na semiótica geral as

definições são muito variadas e frequentemente imprecisas, mas aproveitáveis

na construção de uma linha observatória desse processo. Vamos dissertar nesse

momento do texto primeiramente com base em duas ciências: a Semiótica e a

Ciência Cognitiva. Da semiótica citamos aqui uma das correntes oriundas de

Charles Sanders Peirce desenvolvida por pesquisadores como Lucia Santaella

e Winfried North. Tratamos de conceitos centrais como “signo, veículo do signo,

imagem (“representação imagética”) ” bem como, significação e referência e da

ciência cognitiva discussões sobre imagens como ideias, ideias como imagens,

a imagem na mente. E no campo da psicologia, trazemos esclarecimentos sobre

o Princípio de Prazer (Freud, 1920), um recurso de autoproteção da psique, que

seleciona informações recebidas pelo indivíduo como agradáveis (prazer) ou não

(desprazer) em um sistema que é constantemente reestruturado pelas

experiências vividas e determina ou influencia escolhas e condutas por parte do

sujeito. Com North et All (2005) observamos as possíveis maneiras de observar

uma imagem (lembrando tudo visto pela retina como imagem), e os caminhos de

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construção e reconstrução de seus significados através dos observadores e com

Freud, entenderemos como os recursos da psique em diálogo com experiências

vividas pode interpretar e selecionar uma informação que a imagem carrega,

bem como, que tipo de sentimento pode ser amplificado no observador

influenciando sua conduta ou fortalecendo traços dela.

Pierce apud Nörth et All (2005), observa signo, ou representamem, como

aquilo que representa algo para alguém, criando na mente desta pessoa um

signo equivalente ou até um signo mais desenvolvido, se o signo recebido se

relacionar com mais de um signo no banco de dados (memória) do receptor.

Esse signo criado é denominado interpretante do primeiro signo. O signo, então,

representa um objeto, não em todos os seus aspectos mas com relação a algum

tipo de idéia, que Peirce denominou fundamento do representamem. Temos na

figura abaixo, o representamem como uma ideia inicial que é representada pelo

objeto, e os interpretantes como o sujeito que tem a compreensão da ideia inicial

relativa ao conhecimento e experiência particular que carrega em si, podendo

compreender parcialmente a ideia inicial até ir além dela, através de novas

relações de conhecimento.

Figura 4: signo e representamem.

Figura 2 - Signo Fonte: BARROS, Jorge Luiz. Panorama sobre a filosofia de Charles Sanders

Pierce. Mestrando em Filosofia, área de concentração Ciências Cognitivas e Filosofia da Mente - UNESP/Marília.1998.

E “representar como ‘estar para, querer dizer, algo está numa relação tal

com o outro que, para certos propósitos, ele é tratado por uma mente como se

fosse aquele outro”. [PEIRCE apud Nörth et All. 2005. p.17]. Outros autores

como “Speber (1985:77) ”, observam representação como um sinônimo de signo

dividindo-o em representação mental (representações internas ao dispositivo) e

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representações públicas (representações externas ao dispositivo). E ainda,

representação como relação sígnica (significado), como já na escolástica

medieval era abordado, como processo de apresentação de algo por meio de

signos. As relações humanas mantêm a mente nesse processo semiótico

contínuo e conflituoso. Penso que tanto os pré-conceitos e rótulos acerca das

coisas têm por base esse mesmo processo; não sendo, portanto, o processo em

um problema ou uma solução, mas a forma como ele acontece em cada

situação; como o interpretante é atualizado em cada mente. As emoções, se

danosas, quando agregadas ao processo, deturpam as possibilidades de

compreensão do objeto semiótico, limitando a observação e as interpretações

do objeto, nas quais encontraríamos a compreensão e o discernimento, para nos

desviar, por exemplo, dos padronizados processos repetitivos de defesa da

psique. As emoções relacionadas às experiências, conceitos e imagens,

trabalham num sistema complexo de processos internos, como descreve

Pimenta et All (2012), na imagem abaixo:

Cabe dizer, por fim, que, a partir de uma perspectiva sócio-semiótica, concebemos as emoções como fenômenos complexos que se constituem em várias dimensões, pois, além de possuírem um substrato biológico, são construídas através de processos psicológicos e estão inseridas em contextos históricos, culturais e sociais interativos e dinâmicos. Elas fazem parte de conteúdos internos, subjetivos dos seres humanos e se ligam, de forma dialógica, ao espaço social e objetivo, mantendo, com ele, integração e articulação

constantes. [Pimenta et All, 2012, s/nº p.]

Figura 5 – Emoção. Esquema signos derivados da emoção que se relacionam diretamente com signos imagéticos que por sua vez, derivam de signos- objeto-matéria

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Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502012000300009&script=sci_arttext

Isso pode ser pensado também quando a imagem (arte) se relaciona

com o público. Uma imagem pesada, opressiva e caótica com certeza agregará

mais energia negativa às informações (experiências, condicionamentos,

emoções, etc.) que o interprete que se relaciona com ela carrega em si. Posso

dizer, então, que imagens dessa natureza utilizadas na busca de denunciar fatos

antiéticos ou despertar o observador para uma consciência individual ou social

mais participativa e positiva, podem não alcançar tal propósito já que, o contato

contínuo do interprete com o objeto semiótico em questão é, correspondente às

informações negativas que o intérprete carrega, podendo portanto, também

ampliar uma visão ainda mais negativa dos fatos apresentados (pela narrativa

da imagem – mais abstrata ou não) e neste caso, com menor possibilidade de

influenciar mudanças que se oponham ao que foi apresentado, já que a resposta

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do observador depende também das informações que o mesmo carrega em seu

histórico de vida. Acrescentamos que não desconsideramos a importância de

denunciar a natureza negativa da realidade, porém, diante dos esclarecimentos

anteriores, consideramos que, se queremos fortalece no outro (sujeito-interprete-

interpretante), sua visão mais positiva e construtiva dos acontecimentos e

informações que o objeto representa, temos de considerar que uma construção

de imagem (objeto) que dialogue com o que buscamos solucionar, pode ser

eficiente mais eficiente, dependendo do interpretante, do que uma imagem que

reproduza a negativa com a qual discordamos. O problema é uma busca de

solução, então consideramos que a solução deve se apresentar com mais força

que o problema, para que o mesmo, possa ser resolvido. Pois para cada

informação sígnica que recebemos, já temos extenso banco de dados de

semelhança ao qual ela pode ser relacionada e, como as emoções (tanto de

caráter positivo quanto negativo) também fazem parte desse processo semiótico

mental, seria importante refletir na construção da imagem: que informações

emocionais estamos acessando no interprete e qual a consequência delas?

Estamos influenciando pessimismo ou soluções? E como para uma informação

podemos ter uma avalanche de sentimentos diferenciados, então para várias

informações isso provavelmente poderá ser multiplicado. Então para um

caminho eficiente no autoconhecimento e na melhor relação com o outro

devemos selecionar nossas informações de acordo com o que buscamos. Se

queremos paz e equilíbrio, justiça e ética, como nos concentraremos na prática

diária de nosso propósito com os olhos pregados em informações de

assassinato, programas de baixo calão, e pinturas de telas com figuras mórbidas

e demoníacas? E o outro em contato com elas?

O leitor pode estar se perguntando: Devemos então, afastar-nos de

certos aspectos da realidade, selecionando uma realidade individual? Nós

podemos considerar que sim e que não. Sim, no sentido de que as emoções

humanas, podem ser impulsoras da vontade, que por sua vez, leva a ação,

sendo assim, manter a constância de nossa atenção em informações que

movimentem nossa vontade positiva de maneira otimista, pode ser uma escolha

crucial e determinante na perseverança de buscar soluções e talvez conseguir

solucionar um problema coletivo. Pois, somente, nossa força individual, ou seja,

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acreditar e visualizar a mudança, pode ser capaz de se estender ao coletivo. Por

outro lado, não podemos ignorar os aspectos negativos da realidade, entretanto,

consideramos que já observada e compreendida tal realidade, seria um

desperdício de nossas energias enfatizá-la ainda mais. Quem tem um problema,

almeja solução, então, uma simples narrativa do mesmo não é capaz de fazê-lo.

Podemos considerar aqui que há uma desproporção enorme entre as narrativas

dos problemas e soluções apresentadas, estando esta última, menos favorecida

quantitativamente e, se nos construímos pelo exemplo desde a terna infância até

o fim da vida, como verão adiante com Travis, é na observância do bom exemplo

e das idéias e conduta positivas, que poderemos mudar nossos padrões de

realidade, que começam do subjetivo para o material, mudando antes nossos

padrões mentais. Poderíamos dizer que não sentimos o que vemos mas, como

vemos, sendo assim, a realidade que vivenciamos é a realidade que

observamos, criando padrões mentais que interferem nas escolhas de ação.

Se não escolho amar – se escolho reter o meu amor – naquele momento é criado um vácuo psíquico. E o medo se apressa em preencher o espaço. Isso se aplica aos meus pensamentos sobre os outros e sobre mim. Tendo focado nos aspectos da sombra de outra pessoa, não posso deixar de entrar nos meus: o aspecto da raiva, do controle, da carência, da desonestidade, da manipulação, e por aí em diante. Uma vez que entro na escuridão de culpar e julgar, fico cega para enxergar minha luz, e não consigo achar meu self melhor. [...] O mundo está dominado pelo pensamento baseado no medo [...], o medo fala primeiro e mais alto. Não há escuridão para analisar aqui, é a luz que temos que ascender! De forma a evitar as garras da sombra precisamos constantemente ir em busca da luz. [...] Nosso estilo de vida é em geral uma presa aos pensamentos sombrios, por nenhuma razão além de ser excessivamente ruidoso. Televisão demais, computador demais, excesso de estímulo exterior diminuem a luz que só é encontrada no pensamento reflexivo e contemplativo. [...] O problema então não era a presença da negatividade, mas a ausência da positividade! Assim que preenchi minha mente com gratidão, o traço sombrio de autoaversão já não tinha como existir. Na presença do amor o medo some. [...]A consciência é uma energia dinâmica, criativa. Ela não é inerte estagnada. Está sempre se expandindo; qualquer que seja a direção, está se movendo. O amor sempre constrói sobre o amor e o medo sempre constrói sobre o medo. A sombra é um impulso inexorável na direção do sofrimento e da dor. [...] A única forma de superar a sombra é nos tornarmos nosso verdadeiro self. [ Chopra et All, 2005, p.201 – 217].

E, acrescentando a Chopra et All (2005), a vontade de mudança positiva

não existe onde há medo.

Aprofundamo-nos nessa reflexão adiante compreendendo recursos de

proteção da psique que influenciam escolhas e conduta (Freud 1920) e, no

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capítulo 2, damos continuidade, com compreensão dos estados da mente e

possíveis caminhos para a melhora da postura mental com Chopra et all (2010),

Osho (2002), Travis (2006), Travis (2014) e Tunner et All (2009).

Freud (1920) comenta, que há um período pré consciente, anterior a

consciência, algo como um período pré-reflexivo e somente depois o reflexivo.

O pré-reflexivo está entre o consciente e subconsciente e, por esse motivo,

busca referência na experiência do outro, mantendo o subconsciente protegido,

enquanto que a reflexão, que vem da compreensão no próprio “Eu”, é a relação

consigo mesmo.

Acreditamos que mostrar informação de agressões cotidianas,

continuamente, seja através de mídia, arte ou outro veículo de linguagem, sem

contraponto de exemplo imagético positivo de como deveria ou poderia ser o

mundo ou o indivíduo, é estar no estágio pré-reflexivo e sem percebê-lo, se

mantendo no medo de resolver as próprias deficiências. Pois, antes de muda-las

é necessário admiti-las, e estando nesse estágio pré-reflexivo, a mente mascara

os próprios desequilíbrios emocionais do sujeito, na tentativa de resolver o que

está no outro. É o eu do sujeito se projetando como eu externo (no outro), para

evitar a dor. Desta maneira, assumir a responsabilidade pela própria mudança é

constantemente adiada, pois a culpa está sendo projetada no outro. Não que

este outro, não possa ter cumprido algum papel de interferência danosa na vida

do sujeito que projeta, entretanto, pode haver de ser fato passado, mas a mente

não trabalha com linearidade de tempo (aprofundamento em Travis mais

adiante), então entende o fato como genérico e não um fato isolado se mantendo

em estado de constante proteção para tal fato danoso ou outros semelhantes.

Projetar-se na consciência do outro, deriva de um sistema de sentido do

inconsciente que seria o signo da consciência pelo qual o outro é percebido num

processo de projeção do eu no outro. Entenderemos esse processo melhor

adiante pelo mecanismo de seleção de prazer e desprazer.

Abaixo, exemplo em esquema sobre reflexão e pré reflexão do ponto de

vista semiótico, neste caso, com relação a meninos que sofreram abuso sexual,

considerando o fato como um exemplo de dano à psique:

O modelo apresenta três diferentes níveis referentes aos procedimentos reflexivos, conforme descreveu Lanigan (1988, pp. 173-174). Na descrição, o foco é a experiência, que consiste na dialética entre eu (self) e outros (others), onde a reflexão como função

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significante é reflexivamente a pré-reflexão como função significada. No segundo nível (redução), a experiência é uma consciência do (significante) eu (significado) como uma reflexão; enquanto que no plano da pré-reflexão, experiência é a consciência de (significante) um outro (significado) como requerido pela percepção do outro. Ao nível da interpretação focaliza-se a consciência ao situar o fenômeno no campo pré-consciente que é o signo (significante/significado) do eu na consciência como parte do pano de reflexão; reflexivamente, no plano da pré-reflexão, focaliza-se o inconsciente como o signo (significante/significado) da consciência (significante) pelo qual um outro (significado) é percebido. [Kristensen et All, 2001].

Figura 6 - Modelo semiótico de relação humana.

Fonte: http://www.ufrgs.br/museupsi/lafec/a2001a.htm

Adaptando o primeiro modelo aos:

[...] diferentes contextos (as partes) da experiência de abuso sexual (o todo), obtiveram-se seis variações de acordo com a relação de significação apresentada na descrição. No sistema de signos do contexto do abuso, é possível conceituar os prejuízos vivenciais como significantes, enquanto os significados seriam os prejuízos relacionais. [Kirstensen et All, 2001].

Como figura abaixo: Figura 7 – Modelo semiótico de relação humana 2.

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Nesse ponto analisemos a diferença entre referência, representação e

apresentação.

Enquanto referir-se é um ato de remetimento ao mundo, representar significa “apresentar algo por meio de algo materialmente distinto (...) nas quais certas características ou estruturas daquilo representado devem ser expressas, acentuadas e tornadas compreensíveis pelo tipo de apresentação, enquanto outras devem ser conscientemente suprimidas (...) ‘apresentação’ é utilizada tendencialmente para a presença de conteúdo na mente, enquanto ‘representação’ é reservada para casos de consciência de um conteúdo, nos quais um momento de redação, reprodução e duplicação está em jogo. [Nörth et All, 2005, p. 20]

Marx Bense apud Nörth et All (2005, p.20), conclui que um objeto

apresentado (diretamente, se mostrando a si mesmo) funciona ontologicamente3

e objetos representados (mediados) funcionam semióticamente.

Até a Renascença era atribuída aos signos uma relação de semelhança

com seu objeto de referência e, já no limiar da era clássica, o signo já não

representa uma coisa, mas a ideia de uma coisa. Sendo assim, já duas idéias:

uma do objeto que representa, outra, do objeto representado. Aqui temos uma

ideia de autoreflexividade dos signos. A partir desse período os signos não são

3 Ontologia implica no estudo do comportamento do ser humano por si mesmo, o

conhecimento do seu íntimo e da razão de sua existência.

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mais representações materiais mas sim subjetivas e únicas de conceitos (North

et All, 2005, p.23).

A partir do século XIX a premissa clássica de que algo é verdadeiro por

não poder ser visto de outra forma, além dos moldes clássicos, deixa de vigorar

quando sofre intervenção do tempo na síntese da representação.

A ordem das coisas não é mais fundamentada na razão e suas representações, mas nas regularidades históricas, que são inerentes aos sistemas das coisas. (...) a representação deixou de ter valor para (...) “as palavras como seu lugar de origem e localização primitiva de sua verdade. (...) A representação que se faz das coisas (...) é a aparência de uma ordem que agora pertence às coisas mesmas e sua lei interior” (Nörth et All, 2005, p. 24).

E o signo passa a carregar consigo vários vestígios de outros signos. Na

imagem abaixo o sujeito observa o objeto sígnico e cria possíveis significados a

partir da relação que objeto sígnico estabelece com as informações (emocionais,

imagéticas, conceituais entre outras) que fazem parte da construção interna do

sujeito.

Figura 8 - Semiose as possíveis interpretações originárias de outros signos

Fonte: http://theorykal.blogspot.com.br/2011_03_06_archive.html

Pensemos essa visão semiótica dentro das considerações de Hall (1997) da

construção de identidades ao longo do tempo e sua fragmentação nos tempos

de hoje, em conflitos internos na simbiose de novas informações. Poderíamos

ver o indivíduo como um grande signo compartimentado em infindáveis signos

menores, sempre se reordenando com informações acrescidas que assim como

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os signos passados, ao longo dos períodos, também está sob a pressão dos

mesmos no julgamento de si pelos olhos dos outros, tirando o foco de seu centro.

É fato que a troca de experiência e a convivência entre os indivíduos é de suma

importância para a maturidade dos mesmos, mas o que observamos aqui são os

detalhes fragmentados nesse processo que possam causar danos na percepção

e conduta do sujeito, tanto para si quanto para o outro, o que acontece quando

não há compreensão e aprendizado dos fatos vividos. Pensar em representação

mental não é só uma exclusividade da semiótica, mas de outras áreas do

conhecimento como a Ciência Cognitiva e a Psicologia e através delas

entenderemos a natureza dos signos e processos apontados pela semiótica.

A partir daqui as perguntas pertinentes, segundo Nörth et All (2005) são:

como será o armazenamento de conhecimento e informação? É armazenada por

meio de símbolos? Por meio de novas imagens? E as representações mentais

do conhecimento linguístico? Imagens abstratas são codificadas

simbolicamente? Será que há momentos para representações diferentes?

Vejamos!

Nörth et All (2005) apresentam de início quatro modelos sobre a forma

de nossa representação mental.

O Primeiro é o modelo das ideias como uma matéria mental estruturada,

que considera que não somente coisas físicas validam-se como matéria

estruturada mas também as idéias. Ou seja, a representação mental formada a

partir da idéia na mente também compõem-se em matéria e forma. No segundo

modelo imagético, trata de criação de imagens a partir do conhecimento, hoje

denominado representação analógica. No terceiro, por meio de símbolos, trata

da linguagem e, em especial, dos conceitos abstratos que se apresentam

representados como símbolos. E, no quarto modelo, representações mentais

constituídas somente a partir de processos neurofisiológicos, defendida pelo

coneccionismo (aspecto cognitivo assemiótico) onde o “conhecimento é

representado mentalmente [...] na forma de processos de ativação ou inibição

fisiológica de ligações sinápticas em redes neurais”. (Nörth et All, 2005, p.27). O

coneccionismo contrapõe-se ao cognitivismo (aspecto cognitivo semiótico) onde

os processos de transmissão de impulsos eletroquímicos entre neurônios podem

ser interpretados, ao nível biossemiótico, como (neuro) semióticos.

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Discussões no campo da Ciência Cognitiva, segundo Nörth et All (2005),

trazem questões quanto às imagens, como ideias e ideias como imagens, onde

as ideias poderiam se constituir primeiramente de palavras em contraponto à

observação de que o pensamento só é possível através de imagens. Idéias como

cópias da realidade onde, segundo os epicuristas, “os objetos da realidade

irradiam, na forma de átomos invisíveis, cópias materiais que alcançam o cérebro

humano eidola ou simulacra. Assim, a imagem mental é um ícone da realidade”.

(Nörth et All, 2005, p.28). Os autores também trazem à reflexão sobre o assunto

a Teoria Representativa da Percepção de Descartes, “de acordo com a qual o

percebido provoca representações internas que tem uma relação de semelhança

com os objetos percebidos sem, no entanto, possuir necessariamente o caráter

de imagens reais” [Nörth et All, 2005, p.29]

E, acrescentam, ainda, a observação de pensamentos como cópias da

realidade conforme a epistemologia marxista-leninista onde:

Cada ato de cognição tem uma imagem mental como resultado. Cada cópia mental é um tipo de cópia da realidade. Tais cópias vigoram como resultados ideais de um processo de espelhamento no qual o homem adquire mentalmente uma “realidade objetiva”. Nesse caso, a cópia é distinta do objeto que ela copia devido a processos neurofisiológicos de transformação no cérebro. Contudo, a cópia e o objeto são dependentes um do outro e congruentes um com o outro. [Klaus & Segeth 1962; Klaus 1963; Resnikou 1997 apud Nörth et All, 2005, p.29].

Nörth et All (2005) observam que as discussões se dividem em

controvérsias entre defensores de dois modelos cognitivos: os “modelos

simbólicos proposicionais” da representação mental do conhecimento de mundo

visual e não visual consideram que “ as proposições representam idéias, e que

a linguagem (ou imagery) expressa proposições, e consequentemente idéias. O

pensamento ocorre no nível proposicional”, que é o enunciado de uma verdade

que se quer demonstrar ou de um problema que se pretende resolver, ou seja,

“imagens não são armazenadas de forma visual icônica, mas finalmente, na

forma de símbolos digitais elementares, dos quais se originam redes de sistemas

simbólicos através de regras de combinações” (Nörth et All, 2005, p.31); e o

“modelo analógico” do pensamento em forma de imagem, representam mais

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diretamente objeto de referência, organizadas por regras específicas à

modalidade através da qual a informação/imagem foi originalmente encontrada.

Os autores, concluem que:

Após controvérsias iniciais entre os defensores dos dois modelos, a opinião de que a representação imagética não se baseia realmente em cópias armazenadas, mas que mesmo assim, tem que ser icônica de uma outra maneira [...]. Pesquisas neurofisiológicas também mostraram que imagens mentais ativam, no cérebro, os mesmos padrões de excitação neuronal (do córtex visual) que a visão real e essas regiões do cérebro ativadas no processo visual são outras do que aquelas ativadas por conceitos abstratos. Por outro lado, operações simbólicas também devem ter, ao mesmo tempo, um papel na evocação de imagens mentais, pois a ativação de regiões do cérebro que, em outros casos, ocorre no processamento linguístico, também pode ser observada. (Nörth et All, 2005, p.32).

Os autores observam um caminho mediador entre as duas posições da

psicologia cognitiva com as teorias de Paivio e Kosslyn:

A Teoria de Paivio (1986) da codificação dual é uma teoria mediadora das duas posições da psicologia cognitiva. De acordo com ela, é verdade que existem dois sistemas mentais separados, dos quais a informação verbal e visual é processada dominantemente. No entanto, no processamento cognitivo de imagens, não somente o sistema visual, mas também o sistema verbal está envolvido. “Cópias” verbais da imagem se originam paralelamente à codificação imagética, que é, assim, codificada duplamente (ver Yiulle, org. 1983). Uma outra posição mediadora entre as teorias da representação mental da imagem e do signo verbal é defendida por Kosslyn (1980; 1981). Ele diferencia entre uma representação de imagens de superfície e uma profunda. A primeira se refere à memória de curto prazo, a última à memória de longo prazo. A representação imagética na memória de curto prazo é, para Kosslyn (1981: 213, 217), “quase pictural” e acontece num “meio espacial”, enquanto a representação de longo prazo de imagens é literal e proposicional. Neste caso, no entanto, a representação profunda estruturada simbolicamente pode, a qualquer momento, gerar uma representação superficial estruturada pictoricamente. [Nörth et All, 2005, p. 32].

