tcc terena vivencias da terra - permacultura
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UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Artes/SP
& UMAPAZ – Universidade Aberta do Meio Ambiente
e da Cultura de Paz
TERENA ZAMARIOLLI CORADI
Vivências da Terra:
integrando arte e permacultura na formação do ser para o novo paradigma
São Paulo
2011
2
TERENA ZAMARIOLLI CORADI
Vivências da Terra:
integrando arte e permacultura na formação do ser para o novo paradigma
Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Artes do Instituto de Artes da UNESP - Universidade
Estadual Paulista e da UMAPAZ - Universidade Aberta do
Meio Ambiente e da Cultura de Paz como exigência
parcial para obtenção do título de especialista em
Ecologia, Arte e Sustentabilidade.
Orientadora: Prof.ª Mestre Regina Chiesa
São Paulo
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Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do
Instituto de Artes da UNESP
C787v
Coradi, Terena Zamariolli, 1986-
Vivências da terra : integrando arte e permacultura na formação do ser para o novo paradigma / Terena Zamariolli Coradi. São Paulo : [s.n.], 2011.
61 f. : il. Orientadora: Regina Fiorezzi Chiesa. Monografia (Lato Sensu em Ecologia, Arte e Sustentabilidade)
– Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes e Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz (UMAPAZ), 2011.
1. Arte. 2. Educação. 3. Teatro e sociedade. 4. Permacultura. I.
Chiesa, Regina Fiorezzi. II.Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz (UMAPAZ). IV. Título.
CDD – 707
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À todos que colaboram para a construção de um mundo melhor.
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores e colegas de curso pelo aprendizado e amadurecimento alcançados.
À Regina Chiesa pela cuidadosa orientação.
Aos participantes das experiências do Programa Vivências da Terra pela disponibilidade e pela oportunidade de troca.
Aos amigos que tornam o caminho mais feliz e mais leve.
Aos meus pais pela presença e compreensão.
Ao meu companheiro de trabalho e de vida por estarmos juntos nesse caminhar.
Gratidão.
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“Perceber a Terra através da terra. Ver a semente assumir a forma
de planta e a planta forma de alimento, o alimento que nos dá vida.
Ensina-nos a paciência e o manuseio cuidadoso da terra entre o
semear e o colher. Aprender que as coisas não nascem prontas.
Precisam ser cultivadas, cuidadas. Aprendendo, também, que o
mundo não está pronto, está se fazendo, está nos fazendo; que sua
construção exige persistência, paciência esperançosa da semente
que, em algum momento, será broto e será flor e será fruto.”
Moacir Gadotti
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RESUMO
O objetivo da presente pesquisa é investigar as relações, conexões e diálogos entre Arte e Permacultura na formação do ser para o novo paradigma, tendo como estudo prático as experiências do Programa Vivências da Terra. Este programa integra Permacultura e Teatro Social em contextos educativos e tem como intuito propiciar o despertar da consciência ecológica e criativa, e fomentar práticas que integrem as pessoas e o meio ambiente, tendo como base a ética da Permacultura do cuidado com a Terra, cuidado com as pessoas e partilha justa. Desta forma serão abordados o contexto e a visão de mundo do paradigma atual, assim como os princípios e valores necessários para a construção de um novo paradigma. Por desempenhar um papel fundamental na transição entre um paradigma e outro, o tema educação será desenvolvido. O estudo de algumas experiências educativas será usado como referência. Ao reconhecer a inter-relação e a interdependência de toda a Teia da Vida, amplia-se a visão de mundo e assume-se o compromisso ético com a vida e com a sua sustentação. Ao contemplar um olhar mais integral para o ser humano e para o processo educativo, compreendendo que este precisa estar fortemente vinculado ao contexto local e, ao mesmo tempo, à dimensão global, e que a relação entre teoria e prática, pensamento e corpo, forma e conteúdo, pode ser dialógica e não dicotômica, o processo educativo assume uma perspectiva mais ampla. Neste contexto a integração entre Arte e a Permacultura surge como uma possibilidade para um processo educativo que aborde a relação dialógica citada acima, e que contemple as dimensões intelectual, emocional, física, social, criativa, ética e espiritual do ser humano, assumindo um comprometimento ético com a vida. Assim o potencial criativo e transformador da Arte, a ética e os princípios da Permacultura são analisados. Por fim a análise de experiências práticas do Programa Vivências da Terra fomenta a reflexão e aponta alguns caminhos possíveis para uma formação integral que visa à construção do novo paradigma.
Palavras chaves: Arte. Educação. Teatro e Sociedade. Permacultura.
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ABSTRACT
This research investigate the relationships, connections and dialogues between Art and Permaculture on educations programs for the new paradigm era, with practical studies around the “Earth Experiences Program”. Based on the Permaculture ethics of caring of earth, beware of people and fair share, this program integrates Permaculture and Social Theatre in educational settings with the intention of promote the awakening of the creative and environmental awareness and promote practices that integrate people and environment. By this way will related the current worldview and paradigm, as well as the principles and values needed for the new paradigm construction. During this transition time between paradigms, the education subject has an important capacity to connect them, so this subject will be the focus in this research. The study of some educational experiences will be used as references. Recognizing the interrelationship and interdependence of all species in the Web of Life, it broadens the worldview and becomes the ethical commitment to life and with your support. When contemplating a more integral to the human being and to the educational process, understanding that this needs to be strongly linked to the local context and at the same time, the global dimension, and that the relationship between theory and practice, thought and body shape and content can be dialogical rather than dichotomous, the educational process takes a broader perspective. In this context the integration of Permaculture and Art emerges a possibility for an educational process that addresses the dialogical relationship mentioned above and including the intellectual, emotional, physical, social, creative, ethical and spiritual human being, assuming an ethical commitment with life. So creative and transformative potential of art, ethics and principles of Permaculture are analyzed. Finally the analysis of practical experiences of the Earth Experiences Program fosters reflection and suggests some possible paths for a comprehensive training that aims to build the new paradigm.
Keywords: Arts. Education. Theatre and Society. Permaculture.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------- 10
1 PARADIGMA
1.1 Contexto e paradigma atual ------------------------------------------------------------ 13
1.2 Novo paradigma --------------------------------------------------------------------------- 16
1.3 Papel da educação ----------------------------------------------------------------------- 22
2 ARTE
2.1 Contribuições da arte para a formação do ser ------------------------------------ 25
2.2 Potencial Criador -------------------------------------------------------------------------- 26
2.3 Potencial Transformador ---------------------------------------------------------------- 28
3 PERMACULTURA
3.1 Uma cultura permanente ---------------------------------------------------------------- 31
3.2 A ética do cuidado ------------------------------------------------------------------------ 32
3.3 Os Princípios ------------------------------------------------------------------------------- 33
3.4 A Flor da Permacultura ------------------------------------------------------------------ 36
4 VIVÊNCIAS DA TERRA
4.1 Construindo o caminho ------------------------------------------------------------------ 38
4.2 Pedagogia da Integração --------------------------------------------------------------- 46
4.3 Programa Vivências da Terra ---------------------------------------------------------- 48
4.4 Experiência e análise --------------------------------------------------------------------- 50
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------ 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------------------- 59
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INTRODUÇÃO
O percurso que levou ao encontro e integração da Arte e Permacultura em
processos educativos teve seu início com o Teatro. A palavra Teatro, do grego
theatron, significa “lugar de onde se vê”. Onde o público pode ver a representação
da vida. E onde o artista pode ver e compreender o Homem através da experiência
de vivenciar várias vidas.
Esta experiência artística possibilitou a ampliação da percepção, tanto a nível
individual e subjetivo, quanto a nível coletivo. O processo de autoconhecimento, de
perceber-se enquanto um ser criador e criativo e de descobrir a própria
expressividade, constituiu a base para a percepção do eu. O olhar sensível que ao
mesmo tempo percebe a poesia e é capaz de se colocar distante e observar o
mundo com certo estranhamento levou ao reconhecimento do outro, do que é
diferente de nós, e propiciou uma análise crítica do contexto histórico e social. Esse
processo, ao ampliar a percepção do “eu” e do “nós” trouxe uma ampliação da visão
de mundo.
Ao ampliar a visão de mundo a trajetória foi então conduzida para um diálogo
com a Educação, com o interesse em compreender o processo educativo também
como um processo criativo, ao mesmo tempo de autoconhecimento e de
conhecimento do mundo.
Os pontos de encontros entre a Arte e a Educação foram muitos. O diálogo foi
intenso e produtivo, e a parceria se estabeleceu na busca de processos educativos e
criativos que partissem do interesse dos educandos e fomentassem autonomia e
liberdade, tanto no contexto individual, quanto no coletivo. Neste momento deu-se o
encontro com a Educação Democrática, tema que será abordado mais
cuidadosamente no capítulo quatro.
Assim surgiu a necessidade de ampliar o olhar para as dimensões que
envolvem a formação do ser. Uma percepção mais holística e integral levou a
11
compreensão de que um processo educativo envolve as dimensões: intelectual,
emocional, física, social, criativa, ética e espiritual.
Fez-se necessário então ampliar o conceito de educação para além dos
muros das escolas e das grades do currículo, ampliando com isso o olhar para os
espaços e os tempos em que o processo educativo se constrói. Neste momento, o
conceito de Bairro-escola, que será abordado mais especificamente no capítulo
quatro, e principalmente a experiência prática do trabalho com crianças no bairro da
Vila Madalena1, zona oeste de São Paulo, trouxeram muitas reflexões, ampliando e
enriquecendo a discussão.
Esta percepção mais ampla do ser e da vida levou ao questionamento da
relação que o Homem tem estabelecido com a natureza, assim o tema da
sustentabilidade e da visão sistêmica de mundo fez-se presente. A trajetória nesse
momento deparou-se com a Permacultura.
A palavra Permacultura vem da ideia de uma cultura de permanência, ou seja,
uma abordagem que busca soluções sustentáveis para as principais necessidades
humanas, visando a integrar o homem ao meio ambiente, sem comprometer as
futuras gerações. Uma grande flor que integra diferentes áreas através de princípios
e de uma ética simples e bastante profunda: cuidar das pessoas, cuidar da Terra e
realizar uma partilha justa. Segundo Bill Mollison (1998, p.5), um dos criadores da
Permacultura, esta ética “permeia todos os aspectos dos sistemas ambientais,
comunitários, econômicos e sociais”.
Esta visão mais ampla proporcionou um novo olhar para o teatro, com a
descoberta do seu enfoque social. Assim o Teatro Social, inspirado no Teatro do
Oprimido de Augusto Boal, apresentou-se enquanto possibilidade para conhecer,
interagir e transformar a sociedade com poesia e beleza, resgatando a dimensão do
sonho e apontando caminhos para sua concretização. A perspectiva do teatro
enquanto “meio de conhecimento e transformação da realidade interior, relacional e
social” (VANZAN, 2008, p. 31) fez-se presente, redesenhando novos caminhos.
1 Projeto Escola na Praça ,da Associação Cidade Escola Aprendiz, tem como proposta pedagógica os conceitos
de Bairro-escola e Trilha Educativa. Para maiores informações ver: ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA
APRENDIZ. Bairro-escola passo a passo. São Paulo, 2007
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A integração fez-se então uma necessidade. Assim surgiu o programa
Vivências da Terra - em parceria com Felipe Pinheiro, engenheiro civil e permacultor
- que tem como objetivo integrar permacultura e arte em processos educativos que
visam à formação do ser para o novo paradigma.
Assim o objetivo da presente pesquisa é desta forma definido: investigar as
relações, conexões e diálogos possíveis entre Arte e Permacultura na formação do
ser para o novo paradigma, tendo como estudo prático as experiências do Programa
Vivências da Terra.
O primeiro capítulo abordará a questão do paradigma atual, do novo
paradigma e o papel da Educação nesta transição.
O segundo capítulo terá como tema central a Arte, trazendo a perspectiva do
seu potencial criador e transformador.
O terceiro capítulo abordará o tema Permacultura, ética e princípios.
O quarto capítulo trará uma análise da proposta metodológica do Programa
Vivências da Terra, com uma pesquisa bibliográfica sobre Educação.
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1. PARADIGMA
1.1 Contexto e paradigma atual
A nossa é uma Sociedade de Crescimento Industrial. Sua economia depende do consumo sempre crescente de recursos. Para manter seus motores funcionando, a Terra é a um só tempo seu depósito de suprimentos e seu esgoto (MACY; BROWN, 2004, p. 29-30)
A partir do pensamento de Macy e de Brown de uma sociedade de
crescimento industrial, na qual a Terra é o depósito de suprimentos e o esgoto, será
feita uma análise do paradigma atual, ou seja, da ideia central que reúne em torno
de si valores, modelos e padrões que estruturam a sociedade atualmente.
