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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIACENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

    CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

    REPRESENTAÇÕES DA MULHER NASACTAS E

    TRABALHOS  DO 1º CONGRESSO BRASILEIRO DEEUGENIA –  1929

    TRABALHO DE CONCLUSÃO DE GRADUAÇÃO

    JÓICE ANNE ALVES CARVALHO

    Santa Maria, RS –  Brasil.2013

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    REPRESENTAÇÕES DA MULHER NAS ACTAS E

    TRABALHOS DO 1º CONGRESSO BRASILEIRO DE

    EUGENIA –  1929

    JÓICE ANNE ALVES CARVALHO

    Trabalho de conclusão de graduação apresentado ao Curso de História, daUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial paraobtenção do grau de Licenciada em História e apostila em Bacharelado.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Armani

    Coorientadora: Mestranda Renata Baldin Maciel

    Santa Maria, RS –  Brasil.2013

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIACENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

    A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho deConclusão de Graduação

    REPRESENTAÇÕES DA MULHER NAS ACTAS ETRABALHOS  DO 1º CONGRESSO BRASILEIRO DE

    EUGENIA - 1929

    Elaborado porJóice Anne Alves Carvalho

    Como requisito parcial para obtenção do grau deLicenciada em História. 

    COMISSÃO EXAMINADORA:

    Carlos Henrique Armani, Dr.(Presidente/Orientador)

    Beatriz Teixeira Weber, Dra. (UFSM)(Membro) 

    Neida Regina Ceccim Morales, Ma./Ms.(?) (UFSM)(Membro) 

    André Átila Fertig, Dr. (UFSM)(Suplente) 

    Santa Maria, 19 de julho de 2013.

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    AGRADECIMENTO(S)

    Elemento opcional, dirigido àquelas pessoas/entidades que contribuíram de maneira

    relevante à elaboração do trabalho. Os agradecimentos devem ser curtos, sinceros, precisos, explicativos e hierárquicos.

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    RESUMO

    Trabalho de Conclusão de GraduaçãoCurso de Graduação em História

    Universidade Federal de Santa Maria

    REPRESENTAÇÕES DA MULHER NAS ACTAS ETRABALHOS DO 1º CONGRESSO BRASILEIRO

    DE EUGENIA  –  1929

    AUTORA: JÓICE ANNE ALVES CARVALHOORIENTADOR: CARLOS HENRIQUE ARMANI, DR.

    COORIENTADORA: RENATA BALDIN MACIEL, MESTRANDA.DATA E LOCAL DA DEFESA: Santa Maria, 19 de julho de 2013.

    Esta pesquisa propõe um estudo sobre as representações da mulher brasileira nasdécadas de 1920-30, por meio das teses e publicações de intelectuais eugenistas do

     período. Buscando investigar através da retórica dos ideais eugênicos oscondicionamentos a modelos de comportamento na sociedade brasileira, levando emconsideração o fato que, não interferiam apenas em padrões biológicos, mas também,em padrões sociais. Frente à consolidação dos Estados-Nação americanos no início doséculo XX, podem-se destacar para além das fronteiras geográficas, as afinidades ou

    alteridades políticas que conduziram os projetos civilizatórios das nações. Aodesenvolver pesquisas sobre a propagação do ideal eugênico no país, averiguei que taisdiscursos serviram de fundamentações para delimitação de padrões culturais e de umtipo ideal para quem seria “o brasileiro”.  Nesta perspectiva, busca-se suprir uma lacunahistoriográfica no que se refere aos constituintes de perfis de gênero. O que nos incita arealização desse trabalho além da tentativa de preencher tal lacuna é a desvinculação deuma visão fragmentada frente à história intelectual na América Latina, com

     preocupação de pesquisa que demonstre relações internacionais complexas em seusquadros políticos transcendendo o quesito fronteiriço. Sendo assim, o trabalhoconfigura-se como uma tentativa de promover um estudo que integre percepções frenteas variáveis de gênero a partir dos significados atribuídos à realidade por determinados

    intelectuais de destaque no projeto eugenista, que dentro de um contexto comum,realizaram importantes reflexões políticas e culturais a respeito da identidade de seu

     povo e do que viria a ser o Brasil.

    Palavras-chave: Representações. Discurso Eugênico. Identidade Nacional.

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    ABSTRACT

    Conclusion Work Graduation

    History Course –  Degree and baccalaureateUniversidade Federal de Santa Maria

    REPRESENTATIONS OF WOMEN IN RECORDSAND PROCEEDINGS OF THE 1st BRAZILIAN

    CONGRESS OF EUGENIA  –  1929

    AUTHOR: JÓICE ANNE ALVES CARVALHO

    ADVISOR: CARLOS HENRIQUE ARMANI, DR.CO-ADVISOR: RENATA BALDIN MACIEL, MASTER STUDENT.DATE AND LOCATION OF DEFENSE: Santa Maria, July 19, 2013

    This research proposes a study on representations of Brazilian women in the decades of1920-30, through theses and publications by intellectual eugenicists of the period.Seeking to investigate through the rhetoric of the eugenic ideals constraints to models of

     behavior in Brazilian society, taking into account the fact that not only interfered in biological patterns, but also in social standards. Forward the consolidation of Americansnation-states in the early twentieth century can be stressed beyond geographical

     boundaries, the affinities or otherness policies that led projects civilizing the nations. Todevelop research about the spread of eugenic ideal in the country, ascertained that suchspeeches served as foundations for the delimitation of cultural patterns and an ideal typefor whom it would be "the Brazilian". In this perspective, we seek to fill a gap in thehistoriography that is related to gender profiles of constituents. What prompts us tocarry out such work beyond the attempt to fill this gap is the disassociation of afragmented view related to intellectual history in Latin America, with concern researchthat demonstrates complex international relations in their policy frameworkstranscending the border issue. Therefore, this work appears as an attempt to promote astudy that integrates perceptions front of variables gender from the meanings attributedto reality by certain intellectuals prominent eugenicist in the project, that within a

    common context, made significant political reflections and about the cultural identity ofits people and of what would be Brazil.

    Keywords: Representations. Eugenic Speech. National Identity.

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO.................................................................................................. 08

    CAPÍTULO 1 –  A LINGUAGEM EUGÊNICA..................................... 11 

    1.1 Perspectivas Evolucionistas.......................................................................  131.2 Brasil Eugênico...........................................................................................  18

    CAPÍTULO 2 - CONCEITUAÇÕES E SUJEITOS.............................  26 

    2.1 Discussão do Congresso..............................................................................  30 2.2 Quadro Intelectual Eugênico Brasileiro...................................................  35 

    2.3 Tipologias que se Constrói da Eugenia.....................................................  39 

    CAPÍTULO 3 - REPRESENTAÇÕES DA MULHER ........................  43 

    3.1 Mulher Brasileira e a Década de 1920..............................................   47 

    3.2 Papel Social da Mulher..............................................................................  48

    CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 53 

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................... 55 

    FONTES...............................................................................................  57

    SÍTIOS DE PESQUISA......................................................................   58

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    INTRODUÇÃO

    O presente Trabalho de Conclusão de Graduação visa problematizar a história do

     pensamento de um grupo de intelectuais que publicaram suas teses no decorrer das

    décadas de 1920-30 durante a elaboração e disseminação da proposta eugênica1  no

    Brasil, tendo como fontes primárias as  Actas e Trabalhos do Congresso Brasileiro de

    Eugenia ocorrido em 1929. Tais fontes proporcionam a compreensão da tentativa de

    disseminação deste ideário no país no processo constitutivo de uma identidade nacional.

    Desenvolvida no decorrer da segunda metade do século XIX por Francis Galton

    a tese eugênica tem como princípio uma seleção artificial que visava o aperfeiçoamento

    da raça humana2 por meio da escolha dos progenitores. Neste sentido, tem como base o

    estudo da hereditariedade. No Brasil, tal debate ganha força nas primeiras décadas do

    século XX, tendo como pressuposto a mistura de raças como um atraso para a

    civilização brasileira, se apresentando assim, como uma solução para tal situação que

    em suas perspectivas o país se encontrava.

    O 1º Congresso Brasileiro de Eugenia, em 1929, constituiu-se num marco para os eugenistas brasileiros, pois foram abordados inúmeros aspectos da problemática eugênica, mostrando as ideias correntes sobre o tema naquelaépoca. [...] O Congresso não estava aberto apenas para os médicos, mastambém à profissionais das mais diversas áreas (tais como, sociólogos,

     jornalistas e educadores), o que demonstra uma tentativa de alargar o debateem torno do tema visto então como algo de interesse coletivo, pois remeteriadiretamente ao futuro da nação. (MACIEL, 1999, p. 134-135.)

    A pesquisa desenvolveu-se como uma extensão do trabalho realizado durante as

    no projeto “ História das Ideias, Historicidade e Identidades Culturais”, cadastrado na

    Universidade Federal de Santa Maria desde o ano de 2010. Primeiramente, detinha-se o

    foco na construção do pensamento da identidade nacional, posteriormente, deparou-se

    com as publicações referentes ao processo eugênico no país, mudando assim o enfoque

    da pesquisa para o recorte referente às representações da mulher brasileira a partir deste

    grupo de intelectuais. As fontes concentram-se nos anais do congresso. Elas

     _______________1 Em alguns países a política eugênica esteve presente como política de Estado, em outros como base

    como fundamentação teórica de um significativo número de intelectuais.2  Conceito de raça no período servia de legitimação para hierarquização da sociedade com base nasdiferenças de características genéticas ou fenotípicas e psicológicas da população humana.