Pensando agora em todas essas possibilidades, vamos primeiramente

considerar que a ciência ainda conhece muito pouco sobre os mecanismos e

processos mentais e que nesse vasto campo a ser descoberto ainda para

descobertas, todas podem acontecer simultaneamente ou alternadamente,

dependendo do que se observa e de como se observa. Vamos lembrar também

que a generalização de estudos em questões científicas se propõe a fixar uma

base de referência de acordo com uma maioria de casos semelhantes, mas não

todos os casos existentes no mundo; e que particularidades emocionais e outras

de cada indivíduo interferem de maneiras diferenciadas nesses processos

mentais, emocionais e fisiológicos que constroem cada fragmento que compõe

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o indivíduo. Aqui o foco são essas particularidades. E que a busca de solucionar

e compreender questões diversas está diretamente ligada à necessidade

humana de buscar segurança e fugir do medo. Pensem aqui então, todas as

questões colocadas com a mente aberta, sem julgamentos de certo e errado

mas, simplesmente de possibilidades que devem ser observadas

particularmente em cada indivíduo e pelo próprio indivíduo para sua construção.

Quando uma obra (pense imagem conforme apontado no início do

capítulo) é criada pelo artista, ela pode ter sido influenciada por outras imagens,

por pesquisa, em um processo de observação direta de outro material (imagens),

ou ter sua criação livre dessas influências, ao menos diretamente (diante do

papel em branco sem tema pré-definido e imagem de referência. No primeiro

caso, a escolha da imagem ou das partes das imagens-referência obedece a

ordenação do sistema interno do produtor, em diálogo com sua percepção de

mundo. No segundo caso, o mesmo também acontece, porém, há maior

liberdade à expressão do subconsciente além do consciente, já que a criação

por ser livre permite o uso de maiores recursos e produtos (subjetivos)

armazenados.

No caso do observador, receptor, interlocutor da obra, a assimilação da

obra e sua proposta é relativa às informações de semelhança que o interpretante

carrega em si, e a quantidade e a qualidade dessas informações possibilitam

também inter-relações que podem ir muito além da proposta inicial da obra.

A emoção tem papel importante nesse processo e costuma estar

associada a imagens, fatos e linguagens variadas, direta ou indiretamente, tendo

seu peso na movimentação das informações entre o consciente e o inconsciente.

Entender a organização das imagens só pela própria imagem nesse sistema de

reflexão espelhada não basta, pois não esclarece sobre o possível responsável

pela seleção delas.

Vimos como as informações possivelmente se manifestam na mente ou

na execução física (obra ou ação), de uma ideia, que surgiu a partir de outra

ideia, entre outras possibilidades. Mas porque escolhemos uma informação em

detrimento da outra? Como a mente seleciona o que vai ser signo do signo e o

que não vai? Além dos fatores sociológicos, citados no capítulo anterior, onde

hà busca de poder, segurança, status, a aceitação por meio de

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condicionamentos sociais passados ao longo dos séculos, entender um pouco a

função do consciente e do subconsciente é fundamental para começar a trilhar

esse caminho de escolhas acertadas e achar o “eu” interno em nossa essência

mais pura. Já ouvi muitas vezes a expressão: “ Se nascêssemos com um manual

de instruções...’, mas eu acredito que, de certa forma, nascemos. Porém, ele é

único e intransferível e se encontra dentro de cada um, por isso modelos

genéricos das coisas do mundo jamais satisfarão qualquer dúvida interna, uma

vez que funcionam como um mapa do tesouro, podem apontar caminhos; mas,

dentro de cada um, esses caminhos são diferentes e cada um tem de que achar

o seu. Para tanto, vamos percebendo ao longo da pesquisa, a necessidade de

conhecer seu processamento interno.

Essa forma de como usar as referências informacionais para encontrar

o “caminho de si” sabendo que é único e intransferível, é a base da obra de

instalação proposta nesse projeto de pesquisa. E meu interesse em desenvolver

uma pesquisa teórica tão focada no assunto e não circundando apenas o

desenvolvimento técnico de obra, é porque ao longo desse processo percebi

que, apesar do papel didático da arte, como Fisher acrescenta no começo do

texto, essa didática só será possível pela qualidade do autoconhecimento que o

sujeito possua de si, em sua capacidade de percepção, qualitativamente. Então,

concordo que seja didática. Fisher (1997) diz, que a arte é naturalmente didática

sugerindo a construção interna do observador exclusivamente positiva, sem

aprofundamento nas questões que observamos aqui, mas pode não ser

impreterivelmente didática para construções positivas.

Finalmente, em acréscimo, pode-se lembrar que a representação e a imitação artísticas efetuadas por adultos, as quais, diferentemente daquelas das crianças, se dirigem a uma audiência, não poupam aos espectadores (como na tragédia, por exemplo) as mais penosas experiências, e, no entanto, podem ser por eles sentidas como altamente prazerosas. [FREUD, p.6, 1920].

Pode ser interessante deixar a mente do observador (criador artista) fluir

sozinha, quando o criador, enquanto indivíduo também fragmentado e em

contínuo processo de construção, pode encontrar nessa prática muitas

particularidades internas a serem trabalhadas para sua melhora, não se

apresentem claramente para ele, por estarem inconscientes. Mas, seria

interessante pensar em como o que foi criado irá influenciar o observador,

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quando a obra é exposta ao público. No caso de a obra resultar de uma

transformação interna, uma exteriorização de algo negativo para o artista,

devemos considerar que na relação com o público o significado será também

transformador? Consideramos então, aqui, a necessidade de que quando o

autor/artista cria diálogo com as pessoas, através de sua obra, deve procurar ter

ciência de seu papel influenciador através das informações contidas na obra que,

por sua vez, dialogam com as informações internas do observador. O artista não

deve esquecer que ele próprio é também, influenciado constantemente por

informações externas, tanto quanto o observador, e que essas podem ter grande

peso nas escolhas que ele faz para si. Assim para todos os intermediários de

conhecimento e informação, usando seja qual for a linguagem das artes, ou da

comunicação, observamos aqui a imensa responsabilidade envolvida e, em

consequência, a necessidade de autoconhecimento; nesse caso, principalmente

por parte de quem veicula a informação. Poderíamos então sugerir aqui, que

algumas criações são de importância maior para o executor, seja pela sua

necessidade de expressar-se para seu equilíbrio emocional diante de

determinadas situações ou para se descobrir em fragmentos inconscientes,

podendo não ser necessariamente apropriadas à construção positiva no

observador, enquanto que outras estariam mais adequadas a tal propósito,

motivando e sugerindo mudanças de conduta e pensar mais positivas que

realmente possam movimentar mudanças práticas e consistentes.

Considerei esse exercício teórico na execução de obra importante para

a própria força da obra em sua apresentação. O óbvio absoluto não existe. O

óbvio pode ser óbvio para uns e não para outros, consideramos que a

observação de algo como óbvio é relativo a conhecimento quantitativa e

qualitativamente, que possua o sujeito que faz o julgamento de algo como óbvio.

Não tratemos pois, somente de compreender uma idéia ou proposta mas

também dividir o processo de relacionar idéias, processo de pensar, de

descobrir, de mostrar como se constrói materialmente uma idéia pelas artes, e

como se absorve uma idéia da construção física artística.

Então, retomando o tema, qual o papel do consciente e subconsciente

nesse processo de construção do SER, com seus mecanismos de seleção de

informações singulares, que podemos observar aqui, tanto quanto ao criador de

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objeto de arte, quanto ao receptor das informações artísticas e o que são o

consciente e o inconsciente? Como funcionam nesse processo de construção do

indivíduo? Freud é uma boa referência inicial para essa compreensão. Em seu

ensaio de 1920, Além do Princípio do Prazer – Livro XVIII (1920), o autor analisa

que o curso tomado pelos eventos mentais está diretamente ligado ao princípio

de prazer4, que parte do instinto, funciona como um regulador de tensão, entre

o prazer e o desprazer que participa dos mecanismos do consciente e do

subconsciente. O consciente é a luz, onde podemos visualizar com clareza os

eventos vividos; e o subconsciente é o quartinho escuro onde fica guardado o

que é nocivo à saúde emocional e à psique.

4 Nos primeiros trabalhos, Freud sugeria a divisão da vida mental em duas partes: consciente e inconsciente. Nos

trabalhos posteriores, Freud reavaliou essa distinção simples entre o consciente e o inconsciente e propôs os conceitos

de Id, Ego e Superego. Id: fonte de energia psíquica e o aspecto da personalidade relacionado aos instintos. Ego:

aspecto racional da personalidade responsável pelo controle dos instintos. Superego: o aspecto moral da personalidade,

produto da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade. O "ID", grosso modo, correspondente

à sua noção inicial de inconsciente, seria a parte mais primitiva e menos acessível da personalidade. O id contém a

nossa energia psíquica básica, ou a libido, e se expressa por meio da redução de tensão. Assim, agimos na tentativa de

reduzir essa tensão a um nível mais tolerável. Para satisfazer às necessidades e manter um nível confortável de tensão,

é necessário interagir com o mundo real. Por exemplo: as pessoas famintas devem ir em busca de comida, caso queiram

descarregar a tensão induzida pela fome. Portanto, é necessário estabelecer alguma espécie de ligação adequada entre

as demandas do id e a realidade. O ego serve como mediador, um facilitador da interação entre o id e as circunstâncias

do mundo externo. Enquanto o id anseia cegamente e ignora a realidade, o ego tem consciência da realidade, manipula-

a e, dessa forma, regula o id. O ego obedece ao princípio da realidade, refreando as demandas em busca do prazer até

encontrar o objeto apropriado para satisfazer a necessidade e reduzir a tensão. O ego não existe sem o id; ao contrário,

o ego extrai sua força do id. O ego existe para ajudar o id e está constantemente lutando para satisfazer os instintos

do id. Freud comparava a interação entre o ego e o id com o cavaleiro montando um cavalo que, fornece energia para

mover o cavaleiro pela trilha, mas a força do animal deve ser conduzida ou refreada com as rédeas, senão acaba

derrotando o ego racional. O superego representa a moralidade. Freud descreveu-o como o "defensor da luta em busca

da perfeição - o superego é, resumindo, o máximo assimilado psicologicamente pelo indivíduo do que é considerado o

lado superior da vida humana" . Observe-se então, que, o superego estará em conflito com o id. Ao contrário do ego,

que tenta adiar a satisfação do id para momentos e lugares mais adequados, o superego tenta inibir a completa

satisfação do id. O superego, desenvolve-se desde o início da vida, quando a criança assimila as regras de

comportamento ensinadas pelos pais ou responsáveis mediante o sistema de recompensas e punições. O

comportamento inadequado, sujeito à punição torna-se parte da consciência da criança, uma porção do superego. O

comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a recompensa torna-se parte do ego-

ideal, a outra porção do superego. O comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a

recompensa torna-se parte do ego- ideal, a outra porção do superego. Dessa forma, o comportamento é determinado

inicialmente pelas ações dos pais; no entanto, uma vez formado o superego, o comportamento é determinado pelo

autocontrole. Nesse ponto, a pessoa administra as próprias recompensas ou punições.

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Figura 9: Consciente e Inconsciente

Fonte: cosmicapoeira.blogspot.com

Mas como funciona esse recurso? De acordo com as observações do

autor, o instinto nesse sentido funciona pela seleção de informações e conduta

pelo prazer e desprazer, que por sua vez se encontram vinculados à quantidade

de excitação presente na mente, uma vez que o desprazer corresponde a um

aumento na quantidade de excitação, ao passo que o prazer está ligado a uma

diminuição na quantidade de excitação. A observância em questão é o fator

determinante do sentimento relacionado ao aumento ou diminuição de excitação

em um período de tempo específico e não somente uma relação entre as

intensidades dos sentimentos de prazer. Vamos entender que essa excitação

está mais vinculada ao caminho que em excesso encontra o stress e a ansiedade

e irritabilidade ou outros sentimentos como estes.

A imagem abaixo nos introduz à reflexão da força de nossos

pensamentos (manifestação de informações que carregamos, por vezes se

apresentando inconscientemente), como fator condutor de ações e realidades

que viremos a vivenciar. No caso da figura abaixo, a observância da ansiedade

originada de medo diante de projeções futuras na mente, é como antecipação

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de um problema que ainda não aconteceu e é visto pela mente em simbiose com

emoções de insegurança e medo, trazendo o problema inexistente para o

presente.

Figura 10: Ciclo vicioso de ansiedade.

Figura 9 - Desenvolvimento de Ansiedade Fonte: cosmicapoeira.blogspot.com

O princípio do prazer é nato do método primário de funcionamento do

aparelho mental e, de acordo com Freud (1920), ineficaz e altamente perigoso.

Quando se encontra sob a influência do instinto de autopreservação do ego é

substituído pelo princípio de realidade. Este último mantém a intenção

fundamental de obtenção de prazer, entretanto efetua o adiamento da satisfação

e uma tolerância do desprazer. É dessa maneira que costumamos adiar nossa

felicidade. A mente sempre mantendo o pensamento de que “quando tal coisa

acontecer” ou “quando tal coisa for resolvida”, então serei feliz. E assim a mente

nos mantém num futuro que nunca chega e a experiência de prazer e alegria no

presente, no agora, nunca se faz possível, pois está sempre em adiamento. O

desprazer também é liberado nos conflitos do ego, enquanto está se

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desenvolvendo para organizações mais altamente compostas, que são as

fragmentações dissertadas anteriormente por Hall (1997). É quando os instintos

individuais ou parte deles se mostram “incompatíveis com seus objetivos e

exigências, com os remanescentes, que podem combinar-se na unidade

exclusiva do ego”. (FREUD, 1920, p. 32). Crenças e valores que entram em

choque enquanto o indivíduo está no processo de compreensão das mesmas na

tentativa de escolhas com consequências mais acertadas e previsíveis.

O autor, para melhor exemplificar a questão, nos convida a imaginar “um

organismo vivo na sua forma mais simplificada possível, como uma vesícula

indiferenciada de uma substância que é suscetível à estimulação” (FREUD,

1920, p.11), sendo esse organismo nossa psique. A superfície da mesma voltada

para o mundo externo se diferenciará de seu interior para o recebimento de

estímulos externos de energia. A continuidade de estímulos conflituosos com a

natureza da psique (qualquer informação recebida que desencadeie emoções

fortemente danosas ao indivíduo, que mantém o sujeito com a mente em

constante estado de excitação, por exemplo, stress, ansiedade, raiva, tristeza) a

torna inorgânica, formando uma membrana grossa na área externa a fim de

proteger seu interior da morte. A membrana externa salva todas as camadas

mais profundas com sua morte e a partir daí as energias externas só acessam

as camadas adjacentes com fragmentos de sua intensidade original. Esse

mecanismo não só diminui o acesso de quantidades excessivas de estimulação

como também exclui tipos inapropriados de estímulos (como exemplificado,

anteriormente). Passam a apanhar apenas amostras do mundo externo. Ocorre

que se esse processo se fizer continuo, certa hora a camada interna estará

impenetrável a qualquer tipo de estímulo externo.

Como o interior, não tendo a mesma natureza do escudo protetor da

parte externa, quando em constante contato com estímulos externos danosos,

ocorre que em grandes doses de sofrimento (estímulo) o escudo passa a ser

atravessado em alguma região e a mente reage à invasão convocando energia

catéxica de todos os lados e fornecendo catexias altíssimas nos arredores da

ruptura. A Catexia é o processo pelo qual a energia libidinal disponível na psique

é vinculada a representação mental de uma pessoa, ideia ou coisa. Por exemplo,

a raiva sentida contra uma pessoa é uma catexia ou fixação de energia na

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representação mental dessa pessoa e não dela como objeto. Sendo assim, o

objeto de observação interno passa a ser sentido como externo no processo de

proteção contra um mal eminente. Os processos mentais inconscientes são

atemporais, ou seja, as informações nele contidas se mantem imutáveis e o

sentimento relacionado às mesmas permanece sempre como no momento em

que a informação chegou.

E, considerando que boa parte dos conceitos e condicionamentos

sociais, religiosos, familiares e outros, têm base nos sentimentos de medo,

acompanhado de falso senso de proteção, como por exemplo, evitar que algo

não previsível possa causar danos, ou mecanismos de projeção de danos

anteriormente sofridos (por parte do próprio indivíduo ou de suas referências),

que é quando o indivíduo projeta no outro (pessoa externa) problemas sofridos

no passado que acrescento, podem também não necessariamente, ter relação

com esse outro, se a pessoa estiver num processo de projeção posterior ao fato

danoso, ou seja, relacionando nova experiência a experiência negativa pretérita.

Como exemplos citados por Cukier (2008), no Subcapítulo 1.2, vemos que esse

processo não se limita a questões de traumas graves que desencadearam

processos psíquicos mas são inerentes à todos os indivíduos, em graus

diferenciados, relativos às experiências vividas.

Simplificando, o consciente, com seu mecanismo base de prazer e

desprazer para proteção psíquica, quando exposto a excessiva quantidade de

estímulos de excitação, manda a informação relacionada à situação ao

subconsciente, que são as camadas menos acessíveis e quando isso acontece

há uma mudança na relação prazer/desprazer. Pois o que antes era prazer,

quando mandado para as regiões mais obscuras passa a ser desprazer por ser

reprimido. O reprimido, por sua vez, se mantém em constante adiamento do

prazer, com medo de sofrimento de desprazer em altas cargas novamente.

A maior parte do desprazer que experimentamos é um desprazer perceptivo. Esse desprazer pode ser a percepção de uma pressão por parte de instintos insatisfeitos, ou ser a percepção externa do que é aflitivo em si mesmo ou que excita expectativas desprazerosas no aparelho mental, isto é, que é por ele reconhecido como ‘perigo’. [FREUD, p.3, 1920].

Por exemplo, relacionamentos íntimos têm situações de prazer como

confiança, amizade, troca de afeto entre outras. Se uma pessoa sofre grandes

quantidades de estímulos danosos em experiência negativa desse caso, passa

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a evitar relações, pois estas passaram em sua percepção à condição de perigo

e viram sinônimo de desprazer futuro. O mesmo ocorre quanto a condutas

nocivas ao “outro”, como roubo, dissimulação, fofoca, pessimismo, que não

necessariamente precisam ser experienciadas de fato. Uma pessoa que cresce

ouvindo que “todo mundo não presta”, e que “passar a perna no outro é uma

questão de sobrevivência”, a famosa expressão “antes o outro do que eu”, esteve

sob constante estímulo pela fala de sua referência e passa a se defender da

possibilidade de sofrer o dano. Então, não tendo outra referência em estímulos

mais fortes, passa a causar o dano, nesses exemplos, ao outro. Podendo

também causar dano a si mesma, em um “autoboicote” inconsciente, quando

cresce ouvindo que nada do que ela faz presta ou frases contínuas como: “você

não vai ser ninguém na vida”, “se escolher isso vai morrer de fome”. Como Cukier

(2008) esclareceu anteriormente, ela passa a representar o papel que o outro

definiu para ela através dos estímulos danosos que Freud (1920) observou,

como forma de se defender dos mesmos.

E nesse processo familiar a todos acontece que, assim como recebemos

estímulos externos, recebemos também internos, que estando em conflito

passam a aumentar cada vez mais a excitação, desencadeando ansiedades,

medos, frustrações, raivas e outros similares.

Dessa situação surge a projeção, quando o indivíduo que está em

profundo conflito em seu princípio de prazer não consegue uma independência

emocional eficiente de sua base de referência (família), que tem papel

fundamental nesse processo, como aprofundamos no subcapítulo 1.3, tratando

a indiferenciação do self em crianças. Então, passa a projetar seus conflitos

emocionais e problemas nos responsáveis mais próximos por estes não terem

sido eficientes em seu processo de individualização. Por mais que tente, o

indivíduo não consegue a separação emocional necessária do ambiente familiar

e vive uma co-dependência emocional que gera culpas internas no indivíduo que

se relacionam com culpas por parte dos familiares (no sistema de projeção), e

distorce sua percepção de si mesmo por esse ambiente não ser capaz de lhe

permitir manifestar sua individualidade e personalidade próprias.

Além dos processos psíquicos, o autor (Freud, 1920) também considera

questões biológicas, a natureza mecânica da questão, estando estas na

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hereditariedade de padrões comportamentais familiares, como os processos

migratórios de aves e peixes, que buscam o caminho de seus progenitores sem

antes ter passado por eles, ou seja, o autor considera a possibilidade de ter esse

mecanismo de prazer e desprazer, reestruturado antes da primeira infância,

tendo então herdado geneticamente de seus pais a inversão de prazer e

desprazer vivenciada pelos pais. Apesar de pouco recurso no período para tal

afirmativa, Freud (1920), foi capaz de considerar algo que somente a pouco

tempo a ciência, dispôs de recurso e aparelhagem necessária para tal estudo.

Na responsabilidade de não mascarar detalhes que possam ajudar o leitor no

auto questionamentos desse caminho de autoconhecimento, apesar de não nos

aprofundarmos neste assunto na presente pesquisa, deixamos esse pequeno

adendo às reflexões pessoais do leitor.

Temos aqui a tendência ao processo de repetição, tanto pelo biológico

quanto pelos mecanismos de defesa do ego reprimido. Mas, estando tudo isso

em condição de tendência, não sendo imutável portanto, é possível reverter

padrões repetitivos pela compreensão dos mesmos e evitá-los pelo controle das

paixões. Não estando mais controlados pelo instinto, mas sim pela razão.

Estamos interconectados uns com os outros, mas temos em nossas escolhas as

possibilidades que vivenciaremos.

1.6 Pesquisa: detalhes e observações sobre escolhas e desenvolvimento

do projeto.

Este projeto foi realmente um grande desafio e um grande risco que nos

propusemos a correr e, valeu a pena. Fazer leituras de diferentes áreas do

conhecimento já é uma prática que trago desde a adolescência pela própria

necessidade que vai se apresentando quando, se mergulha fundo nesse

caminho do autoconhecimento, o que facilitou muito e aprimorou em nós a

capacidade e agilidade de inter-relacionar ideias.

Antes da faculdade nunca havia pensado em escrever ou organizar

materialmente aprendizado tão rico para mim, para dividir com outras pessoas

e, a partir do momento em que me vi tendo que escolher o que trabalhar para

graduação, vi que só poderia ser esse nosso projeto de pesquisa, caminho que

conheço há muitos anos.

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Ocorre que quando comecei, já tinha em minha mente toda inter-relação

de ideias e sua compreensão bem estruturadas, mas não conseguia ver um

centro, ou problema em foco, mais direcionado ou específico para resolver. O

que eu sabia é como funcionam inúmeros recursos de construção de um

indivíduo, e possíveis soluções para problemas desenvolvidos ao longo dessa

construção, tanto por experiência, quanto por conhecimentos teóricos, como

argumentado com o leitor nos subcapítulos 2.2 e 3.1. Mas esse enorme caminho

traz inúmeras problemáticas e não um foco em específico, o que provavelmente

no começo, passou a impressão a quem comigo conviveu nos primeiros anos de

organização do material teórico da pesquisa, que eu estivesse perdida no

assunto que queria trabalhar. Outro ponto foi a seleção do que explicitar aqui,

pois na escrita percebi que seria um trabalho para muitos anos, e que o que

estava tão simples em minha mente despendia de tempo imenso para ser bem

elaborado em palavras escritas. Sintetizei aqui então considerações pertinentes

a compreensão de como se constrói a identidade de um indivíduo, considerando

vários fragmentos que o possam compor, do racional ao emocional e selecionei

praticas experienciadas e conhecidas teoricamente por mim para

aprofundamento, tendo se mostrado eficientes nessa reconstrução e unificação

internas, como singela sugestão, entre tantas outras citadas, como início de

caminho interno para o leitor.

Todo ser humano seleciona e escolhe com base em conceitos internos,

que por sua vez podem ter origem externa (familiar, social, material...),

principalmente familiar na primeira infância, ou interna instintiva e estão

continuamente em transformação. E, observando o mundo como se encontra

com tantos contrastes (interno e externo) e injustiças, podemos dizer que esse

sistema interno não está trabalhando bem ou devemos compreendê-lo melhor

para dominá-lo e ordená-lo.

Vejamos, então, os mecanismos de seleção de informação e de atenção

do observador pelas explicações de Osho, que por meio da meditação, com

esclarecimento de seu real conceito (diferente do que vemos em propagandas

turísticas-culturais), orienta práticas de cura interna pela atenção tanto às

informações armazenadas no subconsciente quanto às observações do

consciente. Qual está ordenando esse sistema e qual está obedecendo? E, com

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base em conceitos milenares do Tantra e, principalmente, do Budismo, conseguir

alcançar a tão almejada cura interna.