A primeira análise que se faz é que esta estrutura é bastante frágil, na
medida em que a relação que se estabelece como esgoto, ou seja, como lugar para
onde vão os resíduos, prejudica a relação que se estabelece como depósito de
suprimentos, uma vez que há a contaminação dos recursos naturais.
Numa segunda análise pode-se refletir sobre a visão do planeta Terra
apenas como depósito de suprimentos. Tratar a Terra como um depósito que não
necessita de cuidados, que pode ser explorada infinitamente, que não é digna de
respeito, que existe unicamente para a satisfação humana, evidencia uma visão de
mundo na qual o ser humano coloca-se acima de todos os outros seres, como um
ser aparte, e com mais direitos sobre a natureza.
Já a perspectiva da Terra como esgoto, destino de resíduos, de
agrotóxicos, de materiais contaminados ou que demoram séculos para se decompor,
revela uma visão imediatista, na qual não existe a preocupação com as gerações
futuras.
Por fim, a análise desta sociedade como sendo de crescimento industrial,
evidencia a dependência da produção, assim como da utilização dos recursos
naturais, numa escala sempre crescente. Baseada no consumo desta produção, a
relação estabelece-se visando ao lucro, que muitas vezes está ancorado na
exploração irresponsável dos recursos naturais e da mão-de-obra. Portanto, nenhum
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ser vivo, nem mesmo o próprio homem, é respeitado nesse processo. Isso revela
que este modo de funcionamento está baseado na desigualdade - é preciso que
exista o explorador e o explorado, o opressor e o oprimido.
E a situação chegou a tal ponto que:
Pela primeira vez na história da humanidade – não por efeito de armas nucleares, mas pelo descontrole da produção industrial (o veneno radioativo plutônio 239 tem um tempo de degradação de 24 mil anos)-, podemos destruir toda a vida do planeta (GADOTTI, 2000, p. 31)
Para se ter um exemplo do tamanho da crise socioambiental que enfrenta
a sociedade nos dias de hoje, um estudo sobre o impacto ambiental causado pelo
homem, denominado Pegada Ecológica, realizado por WWF em parceria com a
Rede Global Footprint Network, deu origem ao relatório Planeta Vivo 20062, que
revela que estão sendo utilizados cerca de 25% a mais do que o planeta dispõe de
recursos naturais, ou seja, os recursos naturais estão sendo consumidos mais
rápido do que sua capacidade de regeneração.
Este mesmo estudo aponta que só a população dos EUA tem uma
pegada ecológica que equivale ao consumo dos recursos naturais de cinco planetas
Terra. Só o modelo de consumo dos norte-americanos tem um impacto tão destrutivo
que seriam necessários cinco planetas Terra para conseguir prover os recursos
naturais utilizados. E vale observar que muitas vezes este mesmo modo de consumo
é visto como exemplo de desenvolvimento a ser seguido.
Segundo Gadotti (2000) a insustentabilidade do sistema econômico
capitalista é parte intrínseca do seu modelo de desenvolvimento. Desta forma, é um
mito a ideia de que os países subdesenvolvidos devem imitar os países
desenvolvidos, pois o subdesenvolvimento não é uma fase anterior ao
desenvolvimento, mas a consequência deste mesmo modelo.
Assim, o contexto mundial em relação às questões socioambientais está
agravando-se, e por isso, ocupando cada vez mais espaço na pauta dos assuntos
de interesse mundial.
2 Mais informações em: http://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/?4420
15
Compreendendo a especificidade e importância do tema, diversas ações
têm sido realizadas a nível nacional e mundial, como a ECO 92, Agenda 21 e a
Carta da Terra.
Reconhece-se hoje que estas questões não dizem respeito apenas ao
meio ambiente, elas perpassam todos os aspectos da vida humana: educação,
saúde, economia, alimentação, moradia, lazer e cultura, e ultrapassam todas as
fronteiras.
A dimensão é mundial não por uma escolha, mas por uma percepção de
que o que acontece em um lugar reverbera em outro. A utilização dos recursos
naturais, a poluição, a destruição de florestas, a segurança alimentar, a questão da
energia, o aquecimento global são questões de caráter mundial. Nesta perspectiva
faz sentido pensar-se uma civilização e uma cidadania planetárias (GADOTTI,
2000), uma vez que se reconhece a inter-relação e a interdependência destes
fatores.
Por outro lado, a constatação da insustentabilidade desse sistema conduz à
visão de que é necessário e urgente transformar nosso modo de vida. O conjunto de
valores, modelos e padrões da sociedade atual não dá conta da complexidade das
questões enfrentadas. Visão fragmentada, desigualdade, competição, pensamento
linear, desperdício, exploração, consumismo são alguns aspectos deste paradigma
atual.
Este contexto exige da sociedade atual um posicionamento. Se é um
desejo comum desfrutar de uma vida plena no presente, garantindo o mesmo para
as gerações futuras, faz-se necessário mudar o rumo da história. Freire (1996, p. 19)
lembra que é preciso “reconhecer que somos seres condicionados mas não
determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de
determinismo, que o futuro é problemático e não inexorável”.
Reconhecer o futuro como possibilidade abre caminho para se construir
uma história diferente. Ter consciência de que condicionamento não significa
determinismo abre espaço para a transformação, para o novo.
16
1.2 Novo paradigma
A causa-consciência ecológica talvez possa representar esse pontapé inicial de um novo projeto (paradigma) de sociedade que indique a direção e forneça a força necessária para a construção de um mundo ‘menos feio, mais justo e mais humano’, como dizia Paulo Freire. (GADOTTI, 2000, P. 32)
O momento histórico atual é um momento decisivo para a humanidade e,
portanto, exige que sejam feitas algumas escolhas importantes. A primeira delas é
como encarar este momento de crise: como uma fatalidade ou uma oportunidade?
Com desespero ou com esperança? Com medo da transformação ou com coragem
de mudar?
Se a resposta é fatalidade, desespero e medo não resta nada mais do
que ficar em casa e esperar. Mas se este momento de crise é encarado como uma
oportunidade para rever posturas e valores, se existe a confiança na vocação
ontológica do ser humano de ser mais (FREIRE, 1996), se existe a entrega à
transformação, então este momento pode ser encarado como pontapé inicial para a
construção do novo paradigma.
Entre o fim de um paradigma e o início de outro não existe um limite
estanque, há uma fase de transição na qual os dois convivem juntos. Algumas
pessoas já fizeram sua escolha e assumiram o compromisso com a mudança,
iniciando este momento de transição.
Esse movimento de mudança de paradigma começa a se desenvolver
quando têm origem as primeiras discussões sobre a questão da sustentabilidade e
do impacto ambiental; quando surgem as primeiras ecovilas (assentamentos
humanos sustentáveis); quando Bill Mollison e David Holmgren desenvolveram um
sistema de design para planejar e construir espaços humanos sustentáveis a partir
da observação dos padrões da natureza, denominado Permacultura; quando no
Equador a natureza passa a ser considerada legalmente um ser de direito; quando
se reconhece um código de ética planetário, como Carta da Terra.
Cada experiência citada acima, de acordo com seu contexto e suas
especificidades, busca vivenciar novos valores e princípios.
17
Mas que valores e princípios são estes?
Basicamente são aqueles que dizem respeito ao direito à vida e
representam a busca pela sua sustentação. A vida numa concepção mais ampla,
não apenas a vida humana. E não são valores e princípios “novos” porque foram
“inventados” agora, são novos porque exigem um olhar renovado, numa relação
dialógica com a história da humanidade, para compreender nesta trajetória o que é
preciso ser resgatado e o que é preciso ser superado. Neste sentido, a ética,
enquanto entendimento e responsabilidade compartilhada em relação ao direito à
vida, torna-se uma bússola importante para esta análise, que longe de ter fim,
apenas inicia os primeiros passos. Portanto, as ideias que serão abordadas a seguir
não têm o intuito de encerrar o assunto, mas ao contrário, fomentar a discussão.
Um dos princípios que estruturam este novo paradigma é a visão
sistêmica. Segundo Capra (2003, p.4): “uma das mais importantes considerações da
compreensão sistêmica da vida é a do reconhecimento que redes constituem o
padrão básico de organização de todo e qualquer sistema vivente”.
A visão de mundo do novo paradigma, portanto, é a da Teia da Vida, na
qual todos os elementos estão interconectados e são interdependentes. Segundo
Capra (2003) a rede é um padrão da vida. Não mais a estrutura hierárquica na qual
o homem ocupa o topo, mas uma relação de teia, na qual cada ponto é vital para a
manutenção da estrutura. O ser humano passa a sentir-se parte da natureza e
começa a estabelecer não mais uma relação de exploração, mas de cooperação.
Esta mudança fundamental de pensamento e de atitude leva à busca de
soluções sustentáveis para as principais necessidades humanas a partir de uma
nova lógica.
A sustentabilidade é outro princípio que estrutura este novo paradigma,
mas um conceito de sustentabilidade que:
Vai além da preservação dos recursos naturais e da viabilidade de um desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente. Ele implica um equilíbrio do ser humano consigo mesmo e, em consequência, com o planeta (e mais ainda com o universo). A sustentabilidade que defendemos refere-se ao próprio sentido do que somos, de onde viemos e para onde vamos (...) (GADOTTI, 2000, p. 34-35)
18
Este sentido mais amplo do conceito de sustentabilidade insere-se não
somente no campo das ações, mas essencialmente no campo da ética. Não se trata
apenas de utilizar materiais ecológicos ou fazer construções sustentáveis, a questão
é mais profunda que isso. A pergunta que deve ser feita é qual o sentido desta ação,
o por que desta escolha. O que está em jogo é a mudança na lógica do pensamento,
não apenas nos materiais ou tecnologias utilizadas. Porque senão corre-se o risco
de:
(...) que as mudanças sejam apenas ‘cosméticas’ e não estruturais, mantendo na base a mesma estrutura de dominação – talvez até com alguns avanços práticos de liberdade, mas sem nenhuma reforma estrutural (GALLO, 1995, p. 179)
Este é um cuidado que é preciso ter - as mudanças não podem ser
superficiais, precisam ser profundas, e só representarão uma real transformação se
houver de fato uma mudança na estrutura.
E, neste sentido, a mudança precisa operar-se tanto no pensamento
quanto no corpo, na matéria. Boal (1998) afirma que ideias, emoções e
pensamentos estão indissoluvelmente entrelaçados, que um movimento corporal é
um pensamento e um pensamento também se exprime corporalmente. Vanzan
(2008) pontua que, nesta perspectiva de ser humano como globalidade de corpo,
mente e emoção, a aprendizagem-transformação envolve todos os três aspectos,
em forte relação.
Desta forma é superada a dicotomia corpo-mente, teoria-prática, forma-
conteúdo, discurso-ação. O ser humano passa a ser visto de forma integral, todas
suas dimensões encontram-se intrinsecamente relacionadas. A coerência, neste
sentido, é a bússola que direciona o caminho. E o norte desta bússola é a ética.
Quando, porém, falo da ética universal do ser humano estou falando da ética enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana (...) E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude (FREIRE, 1996, p. 18)
19
É a dimensão da ética que possibilita a todos exercer a vocação
ontológica de ser mais, de se assumir enquanto um ser inacabado, um ser da busca,
que consciente desse inacabamento assume-se como sujeito no e com o mundo,
pois “o mundo não é, o mundo está sendo” (FREIRE, 1996, p.76). O ser humano
está em construção e dialogicamente construindo o mundo. Esta ética universal do
ser humano é a ética que tem como base o direito à vida e o compromisso com a
sua sustentação.
A responsabilidade com as futuras gerações, por exemplo, é
consequência da postura ética que se assume nas escolhas de hoje. Mollison e
Holmgren conseguiram sintetizar estas questões de forma clara e profunda ao
estabelecerem como ética da permacultura o cuidado com a Terra, cuidado com as
pessoas e a partilha justa. O conceito de sustentabilidade, portanto, implica acima de
tudo um comprometimento ético.
O conceito de cidadania planetária também aparece como uma das bases
deste novo pensamento.