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    demonstram a reunião de importantes nomes da comunidade intelectual brasileira e

    latino-americana.3 

    O período de análise selecionado se deu devido à diversidade de fontes

    disponíveis e pouco exploradas. Esse fato torna exequível pesquisar os discursos de

    relação de poder e o pensamento do período frente às variáveis de gênero. A

     preocupação central do trabalho é investigar as campanhas em prol da eugenia

    articuladas pelos intelectuais na primeira metade do século XX, pautadas na ideia de

    estereótipos de beleza, função social da mulher e legitimação do discurso por meio da

    retórica científica.

    Tal pesquisa oferece possibilidades de estudo do pensamento de um grupo de

    intelectuais cuja característica principal foi a preocupação em estabelecer formas derepresentações de padrões sociais e morais na sociedade, entre eles, o que deveria ser a

    mulher brasileira. Dentre as pesquisas realizadas sobre as representações femininas,

    apresentou-se uma lacuna historiográfica frente à investigação da mulher neste recorte

    temporal. Os trabalhos encontrados, no geral, referem-se à luta feminista na questão do

    sufrágio universal4 ou, nas manifestações de gênero no período referente à ditadura civil

    militar no país5. Em relação às publicações encontradas, nota-se que se trata de um

    debate em aberto, existindo inúmeras questões a serem exploradas nesses documentos.Enquanto alguns historiadores defendem a eugenia como um movimento antifeminista,

     porque visava manter as mulheres em um papel reprodutivo maternal, outros sugerem

    que, em sua época, a eugenia foi uma força progressista (STEPAN, 2005, p. 116). Há

    então, dessa forma, um recorte temático-temporal a ser investigado por meio de

    discursos dos intelectuais do período.

    Este trabalho está fundamentado na área da História da História das Ideias,

    denominada por alguns como História Intelectual, desse modo, enquanto arcabouço

    teórico-metodológico encontramos nas obras de Roger Chartier e Stuart Hall, questões

     pertinentes para nosso estudo. Entre alguns desses itens podemos destacar as discussões

     _______________3  Fontes disponibilizadas no Arquivo de Antropologia Física, de responsabilidade do Setor deAntropologia Biológica do Museu Nacional/UFRJ. O conjunto de fontes contém importantedocumentação sobre o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado em 1929, no Rio de Janeiro,em comemoração ao centenário da Academia Nacional de Medicina.4  Luta iniciada no Brasil em 1910, porém, o direito das mulheres ao voto sofreu um longo processo,apenas em 1932 tornou-se legalizado, passou a ser obrigatório em 1946 e apenas em 1985 mulheresanalfabetas (parte significativa da população do período) puderam ir as urnas.5

     Analisando em fases, após o movimento feminista desenvolver ações referentes aos direitos políticos,em uma segunda fase que ganha força na década de 1970, as reivindicações das brasileiras se voltam paraquestões culturais e direitos civis.

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    historiográficas, envolvendo a história intelectual e a história das mentalidades, de igual

    importância são suas considerações em relação à representação, as formas de discurso, à

    linguagem, assim como as relações entre a história e as várias disciplinas que foram

    suas vizinhas próximas, em especial a filosofia, disciplina visivelmente conexa à

    História das Ideias.

    Sobre as representações, conceito que regem o trabalho, os autores tem muito a

    contribuir, no que se refere a proposta de pensar as práticas e representações culturais

    como elementos que orientem ações e constituem identidades sociais. Para Chartier não

    há prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações, pelas quais os

    indivíduos e grupos dão sentido ao mundo.

     No decorrer do trabalho busca-se interpretar o discurso sobre eugenia a partir doconjunto de publicação de trabalhos apresentados no Congresso, e desta forma, elencar

    elementos representativos da mulher dentro desta conjuntura. Objetiva-se ainda, ampliar

    a investigação da relação do pensamento deste grupo de intelectuais com o papel social

    feminino no período de análise e demonstrar a influência do discurso eugênico dentro

    da sociedade brasileira e a maneira que neste recorte temporal se pensou os sujeitos

    históricos. Os reflexos da política e aspectos sociais do contexto estudado apresentam

     permanências na sociedade atual. Características da sociedade que tinha em seu presenteo momento de transição do Império para República e fortes traços dos ideais liberais e

    republicanos ajudam a perceber aspectos conjunturais de como se constrói, se legitima e

    se consolida uma identidade meio a resquícios de uma sociedade provinciana e

     patriarcal.

     Nesta conjuntura onde grupos de intelectuais visavam o pertencimento a uma

    identidade nacional unificada, encontram-se sistemas de representações culturais e

     busca das alteridades dentro da hibridez da cultura brasileira. Tal multiplicidade de

    identidades e sujeitos históricos depara-se com práticas contrárias multiplicidade étnica

     presente na sociedade que se constituía. É neste processo de busca da construção

    identitária nacional moderna que se pretende desenvolver esta pesquisa acerca das

    representações da mulher brasileira.

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    1.  A LINGUAGEM EUGÊNICA

     No caso da seleção metódica, temos um criador que seleciona indivíduos comdeterminadas características, tendo em conta um objetivo específico. Se os

    indivíduos puderem cruzar-se livremente, o seu trabalho falhará porcompleto. Mas quando acontece haver muitos criadores que, apesar de nãoterem qualquer intenção de modificar uma raça, têm um ideal de perfeiçãocomum, ou parecido, e todos tentam preservar os animais melhores e fazercom que procriem, podemos estar certos de que este processo de seleçãoinconsciente vai lentamente provocar alterações e melhoramentos na raça,mesmo não havendo separação dos indivíduos selecionados. (DARWIN,2009, p. 101.)

    Imersas nos fundamentos do cientificismo e evolucionismo do século XIX na

    Europa, desenvolvem-se e ressignificam-se as teorias de aprimoramento das espécies.

     No auge dos avanços científicos, concepções positivistas, legitimações identitárias dosEstados-nações, emerge frente à sobrevivência do mais apto6  o conceito de eugenia, por

    meio dos quais há o desenvolvimento de ações que promoviam a ingerência humana

     para aceleração do processo de seleção natural.

    Dentre um contexto de modificações no quadro socioeconômico da Europa,

    ocorrido a partir da Revolução Industrial (ocorrida entre os séculos XVIII e XIX),

    apresenta-se uma conjuntura de expansão capitalista e colonialista indo de encontro com

    o conhecimento da heterogeneidade dos modos de vida e dos biótipos humanos. Através

    da legitimação pela ciência, neste momento, apresentam-se discursos que conotam a

    hierarquização de países a partir das dicotomias desenvolvidos/atrasados,

    civilização/barbárie. Diversas descobertas científicas que se originaram ao longo do

    século XIX foram ampliadas no século XX. Numa conjuntura de consolidação de

    Estados-nação na América e predominância dos ideais positivistas, em meio as “luzes”

    da racionalidade obteve-se uma ideia de discurso legitimado pela ciência através do qual

    se poderia ordenar racionalmente as diversas sociedades.

     Noções de progresso e evolucionismo social caminhavam simultaneamente

    através das ressignificações das teorias de evolução das espécies aplicadas às relações

    humanas. Na Biologia, ocorreu a redescoberta, dos trabalhos desenvolvidos por Gregor

    Mendel. Esquecidos por algum tempo, suas teses estabeleciam as bases das leis de

    transmissão dos caracteres hereditários. Paralelamente, Hugo de Vries desenvolvia

    teses sobre as leis das mutações gênicas, o campo da psicanálise era “criado”  pelos

     _______________6

     Termo aplicado por Hebert Spencer ao principal conceito expresso na obra “A Origem das Espécies” deCharles Darwin. Em suas teorias aprimorou as ideias de Darwin, aplicando as “leis da evolução” à

    espécie humana e seus caracteres biológicos e sociais.

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    trabalhos de Sigmund Freud. Aprimorações também foram constatadas na área de

    diagnósticos médicos com a descoberta dos raios-X, mudanças drásticas de concepções

    também ocorreram na área da Física, onde os conceitos tradicionais e quase dogmáticos

    como os de espaço, tempo, matéria e causalidade foram questionados e ressignificados a

     partir da Teoria Quântica e da Teoria da Relatividade, que trouxeram o indeterminismo

    intrínseco na Física e mudanças de percepções frente às variações tempo/espaço e

    embasando as primeiras formulações teórico-científicas sobre a origem e o fim do

    Universo.

    A partir da obra A Origem das Espécies publicada por Charles Darwin em 1859,

    onde o autor tratava as teorias de evolução dos seres vivos, desenvolveram-se diversas

    teses sobre a temática, algumas aplicando as ideias de Darwin aos seres humanos.Diversos intelectuais observaram os cruzamentos realizados entre as espécies e

    concluíram que o cruzamento reproduzia as características de seus progenitores. Em

    meados do século XIX isto já estava sendo amplamente admitido para os seres

    humanos, sendo as características individuais explicadas pela mistura de elementos que

    ambos os pais forneciam aos filhos. Tais teorias sobre o processo de transmissão de

    características entre as gerações foram amplamente debatidas e rearticuladas ao longo

    da segunda metade do século XIX.Como explanado por Del Cont, os biometristas e os naturalistas estabeleceram

    um importante papel no primeiro momento frente às pesquisas que, posteriormente,

    deflagram na ideia de eugenia. A partir das tipologias elencadas por estes indivíduos

    através de viagens a diversos países, possibilitou-se catalogar características de

    determinados grupos populacionais.

    Como ciência da hereditariedade, a eugenia no final do século XIX aindacarecia de elementos mais sólidos, visto que as próprias teorias correntes atéo final do século eram fortemente especulativas. Nesse sentido, os primeiros

     passos para o estabelecimento de uma ciência eugênica se constituíramenquanto um conjunto de práticas envolvendo os trabalhos de Francis Galtone a influência que começou a exercer sobre um grupo de indivíduos  –  conhecidos como biometristas  –   preocupados em encontrar regularidadesestatísticas que pudessem indicar a prevalência de certas características emum dado conjunto populacional. (DEL CONT, 2008, p. 202.)