CAPÍTULO 2 – MENTE, CONSCIÊNCIA E EXPERIÊNCIAS PESSOAIS:

COMEÇANDO A INTEGRAR OS FRAGMENTOS DO INDIVÍDUO

Após um mergulho em estudos sobre nossos fragmentos, entendendo

sua origem e mecanismos de expressão, tratamos neste capítulo de propor

possibilidades de integração, da união desses fragmentos, a ponto de aquilo que

mantém a mente ausente do momento presente (transitando entre o passado e

o futuro), cesse até o estado mental contínuo de não julgamento, com a mente

consciente no presente. Podemos assim encontrar com o “Eu” mais puro de nós

mesmos. Nossa consciência divina. Com considerações de Osho (2002), Chopra

(et al.,2010) e análises do neurocientista Fred Travis (2006), de Travis (2009) e

de Tunner (et al., 2009) quanto aos mecanismos de atenção da mente e estados

de consciência, visualizaremos possibilidades de solução para esses conflitos

internos do ser humano, resultados comprovados e sugestão de prática para o

leitor ao fim do capítulo.

2.1 – Mecanismos de atenção da mente e experimentação de processos de

autoconstrução.

A mente está sempre inquieta, tendendo ao passado ou ao futuro. Se

observarmos nossos pensamentos durante o dia, veremos que passamos mais

tempo pensando no que fizemos, se deveríamos ter feito ou não, ou no que

faremos, em como faremos, e se dará certo ou não. A mente tagarela o tempo

todo, conforme analisa Osho (2002), professor de filosofia e mestre na arte da

Meditação. A imagem abaixo (três figuras, como ID, Ego e Super Ego,

respectivamente, e que não nos aprofundamos nesta pesquisa. Observar aqui o

conflito como início para inter-relação das propostas desta pesquisa) exemplifica

nossos conflitos internos.

Figura 11 - Subconsciente em conflito

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Fonte: http://psicologpsique.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html

Osho (2002) propõe, sucintamente, dividir a percepção de um objeto em

concentração, contemplação e meditação, como estados da mente. A

concentração significa que a mente está focada em um único ponto. Já a

contemplação é mais ampla. “Se você está contemplando a beleza, há milhares

de coisas belas, e você pode passar por cada uma delas” (OSHO, 2002. p.9). A

restrição se dá a um assunto e não a um ponto, como na concentração. O

método da ciência é a concentração, já o da filosofia a contemplação. Na

filosofia, se alguns detalhes precisarem de um esforço focado é possível acessar

a concentração como ferramenta. O objeto pode ser algo material, externo a

você ou sua a própria mente – como pensamento ou teorias. Osho (2002) diz

que a concentração não é natural para mente, que frequentemente gosta de

“vagabundear, mover-se de uma coisa à outra” (2002, p.10), o que é sempre

cansativo. Já a meditação seria o caminho entre as duas. Meditar é um estado

de contato consigo mesmo, com a mente mantendo-se no aqui, agora. É

conseguir silenciar as turbulências da mente enquanto dirige, trabalha, conversa,

enfim enquanto vive o seu dia a dia. É ter consciência do que quer, de quem é,

do que está sentindo, no momento presente, é aprender a SER. Esse estado de

meditação é nossa natureza essencial e natural.

Inserimo-nos, pessoalmente, nos últimos anos, em experiências

diversas através da umbanda, Kardec, Gnose, Budismo, Tantra e Seicho-no-ie.

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Todas elas associadas a pesquisas nas áreas de neurociência, biogenética,

física quântica e religião. Todas essas experiências nos levaram à busca por

conhecimentos teóricos mais aprofundados para avançar na compreensão das

práticas de autoconhecimento mencionadas. A prática de meditação foi a

escolhida entre todas para maior aprofundamento. Entretanto, não deixamos de

comentar, em meio aos dados dos estudos realizados, experiências psicológicas

e transcendentais vividas, entendendo que elas podem esclarecer detalhes do

caminho que trilhamos nesta pesquisa, além de oferecer ao leitor, caso lhe seja

interessante, informações que possam lhe ser úteis, caso ele queira começar

seu autoconhecimento, sempre um caminho longo e de vastas possibilidades de

escolha a se percorrer.

Ao longo de todo capítulo 2 deixamos sublinhadas as sugestões de

exercícios práticos para autoconhecimento e melhor desenvolvimento dos

padrões mentais. Constatamos que as práticas das filosofias ou religiões

orientais e milenares são muito eficientes nesse processo de autoconhecimento

e para a integração dos fragmentos de nosso “eu”, bem como para a solução de

problemáticas psíquicas e emocionais que estejam manifestando consequências

danosas ao nosso dia a dia, nossa capacidade de se expressar e nossa auto

confiança.

A Gnose, por exemplo, trata o tema do Eu agora numa prática que se

chama Chave de Sol. A proposta é dividir três focos de atenção

simultaneamente: Sujeito, Objetivo e Lugar, onde Sujeito é: Quem sou eu?

Identificando aqui o que sentimos de nós, o que seriam nossos “agregados” ou

chamados “egos”5 (que são mecanismos de defesa para adaptação ao mundo

geral, presentes como conduta para aceitação, como esclarecemos no primeiro

capítulo, e ainda qualidades externas como profissão, estilo de vestir e assim por

diante), que podem mostrar detalhes que são próprios de nós e reforçá-los em

nossa confiança ou não, caso o observador descubra que algumas de suas

5 Os mecanismos de defesa são manifestações do ego diante das exigências de outras instâncias psíquicas (Id e Superego). O Ego dribla as exigências das outras instâncias Id e Superego. São ações psicológicas que buscam reduzir as manifestações inconscientes perigosas ao ego. Freud vê o ego se desenvolvendo no nível consciente e inconsciente (que é o ego saudável e o ego reprimido), enquanto que Osho nos diz que a consciência se caracteriza pela ausência do ego. E logo adiante veremos com as pesquisas neurocientíficas de Travis, que os estágios de consciência mais puro não tem ego nem dualidade/julgamento.

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escolhas, fruto de influência da família ou outra referência externa, não

expressam sua real natureza, fazendo com que se sinta sempre insatisfeito e

sem confiança. Nesse caso, reconhecendo sua real natureza de expressão,

poderá descobrir outras possibilidades, sendo vontades ainda não

experimentadas, mas natas de sua forma de ver e sentir o mundo, considerando

o melhor de si mesmo, Reconhecê-las fortalece a confiança que movimenta a

vontade para expressão das mesmas, pois nem sempre o motivo do conflito

interno pode estar claro para nós.

Refletindo por exemplo: “Sou Arquiteto, arquiteto é minha formação

profissional, como me comporto, como ser na profissão de arquiteto? Sou

honesto? Sou cooperativo ou competitivo? Como é meu trabalho diário?

Realmente gosto disso? Nessa observação de conduta encontraremos a parte

da essência, que é nossa forma original de ser, puro, místico e perfeito; caso a

resposta não seja positiva encontramos os agregados, que naturalmente

aparecem primeiro e que podem ser resolvidos.

Pensamos que nossa essência é uma bola de luz e que os agregados

são “sujeiras” de outra natureza, presas ao redor de nossa bola de luz.

Acrescentamos ainda que essa “sujeira” não passa de ilusão da mente, embora

vista como real; e que a falta de consciência de nós mesmo acaba nos fazendo

ver inversamente: vemos a essência, que é real e livre de prejulgamentos e

medos, como ilusória; e vemos os agregados como reais. A mente gera a

realidade que vivenciamos e com a qual nos relacionamos; pelos mecanismos

de defesa do ego selecionamos sempre, pessoas, experiências, lugares, que se

relacionem com ele. Assim nos privamos da liberdade interna, de ir além, ao

inusitado, ao imprevisível, de considerar a beleza possível.

Em Objetivo: O que estou fazendo agora? E em Lugar: Onde estou? O

exercício é levar essas perguntas constantemente no nosso dia a dia, até que o

processo se torne natural e a mente se mantenha naturalmente atenta e

vivenciando o momento presente.6 Em objetivo podemos observar o agora, tanto

como tempo real do momento da pergunta, quanto o presente como período,

que envolveria então, a semana, o mês ou o ano. Deixe a mente livre para se

expressar, ela lhe dirá o que você particularmente precisa observar. E a forma

6 Sublinhado para facilitar identificação de práticas citadas, em uma busca posterior ao longo do texto.

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como ela observa o agora dependerá das relações que ela esteja estabelecendo

entre as experiências vividas, que estão tentando sair da repressão. Lembremo-

nos aqui das observações de Freud (1920) sobre consciente e subconsciente.

As informações negativas se encontram no subconsciente por instinto primitivo

de proteção, que pode ser imensamente danoso. Esse processo tem função

emergencial de proteção pela exposição da mente a contínuas e altas

quantidades de excitação, mas as informações que estão reprimidas tentam se

expressar de alguma maneira tentando alcançar a luz da consciência.

O inconsciente, ou seja, o ‘reprimido’, não oferece resistência alguma aos esforços de tratamento. Na verdade ele próprio não se esforça por outra coisa que não seja irromper através da pressão que sobre ele pesa, e abrir seu caminho à consciência ou a uma descarga por meio de alguma ação real. (FREUD, 1920, p.07).

Para pessoas menos reflexivas e filosóficas no dia-a-dia a chave de sol

da gnose pode ser mais eficiente por ser direcionada, ajudando a pessoa a focar

as perguntas em si mesmo para auto percepção, mantendo a mente presente.

No Tantra e no budismo o processo mental para observação do mundo

em processo meditativo é, de certa maneira, semelhante. A observação da

mente é livre, não tem a orientação das perguntas, deixando a mente livre para

“tagarelar” até que sesse por completo e atinja o silêncio original. Esse silêncio

mental traz instantaneamente um sentimento de paz e equilíbrio; e nesse

momento observamos o agora sem julgamentos, condicionamentos sociais e

auto cobranças, possibilitando maior eficiência na execução e compreensão das

tarefas do dia a dia. Pude ainda experimentar nessa prática o alinhamento do

equilíbrio energético interno, pude sentir como se fossem bolas de energia

girando em pontos do meu corpo, que mais tarde soube que (nessas filosofias)

chamam-se chacras.

A mente está sempre confusa com vários pensamentos que nos

embaçam a clareza de interação entre nossos espaços interno e externo de

forma equilibrada. A clareza vem quando estamos sendo apenas nós mesmos.

Então a meditação não é contra a ação. Isso não significa que você tenha que fugir da vida: você se torna o centro do ciclone. Sua vida continua e, na verdade, torna-se mais intensa, mais cheia de alegria, com maior clareza, mais visão e mais criatividade. Ainda assim, você está nas nuvens, um observador nas montanhas, apenas vendo o que ocorre a seu redor [...]. As ações continuam em seu nível não há

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problema. Você pode fazer coisas pequenas ou grandes. A única coisa que não lhe é permitida é perder o seu centro. (OSHO, 2002, p.15)

Sobre as repetições no pensamento que levam a repetições de conduta,

Osho (2002) nos traz à reflexão a diferença entre mente e consciência. Osho

compara a mente a um mecanismo. Então a mente é um biocomputador que tem

habilidade funcional, mas não percepção e inteligência. É um aparelho de

registro de informações que age 24 horas por dia mantendo padrões repetitivos

para que a consciência não retorne à sua origem não é linear e livre. “A mente

significa palavras, o ser significa silêncio. A mente não é nada além das palavras

que você acumulou (OSHO, 2002, p.25)”, que por sua vez estão ligadas à

experiências vividas, emoções e conceitos.

Se você vive uma vida repetitiva é porque sua mente tem controle demais sobre você. Tente fazer algo novo a cada dia, e a mente terá menos controle sobre você. Não preste atenção às velhas rotinas: quando a mente disser alguma coisa, responda: ‘Nós estamos fazendo isso a muito tempo. Vamos fazer algo novo. ’ [...] A mente é seu passado tentando constantemente controlar seu presente e seu futuro. É o passado morto, que permanece controlando o presente vivo. Fique alerta quanto a isso. [...] A mente obtém seus dados dos pais, da escola, de outras crianças, de vizinhos, de parentes, da sociedade como um todo. A mente é um fenômeno social, um subproduto da sociedade. (OSHO, 2002, p.30-71).

Então é a mente mandando na consciência enquanto que a nossa

origem essencial (pureza do estado de SER, mente livre de julgamentos) é que

deveria ordenar a mente. “Nenhum pensamento na mente é original, são todos

repetições” (OSHO, 2002, p.31). Entender a natureza da consciência é entender

a diferença mais profunda entre SER e FAZER (relacionado ao estado transitório

das coisas e não à nossa essência primeira; é necessário refletir aqui sobre ser

e estar). “O fazer é sempre algo superficial. O ser deve permanecer

transcendental em relação a seu fazer” (Osho, 2002, p.51).

Como a mente controla essas repetições? É como se a mente nos

dissesse que se não a escutarmos não seremos tão eficientes quanto ela, te

convencendo de que a eficiência está no que já foi feito antes e trazendo a

informação que se fizer algo novo poderá não ser tão eficiente. Ou seja, é um

caminho que oferece menos resistência por já ser conhecido; pelo medo do

desconhecido você se mantém na certeza dos padrões repetitivos, que trazem

conforto, mas vão contra o avanço, o progresso e a transformação do Eu, tão

necessários à evolução interior. Segundo Osho (2002), a mente é transe, é

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estado de inconsciência. Mantém o ser “protegido” de correr os riscos do

inusitado, do diferente, dos padrões que observou a vida inteira; e você pode até

não concordar, mas ela lhe diz: “Isso tem sido feito há muito tempo, é muito mais

seguro! Outro caminho pode ser perigoso. A maioria não faz isso. O que os

outros vão pensar? ”. É um processo de medos repetitivos na carapuça da

aprovação alheia e da autoafirmação, fruto de uma vida inteira na observação

de vários outros padrões de repetição. Não estamos propondo uma contestação

do sistema do mundo e sobre a importância que esses padrões adquirem para

certas funções, mas uma reflexão sobre para que proposito esses padrões

funcionam e, principalmente, como funcionam em nós? Realmente estão

funcionando? Estou satisfeito comigo dentro desses padrões?

Freud (1920) diz que a projeção é um meio de sobrevivência da psique

nos tirando do momento presente e nos colocando no passado ou no futuro,

livres do sentimento doloroso de assumir os riscos e responsabilidades pelas

mudanças necessárias e dolorosas que o inconsciente solicita. O sentimento de

liberdade do indivíduo, que só é possível internamente, se altera conforme o

padrão em atividade no momento.

Todo ser humano tem como finalidade encontrar a felicidade. Uns

procuram no dinheiro, outros nas relações sociais, outros em livros de autoajuda

e assim por diante. Mas a verdade é que a felicidade é um estado de SER e não

de TER. Esses são todos caminhos, não soluções prontas; e todos necessitam

de equilíbrio conjunto. O que não significa que deixaremos as observações

mentais para a prosperidade material, mas olharemos de modo diferente. O

ponto é observar cada coisa em seu momento e em seu lugar. Levar tudo o que

for sendo acessado na nossa essência e que ela tem de mais puro, através da

consciência no presente, na nossa conduta do dia a dia, em meio às necessárias

buscas materiais.

Os processos repetitivos e a mente tagarela resultam num contínuo

“efeito sombra”. Chopra (et al., 2010) nos fala sobre esse efeito sombra; esse

lado negro e autodestrutivo natural do ser humano, esclarecendo que se a

sombra é parte de nós, não é negando-a que solucionaremos o problema, mas

sim reconhecendo, aceitando e abraçando todas as nossas particularidades

sombrias, conforme se apresentam. Essa sombra é como a criança ‘birrenta’ que

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incomoda tentando chamar a atenção para sua necessidade de amor e afeto. E

devemos reconhecer os condicionamentos sociais na sombra coletiva. Os

noticiários mostram a pior forma da natureza humana em todos os seus

aspectos. Vemos também isso em nosso dia-a-dia. Precisamos saber identificar

o poder desse tipo de informação em nossa mente, pela observação constante

que fazemos da mesma. O caminho para essa consciência é, antes de tudo,

reconhecer em nós a sombra que carregamos.

A sombra expressa seu poder fazendo com que a escuridão pareça com luz [...] Passando os canais de televisão pelos desastres e horrores, você jamais imaginaria que os seres humanos sempre tiveram poder de encontrar a paz, a elevação e a liberdade na escuridão. [...] O segredo está na palavra “consciência”. (CHOPRA et al., , 2010, p.19-20).

E para que haja consciência tem que ser ultrapassada a dualidade na

mente humana. O self reprimido (sombra) tem que ser integrado ao self

verdadeiro (luz) para que, sendo reconhecido e estando na luz vire um self único

e verdadeiro. A sombra é ausência de luz. Se a luz se estender a todas nossas

particularidades, não haverá sombra, a mente tem de estar limpa para não

projetar sombra, como explica Chopra (et al., 2010):

Há muito tempo os realistas desistiram de ver o lado bom da natureza humana superando o lado mal. [...] Sigmund Freud, um dos pensadores mais realistas a confrontarem a psique [...] havia concluído que a civilização existe a um custo trágico. Precisamos reprimir nossos instintos selvagens e atávicos, de modo a mantê-los em xeque; porém, apesar de nossos melhores esforços, haverá muitas derrotas. O mundo irrompe na violência em massa; os indivíduos irrompem na violência pessoal. Essa análise implica em uma forma terrível de resignação. Meu “eu bom” não tem nenhuma chance de viver uma vida pacífica, afetuosa e organizada, a menos que meu “eu mau” seja preso na escuridão, enjaulado em confinamento solitário. [...] sempre que qualquer aspecto do Self for separado, rotulado como mau, ilícito, vergonhoso, culposo ou errado, a sombra ganha poder. Não importa se o lado sombrio da natureza humana se expressa de forma violenta ou branda, socialmente tolerada. O fator essencial é que uma parte do Self foi separada. [...] Depois de separado, o fragmento “ruim” perde contato com a essência do self, a parte que consideramos “boa” por conta de sua permanente ausência de violência, raiva e medo. Esse é o self adulto, o ego que se adaptou tão bem ao mundo e às outras pessoas. [...] Você só tem um self. É o seu eu real. Ele está além do bem e do mal. A sombra perde o poder quando a consciência para de se dividir. Quando você já não está mais dividido, não há nada para ver além de um self em todas as direções. Não há compartimentos ocultos, calabouços, celas de tortura ou rochas limosas onde se esconder. A consciência vê a si mesma. Essa é a sua função mais básica, e, ao descobri-la, veremos que dessa simples função pode nascer um novo self, talvez um novo mundo. (CHOPRA et al.,, 2010, p.21-26).

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Esse nosso lado sombrio nada mais é do que fragmentos de nós ainda

em busca de amor; e negá-los só intensifica seu poder destrutivo, porque o

interesse primeiro de nossa sombra é resolver conflitos e não gerar mais; mas a

partir do momento em que ela é excluída, se vê em conflito novamente e projeta

esse conflito em nossa consciência para que, incomodados, não a deixemos

mais ignorada.

Chopra (et al., 2010), observa que já a religião, que é o veículo mais

antigo na busca de si e de uma melhor relação com mundo, põem em dúvida a

solução almejada. É difícil saber se a religião derrota a sombra ou se dá mais

poder a ela, instigando sentimentos fortes de pecaminosidade e culpa, vergonha

e medo das torturas de uma posteridade infernal. A religião enquanto objeto de

reflexão filosófica pode ser muito útil para nossa construção interna, se não a

observarmos como objeto de verdade absoluta em si. É necessário lembrar que

as instituições religiosas, ao longo dos séculos estiveram diretamente vinculadas

à política como recurso de poder e, por este motivo, podem carregar distorções

de sua raiz mais pura de conhecimento na construção do indivíduo como ser

íntegro, virtuoso e consciente de sua natureza divina. Lembremos lá do início do

texto: o medo é uma sombra também, que pode atrair aquilo que queremos evitar

por estarmos observando mais o que não queremos do que o que de fato

queremos.

A natureza humana inclui um lado autodestrutivo. Quando o psicólogo suíço Carl Jung pressupôs o arquétipo a sombra, disse que ela cria uma névoa de ilusão que cerca o self. Encurralados nessa névoa, lançamo-nos a própria escuridão e, consequentemente, damos a sombra cada vez mais poder sobre nós. (CHOPRA et al., 2010, p.18)

“O lado obscuro da natureza humana viceja na guerra interna, na dificuldade

e no conflito”. (CHOPRA et al., 2010, p.21). Se há dualidade sempre haverá guerra

interna, pois teremos duas particularidades em conflito, e estaremos tentando fazer a

escolha de uma ou da outra. Se negar a necessidade de receber amor, como o

receberá? Isto é, se o ser humano se julgar tão autossuficiente, onde fica a beleza da

troca, do doar e receber, amor, alegrias, conhecimento? Os demônios, as doenças os

conflitos não passam de sombras, névoa de ilusão, que se apresentam pela ausência

de luz. Observando o presente podemos levar luz a cada fragmento sombrio que está

em busca dela. Devemos observar a sombra desfilando em nossos pensamentos sem

julgamento, somente observando, e achar sua origem. É para essa finalidade que a

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sombra se apresenta e se reapresenta nos processos repetitivos, até que lhe demos

o devido valor. Precisamos evoluir nossa inteligência emocional.

Então, temos o self individual (self reprimido e verdadeiro), que existe a

fim de evitar que nosso cérebro seja bombardeado com infindáveis imagens

sensoriais que não fariam sentido, e o self coletivo. E os dois estão em diálogo

mútuo e contínuo. Nenhum deve ser desconsiderado do outro, pois um não

existe sem o outro. Cada um de nós é um (individual), ao mesmo tempo em que

somos, todos, fragmentos de um uno maior (coletivo). “Eu e meu” existem por

um motivo – para lhe dar um direito pessoal no mundo” (CHOPRA et al., 2010,

p.27) e, consequentemente, desencadeiam a comparação com o outro e com o

seu eu coletivo. Então esse caminho nos apresentou as origens e as forma de

trabalhar da sombra em nossa vida.

Quanto à relação emocional, realidade “material” e presença do coletivo

o autor descreve, por exemplo:

Em casamento feliz o deixa saudável. Em princípio essa descoberta foi difícil de aceitar, porque pesquisas médicas não viam ligação alguma entre um estado mental e o corpo. Como poderia o coração ou uma célula pré-cancerígena em algum lugar do corpo saber como a pessoa se sente? Foi preciso a descoberta das chamadas moléculas mensageiras para demonstrar que o cérebro traduz cada emoção em um equivalente químico. À medida em que as moléculas mensageiras percorrem a corrente sanguínea, circulando através de centenas de bilhões de células, a infelicidade, ou a felicidade é transmitida ao coração, fígado, intestino e rins. Subitamente, a medicina corpo-mente tinha uma base real. (CHOPRA, 2010. p.31).

E novamente menciono aqui a responsabilidade do artista. Imaginem

quanta força dão à sombra as imagens grosseiras, penosas, chocantes e

destruidoras? E quanto ao artista? Como pode estar preparado para interferir de

forma eficiente em seu meio social, exercendo um papel importante e

necessário, sem trabalhar suas próprias sobras, seu autoconhecimento,

correndo o risco de projetá-las e, assim, dar mais força tanto às suas próprias

sombras quanta às coletivas?

Segundo Chopra et all (2010, p. 49):

Quando damos força à sombra?

1 – segredos: medo de exposição de quem é você, com base em

condicionamentos repressivos, às vezes oriundos de família desequilibrada.

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2 – culpa e vergonha: ninguém é perfeito. Não se acomoda nessa

máxima de forma a manter os padrões confortavelmente, nem se puna em

excesso por um erro cometido. Tente de novo. Com consciência.

3 – injustiça: o julgamento é a culpa mascarando a dor. Mesmo que veja

potencialidades em si diante do outro. Saiba que o que é pérola para uns é lixo

para outros. Cada um tem seu tempo, respeite e não acelere o outro, cuide de

você.