O conceito de cidadania planetária tem a ver com a
consciência, cada vez mais necessária, de que somos todos habitantes de uma única casa, de uma única morada, de uma única nação. Temos uma identidade terrena, somos terráqueos. Assim como nós, este planeta, como organismo vivo, tem uma história. Nossa história faz parte dele. Nós não estamos no mundo; nós somos parte dele. Não viemos ao mundo; viemos do mundo. Terra somos nós e tudo o que nela vive em harmonia dinâmica, compartilhando o mesmo espaço. Temos um destino comum. (GADOTTI, 2009, p.2)
A consciência planetária traz uma dimensão maior do nível de relações
em que o ser humano está inserido enquanto habitante deste planeta. E, desta
forma, também o entendimento de que uma ação local repercute globalmente, e
vice-versa. Nesta perspectiva, a Terra aparece como um ser vivo, como parte
integrante desta teia, e não apenas como suporte para ela. Esta consciência traz
consigo uma maior responsabilidade diante do destino comum.
20
Outro princípio que estrutura o novo paradigma é o reconhecimento das
várias dimensões que constituem o ser humano. A dimensão intelectual responsável
pelo pensamento lógico-racional. A dimensão emocional que envolve a capacidade
de lidar com as sensações e sentimentos. A dimensão física que representa o canal
de comunicação com o mundo, numa relação dialógica entre sentir/perceber e
expressar. A social que envolve a habilidade de se relacionar, de estar e viver em
grupo. A dimensão ética que faz a mediação da relação eu-mundo. A criativa que
representa todo o potencial de criar, em todos os aspectos da vida. E a espiritual
que busca um sentido maior para a vida, uma conexão com o todo, independente de
religião.
Esta perspectiva mais ampla do ser humano implica uma outra postura
frente ao mundo. O conhecimento, por exemplo, não é abordado apenas a partir do
viés intelectual; da mesma forma a saúde não é abordada apenas na dimensão
física. O ser humano pode ser visto também a partir de visão sistêmica, na qual
todas as suas dimensões estão interconectadas e são interdependentes. Desta
forma se faz necessário superar o pensamento linear e a fragmentação na busca por
uma abordagem mais transdisciplinar.
Outro principio importante deste novo paradigma diz respeito à liberdade
e autonomia. E é preciso não confundir liberdade com licença, nem autoridade com
autoritarismo, confusões muitas vezes realizadas quando se aborda o assunto.
A liberdade precisa ser entendida em sentido coletivo (GALLO, 1995), ou
seja, a liberdade precisa ser compartilhada. Não é possível falar em liberdade
quando há opressão, e sempre há opressão quando existe uma ação que impede ou
inibe a vocação do outro de ser mais. Neste sentido a liberdade não está dada, ela é
conquistada, construída. Está fortemente vincula à ética e à responsabilidade. “O
educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá
assumindo a responsabilidade de suas ações” (FREIRE, 1996, p. 93).
Da mesma forma se dá com a autonomia. Não se nasce autônomo, mas
se constrói a autonomia. “Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir”
(FREIRE, 1996, p. 107). Ou seja, é preciso assumir a autonomia como um processo,
como uma conquista, da qual a autoridade, e não o autoritarismo, faz parte.
21
E é preciso pensar a liberdade e a autonomia tanto a nível individual
quanto a nível coletivo. Nesta perspectiva quando se pensa a gestão de um grupo
ou instituição, por exemplo, não é possível seguir o sistema hierárquico e
fragmentado de antes, é preciso criar uma gestão compartilhada, participativa, com
liderança circular, de forma que todos que participam do processo possam
reconhecer-se e responsabilizar-se por ele. A visão sistêmica possibilita esse olhar
para a rede, para uma atuação em rede, tanto dentro de um mesmo grupo, quanto
na articulação de diversos coletivos.
Em relação aos valores do novo paradigma faz-se necessário pensar
naqueles que são fundamentais para que se consiga seguir os princípios citados
acima, com base na garantia da vida, em seu sentido mais amplo, e da sua
sustentação. Como a temática de valores é muito extensa, e não é este o foco desta
pesquisa, optou-se por citar apenas os que neste contexto foram considerados
fundamentais. O objetivo não é encerrar a questão, uma vez que se reconhece que
a construção de um novo paradigma é algo bastante complexo e que está em
permanente processo de recriação.
A cultura de paz é um dos valores centrais do novo paradigma. Ela traz
consigo o valor da não violência e do respeito, em todos os seus aspectos e
pensando em toda Teia da Vida. Entre os homens há a valorização do diálogo como
principal forma de resolver divergências. E o respeito aparece também como uma
forma de cuidado.
Outro valor base para esta nova forma de encarar a vida é a valorização
da diversidade, tanto biológica quanto cultural, como algo necessário para a
sustentação da vida. A cooperação e a solidariedade aparecem como valores que
fortalecem as relações nessa sustentação conjunta. A responsabilidade, nesta
perspectiva, é compartilhada.
A busca pela harmonia orienta as ações e posturas; a humildade nos faz
reconhecer nosso justo valor; a compaixão permite sentir com o outro; a gratidão
reconecta a teia da vida e valoriza cada um de seus pontos; a alegria traz a leveza e
o prazer; e o amor o sentido maior da jornada neste planeta.
22
1.3 O papel da educação
Uma vez que se tem consciência de onde se está e clareza de onde se
quer chegar, é necessário trilhar o caminho. E neste caminho a educação
desempenha um papel fundamental, tanto em relação ao entendimento da
complexidade que envolve a questão ambiental e social que se vive hoje, quanto em
relação ao fortalecimento de novos hábitos e valores para a construção de um novo
paradigma.
Desta forma é preciso refletir sobre os processos educativos, investigar
como é a relação educador-educando, como é desenvolvido o conhecimento, como
são trabalhados os valores. Para tal será utilizado como referência o pensamento de
Paulo Freire. Segundo ele, é preciso reconhecer que conceito de homem e de
mundo revela a ação educativa, pois “não pode existir uma teoria pedagógica, que
implica em fins e meios da ação educativa, que esteja isenta de um conceito de
homem e de mundo. Não há, nesse sentido, uma educação neutra” (FREIRE, 1974,
p.7).
Paulo Freire evidencia a intencionalidade do ato de educar, pontuando a
responsabilidade inerente a tal ação. Se todo processo educativo expressa uma
visão de homem e de um mundo, representa, portanto, um ato político e neste
sentido não existe neutralidade.
Nesta perspectiva Freire (1974) identifica dois movimentos distintos em
relação à educação: formar para a adaptação ou para a transformação do mundo.
Ao primeiro grupo ele dá o nome de “educação bancária”, que é baseada em uma
postura depositária de informações, na qual o educador ocupa o lugar central, como
sujeito da ação, e cabe aos alunos, como objetos da ação, somente a acumulação e
reprodução das informações.
Nesta concepção o saber é uma doação, e não um processo de busca e
construção. E isso incentiva à passividade por parte dos alunos, uma vez que eles
não participam como sujeitos do processo educativo. Também não existe uma
análise crítica das informações, nem espaço para a criatividade. A consequencia
deste tipo de educação é a manutenção da sociedade tal qual ela se encontra.
23
(FREIRE, 2005).
Ao segundo grupo ele chama de educação progressista, libertadora ou
problematizadora, na qual existe o entendimento de que formar é muito mais do que
puramente treinar. Nesta perspectiva educar não é transferir conhecimento, do
sujeito para o objeto, mas criar possibilidades para que educador e educando, como
sujeitos, atuem juntos na sua construção.
Este segundo movimento será analisado mais detidamente para que se
entendam as contribuições deste pensamento para a formação do ser para o novo
paradigma, visto que a “educação bancária” tem como finalidade a reprodução dos
valores, padrões e modelos da sociedade atual, reconhecidamente insustentáveis
uma vez que ameaçam a vida de todos os seres que habitam a Terra, incluindo o
próprio homem.
O processo educativo, na perspectiva problematizadora, se constrói de
forma dialógica, educador e educando são parceiros no processo pedagógico e
compreendem que ensinar e aprender são ações que cabem a ambos. O
conhecimento tem forte vínculo com a realidade do educando. O saber de
experiência feito (FREIRE, 1996) é valorizado, ou seja, a experiência e o saber do
educando são reconhecidos. O processo educativo parte do que Freire chama de
curiosidade ingênua ou espontânea para curiosidade epistemológica, de um saber
mais superficial para um saber aprofundado e crítico.
Segundo Freire (1996) a leitura do mundo precede a leitura da palavra,
desta forma a ação de aprender um conteúdo não pode estar desvinculada de uma
leitura crítica da realidade. O processo educativo não pode se constituir à parte da
realidade, ele deve, ao contrário, estabelecer uma relação dialógica com ela, de
reflexão, questionando e transformação.
A visão de homem como um ser histórico, social, biológico e cultural traz
uma compreensão de que a realidade que se vive agora é uma construção e não
uma fatalidade, portanto esta realidade pode ser questionada e, principalmente,
transformada. Freire aponta ainda a importância do processo de conscientização,
tanto individual quanto social, como base para a transformação da realidade,
juntamente com o que ele denomina ética universal do ser humano, algo
24
absolutamente indispensável à convivência humana (FREIRE, 1996).
Segundo Freire (1996, p.17) “não podemos nos assumir como sujeitos da
procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos,
transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos”.
Freire coloca a ética como ponto fundamental da relação do ser para
consigo mesmo e para com o mundo. É o compromisso que se assume na
construção do mundo, da História.
A vocação ontológica do ser humano para ser mais, ou seja, a disposição
natural e inerente para transcender, superando condicionamentos e limitações, nos
faz seres da procura, da busca. É a consciência da nossa incompletude que nos faz
buscar o conhecimento (FREIRE, 1996).
E somente a liberdade proporciona o desenvolvimento da vocação
ontológica do ser humano para ser mais. Toda ação que impede ou inibe esta
vocação é considerada uma opressão, que, portanto, nega a visão do ser humano
enquanto o ser da procura, da opção. Neste sentido esta é uma pedagogia da
autonomia e da liberdade e, portanto “tem que estar centrada em experiências
estimuladoras da decisão e da responsabilidade” (FREIRE, 1996, p. 107).
Assim uma educação que tenha por objetivo a transformação da realidade
precisa estar pautada no profundo respeito ao educando, na construção
compartilhada de um conhecimento vinculado à realidade, na experiência prática da
autonomia e da liberdade, e no testemunho ético.
25
2. ARTE
2.1 Contribuições da arte para a formação do ser
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! (GALEANO, 2009, p. 15)
O texto acima leva o título de “A função da arte”. Galeno, desta forma, associa
a arte com o olhar. Não apenas com o ato de enxergar, mas, sobretudo com a
capacidade sentir, compreender e se encantar diante da beleza. A arte função da
arte neste sentido é ajudar as pessoas a olharem.
A arte pode contribuir de muitas formas para formação do ser, mas uma das
principais contribuições, sem dúvida, diz respeito ao olhar. O olhar pra si e o olhar
para o mundo. Num processo constante de ampliação da percepção e visão de
mundo, desenvolvendo o olhar crítico e também o olhar poético. Realizando um
processo de autoconhecimento e de conhecimento do mundo, numa relação
dialógica entre o dentro e fora.
Apropriar-se de diferentes linguagens artísticas é, neste sentido, ampliar o
repertório de expressão e comunicação, e assim adquirir melhores condições para
ler e interpretar os fatos que acontecem no mundo interno e externo.
Outra contribuição tão importante quanto a do olhar diz respeito ao despertar
do potencial criativo e transformador do ser. Processo este que conduz a
conscientização e ao empoderamento, tanto num nível individual e subjetivo, quanto
numa dimensão coletiva e global.
26
2.2 O potencial criador
Ostrower (2009, p.5) considera “a criatividade um potencial inerente ao
homem, e a realização desse potencial uma de suas necessidades”.
Ao afirmar que a realização do potencial criativo é uma necessidade
humana, Ostrower amplia a noção de criatividade, tirando-a de um campo quase
onírico, para trazê-la para a concretude de potencial inerente ao homem. Desta
forma não são apenas os artistas que possuem criatividade, todos os seres
humanos a possuem. E dar vazão a essa criatividade é uma necessidade que
homens e mulheres, de todas as idades, sentem.
Criatividade é o potencial de criar, em todos os sentidos. Ser criativo é dar
vazão a este potencial e desenvolve-lo.
Neste sentido, entende-se que a criatividade é inerente ao ser humano,
mas seu desenvolvimento, ou seja, utilizar-se deste saber de forma consciente é
uma habilidade que precisa ser desenvolvida. E o desenvolvimento de toda
habilidade exige um espaço de experimentação, de treino.