    Em finais do século XIX, em âmbito intelectual inglês, as atenções concentram-

    se na compreensão do processo de transmissão de características dos progenitores à

     prole. Processo que, posteriormente, serviria de base para as teorias  galtonias  frente à

    eugenia. A partir das transformações fisiológicas atestadas através dos dados coletados

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    sobre as variações e extinção das espécies foi necessário buscar explicar o porquê da

    diversidade das espécies encontradas na natureza e de que maneira as características de

    uma espécie era transmitida dos genitores à sua prole. Neste sentido, a proposta de

    Galton se pautava na defesa de oferecer um procedimento objetivo. Ao conseguir

    identificar quais unidades eram responsáveis por determinadas características e, desta

    forma, criar procedimentos de controle reprodutivo selecionadores das características,

     possibilitaria então, o melhoramento genético do ser humano.

    Dado que duas consequências derivavam da aceitação da teoria da evoluçãodarwiniana: primeiro, que a seleção deveria atuar sobre um conjunto devariedades de características individuais, selecionando uma parte delas;segundo, que, ao selecionar certas características, elas deveriam sertransmitidas, por intermédio da reprodução, a uma nova geração deindivíduos. Portanto, decidir-se sobre a origem da variação intraespecífica foia primeira exigência posta para o desenvolvimento de uma ciência eugênica.Pois, caso a variação tivesse origem nas condições ambientais, como

     postulava a teoria da herança dos caracteres adquiridos, então boaalimentação, melhores condições de higiene, educação e melhorias nascondições existenciais seriam suficientes para uma melhora geral nascaracterísticas humanas, fossem elas orgânicas ou intelectuais. (DEL CONT,2008, p. 203)

    1.1  Perspectivas Evolucionistas

    Apesar das diversas contribuições importantes que Galton legou a diferentes

    áreas, a eugenia constui-se como o principal foco de pesquisa no final de sua carreira

    acadêmica. O autor aprimorou e aplicou a teoria evolucionista de Charles Darwin para a

    humanidade, abrindo possibilidades para a manipulação científica da própria espécie

    humana. Assim como nas teorias de Galton, a teoria evolucionista serviu de ponto de

     partida para teses de repúdio ou de ressignificações para o evolucionismo, a hegemonia

    no pensamento antropológico da segunda metade do século XIX caracteriza os

    fundamentos do chamado evolucionismo social.

    A teoria evolucionista visava a explicação do mecanismo que propiciou a imensa

    variedade de seres vivos que compõem a biosfera. Desenvolvendo assim, a tese de que

    as espécies animais e vegetais não são imutáveis. Em geral, os evolucionistas dedicaram

     parte de seu tempo de trabalho científico ao cunho naturalista, ou, utilizou-se de

     pesquisas e catalogações realizadas. Dentre os intelectuais evolucionistas pode-se

    destacar Jean-Baptiste Lamarck (1809), naturalista francês que desenvolveu a teoria dos

    caracteres adquiridos. Sua teoria se fundamenta na tendência de um melhoramento rumo

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Naturalistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Naturalista

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    à perfeição através de força externa do meio, porém, este melhoramento é passado

    geneticamente7  através da transmissão das características adquiridas, desenvolvendo

    mudanças no processo evolutivo. Segundo as leis de Lamarck, os indivíduos perderiam

    características que não precisam nas suas atividades diárias e aprimorariam as que mais

    utilizadas.

     Nestas perspectivas, no passar de várias gerações, o acúmulo de alterações pode

    levar ao surgimento de novos grupos de seres vivos.  Neste sentido, para Lamarck, o

    meio e suas modificações causam alterações nas "necessidades" dos seres vivos,

    modificando as espécies  –   explicando assim, a evolução. Diferente de Darwin que

    defendia a seleção por meio natural, Lamarck a via com um fim determinado em que os

    organismos se tornam mais perfeitos à medida que evoluem.

    A seleção natural age apenas através da preservação e acumulação de pequenas variações herdadas, desde que sejam favoráveis à sobrevivência doorganismo conservado. Assim como a geologia moderna já baniu

     praticamente todas as concepções que diziam, por exemplo, que a existênciade um grande vale se deve a um dilúvio, também a seleção natural vai banir acrença de uma criação continuada de novos organismos, ou de grandesmodificações súbitas das suas estruturas. (DARWIN, 2009, p. 97)

    Como já mencionado, no decorrer do século XIX, diversas teorias científicas em

    relação à evolução da vida humana foram desenvolvidas. Dentre os intelectuais pode-sedestacar Gregor Mendel8, sendo o primeiro a explicar de maneira prática como se

    davam os mecanismos de hereditariedade através do estudo com cruzamento de

    ervilhas. A partir destes estudos, Mendel comprovou que as características transmitidas

    eram herdadas em pares de ambos os genitores, permanecendo intactas de geração em

    geração. Seu trabalho apesar de relevante não teve muito impacto no meio científico do

     período. O filósofo inglês Herbert Spencer (1864), representante do positivismo e

    admirador da obra de Charles Darwin, foi quem ressignificou a teoria darwinista

    elaborou a expressão sobrevivência do mais apto. Spencer aplicou à sociologia ideias

    que retirou das ciências naturais, desenvolvendo um sistema de pensamento

    extremamente influente no contexto intelectual do século XIX. O autor procurou no

    evolucionismo estruturações para os mecanismos e objetivos da sociedade.

     _______________7 Termo não utilizado por Lamarck.

    8 Em 8 de março de 1865, Mendel apresentou um trabalho à Sociedade de História Natural de Brünn, no

    qual enunciava as suas leis de hereditariedade, deduzidas das experiências com as ervilhas. Publicado em1866, com data de 1865, esse trabalho permaneceu praticamente desconhecido do mundo científico até oinício do século XX.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Ser_vivohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ser_vivo

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    Posteriormente, suas ideias foram utilizadas na justificação da organização da sociedade

    em classes –  aplicando desta forma à sociedade contemporânea a seleção natural.

    Desta forma, a partir das perspectivas evolucionistas de Darwin, o denominado

    evolucionismo social representou no período uma tentativa de formalizar o pensamento

    social através de discursos científicos, conforme a teoria biológica da evolução.

    Aplicou-se desta forma as análises e leis restritas aos animais e vegetais às sociedades.

    Implicando em perigosas alocuções hierarquizadas frente às diferenças humanas. Tal

    ideia de progresso gradual das sociedades é ainda encontrada no pensamento

    contemporâneo, tanto no senso comum, quanto em meios acadêmicos que ainda tem

    incorporados a ideia de constante melhoramento individual ou coletivo, a falsa projeção

    de que a próxima geração irá superar a anterior. Estas premissas estão presentes nãoapenas no sentido orgânico da vida, mas também, naturalizadas no constante

     pensamento de concorrência entre os seres vivos.

    Em termos de quadro social brasileiro das primeiras décadas do século XX, há

    circunstâncias onde tais ideais servem ao discurso de constituição de identidade

    nacional com base na hierarquização das diferenças internas, a disputa pela definição do

    tipo ideal que representaria o brasileiro. Neste processo, implicitamente, esse modelo

    de conhecimento científico admitia pensar a associação direta entre a eugenia e o lemacentral da República positivista brasileira: “ordem e progresso”. (SOUZA, 2008, p.156)

    Como colocado por Vanderlei de Souza (2008) a introdução da perspectiva eugênica no

     país, assim como, sua difusão entre os intelectuais, conota um sentido de melhoramento

    não apenas genético, mas também, a melhora e regramento do social tendo o

    entendimento que ambos acarretariam em benefícios que seriam passados as demais

    gerações. Abarcando posteriormente um debate interno sobre a tipologia eugênica,

    neolamarckista ou mendeliana. 

    Argumento que a eugenia foi introduzida no Brasil em resposta à preocupação das elites políticas e intelectuais com o péssimo estado de saúdeda população, das condições sanitárias e da composição racial danacionalidade, além da própria preocupação intrínseca quanto aoreposicionamento do Brasil no cenário internacional. Por outro lado, discuto,ainda, a relação do pensamento eugênico brasileiro com a tradição médico-sanitarista, bem como sua associação às ideias ambientalistas oriundas dasconcepções neolamarckistas. Por último, analiso os caminhos e questões queligavam a eugenia às discussões sobre raça e identidade nacional. (SOUZA,2008, p. 147).

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    Ainda na Europa, no sentido de melhoramento das espécies e da vida humana

    através de seleção e interferência nos cruzamentos dos seres vivos, Francis Galton

    (1892, 1909)  –   primo de Charles Darwin  –   também aplica as ideias evolucionistas à

    sociedade, com intuito de promover o conceito de melhorias hereditárias. Galton

    desenvolve o termo eugenia  para denominar os esforços científicos destinados a

    aumentar a proporção de indivíduos com um patrimônio genético superior. Amparado

     pelas teorias - pouco aceitas no período - propostas por outros cientistas que afirmavam

    que os pares de genes seriam heranças de ambos os progenitores, os processos de

    seleção passam basicamente pela boa escolha dos parceiros no casamento. Devido às

    repercussões posteriores às suas teses, é importante salientar que a priori, não se

    encontrou nas teorias eugênicas propostas inicialmente por Galton a clara defesa daingerência política do Estado frente às questões reprodutivas. No entanto, no decorrer

    do século XX, movimentos de eugenia apropriaram-se do discurso científico adquirindo

     popularidade em vários países. Foram assim, associados a programas de controle de

    reprodução tais como leis de esterilização compulsória através de políticas estatais e

    usados em retóricas para o alcance de pureza racial.