4 – Ignorar as próprias fraquezas ao criticar os que estão à sua volta:

Em contrapartida, não justifique o que vê de melhor no outro em menosprezo e

conclusões simplistas; se esforce em buscar o que é seu, pois não encontrará

no outro, só dentro de você. Não projete!

5 – Se ver separado dos outros aumenta a sensação de medo e

desconfiança.

6 – Pensar que o mal está à espreita a todo momento, em toda parte,

mantém o mal contido, fazendo com o que o criador de ilusões seja iludido por

suas próprias criações.

Qual então a saída? Chopra (et. Al., 2010, p. 51) simplifica, dividindo em

quatro categorias:

“Pare de Projetar-se

Desprenda-se

Abra mão do julgamento pessoal

Reconstrua seu corpo emocional”.

E acrescento aqui mais uma observação de suma importância: faça as

pazes com tudo e com todos! O perdão e a gratidão são duas forças poderosas!

Chopra (et al., 2010) nos orienta a observar o perdão como realidade

positiva já concreta, da seguinte maneira:

[...] quando vê a Realidade, em si mesmo e nos outros, você ganha poder para evoca-la. Somos curados quando nos sentimos perdoados. Saramos na presença da compaixão. Se você realmente quer que alguém mude, o milagre está na habilidade de ver quão perfeito ele é. A sombra não vai embora quando é atacada mas promove a cura quando é perdoada. Não removemos nossa máscara sombria na presença de alguém que nos culpa, mas na presença de alguém que diz, através de palavras ou comportamentos: “Eu sei que isso não é você”. Milagrosamente saramos na presença de alguém que acredita na nossa luz, mesmo quando estamos perdidos em nossa escuridão. E, quando aprendemos a ver os outros na luz de seu verdadeiro ser, estando ou não sob essa luz, temos o poder de realizar esse milagre por eles.

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O perdão à uma ação, mas ele surge de uma postura. O verdadeiro perdão significa saber que [...] nossa luz é que é real. (CHOPRA et al., 2010, p.229).

E Osho nos diz que quando emanamos gratidão a todas às coisas o

universo converge numa simbiose pura e plena dentro de nós e ao nosso redor.

Então a meditação aparece aqui como sugestão para processo de

autoconhecimento e para essa cura interna, sendo mais importante manter a

disciplina e a continuidade, mesmo que o caminho escolhido seja outro de

mesma finalidade.

A busca de todo ser humano até a felicidade, precisa do entendimento

de que ela já se faz presente, só precisa da observação correta para ser

acessada, sendo a felicidade e satisfação um estado de SER da nossa essência

mais pura, que só pode ser acessada com a consciência do EU em MIM - e

jamais do outro em mim, ou do eu no outro em processo de projeção. As inter-

relações e as já comprovadas experimentações, pessoais e profissionais,

empíricas ou científicas, podem ser referências, mas jamais determinantes de

um processo, já que os estudos citados mostram que ele sempre vai ser

individual, único e intransferível, embora nunca isolado do todo que nos une e

que temos de observar em sua melhor expressão para que possamos vivenciá-

la.

Somente quando temos coragem para enfrentar as coisas como elas são, sem qualquer autoengano ou ilusão, é que uma luz surgirá dos acontecimentos, pela qual o caminho do nosso sucesso poderá ser reconhecido - I CHING (CHOPRA et al., 2010, p.239).

2.2 – Consciência pura, funcionamento cerebral e benefícios pela

Meditação como sugestão de prática para o autoconhecimento.

Neste subcapítulo dissertamos sobre benefícios da meditação no

desenvolvimento da consciência mais elevada, sua influência na percepção do

self e experiências transcendentais. Há muitas outras maneiras de trilhar o

caminho do autoconhecimento, mas na presente pesquisa escolhemos como

referência para maior aprofundamento, além dos conhecimentos sobre

construção individual do social ao psicológico, a meditação. A meditação pode ir

muito além do que se espera dela no referencial material ou fisiológico e

independe de crenças ou religiões, estando a serviço do bem estar comum de

todos. Aqui nos embasamos em pesquisas do Dr. Fred Travis (2006) e (2014) e

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Tanner et al (2009), neurocientista renomado que há mais de 30 anos se dedica

à pesquisa sobre os efeitos da meditação para melhorar o funcionamento do

cérebro e a saúde em geral, tendo publicado mais de 70 artigos nas melhores

revistas científicas e palestrado em grandes conferências internacionais.

Em suas pesquisas ao redor do mundo, o Dr. Travis usou medições

eletroencefalográficas (EEG) para observar as mudanças no funcionamento do

cérebro que ocorrem durante a prática da Meditação Transcendental (MT). Essa

pesquisa mostra que a MT aumenta a coerência das ondas cerebrais e promove

o funcionamento do cérebro integrado. Vários estudos indicam o

desenvolvimento do Total Funcionamento Cerebral através da prática regular da

técnica da Meditação Transcendental.

A descoberta mais interessante, particularmente para nós, no que se

refere à consciência é à descoberta do que o pesquisador chamou de uma quarta

dimensão no cérebro de pessoas com Transtorno de atenção e hiperatividade

(TDAH), por meio da qual esses conseguem ter senso de self sem conteúdo

mental focado. A psicologia moderna, por sua vez, só aceita e compreende a

consciência (em processo de vigília – acordado), com foco em objeto e tem

dificuldade de compreender, portanto, como o indivíduo TDAH, consegue manter

seu senso de self com ausência desse conteúdo mental focado. Essa descoberta

traz novos olhares para o hiperativo, bem como as possibilidades de ampliação

da consciência por parte dos que não são sobre esses indivíduos.

Um equilíbrio maior para os hiperativos pode ser oferecido pela

meditação, como os benefícios da ampliação da consciência. Em seguida,

explicamos melhor sobre o funcionamento do cérebro e os estados de

consciência alcançados pela meditação.

Travis (2006) explica que a diferenciação dos estados de consciência

está na definição dos padrões mentais quando experiências subjetivas se

excluem mutuamente; esses padrões podem ser divididos em duas dimensões:

presença e ausência de self (consciência real de si) e de conteúdo mental.

Durante o sono a ativação das áreas frontais é reduzida; o autor define essa área

como chefe do cérebro, pois todas as outras áreas enviam energias/informação

para a parte frontal que organiza esses insumos para nossa próxima resposta.

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A finalidade do sono é de reparação do aparelho cerebral, então, enquanto a

área frontal é menos ativa as outras estão em maior atividade (Figura nº 12).

Figura nº 12: Diminuição de atividade parte frontal cerebral durante o sono e outras áreas em

atividade de reparação.

7

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Quando não há tanto sentido de self quanto conteúdo mental estamos

dormindo (Figura nº 13, primeira); e quando não há sentido de self, mas há conteúdo

mental durante o sono, estamos sonhando (Figura nº 13, segunda). Nesse

momento, o senso de self se identifica com as experiências caracterizadas por

experiências oníricas vívidas.

7 Diminuição de atividade na região frontal cerebral durante o sono / O sono é um momento de atividade de reparação do cérebro.

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Figura nº 13: Estados da consciência relacionando conteúdo mental e senso de self.

Aqui dois estados da consciência.

8

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

O autor esclarece que o cérebro durante o sonho é tão ativo quanto no

estado de vigília. As áreas frontais e parietais (atrás) estão menos ativas porque

sua função está relacionada ao contato com o mundo externo, do qual estamos

isolados durante o sono. A figura nº 14 indica em azul a diminuição das atividades

cerebrais e em vermelho as áreas de aumento delas.

Figura nº 14: Atividades cerebrais durante o sono.

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

8As tabelas mostram os estados de consciência relacionando senso de self (autoconsciência) e conteúdo mental (pensamentos). Yes / NO = presença / ausência

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As áreas visuais e do sistema límbico são também extremamente ativas

durante o sonho, estando ligadas a imagens fortes, bizarras e/ou emocionais. O

sistema límbico é uma unidade responsável pelas emoções e comportamentos

sociais e se localiza na superfície medial do cérebro dos mamíferos (Figura nº15).

Figura nº 15: Localização do sistema límbico

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Pesquisamos para melhor entendimento desse sistema, que o termo

límbico corresponde a um adjetivo que dá o valor de relativo ou pertencente ao

limbo, ou seja, remete para o conceito de margem. O Sistema Límbico

compreende todas as estruturas cerebrais que estejam relacionadas,

principalmente, com comportamentos emocionais e sexuais, aprendizagem,

memória, motivação, mas também com algumas respostas homeostáticas.

Resumindo, a sua principal função será a integração de informações sensitivo-

sensoriais com o estado psíquico interno, onde é atribuído um conteúdo afetivo

a esses estímulos; a informação é registrada e relacionada com as memórias

pré-existentes, o que leva à produção de uma resposta emocional adequada,

consciente e/ou vegetativa.

Quando acordamos temos o senso de self com conteúdo mental.

Durante a vigília diferentes áreas do cérebro se encontram ativas para suportar

diferentes experiências racionais, sensoriais e emocionais na relação de ação e

reação ao mundo externo.

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Na figura nº 16, o topo esquerdo está vendo palavras; o topo direito,

ouvindo palavras; o inferior esquerdo, falando palavras e, no inferior direito

gerando palavras; cada coisa em áreas específicas do cérebro.

Figura nº 16: Áreas ativadas no cérebro para desenvolvimento de tarefas diferenciadas.

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

A parte frontal do cérebro aumenta o tempo simbólico de espaço e de

tempo quando experiências concretas se relacionam com valores, memórias e

metas. E para cada experiência as ondas de atividade elétrica que se movem

através do cérebro reforçam as conexões entre os neurônios, o que indica que

a prática fortalece o processo praticado.

O autor nos diz que a experiência muda o cérebro ao longo de toda a

vida e não somente na infância, como se pensava, sendo essa uma visão bem

nova da neurociência. Pensamos aqui, então, que padrões comportamentais,

para serem melhorados e aprimorados devem atentar à compreensão de uma

série de fatores em áreas distintas, da psicologia à neurociência, pois uma não

tem trabalho eficiente sem a outra, já que trabalhamos fragmentos particulares

e diferenciados que se relacionarão com áreas distintas do conhecimento.

Dr. Fred Travis (2011), fez um experimento com um gorila, mapeando as

atividades cerebrais antes do estímulo na ponta dos dedos do animal por 20

minutos por dia, durante 3 meses e, depois (Figura nº17), constatou que após os

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estímulos contínuos, quando o gorila tinha contato com algo através do toque,

mais áreas do cérebro eram ativadas do que antes do estímulo.

Figura nº 17: Áreas cerebrais ativadas antes e depois do experimento.

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Então, talvez possamos interpretar que também os padrões repetitivos

adquiridos na primeira infância e adolescência podem ser modificados e o

caminho do indivíduo pela sua conduta reescrito pelas novas escolhas do ser.

Para comparação de diferenças nas atividades cerebrais o Dr. Travis

analisa o funcionamento do cérebro em Disléxicos e Hiperativos (os TDAH),

adendo importante aqui, já que uma observação no funcionamento do cérebro

TDAH possibilitou a conclusão de algo não aceito pela psicologia moderna: de

que é possível senso de self sem conteúdo mental, sendo esse o mesmo sistema

de consciência atingido pela meditação, o da consciência pura sem referencial a

objeto e, então, mente livre de pré-julgamentos.

Three major themes emerged from this analysis. Sixty-eight percent of the subjects explicitly characterized deep experiences during practice of the Transcendental Meditation technique by the absence of space, time, or body-sense. The other two themes—peaceful (32%) and unboundedness (20%)—implicitly include the lack of boundaries of space, time and body-sense, but further describe the experience when these boundaries were absent. For instance, one subject described the experience of pure self-awareness as: [...] a couple of times per week I experience deep, unbounded silence, during which I am completely aware and awake, but no thoughts are present. There is no awareness of where I am, or the passage of time. I feel completely whole and at peace.” (TRAVIS,. 2006, p.11).9

9 Três grandes temas emergiram desta análise. Sessenta e oito por cento dos indivíduos explicitamente caracterizado experiências profundas durante a prática da técnica da Meditação Transcendental pela ausência de espaço, tempo, ou senso de corpo (percepção de seu corpo). Os outros dois temas: pacíficos (32%) e ilimitação (20%) - incluem implicitamente a falta de limites de espaço, tempo e percepção corporal, mas descrevem ainda mais a experiência quando esses limites estavam ausentes. Por exemplo, um sujeito descreveu a experiência de autoconhecimento puro como: [...] Um par de vezes por semana

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O autor explica que a dislexia é uma doença de desenvolvimento,

enquanto que o TDAH é um transtorno no desenvolvimento entre as áreas

frontais (cerebrais) e a área motora.

Para entender melhor, recorremos às explicações sobre o assunto no

livro Mentes Inquietas de Ana Beatriz B. Silva (2003). A autora explica que no

lobo frontal as áreas responsáveis pelo emocional e pelo racional trabalham

super ativadas e livres. O fluxo de informação chega em maior quantidade e

intensidade, estando a função de ação filtrante que modula esse fluxo diminuída

“ tem-se o cognitivo e o emocional exacerbados na tomada de decisões” [SILVA,

2003, p.102]. Os hiperativos apresentam grande potencial criativo e uma enorme

amplitude de soluções para um mesmo problema. Aprendem com facilidade pela

observação, podendo ser bem eficientes em ação, pela capacidade de criar

mentalmente maquetes virtuais muito eficientes com potencial de antever

situações ainda não experiênciadas, com a referência virtual se for de interesse

emocional dos mesmos.

O importante aqui, contudo, pela observação, do Dr.Travis (2001),

quanto às mentes hiperativas, é que com esse fluxo intenso de informações de

todas as ordens, sensorial, racional, emocional, mais um mediador de

informação trabalhando pouco em relação a ela, o HTDA não regula seu

comportamento. Ele entra e sai do foco de atenção conforme a intensidade de

seus sentidos, trabalhando simultaneamente; e ai está o ponto que, segundo o

pesquisador, nos leva à “quarta caixa” dos estados de consciência: apresenta-

se aí um senso de self sem conteúdo mental.

Intendemos, então, através de Travis (2011), que o hiperativo pode estar

com vários focos simultâneos e nenhum ao mesmo tempo, o que equivale,

talvez, ao conceito de meditação de Osho (2002), segundo o qual observamos,

contemplamos e meditamos alternadamente conforme a necessidade observada

pelo observador, sem seguir regras lineares pré-estabelecidas, mas respeitando

o nosso próprio movimento.

que eu profunda experiência, o silêncio ilimitado, durante o qual eu estou completamente consciente e desperto, mas não há pensamentos presentes. Não há consciência de onde eu sou, ou a passagem do tempo. Eu me sinto completamente inteiro e em paz.

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No início deste subcapítulo relatamos que o estado de vigília (acordado)

tem de ter um estado de consciência (senso de self) mais um objeto, enquanto

que o caso TDAH se opõe à essa definição de consciência ou de estar

consciente.

De acordo com Travis (2006), a meditação nos leva a essa auto-

percepção sem foco em um objeto.

A second reliable marker of this state are skin conductance responses at the onset of breath changes (Travis et al., 1997). This autonomic response is similar to that seen during orienting—attention switching to environmental stimuli that are novel (Sokolov, 1963; O'Gorman, 1979) or significant (Maltzman, 1977; Spinks et al., 1985). These autonomic responses could mark the transition of awareness from active thinking processes to pure self-awareness devoid of customary content. (TRAVIS, 2006, p.10].10

Aquela “mente tagarela” como descreveu Osho (2002) cessa e passa a

observar sem julgamentos, no caso da meditação, e se apresenta à consciência

mais pura, como uma consciência sem conteúdo, um vazio na mente, um silêncio

de paz na mente.

A meditação é um estado de clareza e não um estado de mente. [...] As palavras são as figuras, o silêncio é o fundo. Palavras vão e voltam, o silêncio permanece. Quando você nasceu, nasceu como silêncio – apenas intervalos e intervalos, espaços e espaços. Veio ao mundo com um vazio infinito, um vazio sem limites que trouxe você à vida. E então você começou a colecionar palavras. O vazio é seu ser. [OSHO, 2002, p.20 e 25].

Apesar de Osho (2002) ver consciência pura como estado de clareza e

não de consciência, como Travis (2006), os dois concordam quanto a todos os

benefícios do processo. Dessa perspectiva, a definição por Osho, do ponto de

vista espiritualista, e a de Travis (2006), de um ponto de vista científico, são

coincidentes.

Sobre esse estado de consciência sem objeto de referência ou o quarto

elemento Travis elabora a tabela abaixo (Figura nº18).

Figura nº 18: Tabela com os quatro estados da consciência conforme pesquisa do Dr. Fred Travis.

10 Aqui o autor identifica apresentação de sinais que indicam a mudança do estado de consciência com pensamentos e a pura consciência; apontando como marcador confiável deste estado, respostas condutância da pele no início da alteração da respiração. Esta resposta é similar ao observado enquanto há uma orientação de mudança de atenção para estímulos ambientais que são novos ou significativos.

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104

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Na base direita, dormindo=conteúdo mental (objeto) e senso de self

ausentes; no topo direito, sonhando= objeto presente sem senso de self; no topo

esquerdo acordado= objeto e senso de self presentes; e por fim, na base

esquerda temos a consciência pura= objeto ausente + senso de self presente.

A consciência pura é caracterizada pela ausência de tempo, espaço e

sensação de corpo, com elevada coerência das ondas cerebrais.

O autor diz que para entender esse conceito é preciso visualizar a mente

como tendo uma dimensão vertical (Figura nº 19), semelhante a um copo d’água.

Figura nº 19: Dimensão vertical da mente

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105

11

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Na tabela acima, a bolha menor é o início dos pensamentos, como um

“burburinho”, e à medida que sobe vai encontrando e sendo influenciado por

emoções, lembranças, expectativas e aspirações, até chegar à superfície onde

é observado superficialmente, sem julgamento. E desse ponto em diante pode

continuar em processo de progresso, o que leva ao desenvolvimento das

percepções extras sensoriais, por esse motivo comentamos anteriormente

experiências pessoais dessa natureza.

Fazemos breve observação do ponto de vista de quem é uma hiperativa

e conheceu e experimentou as práticas descritas nesta pesquisa, sendo essas

observações, portanto, fruto de experiências pessoais. Vimos nessa construção

vertical da mente que do início de um pensamento até a superfície da água (topo

– exemplo do copo d’água), antes há uma efervescência nas tagarelices

(experiência própria, inclusive) da mente com uma ampliação pela influência de

outros fatores. O hiperativo estaria no auge das tagarelices mentais, mas, por

apresentar configuração semelhante à da consciência pura pela meditação de:

ausência de objeto + presença de senso de self, penso que talvez estejam a um

passo da superfície. Já as mentes lineares ainda estão no meio de caminho da

bolha e, se considerarmos os detalhes dos princípios de prazer, os recursos de

defesa do subconsciente e a tendência à repetição como consequência deles,

mais as possibilidades de projeção e transferência, então criei um esquema

11 A mente tem uma dimensão vertical. A seta azul indica a localização dos pensamentos e a consciência acima deles.

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106

mental de que a justificativa corrente para se manter na zona de conforto, fruto

desses mecanismos, conforme subcapítulo 1.3, mantém o indivíduo sempre no

meio desse caminho vertical e mais, fazendo um caminho horizontal, se

mantendo sempre na mesma dimensão mental.

Essa nossa maneira de visualizar influenciou muito a construção da obra

artística apresentada como parte deste estudo, com seus vários elementos

refletidos nos espelhos, que podem refletir várias vezes entre si, além de me

acrescentar muitas facilidades na forma de orientar minha mente para

meditação, pois nos facilita criar imagens mentais que induzam nossa atenção

às palavras proferidas, como se nós montássemos um gráfico mental, tanto para

ordenar os pensamentos, quanto para manter a mente consciente. E

compreender melhor, em estágios de tempo livres, nas possibilidades espaciais

sem linearidade, todas as experiências extras sensoriais que experimento desde

a primeira infância, sem poder compreender nem minimamente na época em

que começaram a se apresentar. Descobrimos também que, mesmo para quem

não nasceu com essas particularidades como telepatia, vidência, viagem astral,

vidas passadas, é possível desenvolvê-las, pois quando tive acesso a trabalhos

em grupo de meditação, pude conviver com pessoas que desenvolveram isso

posteriormente. Mas vi mesmo que, antes de tudo, é preciso estar leve e livre de

traumas e egos. As experiências extra-sensoriais acrescentam muito à elevação

pessoal, emocional e espiritual, mas sem resolver os agregados nocivos à nossa

psique de medos e traumas, de regras e condicionamentos que não dialogam

conosco. A confusão interna no caminho pode ser enorme, pois os egos lutam

para sobreviver; e para estar em paz travamos, antes, uma guerra interna. Por

esse motivo fizemos questão de acrescentar a esta pesquisa a formação de

nossas particularidades do ponto de vista semiótico, metapsicológico,

sociológico, até chegar à meditação como recurso sugerido. Assim temos uma

base para encontrar nosso caminho interno respeitando as particularidades de

cada um e, ainda, abrindo possibilidades inúmeras na mente do leitor e

experimentador da obra artística desenvolvida durante todo esse processo de

pesquisa bibliográfica, associada a uma autorreflexão e a uma reflexão

retrospectiva sobre nosso próprio self, para solução de problemáticas pessoais

com o impulso par a criatividade ilimitada que nos afeta.

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107

Vejamos como vai transitando a percepção de si mesmo para quem

inicia a prática de meditação como autoconhecimento, também, ao longo dos

anos em que o faz com frequência. Veremos os não meditantes, os de médio

prazo e os de longo prazo. Compreender isso requer relembrar o diálogo sobre

identidades-personalidades que compõem o sujeito e pelas quais o sujeito se

identifica, apresentado no capítulo 1 desta pesquisa. Tomando a pesquisa de

Travis como base, os indivíduos não transcendentais, de mente não expandida,

entendem seu self como sistema de crença, estilo cognitivo, sentimentos e

regras sociais. Enquanto que os sujeitos MT de médio prazo veem o self

gerenciando essas particularidades e os MT de longo prazo se percebem

independentes delas! Como tabela abaixo (Figura nº20):

Figura nº 20: Tabela do resultado de pesquisa por seleção de tipo de palavras de resposta de questionário dos indivíduos, por software:

Gro

up

Avera

ge Word

Count

Avera

ge Quotations

Tot

al

Cod

es

Superco

des

Non

-TM

554±4

59

9.5 ±

5.0

57

Self is

identified with

thoughts, feelings,

and actions12

Shor

t-Term

850±7

60

9.3 ±

3.2

56

Self is

the director of

thoughts, feelings

and actions13

Lon

g-term

1156

±1180

10.1 ±

6.2

59

Self is

underlying and

independent of

thoughts, feelings

and actions14

Fonte: http://www.drfredtravis.com/CV.html (TRAVIS, Fred. From I to I. 2006)

Entre os não meditantes (Non-TM) há os que dizem estar abertos a

experiências novas, os que querem inovar, os que se veem como seus

sentimentos e dizem gostar de coisas ímpares e diferentes que outras pessoas

não tinham.

Os meditantes de médio prazo (Short-Term), se veem como a própria

consciência, a capacidade de aprender, dividida em níveis (mãe, amiga, irmão,

12 A pessoa se auto percebe (Self) e se identifica por pensamentos, sentimentos e ações 13 Self percebido como diretor dos pensamentos, sentimentos e ações. 14 O Self é adjacente e independente de pensamentos, sentimentos e ações.

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108

filho, esportista, estudante...), o que o representava internamente,

subjetivamente com relação ao mundo externo, de uma forma geral, com uma

observação mais cósmica, do que dia a dia comum.

Os meditantes de longo prazo (Long – Term) veem a si mesmos além de

suas experiências, para além do universo, sentindo uma totalidade em si como

se fossem o próprio universo, vendo em si o “eu” com “eu”, o “eu” com “todos”,

num “eu” penetrante e sem limites, quase sem vocabulário que pudesse

descrever.