A arte pode ser vista, neste sentido, como uma das formas mais
completas para se desenvolver o potencial da criatividade, uma vez que cria
condições para a livre experimentação. Na arte o indivíduo pode permitir-se, sem a
“obrigação” do acerto. O produto artístico será sempre um resultado do processo
vivenciado, e a condução deste processo pode ser a todo instante repensada e
recriada.
Segundo Ostrower (2009) criar é uma experiência de dar forma, ou seja,
de concretizar e significar a experiência. É o momento da transição entre o mundo
das ideias e o mundo material, no qual o indivíduo exercita sua comunicação através
de diferentes linguagens: corporal, sonora, cênica e plástica. A criatividade é
justamente o desafio de traduzir uma ideia, um sentimento ou uma sensação através
de uma linguagem.
O espaço da experimentação é fundamental neste sentido, pois permite
ao individuo treinar na arte para se preparar para agir na vida.
Segundo Saviani (2004, p.49) “estudar e fazer arte estimula o individuo a
27
perceber e a desenvolver uma relação mais aberta consigo mesmo, com os outros,
com a natureza e com as situações diversas que a vida lhe apresenta”. Ao pontuar a
amplitude do fazer artístico, a autora traz a dimensão das relações a nível individual
e coletivo, apresentando uma visão integral da arte.
Quando se trabalha com arte coloca-se em movimento percepções,
pensamentos, sentimentos e sensações que envolvem a relação do individuo
consigo mesmo e com o mundo. A experiência artística, neste sentido, é uma
relação dialética entre o que acontece dentro e fora, e desta forma pode ser
reveladora e transformadora de uma realidade.
Nachmanovitch (1993) diz que as formas de arte são uma porta para uma
experiência total na vida cotidiana, pois exercitam a presença, a espontaneidade e a
capacidade de improvisar. Ele lembra ainda que muitas vezes é necessário
desbloquear os obstáculos que impedem o fluxo natural da criação, e que ao invés
de se perguntar como, deve-se perguntar: “o que nos impede?” (p.21). Desta forma
o espaço da arte para a livre experimentação torna-se, além de um espaço de treino,
um espaço de investigação de bloqueios, constituindo-se também um espaço de
autoconhecimento.
Ao fazer uma criação artística o indivíduo realiza um processo de
autoconhecimento, tomando consciência de si, de seus sentimentos, sensações,
desejos e limitações, e se relaciona, ao mesmo tempo, com o outro, elaborando as
questões que envolvem seu estar no mundo.
Ao produzir e apreciar processos artísticos o indivíduo exercita seu potencial
criador. E ao tomar consciência de sua capacidade criadora, assume o seu potencial
transformador. Assim, o exercício da autonomia crítica e criativa possibilita que o
indivíduo assuma o papel de sujeito da sua própria história, e seja capaz de
estabelecer novas relações, criando novas possibilidades de resolução para as
questões enfrentadas.
28
2.3 O potencial transformador
Creio que o teatro deve trazer felicidade, deve ajudar-nos a
conhecermos melhor a nós mesmos e ao nosso tempo. O nosso desejo é o de melhor conhecer o mundo que habitamos, para que possamos transformá-lo da melhor maneira. O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também um meio de transformar a sociedade. Pode nos ajudar a construir o futuro em vez de mansamente esperarmos por ele (BOAL, 1998, p. 11)
Augusto Boal defende a ideia de que o teatro é um meio de conhecimento
e transformação da sociedade. Entender o fazer artístico desta forma é reconhecer
que a ação da arte não está restrita somente ao campo estético e subjetivo, mas vai
além, desempenhando também um papel de transformação social.
Lançar este olhar para o fazer artístico, mais do que reconhecer o
potencial transformador da arte é reforçar a sua função social.
Saviani (1993, p. 53) pontua que “fazer arte é expressar relações, é
perceber o que elas são e como podem se transformar tanto no campo artístico
quanto na vida”.
Desta forma a arte pode ser entendida como forma de se conhecer e de
conhecer a sociedade, de se transformar e também de transformar a sociedade. A
relação dialética entre o dentro e o fora, o indivíduo e a sociedade, o eu e o mundo,
torna-se parte inerente do processo artístico. Mas neste sentido a transformação
exige mais do que a intenção, exige um engajamento social e ético, exige que o
individuo assuma sua responsabilidade perante o mundo, agindo de forma coerente.
A partir desta visão de arte, o teatro, a linguagem artística mais presente
nesta pesquisa, será analisado. E para reafirmar o engajamento em conhecer,
interagir e transformar a sociedade será utilizado o termo Teatro Social. Este termo
tem sido usado por Giulio Vanzan, artista e educador italiano, mestre em
desenvolvimento local, que tem realizado alguns cursos no Brasil.
O Teatro Social tem grande inspiração do Teatro do Oprimido,
desenvolvido por Augusto Boal. Entretanto a ideia não é apenas reproduzir estas
técnicas, mas a partir delas dialogar com outras referências artísticas e pedagógicas.
No caso de Vanzan técnicas de mimo e de máscara.
29
O Teatro do Oprimido foi desenvolvido a partir da década de 60,
primeiramente no Brasil, e depois na Europa. A opressão, neste sentido, é entendida
a partir da pedagogia do oprimido de Paulo Freire, e significa toda ação que impede
ou inibe a vocação ontológica do homem de ser mais.
Da mesma forma que na pedagogia do oprimido o processo de
conscientização se faz necessário, é preciso primeiramente reconhecer quais são as
opressões vivenciadas no dia-a-dia e refletir sobre sua dimensão histórica, social e
cultural. A diferença é que esta reflexão acontece em cena, através da linguagem
teatral.
Segundo Boal (1998) a intenção é tornar o espectador protagonista da
ação, pois ao agir em cena ele se prepara para agir na vida e transformar as
situações de opressão.
O Teatro do Oprimido ou o Teatro Social, desta forma, não tem um fim em
si mesmo, mas fazem parte de um processo maior que visa à transformação pessoal
e social.
Segundo Vanzan (2008) não importa que a ação seja feita numa cena
teatral, o importante é que seja ação, pois assim o espectador adquire ferramentas
para se tornar protagonista da sua própria vida.
Boal (1998) tem uma concepção integral do ser humano e compreende
que ideias, emoções e pensamentos estão indissoluvelmente entrelaçados. A
relação entre razão e emoção, ação e pensamento, é dialética. Assim torna-se muito
importante o processo de experienciar e refletir, trazendo para a consciência o
aprendizado realizado.
Para ele muitas vezes o ser humano age de forma condicionada, sendo
necessário por isso um processo de desmecanização para desconstruir máscaras
sociais, padrões e hábitos arraigados e muitas vezes inconscientes. Como corpo e
mente estão intrinsecamente relacionados, o trabalho com o corpo reflete na mente.
Desta forma o processo de desmecanização coloca em movimento todos os
sentidos, estimulando a atenção ao momento presente e ampliando a percepção. É
preciso olhar o que se vê, escutar o que se ouve e sentir o que se toca, pois muitas
vezes essas ações são realizadas de forma tão mecanizada que não é possível
30
descrever, por exemplo, os detalhes de um trajeto feito a pé ou a textura do alimento
comido minutos antes. Os jogos de desmecanização são muito importantes pois ao
desconstruir certos padrões corporais e mentais, cria-se espaço para o novo.
Através do teatro é possível trabalhar emoções e conflitos de maneira
lúdica, vivenciando diferentes situações e personagens, compreendendo assim os
diferentes pontos de vista.
Uma das diferenças fundamentais do Teatro do Oprimido para o Teatro
Social é que o primeiro trabalha a partir das opressões e o segundo trabalha
também a dimensão do sonho. Ou seja, o primeiro busca a libertação a partir da
compreensão dos mecanismos de opressão que se operam, e é vivenciando estes
mecanismos que se encontram as possibilidades de libertação. Já o segundo
acredita que é possível alcançar a libertação também através do sonho, do que se
deseja como ideal, pois ao acessar em si, através do corpo, da mente, da intuição e
das emoções, a mudança desejada o indivíduo consegue ter clareza de onde quer
chegar e de qual é o caminho. Acessar este estado e registrar esta sensação auxilia
o processo de transformação.
31
3. PERMACULTURA
3.1 Uma cultura permanente
O termo permacultura surgiu no início da década de 1970 na Austrália.
Segundo Mollison (1998, p.5) “a filosofia por trás da permacultura visa trabalhar com
a natureza, e não contra esta. É um trabalho de observação do mundo natural, com
conclusões transferidas para o ambiente planejado”.
Bill Mollison, na época professor universitário, e David Holmgren, seu
aluno, a partir da observação dos padrões da natureza desenvolveram juntos um
sistema de planejamento de assentamentos humanos visando à integração
harmoniosa das pessoas e do meio ambiente, com o objetivo de prover alimento,
energia, abrigo e outras necessidades, materiais ou não, de forma sustentável
(MOLLISON, 1998).
Eles observaram que existem padrões de funcionamento que se repetem
na natureza como, por exemplo, o dendrítico que tem como função a distribuição e
aparece tanto nos galhos das árvores quando nas veias do ser humano, ou ainda o
padrão de crescimento em espiral que se observa no caracol. Perceberam assim
que existem padrões que são mais eficientes, tanto em gasto de energia quanto em
resistência, e que revelam um equilíbrio dentro dos ciclos naturais. Então, a partir da
observação dos padrões da natureza, buscaram reproduzir nos assentamentos
humanos a diversidade, estabilidade e resistência de ecossistemas naturais, de
forma a cooperar com a natureza, trabalhando a seu favor e otimizando o uso da
energia.
Esta observação cuidadosa da natureza aliada ao diálogo entre a
sabedoria dos povos ancestrais e o conhecimento científico e tecnológico atual
constitui a base em que se estrutura a permacultura.
Esta reflexão entre o que precisa ser resgatado e o que pode ser
transformado ou otimizado fez com que a permacultura desenvolvesse uma
abordagem bastante ampla.
32
A ideia de uma agricultura permanente que possibilitasse a
autossuficiência alimentar foi o ponto disparador do processo. Entretanto a
complexidade da questão fez com que o olhar se ampliasse-se para a perspectiva
de uma cultura permanente, ou seja, um conjunto de elementos fundamentais para a
sustentação da vida englobando os aspectos ambientais, comunitários, econômicos
e sociais.
Desta forma a permacultura se estabelece como um sistema de
planejamento que visa a um modo de vida sustentável e se realiza-se através da
observação da natureza, integração de seus elementos, resgate da cultura dos
povos tradicionais num processo de diálogo e recriação a partir dos conhecimentos
atuais, que abrange aspectos ambientais, econômicos e sociais e é orientado por
uma ética e princípios específicos.
3.2 A ética do cuidado
De acordo com Holmgren (2002, p.7) “o processo de prover as
necessidades das pessoas dentro de limites ecológicos requer uma revolução
cultural”.
Uma mudança cultural representa, sobretudo, uma mudança de valores.
E se esta mudança tem como base os limites ecológicos, ou seja, o respeito ao
tempo de regeneração dos recursos naturais, estes valores devem ser coerentes
com esta visão. Neste sentido, a ética que orienta a mudança de hábito e a
construção de valores é o ponto chave do processo de transformação social.
A ética que orienta a permacultura é o cuidado com a Terra, cuidado com
as pessoas e partilha justa. Este é o eixo que orienta o pensamento e todas as
práticas.
O cuidado com a Terra diz respeito ao cuidado com a água, solo,
atmosfera, fauna, flora, biomas, enfim tudo que faz parte deste planeta. A Terra,
nesta perspectiva, é vista ao mesmo tempo como o conjunto de tudo que a compõe
33
e como um ser vivo que também precisa de cuidado. Ações de preservação,
reflorestamento, valorização da biodiversidade e fechamento dos ciclos para não
gerar resíduos são alguns exemplos desse cuidado.
Embora o ser humano também faça parte da Terra, a ética do cuidado
com as pessoas reforça a importância de cuidar das relações humanas nesta
construção de um modo de vida sustentável. Os seres humanos são um ponto
fundamental deste processo tanto pela sua capacidade de destruição quanto pela
capacidade de transformação. Faz-se necessário pensar nas necessidades básicas
de alimentação, abrigo, educação, trabalho e contato humano de modo a supri-las
com o menor impacto negativo possível, numa relação de respeito e cooperação,
levando em conta as futuras gerações.