    O objetivo de Galton em seus trabalhos era encorajar o nascimento de indivíduos

    mais eminentes ou capazes e desencorajar o nascimento dos supostamente nãoadaptáveis à sociedade desejada. Desenvolveu a ciência eugênica afirmando que os

    seres humanos, assim como os animais, podiam ser aperfeiçoados por seleção artificial.

      Galton escreveu mais trinta artigos sobre problemas de hereditariedade. Seu

    interesse por esse assunto que começara pelo indivíduo e pela família, abarcou a raça

    humana como um todo. Apesar de no período não haver clareza quanto ao mapa

     genético, para Galton o controle reprodutivo constituía a forma mais eficaz de

     promoção do melhoramento e não degeneração da raça humana. Não havendo assim

     para ele, como consta na citação de Del Cont, importância em melhoramento das

    demais condições sociais.

    Mesmo não havendo naquele momento uma ideia muita clara sobre omecanismo de transmissão das características humanas, para Francis Galton,o controle reprodutivo seria um método eficaz de garantir a melhora geral daraça humana e, consequentemente, ao minimizar os comportamentosconsiderados viciosos ou degenerescentes, as condições sociais também sereverteriam na direção de uma melhora generalizada. Nesse sentido, em suaopinião, melhorar as condições sociais não seria o resultado, como muitos

    apregoavam, da melhoria das condições ambientais, salariais, educacionais,higiênicas, mas antes devido às medidas eugênicas, ao ampliar a ocorrênciadas melhores qualidades e impedir a proliferação das piores, as condições

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    sociais problemáticas sofreriam uma melhora substancial em função da proliferação de indivíduos destituídos de comportamentos degenerativos.(DEL CONT, 2008, p. 208.)

    Desta forma, pode-se dizer que a posterior ingerência política em processos de

    esterilização e fundamentações de convenções sociais frente ao matrimônio, como

    regras sobre procriação para criarem condições para melhorar tanto o indivíduo como a

    coletividade da sociedade, foram embasadas na tese eugênica de Galton, porém

    ressignificadas através das perspectivas neolamarckistas e mendelianas. Assim como, o

     processo de restrições à reprodução de determinados indivíduos indesejáveis para a

    sociedade, e também, a esterilização de pessoas portadoras de alguma enfermidade que

     pudesse ser entendido como causa de degeneração da espécie9. 

     Na segunda metade do século XIX, Galton desenvolveu uma teoria fisiológica

    de herança sem considerar suas consequências estatísticas. No entanto, somente após

    1875 ele se preocupou mais com o desenvolvimento estatístico de sua teoria. Em suas

     pesquisas, Galton explora a conexão que une o indivíduo hereditariamente, não só a

    seus pais e a seus irmãos, mas por extensão de uma ligação similar a parentes ainda

    mais distantes. Ele percebeu que um indivíduo podia transmitir alguma característica

    que ele mesmo não apresentava, o que o levou a considerar que essa característica

     poderia estar presente naquele indivíduo em sua forma latente.Por ter desenvolvido uma tese tão polêmica e utilizada como fator determinante

    em um momento extremamente marcante na história da humanidade, Galton foi, por

    diversas vezes, apresentado como reacionário, porém, em sua defesa os biógrafos

    afirmam que nunca foi sua intensão formar uma elite, mas sim, proporcionar a melhoria

    das capacidades inatas da população, transformando-os assim, em um conjunto de

    homens e mulheres superiores. No entanto, sua retórica foi fortemente utilizada e

    associada a projetos higienistas, principalmente no que se refere à eliminação deindivíduos da sociedade que manifestassem doenças das mais variadas, desde tísica até

    sonambulismo, das mais diversas manias atribuídas como distúrbios mentais a uma

    série de comportamentos considerados criminalóides ou antissociais.

     _______________9 Ver Del Cont, 2008, p.209.

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    1.2  Brasil Eugênico

    As perspectivas de mundo encontradas na Europa do século XIX - onde a

    ciência se tornou o classificador do homem a partir das fundamentações do 

    cientificismo, darwinismo, evolucionismo  –   adentram ao Brasil com os intelectuais,

    comumente ligados às faculdades de medicina, legitimando aqui também discursos em

     prol de processos eugênicos, higienistas, e embasamento da antropometria, frenologia e

    antropologia criminal 10. Através destes discursos científicos proliferaram no meio

    acadêmico os padrões eugênicos e a necessidade de limpeza racial. Todos os caracteres

    que não estavam coesos aos padrões ideais para futuros progenitores eram considerados

    entraves para o melhoramento genético da raça humana. Deste modo, tais intervençõesforam aplicadas não somente aos indivíduos isolados, mas às raças, causando um

    determinismo racial. Para evitar a “proliferação” de seres não adequados à sociedade

    desenvolveram-se ações para estimular a procriação entre os tipos eugênicos superiores,

    a esterilização forçada dos indivíduos e os padrões morais e comportamentais frente ao

    casamento.

     No Brasil, tais ideais são latentes no decorrer das décadas de 1910-40, momento

    no qual o país passava por uma série de mudanças políticas e econômicas resultantes dodeslumbre por parte da elite com a ideia de progresso e modernidade. Desta forma,

    utilizando-se do discurso científico europeu, buscou-se validar a hierarquização das

    ditas raças que compunham a sociedade brasileira ocasionando um processo que a

    autora Lilia Schwarcz denominou de naturalização das diferenças em sua análise das

    teorias raciais que compunham o quadro intelectual a partir da segunda metade do

    século XIX, a eugenia se apresenta neste quadro como um instrumento em projetos de

    reformas sociais.

    Sócrates sabia que inventava uma fábula  –  a fábula dos três homens. Dizia ofilósofo que a humanidade teria sido dividida em três tipos de homens: oshomens de bronze, que por causa do vil metal teriam surgido para trabalhar;os homens de prata, que não teriam sido feitos para trabalhar (porque a prataamassa, dobra, e quebra), mas sim para legislar; e por fim, os homens deouro, criados como vocês podem imaginar, para governar. Acho que não énecessário explicar qual é a moral da história, pois creio que seu conteúdo é

     por demais imediato. O que mais interessa pensar é que essa história foicriada em um contexto deliberado, e com uma função deliberada. Hoje vou

     _______________10 A antropometria era uma prática que consistia na capacidade de medir a potencialidade de uma raça a

     partir do diâmetro da cabeça de um homem. A frenologia consistia no estudo da conformação do crânio eservia de base para a antropologia criminal, esta, por sua vez, tinha a perspectiva de que seria possíveldescobrir o criminoso antes mesmo que ele cometesse o delito.

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    contar uma outra história, de cientistas do século XIX que acreditam nestemesmo tipo de fábula, só que esqueceram da criação e apostaram naveracidade e na ciência desse tipo de enredo. Assim, vamos trocar a fábula -

     pela teoria, a criação pelos modelos científicos. (SCHWARCZ, 1996, p.14)

    Lilia Schwarcz, em  As Teorias Raciais, uma construção histórica de finais do século XIX  (1996), desenvolve uma pesquisa frente ao processo ocorrido no Brasil de

    naturalização das diferenças. A autora discute a questão da “fábula de distinção entre os

    homens” e o momento em que esta se naturaliza na sociedade. Para ela, este processo se

    dá a partir do momento em que se nega o princípio básico da Revolução Francesa - de

    igualdade entre os homens. Para Schwarcz, tal processo de naturalização das diferenças,

    ocorrido no Brasil e em alguns outros países da América, se encontrava em um contexto

    de conflitos étnicos11

     evidentes. Na fábula, há o que nasce para trabalhar, o que deverialegislar e o que estava designado a governar, mas a questão principal é em que momento

    e de que maneira, tais naturalizações ocorrem no século XIX.

    O teor de veracidade da ciência é o principal elemento deste processo, no sentido

    de evidenciar a cisão de diversas espécies e raças. Através da antropologia do período e

    do evolucionismo social, a humanidade passava a ser dividida entre selvageria, barbárie

    e civilização. Como já dito, tais teorias raciais serviram de base para práticas políticas,

    como o estímulo à certas uniões e impedimento de outras. Questões de determinismo

    racial adentram no Brasil no final da escravidão e início da República. A

    intelectualidade do período atrelada aos interesses das classes dominantes faz emergir

    tais debates que acabam se legitimando de certa forma, até a atualidade. No início do

    século XX, o Brasil era visto como uma nação ainda em formação, composta por uma

    grande população negra e miscigenada, muitos, inclusive, recém-saídos do sistema

    escravista (SOUZA, 2008, p. 147). Nesse contexto a eugenia brasileira apresenta-se

    como uma ciência bio social,  proposta de reforma do ambiente social no processo de

    construção da identidade nacional.

    As referencias à eugenia na literatura médica e social da América Latinaantecedem à Primeira Guerra Mundial. Mas o termo brasileiro “eugenía”,distinto do “eugenistas” adotado na América Espanhola, foi introduzido

    como título de uma tese médica em 1914. A fundação da primeira sociedade brasileira de eugenia no início de 1918 (seguida de congênere argentina poucos meses mais tarde), apenas dez anos depois do estabelecimento daequivalente britânica e seis anos após a francesa, indica quão afinadosestavam os cientistas da região com os desenvolvimentos europeus.Estrutural e socialmente, contudo, as origens dos movimentos eugênicos

     _______________11 Haitianismo - Após revolução dos escravos no Haiti, em contexto de fim de regime escravocrata naAmérica, o temor de desestabilização social provoca rearranjos nas classes dominantes.