Vejamos a seguir os benefícios que se apresentaram aos meditantes na

pesquisa do Dr. Travis.

Em análise de grupo de pessoas experimentando a meditação védica da

Índia (numa média de 4 – 5 anos), tendo foco na atenção superficial de

percepção e pensamento, Dr. Travis identificou maior coerência entre as ondas

cerebrais no estado de consciência, bem como de frequência de pico nos

eletroencefalogramas, de forma que várias partes do cérebro estão em atividade

e, estando em coerência, há maior equilíbrio e compatibilidade simultânea de

trabalho em várias regiões cerebrais, além de fortalecimento das ligações

sinápticas.

A third marker, which is less obvious but has been reported in most studies, is a trend for increasing frequency of the peak power in the EEG. Compared to the period prior to the experience of pure self-awareness, the frequency of peak power of the EEG increases from 0.5 to 1.5 Hz. Fluctuations in frequency of peak power follow fluctuations in alertness. For instance, during sleep 1 Hz EEG is seen, while during very focused tasks 40 Hz EEG activity is reported. The observed increase in frequency of peak power during respiration suspensions could be associated with increased alertness during this experience. These changes in EEG power occur on the background of high global EEG coherence. Coherence represents level of connectedness between different brain areas (Florian et al., 1998; Pfurtscheller, 2001). Higher EEG coherence is associated with higher emotional stability, higher moral reasoning, more inner motivation, and lower anxiety (Travis et al., 2004). Alpha EEG coherence rises to a high level in the first minute of TM practice and continues at that high level through the rest of the session (Travis et al., 1999). Recent research also reports higher frontal/parietal phase synchrony during TM practice (Hebert et al., in press). This unique constellation of physiological patterns is unlike any seen in normal waking, sleeping, or dreaming. [TRAVIS, 2006, p.11]15

15 Um terceiro marcador, o que é menos óbvio, mas tem sido relatado na maioria dos estudos, é uma tendência para o aumento da frequência da potência de pico no EEG (Abreviação para Eletroencefalograma). Em comparação com o período anterior à experiência de autoconsciência pura, a frequência de potência de pico do EEG aumentou de 0,5 a 1,5 Hz. Flutuações da frequência de potência de pico acompanham as flutuações no estado de alerta. Por exemplo, durante o sono 1 Hz EEG é visto,

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109

O pesquisador observou o estado de consciência da mente como

estando na base dos estados de vigília, sono e sonho e, principalmente, que

pode se integrar a estes não sendo, portanto, somente um subjacente. Quando

essa integração acontece é amplia a capacidade de solucionar problemáticas de

várias ordens e naturezas.

Repeated experience of the state of pure self-awareness alternated with customary waking activity gives rise to a new integrated brain state in which pure self-awareness co-exists with waking, dreaming and sleeping (Maharishi Mahesh Yogi, 1969; Travis et al., 2002). In this new integrated state, pure awareness is experienced as a foundational state that gives rise to ongoing experience (Maharishi Mahesh Yogi, 1969). It is analogous to the vastness of the ocean that is not lost with each rising wave of daily life. Research has identified physiological and phenomenological markers of this integrated state during sleep and during problem solving.” (TRAVIS, 2006, p.13).16

O sono também ganha em qualidade para reparação de células e

desgaste cerebral, como ficou sugerido pela pesquisa.

All subjects appeared to have similar requirements for the restorative value of sleep, which recent research suggests is for cellular repair following normal day-to-day wear and tear on the brain (Huber et al., 2004).([TRAVIS, 2006, p.15).17

O autor identificou que, com o passar dos anos de prática de MT, a

relação de autoconsciência pura com os estados de vigília, sono e sonho ia se

apresentando cada vez mais frequente; já em torno de 25 anos de práticas de

enquanto que durante tarefas muito focadas 40 Hz atividade EEG é relatado. O aumento observado na frequência de potência de pico durante suspenção da respiração poderia ser associado ao aumento da vigilância durante esta experiência. Estas alterações no poder de EEG ocorrem no fundo de alta coerência EEG global. Coerência representa o nível de conectividade entre as diferentes áreas do cérebro. Maior coerência EEG é associado com maior estabilidade emocional, raciocínio moral mais elevado, mais motivação interna e menor ansiedade. Coerência de ondas Alfa EEG sobe para um nível alto no primeiro minuto de prática TM e continua a este nível elevado através do restante da sessão. Pesquisas recentes também relatam maior sincronia na fase superior/parietal durante a prática TM. Esta constelação única de padrões fisiológicos é diferente de qualquer uma vista em vigília normal, dormindo ou sonhando. Ondas Alfa (8 – 12 Hz), caracteriza relaxamento, mediação, mente clara e tranquila, aprendizagem acelerada, visualização.... 16 Experiência constante do estado de autoconsciência pura alternado com atividade de vigília habitual dá origem a um novo estado cerebral, integrado, em que a autoconsciência pura coexiste com vigília, sonho e sono. Neste novo estado integrado, consciência pura é experimentada como um estado fundamental que dá origem a experiência em curso. É análogo à vastidão do oceano que não se perde com cada onda crescente da vida diária. A pesquisa identificou marcadores fisiológicos e fenomenológicos deste estado integrado durante o sono e durante a resolução de problemas. Apresentou-se uma melhora no sono, na solução de problemas cotidianos, observando-o com mais simplicidade e melhoras consideráveis na estrutura fisiológica dos meditantes. 17 As pesquisas sugerem que o sono serve para que possa ser feita a reparação das células do desgaste cerebral do dia a dia, sendo assim, o bom sono, torna esse processo de reparação muito mais eficiente. Mantendo as regiões do cérebro mais saudáveis para execução de suas tarefas.

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110

MT a experiência de autoconsciência passou a ser contínua ao longo de

atividades diárias.

Você leitor pode pensar: Como estar sem pensar nada com tantas

tarefas para cumprir ao longo do dia e, ainda, enquanto na prática delas? Explico:

É como se os pensamentos não “aderissem à mente” eles vêm e vão conforme

necessidade de observação, mas não ficam se estendendo em burburinhos

mentais para além disso; e o principal disso é que não há julgamentos com

relação a nada, há somente cálculo de escolha e consequência para definir uma

ação, além de uma profunda integração do indivíduo com o todo (mundo interno,

externo e universo), como explicamos na tabela acima. É o contemplar, observar

e meditar naturalmente, como descreveu Osho (2002), se permitindo viver cada

momento aqui e agora e sentindo o movimento natural dos acontecimentos e

suas consequências.

Travis (2006) observou que também é ampliada, ao longo do tempo, a

capacidade de descrever experiências subjetivas e que a experiência da

consciência transcendental é responsável pela continuidade de ações com

consciência (termo conceituado anteriormente) como subproduto. Outro fator

positivo é o aumento de atenção plena que, por sua vez, descobriu-se associada

ao bem estar psicológico: “[...] whereas mindfulness was positively correlated

with self-rated physical health, self-esteem, and satisfaction with life.” 18[TANNER

et all. 2009, p.19].

O autor também transcreve que as experiências transcendentais

(TRAVIS, 2014) promovem maior desenvolvimento humano, proporcionando

maior integração do cérebro, diminuição da ansiedade durante tarefas

desafiadoras e maior estabilidade emocional. Um estado integrado entre auto

consciência, vigília, sono e sonho é chamado consciência cósmica na tradição

Védica. A relação sujeito/objeto durante essas experiências é caracterizada por

ausência de espaço/tempo/corpo/sentido, bem como por ausência da estrutura

que dá sentido às experiências de vigília. Na transcendência é apresentado um

estado não dual segundo o autor, o que significa que não há certo X errado, bom

18 Mindfulness (atenção) foi positivamente correlacionada com a autopercepção de saúde física, a auto-estima e satisfação com a vida

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111

X mau, há somente escolha e consequência, que é possível por transcender

processos cognitivos e afetivos.

Na meditação transcendental repete-se um mantra continuamente até

que a mente pare de observar sentido na palavra ou significado e seja apenas

som. Outra característica é a sincronização do mantra com a respiração. Esse

tipo de meditação faz parte do modelo Védico usado pelo autor em suas

pesquisas, que pude experimentar em retiro, sendo este de origem Tantra e não

Védico, com Monge Indiano Acharya Jinanananda (Dada, como gosta de ser

chamado), nascido no Congo e praticante de tantra Yoga desde 1986, que com

larga experiência adquirida em 11 anos de trabalho no sudoeste da Ásia, atua

no Brasil desde 1999, divulgando o Neohumanismo, o Tantra Yoga (meu objeto

de interesse), o vegetarianismo e o Prut, oferecendo uma visão de futuro

sustentável para todos. Meditamos entre várias palavras e seus significados, em

“Baba Nam Kevalam”, sendo que no literal, baba significa pai, nam nome e

kevalam somente. Seu significado é, porém, bem mais profundo, pois cada uma

dessas palavras tem outros significados; o contexto geral pode ser

compreendido como “somente existe o amor”, amor em deus”, “somente o nome

do pai supremo”, “supremo amor do pai”, entre outras. Agora tente juntar todas

essas sentenças e poderá ter ideia de sentido, mas não definição em palavras.

Também há o modelo que conheci pelo budismo (que divido com vocês abaixo

e com os experienciadores da instalação artística proposta), onde há uma

repetição de sentenças e não de palavras, em sincronicidade com a respiração,

que vai orientar a mente até seu estado natural de pura consciência.

Encontrei nessas pesquisas do Dr. Travis grande identificação com

minhas experiências:

Transcendental Meditation practice can be superficially described as thinking or repeating a mantra—a sound without meaning—and going back to it when it is forgotten.21 A person with this understanding might maintain that thinking a mantra and experiencing pure self-awareness are mutually exclusive. They are right. In pure consciousness there can be no shadow of thought or individual intention. Other mantra meditations involve keeping the mantra in awareness, linking the mantra with our breath, or thinking about the meaning of the mantra. These would be counter to the process of transcending. The TM technique does involve a mantra; but TM is a process of transcending perception of the mantra. Transcending means appreciating the mantra at “finer” levels in which the mantra becomes increasingly secondary in experience, ultimately disappearing, and self-awareness becomes primary.9, 22 Silence, expansion and evenness begin to dominate awareness, while mental activity decreases in intensity and frequency,

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112

and ultimately ceases. Transcending is automatic, conducted by the natural tendency of the mind.9 Transcending must be an automatic process. Any intention or individual directing of the mind leads to increased activity in a localized area—the mind cannot transcend. Maharishi Mahesh Yogi, who brought the TM technique to the West, described pure consciousness in this way:9 The state of Being is one of pure consciousness, completely out of the field of relativity; there is no world of the senses or of objects, no trace of sensory activity, no trace of mental activity. There is no trinity of thinker, thinking process and thought, doer, process of doing and action; experiencer, process of experiencing and object of experience. The state of transcendental Unity of life, or pure consciousness, is completely free from all trace of duality. (p.222). (TRAVIS, 2014. p.5).19

São inúmeros os benefícios da prática de meditação para saúde do

corpo e da mente. E tendo as práticas de meditação relação direta com mente,

pensamentos, ordenação mental e emocional, todos esses caminhos que

percorremos nos capítulos anteriores consideramos escolha apropriada para

compor o esqueleto da obra de instalação, fruto desta pesquisa. Este subcapítulo

compartilha potenciais desenvolvidos pela prática de meditação védica do Dr.

Travis, mas deixamos como adendo uma sugestão de meditação da Seicho-no-

ie, que é uma vertente da filosofia budista, chamada meditação Shinsokan (que

já experienciamos), (ver figura 18 e 19), com as devidas orientações do Prof.

Masaharu Taniguchi, líder religioso japonês fundador da Seicho-no-ie (vista

como filosofia e não religião, que tem adeptos exclusivos bem como atende

pessoas de várias outras crenças). Sugiro um mantra de palavra a escolha do

19 A pratica da Meditação Transcendental pode ser superficialmente descrita como ficar pensando ou repetindo um mantra até que a palavra perca o sentido e seja esquecida. Uma pessoa com esse entendimento pode sustentar o pensamento de que o mantra e a experiência de consciência pura são mutuamente exclusivos. Estarão corretos. Na consciência pura não há qualquer sombra de pensamento ou intenção individual. Outras meditações em mantras envolvem manter o mantra na consciência, associando o mantra à respiração, ou pensando no significado do mantra. Isto poderia ser contrário ao processo de transcendência. A técnica TM envolve um mantra; mas é um processo de transcender a percepção do mantra. Transcender significa apreciar o mantra em nível sutil onde o mantra começa, cada vez mais, a ficar secundário na experiência, finalmente desaparecendo e mantendo a autoconsciência como primordial. Silêncio, expansão e uniformidade começam a dominar a consciência, enquanto que a atividade mental diminui de intensidade e frequência, e, finalmente cessa. Estar transcendendo deve ser um processo automático, realizado pela tendência natural da mente. Qualquer intenção ou direcionamento individual da mente leva ao aumento da atividade em uma área localizada, em que, a mente não pode transcender. Maharishi Mahesh Yogi, que trouxe a técnica da MT para o Ocidente, descreveu a pura consciência desta forma. O estado de Ser é um dos estados da consciência pura, completamente fora do campo da relatividade; não existe um mundo dos sentidos ou de objetos, nenhum traço de atividade sensorial, nenhum traço de atividade mental. Não há trindade do pensador, processo de pensamento e pensamento, executor, processo de fazer e ação; experimentador, processo de experimentar e objeto de experiência. O estado de unidade transcendental da vida, ou consciência pura, é completamente livre de qualquer traço de dualidade.

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113

meditante, para quem não tem experiências anteriores, anteriormente à prática

Shinsokan, por ser bastante favorável a melhora de concentração para essa

posterior prática de sentenças, não sendo impreterivelmente necessário,

entretanto.

Deixo sugestão que aprendi com o monge: não é necessário que procure

uma palavra indu ou budica, mas uma que esteja em seu interesse ou

necessidade, como por exemplo: “amor, amor, amor, amor....”, “luz, luz, luz, luz,

luz....”, “sol, sol, sol, sol...”, pois depois de alguns minutos repetindo a palavra

perderá sentido e a percepção a observará de outra forma como som ou

frequência de onda. Outra observação (Dada) é quanto ao tempo de dedicação,

é ideal que seja feita diariamente, mas o monge atenta que é melhor fazer três

vezes por semana, ou 5 a 10 min, por dia que não fazer. Apesar de não ter muita

eficiência, pouco tempo pode ir despertando o hábito gradualmente e facilitando

o processo diário.

Estarão disponíveis também no espaço da obra 200 impressos dessa

prática, para que os “meditantes” possam levar para seu dia-a-dia e experimentar

os benefícios mencionados, que para serem desenvolvidos precisam de

disciplina diária, sendo a obra então concebida como um convite atraente e inicial

à prática da meditação, oferecendo-se assim como um modo de a artista

estender e compartilhar experiências vividas e transformadoras de si mesma,

ciente de que as suas experiências, ainda que fortemente individuais, têm um

fundo universal que as teorias abordadas aqui ajudam a compreender.

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Figura nº 21: Meditação Shinsokan 1

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves

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Figura n º 22: Meditação Shinsokan 2

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves

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CAPÍTULO 3 – PROJETO E OBRA – IDÉIA INICIAL E SUAS

MODIFICAÇÕES

O interesse inicial desta pesquisa partiu de outra pesquisa que vinha

fazendo há alguns anos, com o intuito de me autoconstruir e resolver padrões

repetitivos que identificava em meu meio familiar, bem como de superar

dificuldades de confiança e relacionamento social, incomuns na minha forma de

agir, visto que passei a convive-las depois de certo período da vida.

Este capítulo trata tanto da obra plástica nos projetos iniciais, quanto das

modificações realizadas até execução final, quanto dos bastidores do

desenvolvimento teórico, que se distanciou bastante da pesquisa inicial pela

necessidade de preservar a qualidade do mesmo, sendo necessário maior tempo

de pesquisa, para seguir um caminho de estudo que aborda diferentes áreas

relacionando-as, conforme foram percebidas como complementares.

A obra plástica foi a parte que mais sofreu modificações em relação ao

meu interesse inicial. A pesquisa teórica teve força maior no desenvolvimento

deste projeto, porque para mim desde conhecimentos anteriores à faculdade, o

conhecimento linguístico vem antes que o visual, explicita e exemplifica melhor

seu conteúdo. Toma como um interesse particular ser clara tanto para indivíduos

com formação superior quanto para pessoas com menor grau de

desenvolvimento educacional institucional.

Falar em educação pela arte, arte-educação ou em autoeducação pela

arte significa pensar em atender a interesses coletivos considerando a

individualidade humana além das fronteiras institucionais, sociais, egoísticas e

competitivas. Do ponto de vista desenvolvido aqui, o primeiro interessado em se

autoconstruir deve ser o próprio artista, para que possa realmente trazer

modificações sólidas e efetivas, às pessoas com as quais sua arte interage.

3.1 - Pesquisas: detalhes e observações sobre escolhas de conteúdo

teórico, desenvolvimento do projeto e minha relação particular com a obra

na experimentação dos processos envolvidos na pesquisa.

b) PROJETO TEÒRICO

As relações entre conhecimentos teóricos são fruto menos de uma

análise sintética do assunto e mais fruto do modo como minhas experiências de

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117

vida me levaram a relacioná-las. Uma característica especial deste trabalho é de

que faço aqui relação entre conhecimentos oriundos de áreas da ciência

(metapsicologia, psicologia cognitiva, semiótica e neurociência) e de “filosofias”

consideradas não científicas, como as práticas espiritualistas, em particular as

orientais de estudo da meditação através de Osho e observações para

construção interna do indivíduo de Chopra et All.

Início a presente proposta comentando particularidades a meu respeito,

a deixar explícito que não se trata simplesmente de situações de conhecimento

teórico para mim, mas também de situações vivenciadas, tanto nas

problemáticas quanto nas soluções. Essa dupla vivência, fez delas, acredito eu,

mais acertadas e intensas no seu desenvolvimento.

Padrões de conduta em meu meio familiar como pré-conceitos e, uma

visão de vida baseada quase que exclusivamente em construir uma vida com

base em recursos materiais sem considerar minha pré-disposição, afinidade ou

dom, em algumas escolhas na vida como, profissão por exemplo, visão essa,

baseada no medo do desconhecido, pois define a vida dentro do quesito

sobrevivência (pagar contas e conseguir uma posição admirável no padrão

coletivo social, sem considerar minha relação dia-a-dia com tal escolha), bem

como pouca tolerância quanto à diferenças, identifiquei como padrão repetitivo

a partir do momento que tive contato com as experiências que tiveram esses

familiares mais próximos a mim, com sua família de origem, que por sua vez

tinham os semelhantes padrões de conduta e pensamento. Eu, não sentindo

conforto, confiança ou adequação a esses padrões, passei a reagir ao longo do

tempo, com agressividade e indiferença a meu meio familiar, passando cada vez

menos tempo no ambiente e evitando ao máximo qualquer proximidade de

convivência. Essa minha reação por sua vez, tendo acontecido no auge de minha

adolescência, se manifestou de forma tão bruta e rápida, que a distância que

começou a se apresentar não permitiu que eles me conhecessem de fato, me

observassem realmente. Como eu era? Porque eu era? Juntamente com todas

as mudanças que se construíam em mim, e menos ainda eles se manifestavam

muito interessados, pois eu via que ali a referência de viver era o viver do outro,

e não nossas particularidades em expansão contínua de construção, que por sua

vez, mantinham o ambiente geral familiar sempre caótico, não deixando espaço

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118

para que pudessem perceber sequer a origem de suas suposições acerca da

vida. Desta forma, criaram com o passar do tempo a imagem de mim, a partir

dos poucos minutos de convivência que tinham comigo, mais conveniente a

justificar minha conduta bem como manter seus padrões repetitivos protegidos.

Nesse momento eu que já não tinha referências, pois as que me foram

apresentadas não faziam sentido à minha forma de observar a vida, perdi

qualquer possibilidade de referência, nem que fosse com fragmentos daquela

base emocionalmente caótica e de ambiente ora agressivo, ora indiferente e

sempre desunido. Cabe ressaltar que vivenciei extremos emocionais, pois se por

alguns eu conheci a indiferença, por outros eu conheci o excesso de zelo, o que

me permitiu vislumbrar como seria o equilíbrio, o meio. Apesar da primeira

infância, conturbada, cada um à sua maneira me passou bons valores e

fortaleceu em mim um senso ético muito forte, minha maior dificuldade foi,

apesar de saber de tudo isso, com o passar dos anos não ver isso sendo aplicado

por eles, com convicção em ações cotidianas, principalmente no ambiente

familiar, conforme me ensinaram. Estavam presos aos padrões pretéritos de

família e muitos padrões sociais. Tive que escolher. Escolhi o que aprendi e

compreendi como sensato, mais do que o que vi dentro das conveniências nas

ações de cada um. Principalmente escolhi tentar compreendê-los sem esperar

que me compreendessem. E meu ponto de partida foi me compreender primeiro,

a fim de que pudesse no mínimo ter mais confiança em defender minhas

particularidades não aceitas e sempre em questionamento.

Nesse momento iniciei uma busca difícil, dolorosa e ao mesmo tempo

maravilhosa, para construir minha própria base de referência, e fortalecer minhas

convicções positivas, com o campo imensamente ampliado que a vida e, as

diferenças podem oferecer, indo muito além da referência familiar.

Durante o caminho percebi que, em alguns aspectos, como confiança, a

forma como me percebo, a minha capacidade de correr riscos, inovar em

soluções variadas para solucionar problemas do dia a dia, que sempre se

manifestaram de forma eficiente em minha relação com ambiente social até a

primeira infância, passaram a se apresentar de forma danosa em minha vida se

agravando a partir da adolescência. Percebi que necessitava buscar muito mais

recurso emocional para resolver pequenos problemas, do que outras pessoas

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119

que cresceram em ambiente mais equilibrado e unido. Identifiquei que, por mais

que eu quisesse melhorar algo em mim, só o quere não bastava, pois eu

precisava “deletar”, “destruir” os padrões que ecoavam em minha mente,

absorvidos ao longo de tantos anos, para que qualquer reprogramação mental e

emocional positiva pudesse se manifestar. Não foi tarefa fácil.

Essa minha observação de minhas intensões, conduta e pensamentos

conflituosos foi determinante para que eu começasse um aprofundamento

teórico com tudo que se relacionasse com a forma com nós, indivíduos, somos

construídos ou vamos nos construindo até o que manifestamos no presente, bem

como em solucionar os problemas, pois para tal eles precisam estar à luz da

consciência, na sombra do inconsciente pode-se perder detalhes valorosos de

nossas experiências que precisam ser desconstruídos para que o melhor de nós

possa se expressar. Criando uma analogia seria o mesmo que destruir uma casa

para construir outra em seu lugar, que é o início do processo de

autoconhecimento e parte mais dolorosa dele, ou colocar a casa em reforma.

Mas nossa reforma interna, precisa ser feita ao longo de toda à vida, já que

durante todo este período estamos expostos a todo tipo de informação e

experiência.

Além da necessidade de equilibrar os conflitos emocionais e mentais de

ambiente caótico no meu cotidiano, precisava compreender também,

particularidade que trago de nascimento, com relação a experiências

consideradas fenomênicas ou extrafísicas, que manifesto desde a infância,

tendo convivido com elas com mais profundidade minha avó materna, por ser a

única pessoa aberta a me orientar em tais questões, ou pelo menos me ouvir e

incentivar a extrair o mais positivo delas. Apesar de manifestar nitidamente, certo

receio ao interesse em me aprofundar em tais experiências e me trazer alguns

conflitos pelo mesmo motivo.

No período não consegui compreender tais manifestações como,

telepatia, experiência fora do corpo, previsões de coisas que estavam por vir,

lembrança de vidas passadas, entre outras, que no Kardec são chamadas

mediunidade, pois naquela época não havia tido contato com nomes e conceitos

específicos da metafísica, espiritualista e afins, assim como não tinha procurado

por isso. Venho de base católica, então apesar de tudo ser vivido, não tinha

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120

nomes explicáveis pra mim e até aquele momento o pré-conceito e o medo do

desconhecido por parte da maioria das pessoas era enorme no que se referisse

a essa questão. Era difícil conversar com qualquer um sobre isso, o

desconhecimento do assunto e o medo do desconhecido, talvez, levavam as

pessoas a evitar o assunto.