A partilha justa diz respeito à redistribuição do excedente e o
estabelecimento de limites para o consumo. (HOLMGREN, 2002). Representa
também a contribuição do excedente de tempo, dinheiro e energia de cada um para
se alcançar os objetivos do cuidado com a Terra e com as pessoas (MOLISON,
1998). Os valores da cooperação e da solidariedade orientam a partilha de modo
que todos os seres tenham suas necessidades satisfeitas.
A ética da permacultura, de maneira geral, é a ética do respeito à vida.
Tudo que compõe a teia da vida tem valor intrínseco e merece cuidado. A lei da
natureza é do equilíbrio e da harmonia.
3.3 Os princípios
A ideia por trás dos princípios da permacultura é que princípios gerais podem ser derivados do estudo do mundo natural e das sociedades sustentáveis da era pré-industrial, e que esses princípios serão aplicáveis de forma universal de modo a apressar o desenvolvimento do uso sustentável da terra e dos recursos, seja num contexto de abundância ecológica e material ou em um contexto de escassez. (HOLMGREN, 2002, p. 7)
34
Segundo Holmgren a permacultura baseia-se em princípios gerais que
podem ser aplicados em diferentes contextos. Estes princípios são frutos da
observação tanto do funcionamento da natureza quanto da dinâmica de vida de
sociedades sustentáveis anteriores ao período da revolução industrial, quando a
escala de consumo dos recursos naturais e da produção aumentou num ritmo
acelerado e insustentável.
Estes princípios são utilizados com o intuito de gerar ou manter a
abundância dos recursos naturais, ou seja, criar condições para que a geração atual
e as próximas gerações possam usufruir positivamente destes recursos.
Segundo Mollison (1998), um projeto permacultural tem dois movimentos
distintos: um diz respeito aos princípios que podem ser adotados em qualquer clima
ou condição cultural, e o outro, mais associado às técnicas e práticas, pode variar de
acordo com o contexto.
Dentre os princípios que podem ser aplicados em diferentes contextos,
existe uma diferença de abordagem entre Mollison e Holmgren. Mollison tem uma
abordagem mais objetiva ligada ao planejamento e Holmgren apresenta uma visão
mais subjetiva que integra diferentes áreas do conhecimento. Estas diferentes visões
não estão em contradição, pelo contrário, são complementares.
De acordo com Mollison são nove os princípios:
1) Localização relativa – cada elemento (casa, tanque, estrada..) é posicionado em relação a outro, de forma que auxiliem-se mutuamente; 2) Cada elemento executa muitas funções; 3) Cada função importante é apoiada por muitos elementos; 4) Planejamento eficiente do uso de energia para a casa e os assentamentos; 5) Preponderância do uso de recursos biológicos sobre o uso de combustíveis fósseis; 6) Reciclagem local de energia (humanas e combustíveis); 7) Utilização e aceleração da sucessão natural de plantas; 8) Policultura e diversidade de espécies benéficas, objetivando um sistema produtivo e interativo; 9) Utilização de bordas e padrões naturais para um melhor efeito.” (MOLLISON, 1998, p. 17)
Estes princípios são orientações gerais para o planejamento
permacultural de um espaço. São indicações diretas e objetivas que possuem um
35
caráter universal. De acordo com a visão da permacultura o planejamento ou design
ecológico é uma abordagem que busca soluções para as principais necessidades
humanas, visando a integrar o homem ao meio ambiente, sem comprometer as
futuras gerações. A partir da observação dos padrões da natureza, busca-se planejar
e construir espaços humanos sustentáveis, buscando fechar os ciclos.
Planejamento, na acepção ampla da palavra, consiste em direcionar os fluxos de energia e da matéria, para a finalidade humana. O eco-planejamento (ecodesign) constitui um processo pelo qual nossos objetivos humanos são cuidadosamente entrelaçados com os padrões maiores e os fluxos do mundo natural. Os princípios do eco-planejamento refletem os princípios da organização evolutiva da natureza e que sustentam a teia da vida (CAPRA, 2003, p 9)
De acordo com Capra, planejamento é o direcionamento dos fluxos de
energia e de matéria para o uso humano. Já o planejamento ecológico leva em
consideração não apenas as necessidades humanas, mas também a necessidade
do meio ambiente e realiza-se de forma a contemplar os padrões e os fluxos da
natureza. A sustentação da teia da vida, desta forma, é o foco do planejamento.
Holmgren elaborou um sistema mais complexo de princípios, no qual
cada princípio é acompanhado por uma frase e um símbolo. Esta metodologia, mais
metafórica, possibilita mais interpretações, além de ampliar a área de atuação da
permacultura, pois não visa apenas ao planejamento de um espaço, mas
compreende que existem outros campos de conhecimento que dialogam entre si.
São dozes os princípios:
1) Observe e interaja – a beleza está nos olhos do observador. 2) Capte e armazene energia – produza feno enquanto faz sol. 3) Obtenha rendimentos – você não pode trabalhar de estômago vazio. 4) Pratique a auto-regulação e aceite feedback – os pecados dos pais recaem sobre os filhos até a sétima geração. 5) Use e valorize os serviços e recursos renováveis – deixe a natureza seguir seu curso. 6) Não produza desperdícios – não desperdice para que não lhe falte. 7) Design partindo dos padrões para chegar aos detalhes – as vezes as árvores nos impedem de ver a floresta. 8) Integrar ao invés de segregar – muitos braços tornam o fardo mais leve. 9) Use soluções pequenas e lentas – quanto maior, pior a queda.10) Use e
36
valorize a diversidade – Não coloque todos os seus ovos numa única cesta.11) Use as bordas e valorize os elementos marginais – não pense que você está no caminho certo somente porque ele é o mais batido.12) Use criativamente e responda às mudanças – a verdadeira visão não é enxergar as coisas como elas são hoje, mas como serão no futuro. (HOLMGREN, 2002)
Observa-se que, em relação aos princípios de Mollison, estes princípios
são mais abrangentes, podendo ser utilizados para se pensar tanto espaços quanto
relações. Os seis primeiros princípios partem do micro para o macro, da visão local
para a global. E os seis últimos fazem o caminho contrário, indo do todo para as
partes.
Todos os princípios relacionam-se entre si e cada um deles pode ter
inúmeros desdobramentos. Desta forma Holmgren desenvolveu o conceito da Flor
da Permacultura, integrando as diversas áreas do conhecimento.
3.3 A Flor da permacultura
David Holmgren sistematizou uma ferramenta que integra diferentes
áreas denominada Flor da Permacultura. Esta flor tem como centro a ética e os
princípios da permacultura e possui sete pétalas: 1) manejo da terra e da natureza;
2) espaço construído; 3) ferramentas e tecnologias; 4) cultura e educação; 5) saúde
e bem estar espiritual; 6) economias e finanças; 7) posse da terra e comunidade.
Segundo Holmgren (2002) estes sete campos são necessários para a sustentação
da humanidade.
A imagem da flor é interessante, pois sugere o desenvolvimento de todas
as pétalas ao mesmo tempo, numa metáfora do equilíbrio que deve haver entre os
campos do conhecimento.
Cada uma destas pétalas é um campo a ser pesquisado a partir da ética e
dos princípios da permacultura. São diversas as possibilidades de diálogo e
integração. Cada pétala pode se desdobrar em subtemas formando uma teia de
saberes. Mas até o momento algumas pétalas foram mais exploradas que outras. A
37
pétala de espaço construído, por exemplo, já acumulou muito conhecimento sobre
bioconstrução, utilização de materiais locais, design eficiente de utilização da
energia e etc. Já a pétala de educação e cultura possui poucas referências e
materiais publicados, representando um campo muito fértil de pesquisa e reflexão.
Desta forma compreende-se que a Flor da Permacultura está em
permanente processo de construção, dialogando com diversas experiências teóricas
e práticas. A forma de desenvolvimento do conhecimento é colaborativa, esta
estrutura de rede que se forma entre os saberes é um espaço aberto à co-criação. A
ideia central é a integração das diferentes áreas a partir da ética do cuidado com a
Terra, cuidado com as pessoas e partilha justa.
Figura 1 – A Flor da Permacultura
38
4. VIVÊNCIAS DA TERRA
4.1 Construindo o caminho
Diversos educadores trouxerem contribuições significativas para a prática
educativa em todo o mundo. Alguns exemplos, mais presentes no percurso desta
pesquisa, serão citados com o intuito de apresentar algumas referências que podem
ser usadas na construção da educação para o novo paradigma. O objetivo é
estabelecer um espaço de diálogo e reflexão entre as diferentes visões de
educação, buscando observar em que pontos elas podem convergir.
O educador suíço Pestalozzi (1746-1827) traz uma visão integral do ser
humano e propõe a participação das crianças no processo de aprendizagem,
valorizando a experiência como forma de aprendizado, assim como o contato com a
natureza. Pestalozzi propõe como pensamento e a prática educacional:
Ideias como educação integral, que ele resumia em educação da cabeça, das mãos e do coração; educação ativa, em que a crianças aprendem observando e fazendo e não apenas escutando; necessidade de se acompanhar o ritmo da criança no seu desenvolvimento; educação para a autonomia, em que o diálogo e a iniciativa individual exercem papéis fundamentais (INCONTRI, 1997, p. 92)
Como uma prática de educação integral Pestalozzi propõe a educação do
coração, da mente e das mãos, numa metáfora para a aprendizagem
emocional/afetiva/moral, intelectual e prática/vivencial. Em meio à natureza
Pestalozzi convidava seus alunos a experienciar o conhecimento, ou seja, a
construir o saber através da vivência, com respeito ao ritmo e a necessidade de
cada um.
Um dos pontos fundamentais da pedagogia de Pestalozzi é a
compreensão da necessidade e da importância do vínculo afetivo entre educador e
educando. Segundo ele, somente um clima de confiança e de amor permite um
pleno desenvolvimento educacional. Assim o amor constitui a base da educação,
39
não o amor cego, mas o “amor vidente” aquele que une o acolhimento à reflexão.
O diálogo com Maria Montessori3 (1870-1972) se estabelece não apenas
a partir do método montessoriano, com seus materiais e jogos pedagógicos, mas
principalmente a partir do pensamento que estrutura esta prática. O olhar sensível
para a criança e seu processo de aprendizagem levou Montessori a refletir sobre a
importância da autonomia em relação ao espaço do aprendizado, para que a criança
pudesse ter liberdade em seu fazer. Assim, a adaptação de móveis e objetos ao
tamanho e necessidade das crianças tem como base o pensamento de que
autonomia e liberdade são fundamentais no processo educativo.
Da mesma forma o desenvolvimento dos materiais e jogos pedagógicos
não visa apenas à realização de uma tarefa como, por exemplo, aprender a contar
com material dourado, mas sim a compreensão de que o corpo todo participa do
processo educativo, todos os sentidos fazem parte do aprendizado. O tato, o olfato,
a audição, a visão, o paladar são fontes de conhecimento. O aprendizado se constrói
com todos os sentidos e o prazer da descoberta é um ponto importante deste
processo.
O educador Célestin Freinet (1896- 1966) através de metáforas,
baseadas na observação da natureza, faz uma análise profunda sobre a educação.
Para ele não adianta dar água ao cavalo que não está com sede, também não
adianta trocar a água, é preciso primeiro desenvolver a sede. Também não adianta
colocar agrotóxico, envenenando e exaurindo a árvore, em troca de frutos vendáveis
no mercado. Se o que se quer é uma colheita saudável, cheia de vitalidade, não é do
fruto que se deve tratar, mas da vida que o produz: solo, raiz, ar e folha. Da mesma
forma não adianta fazer escadas planejadas e seguras para quem quer voar: águias
não sobem pelas escadas. E é preciso ter cuidado, pois as ovelhas que vivem
constantemente cercadas e só comem na manjedoura esquecem que seu ideal é
estar lá em cima das colinas e acabam preferindo à rédea ao azul do céu.
(FREINET, 2004)
Freinet mostra com isso o quanto as práticas educativas muitas vezes vão
contra os próprios ciclos naturais. Ao invés de desenvolver a sede pelo
3 Mais informações em: http://www.omb.org.br/montessori.php.
40
conhecimento, obriga-se a criança a aprender. Ao invés de cuidar do ambiente que
receberá a semente, olha-se apenas para o valor de mercado do fruto. Ao invés de
permitir que a vida naturalmente nos prepare para viver, utilizam-se cercas,
caminhos marcados, obrigações, com o discurso de proteção, sem pensar que isso
acaba por enfraquecer a vontade de descobrir, de criar, de viver. Valoriza-se mais a
passividade, a submissão, a execução mecânica de regras e funções do que a
postura ativa, a ação criativa, o potencial transformador.