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    tinham menos relação com os acontecimentos europeus que com fatoreslatino-americanos. [...] Enquanto na Europa a guerra intensificava os medossobre degeneração nacional, na América Latina ela insuflava uma novadeterminação de realizar a regeneração nacional. Ao longo da década de1920, a eugenia esteve associada a patriotismo e à convocação para que a

    América Latina assumisse um papel mais amplo nos negócios mundiais. NoBrasil, mais especificamente, os temas de prontidão e disciplina para aguerra, de controle e ordem, das capacidades e aptidões raciais brasileirasocupavam a mente das elites. (STEPAN, 2005, p. 45-6)

    O discurso eugênico apresenta-se no cenário brasileiro, em período de efetivação

    do Estado como Nação, no entanto os eugenistas brasileiros interpretavam a eugenia

    com ênfase nos conflitos familiares, educação sexual e exames e atestados pré-nupciais

    a ponto da genética, a seleção natural e social ficarem negligenciadas (SOUZA, 2008, p.

    155) tornando o debate de cunho científico a político com uma abordagem mais

    sociológica que biológica. Cabe destacar o questionamento colocado por Carlos Armani

    em Discursos da Nação, “quem era o brasileiro, responsável pela elevação do Brasil em

    civilização, o cerne racial permanente da civilização brasileira?’’ (ARMANI, 2010, p.

    134). Pode-se perceber, paralelo ao debate eugênico no país, a existência de um sujeito

    elencado por outro grupo de intelectuais como sinônimo de uma identidade nacional: o

    mestiço. Na posterior análise feita por Gilberto Freyre na obra Casa Grande & Senzala 

     publicada em 1933, o Brasil que “deu certo” era resultado da mistura racial  e esta

    deveria ser celebrada e mantida. Desta maneira, tornou-se um grande debate do período,

     branqueamento versus mestiçagem, sendo que em alguns aspectos pensava-se o

     primeiro processo também através da mistura racial, tendo como pressuposto que a raça

     branca iria se sobrepor enquanto as inferiores tenderiam à extinção. Esses intelectuais

    estavam debatendo no mesmo espaço temporal qual dos dois sujeitos era o mais

    adequado para o progresso.

     No entanto, para os intelectuais eugenistas, os conceitos cientificistas ligados ao

    melhoramento da raça humana resultavam na ingerência em questões básicas como a

    união matrimonial e não na celebração do multiculturalismo. Tais tentativas de

    interferência, mesmo não contendo teor de política de Estado, acabavam por gerar no

     período um perfil de brasileiro desejado. Assim como Franklin Baumer aborda em sua

    obra O Pensamento Europeu Moderno (1990), devemos optar por pensar na história

    elementos que possam contribuir para compreender o mundo no qual nos inserimos.

    Para tal, a partir do texto  Fin de Sécle  pode-se além de levantar perspectivas de

     progresso, seleção natural e as justificativas para o imperialismo na ideia de mundo

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    evoluído, atentar para o processo relativo às ciências que davam maior ênfase à

    irracionalidade do homem do que à liberdade, embora as duas tivessem a mesma

    importância (BAUMER, 1990, p. 141). Desta forma, é possível observar não apenas as

    questões estruturais marcantes da virada do século, mas também a mudança de

     perspectivas de mundo.

    Como já referido, no Brasil, diferente de países como Alemanha e Estados

    Unidos, não se desenvolveu uma política governamental declarada frente ao processo

    eugênico. No entanto, mesmo as disciplinas não sendo diretamente ligadas ao Estado,

    havia uma constituição de um poder disciplinar sobre o corpo, e neste sentido, é

    necessário compreender o conceito de biopolítica datado da segunda metade do século

    XX, desenvolvido por Michel Foucault (1996, 1999, 2010) e ressignificado por GiorgioAgamben (2002). O conceito de biopolítica foucaultiana é pautada por redes de micro

     poderes disciplinares que atuavam de modo a gerir a vida humana visando à

     possibilidade de utilização do corpo social e a exploração otimizada de suas capacidades

    e potencialidades. Trabalha-se com o modo que o governo rege a população, a

    ingerência do poder político sobre os aspectos da vida humana. Nos conceitos

    foucaultianos pode-se discutir a biopolítica e seus discursos nos processos de

    higienização social no Brasil dentro do contexto de constituição de identidade nacional.Desta forma, ocorre o processo de substituição do modelo disciplinar de sociedade pelo

    modelo de  sociedade de controle. A partir do século XIX, processualmente, começa a

    interessar ao poder estatal em alguns países o estabelecimento de políticas higienistas e

    eugênicas por meio das quais se pretende curar os males da sociedade. O corpo torna-se

    objeto da política, a vida e a saúde das grandes populações e das cidades se tornam

    questões do Estado.

    Mas nunca a disciplina foi tão importante, tão valorizada quanto a partir do

    momento em que se procurou gerir a população. E gerir a população nãoqueria dizer simplesmente gerir a massa coletiva dos fenômenos ou geri-lossomente ao nível de seus resultados globais. Gerir a população significa geri-la em profundidade, minuciosamente, no detalhe. (FOUCAULT, 1999, p.291)

    Diferentemente de Foucault, para Giorgio Agamben a biopolítica não apenas se

    refere à modernidade, mas à própria tradição do pensamento político do ocidente

    europeu. A permanente recorrência ao estado de exceção como prática de governo,

    mesmo em países de tradição democrática, para o autor, requer uma compreensão do

    conceito de vida dentro do espaço político moderno. A biopolítica se trata do campo

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    onde a vida da espécie humana tornou-se o princípio e a finalidade das estratégias de

     poder no ocidente. Agamben (2002) discute ainda, a relação entre violência e poder, 

    sendo a violência a fonte do direito, ela inclui uma nova ordem jurídica, através de sua

    exclusão. As características do poder, nos estados modernos, bem como a redução da

    vida em mera vida natural, através do poder normalizador, estão diretamente

    correlacionadas com a violência e o poder.

    A redefinição das relações entre o homem e o cidadão e, por mais que isto possa parecer paradoxal, eles se tornam plenamente inteligíveis somente sesituados sobre o plano de fundo biopolítico inaugurado pela soberanianacional e pelas declarações dos direitos. [...] Uma das característicasessenciais da biopolítica moderna é a sua necessidade de redefinircontinuamente, na vida, o limiar que articula e separa aquilo que está dentro

    daquilo que está fora. (AGAMBEN, 2002, p. 137-8)

    Através das análises de Foucault, pode-se desenvolver o trabalho frente ao

     processo eugênico no Brasil com base nos discursos dos intelectuais eugenistas.

    Tratando-os como objeto de desejo e poder, estabelecendo uma percepção maior sobre

    os procedimentos de controle e delimitação do mesmo. Tendo a produção do discurso

    na sociedade como algo controlada, selecionada, organizada e distribuída por certo

    número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar

    se acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT,1996, p. 9)

    Desta forma, desenvolver a apreciação dos discursos não desassociados da

     prática ritualística a qual determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo,

     propriedades singulares e papeis pré-estabelecidos. Perceber também, o ensino como

    ritualização da palavra e sujeição do discurso dentro do contexto de disseminação da

     proposta de Galton no país, desde sua assimilação e ressignificação pelos intelectuais

     brasileiros à forma pelas quais se dispunham a levar para a população. Dentre o debatenacional sobre o processo eugênico também é importante salientar a distinção entre

     práticas eugenistas e higienistas implantadas no país sendo que os primeiros passos do

    movimento eugênico brasileiro emergiram, portanto, em estreita consonância com as

    ideias e práticas divulgadas pelos médicos-sanitaristas. (SOUZA, 2008, p. 154)

    A “nossa” eugenia, no entanto, pertence, bem dizer, ao final do século XIX e

    à era da moderna ciência da hereditariedade. O eventual entusiasmo pelaeugenia manifestado por cientistas, médicos, juristas e higienistas mentais

    tem de ser visto como apogeu de um longo processo de transformaçãointelectual e social que se desenvolveu ao longo do século XIX no qual a vida

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    humana foi cada vez mais entendida como resultado das leis biológicas.(STEPAN, 2005, p. 29)

     No período tais movimentos eram fortes dentro de um pequeno grupo de

    intelectuais formado por médicos e juristas em sua maioria. Desta forma, não se podedizer que se caracterizavam como movimentos populares. Institucionalizou-se no país a

     partir da Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada pelo médico Renato Kehl, em

    1917, sob o patrocínio do então diretor da Faculdade de Medicina de São Paulo, o prof.

    Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho. Menos de uma década depois, foi fundada a Sociedade

    Brasileira de Higiene, composta por membros, em sua maioria, pertencentes ao

    Departamento de Saúde Pública e a outras instituições da área. Kehl (1929, 1931, 1935)

    distinguia os campos de maneira que à higiene caberia o desenvolvimento de propostas para a melhoria das condições do meio e dos indivíduos, já à prática eugênica  –  

    intermediária entre higiene social e medicina prática - competiria o favorecimento dos

    fatores sociais de tendência seletiva, ou seja, na multiplicação de indivíduos aptos a

    sociedade.