Também não havia porque buscar pois estava em equilíbrio interno e

havia sido, pra mim, desde a infância, muito natural, todas esses sentidos

incomuns à uma grande maioria, na época, sentidos estes que me ajudavam a

solucionar rapidamente problemáticas internas e externas com muita facilidade,

além de por vezes ampliar meus sentidos mais comuns, os cinco sentidos. O

fato de esses sentidos “extras” terem relação com minhas percepções mais

comuns, acabou por ampliar muitíssimo os problemas emocionais, pois os

sentidos “extra-sensoriais” também começaram a necessitar de equilíbrio e

conhecimento mais aprofundados, precisaram ser trabalhados por estarem

sofrendo influência das minhas percepções e sensações comuns.

O máximo que tive quando criança foi o treino mental, que me colocava

para fazer às vezes: eu ficava radiante, pois sempre acertava. Era um jogo

sugerido por um livro chamado Poderes da Mente da Editora Abril (ver fig. 20),

que falava sobre conexão quântica, Xamãs, dimensão sensitiva, sonhos,

espectros sensoriais da natureza entre várias outras coisas. Mas, aos 5 anos eu

me concentrava nos joguinhos, esses realmente me interessavam, e havia um

dentro do livro sobre telepatia. Vinham 28 cartas com figuras diferenciadas. Duas

pessoas pegavam cada uma, uma carta e olhando fixo nos olhos uma da outra,

tinham que tentar acessar o pensamento da outra para “ver” o que essa estava

vendo na carta. Então, se minha irmã estava com uma carta na mão ela olhava

e eu acessava o que ela estava observando e tinha enorme número de acertos,

quando eu não acertava, ela me dizia: “essa não foi a carta que escolhi, mas a

última figura que olhei no livro foi essa! ”. Cada carta tinha uma figura diferente.

Nós já sabíamos todas. Difícil ficava quando o pensamento era focado em

imagem nunca vista antes, pois nem sempre a pessoa consegue focar só a

imagem, e o pensamento vem sujo e a imagem desconexa. Aconteciam

naturalmente.

Figura nº 23: Livro de prática da primeira infância da autora

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121

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Só quando, depois da adolescência, que comecei a manifestar padrões

familiares danosos à minha saúde física, psíquica e de ambiente é que me

interessei e “dar nome aos bois” e em conhecer todos os nomes e conceitos. Só

muito anos depois fui conhecer teóricos. E mais alguns anos adiante, na

faculdade é que me interessei a escrever sobre eles, associando as idéias

desenvolvidas por eles com aquelas que eu própria havia desenvolvido a partir

de minha experiência de vida.

Começou com estudos que partiam de conceitos religiosos controversos

à cerca do mundo e das sugestões por meio das instituições religiosas de

padrões de conduta e da forma como deveríamos, segundo cada uma, nos

observar perante a essência criadora e o universo juntamente com pesquisas

históricas sobre os mesmos assuntos e seus períodos. Onde foi possível

identificar, por exemplo, que a seleção e organização das escrituras antigas que

compõem alguns livros religiosos, obedeciam a interesses políticos do período,

e que várias outras escrituras que haviam sido excluídas de tal organização,

mudariam em muito a interpretação que fazemos hoje desses fragmentos

selecionados (esses manuscritos e essa observação vem de historiadores da

área). Ou seja, neste momento de minha vida, passei a questionar e experiência

ao máximo o que eu entrava em contato. Vejamos neste caso que cito, o

responsável por passar adiante o conhecimento religioso é o próprio homem,

que tem suas limitações e fraquezas, bem como, interpretações que só são

possíveis a partir do conhecimento que possua e da liberdade mental que se

permita. Ou seja, a compreensão das coisas da vida e da morte serão sempre

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122

individuais e intransferíveis. Perguntas como: “Porque tal fulano consegue ver

espíritos e eu não? ”, “Existe reencarnação? ”, acredito serem perguntas a se

fazer a si mesmo, jamais ao outro. Não precisamos de nenhum pesquisador

assinando embaixo, para considerarmos que das leis e recursos do universo, o

homem sabe quase nada e ainda tem muito a descobrir sobre sua própria

natureza.

No ensino médio comecei a relacionar conceitos de matemática e física

sobre planos, tempo, aceleração e visão espacial de plano, dentro das duas

matérias. Em 1999, tive contato pela primeira vez com teorias que explicavam

exatamente o que eu supunha anos antes: A Teoria das Supercordas. Tudo o

que pensava e escandalizava as pessoas com quem eu conversava estava ali

anos depois, defendido por um físico de quem eu nunca ouvira falar (naquela

época abrir a mente para conhecimentos metafísicos, metapsíquicos e,

principalmente, espiritualistas, era motivo de muita crítica e até de médico; às

vezes, era mesmo para “me acabar de rir” o medo do desconhecido nos olhos

das pessoas e a necessidade de todos de se provar o que é dito, sem considerar

as novas e maravilhosas possibilidades de observação de nossa natureza, que

elas possam trazer. Mas havia também, aquelas pessoas que embora com

medo, tinham uma curiosidade, que me faziam questionamentos e que

acabavam por me indicar novos caminhos. No final simplesmente percebiam que

já consideravam tais possibilidades, mas, talvez, não se aceitassem por que

estavam buscando sempre a aceitação do outro, eu inclusive, principalmente por

parte da família. A partir desse momento fui me aventurando em todas as

vertentes do conhecimento que se relacionassem com comportamentos, ideais,

emoções, traumas, crenças, que formam personalidades ou, por vezes,

controlam personalidades em massa, personalidades essas que, por sua vez,

gerenciam ações num processo imediatista, autoprojetor e, às vezes, repetitivos.

Mas, meu interesse maior no início eram os traumas graves, sendo que ao

longo desse processo percebi que o caminho de construção e desconstrução de

traumas graves era o mesmo para identidades pouco tolerantes, preconceituosas ou

simplesmente não maleáveis e autoritárias. Quanto as práticas espiritualistas,

vivenciei Umbanda, Kardec, Gnose, Seicho-no-ie (que conheci a convite de meu

padrasto José Irany a quem tenho imensa gratidão), Tantra e Budismo: apesar de ser

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123

de família de base católica me senti muito mais à vontade com os conhecimentos

espiritualistas, principalmente a partir das filosofias orientais, por seu conteúdo teórico

bem organizado em conjunto com as práticas. Em 2010, já no do curso de Artes,

quando me vi tendo que escolher uma pesquisa para conclusão de curso, foi inevitável

que eu continuasse o caminho que comecei lá atrás, pois meu foco nos últimos anos,

até por uma necessidade particular de me livrar de traumas graves de infância e

adolescência, havia sido este. Agora, porém, com o acréscimo das referências que

tive que atualizar às minhas vivências, pois no começo meu interesse não era passar

a outras pessoas. Essa busca dos conhecimentos de base, os primeiros com os quais

tive contato, me trouxeram caminhos novos; e minha ansiedade em me aprofundar

em cada um deles acabou se estendendo, ampliando demasiadamente a pesquisa

inicial e tornando-a muito complexa. Precisei de um ano, só para organizar até estar

bastante satisfeita com o mergulho que fiz em cada uma delas: neurociência, física,

física quântica, metafisica, biogenética e, mais um pouco para selecionar quais os

conhecimentos eu apresentaria nesta pesquisa.

Tive novos acréscimos quando a colega de curso, Liege Dreyer foi convidada

a conhecer A Homeostase Quântica da Essência, do terapeuta em formação Sérgio

Ceccato, me estendendo o convite. O tema tratava de boa parte das questões que eu

já conhecia pelas experiências espirituais, principalmente budista e tântrica, que têm

em sua base o controle da mente pela observação presente e consciente das coisas,

gerando realidades curativas do ponto de vista material ao psicológico. A homeostase

pontuava novas formas de aplicação terapêutica, tendo como base os mesmos

conhecimentos, no tratamento doenças graves, através da limpeza de traumas e

condicionamentos pela expansão da consciência, por meio de comandos verbais de

indução mental (frases especificas identificadas depois de muitas experimentações,

que dão acesso direto à consciência de base das informações armazenadas pelo

indivíduo e que desencadeavam acesso ao subconsciente e consequentemente ao

registro das experiências gravadas protegidas pela psique nesse departamento mais

obscuro de difícil acesso e pouca atividade).

Não me aprofundei, nessa pesquisa, nesse caminho homeostático, apesar de

estar vivenciando inteiramente e continuamente o processo, de forma tanto prática

quanto teórica: mas trato, até onde for pertinente, dos conhecimentos e práticas

búdicas e tântricas que experiênciei. Esses comentários pretendem incitar seu olhar,

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124

observador, desde já, à forma como funcionam as divisões de informação do

consciente e do subconsciente e sobre sua seleção, conhecimento de suma

importância para quem busca aprofundamento em si, a tal ponto que o equilíbrio

interno supere qualquer turbulência externa ou, pelo menos possa desenvolver auto

controle e tranquilidade diante das adversidades, bem como oferecer uma educação

cada vez mais acertada a seus dependentes, seja familiares ou institucionais.

Esta pesquisa, então, concentrou seu foco na necessidade do

autoconhecimento, tanto por parte do público das artes quanto do artista produtor,

considerando principalmente que se tenha em mente que o óbvio não é absoluto, e

sim relativo ao conhecimento e às informações que cada um carrega em si e, sendo

assim, é muito importante saber prever as possíveis identificações que o interlocutor,

em vários graus de conhecimento, pode fazer da imagem. É importante usa-la com

responsabilidade consciente da influência que exerce sobre o outro, amplificando a

emoção dos mesmos através de lembranças e informações que são acessadas no

contato com a obra. Não me limitando a isso, percebi também que o conhecimento

por meio de linguagem escrita deve ser considerado parte importante em obras

quando a mesma já tem um conteúdo de direção de pensar determinada mas muito

abstrata, para que todos do menor ao maior grau de conhecimentos sejam

institucionais ou não possam se sentir igualmente inteirados com a obra e possam se

observar e conseguir observar também, isoladamente as intenções do autor da obra.

Por exemplo, um texto explicativo ou sugestivo acerca de possíveis formas interpretá-

lo, ou ainda melhor, mais sugestivo e menos óbvio para não quebrar a magia da obra,

uma lista de perguntas, que possam orientar os pensamentos de pessoas menos

instruídas e menos acostumadas a inter-relacionar conhecimentos e formar opinião

própria acerca das coisas, podendo assim também, talvez, estimular essa prática no

cotidiano do observador, mesmo que inconscientemente. Assim, estamos

colaborando com a formação de opinião e não só armazenagem da opinião alheia.

Para isso, precisamos entender como funciona nossa absorção de

informações, os mecanismos da mente, e ampliar nossa visão de mundo, de

tempo e espaço, das diversas realidades das mentes humanas, suas verdades

individuais e, principalmente, precisamos entender a nós mesmos,

individualmente.

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125

Como a pesquisa inclui experiências próprias, cito aqui também, a

Seicho-no-ie, uma vertente filosófica do budismo nos diz que a matéria é criação

ilusória de nossa mente, ainda em começo do processo evolutivo do mundo

fenomênico que vivenciamos. A Seicho-no-ie entende como fenomênico a

experiência da matéria, sendo assim a mente gera a realidade, não sendo um

instrumento de percepção do mundo que vivemos, mas o que o cria dentro de

nossa realidade dimensional. E que a realidade mesmo, só passa a existir

conforme vamos acessando a consciência mais próxima da nossa essência

divina. Experimentei mudanças sólidas, de ação e matéria, pela mudança de

meus padrões mentais. Descobri que não há sombras, trevas, demônios,

sofrimentos e doenças isso é somente a ausência da luz. E na ausência da luz

(onde mora a verdade divina da pureza e perfeição originais), a mente,

principalmente as mais longes da consciência e mais escravas do

subconsciente, por não ter domínio das paixões, começa a criar fenômenos que

venham confortar, ajudar a aceitar realidades dolorosas num círculo vicioso

contínuo. E você se pergunta, mas como assim? Vejo o sofrimento na tevê, no

vizinho, na minha casa, e crio isso com a mente e a doença então? De certa

forma, sim! Nós não podemos evitar a conduta danosa alheia, todos têm direito

à sua escolha, mas podemos evitar o fruto da mesma, assim temos que melhorar

primeiramente nossa própria conduta, instruir aqueles sobre nossa

responsabilidade nesse caminho de seu reino interno. Sem esquecer que o reino

de seu filho não é o seu, os caminhos dele também não! Suas experiências de

vida podem ser suas referências, mas jamais determinantes; só ele é capaz de

gerenciar corretamente o reino dele e se você o invadir só prejudicará em vez de

colaborar. Isso vale para o respeito entre todos os reinos, não só entre mãe e

filhos.

A doação de experiência deve ser despretensiosa e cheia de amor, caso

contrário jamais será doação. E doação não é caridade, nesse caso é reflexo do

amor incondicional por alguém, onde o prêmio é a paz e a satisfação pela própria

ação. E, conforme andamos nesse caminho, vamos naturalmente nos afastando

de pessoas de natureza desonesta, ou bloqueando seu acesso a nosso reino,

caso seja inevitável conviver com eles em situação de trabalho, faculdade ou

escola. Esse foi meu maior aprendizado nesse período. Bloquear essas pessoas

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126

sem apego, medo ou ressentimento. Simplesmente escolhendo o que dialoga

com meu reino. Aceitando e vivendo o melhor de mim e do outro que dialoga

comigo. Nem sempre é tarefa fácil. E a doença? Descobri sua relação direta com

as informações emocionais danosas no subconsciente. Isso será base sólida de

construção da continuidade desta pesquisa.

Lembram-se da catexia quirense de Freud? Pois então, recebendo

energia danosa ao nosso sistema continuamente, geramos reflexo semelhante

na tentativa de autoproteção; mas sendo a energia de frequência semelhante,

não há bloqueio definitivo. Então, com o passar do tempo essa energia fica

insuportável ao sistema e começa a se manifestar materialmente, tem relação

com os pontos de energia do corpo, os cháckras, que em desequilíbrio começam

a concentrar essa energia em pontos específicos relacionados, gerando matéria

densa da mesma informação. É o fenômeno matéria. Mas a partir do momento

que não observamos mais suas referências dolorosas e focamos na saúde

mental e física, essa se apresenta na matéria. E no caso de doenças existentes,

o processo de cura é mais eficiente e mais rápido, não desconsiderando para

tanto o uso dos medicamentos necessários para saná-la por completo. Vemos

matérias e documentários sobre isso com muita frequência nos tempos atuais.

Observemos então o que queremos para nós e não o que não queremos. Pois é

o que é observado, que logicamente se apresenta aos olhos. Então vamos

abandonar os condicionamentos e os pré-conceitos a respeito das coisas,

observá-los, compreendê-los, escolher o que queremos com consciência e, o

principal praticá-los. Não vamos mais falar de amor. Vamos fazer o amor no

nosso dia a dia. Amor é ação!

Então o foco aqui é autoconhecimento. Mas, damos um indicativo de

vários caminhos a pensar a partir disso: quanto ao artista produtor, quanto ao

espectador, quanto ao ser individual no todo e o todo manifestado de maneira

genérica de várias individualidades coordenadas pelo subconsciente. Esta

pesquisa é um pequeno fragmento introdutório às outras duas em construção

simultânea a esta. O mais interessante foi observar que fiz o caminho inverso do

costumeiro. Vim do mais complexo para voltar a esse mais simples, um

conhecimento sobre o meu eu particular; sempre evitei as coisas simples por

não manterem minha atenção contínua. Sou hiperativa e aprendi a usar esse

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127

sistema mental a meu favor. Percebi que minha mente trabalha em produção de

teias simultâneas de conhecimentos absorvidos, armazenados e criados ao

mesmo tempo e num fluxo tão grande que quase minha coordenação corporal

não consegue acompanhar. Essa forma de gerência mental é de nascimento,

mas foi alvo de muita crítica e repressão pelo simples fato de eu não observar o

mundo a partir do que tem que ser provado, o que me abriu muitas portas

especiais, sem dúvida! Não sou a única em minha família, e conheci muitas

outras ao longo da vida, e percebi que os problemas gerados para essas

pessoas ou projetados por elas estão principalmente no fato de terem o

funcionamento de seu sistema não respeitado, sendo obrigada a vivenciar

padrões programatórios que não lhes são natos. Aceitando essa particularidade

em mim pude extrair o melhor dela e ter a coragem de afirmar que quem busca

a solução de um fato apenas em si mesmo jamais a encontrará. Os

conhecimentos das distintas áreas são inevitavelmente complementares, onde

um te falta, o outro vem completar; então temos que deixar a mente aberta; e

para que a mente esteja assim é preciso saber controlá-la e não ser controlado

por ela. É preciso saber sentir o momento presente e estar sempre na companhia

do consciente mandando, e saber resolver as “pendengas” do inconsciente que

inclina todo ser humano aos processos repetitivos, sejam sociais, traumáticos

entre outros, por fazer parte de um mecanismo de defesa natural instintivo da

nossa espécie.

a) OBRA

A obra de instalação apresentada é consequência natural de pesquisa

teórica, sem referências imagéticas ou pesquisas anteriores de outras obras. A

obra é uma instalação que sugere um ambiente meditativo, entretanto, com

adendos pertinentes a representar todo o caminho de construção do indivíduo

desenvolvidos no conteúdo teórico, convidando o interlocutor a refletir sobre

cada particularidade de si, de forma que, o próprio estivesse livre de

representações imediatistas que pudessem influencia-lo em seu processo de

busca interna. Trataremos o indivíduo em contato com a obra aqui de meditante.

Dentro do espaço de uma tenda branca de 2,40 m², está toda a

organização da obra. Logo na entrada o meditante, se depara com um tapete

colocado para que sente e comesse uma experiência por seus caminhos

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128

internos. A frente dele se forma um caminho com rostos de crianças, todos

brancos, representando a pureza e a inocência da criança, bem como, que

representando a criança interior como base importante de compreensão dos

fragmentos que compõe o meditante, terminando em um grande espelho

colocado de frente do meditante. Nas laterais do tapete, um pouco atrás do

meditante, tem dois espelhos em ligeira diagonal direcionados para o espelho

que está à frente do meditante. Nas laterais direita e esquerda da tenda, bem

como o fundo, à frente do meditante estão espelhos e máscaras (rostos)

flutuantes, intercalados e presos por fios de nylon. Nas laterais do caminho

construído com os rostos das crianças, há seixos brancos e, sobre eles, mais

algumas máscaras representando os fragmentos que compõem o indivíduo bem

como as inter-relações dos indivíduos entre si. Fica disponível, no espaço da

obra, áudio de indução meditativa, bem como um papel com orientação de

meditação Tântrica e um modelo de meditação Budista este último,

especificamente da vertente Seicho-no-ie, para que o meditante leve para casa.

Até que a obra chegasse a essa configuração final, sofreu inúmeras

modificações. A única coisa em comum à todas as propostas era o uso das

máscaras para construir a obra. A primeira idéia necessitaria de um número

imenso de máscaras, todas em resina cristal e mais programação por programa

Arduíno, projeção e construção de vídeo projetado, porém, além de estar

totalmente fora do tempo disponível, exigiria um gasto inviável para o período.

Outro, fator determinante para não produzir essa idéia, foi o fato de ter sido

excluído de conteúdo teórico algumas pesquisas que dialogavam perfeitamente

com a proposta. A segunda proposta também com máscaras, era uma

organização das mesmas divididas sobre três painéis de madeira, com trabalhos

de pintura construído a partir de conhecimentos de psicodinâmica das cores.

Esta porém, não senti que tivessem poder representativo perante à

complexidade da pesquisa feita e foi desconsiderada. Entre essas duas fiz

inúmeros croquis, à mão livre, sempre ao fim de leitura de pesquisa ou práticas

de autoconhecimento ou espiritualista, mas não encontrava nada que me

tocasse como o conteúdo teórico. Decidi então, deixar de lado a construção de

obra e me dedicar profundamente à pesquisa teórica e às práticas espiritualistas

que participam de minha rotina, entre elas a meditação. Já ao fim de delimitar o

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129

quê, de tudo que havia me aprofundado em pesquisa teórica, iria ser

apresentado para este trabalho, foi que a idéia de obra me veio à mente à medida

que eu ia intercalando conhecimentos, como se explicasse a alguém e, em

menos de 15 minutos, ela estava pronta em minha mente.

Todos os recursos plásticos utilizados na obra estavam sendo

desenvolvidos e ou estavam se relacionando comigo e com a pesquisa de

alguma forma direta ou indiretamente, mas sem minha observação direta de

criação da obra, estavam funcionando mais como passa tempos para mim.

Depois de idéia montada na mente, me apliquei em reproduzir a quantidade de

máscaras que precisava para essa montagem de instalação, sendo a fôrma

criada para reprodução contínua das máscaras a parte mais difícil da produção,

principalmente pela necessidade de que as máscaras fossem encaixáveis ao

rosto. Esse detalhe foi de suma importância para diminuir o peso das mesmas

para que a tenda pudesse suportar bem como economia de material. Assim

como o teórico, corri alguns riscos imprevisíveis ao escolher executar a obra

escolhida. O tempo foi um deles.

Outro ponto a considerar, foi a montagem que visualizei em projeto.

Essa montagem poderia não ser possível na prática pela leveza das arestas da

tenda (de alumínio, encaixáveis até dar o comprimento da altura) em relação ao

peso dos elementos presos ao seu redor. Consegui vislumbrar algumas soluções

e entre elas escolhi o uso de ferro de fundição para sustentação de vigas na

construção civil estando então, no comprimento das arestas completas, para

fortalecer a estrutura da tenda, sendo então colocados por dentro das arestas de

alumínio da tenda, já encaixadas. Foi ainda assim um tiro no escuro. O resultado

realmente, só visualizei na montagem. Essa foi a melhor parte de todo esse

trabalho: qualquer inusitado no resultado, tendo se materializado a partir de

conhecimento teórico!

3.2 - Produção, acabamento e montagem

Os materiais utilizados na obra foram uma tenda branca 2,40 m², máscaras

possíveis de serem encaixadas ao rosto e outras, de fundo maciço, espelhos,

tinta, plástico grosso e transparente, seixos brancos e áudio de indução

autoreflexiva.

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130

Os recursos de áudio foram baixados da internet e todos os selecionados

fizeram parte de minha experiência pessoal em meditação e canalização de

pensamento, me trazendo resultados incríveis na descoberta e às vezes solução

de conflitos psicológicos familiares na criança interior até situações que havia

experimentado antes de começar essa busca. Os áudios meditativos

participantes no processo dialogam com o espaço. Ficam disponíveis na tenda

algumas cópias dos áudios em cd para quem quiser levar. O áudio parte da

instalação permanece sempre no aparelho de execução. Para o áudio tem um

pequeno aparelho de som, com cd e fones de ouvido.

A maior complexidade na criação da instalação foram as máscaras

encaixáveis, especificamente a produção da fôrma para produzi-las com maior

rapidez. Foram várias formas produzidas para chegar à forma final.

Na 1ª etapa comecei tirando formas de vários rostos feitas de atadura

gessada. Nesse processo é passada uma camada de vaselina sobre o rosto de

uma pessoa e são colocados gradualmente retalhos de atadura gessada sobre

esse rosto até cobri-lo totalmente, como mostra figura 24.

Figura 24: Rosto coberto com atadura gessada e protótipos prontas

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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Figura 25: Colocação de atadura no rosto

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014

Dessas fôrmas foram tiradas máscaras (ver fig. 26) com fundo sólido;

isto é não encaixáveis ao rosto. Mas a proposta da obra é que sejam encaixáveis,

em sua maioria tanto pela possibilidade de interação do público com as mesmas,

como pela economia de resina cristal e de massa plástica.

Figura 26: Máscaras de gesso e resina, respectivamente.