Freinet acredita que a educação não pode ser descolada da vida, assim o
trabalho, não enquanto rotina maçante, mas como oportunidade de aprendizado
torna-se fundamental na educação. O trabalho de escrever um jornal ou de participar
das atividades de organização do espaço, por exemplo, permitem que os educandos
adquiram habilidades e saberes a partir da experiência.
Freinet (2004, p. 9) afirma que “a educação não é uma fórmula de escola,
mas sim uma obra de vida”. Para ele pedagogia não é algo do campo teórico e
acadêmico, é algo da prática, do dia-a-dia, é uma pedagogia do bom senso, a partir
de uma escuta atenta e um olhar sensível para as crianças e para os ciclos naturais
da vida. Aí está a importância do educador não apenas se colocar no lugar da
criança, mas ser capaz de acessar a sua própria criança, resgatando lembranças e
sensações de quando era pequeno, pois “se você não voltar a ser como uma criança
não entrará no reino encantado da pedagogia.” (FREINET, 2004, p. 28)
Em relação ao movimento definido atualmente como Educação
Democrática, tem-se a importante contribuição dos educadores Korczac, Neill e
Pacheco. Korzac em um orfanato na Europa no início do século XX. Neill em um
internato, Summerhill, fundado em 1921 na Inglaterra, e em funcionamento como
escola até hoje. E Pacheco em uma escola pública em Portugal, a Escola da Ponte,
a partir do final da década de 70.
Segundo Helena Singer (1997) a definição de Educação Democrática é:
(...) presença de assembleias escolares, nas quais todos os membros da comunidade têm o mesmo poder de voto e onde são tomadas todas as decisões relativas ao cotidiano, desde os pequenos problemas do dia-a-dia até questões relativas à própria estrutura escolar; e aulas opcionais, que mantêm o respeito à
41
liberdade de o aluno decidir se deseja ou não assistir às aulas e acompanhar os cursos. (SINGER, 1997, p. 15)
As experiências dos educadores citados acima mostram que é possível
construir processos educativos democráticos, nos quais o educando exerce seu
papel de sujeito, construindo sua própria autonomia nas escolhas que realiza, tanto
em relação a o quê e como estudar, quanto em relação à gestão dos espaços em
que se realiza o processo educativo.
Korzac primeiro ouviu as crianças, perguntou sua opinião, para entender
o que sentiam. Depois acreditou que elas seriam capazes de participar das decisões
referentes ao cotidiano em que viviam. Assim foi construído um sistema de gestão
baseado em assembleias onde eram discutidas questões do dia-a-dia, tomadas
decisões relativas a tarefas, horários, espaços, o que fazer quando alguém quebra
algo, e etc (KORZAC, 1983).
Korzac observou que as crianças foram capazes não só de gerir
democraticamente o espaço e respeitar as regras criadas coletivamente, mas que
elas foram capazes de usar de bom senso nos encaminhamentos que decorreram
do descumprimento dessas regras.
Neill propõe a prática da liberdade sem medo. Acreditando
essencialmente na criança como um ser bom, considera que “criança difícil é a
criança infeliz, está em hostilidade aberta consigo própria, e, em consequência, em
guerra com o mundo” (NEILL, 1980, p.25). Desta forma respeita o tempo, o ritmo e o
interesse de cada um. Nas assembleias todos falam, são escutados e têm o mesmo
direito a voto. Neill ressalta a importância da mescla de alunos de várias idades,
aliás esta é uma característica deste tipo de experiência, a separação, quando
necessária, não é feita por idade, mas por interesse.
Pacheco reflete sobre a estrutura da escola: separação em salas de aula,
currículo fragmentado, professores trabalhando separadamente e propõe uma
mudança não só na estrutura pedagógica, mas também na estrutura física, e
literalmente quebra os muros para construir a ponte. E a Ponte passa a abrigar
novas abordagens pedagógicas, centradas no interesse dos alunos. Abriga também
um corpo docente que trabalha em conjunto. Abriga espaço para pesquisas, para
42
trocas, para decisões coletivas, para construção de vínculos afetivos, e abriga enfim
a criação de um novo jeito de educar. Segundo Pacheco (2004, p.103) “a escola da
Ponte apenas mostrou que há utopias realizáveis”.
Depois de sair da escola da Ponte, o educador português continua
caminhando na busca de realizar outras tantas utopias possíveis. Agora em terras
brasileiras.
Outro educador contemporâneo é o brasileiro Tião Rocha, fundador do
Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD). Este Centro foi fundado em
1984, em Belo Horizonte – MG, e atualmente desenvolve projetos em vários estados
brasileiros e também em alguns países na África.
Tião Rocha tem forte influência das ideias de Paulo Freire, e é o autor da
pedagogia da roda e da pedagogia do brinquedo. Estas pedagogias surgiam a partir
de duas perguntas: É possível fazer educação sem escola? E é possível aprender
de forma alegre e prazerosa?
O educador mineiro encontrou algumas respostas com a prática. Ao fazer
diversas rodas na cidade de Curvelo - MG, ele viu que sim era possível aprender
debaixo de mangueiras, com pessoas de diferentes idades. Tião Rocha em uma
entrevista4 diz que:
A escola é o bairro, a sala de aula são todos os espaços, todas as árvores, os espaços públicos e privados disponíveis para os meninos aprenderem. Os educadores são todos que se sentarem na roda. E o conhecimento que essa roda vai praticar é a cultura da comunidade. (ROCHA, 2005)
Segundo Tião Rocha, a educação só acontece no plural, na relação com
o outro, por isso a importância desse momento de troca que se estabelece na roda,
onde todos, independentemente da idade, aprendem e ensinam. Esta além de ser
uma prática de educação é também uma forma de empoderamento da comunidade,
que passa a reconhecer e valorizar o seu saber, a sua cultura e, sobretudo a sua
capacidade de transformação da realidade.
4 Vídeo produzido pela Abravideo sobre a Pedagogia da Roda, tecnologia social do CPCD
certificada pela fundação Banco do Brasil em 2005, acessado em 27/10/2011 link: http://youtu.be/P61E7zZwqrQ
43
A criança segundo ele, não pode ser pensada como uma página em
branco - é preciso investigar o potencial e os saberes que ela traz. E esta
aprendizagem pode sim acontecer de forma alegre e prazerosa. Tião rocha provou
que é possível aprender a escrever com massa de biscoito ou fazer conta jogando
dama. A ideia principal de sua pedagogia é criar, é inventar.
O CPCD desenvolveu um projeto chamado Cidade Criança, cujo objetivo
é fazer de todo e qualquer espaço social e comunitário da cidade, um espaço-tempo
permanentes de acolhimento, convivência, aprendizagens e oportunidades.
Esta ideia é muito semelhante ao conceito de Bairro-escola que faz parte
da metodologia da Associação Cidade Escola Aprendiz. Este conceito foi
desenvolvido no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, a partir da observação da
complexidade das questões trazidas pelas crianças atendidas, e da constatação de
que isoladamente não seria possível abordá-las. Os educadores da Cidade Escola
Aprendiz buscaram então parcerias com escolas, famílias, posto de saúde, espaços
culturais, centros esportivos, com o objetivo de articular o bairro para dar conta da
complexidade das questões que envolvem uma educação que se propõe a ser
integral. A ideia de que o ato de aprender tem a ver com a ação de conhecer e
intervir no meio e de que a educação é uma responsabilidade de toda a comunidade
formam os eixos desta proposta.
Já a proposta metodológica desenvolvida pelo programa Gaia Education -
Ecovillage Design Education surge da necessidade de se pensar uma educação
voltada para o design em sustentabilidade. Educadores da ecovilla de Findhorn
desenvolveram uma metodologia baseada em um mandala que reúne as quatro
dimensões da experiência humana: visão de mundo, ecológica, econômica e social.
Assim cada tema é desdobrado em subitens que são abordados durante o curso.
A dimensão visão de mundo, por exemplo, desenvolve um olhar holístico
e integral do ser humano e suas relações. A espiritualidade é abordada por uma
ótica de engajamento social com a transformação da sociedade. E a natureza
aparece como guia orientador das ações.
Na dimensão ecológica é pensado um desenho integrado, no qual todo o
ecossistema é levado em consideração. Desta forma procuram-se tecnologias
44
apropriadas e responsáveis, como por exemplo a bioconstrução, para resolver as
necessidades humanas de forma integrada ao meio ambiente.
Na dimensão econômica, a ideia é transformar a economia global em
economia social, trazendo a responsabilidade do sustento justo. Economia solidária,
moedas comunitárias, bancos comunitários, cooperativas são alguns dos temas
abordados.
A dimensão social tem um olhar mais voltado para as relações de grupo.
Assim são abordadas ferramentas de comunicação, resolução de conflitos,
facilitação e tomada de decisão. A valorização da diversidade, o sentimento de
pertencimento e o espírito de grupo são pontos importantes desse processo.
Também a arte tem um papel importante na medida em que desperta a
sensibilidade, aguça a criatividade, trazendo a sensação de prazer e alegria para o
processo.
A metodologia utilizada reúne rodas de conversa, danças circulares, jogos
e dinâmicas de grupo, palestras, estudo do meio, celebrações, construções
participativas como word café, entre outros. A separação em quatro dimensões é
uma questão didática apenas, pois todas estas dimensões estão intrinsecamente
ligadas e são abordadas de forma integrada.
A ecopedagogia também é um movimento de educação que aborda a
questão e o sentido da sustentabilidade. Segundo Gadotti (2000, p. 94) a
ecopedagogia “associa os direitos humanos aos direitos da Terra”. Assim este
movimento não se caracteriza apenas pela preocupação com uma relação saudável
com o meio ambiente, mas pela reflexão do sentido mais profundo da vida como um
todo. A Terra, nesta perspectiva, passa a ser vista como ser vivo. E a humanidade a
desenvolver uma consciência planetária, que conduz à prática da cidadania
planetária e leva à construção de um novo conceito de civilização planetária
(GADOTTI, 2009).
De acordo com Gadotti (2009), a ecopedagogia busca um novo modelo
de civilização sustentável, o que implica uma transformação nas estruturas
econômicas, sociais e culturais. Ele sugere que a relação que os homens têm
estabelecido com a Terra atualmente pode ser analisada sob a ótica da pedagogia
45
do oprimido de Paulo Freire:
Consideramos hoje a Terra também como um oprimido, por isso precisamos também de uma pedagogia desse oprimido que é a Terra. Precisamos de uma Pedagogia da Terra como um grande capítulo da pedagogia do oprimido. Uma pedagogia que tem como suporte o Paradigma Terra que considera esse planeta como uma única comunidade, una e diversa. (GADOTTI, 2009, p.2)
Olhar para a Terra a partir da visão da pedagogia do oprimido faz muito
sentido, pois a relação que o homem vem estabelecendo com a Terra é de opressão
e exploração. O planeta tem sido visto como um suporte para a vida e não como um
ser vivo. O homem tem agido como se a toda a Terra estive ao seu dispor, julgando-
se detentor de um poder de vida e morte sobre os outros seres. Desta forma a
libertação da Terra faz-se necessária.
A ecopedagogia propõe-se a abordar esta questão e a coloca-la como
ponto fundamental a partir do qual será desenvolvido o processo educativo. Não se
trata apenas de uma educação ambiental, trata-se de uma mudança de visão de
mundo que perpassa todas as áreas do saber.
Esta abordagem mais ampla do sentido da vida, com a compreensão da
Terra como um ser vivo, leva a uma reflexão do próprio sentido da educação. Por
que se ensina determinado conteúdo? O que motiva a escolha de um currículo? Isto
tem a ver com a realidade do educando? Faz sentido para ele? Faz sentido para o
todo, para a civilização planetária? Fomenta uma cidadania planetária?
Estas reflexões são importantes, sobretudo, para dar sentido e orientar o
processo educativo. Se isso não é levado em conta, a educação, desconectada da
realidade, perde o sentido e acaba por assumir um papel burocrático e alienador,
desprovido de vida.
Segundo Gadotti (2009), a ecopedagogia ao superar o antropocentrismo
das pedagogias tradicionais concebe o ser humano em sua diversidade e em
relação com a complexidade da natureza, desta forma ao considerar a Terra como
um ser vivo a ecopedagogia pode ser chamada também de Pedagogia da Terra.