    Referindo-se, sobretudo ao Rio de Janeiro e São Paulo em fins do século XIX,

    depara-se com um processo de urbanização sem planejamento resultado, por assim

    dizer, do desenvolvimento industrial que ocorria nestas regiões do país. Evidenciou-se

    nesta conjuntura problemas de “desordem” social e alguns de natureza médica, como

    surtos epidêmicos decorrentes das péssimas condições sanitárias nas quais as cidades se

    encontravam. Nesta época como já salientado, com o avanço das descobertas científicas,

    a Medicina ganha legitimidade e seu discurso higienista passa a intervir em diversos

    segmentos da sociedade brasileira, como por exemplo escolas, quartéis, prostíbulos e

    família. Durante os anos 1920, a eugenia passou a despertar interesse não apenas de

    médicos, sanitaristas e educadores, mas também de setores da elite brasileira

     preocupada com a regeneração do “homem brasileiro”. (SOUZA. 2012, p. 7) Devido ao

    número reduzido de cidadãos que tinham acesso à instrução, esta se torna uma das

     principais preocupações dos eugenistas tendo em vista a implantação de hábitos de

    higiene e educação sexual como meio de intervir no futuro da reprodução humana,

    gerando uma prole saudável, física e moralmente apta para tornar o Brasil uma nação

    ordeira e progressista. (SOUZA, 2008, p. 156)

    As medidas em prática consistem em estabelecer colônias e albergues paramendigos, penitenciarias e prisões para os criminosos, manicômios ehospitais para loucos e degenerados, sem que os estabelecimentos criados

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    comportem o numero crescente de infelizes que surgem a cada dia em progressão geométrica. Para agravar, ainda mais, a calamitosa situação, ahigiene social de um lado, e a medicina  philantropia de outro, salvam a vidade milhões destes infra homens, (que a seleção natural devia eliminar),argumentando, assim, o peso morto e as contribuições para conserva-los na

    inatividade ou reclusos nos estabelecimentos adequados. (KEHL, 1931, p. 1-2)

    Como anteriormente mencionado, a eugenia funda-se basicamente apoiada nas

    ciências naturais, fortemente embasada nos estudos de Darwin, no entanto, apesar do

    núcleo em comum, constitui-se como uma ciência de características próprias. No Brasil,

    a ciência eugênica tinha como objetivos a melhoria e a regeneração racial que no

     período era apontado como causa principal do atraso do país frente aos processos de

     progresso do capitalismo e do que se compreendia por sociedade desenvolvida. Tratava-

    se de um movimento científico social. Para Kehl (1929, 1931, 1935), a pretensão da

    eugenia constituía-se em “regenerar os indivíduos para melhorar a sociedade”. Deste

    aspecto, a biopolítica eugênica visava o controle, sobretudo da constituição biológica do

    indivíduo através do controle de reprodução, o que refletia diretamente sobre os

    casamentos, sendo evitados os matrimônios entre os “degenerados”, colocava-se assim,

    como preventiva. O vínculo entre as medidas sanitaristas estreitava-se em relação à

     preocupação de tornar o Brasil uma grande nação. Em certo ponto a articulação entre

    estes os projetos de “limpeza” da sociedade  foi tanta, que se passou a compreender a

    eugenia como parte do processo higienista, a prática eugênica era encarada como

    “higiene biológica e mental”. 

     Não temos uma raça definida, não temos um topo integrado, e já temosrebentos de sub-raças que fragmentam a raça. [...] Para combater o mal temosque dar atenção a toda uma arvore etnológica complicada, em que o enxertonegro, o enxerto aborígene, o enxerto árabe, o enxerto teutônico, o enxertoitaliano sobrecarregam e modificam o velho tronco português, aindaresistente, na força duas suas qualidades e na força seus defeitos, devidas à

    difusa raiz de suas origens. (KEHL, 1929, p. 86)

     Neste processo de construção da nação, naturalizaram-se hierarquias raciais e

    sociais, onde se evidenciou marcantes traços de exclusões de tais categorias nas

     políticas de imigração e colonização. Perdurando por algumas décadas, considerando

    que no debate intelectual sobre a constituição identitária do Brasil, essa deveria ser

    constituída pelo gradual branqueamento da sociedade pressupondo a supressão do

    mestiço ao branco. Os demais imigrantes eram mal vistos dentro deste processo. Neste

    sentido, o alicerce das obras de Renato Kehl consistia em resolver o “problema racial” 

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    na superioridade do branco europeu  –  especificamente a do ariano  –  Kehl associava a

    mestiçagem aos híbridos, e como estes são originários de espécies diferentes, quando se

    classifica os mestiços como inferiores, e “quase híbridos”, não seria descabido

    interpretar essa expressão como “semi-humanos” (MACIEL, 1999, p. 131). Desta

    forma, Kehl defende não apenas um processo de seleção aos brasileiros, mas também,

     propõe uma seleção qualitativa dos imigrantes excluindo assim, o que considerava

    como raças inferiores. Paradoxalmente, o mesmo perfil que se buscava para o

     branqueamento do brasileiro era o que se tentava evitar na constituição de uma

    identidade que tinha como um de seus constituintes externos o período entre guerras, no

    qual, países europeus apareciam como parte da barbárie.

    Como abordado por Giralda Seyferth (1996) , as manifestações sobre imigração eetnias se fundamentavam na ideia de mistura das raças, na busca da constituição de um

    tipo nacional, decorrente de um processo seletivo voltado para o branqueamento da

     população. Na mesma obra, Joel de Souza Ramos (1996) observa que o imigrante

    indesejável era representado pelos povos cujas raças restringiriam a composição de um

    tipo eugênico nacional. Nesse aspecto, a política imigratória do período voltava-se para

    a formação de um tipo ideal que contemplasse a homogeneidade racial. Desta forma, o

     processo implicava em escolhas que considerasse não apenas o “branqueamentosanguíneo”, mas a necessidade de se obter os mais assimiláveis entre os brancos e,

    quando não fosse possível evitar, os mais 'dóceis' entre as 'raças inferiores’. (RAMOS,

    1996, p. 81)

    A questão eugênica não desapareceu apesar de diminuir os debates após a

    Segunda Guerra Mundial. Em fim da década de 90 do século XX, a decodificação do

    código genético era apenas um passo na revolução científica que visava decifrar o “livro

    da vida” e com isso proporcionar a prevenção de diversas doenças. Desde então, a

     biotecnologia se desenvolveu rapidamente, e nos deparamos com os mesmos

    argumentos, posicionamentos positivos e negativos frente à ingerência da ciência na

    vida humana, possibilitando a não transmissão dos genes indesejáveis aos descendentes,

    assim como, a interferência do público na vida privada quanto às escolhas que

    envolvem o direito ou dever à vida.

    [...] a difusão da ideia eugenia na sociedade foi muito grande, deixandoresquícios no senso comum e implicando comportamentos cotidianos

    discriminatórios, o que envolve a problemática da apropriação do sabercientífico (ou tido como científico) pela sociedade. (MACIEL, 1999, p.135)

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    2.  CONCEITUAÇÕES E SUJEITOS

    Tendo em perspectiva a análise das fontes, a partir de LaCapra (1983), tem-se o

    objetivo de pensar a história intelectual enquanto elemento essencial no processo

    interpretativo humano de maneira documental performativa. Tais relações de texto e

    contexto se dão num complexo processo de interação, suplementando-se. Para tratar

    destas inclusões complexas, elencou-se três dos seis tipos de contextos históricos

     possíveis para LaCapra: relação entre cultura e texto; relação entre o texto e o corpo da

    escrita; relação entre os modos de discurso e o texto. Ainda no intuito de manter-se

    distante da narrativa histórica totalmente comprometida com a tentativa de organizar aexperiência vivida a partir de uma refiguração do tempo em função de uma consciência

     presente que se apresenta portadora do sentido dessa experiência no tempo.

    Sobre os conceitos de representação, identidade (individual, coletiva e nacional)

    cultura e multiculturalismo, que regem o desenvolvimento do trabalho, estes se baseiam

    nas teses elaboradas por Stuart Hall (2000, 2002, 2003), Kathryn Woodward (2000) e

    Roger Chartier (2002, 2002). De maneira geral, estas obras articulam esses conceitos

    com os constituintes identitários. Tais considerações e discussões fundamentais paraentendermos melhor o sentido de realidade atribuído pelos intelectuais que promoviam

    o discurso eugênico, tendo em vista que suas publicações possuem uma forte

     preocupação com a história de suas nações, tanto no que se refere ao passado e presente

    quanto às perspectivas de futuro, todas essas reflexões passam pelo crivo do político e

    da cultura.

     No trabalho desenvolvido por Chartier, as representações se referem à maneira

    como em distintos espaços geográficos e temporais a realidade social é construída.

    Desta forma, criam-se figuras que agregam sentido ao presente. O autor defende que

    esses códigos, padrões e sentidos são partilhados, e apesar de algumas vezes

    apresentarem-se de maneira naturalizada, seus sentidos modificam-se, tendo em vista

    que são historicamente construídos e determinados pelas relações de poder e pelos

    conflitos de interesses dos grupos sociais. Assim, para Chartier, as representações se

    compreendem como categorias que aparelham as percepções do real. As representações

    do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico

    fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. 

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    (CHARTIER, 2002, p. 17) Na análise do autor, a relação poder/dominação é constante,

    denotando as representações a não neutralidade de discurso, as lutas de representação

    aparecem com objetivo de ordenar a própria estrutura social. Desta forma, as

    identidades sociais se apresentam como resultante desta inclusão.