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132

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A fôrma de reprodução contínua foi possível pelo uso do silicone (ver

figura 33), pois as fôrmas de atadura gessada não têm durabilidade para resina

e massa plástica. A resina, depois de duas tiragens, danifica totalmente a forma.

Para a “fôrma reprodutiva”, primeiro tirei uma máscara de gesso de uma

fôrma de atadura gessada, passando vaselina sólida no interior da máscara com

um pincel e depois colocando a mistura de gesso. Desenformei e lixei até ficar

bem lisa, sem imperfeições fortes (fig. 27).

Figura 27: máscara de gesso lixada

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Depois montei uma caixa de folhas grossas de isopor, presas com palitos

de madeira para churrasco e fita crepe. Por dentro, nas junções do isopor, passei

argila para lacrar totalmente a caixa. A máscara de gesso feita anteriormente foi

coberta com plástico filme, depois com uma manta de argila aberta, igual massa

com rolo de macarrão. (Ver figuras 28)

Page 133: Tcc 2014 cybelle manvailler

133

Figura 28: Máscara com manta de argila e argila no silicone.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Na caixa de isopor foi passada vaselina sólida em todo seu interior;

depois despejei uma mistura de gesso; e quando a mistura começou a reagir e

se solidificar mergulhei a máscara coberta com argila na mistura dentro da caixa

(ver figura 30).

Figura 29: Primeira fôrma para moldar.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A argila entre o bloco de gesso e a máscara de gesso é o espaço para

o primeiro trabalho com silicone. Retirei então a argila, fiz o preparo do silicone

e despejei sobre a cavidade no bloco, e por cima coloquei novamente a máscara

de gesso, agora sem argila e com uma camada de vaselina sobre ela.

Figura 30: Modelo gesso mergulhado em silicone

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134

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Dessa forma saiu a primeira forma de silicone para protótipo de forma final (figura

31).

Figura 31: Molde de silicone de máscara-fôrma-protótipo com gesso usado para produzi-lo.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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135

A primeira dificuldade surgiu aqui. Tentei inicialmente tirar um protótipo

dessa fôrma feito de argila para poder modelar e aperfeiçoar e depois de seco

revesti-lo com massa plástica. Não deu nada certo, pois fica difícil manter a

espessura da massa plástica em igualdade por toda a máscara manualmente,

toma muito tempo e onde ficou muito fina ela quebrou (figura 32).

Figura 32: Máscara que não deu certo

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

O protótipo foi feito então somente de massa plástica, pela sua

resistência para várias manipulações na fôrma e pela facilidade de lixar e dar

acabamento. Passei camadas sucessivas de massa plástica dentro da máscara,

fôrma de silicone (figura 31). Retirei, acrescentei mais massa, até chegar à

espessura esperada; e finalizei com máquinas de lixa e, lixa d’água dentro de

uma bacia de água (figura 33).

Figura 33: Máquinas para dar acabamento e, lixando máscara de massa plástica

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136

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Figura 34: Protótipo para produzir fôrma-reprodutiva

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Figura 35: Protótipo com vara para suporte na fôrma-reprodutiva.

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137

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A partir desse protótipo de máscara encaixável de massa plástica (ver

figura 34) pude começar a fôrma final.

Na 2ª etapa da produção de máscaras fiz novamente uma caixa com

paredes de isopor grosso com mesmo processo da primeira, mas agora maior,

pois precisava ter sobras largas ao redor da máscara protótipo. Cobri a máscara

protótipo com argila, centralizei no meio da caixa e fiz uma parede de argila para

isolar a fôrma em duas metades. Passei vaselina sólida num dos lados e enchi

com preparado de gesso. Depois de seca, mantive a máscara com argila no

mesmo lugar, mas retirei a parede de argila. Passei vaselina sólida novamente

na parede de gesso e laterais do lado ainda em isopor. Enchi com outra mistura

de gesso e esperei secar. (fig. 36)

Figura 36: Caixa fôrma 2º etapa.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Quando aberto fica um espaço do tamanho da máscara mais a folga da

argila com a qual foi revestida. Nessa folga entra o silicone da forma final.

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A máscara protótipo foi lavada e fixada no queixo da figura (que é a parte

que fica para cima, na abertura do bloco de gesso para colocar o silicone), com

uma vareta feita de quatro palitos de churrasco de madeira revestidas de massa

plástica (figura37). Passei argila nas paredes rente ao formato vazado, coloquei

a máscara com a vareta para cima e centralizei deixando espaço ao redor do

protótipo.

▼Figura 37: Protótipo mascara dentro da fôrma para colocar silicone.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Figura 38: Vista de adequação do protótipo e, já com silicone na fôrma.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Com pincel comprido passei vaselina no interior da fôrma bloco de

gesso. Fixei a vareta no gesso (figura 38) e fiz marcação de canetinha do lado

de fora para evitar perder o protótipo da posição correta depois do silicone.

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139

Coloquei o preparado de silicone (figura 38) e esperei dois dias para secagem

total. Fôrma de máscara encaixe concluída.

Figura 39: Silicone da fôrma final

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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Figura 40: Fôrma reprodutiva concluída.

▼ ▼

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Depois de concluída, foi só passar vaselina sólida com pincel na parte

interna, fechar a fôrma com câmara de bicicleta e colocar a mistura desejada

para máscara (gesso, massa plástica e resina) pelo orifício (▼) no queixo da

face na fôrma de silicone. (figura 40).

As máscaras de encaixe foram feitas de resina, massa plástica e gesso.

Primeiro tirei máscaras de gesso dessa fôrma e depois massa plástica.

Depois de 12 tiragens a lateral mais fina do silicone perdeu um pedaço e

consegui consertar com silicone incolor em bisnaga (figura 41), o mesmo que se

usa para box de banheiro e aquários.

Figura 41: Correção de lateral com silicone bisnaga

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Mais adiante, essa lateral mais fina perdeu um pedaço. Corrigi cavando

mais o gesso na parte interna da forma, delimitando espaço de preenchimento

com argila e por fim colocando mais silicone nesse espaço, conseguindo desta

forma engrossar a lateral que estava fina. O problema foi resolvido sem mais

intercorrências.

Detalhes a considerar na produção das máscaras:

Para que não correr nenhum risco de danificar a fôrma novamente,

envolvi a parte de silicone (azul) com plástico filme, pois no caso da resina, por

exemplo, se vazasse e chegasse às paredes da caixa de gesso a fôrma estaria

perdida. Com as máscaras de gesso nenhum problema, o material pode ser

retirado tranquilamente sem necessidade de passar vaselina nas paredes

internas da forma. A massa plástica também, porém, recomendo passar a

vaselina sólida para maior durabilidade da fôrma.

No caso da resina deve ser passado, impreterivelmente, vaselina tanto

na parte interna onde está a forma a desejar reproduzir, quanto nas laterais que

partem desta, para que, caso a resina vase um pouco, não deixe grudada as

duas partes da fôrma. Para que o material escorra com eficiência preenchendo

toda a fôrma deve estar mais líquido. Se a massa plástica vier muito firme, pode

ser diluída em álcool antes de ser acrescentado o catalizador. Já a resina,

normalmente vem mais liquida que a massa plástica. Na primeira tiragem que

fiz, entretanto, já estava mais viscosa, então tive de pesquisar um diluente para

resina. Inicialmente descobri o Etil-metacrilato ou metacrilato de etila, da família

do éster, fórmula molecular C6 H10; é um liquido sem coloração, odor penetrante

e degradável e flutua na água. Essa substância é comumente utilizada por

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dentistas para polimento químico de materiais de resina, como a parte que

encaixa ao céu da boca em aparelhos dentários móveis, bem como em alguns

elementos de implante dentário. É altamente tóxica e inflamável. Para a

finalidade ortodôntica, a substância é aquecida a 75º C, o aparelho dentário

então é mergulhado na substância sendo movimentado por 10 segundos. A

resina sai lisa e polida. Pode ser interessante para facilitar o processo de

finalização de materiais de resina, entretanto tem um gasto considerável, pois é

preciso um aparelho que aqueça e mostre a temperatura ideal bem como com

capacidade de mantê-la.

Outro material mais específico para diluir a resina e não polimento como

o anterior, é o Monômero de Estireno. O estireno é um hidrocarboneto aromático

não saturado. À temperatura ambiente é um líquido oleoso incolor, que

polimeriza com facilidade à temperatura ambiente na presença do oxigénio. É o

ideal para diluição da resina, mas não encontrei à venda em Campo Grande,

então liguei para uma empresa no Paraná que me orientou a procurar um similar,

que foi testado por eles na diluição do material. A sugestão é o thiner, mas não

é qualquer thiner que reage conforme o esperado; é necessário que seja um

thiner para tinta PU (poliéster) automotiva. Na hora de testar deve-se observar a

reação dos dois produtos, caso o thiner seja fraco a resina talha, fica como leite

coalhado, se for forte demais a resina dilui, mas não enrijece com o catalizador.

Existem várias numerações de thiner PU, então para achar o mais adequado

observei a composição química que mais se parecesse com o Monômero de

Estireno. Dos dois que encontrei um tinha álcool na composição e

hidrocarboneto diferente, já o outro não tinha álcool e tinha acetona como no

monômero e mais hidrocarboneto similar. Foi o que escolhi e deu certo. É o thiner

para Poliéster/PU da marca Wanda, número 1.100. Lembrando que essa

numeração muda de acordo com a marca. Consegui uma consistência mais

liquida e o processo de produção acabou se mostrando mais eficiente até do que

o da massa plástica, pois a resina escorreu pela forma com mais facilidade.

Figura 42:Diluição de resina com thiner para P.U.

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A resina deve ser misturada ao catalizador suavemente, e durante sua

colocação na fôrma é necessário movimentar a forma com batidas leves na mesa

de apoio para que as bolhas subam e se desfaçam e para que a resina escorra

mais rapidamente; e aos poucos se vai colocando mais até preencher toda a

fôrma.

É necessário o uso de luvas, óculos de proteção totalmente fechado,

máscara de pó (branca) e máscara de odor (cinza e preta) para manipulação dos

materiais químicos aqui discriminados (figura 43).

Figura 43: Materiais de segurança para manipulação dos produtos

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A maior parte das máscaras de super-heróis foi feita de gesso sem

encaixe, direto na atadura gessada, por facilitar a pintura e o tempo de processo

(figura 44).

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Figura 44 : Máscaras super heróis - gesso

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Para as máscaras de verso preenchido de gesso e resina:

Coloquei uma toalha grossa em baixo das máscaras e potes de iogurte

virados do avesso entre elas, para que não virassem (figura 45). Passei camadas

grossas de vaselina sólida industrial e, por último, coloquei a mistura de gesso e

água. Para fazer o gesso coloquei água em uma bacia e fui polvilhando com

peneira, pois facilita a mistura e evita bolhas e sujeiras. Quando começarem a

formar ilhas de gesso sobre a água já teremos a quantidade necessária para

misturar. Misture com a mão até que fique um pouco mais grosso e depois

despeje sobre a fôrma.

Figura 45: Preparo do gesso

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Figura 46: Tiragem de máscara de gesso com fundo preenchido.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

As máscaras que não têm encaixe ao rosto foram tiradas diretamente da

fôrma de atadura gessada, de adultos e crianças (figura 46).

Figura 47: Rostos das crianças que formam caminho em frente ao meditante na obra.

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves

As máscaras de encaixe de molde de rosto adultos foram tiradas da

fôrma de silicone. As de encaixe das crianças foram tiradas diretamente da

atadura gessada.

A fôrma de silicone foi feita especialmente para atender as necessidades

de reprodução rápida e mais de uma tiragem de resina, material que mais

danifica a fôrma se tirada diretamente da atadura gessada ou gesso. Como a

confecção de uma fôrma de silicone como esta é demorada e de custo alto, tive

de optar por tirar máscaras de encaixe das crianças de massa plástica direto da

atadura gessada (figura 48). Se tiver uma espessa camada de vaselina sólida

industrial é possível tirar até 3 moldes da atadura gessada sem muitas

danificações; a partir daí a fôrma começa a quebrar e a perder partes dos

retalhos de atadura que a compõem. Consegui tirar mais moldes refazendo a

fôrma com cautela para aproveitá-la ao máximo.

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Figura 48: Rostos de massa plástica (crinaças), feitos sem fundo preenchidoe à mão

nas fôrmas de atadura gessada.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Um outro elemento importante da instalação são os espelhos. Os

espelhos de pequenas dimensões foram retalhos de corte de uma fábrica de

espelhos que me doou. Os grandes são de uso pessoal.

Os seixos marmorizados brancos, usados no piso, colaboram com a

limpeza visual do espaço, com a luminosidade, pelo branco e brilho leve das

pedras. (figura 49)

Figura 49: Seixos Brancos.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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A tenda que delimita o espaço da instalação é um produto industrializado; é

simples, branca, de arestas leves de fácil montagem.

Figura 50: Tenda branca

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, 2014.

A obra passou por quatro projetos diferenciados até se concretizar.

Inicialmente, não haveria obra, somente pesquisa teórica, logo depois surgiu

uma assemblage, a primeira sugestão para obra plástica. A segunda que

realmente estava em concordância com a primeira pesquisa teórica proposta, foi

projetada para ser realizada em grandes dimensões e com inúmeros recursos

tecnológicos de montagem e apresentação; esta era a mais diferente das

possibilidades sugeridas para esta pesquisa e a mais coerente com toda

pesquisa que fiz até hoje, incluindo os anos anteriores ao curso, quando me

iniciei nessa busca. Esta pesquisa, então se estabelece a partir de fragmentos

teóricos de uma pesquisa maior, que segue em andamento; e a de instalação

aqui apresentada juntamente com este relatório de pesquisa foi criada

especificamente para este trabalho. Esta terceira opção, teve suas modificações

e acréscimos em paralelo com a revisão do conteúdo teórico, só tomando forma

conclusiva à medida que este ia sendo desenvolvido e concluído. Esta terceira

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opção, como as outras, nasceu sem referências diretas de obras anteriores de

outros artistas, tomando forma com base nos conhecimentos teóricos, associada

às experiências vividas por mim no budismo, tantra com monge Dada e Gnose,

além das experiências com técnicas de escultura. Posso dizer, então, que minha

referência foram imagens eidéticas20, vindas naturalmente de meu

subconsciente durante a pesquisa.

Os únicos objetos que se mantiveram imutáveis em todas as propostas

foram as máscaras, que representam identidades e/ou personalidades tratadas

no texto, além da estamparia/pintura em cores sobre as mesmas, realizadas com

base em estudos do texto Psicodinâmica das Cores, de Modesto Farina,

observando os possíveis efeitos das cores, tanto de caráter fisiológico como

psicológico, e suas potencialidades para influenciar no ser humano certos

sentimentos ou significados. Mas como o foco aqui é o autoconhecimento,

produzir as máscaras a partir dos conhecimentos da psicodinâmica das cores

seria uma contra proposta. Então, as máscaras foram produzidas livremente

permitindo a manifestação do meu consciente e subconscientes naturalmente e

analisadas posteriormente sob à ótica da psicodinâmica das cores

especificamente aqui através das observações de Modesto Farina.

Apenas algumas pinturas sobre as máscaras são com base em super-

heróis. Outras têm pinturas livres, que buscam um equilíbrio visual pelas formas

e cores. Apesar do estudo sobre psicodinâmica das cores, não criei as pinturas

com base nesse estudo, mas deixei a pintura fluir do subconsciente para depois

analisar algumas peças sobre o ponto de vista de Modesto Farina; já que

estamos em um processo de descoberta interna, nada mais cabível do que

analisar o que nasceu naturalmente, sem manipulações controladas de formas

e cores, apenas pelas relações das mesmas com emoções e situações.

20 Palavra originária do grego ‘eidos’ que se refere a idéia. Termo de muita importância e

empregado tanto na filosofia quanto na psicologia. Mais recentemente tem tido supremacia na fenomenologia, notadamente a partir dos estudos de Edmund Husserl. Essa palavra fenomenológica foi usada pela primeira vez por Hegel. É uma teoria psicológica de que algumas pessoas possuem a capacidade de evocar visual e exatamente eventos passados ou imagens de objetos vistos (imagens eidéticas). Acrescento que no caso desse projeto não tive nenhuma lembrança ou referência vivida de obra ou idéia de outrem, considero então o termo na presente questão, pelo fato de que as idéias partem de meu banco de dados de experiências e conhecimentos armazenados ao longo da vida, então não podem ter origem sem referência ao mesmo tempo que se manifesta sem acessa-las conscientemente. Esse processo de criação subconsciente foi escolha pessoal e acredito eu de acordo com os interesses de quem busca se conhecer em si e não no outro.

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Quanto à montagem, a tenda tem ao redor um plástico duro e

transparente para proteção da chuva; este plástico tem abertura em dois lados

paralelos. De um lado fica o “tapete real”, para o convidado sentar para

meditação reflexiva e, de frente para ele, do lado oposto, fica um espelho grande.

Nas laterais do meditante, um pouco mais atrás, ficam outros dois espelhos em

diagonais fechadas, no sentido do meditante, sendo que cada um desses dois

alcançam o reflexo do meditante e mais parte do jardim.

Quanto ao acesso aos materiais, optei por aqueles de custo mais baixo;

tive dificuldades em encontrá-los em Campo Grande, e quando encontrei eram

muito caros. Muitas vezes, o material mais o frete sai muito mais barato do que

os comprados aqui na cidade, pois não há representação de fábricas dos

materiais no Estado e os encargos são altíssimos. Quando há, as empresas só

vendem para atacado com quantidade mínima muito alta.

Foram acrescentadas à tenda máscaras flutuantes (presas no teto) e

pequenos espelhos pela parede ao redor de todo espaço da obra, como

símbolos da “inter-ferência” entre os mundos individuais (que defendo como

reais já que a construção mental do indivíduo gera ações “reais”), gerando o

mundo (espaço físico) – e as consequências entre o choque ou concordância

desses mundos.

Os três espelhos grandes, mais os vários pedaços de espelhos

pequenos espalhados por toda obra, geram reflexos de reflexos de reflexos,

multiplicando tanto a imagem do meditante, das máscaras e de todos os

elementos da obra até chegar ao jardim.

Entre o tapete (local do meditante) e o espelho grande à frente dele há

um caminho feito somente de faces de crianças, todas brancas como os seixos

ao seu redor. A criança é como o caminho para início de nossas construções

internas, com sua pureza representada pelo branco.

Somando todos esses elementos temos um ambiente agradável e

“reflexivo” (palavra que pode ser observada de vários ângulos neste caso), para

nossa viagem ao nosso EU mais íntimo.

Maquete virtual de projeto:

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Figura 51: Projeto virtual de instalação em perspectiva.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, Croqui virtual, 2014.

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Figura 52: Projeto virtual de instalação em vista superior.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, Croqui virtual, 2014.

3.3 - O convite: a filosofia do “EU” revelando a essência individual divina

da totalidade essencial da criação - A Obra e os reflexos do “Eu”

Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber tratá-la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, formas e convenções com que a natureza – esta provocadora – pode ser dominada e sujeitada à concentração de arte. A paixão que consome o diletante serve ao verdadeiro artista; o artista não é possuído pela besta-fera, mas doma-a. [FISCHER, 1997, pg.14]

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Quando escolhi os materiais não me prendi ao detalhe de sua dureza

poder estar em contraponto à busca pela leveza emocional, mas, novamente,

aos conhecimentos budistas sobre a necessidade da matéria e do dinheiro no

caminho de evolução espiritual. Osho (2002), bem como, o Monge Dada, falam

sobre esse fato nos esclarecendo que a visão que temos do Budismo, da Índia

como referência da religião ou outras vertentes dessa filosofia, é distorcida pelos

interesses de divulgação turísticos. Ele diz que a referência que temos da Índia

é de seus tempos áureos de riqueza e que hoje, em meio a tanta miséria e

pobreza, não é possível manter as mesmas práticas. Como uma pessoa que

está em constante preocupação com a comida na mesa e todas as suas

necessidades mais básicas pode conseguir mente livre para meditar em seu

espírito? Sendo assim, observei que a proposta, não deveria estar presa a

considerações externas, como o material por exemplo, mais sim na mensagem.

O autor fala que o conhecimento real de base budista tem se distanciado até

mesmo de alguns monges e guias espirituais. Sem riqueza não há contraponto

de comparação e aprendizado. Ele diz que melhor sabe da humildade aquele a

quem não falta nada, pois é ai que ela pode se apresentar, já que ela está no

desapego e que, para perceber esse desapego é necessário que haja algo para

testá-lo.

Ele nos conduz a observar tudo com gratidão e o papel de todas as

coisas; e a se distanciar de estereotipar o conhecimento e a filosofia em mais

uma máscara. Não é para construir a máscara da pureza e da leveza; é para

senti-la e compreendê-la. Sendo assim, não vi necessidade de escolher o

material pela proposta, mas de compreender seu papel dentro da proposta. Os

materiais empregados na fabricação das máscaras atentem aqui, antes a,

questões de tempo e reprodutibilidade do que a leveza ou a dureza relacionadas

as observações de pesquisa, pois é a mensagem sendo absorvida e

compreendida que transforma. Assim como existem pedras duras que

carregamos de experiências passadas e a serem jogadas fora, há também o

aprendizado no tempo em que convivemos com elas; e aceitar a dor é a única

forma de eliminá-la. Não uma aceitação acomodada e imóvel, mas o reconhecer

que sentimos e porque sentimos. Pensamos? Julgamos? Porque pensamos?

Por que julgamos? É achar a pergunta certa, para a resposta certa sem interferir

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no mundo externo, mas sim nosso reino interno, que é o que realmente pode ser

modificado. Os granilhos e seixos branco que forram o chão, nas laterais, do

caminho com rosto das crianças, vem fazer a essa idéia. As pedras, costumam

ser símbolo de problemas, obstáculos e percalços. Aqui elas vem representar a

superação dentro da proposta de montagem. Por serem brancas e brilhantes

(representação de pureza e reflexão), e estarem abaixo de outras máscaras que

estão pelo chão, fazem força à superação dos conflitos que outrora foram

percalços, mas hoje, são equilíbrio fruto de superação. Pode ter outra conotação,

caso a pessoa veja as máscaras pintadas como egos, sobre a pureza, pela

brancura dos seixos. Deixamos livre à mente do observador percorrer as

possibilidades.

Consideramos uma boa escolha, a primeira montagem da obra no jardim

do Bloco de Artes, pois atenderia perfeitamente a proposta de integração do ser

em nosso universo interno, sendo o ambiente elemento a reforçar o que tem de

mais puro na criação de nossa natureza. O céu livre de concreto e o verde ao

redor em contraste com a brancura e brilho dos granilhos pelo chão, traria mais

leveza ao espaço interno da tenda.

Figura 53: Teste de montagem - 1

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

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Figura 54: Teste montagem - 2

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

As máscaras dos super-heróis rememoram fragmento de nossas

primeiras referências externas de valores éticos e força moral, como justiça,

amor, honestidade, dedicação, cooperativismo, superação e principalmente a

força diante dos enganos atraentes do mundo externo, na figura de cada

representante de tais referências, cada qual, com sua história, que carrega

dualidades, entretanto, sempre com as escolhas mais acertadas, conforme já

foi desenvolvido em Subcapítulo 1.3.

Figura 55: Máscaras Super Heróis

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

As máscaras com cores vivas e com formas fluidas e ou geométricas

recobrindo sua superfície total, e outras em graduada desconstrução, até chegar

aos transparentes, vêm traçar o caminho de purificação do “eu interno” pelo

autoconhecimento e limpeza dos agregados: os egos. Vislumbrei inicialmente as

máscaras translúcidas como sinal da pureza, da iluminação almejada e/ou

alcançada, mas posteriormente percebi que o observador poderia fazer a mesma

observação de um caminho de melhora pelo revés, se considerar, por exemplo,

as cores como sinal dessa iluminação, o que continuaria de acordo com

conhecimentos budistas abordados, já que cada cor tem sua localidade

energética no corpo humano, partindo da nossa essência divina, os chamados

chacras21.