As experiências acima citadas são apenas alguns exemplos de propostas
educativas comprometidas com a vida, que podem inspirar a reflexão e a prática
46
pedagógica. A visão sistêmica de mundo, a visão integral de ser humano, o olhar
para os espaços onde se realizam o processo educativo, as formas de gestão
compartilhada e as diversas formas de construir o conhecimento são contribuições
importantíssimas para se pensar a educação para o novo paradigma.
O diálogo com todas essas referências servirá como base para a
construção de uma prática educativa que responda ao atual contexto mundial de
crise socioambiental. Momento histórico em que se sente a necessidade e a
urgência de tornar a questão da sustentação da vida o principal foco do processo
educativo.
4.2 Pedagogia da integração
Quando se fala em educação para o novo paradigma a ideia não é
inventar uma nova pedagogia, pois não se trata apenas de criar um novo método ou
um novo nome, a questão que se coloca é mais complexa: como desenvolver uma
educação vinculada com a realidade e as necessidades locais, que ao mesmo
tempo esteja comprometida com a realidade global e tenha como base o respeito à
vida e propicie a sua sustentação?
A complexidade desta questão não comporta apenas uma resposta, ou
um tipo específico de pedagogia, por mais ampla que ela possa ser. A diversidade é
tão grande que seria um contrassenso tentar encaixar todas as pessoas e todas as
especificidades locais numa mesma caixa.
Neste sentido, pode-se comparar a educação a um planejamento
permacultural de um espaço. Segundo a permacultura, é preciso primeiro observar e
analisar, pois não existe uma fórmula; o desenho do espaço dependerá dos recursos
locais, das demandas do espaço e das pessoas, do processo cuidadoso de
observação, diálogo, planejamento e construção compartilhados. Mas há algo em
comum em todos os desenhos: a ética e os princípios.
A educação pode ser pensada da mesma forma, é preciso ter uma ética e
47
princípios orientadores, mas o desenho dependerá de um processo de observação,
análise, diálogo e construção coletivos.
Na educação, a ética e os princípios que orientarão o desenho são os do
novo paradigma. A ética é a do respeito à vida e os princípios, analisados no item
1.2, são: visão sistêmica, planetariedade, sustentabilidade, dimensão integral de ser
humano, valorização da diversidade, transdisciplinaridade, liberdade, autonomia,
gestão e responsabilidade compartilhadas. Os valores que possibilitam esta
construção são a cultura de paz, a cooperação, a solidariedade, o respeito, o
cuidado, a harmonia, a compaixão e o amor.
Analisando as experiências educativas do item 4.1 podem-se elencar
alguns princípios gerais como referências em educação: profundo respeito ao
educando, valorização dos processos de construção da autonomia, valorização da
experiência como forma de aprendizado, formas participativas de gestão tanto do
aprendizado quanto da própria estrutura educativa, aprendizado fortemente
vinculado à realidade do educando assim como a realidade global, valorização das
várias dimensões do ser humano e não apenas da dimensão racional, ampliação
dos espaços de aprendizagem, engajamento ético, desenvolvimento da percepção
da responsabilidade compartilhada, educação num sentido mais amplo como
preparação para vida, valorização das relações e não apenas dos conteúdos,
presença de valores como cooperação, solidariedade, respeito e amor.
Tendo como eixo norteador a ética e os princípios citados acima, a
metodologia utilizada pode ser adequada ao contexto específico. A ideia é poder
utilizar-se de diversas referências educativas e compreender o que cada uma delas
traz de contribuição neste sentido. A proposta é integrar ao invés de segregar, um
dos princípios da permacultura. A perspectiva é que cada grupo sabe o que funciona
para si e para seu contexto. A pedagogia que mais faz sentido neste caso é uma
pedagogia da integração.
48
4.3 Programa Vivências da Terra
A partir da reflexão sobre a ética e os princípios que devem estruturar a
educação para o novo paradigma, o Programa Vivências da Terra será analisado. O
objetivo é investigar as relações, conexões e diálogos possíveis entre Arte e
Permacultura na formação do ser para o novo paradigma, tendo como estudo prático
as experiências deste programa.
O Programa Vivências da Terra integra permacultura e teatro social em
contextos educativos que visam a uma formação integral do ser. O intuito é propiciar
o despertar da consciência ecológica e criativa, e fomentar práticas que integrem as
pessoas e o meio ambiente, tendo como base a ética da permacultura do cuidado
com a Terra, cuidado com as pessoas e partilha justa.
Um processo educativo que busca formar pessoas para a construção de
relações integradas com o meio ambiente, precisa abranger todas as dimensões do
ser humano: : intelectual, emocional, física, social, criativa, ética e espiritual. Só a
partir de uma compreensão integral do ser humano, pode-se ter uma atuação
integrada com a Teia da Vida.
O Programa Vivências da Terra, que teve seu início no primeiro semestre de
2011, foi desenvolvido a partir da integração do trabalho de Felipe Pinheiro,
engenheiro civil e permacultor, e da pesquisadora, artista e educadora. A ideia de
desenvolver processos educativos mais amplos, que compreendessem todas as
dimensões do ser e fossem capazes de despertar a consciência ecológica e criativa,
foi o ponto de partida. A área de atuação do programa Vivências da Terra abrange
cursos de permacultura, formações para educadores, vivências para crianças e
adolescentes e também peças de teatro.
Nesta busca por uma educação integral e integrada ao meio ambiente, o
diálogo da Arte com a Permacultura apresenta muitos pontos de conexão e diálogo.
Se se compreende, por exemplo, que a relação do aprendizado pode ser dialógica e
não dicotômica, a relação entre homem e meio ambiente, teoria e prática, local e
global, indivíduo e coletivo, pensamento e emoção é pensada de forma integrada.
Assim, se a forma não se separa de conteúdo, não é possível desenvolver um
49
processo educativo baseado apenas na fala, é preciso demonstrar com a ação, por
exemplo, o que é cuidado com as pessoas. Se se acredita verdadeiramente numa
estrutura horizontal e circular, não se pode assumir uma postura vertical, na qual o
educador é o detentor do saber e os alunos seus depositários.
A integração da arte com a permacultura, nesse sentido, estabelece-se na
busca pela coerência. O processo educativo desta forma precisa contemplar tanto a
dimensão racional quanto a corporal, dialogar com a realidade local e com a global
ao mesmo tempo, valorizar a experiência como forma de aprendizado no qual teoria
e prática se integram, entender que autoconhecimento não se separa de
conhecimento do mundo.
A ideia é a integração e não a sobreposição, ou seja, a proposta é realizar um
trabalho em conjunto, interligado, e não ter um momento de arte e outro momento de
permacultura, de forma fragmentada. O trabalho de relacionar os aprendizados é
que dá sentido à experiência. O espaço de encontro entre as duas áreas é um lugar
de muita potência que precisa ser valorizado.
A arte pode fomentar o processo de autoconhecimento enquanto a
permacultura aborda o contexto da realidade global. A arte desperta os sentidos,
ampliando uma percepção que pode ser usada para o planejamento permacultural.
Através do teatro social experimentam-se as relações que se deseja para o novo
paradigma, e a permacultura pode trazer ferramentas para esta construção. A arte
também pode ser trabalhada como metáfora para preparar alguma aprendizagem
específica, por exemplo realizando um jogo teatral de cooperação antes de se iniciar
uma atividade de mutirão. Trabalhar com a dimensão corporal pode facilitar o
processo de compreensão e interiorização do saber. Abordar outras linguagens,
além da verbal, amplia o espaço de comunicação e enriquece o processo educativo.
Estes são apenas alguns exemplos das possibilidades de diálogo e integração da
arte e da permacultura.
O Programa Vivências da Terra ainda está em fase de aperfeiçoamento por
ser uma experiência relativamente recente, mas possui experiências práticas, que
ao serem analisadas, poderão demonstrar a proposta de atuação do programa e
seus resultados.
50
4.4 Experiência e análise
Duas experiências de atuação do Programa Vivências da Terra serão
analisadas a seguir.
A primeira delas foi uma aula sobre Bioconstrução (construções
ecológicas que seguem os princípios da Permacultura), realizada na formação em
Permacultura, oferecida aos gestores de parques do município de São Paulo, na
Universidade Livre do Meio Ambiente, em agosto de 2011. E a segunda um curso de
Telhado Verde (técnica de cobertura vegetal sobre telhados) realizado na Casa Jaya,
local onde acontecem palestras e oficinas voltadas para os temas de Arte,
Sustentabilidade e Espiritualidade e onde funciona também um restaurante
vegetariano, na cidade de São Paulo. Este curso aconteceu no mês de setembro de
2011, durante um final de semana.
As experiências do Vivências da Terra começam geralmente com o que
Boal (1998) chama de desmecanização. Esta atividade tem como objetivo
desconstruir padrões corporais e mentais, que se encontram enrijecidos e
arraigados, atuando sem que tenhamos consciência. Para iniciar qualquer
aprendizado é preciso se permitir o novo. Desta forma a desmecanização “prepara o
terreno” do processo educativo e traz a presença individual e grupal para o espaço.
Na formação em Permacultura para os gestores de parques, após esta
atividade, na qual os participantes se movimentaram pelo espaço de formas não
convencionais, o clima geral do grupo se modificou. Algumas pessoas
demonstraram prazer e outras um certo desconforto. Percebeu-se que algumas
pessoas, por não compreenderem a dimensão do que estava sendo trabalhado,
embora isso tenha sido dito no começo do encontro, não se permitiram participar
livremente, pois julgavam a atividade sem sentido. Este é um ponto importante para
ser analisado, pois muitas pessoas consideram a atividade corporal ou artística uma
atividade menor e não compreendem o seu verdadeiro sentido. Isso deve-se a uma
visão fragmentada que separa mente e corpo, valorizando um em prol do outro. Os
processos educativos, de forma geral, privilegiam apenas o aspecto racional, o que
faz com que muitas pessoas, por não terem a experiência, acabem por rejeitar e
51
desvalorizar o trabalho corporal.
Depois foi realizado um trabalho com a técnica do teatro imagem,
desenvolvida por Boal (1998). No primeiro momento o grupo representou, através da
construção de imagens corporais, como é a realidade de um parque hoje na cidade
de São Paulo. A construção se deu de forma coletiva - um participante moldava o
outro para compor a cena. As imagens que se formaram utilizaram
predominantemente o plano alto e não demonstraram relação entre si. O grupo,
depois de reconhecer que a cena representava a realidade de um parque, passou a
analisá-la: pessoas fazendo exercícios físicos, passeando com o cachorro ou lendo,
um guarda, a casa da administração, um funcionário, um lixo com papeis no chão,
etc. Nesta atividade algumas pessoas permaneceram como espectadoras, não
participando da cena.
Depois o grupo foi convidado a construir outra cena com imagens
corporais representando o plano ideal, a forma como aquele grupo gostaria que
fosse um parque municipal. As imagens que se formaram desta vez utilizaram mais
o plano baixo, o que foi interpretado mais tarde como uma relação mais próxima com
a terra, e a maioria das imagens criadas estavam conectadas de alguma forma.
Nesta cena todos participaram, ninguém ficou apenas como espectador. A análise da
cena revelou que no parque ideal além de ter mais árvores, plantas, flores, animais e
um rio, a relação entre as pessoas, e destas com o meio ambiente, seria diferente.
Na cena as pessoas não estavam apenas passeando no parque, elas estavam se
relacionando com ele, com a natureza, e se relacionando também com as outras
pessoas. Quando foi perguntado aos participantes que personagens eles
representavam e o que faziam ali, muitos se referiram à relação com o outro, o que
não se verificou na primeira cena.
Assim através da concretização corporal de uma cena o grupo pôde
perceber questões que não estavam tão claras num primeiro momento e que
dificilmente seriam abordadas apenas numa dimensão verbal-racional. Ao
experimentar uma outra situação possível, num plano ideal, o grupo pôde visualizar
não apenas os problemas, mas principalmente os caminhos possíveis para a
resolução. Por exemplo, ao reconhecer a falta de conexão e interação entre os
52
elementos do parque, pode-se pensar em uma ação para promover esta integração.
Ao perceber que a cena teatral era também uma forma de conhecimento,
alguns participantes, que se mostraram mais resistentes no inicio, assumiram uma
postura mais aberta e participativa.
A partir dessa proposta iniciou-se uma discussão sobre o velho e o novo
paradigma, contextualizando a permacultura e introduzindo o tema de bioconstrução.