    Identidades sociais como resultado sempre de uma relação de força entre asrepresentações impostas por aqueles que têm poder de classificar e nomear ea definição, submetida ou resistente, que cada comunidade produz de simesma; ou como recorte social objetivado como a tradução do créditoconcedido à representação que cada grupo faz de si mesmo, portanto, a suacapacidade de fazer com que se reconheça sua existência a partir de umaexibição de unidade. (CHARTIER, 2002, p. 73)

    Outro elemento que pode-se salientar da obra de Chartier é a relação que ele faz

    entre o discurso e o sujeito, para o autor é no discurso onde as representações são

    expressas. Em Dominick LaCapra (1983), há um deslocamento da relação hierárquica

    dicotômica entre texto e contexto para um entendimento inter-relacional entre ambos

    onde a textualidade implica as estruturas ditas “reais” e todos os referenciais possíveis e

    tais relações de texto e contexto se dão num abstruso processo de interação. Chartier

    (2002) corrobora com LaCapra nos seguintes aspectos:

    Considerar os discursos em seus próprios dispositivos, suas articulações

    retóricas ou narrativas, suas estratégias persuasivas ou demonstrativas. Asorganizações discursivas e as categorias que as difundiram, não sãoredutíveis às ideias que elas enunciam ou aos temas que sustentam. Elas temsua lógica própria e uma lógica que pode muito bem ser contraditória emseus efeitos com a letra da mensagem. [...] cada série de discurso deve sercompreendida em sua especificidade. (CHARTIER, 2002, p. 77)

    Paralela à importância de compreensão das considerações sobre representação e

    seus usos na pesquisa história, mesmo esta não sendo de cunho sociológico, deve-se ter

    a clareza do conceito de identidade empregado no desenvolver do trabalho. A partir da

    leitura de Stuart Hall (2000, 2002, 2003), a identidade cultural moderna é compreendida por sistemas de representação cultural. O autor destaca a questão da construção de

    ilusões identitárias a qual depende da relação do indivíduo com o outro e também de

    seu exterior constitutivo. Hall discorre sobre categorias discursivas realizando um

    diálogo teórico com Michel Foucault, ao defender que os processos onde mais nos

    individualizamos é onde já nos assumimos enquadrados em poderes disciplinares

    (música, moda, padrões de beleza...). Assumimo-nos como sujeitos, mas em estruturas

    que assim nos aceitam. Hall tenta responder as indagações do porquê acabamos

     preenchendo as posições de sujeito para as quais somos convocados, posicionando a

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    questão da identidade e diferença como centro da teoria social e da prática política. Para

    o autor a relação de identidade e diferença tem a ver com a atribuição de sentido ao

    mundo social, com disputa e luta em torno dessa atribuição.

    É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora dodiscurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locaishistóricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticasdiscursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas. Além disso,elas emergem no interior do jogo de modalidades específicas de poder e são,assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signode uma unidade idêntica, naturalmente construída, de uma “identidade” em

    seu significado tradicional  –   isto é, uma mesmidade que tudo inclui, umaidentidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação interna. (HALL, 2000,

     p. 109)

    Para Stuart Hall, em uma concepção sociológica, a identidade preenche o espaçoentre o “interior" e o "exterior", ou seja, entre o mundo pessoal e o mundo público. Ao

    realizar a projeção do “eu” nas  identidades culturais, estamos ao mesmo tempo

    aspirando seus significados e valores. Alinhando desta forma, os sentimentos subjetivos

    com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. Pode-se dizer então,

    que a identidade atrela o sujeito à estrutura. No entanto, Stuart Hall (2002) argumenta

    que o sujeito, anteriormente possuidor de uma identidade unificada e estável, está se

    tornando fragmentado, sendo composto, em contexto de modernidade tardia, não de

    uma única, mas de várias identidades. Trabalha-se então, com a ideia de que um dos

    entraves na constituição de uma identidade nacional brasileira, dentre diversos fatores,

    foi a constituição de um Estado-Nação num processo de modernidade tardia.

    Desta maneira, pode-se dizer que as sociedades modernas estão em constantes

    mudanças, diferindo-se assim das tradicionais. Sendo assim, a identidade nacional seria

    formada ao longo do tempo, por meio de processos inconsistentes, existentes no

    momento do nascimento, existindo algo de “imaginário” em sua unidade. Coloca-se

    sempre como incompleta, em contínuo processo de formação. Importante desnaturalizar

    as identidades nacionais, estas nãos são coisas inerentes ao nosso nascimento, são sim

    significadas e ressignificadas no interior da representação. Como ela de maneira cultural

    foi representada através de um conjunto de significados e ritualísticas, uma comunidade

    simbólica.

    Por conseguinte, uma cultura nacional é um discurso constituinte de identidades

    que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o futuro. A identidade nacional

    tenta tecer uma unidade apesar das divergências de seus membros em termos de classe,

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    gênero ou raça, para que assim, através de símbolos possa representá-los como todos

     pertencentes a uma mesma nação. Neste sentido, observa-se que a maioria das nações

    consiste de culturas distintas e dispersas que só foram unificadas por um longo processo

    de supressão da diferença cultural. Hall acentua a maneira que a cultura nacional deve

    ser pensada: como um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade

    ou identidade. Coloca ainda, a raça no debate como categoria discursiva, e não

     biológica. Manifestadas através de conexões a lugares ou símbolos, as identidades

    nacionais representam um vínculo de pertencimento. Elas estão sujeitas a uma

    historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e

    transformação. (HALL, 2000, p. 107-8)

    [...] O conceito de identidade aqui desenvolvido não é, portanto, um conceitoessencialista, mas um conceito estratégico e posicional. Isto é, de formadiretamente contrária àquilo que parece ser sua carreira semântica oficial,essa concepção de identidade não assinala aquele núcleo estável do eu que

     passa, do início ao fim, sem qualquer mudança, por todas as vicissitudes dahistória. Esta concepção não tem como referência aquele segmento do eu que

     permanece, sempre e já, “o mesmo”, idêntico a si mesmo ao longo do tempo.

    Ela tão pouco se refere, se pensarmos agora na questão da identidade cultural,àquele “eu coletivo ou verdadeiro que se esconde dentro de muitos outros eus

     –   mais superficiais ou mais artificialmente impostos  –   que um povo, comuma história e uma ancestralidade  partilhadas, mantém em comum” (Hall,2000, p. 108).

    Assim como Stuart Hall, Kathryn Woodward defende que a identidade é

    marcada pela diferença, e esta, sustentada pela exclusão. A identidade, pois, não é o

    oposto da diferença: a identidade depende da diferença. (WOODWARD, 2000, p. 39)

    Para esse grupo de autores a construção da identidade se da tanto no campo simbólico

    quanto no campo social. É por meio dos significados produzidos pelas representações

    que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos. (WOODWARD, 2000, p.

    17). Perante a construção de identidade de gênero Woodward coloca a constituição da

    representação da mulher ao que se distingue e complementa o papel do homem.

    Os homens tendem a construir posições de sujeito para as mulheres tomandoa si próprios como ponto de referência. [...] As mulheres são os significantesde uma identidade masculina partilhada, mas agora fragmentada ereconstruída, formando identidades nacionais distintas, opostas.(WOODWARD, 2000. p. 17)

    Ao declarar “sou brasileiro”, na verdade, o que se faz é uma extensa cadeia de

    ‘‘negações’’, de expressões negativas de identidade, afirmando antes a alteridade. A

    identidade e a diferença são desenvolvidas por meio de atos de linguagem, defini-la,

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     por exemplo, significa utilizar-se de meios linguísticos já institucionalizados para nos

     posicionarmos como diferentes. Esses conceitos têm a ver com a atribuição de sentido

    ao mundo social e com disputa e luta em torno dessa atribuição. Sendo a representação,

    compreendida como um processo cultural, no qual se estabelecem identidades

    individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia, pode-se dizer

    que os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais

     podem falar. (WOODWORD, 2000, p. 17)

    Como defendido por Estevão Martins no livro Cultura e Poder (2007), as ideias

    como força motriz do processo cultual é o que dá consistência ou resistência, ou até

    mesmo ambas, à afirmação de indivíduos ou grupos na realidade histórica das

    sociedades. Por este pressuposto, se tratando das tentativas dos intelectuais eugenistasde buscar explicações para situação da nação e as soluções para suas mazelas, iremos

     propor a seguir uma análise do congresso e seus participantes. Em se tratando do poder

    da cultura, Martins defende que esse pode ser entendido como expressão da força das

    ideias no processo histórico das sociedades. Ainda na análise de Martins encontramos a

    contribuição ao perceber o discurso eugênico como quadro cultural de referencia que

    agrega, identifica e orienta um grupo de intelectuais, sobretudo, a partir de

    representações de perfis do brasileiro ideal sobre o mundo social e sua transformação por meio da prática eugênica enquanto forma de civilizar o país. Na proposta de

    transformação da sociedade como condição para o progresso.

    2.1  Discussão do Congresso12 

     No seu discurso presidencial de 30 de junho de 1928, por ocasião do 99°aniversário da Academia Nacional de Medicina o Professor Dr. MiguelCouto, alto espírito sempre voltado para as grandes questões nacionais, disse

    entre outras coisas interessantes, que “salta aos olhos a importância do problema imigratório, capaz só ele de frustrar por contaminação todas asconquistas obtidas pelo esforço e a ciência em prol da raça que habitará nossosolo; e os brasileiros que cultivam estas coisas de alta biologia, não podemfugir com sua lição no anseio senão na esperança de fazer a pátria mais forte,mais útil e mais bela”. Depois dessas lindas expressões, o Professor Dr.

    Miguel Couto concluiu: “proponho que a Academia Nacional de Medicinaconvoque para as festas de seu Centenário o Primeiro Congresso Brasileirode Eugenia”. 13 

     _______________12 Optou-se por colocar as referências que tratam das fontes diretas em notas de rodapé em detrimento

    autor/data com intuito de melhor compreensão do leitor.13 Apresentação, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeiro, 1929, p.7.