21 Chacras ou xacras, também conhecidos pela grafia chakras - segundo a filosofia iogue, centros energéticos dentro do corpo humano, que distribuem a energia (prana) através de canais (nadis) que nutre órgãos e sistemas. A palavra chakra vem do sânscrito e significa "roda", "disco", "centro" ou "plexo". Nesta forma eles são percebidos por clarividentes como vórtices (redemoinhos) de energia vital, espirais girando em alta velocidade, vibrando em pontos vitais de nosso corpo. Os chakras são pontos de interseção entre vários planos e através deles nosso corpo etérico se manifesta mais intensamente no corpo físico. Os Vedas (5.000 a.C.), contêm os mais antigos registros sobre chakras de que se tem notícia. Quando foram escritos, o Yoga já sistematizava o conhecimento e o trabalho energético dos chakras. São sete os principais chakras, dispostos desde a base da coluna vertebral até o alto da cabeça e cada um corresponde à uma das sete principais glândulas do corpo humano. Cada um destes chakras está em estreita correspondência com certas funções físicas, mentais, vitais ou espirituais. Num corpo saudável, todos esses vórtices giram a uma grande velocidade, permitindo que a "prana" (sopro de vida, energia vital), flua para cima por intermédio do sistema endócrino. Mas se um desses centros começa a diminuir a velocidade de rotação, o fluxo de energia fica inibido ou bloqueado - e disso resulta o envelhecimento ou a doença. 1º) Chakra básico (Rádico), localizado nos órgãos genitais e na pélvis, relacionado com as gônadas (glândulas sexuais), governa o sistema reprodutor. Este chakra anima a substância do corpo físico, o poder e o instinto de sobrevivência. É a ligação com a terra. Concentra as energias da Kundaliní (É a energia espiritual que permanece adormecida na base da coluna vertebral de todos os seres humanos. Quando desperta no aspirante espiritual e passa através dos centros de consciência (chakras) no canal

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Figura 56: Chakras e as cores

Fonte: www1.folha.wol.com.br

Figura 57: Efeitos do equilíbrio e desequilíbrio dos chakras

central da espinha, essa energia manifesta-se em experiências místicas e vários graus de iluminação), que uma vez despertadas progridem coluna acima, seguindo um padrão geométrico similar ao padrão apresentado na dupla hélice das moléculas de DNA que contém o código da vida. Sobrevivência, alimento, conhecimento, autorealização, valores (segurança financeira), sexo (procriação), longevidade e prazer. 2º) Chakra Esplênico, localizado na lombar e abaixo do umbigo, está relacionado com as glândulas suprarrenais, regendo a coluna vertebral e os rins. Rege os rins, sistema reprodutor, circulatório e bexiga. As energias como a paixão, sensualidade e a criatividade são manifestadas através deste chakra. Poder de seduzir criatividade e relacionamento. 3º) Chakra Umbilical ou plexo solar, localizado um pouco acima do umbigo. Rege o pâncreas. A área de influência deste chakra é o sistema digestivo: estômago, fígado e a vesícula biliar, além do sistema nervoso. Escolhas do que você quer. Individualidade e poder pessoal (como você se vê), sua identidade no mundo. 4º) Chakra do coração ou cardiochakra, situa-se na região do tórax e está conectado com a glândula timo, responsável pelo funcionamento do sistema imunológico. É o chakra do coração, centro energético do amor. 5º) Chakra laríngeo, localizado sobre a garganta, se comunica com a glândula tireoide. Está ligado à inspiração, a comunicação e a expressão com o mundo. 6º) Chakra Frontal, localizado entre as sobrancelhas, se relaciona com a glândula pituária. Intuição (eventos paranormais) e a consciência. Capacidade de se observar sem julgamento. 7º) Chakra coronário ou coronochakra, localizado no topo da cabeça. E o portal da espiritualidade, do reconhecimento de Deus/Deusa em nós e no outro. Iluminação.

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Fonte: https://acuracomosanjos.wordpress.com

Ao criar os desenhos sobre as máscaras, considerei os pontos

energéticos de cada região no corpo (chakras) e suas cores representantes,

relacionados as emoções trabalhadas pelos processos citados, e a possível

desproporção de equilíbrio das mesmas, antes do caminho de limpeza e

regeneração interna. As formas e linhas sobre as máscaras respeitaram as

necessidades de expressão do meu subconsciente, visto que, o trabalho se

propõe antes de tudo ao autoconhecimento com o adendo de minhas

experiências pessoais, sendo então a meditação, entre outras possibilidades

citadas, budistas, indianas, védicas, gnósticas, tântricas ou quânticas e

homeostáticas, caminhos de escolha singular, dentro da necessidade e interesse

de cada um, então evitei o uso de símbolos ou imagens que fizessem parte de

qualquer uma destas filosofias. O fato de a pintura ter sido feita, exclusivamente,

sobre rostos e nenhuma outra parte do corpo, foi com propósito de explicitar a

natureza ao mesmo tempo singular e coletiva que compõe a todos nós, sendo o

rosto, representação primeira de identidade e reconhecimento de sua

individualidade por parte das pessoas.

Figura 58: Máscaras

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografias)

O Chakra, é algo bem conhecido da cultura oriental pelos ocidentais e,

nesse caso, a máscara transparente poderia representar a essência que não foi

ainda acessada. Pela teoria das cores, também, podemos desenvolver

observações acerca do fato de que as cores são fruto da luz, que quando

fragmentada sobre um prisma de cristal, se apresentam aos olhos em várias

direções translúcidas e vívidas, as cores luz. E, ainda, no caso das cores

pigmentos, todas são fruto do branco, que representa a pureza e a paz. E ainda,

de maneira mais abrangente, tudo isso, cores, formas, transparências,

desencadeia processos diferenciados nas relações internas de cada um,

considerando a singularidade de cada criatura e de seu caminho de iluminação

interior, na busca de sua divindade única e intransferível a ser descoberta.

Quanto aos materiais utilizados, foram excluídas a madeira e o insulfilme

espelhado, que participariam da assamblage no primeiro projeto, e

acrescentadas a tenda, os espelhos e a algumas imagens de super-heróis,

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representando seus poderes especiais, e, ao mesmo tempo, as aspirações e

sonhos comuns à todo ser humano, nessa busca corrente pela perfeição.

Os três espelhos grandes mostram o meditante em várias reflexões de

si e da natureza circundante, enquanto que os fragmentos de espelhos ao redor

da tenda, juntamente com as máscaras, mostram as várias personalidades do

meditante e, ainda, as possíveis fragmentações das mesmas, vindas de outras

pessoas; fragmentações estas que não fazem parte de sua natureza, mantendo-

o sempre em conflito interno; e que, entretanto, foram absorvidas pelo princípio

de prazer, na necessidade de aceitação pelo outro e por esses reflexos encontrar

a auto aceitação e o amor próprio desapegado.

Outro fator importante a considerar é o local de exposição dessa

instalação. Eu particularmente, não havia pensado muito a respeito e quando

visualizava algum local no bloco de artes, nenhum me parecia adequado, mas

logo que inseri a tenda na proposta, necessária para criar um ambiente mais

aconchegante e fazer de sua finalidade fato possível aos convidados, ela acabou

por colocar-se naturalmente em minha mente no único local que poderia estar:

o jardim. Nossa essência divina só poderia sentir-se realmente à vontade em

contato com o que ainda há de mais puro na criação do todo: a natureza. Temos

assim, então, em diálogo, as naturezas: humana, vegetal, animal (pássaros,

gatos, borboletas e outros no local), mineral e divina.

As máscaras das crianças conversam com a criança interior em nosso

subconsciente. As memórias de nossa infância contêm as armas mais poderosas

nessa luta de egos, já que é na primeira infância que nosso “sistema operacional”

começa a ser programado pela educação que recebemos, os exemplos que

observamos e as experiências vividas. São também de forma geral, referência

de processos de mudança, visto que, a partir do momento que a criança com

padrões negativos identifica os mesmo, o adulto compreendendo essa sua

criança interior, pode a partir de então mudar esses padrões, que tendem a se

repetir em seu meio familiar, mudando sua conduta e agindo com consciência

do seu papel programador como responsável dessa nova personalidade que se

forma, que podem ser filhos, netos, primos e qualquer outra criança que

mantenha relação afetiva e ativa estreita com o mesmo.

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O caminho convite é feito pelas crianças. O adulto que acolhe e

compreende sua criança interna pode melhorar continuamente os padrões de

conduta e experiências de seus descendentes; a criança também é, em termos

gerais, referência de transformação, pois para cada novo indivíduo existe uma

nova oportunidade de criar novos sistemas de seleção, pelo aprendizado e pelas

referências que recebem, quebrando e bloqueando cada vez mais os padrões

nocivos e repetitivos, tanto no indivíduo quanto no núcleo familiar.

Figura 59: Caminho crianças (detalhe)

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

O “tapete real” funciona como trono de nossa divindade humilde,

desapegada e cheia de amor. É um tapete colocado em local estratégico na cena

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163

da tenda, tal qual ficaria o trono de um rei ao fundo de uma sala, observando

tudo ao seu redor, mas agora sem a pompa que representaria os “agregados”,

mas somente para representar seu espaço, de forma que o “meditante”, tenha

amplo campo de visão da instalação e para além dela, já que a tenda mantém

as laterais livres, sem paredes sólidas. Observem da seguinte maneira: quando

conhecemos nosso mundo interno, conhecemos na verdade nosso reino interno

pelo qual somos responsáveis. O que acontece quando um rei se ausenta de

seu trono? Corre o risco de ter seu reino roubado ou invadido e prejudicado. O

trono é colocado de tal forma que o rei possa visualizar todo o salão de sua

realeza, mas aqui sem a pompa dos “agregados”. O tapete no chão mostra o rei

que sabe ser combatente quando preciso, esse caminho de limpeza não são só

flores, temos de lembrar que estamos limpando ervas daninhas e a inda

reflorestando muitos cantos do reino. Mas a simplicidade e o desapego das

paixões são necessários para vivenciar a paz e o amor de seu reino na calmaria,

sem se manter no repetitivo processo de guerra ou de acomodação. O tapete

real vem abrir as possibilidades da observação, contemplação e meditação para

o meditante. O rei deve aprender o momento certo de observar, contemplar ou

meditar seu reino, de forma eficiente para identificar corretamente e solucionar

problemas e manter o equilíbrio no reino, considerando a singularidade de tempo

em seu espaço e de seu espaço no tempo e de seu espaço tempo intransferível

de seu reino real: a consciência.

Os áudios disponíveis na tenda tornam possível a experiência também

a quem não tem referências e conhecimento suficientes para se observar

inteiramente, induzindo essa viagem ao seu reino interno e ao seu encontro com

o todo. Esse encontro com a parte dela que, ao longo do caminho, vai deixando

os julgamentos e a dualidade humana de lado e se manifestando o amor e na

gratidão despretensiosa a tudo e a todos.

Todos esses olhares resultaram nesse cantinho de choque entre interno

e externo, pelos reflexos de si e dos outros em fragmentos contraditórios,

escancarados e imperativos a se resolver e, ao mesmo tempo, de aconchego e

acolhimento. Para que realmente não seja só observado mas experienciado a

identificação e cumprimento de seu propósito pessoal a só assim assumir seu

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164

real valor, fora do olhar ao mundo fenomênico ilusório que criamos para nós,

mas sim, livre na verdadeira essência de nossa luz e poder internos.

3.4 Mudanças de última hora e Obra conclusa

Figura 60: Montando instalação Memorial da Cultura, com modificações.22

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

Conforme explicado anteriormente, no ato da montagem, poderíamos

encontrar algumas intempéries, como sustentação da tenda, entre outras, e

encontramos. Os vários espelhos, nas laterais da tenda foram retirados, pois não foi

financeiramente viável manter a dupla face espelhada, e não tendo os dois lados

reflexivos em tamanho adequado, a sensação de amplitude de espaço não pode ser

alcançada. As máscaras laterais, foram também, retiradas, pois sem os espelhos,

trariam uma sensação de opressão no ambiente. Os três espelhos grandes, sofreram

modificação de local. Como os espelhos não eram tão grandes quanto o necessário

para refletir o meditante, adequadamente, conforme proposta de um deles à frente do

meditante e, outros dois, ligeiramente na diagonal, atrás do meditante, foram então,

colocados, os dois espelhos que ficariam atrás do meditante, nas laterais da tenda, à

22 A Exposição citada no Memorial da Cultura, faz parte do Projeto Território Ocupado. Todos graduandos Bacharéis em Artes Visuais, pela UFMS, expõem, suas obras desenvolvidas para trabalho de conclusão do curso, em exposição coletiva.

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frente do meditante, voltados para ele em diagonal. Essas modificações resultaram

em um espaço mais leve e claro, dentro das possibilidades de custo e tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos aqui a necessidade de observação de vários ângulos

simultâneos para a solução de qualquer problemática do Eu nesse caminho de

busca de nossas particularidades mais puras. Temos vertentes que partem da

referência familiar, aqui apontamos educação, exemplo, referência, amor e

temperança, tendência à imitação e as vertentes da singularidade, onde

começam a ser vinculadas à referência familiar experiências únicas,

conhecimentos novos e novas referências do externo, entre ambas temos ainda

o princípio de prazer que seleciona e ordena informações e direciona conduta,

que por sua vez se desenvolve na vivencia entre as duas anteriores, família e

singularidade e, ainda sofrem interferência de condicionamentos e padrões

sociais. Compreendemos também como todas essas observações podem ter

suas problemáticas resolvidas por meio da meditação através de conhecimentos

experimentais, tanto pessoais quanto pela visão do meditante Osho, com

respaldo de pesquisas da neurociência através do Dr. Fred Travis.

Observem como é um sistema complexo para se observar, já que esses

fragmentos anteriores quando pensados e aprofundados nesse conhecimento

do eu abrirão mais uma infinidade de detalhes que nos constroem ou destroem

ao longo de nossos anos de vida. Por esse motivo buscamos elaborar o presente

texto de forma a passar por várias opções de observação pertinentes à busca de

nós mesmo. Nós compreendemos aqui que as referências da figura dos super-

heróis e suas representações conforme transcrito na primeira parte deste

subcapítulo, vão dialogar e ser selecionadas em conformidade com os modelos

experiênciado de diferenciação do self com a criança e a família e a

necessidades nesse sistema, particular de cada criança, e que as referências

podem ser usadas e orientadas à mente da criança de forma a solidificar as

referências absorvidas dos pais e de seu ambiente mais próximos, mas podem

também tender a uma válvula de escape no caso de o ambiente referência não

ter estabilidade. Nesse último caso essas referências poderiam ser parte do

conflito interno causado pelo sistema de princípio de prazer apresentado por

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Freud. Então a referência é ruim mas o contato com outra que lhe parece mais

estável acaba por abrir nova possibilidade de escolha. O sistema se apresentará

confuso enquanto houver esse conflito, mas uma possibilidade melhor já existe

e pode ser escolhida a qualquer momento. Isso não acontece somente com a

referência de super-heróis mas qualquer outro objeto representativo de

informação, seja material ou sensorial.

Compreendemos também que uma primeira infância ou adolescências

mal vividas não podem determinar uma vida dependente e internamente instável,

apesar dos recursos de proteção primitivos da nossa psique, desde que,

conheçamos a origem das mesmas. E que isso, deve ser compreendido por

parte de quem quer se construir e se superar, bem como, dos que busquem

trabalhar, ou já trabalhem de forma a motivar essa superação e progresso no

desenvolvimento dos talentos de outras pessoas. É necessário que essa pessoa

entenda que precisará de muito mais batalha interna e recursos emocionais para

superar problemáticas que podem ser extremamente simples para o indivíduo

que teve em seu processo de construção e individualização, equilíbrio, incentivo,

experiências afetivas positivas e respeito.

Observamos que a compreensão de todos esses fatores no caminho de

auto construção, devem ser considerados, não só pelas pessoas em geral, mas

especialmente o artista produtor, da responsabilidade na produção de obras

expostas ao público, visto que, as informações visuais, como analisa esta

pesquisa, caso tenha conteúdo informacional emocionalmente negativo ao

observador amplifica as informações de mesma natureza que ele traga em seu

histórico de vida. Sendo assim, no caso de obras onde o artista pretende

despertar o indivíduo para uma mudança em sua conduta com relação à

sociedade, e usa de recursos de imagem opressivos e deprimentes, esses

recursos não farão além de reforçar informações negativas ao observador,

podendo ser, portanto, o resultado, o oposto do que pretendia o artista. Devemos

dividir as emoções que queremos vivenciar. Não é estar alheio a certos tipos de

realidades, mas sim acrescentar possíveis soluções, visto que, as negativas da

natureza humana estão expostas constantemente em altíssimo grau através dos

veículos de informação, com um contraponto desequilibrado em relação às

soluções que se encontram em menores qualitativamente e quantitativa. Desta

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forma, o artista é primeiro que precisa antes, ser o primeiro a trilhar seu caminho

interno para que possa atuar em sociedade consciente da influência que exerce

sobre a mente humana com seus mecanismos de defesa.

E ainda, sobre, os mecanismos de defesa, podemos também

acrescentar, que as imagens, que por ventura, tenham sido criadas livremente,

isto é, sem cópia ou referência de outra imagem, e tenham caráter negativo ou

não, podem ser um recurso para que o produtor possa observar detalhes de si,

que subconscientemente esteja ali, detalhes com os quais, não está

conseguindo se resolver bem ou não havia observado para valorizá-lo como

deveria, assim trazendo levando a mente ao caminho autoconsciente. E, como

mostra a pesquisa considerando o sistema mental e seus recursos de proteção

da psique, as produções artísticas de caráter opressivo, ou qualquer

característica negativa, que possa ser um dano para os observadores, seria

interessante que se mantivessem dentro desta proposta de auto construir. Sendo

esse, um caminho para que a criação de obra seja pensada para exposição ao

público, considerando seu papel influenciador da razão e estimulante quanto às

emoções que dialogam com a informação do observador, com uma ação artística

mais responsável e consciente.

Outro ponto, observado foi a amplitude do que podemos alcançar

dentro das práticas de autoconhecimento, nos levando da superação de nossos

medos, traumas e limitações até o desenvolvimento de novas percepções

sensoriais, conhecidas como manifestações de paranormalidade, que conforme

observado pelo Dr. Travis em suas pesquisas, sugerem ser naturais de todo ser

humano, dependo seu desenvolvimento, da amplitude, do estágio de

consciência do indivíduo. Nos trazendo novos questionamentos e perspectivas

do Ser, e nos levando a novos caminhos de compreensão de nossa natureza,

bem como, nossa percepção de realidade, espaço e tempo.

Quanto ao convite-obra-de-instalação os espelhos podem nos mostrar

o que de fato é nosso e o que foi apropriado de outrem, se essa apropriação

realmente nos faz feliz, ou se na verdade faz um outro alguém e nos deixa

confortável pelo ego teimoso, vaidoso mas mentiroso, que pelas dependências

emocionais, nos tomam a origem divina e a consciência e ainda oprime o

inconsciente que quer se libertar, para manter o poder pela repetição das ilusões

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de um mundo fenomênico doloroso gerado por nós mesmos. Podem também

nos ajudar a ver o que evitamos a todo custo e também o que procuramos em

lugares onde jamais seria possível encontrar, podemos ainda descobrir que o

que procuramos não é realmente o que procurávamos e aprender que, as

perguntas vindas antes das respostas devem ser muito bem elaboradas com as

dúvidas que as geraram bem observadas para que tenhamos certeza de que o

que procuramos é realmente o que procurávamos quando encontrarmos. É o se

olhar de todos os ângulos, físicos, metafísicos, metapsicológico, interespaciais,

espirituais, universais e todos mais que a mente quiser encontra e falar, até que

cesse por completo e possa estar na frequência mais sutil e mais forte,

meditando seu mundo entre todos os outros, ausento da dualidade e pleno de

amor, palavrinha de cinco letras que resume tantas coisas ao mesmo tempo,

palavra nada simples de compreender para a condição de evolução humana

ainda hoje. Precisamos nos empenhar. Ser feliz não é tarefa fácil, precisamos

nos conhecer antes de tudo, para atingir tal propósito em nosso estado de

espírito. O sucesso é ser feliz!

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“II. Um coro com várias vozes. De um lado, a Noite e de outro o Universo.

Coro da Noite – Tudo é poder em nós

e tudo grita.

Coro do Universo – Não há poder maior

que a força viva.

Coro da Noite – Mas que força viva

sem os olhos

ou que olhos

são esses

tão por dentro,

que em vez

de serem fontes

são espelhos?

Coro do Universo – O poder é a memória

que pressente

o frio de haver

memória.

Coro da Noite – O poder é a demora

da semente.

Os dois Coros Juntos – E aurora

é o que está

dentro do ventre.”

(Carlos Nejar – O Pai das Coisas. 1985)

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REFERÊNCIAS

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CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis. A influência dos super-heróis no

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Unijorge. 2010. Disponível em: <

http://revistas.unijorge.edu.br/intersubjetividades/pdf/2010_1_Artigo1_28.pdf >

Acesso em 01 Set. 2014.

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APÊNDICE A - Portfólio

Figura 61: Instalação – Montagem Final – Vários ângulos

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografias)

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Ficha Técnica

Artista: Cybelle Manvailer Gonçalves

Título Obra: Universos em Transformação

Técnica: Instalação

Dimensões: 2,40 m²

Currículo

Nome: Cybelle Manvailer Gonçalves

Contato: [email protected] / (067) 9928-6941

Nacionalidade Brasileira

Campo Grande – Ms

Formação:

Conservatório de Artes Centro de Arte Viva (Campo Grande – MS):

Canto e Técnica Vocal com Clarisse Maciel (1996);

Canto Erudito Coral da Fundação de Cultura com Maestro Denis Lopes

(1997 e 1998);

Canto erudito, Coral do Rádio Clube) com Maestro Luiz Quirino (1999 e

2000);

Pintura em tela – Prof. Silvio Batistela (1996 – 1998);

Técnicas Mistas – Prof. Wilton Dourado (1998 – 1999);

Atelier Massaico Fujita (1999 – 2001).

Workshop de texturização em tela com Ulisses de Andrade (2005).

Oficina de Cenografia com Dóris Rollemberg da UFRJ em 2009 em Campo

Grande MS.

Oficina de Desenho Artístico com Elomar Bakony (2011) – UFMS.

Oficina de Introdução de Animação 2D com Tiago Moraes (2011), Festival de

Arte e Tecnologia 3.0, UFMS.

Oficina de Escultura com Carla de Cápua (2012) UFMS.

Oficina de Cerâmica com Maria Alice Porto Rossi (2012) UFMS.

Oficina de Tratamento da Imagem Fotográfica em Software Livre, com Alexandre

Sogabe (2012) Festival de Arte e Tecnologia 4.0.

Oficina Criatividade Designer em publicações com Thiago Darlan (2013) Festival

de Arte e Tecnologia 5.0.

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Oficina de Montagem Teatral com Leandro Faria (2013).

Oficina de Técnica Vocal com Christina Passos (2013) UFMS.

Oficina de Montagem e Produção Musical com Christina Passos (2013) UFMS.

Canto e Coral (2013) UFMS.

Artes Visuais, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Bacharelado.

(2014).

Exposições

*Coletivo I Esticadores de Horizontes, Parque Ayrton Sena em Setembro de

2010.

No Compasso das Cores (série 3 pinturas)

* Individual Experimentações 1 – Rockers sound Bar, em dia de Gravação de cd

ao vivo da Banda campograndense Dombráz em Campo Grande MS (2011).

*Coletivo Esculturas, Unidade VII UFMS em Junho de 2011 –

Égua de Fogo (Altíssimo Relevo em Massa Plástica

*Coletivo Olhares, Cubo de Vidro – Estação Ferroviária em Novembro de 2013

Série 3 pinturas em técnica mista

*Coletivo Olhares, Cubo de Vidro – Estação Ferroviária em setembro de 2014

Auto Construção em Foco (série 3 Pinturas)

*Coletivo Click – Primeira Amostra Acadêmica de 2014

Arte Digital – Ascenção mulher contemporânea

*Coletiva INTRO do Projeto Território Ocupado no Memorial Apolônio de

Carvalho em Campo Grande, Ms. (2014)

Obra de Instação: Universos em Transformação.