Conclui-se desta forma que a dimensão corporal pode ser muito
reveladora de uma situação, ampliando a percepção e trazendo conteúdos sutis, que
dificilmente são abordados em processos educativos voltados apenas para a
dimensão verbal-racional. E que o processo de representar a situação ideal através
do corpo, dos sentimentos, das emoções e da interação, acessa outros níveis de
compreensão e facilita a interiorização do aprendizado. Outro ponto importante a ser
destacado é que iniciar o processo educativo partindo do conhecimento dos
educandos é extremamente importante para se construir efetivamente o
conhecimento de forma participativa e não depositária.
A segunda experiência a ser analisada foi o curso de telhado verde
realizado na Casa Jaya.
Este curso tinha como proposta abordar a teoria e a prática da construção
de um telhado com cobertura vegetal. O curso iniciou-se com exercícios de
desmecanização, depois os participantes foram convidados a se dividirem em duplas
e a realizarem um percurso cego pelo espaço. Uma pessoa conduziu a outra
apresentando o espaço e explorando os sentidos. Sentir o cheiro de uma planta,
sentir a textura da parede, perceber a relação de luz e sombra mesmo com os olhos
fechados, perceber a relação de confiança que se estabelece com a sua dupla,
foram algumas das ações realizadas pelos participantes. No momento de
compartilhar as impressões foi consenso que esta atividade ampliou a percepção.
Muitos relataram que puderam perceber coisas que não tinham percebido antes e
com muito mais detalhes.
Depois de despertar os sentidos, ampliar a percepção e criar um clima de
confiança e harmonia entre o grupo, foram realizadas pequenas cenas, em grupos
menores, com a técnica do teatro imagem. Nesta adaptação da técnica, a
53
pesquisadora dá um título à cena que deverá ser criada. Os temas abordados foram
as relações, e as indicações para a cena foram: relação professor e aluno hoje,
relação médico e paciente hoje, relação patrão e empregado hoje e por fim a relação
do homem com a natureza hoje. Ao se realizar cada cena pedia-se a um grupo para
congelar a imagem para que os outros pudessem analisar. Primeiro perguntava-se
se o grupo observador reconhecia a cena, depois se conseguia identificar os
personagens. Então o facilitador dirigia-se aos personagens da cena e perguntava
quem eles eram, o que faziam e como se sentiam. De uma maneira geral as
relações foram muito parecidas e era possível identificar em todas uma clara relação
de opressão. As leituras realizadas sobre o paradigma em que estas relações estão
inseridas revelaram a presença de autoritarismo, opressão, desigualdade,
distanciamento, isolamento e individualismo.
A ideia inicial seria que o grupo repetisse as relações propostas no
começo, mas agora representando o plano ideal, a forma como cada um gostaria
que fosse cada relação. Porém devido à falta de tempo o grupo realizou apenas
cena do que seria a relação professor- aluno ideal. Diferente da cena que
representou a situação atual, nesta não era tão fácil reconhecer os personagens do
professor e do aluno. De acordo com a leitura do grupo todos estavam de alguma
forma aprendendo e ensinando. Existia uma proximidade física entre os
personagens, e todos estavam conectados. A partir dessa cena o grupo analisou
qual é o paradigma desejado: relações horizontais, união, cooperação, decisões
compartilhadas, etc.
Esta atividade revela que de uma forma geral, às vezes até
inconscientemente, as pessoas sabem o que elas desejam para si, para o mundo e
qual direção seguir para alcançar o ideal. O que falta muitas vezes são as
ferramentas para se construir este caminho. E neste sentido a permacultura pode
auxiliar muito neste caminhar, pois ela apresenta soluções concretas e acessíveis
para as questões de alimentação, energia, moradia, economia, água e tratamento de
resíduo.
Depois dessa reflexão e da apresentação de algumas informações mais
teóricas sobre permacultura e bioconstrução, iniciou-se a montagem do telhado
54
verde. A proposta foi fazer a estrutura com bambu, assim o grupo iniciou o trabalho
medindo, cortando e pregando os bambus. No dia seguinte esta atividade deveria
continuar então como proposta de abertura do dia, preparação do processo
educativo e como forma de contato com o material que seria utilizado, foi proposto
um jogo com os bambus. Os participantes foram convidados a formar duplas e a
equilibrar entre si dois bambus, primeiramente apoiando na palma da mão e depois
livre experimentação. Este jogo trouxe a presença dos participantes, despertou a
atenção e a concentração, e criou uma forte conexão entre o grupo, primeiramente
entre as duplas e depois, quando todos se juntaram, entre o grupo todo. A harmonia
e a sintonia que foram despertadas neste momento ficaram muito presentes durante
todo o processo de construção com os bambus, facilitando o trabalho em grupo.
Alguns participantes deram um depoimento escrito sobre a experiência. O
primeiro relato, descrito na íntegra, foi este:
L.A. “Para mim o que muda no processo educativo com a realização de atividades
como fizemos no início de cada dia é o seguinte: 1 - Nível de concentração: Achei
que trabalhando como fizemos, trazendo o corpo para a atividade que iríamos
realizar, foi fundamental para poder aproveitar de fato a atividade. Senti que a
atividade me trouxe um relaxamento grande e me fez de fato viver aquele momento,
podendo aproveitar todos os detalhes da atividade e fazendo com que pensamentos
digamos ‘estranhos’ a atividade, ou seja, aqueles pensamentos que vão invadindo a
sua cabeça e consequentemente lhe distraindo, fossem de alguma maneira embora
e somente ficassem os pensamentos ligados às atividades. Resumindo, a atividade
colaborou para aumentar o meu nível de concentração, capacidade para prestar
mais atenção aos detalhes e melhorar minha capacidade de aprendizado durante a
prática. 2 - Internalização do conhecimento: Ao final da atividade como um todo me
senti como que se tivesse injetado na veia o conhecimento. Para mim a dinâmica
que fizemos, ao mesmo tempo que teve um efeito em mim, aumentando o nível de
concentração e capacidade de absorção, também teve um efeito coletivo, gerando
um clima favorável de troca e transmitindo uma mensagem que para mim foi
fundamental, que é a cooperação como forma de construção, seja ela de
55
conhecimento ou de entregas palpáveis como o telhado.”
A partir deste depoimento podem ser analisados alguns resultados da
proposta do Programa Vivências da Terra. Observa-se que de fato a atividade
artística fez sentido dentro do processo e foi desenvolvida de forma integrada ao
conteúdo do curso. Colaborando tanto para a preparação do aprendizado, ao
despertar atenção, concentração, trazer a presença e criar um clima de cooperação
entre os participantes, quanto para compreensão do aprendizado e internalização do
conhecimento. A expressão “senti como que se tivesse injetado na veia o
conhecimento” demonstra este processo de internalização e revela a presença da
dimensão corporal no aprendizado. No final do depoimento reconhece-se que o
processo de aprendizado foi de fato colaborativo, e não depositário, pois a
cooperação aparece como forma de construção do conhecimento e do próprio
telhado.
Outro participante, após fazer um resumo em que relata o desafio de se
montar um telhado verde em dois dias, destacou que:
R.M. “Ao início de cada um dos dias foram realizadas dinâmicas, utilizando de
recursos teatrais e sensoriais que, entre várias consequências, destacam-se a
rápida integração gerada entre as pessoas do grupo, uma percepção mais
‘presencial’ do lugar em que estávamos atuando e transformando, um despertar do
nosso corpo para as atividades, maior disposição, motivação, bem estar,
cumplicidade e senso de cooperação. A dinâmica do segundo dia traduziu muito
significativamente a sensação de nos conectarmos através do bambu e juntos
construirmos algo que é resultado da dedicação de cada um, mas sintonizados no
ritmo e na direção de todos. Na permacultura os ciclos, os círculos, as espirais são
a essência dos processos e introduzir dinâmicas e diálogos em que estávamos
juntos e em roda nos permitiu uma visão individual e do todo ao mesmo tempo (foco
e periferia.....especialização e generalização)... e com isso pudemos nos conhecer
intensamente neste dois dias e interagirmos cooperativamente. Fazer algo junto,
em mutirão e sintonizados é uma experiência que levamos para vida toda”.
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Este depoimento cita algumas contribuições da utilização dos recursos
teatrais e sensoriais no processo educativo: integração rápida do grupo, ampliação
da percepção do espaço, valorização da presença, o despertar do corpo, maior
disposição, motivação, bem-estar, cumplicidade e senso de cooperação.
A integração do grupo é algo fundamental quando se pensa em uma
construção colaborativa e compartilhada do conhecimento, pois é necessário criar-se
um espaço de acolhimento, respeito, cooperação e valorização da diversidade para
que todos se sintam à vontade para se expressar. A ampliação da percepção conduz
a uma ampliação da visão de mundo, pois evidencia que existem outros pontos de
vista, outras formas de perceber e interagir. A valorização da presença é importante
para que a experiência possa ser de fato aproveitada. E a dimensão corporal, além
de trazer a presença para a experiência, desperta a atenção, favorece a
concentração e ainda desperta um estado maior de disponibilidade.
Outro ponto levantado por este participante foi a dimensão individual e
coletiva da experiência, pois segundo ele tanto a visão individual quanto a visão do
todo foram desenvolvidas. A estrutura circular das atividades e das rodas de
conversa, numa relação horizontal entre os participantes, são entendidas enquanto
parte da proposta da Permacultura, que se utiliza dos padrões da natureza de ciclos,
círculos e espirais, numa relação dialógica entre especialização e generalização,
foco e periferia, contexto local e contexto global, micro e macro, parte e todo.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das experiências acima possibilita a compeensão da proposta
pedagógica do Programa Vivências da Terra, assim como da relação entre Arte e
Permacultura em processos educativos. A formação do ser para o novo paradigma
aparece não mais como uma ideia abstrata, mas como uma ação concreta. Isso
contribui para ampliar e aprofundar a discussão sobre o tema.
As relações e conexões entre Arte e Permacultura aparecem como uma
forma de responder a demanda de uma abordagem mais integral da vida e do
conhecimento. E o Programa Vivências da Terra torna palpável as diversas
possibilidades de diálogo entre estas duas áreas. Um diálogo que se estabelece
como forma de integração e não de sobreposição.
O processo educativo neste contexto adquire um sentido mais amplo, pois
compreende-se que um curso de telhado verde, por exemplo, não tem como objetivo
apenas instrumentalizar os participantes sobre uma técnica específica. O objetivo de
um processo educativo que se propõe a formar pessoas para o novo paradigma e
que se baseia em uma ética de cuidado com a Terra, cuidado com as pessoas e
partilha justa não pode deixar de levar em conta a dimensão humana, relacional,
social, criativa e espiritual. Desta forma o processo educativo adquire uma amplitude
muito maior, pois além de ter uma diversidade maior de abordagens, assume um
comprometimento ético e social pela construção do mundo, pois como nos lembra
Freire (1996, p.76) “o mundo não é. O mundo está sendo” . E é preciso assumir a
responsabilidade por esta construção.
E dentro deste processo é fundamental desenvolver um movimento
constante de ação e reflexão, abrindo espaço para um constante recriar. Ao
reconhecer que todo aprendizado é uma construção coletiva abre-se um espaço
permanente para o diálogo. Ao se trabalhar a partir de uma relação dialógica entre o
eu e o mundo, dentro e fora, local e global, reconhece-se que o processo educativo
é algo dinâmico, e que, portanto, não é possível criar fórmulas, e sim olhar para as
pessoas e para o espaço em que ele se constroi.
Esta pesquisa não pretende, portanto, encerrar o assunto, mas a ampliar
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a discussão. O Programa Vivências da Terra, enquanto proposta pedagógica de
diálogo com contexto local e com os participantes, estará sempre se recriando. E
como a relação entre teoria e prática é dialógica, e de certa forma interdependente,
pode ser colocado como uma meta para Programa Vivências da Terra a
sistematização constante das experiências, para que estas sirvam de objeto de
reflexão para o próprio programa e também para outras pessoas.
Observando os padrões da natureza pode-se pensar o desenvolvimento
do Programa Vivências da Terra de duas formas: a partir do padrão de crescimento
em espiral, onde cada camada expande um pouco mais o entendimento,
aprofundando com isso a reflexão, ou como um sistema dendrídico, no qual a partir
de um eixo central surgem desdobramentos, e estes geram outros desdobramentos,
formando assim uma estrutura de rede.
A ideia é que este programa siga o desenvolvimento natural e faça parte
desta rede colaborativa para a construção do novo paradigma.
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