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    A propagação do ideal eugênico no Brasil como ideias que mobilizaram setores

    importantes da intelectualidade brasileira, mesmo sem apoio estatal declarado conota

    sentido político no discurso sobre raças na sociedade vigente. O Congresso ocorrido em

    1929, na cidade do Rio de Janeiro  –  Distrito Federal do período  –   não apenas reuniu

    intelectuais para a comemoração do centenário da Academia Nacional de Medicina,

    como proporcionou espaço de debate acerca de amplas discussões políticas que estavam

    na pauta da construção da Nação. Concentrados na autoridade da eugenia, a partir das

    conferências e trabalhos apresentados, ficaram aconselhamentos e propostas dirigidas a

    serem aprovadas no Congresso Nacional com intuito de restringir e controlar a

     procriação e união matrimonial no país, assim como, - tendo em perspectiva o anseio de

     branqueamento da população –  a exclusão de correntes imigratórias que não fossem deraça branca14.

    Ao que constam nas publicações, é válido expor que a preocupação não se

    vinculava apenas em relação à saúde física e mental, mas inclui a formação de uma raça

    superior que possuísse os atributos intelectuais necessários à assimilação e ao

    desenvolvimento da cultura, dos quais depende o progresso material da civilização.15 

    Como instituição financiadora e promotora do evento, pode-se destacar a Academia

     Nacional de Medicina, dirigida pelo Professor Doutro Miguel Couto, idealizador doCongresso. Não se pode esquecer a influência da Faculdade de Medicina de São Paulo

    onde surge a Sociedade Eugênica formada basicamente por médicos da capital paulista

    e instituição de origem do grande fomentador da eugenia no Brasil, Renato Kehl que, ao

    mudar-se para a cidade do Rio de Janeiro entrou em contato com intelectuais que já

    vinham manifestando interesse nos estudos sobre higiene mental e eugenia. (SOUZA,

    2008, p. 151)

    Miguel Couto além de médico e professor ingressou na carreia pública como

    deputado em 1934, foi presidente da Academia Nacional de Medicina de 1914 até seu

    falecimento. Sua dedicação à pesquisa concentrava-se na área de saúde pública e

    defendia fortemente o avanço no sistema educacional brasileiro16. Os objetivos do

    Congresso evidenciam-se através de uma breve análise da vida pública de seu

     _______________14 O Problema Eugênico da Imigração, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia,Rio de Janeiro, 1929, p. 340.15 O Problema Eugênico da Imigração, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia,

    Rio de Janeiro, 1929, p. 333.16  Informações adquiridas no site: http://medbiography.blogspot.com.br/2006/03/miguel-couto-incl-foto- photo.html

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    idealizador, seu discurso era direto ao que se tratava de políticas imigratórias

     principalmente quanto aos asiáticos. Sobre a instituição de fomento, fundada em 1829,

    desde sua origem teve como propósito a difusão das ideias médicas  e, dentro do

     possível, aconselhar e auxiliar, quando solicitada, em questões do Governo,

    relacionadas à saúde pública e educação médica17 . Tendo em vista a importância do

    discurso científico no período e a mediação feita entre esfera pública e privada pelos

    intelectuais, ou seus representantes, pode-se evidenciar que o processo eugênico

    adquiriu caráter político no Brasil, mesmo sem pronunciamento oficial do Estado.

    Dente os parágrafos que definem o regimento interno do Congresso, fica claro

    que este ocorre sobre apoio e reconhecimento do governo:  sob auspícios do S. Ex. Sr.

     Presidente do Brasil e o patrocínio das altas autoridades da República.18  Além deaberto a demais áreas de saberes, o evento era composto por conferências, apresentações

    de teses, assim como, visitas a organizações científicas e sanitárias do Rio de Janeiro.

    Frente à descrição das atas, comprovam-se as perspectivas que os participantes tinham

    diante do que ocorria no momento, assim como a clareza no que se refere à urgência de

    um branqueamento  da sociedade através da contribuição não apenas de médicos, mas

    de profissionais de áreas distintas na justificativa que todos deveriam presar pelo

    melhoramento da Nação. Neste sentido, o Congresso organizou-se não apenas para darconta das apresentações, mas também, a fim de tirar proposições de cunho

    antropológico, educacional e legislativo.

     No intuito de cuidar do patrimônio biológico do povo, propõe-se a relevância da

    educação eugênica para disseminação e compreensão da proposta e esclarecimento das

    novas gerações, que sejam feitos cursos de eugenia em todas as escolas e mais

    aprofundadamente nas faculdades de medicina.19  No geral, as medidas eugênicas

    objetivavam também educar e regular os hábitos das classes sociais mais pobres, vistos

    como imorais, degradantes e perniciosos ao futuro racial da nação. (SOUZA, 2008, p.

    158) O debate se apresenta acalorado quando se toca no ponto do alcoolismo e da

     possível proibição de venda de determinados tóxicos, assim como, há divergências entre

    os intelectuais quanto ao exame pré-nupcial ser ou não facultativo, mostrando tendência

     _______________17 Informações adquiridas no site: http://www.anm.org.br/index.asp18  Regimento Interno, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeiro,

    1929, p. 8. 19  Actas do Congresso, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeiro,1929, p. 12.

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     por parte do grupo a efetiva ingerência na vida privada e discordância em relação a se o

    meio social influenciaria ou não no processo eugênico.

    [...]Dr. Oscar Fontenelle também discorda que seja facultativo o exame pré-nupcial, pois não devemos deixar aos indivíduos a faculdade de lesar ou nãoa sociedade. É necessário que as massas se impressionem com as medidastomadas e que as discutam, sabendo quando praticam atos contrários àsociedade.20 

    Ainda sobre a importância da educação, várias falas se apresentam como

    reivindicação ao Governo em prol de sua implementação na escola primária e,

     principalmente, na secundária. A questão da tipologia eugenista, entra novamente em

     pauta no debate referente à suposta influência do meio no processo de não degeneração

    da raça, discutindo assim, o perfil do imigrante desejado. Consta como proposto, umteste individual aos estrangeiros, de forma que a partir deste, eles se demonstrassem

    aptos mentalmente  –  o tipo físico já teria sido analisado. Sugere-se nesse ponto exigir

    do imigrante:  posse de títulos e contratos anteriormente feitos no país com técnicos

    especializados.21  Porém a tese é anulada sob o argumento que tais imigrantes não

    viriam para o Brasil.

    Dentre estas discussões o negro não é colocado como indivíduo e sim, como um

    elemento africano no país, com o qual se tem que lidar a partir da eugenia. Desta forma,os seus traços na população sumiriam naturalmente. O caso do biótipo nordestino

    também é tratado como cruzamentos que tenderiam ao desaparecimento no processo de

     branqueamento da população.

    [...] a vantagem que haveria no cruzamento dos tipos subracicos do nordestecom outros de raça branca, qualquer que seja esta. Termina apresentando asseguintes conclusões: 1° - aconselha ao governo encaminhar como imigraçãoeuropeia para o nordeste, de preferencia os colonos agricultores europeuslatinos e anglo-saxões. 2° Que ao menos para o nordeste sejam tomadas

    medidas restritivas para que não se intensifique a imigração asiática.

    22

     

    Em parte da historiografia que se trata do Brasil República, designou-se a

    chegada do anarquismo no país junto aos imigrantes europeus. Nesta mesma

     perspectiva, em atas analisadas, apresenta-se em um breve momento a fala de um

     participante que atenta para a possibilidade do feminismo chegar com força ao país e,

     _______________20  Actas do Congresso, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeiro,1929, p. 13.21  Actas do Congresso, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de

    Janeiro,1929, p. 17.22  Actas do Congresso, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeiro,1929, p. 23. 

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    desta forma, enfraquecer a raça. Dr. Fernando de Magalhães lembra que a pátria do

     fundador da Eugenia, habitada por uma raça forte, inteligente e ativa, acaba de

    conduzir por eleição mulheres ao seu parlamento e até uma ministra.  23 Ainda sobre a

    mulher, levanta-se a questão de mudar o código civil frente a idade do casamento, sendo

    que, cada raça teria um momento de maturação: basta lembrar que uma rapariga de 12

    anos é uma mulher na Amazônia e outra de 16 anos é muitas vezes menina no sul do

     Brasil.24 Neste mesmo aspecto ainda coloca-se a importância da prática de educação

    física específica para a saúde da mulher, a educação física era pensada, portanto,

    também em termos neolamarckistas, possibilitando que os eugenistas interpretassem a

    saúde e o “vigor físico” como elementos passíveis de transmissão hereditária . (SOUZA,

    2008, p. 159)Algumas poucas falas se mostravam preocupadas com a saúde e bem estar da

    mulher durante a maternidade. Poucos intelectuais colocaram em debate uma

    maternidade consciente e não imposta, por meio de educação sexual e liberdade de

    escolha, no entanto, suas ideias são suprimidas pela da maternidade como função social.

    Lembra que a procriação é dever imposto aos seres vivos sobre o qual sefunda a perpetuidade da espécie e, na espécie humana, é ainda dever social ede patriotismo em que se baseia a razão da organização e estabilidade do

    Estado, fatos de consenso universal e que dispensam quaisquercomentários.25 

     Neste ponto do trabalho é válido lembrar que a História das Ideias se apresenta

    como um estudo da história percebendo o homem associado a seu meio sem

    fragmentação. Desta maneira, busca o relacionamento do intelectual com o resto da

    sociedade destituída de preocupação social, no entanto, como demonstrado em Baumer

    (1990) deve-se perceber os autores como reflexo da sociedade em que se insere. Apesar

    de não crer que a instituição determine a História das Ideias, pode-se evidenciar através

    do exposto nas atas no Congresso, como os fatores sociais frente ao que se pensava para

    o futuro do Brasil eram pensados por estes intelectuais. Analisando sujeito e objeto

    dentro de uma mesmo modalidade, percebemos os autores do período definindo seu

     próprio contexto.

     _______________23  Actas do Congresso, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeiro,1929, p. 24.24  Actas do Congresso, Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeir