tecnologias gerenciais

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Tecnologias gerenciais, educação e capital RAFAEL RODRIGO MUELLER Universidade do Extremo Sul Catarinense Antes de construirmos carros, nós construímos pessoas. Lema da Toyota Motors Company A tecnologia gerencial contemporânea tem com a educação uma relação bem mais estreita e intensa que as primeiras teorias da administração. Gurgel, 2003, p. 25 ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS A relação entre educação e formação tornou-se cada vez mais estreita e imersa na ideologia de mercado promovida pelo neoliberalismo, com maior intensidade na década de 1990, às instituições de ensino, principalmente públicas (Laval, 2004). Os massivos investimentos destinados à educação formal, principalmente nos países em desenvolvimento, pelos órgãos multilaterais são indicativos reais da necessidade, veri- ficada a partir da década de 1970 e intensificada na década de 1990, de desenvolver e preparar o que ficou amplamente divulgado como sendo “capital humano”, conceito que foi fetichizado e absorvido pela educação e pelas empresas, mas que de fato se desvela como sendo um conjunto de instrumentos subjetivos (tais como raciocínio lógico, aprendizagem, motivação, liderança) e objetivos (como treinamento, qualifi- cação, formação profissional, entre outros) necessários à força de trabalho para uma configuração de sistema produtivo distinta da que se desenvolvera até então. Conceitos-chave como liderança participativa, motivação, trabalho em equipe, desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências e habilidades, ou seja, o controle sobre o trabalho cooperado no interior das organizações, que, como veremos, é uma das características das tecnologias gerenciais, são fatores inerentes 739 Revista Brasileira de Educação v. 18 n. 54 jul.-set. 2013

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RAFAEL RODRIGO MUELLER

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Tecnologias gerenciais, educao e capitalRAFAEL RODRIGO MUELLERUniversidade do Extremo Sul CatarinenseAntes de construirmos carros, ns construmos pessoas.Lema da Toyota Motors CompanyA tecnologia gerencial contempornea tem com a educao uma relao bem mais estreita e intensa que as primeiras teorias da administrao.Gurgel, 2003, p.25ELEMENTOS INTRODUTRIOS A relao entre educao e formao tornou-se cada vez mais estreita e imersa na ideologia de mercado promovida pelo neoliberalismo, com maior intensidade na dcada de 1990, s instituies de ensino, principalmente pblicas (Laval, 2004). Os massivos investimentos destinados educao formal, principalmente nos pases em desenvolvimento, pelos rgos multilaterais so indicativos reais da necessidade, veri-fcada a partir da dcada de 1970 e intensifcada na dcada de 1990, de desenvolver e preparar o que fcou amplamente divulgado como sendo capital humano, conceito que foi fetichizado e absorvido pela educao e pelas empresas, mas que de fato se desvela como sendo um conjunto de instrumentos subjetivos (tais como raciocnio lgico, aprendizagem, motivao, liderana) e objetivos (como treinamento, qualif-cao, formao profssional, entre outros) necessrios fora de trabalho para uma confgurao de sistema produtivo distinta da que se desenvolvera at ento.Conceitos-chavecomolideranaparticipativa,motivao,trabalhoem equipe,desenvolvimentoeaperfeioamentodecompetnciasehabilidades,ou seja, o controle sobre o trabalho cooperado no interior das organizaes, que, como veremos, uma das caractersticas das tecnologias gerenciais, so fatores inerentes 739 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo Muelleraosistemaconhecidocomo treinamentodentrodaindstria(Training Within Industry TWI) e que historicamente se consolidou de modo concreto na pro-duo capitalista dos ltimos trinta anos a partir do sistema Toyota de produo.1 Os elementos histricos que inter-relacionam os modelos de produo citados so analisadosnodecorrerdenossapesquisacomointuitodedemonstrarasbases conceituais e ideolgicas que sustentam os pilares da educao para o sculo XXI, quando a tecnologia, ou mais propriamente a aplicao tecnolgica da cincia, ma-nifesta seu papel determinante para a efetividade concreta de valorizao do valor. Ante o exposto, torna-se necessria a investigao da relao existente en-tre as ferramentas utilizadas para a formao do trabalhador dentro de uma nova confgurao no sistema de produo e as tecnologias, em especial as gerenciais, desenvolvidas para o controle e racionalizao da fora de trabalho, pois conforme Denise Pereira e Helena Crivellari (1991, p.95), para a reorganizao dos proces-sos produtivos, um aspecto essencial e exaustivamente colocado em discusso, a necessidade de se compatibilizar a gesto da fora de trabalho e a tecnologia, tendo em vista a recomposio orgnica do capital.O TWI NOS ESTADOS UNIDOS DA AMRICA (EUA)DeacordocomJimHuntzinger(s.d.,p. 4), oTraining WithinIndustry (TWI) foi iniciado em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial com o intuito de aumentar a produo para suprir as necessidades do esforo de guerra das Foras Aliadas.2 Ainda segundo o autor:O TWIfoilanadoem1940pelaNationalDefenseAdvisoryCommission (NDAC) e eventualmente foi transferido para Federal Security Agency (FSA), com o objetivo de funcionar como parte da nova War Manpower Commission (WMC) no dia 18 de abril de 1942. O TWI continuaria sob o comando do WMCatquesuasoperaescessassem,fatoqueocorreuemsetembrode 1945. (idem, p.6)Aps a queda da Frana, em 1940, as Foras Aliadas perceberam a urgncia de suprir as demandas geradas pela guerra, sendo que os nveis produtivos tinham se 1 No consideramos o sistema Toyota de produo, ou mais propriamente o toyotismo, comosendooltimoestgiodedesenvolvimentodomododeproduocapitalista, mas sim, conforme verifcado por Giovanni Alves (2011, p.58): A partir da crise es-trutural do capital e de sua mundializao, o que veio a ser denominado de toyotismo tornou-se o momento predominante do que David Harvey denomina regime de acu-mulaofexvel.Oespritodotoyotismotorna-se,naquelasdeterminadascondies histrico-concretas, um valor universal para o capital em processo.2 Para mais detalhes sobre o histrico do TWI e sua contribuio para o aumento da pro-duo de artefatos de guerra para abastecer os Estados Unidos da Amrica (EUA) du-rante a sua participao na Segunda Guerra Mundial, ver o segundo captulo da obra de Donald Dinero (2005). 740 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalelevado em demasia. O governo americano decidiu, ento, j prevendo sua possvel interveno direta no confito, dar incio a um programa que poderia solucionar os problemas advindos de uma superproduo de insumos de guerra: O TWI Service comeou a operar visando o [sic] aumento na produo para atenderdemandagigantescaqueestavaencobrindoasfbricas.Foifocado nasempreiteirasdeguerraeoutrosfabricantesnecessriosparasuprimentos de guerra, que continuaram a crescer em nmero de companhias transformadas para a produo de guerra. (Huntzinger, s.d., p.6)A partir de sua criao, o TWI foi se desenvolvendo em uma rede nacional liderada por profssionais da indstria no intuito de ensinar tcnicas de produo s empresas fabricantes de insumos de guerra. Nesse grupo havia empresrios volunt-rios que cediam suas companhias, haja vista a necessidade de efetuar o treinamento dentro da indstria com o objetivo de concretizar e legitimar as aes realizadas pelo TWIempreitadarealizadasomenteemempresascujoaceitetivessesido espontneo pelas gerncias de fbricas.Ametodologiado TWItevecomobaseosmtodosdetreinamentode Charles Allen, em 1919, desenvolvidos a princpio para a indstria naval america-na durante a Primeira Guerra Mundial. Desses mtodos, chamados de os quatro passos de Allen, surgiram os Programas J: instruo de trabalho ( job instruction, JI); mtodos de trabalho (job methods, JM); relaes de trabalho ( job relations, JR); e o desenvolvimento de programa (program development). O elemento-chave desses programas era o inter-relacionamento entre os supervisores e os trabalhadores ope-rrios, sendo considerado o fator responsvel pelo sucesso da indstria de suporte guerra dos EUA.O foco do TWI passou a ser as necessidades dos supervisores na organizao e controle da mo de obra, pois a demanda produtiva obrigava as empresas a con-tratarem um grande nmero de pessoas no qualifcadas, algo que realava ainda mais o papel fundamental do supervisor e sua relao com os funcionrios no que se referia ao aumento da produtividade3 industrial americana. A segunda etapa do processo de desenvolvimento do TWI, a fm de ampliar os nveis produtivos gerados pelo trabalho cooperado, centrou-se na concepo de mtodos de ensino que privilegiassem a relao entre supervisores e subordinados e, principalmente, em como alinhar uma vasta gama de habilidades desenvolvidas e no desenvolvidas pelos funcionrios das empresas empenhadas com a produo da Segunda Guerra. O trabalho desenvolvido por Charles Allen foi fundamental para a prxima etapa do TWI nos EUA. Conforme citado por Allen (apud Huntzinger, s.d., p.10):3 Conformedemonstraremosadiante,arelaosupervisor-funcionrios,oumaispro-priamente a utilizao de tecnologias gerenciais por parte dos primeiros, ser um dos princpios bsicos para o sucesso do sistema Toyota de produo.741 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo MuellerCada lio completa de ensinamento requer 4 passos ou operaes de treina-mento conhecidos como passo 1 Preparao, passo 2 Apresentao, passo 3 Aplicao e passo 4 Teste (ou Inspeo). Esses passos so sempre leciona-dos nessa ordem dada. O propsito do passo 1 deixar o aluno preparado para aprender, do passo 2 instru-lo, do passo 3 verifcar se h erros e do passo 4 fazer uma inspeo fnal na Instruo de Trabalho.Podem-severifcar,comomtodo quatropassosdeAllen,asrazesdo quesedifundiuamplamente,emespecialapartirdadcadade1990,tantonas organizaes como nos ambientes educacionais: o princpio do aprender a fazer (Delors, 2003). Tal conceito se verifca como elemento constante em literaturas da rea de educao, fundamentando pesquisas e estudos (Bruno, 1996; Duarte, 2001, 2004; Martins, 2004; Roesler, 2007); e, por ser interdependente ideologicamente emsuamanifestaoconcreta,evocaumaatenodiferenciadaaosmtodosde ensino utilizados pelos profssionais da educao formal e da educao profssional: a educao para o trabalho e no local de trabalho. Nesse caso, torna-se necessrio explicitar os fundamentos do TWI enquanto umametodologiaderacionalizaodaforadetrabalhoefetivadapormeioda qualifcao profssional diretamente relacionada formao dos trabalhadores.A METODOLOGIA DO TWI Um dos fatores diferenciais da metodologia concebida e desenvolvida por Allen foi o tratamento dado questo do treinamento, apontando, valendo-se de pesquisas empricas realizadas no interior das indstrias, quais os gastos relacionados falta de um programa de treinamento (desperdcio de recursos fnanceiros, mate-riais e humanos) e indicando os trs fatores primordiais para a melhor efcincia dos processos de produo: [...] o instrutor, porque atravs de instruo efcaz que podemos assegurar ef-cincia em treinamento. O homem, porque quando corretamente treinado, ele faz o melhor trabalho. O servio, porque efcincia produtiva vem de homens bem treinados [...]. (Allen apud Huntzinger, s.d., p.11)Para que se estabelecesse o melhor desempenho do treinamento, era impres-cindvel que se aplicassem quatro princpios: 1) o ajuste dos padres; 2) o estabe-lecimento de instruo correta; 3) o treinamento de maneira contnua dentro das organizaes; e 4) esse treinamento no poderia se dar em um curto espao de tempo. Grande parte do livro de Allen sobre o estudo do treinamento dentro das indstrias foi dedicada a demonstrar como uma metodologia efcientemente aplicada pode contribuir de maneira decisiva para a relao entre instrutores bem selecionados e orientados e uma mo de obra desperta necessidade de aprender a aprender. As preocupaes de Allen no que se referia ao desenvolvimento de uma metodologiaorientadapararesultados,seleoeformaodeinstrutorese 742 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalnecessidade de despertar o trabalhor-aluno para a necessidade de se manter em constante atualizao para um melhor aprender a fazer em nada diferem das preocupaesverifcadasnosmeiosacadmicoeempresarialatualmentenoque tange s novas perspectivas acerca da educao e formao profssional dos traba-lhadores, respectivamente. De fato, o que Allen desenvolveu em termos de estudos sobre melhores prticas gerenciais orientadas racionalizao da organizao do trabalho so os preceitos lgico-prticos do que passou a ser conhecido como os quatro pilares para a Educao do sculo XX (Delors, 2003) e um currculo escolar orientado para o desenvolvimento de habilidades e competncias.APRENDER FAZENDO: O CONTEDO DOS CURSOS TWI Intencionalmente, os idealizadores do TWI4 utilizaram-se do mtodo dos quatropassosdeCharlesAllen:deacordocomHuntzinger(s.d.),Kaneera membrodaEmergencyFleetCorporationdeAllen,eDooleyeDietzfaziam parte do Departamento de Guerra e conheciam Kane e Allen.As preocupaes de Allen no que se referia ao melhor desempenho dos instrutores j tinham sido discutidasnoTraining WithinIndustryReport1940-1945,noqualaquestodo aprender fazendo foi central. Nesse caso, estabeleceu-se que todo instrutor possua cinco necessidades: 1) saber o trabalho; 2) ter conhecimento da responsabilidade; 3) habilidade de instruir; 4) habilidade em aperfeioar os mtodos; e 5) habilidade em liderar. As duas primeiras eram consideradas de responsabilidade da empresa no sentido de fornecer as condies necessrias para o desempenho da funo em termos estruturais e de explicitar sua poltica interna e planejamento; e as trs ltimas eram providenciadas pelo TWI com seus respectivos Programas J ( job instruction, job methods, job relations) combinados ao mtodo dos quatro passos de Allen.INSTRUO DE TRABALHO (JOB INSTRUCTION) Era constitudo de cinco sesses, com duas horas de durao cada uma; as duasprimeirassessestratavamexclusivamentedaapresentaoediscussodo mtodo de instruo, e as trs ltimas eram utilizadas para a aplicao prtica das apresentaes e discusses. O objetivo era de que no decorrer das trs ltimas sesses os alunos-instrutores utilizassem um mtodo de instruo aplicado com os funcio-nrios de seu departamento e a partir dessa aplicao registrassem e discutissem a experincia com os participantes das sesses. O programa instruo de trabalho, assimcomooprprio TWIetodososoutrosprogramas,nofoiofcialmente implantado nas empresas at que fosse exaustivamente testado, avaliado e revisado. 4 DeacordocomHuntzinger(s.d.,p. 8):OTWIServicefoilideradoporQuatro Cavaleiros,queassimfcaramconhecidosdurantea2GuerraMundial:Channing Rice Dooley, Diretor do Servio TWI; Walter Dietz, Diretor Associado; Mike Kane, Diretor Assistente e William Conover, Diretor Assistente.743 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo MuellerO JI foi desenvolvido com a observao de sua aplicao em vrias empresas e aprimorado por meio dos feedbacks destas aliados a uma autoavaliao acerca da efcinciadosprocedimentosemtodosutilizados.Ofococentraldoprograma era instruir operrios mais do que deix-los aprender, pois boa instruo est ajudando as pessoas a aprenderem sem atrapalhar seus mtodos de aprendizado. Um ensino fraco pode realmente limitar o aprendizado deles (Allen apud Huntzinger, s.d., p.14). Os esforos para aprimorar o programa instruo de trabalho estavam ensejados no aumento da demanda militar, que determinava diretamente a produo das empresas aliada diminuio do nmero de operrios disponveis, situao que transformava o treinamento em fator-chave para a soluo dos problemas concretos. Conforme Newton Bryan (2008, p.104), [...]anfasepostanoensinodeoperaesoudefasesdetrabalhojco-difcadospelosespecialistasemmtodos,eosconhecimentostecnolgicos resumem-se a algumas regras de como utilizar as ferramentas com o mnimo dispndio improdutivo do trabalho. Umdospontosdedestaquedoprogramafoiaproduodecartesde instruodetrabalho,etodososparticipantesrecebiamumexemplar.Nafren-tedocartoestavamexplcitososprocedimentosnecessriosparaconsideraro trabalhador-instrutor efetivamente preparado para instruir, e no verso estavam os quatro passos de como instruir. Ressalta-se,pelaltimafrasenoversodocarto,aresponsabilidadedada shabilidadesqueoinstrutordevianecessariamentedispor/desenvolver,princi-palmente no que diz respeito constituio da subjetividade da fora de trabalho noambienteprodutivo: Seoalunonoaprendeu,oinstrutornoensinou. Objetivamente, a partir desse treinamento, o supervisor, antigo trabalhador subor-dinado e resistente s mudanas no status quo produtivo, deve transmitir de maneira adequada os conhecimentos relativos cada tarefa atribuda a seus subordinados, pois, desse modo, sua funo[...] possibilita a apropriao, pelo capital, do saber incorporado no trabalhador qualifcado e o controle gerencial do processo de transmisso dos conhecimen-tos tecnolgicos, que, at ento, realizara-se conjuntamente com a transmisso devaloresadvindosdaculturaoperria,antagnicosaosobjetivosdocapital. (idem, ibidem)MTODOS DE TRABALHO (JOB METHODS) Conforme exposto por Allen (apud Huntzinger, s.d, p.15), o objetivo desse programaera [...]ajudarossupervisoresaproduziremmaioresquantidadesde produtos com qualidade em menos tempo, fazendo o melhor uso da mo de obra, mquinas e material disponvel no momento. Nesse caso, tornou-se imprescind-vel uma redefnio e realinhamento das caractersticas do trabalho do supervisor, 744 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalquais fossem: sua misso, qualidades, problemas e objetivos (Bryan, 2008). Convm destacar, com base no objetivo exposto do programa mtodos de trabalho, que no cernedodesenvolvimentodo TWIedeseusmtodosdecunhopragmticose encontra a essncia da produo capitalista e, consequentemente, das tecnologias gerenciais,qualseja,aracionalizaodaproduoedaorganizaodaforade trabalho orientados valorizao do valor. Pela anlise dos procedimentos tcnicos utilizados na produo de um de-terminado produto, era solicitado aos participantes do programa em questo que desenvolvessem um novo mtodo mais efciente e adequado s demandas atuais da empresa.5 O modus operandi do programa mtodos de trabalho incorporava:Elementos da Organizao Taylorista do Trabalho e da Ergonomia, fornecen-do aos participantes um cdigo para estabelecimento das sequncias das ope-raes, noes do estudo de tempo e movimentos e diagramas para organizar o trabalho com o mnimo dispndio fsico. Aps a discusso dessa sistemtica, dada ao supervisor a tarefa de projetar o trabalho de seus subordinados. (idem, p.108)A ideia era desenvolver nos supervisores habilidades para identifcar proble-mas e implementar melhorias que poderiam ser incorporadas em um novo proce-dimento tcnico. Assim como no programa instruo de trabalho, foi desenvolvida uma cartilha de referncia para auxiliar os supervisores durante suas atividades.H uma grande similaridade entre os procedimentos desenvolvidos no progra-ma mtodos de trabalho e o que fcou conhecido como Kaizen (melhoria contnua), no mtodo de gerenciamento japons. RELAES DE TRABALHO (JOB RELATIONS) Esse programa estava fundamentado em desenvolver tcnicas para melhoria dasrelaesentresupervisoresesubordinados,ouseja,as relaesdetrabalho deveriamserorientadasparamelhoriasnasrelaessociaisnoambienteprodu-tivo. Tendo em vista que, segundo o programa em questo, um bom supervisor aquele que consegue identifcar pequenos problemas antes que se tornem maiores e prejudiciais produo, esse mesmo procedimento era aplicado tambm no que se referia a relaes humanas no espao produtivo. Utilizando como matriz novamente o mtodo dos quatro passos, esse programa aplicava o seguinte procedimento: com aapresentaodecasosfctciosenvolvendosupervisoreseoperrios,omanual orientava os supervisores sobre como cada um deles resolveria os problemas a partir 5 Essaumarefernciadiretaaosistema Toyotadeproduo,particularmenteporsua capacidadede capturaousequestrodosaberobjetivodostrabalhadoresporinterm-dio de sugestes espontneas feitas por eles mesmos no intuito de melhorar os proces-sos produtivos do sistema. Para uma anlise pormenorizada dessa questo, ver Lucdio Bianchetti (2000), Jos Henrique de Faria (1997, 2004) e Giovanni Alves (2011).745 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo Muellerdessa discusso eles deveriam aplicar em seus respectivos departamentos as lies obtidas e posteriormente apresentar os resultados gerados para o grande grupo. De acordo com Bryan (2008, p.104), o programa relaes de trabalho era uma sntese das descobertas da psicossociologia do trabalho americana, desenvol-vidacombasenaconstataodafragilidadedospressupostostayloristasquanto smotivaesdostrabalhadores.Apesardeoutrostericosteremdesenvolvido pesquisas no campo organizacional, tendo a mesma preocupao e orientao do TWI, como Chester Barnard e Douglas McGregor, foi Elton Mayo quem mais contribuiu para o enfoque das relaes humanas nas organizaes, tendo como pressuposto terico a organizao cientfca do trabalho desenvolvida por Taylor (idem, ibidem):A Escola das Relaes Humanas surge numa poca em que se funda o sindica-lismo vertical, por indstria, em substituio ao de ofcios. Cabe ao conselheiro dasrelaeshumanas[supervisor,gerente]asupressodasresistnciasinfor-mais s exigncias administrativas. Enquanto a Escola Clssica pregava a har-monia pelo autoritarismo, Mayo procura-a pelo uso da Psicologia, convertendo a resistncia em problema de inadaptao pela manipulao dos confitos, por pessoalespecializadoemPsicologiasocialeSociologiaindustrial,oumelhor, relaes industriais. (Tragtenberg, 1985, p.83)DeacordocomGeraldoFranciscoFilho(2006),opragmatismodeJohn Dewey e a psicologia dinmica de Kurt Lewin foram imprescindveis para a afr-mao das ideias de Mayo. Como nos demais programas, para facilitar a aplicao e orientar os super-visores, desenvolveu-se um carto para relaes de trabalho como referncia.DA MQUINA AO HOMEM: O DETOUR TECNOLGICO NAS ORGANIZAES VIA TECNOLOGIAS GERENCIAIS No decorrer de nossa anlise sobre a relao do desenvolvimento histrico entre o programa TWI e o sistema de produo japons (ou, mais propriamente, o sistema Toyota de produo), pde-se verifcar a importncia que ambos atriburam formao do instrutor/supervisor numa perspectiva de ampliar a racionalizao da produo (processos, operaes, mtodos e tcnicas) pela organizao e controle da produo e da fora de trabalho, e no necessariamente nesse percurso tenha sidodadaanfasenatecnologiafsicacomootaylorismo/fordismodavaaessa manifestao de tecnologia. Por sua vez, pde-se constatar que o sistema Toyota de produo, como um estgio mais aprimorado e avanado do programa TWI na abrangncia produtiva, utilizou-se, em grande parte para o seu prprio desenvol-vimento, de tecnologias gerenciais ao desenvolver inovaes organizacionais que atuassemdiretamentesobreocontroledaforadetrabalhoenapotencialidade existente na intensifcao da produtividade. 746 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalO modo pelo qual o referido sistema produtivo constituiu-se baseado em suas especifcidades tcnicas est, certamente, relacionado com as determinaes histricasqueoconduziramparasuaperspectivadevalorizaodovalor,como porexemplo:acondioeconmicaesocialdoJapoapsaSegundaGuerra, que motivou os pases aliados, capitaneados pelos EUA, a transformar o referido pas em um laboratrio ou centro de pesquisas industriais; os seus limites geo-grfcos que inviabilizavam a produo em larga escala com seus estoques, tanto dematrias-primascomodeprodutosacabados;aconstituiodossindicatos patronais por empresas em substituio aos sindicatos classistas por setores da economia vinculados ao agora extinto Partido Comunista; e, talvez, um dos fatores histricos determinantes, a condio econmica dos EUA e sua determinao sobre a produo, que no permitia vislumbrar, em curto e mdio prazos, quaisquer modifcaes tcnicas ou inovaes organizacionais em sua planta industrial, que naquele momento estava em plena ascenso. Tais fatores moldaram o sistema pro-dutivo das indstrias japonesas naquele perodo histrico (o ps-guerra), o que, a posteriori, se concretizou como sendo o sistema Toyota de produo. Foi especifcamente na referida empresa automotiva (Toyota), constituda naquele momento de extrema escassez, que as inovaes criadas por engenheiros americanos tiveram seu espao criativo ilimitado e, aliadas percepo de Taiichi Ohno6eaosdeterminantesinerentesaoJapo(cultura,tradio,costumesetc.), conjugaram-se a ponto de se transformarem em um sistema produtivo orgnico.Tais inovaes estavam embasadas na prerrogativa de que necessariamente deviamestabelecerumambientequeprivilegiassearacionalizaodaproduo, porm no mais focado nas caractersticas propostas pelo sistema de produo ti-picamente americano (de base taylorista-fordista), mas nas circunstncias concretas quedeterminavamoJaponaquelemomento:acompletaescassezderecursos, matrias-primas e parques industriais. Ou seja, o foco deveria estar no desenvol-vimento de mtodos e tcnicas que restringissem a praticamente zero quaisquer possibilidades de permanncia de elementos constituintes do processo produtivo que gerassem custos desnecessrios, por exemplo: estoques, retrabalho por falta de padronizao, as perdas e os desperdcios etc.7 Nesse caso, para a efetivao de tal intento era necessria e fundamental a utilizao dos conhecimentos provenientes 6 TaiichiOhno(1912-1990)consideradoopaidosistema Toyotadeproduoedo kanban.Formou-seemengenhariamecnicanaEscola TcnicadeNagoyaeentrou para a Toyota Spinning and Wearing em 1932. Em 1943 foi transferido para a Toyota Motor Company, tornou-se diretor em 1954, diretor gerente em 1964, diretor gerente snior em 1970 e vice-presidente executivo em 1975.7 Faz-se necessrio destacar que a racionalizao da produo e do trabalho no foi cria-oouexclusividadedosistemaToyotadeproduo,poisocontrolededetecoe extinodoqueJosRicardoTauile(2001)denominacomoporosidadedotraba-lho ou seja, o trabalho que no agrega valor direto ao produto, como paradas para o caf, idas ao banheiro etc. j era motivo de preocupao tanto para os engenheiros industriais do sculo XIX, quanto para Taylor e Ford; porm, a criao de novas tecno-logias gerenciais que atuassem diretamente sobre a intensifcao da fora de trabalho, 747 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo Muellerdarealidadeempricavivenciadapelaforadetrabalhonoseiodaproduoe, consequentemente, do realinhamento de sua formao; destarte, os macios inves-timentos em treinamento teriam certamente de providenciar tal condio favorvel ao sistema de produo em questo. Tal prerrogativa est em total consonncia com a afrmao feita por Marx (Marx; Engels, 1992, p.79) ao questionar: Qual o custo de produo da pr-priaforadetrabalho?ocustonecessrioparaconservarooperriocomotal eeduc-loparaesteofcio.Combasenessacitao,podemosidentifcardois fatores de real importncia para o delineamento de nossa pesquisa: 1) para Marx, o adiantamento de capital com intuito de formar a fora de trabalho considerado como custo necessrio, ou seja, havia uma necessidade de tal adiantamento por ser o trabalho elemenento fundamental para a valorizao do valor; 2) o sentido empregado por Marx para educao como um realinhamento dos conhecimentos tcnicos provenientes de todos os componentes do trabalho na produo. Essa era asignifcnciaqueaeducaodeveriaterapartirdesuaconstituionoepelo capitalismo, ou seja, de maneira alguma esses dois fatores poderiam contribuir para uma formao omnilateral, prevista por Marx, que aliasse o conhecimento tcnico ao conhecimento cientfco. A reduo do termo educao, como sendo somente a formao da fora de trabalho na produo, ter consequncias fundamentais, principalmente para o direcionamento das reformas educacionais propostas com maior intensidade a partir do sculo XXI e determinadas pelos ideais do capitalismo globalizado e que apro-fundaremos a seguir. Aqui nos deteremos a indicar de que maneira essa perspectiva acerca da educao serviu como pressuposto ideolgico para o desenvolvimento das tecnologias gerenciais inerentes ao sistema Toyota de produo. Conforme Eneida Shiroma (1993), a formao de trabalhadores polivalentes no espao de fbrica foi a base do modelo japons, e essa formao exerce maior infuncia e goza de maior prestgio ante a educao formal. A autora (idem, p.50) enfatizou tambm a impor-tncia de os funcionrios recm-admitidos passarem por programas consecutivos de induo e capacitao para serem moldados internamente empresa, fazendo com que sejam vultuosos os investimentos de educao do trabalho:DuranteorpidodesenvolvimentoindustrialdoJaponosanos[19]50e [19]60,haviacarnciademodeobra,eosformandosdosecundriopassa-ram a ser altamente cobiados pela indstria que lhes forneceria uma educao complementar. O currculo consistia em 70% de treinamento prtico sobre o ofcio e 30% sobre cultura geral. Durante os 3 anos de curso eram ensinadas noapenasashabilidadesmastambmaculturadaempresa[...].Recebiam formao geral exaustiva sobre a frma, sua histria, os objetivos da direo e o comportamento exigido para o trabalho. (idem, p.51)concebendondicesdeprodutividadeinalcanveispelotaylorismo/fordismo,certa-mente foi o grande diferencial do sistema implementado na e pela Toyota Motors.748 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalAo destacarmos como o referido sistema de produo inverteu a ordem de importncia dos recursos disponveis, ao colocar o trabalhador e sua relao com a administrao com nfase na formao no e pelo trabalho produtivo, queremos enfocar tambm a importncia das tecnologias gerenciais como forma de controle edeorganizaosocialdaproduo.Nessecaso,areorientaofuncionacomo um desvio da ordem natural imposta pelo sistema de produo americano com a excessiva nfase nas tecnologias fsicas (rgidas ou fexveis)8 para atingirem altos nveis de extrao de mais-valia. A utilizao da prpria capacidade inerente a todo ser social, a racionalidade, ser direcionada para o desenvolvimento de mtodos e tcnicas de controle e organizao da fora de trabalho alinhadas s necessidades atuais do padro de acumulao vigente. Sendo assim, o sistema Toyota de produo extrapola os limites geogrfcos da planta industrial japonesa e passa a ser adotado nosomenteemfliaisdamesmaempresaemoutrospases,mastambmpor outras organizaes ocidentais interessadas em atingir os ndices de lucratividade decorrentes de sua utilizao, e tais ndices somente se efetivam quando se desvia da ordem natural do sistema de produo americano e implementam-se maciamente tecnologias gerenciais relacionadas produo.Isso de maneira alguma diminui a importncia da racionalizao da produo obtida por meio das tecnologias fsicas, mas signifca que as tecnologias gerenciais possibilitam nveis no atingveis pela primeira no sentido de valorizao do valor. Nesse caso, a ordem de importncia de priorizao de utilizao na produo ca-pitalista sofre um detour tecnolgico, em que as cincias exatas e naturais deixam de ser a base conceitual no que se refere aplicao tecnolgica da cincia, sendo superadas pelas cincias humanas e sociais no controle do comportamento e ali-nhamento ideolgico da fora de trabalho aos preceitos do padro de acumulao atual. De acordo com Tauile (2001, p.146):Nas economias ocidentais modernas, tornou-se progressivamente evidente que a utilizao efcaz de novas tecnologias de automao fexvel (TAF) dependia em grande parte da introduo de novos e adequados mtodos gerenciais. No caso japons, todavia, cabe ressaltar que as mudanas nas TOSP [Tecnologias de Organizao Social da Produo]9 precederam introduo de novas tecno-logias de automao fexvel.8 Conforme Tauile (2001, p.143) o fordismo, que se apoiava na automao rgida, tpica daproduoemgrandeescaladeprodutospadronizados,comeouaencontraruma forte turbulncia gerada pela instabilidade econmica da dcada de 1970. A difuso de equipamentos de automao fexvel, que ento comeava a se acelerar, no conseguia superar as difculdades colocadas pelos novos e instveis padres de demanda, pois ain-da no se compreendia plenamente o que a nova base signifcava em termos das novas possibilidades de produo.9Tauile(2001)atribuis TecnologiasdeOrganizaoSocialdaProduo(TOSP)as mesmas caractersticas que damos nessa pesquisa s Tecnologias Gerenciais.749 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo MuellerFoi a partir da dcada de 1960 que novas TOSPs como o just in time e os CrculosdeControledeQualidade(CCQs)ganharamamplitudenasplantas industriais japonesas, em que[...] o sucesso dessa TOSP exigia um elevado grau de coordenao, preciso e qualidade das atividades executadas, tanto dentro da fbrica como no mbito da articulao entre empresas, at porque, havendo uma dramtica reduo dos estoquesintermedirios,asinefcinciasdoprocessotornavam-seincompat-veis com a estratgia produtiva. (Tauile, 2001, p.149)Astecnologiasgerenciaispotencializamavalorizaodovalorprincipal-mente por meio da reduo de custos que podem advir de qualquer elemento da produo: estoques, processos, movimentao, transporte etc. dessa forma que o conjunto de mtodos e tcnicas provenientes das tecnologias gerenciais (just in time e kanban) necessariamente extrapola os limites da prpria empresa, atingindo tambm as empresas fornecedoras, que devem equalizar sua produo demanda da empresa cliente. A perspectiva que envolve as tecnologias gerenciais a da lean production (produo enxuta), e esta permeia todo o sistema Toyota de produo na medida em que se deve[...]racionalizarosfuxosdefabricaoentreprocessosdeformacontnua, otimizando e aproveitando os espaos disponveis, a fm de minimizar a mo-vimentaodepessoas,produtos,materiaisedocumentos.necessrioesta-belecer um fuxo racional de trabalho. Quando so aprimorados os processos e elevados os nveis de capacitao e motivao dos empregados, os ndices de desperdcio caem naturalmente. ( Justa; Barreiros, 2009, p.7, grifos meus)Oelementoqueintegratodoosistema Toyotadeproduoaforma comoutilizasuastecnologiasgerenciaisnointuitoderacionalizaraproduo adaeternum e no se pautando como elemento principal em tecnologias fsicas que, alm de gerarem custos de manuteno e depreciao como capital fxo, no possibilitam a melhoria contnua que se desenvolve com o processo de colaborao horizontal(otrabalhocooperadodaforadetrabalho)evertical(otrabalhode controle,aprimoramentoetreinamentogarantidopelogerente/instrutor/lder/condutor)dentrodosistema Toyotadeproduo.Umexemploempricodetal afrmao advm de uma citao de Chappel (apud Battaglia, 2005, p.1), em que a autora, aps visita a Toyota Motor Manufacturing North America situada em Erlanger, Kentucky, destaca que em um mundo inundado pela logstica compu-tadorizada, a Toyota afrma que seus cartes coloridos kanban esto gerindo muito bem a cadeia de suprimentos; e mais adiante destaca:Enquanto percorria as instalaes de Knoxville, um operador de empilhadeira percebe um erro: no meio da rea de recebimento, um pallet de caixas destinado a determinada planta colocado sobre uma pilha que deveria ser destinado a uma outra. O operador de empilhadeira ento se desloca at l e separa as duas. 750 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalEleconseguiradetectaroerrograassdiferenasnoscartes:elespossuem coresdiferentes.Oenganonoseriadesfeitosetivesserecebidoumaordem computadorizada ou se fosse apenas uma diferena no cdigo de barras. So os cartes. So as pessoas treinadas para olhar e entender os cartes. o controle visual simples e inequvoco. (Chappel apud Battaglia, 2005, p.5)O relato explicita uma das atividades relacionadas s tecnologias gerenciais, observando que estas vo muito alm da mera utilizao dos sentidos no intuito de detectar e corrigir possveis erros: a capacidade de observar os processos, analis--los e sugerir melhorias que , sem dvida, o maior diferencial dessa tecnologia , ou seja, o nvel de cooperao nesse caso extrapola a diviso imposta pelo sistema deproduoamericanoquerestringiaopotencialinerenteforadetrabalho produtiva, qual seja, uma formao profssional que privilegia a contribuio direta da fora de trabalho como fonte de aprimoramento da racionalizao da produo. O carter colaborativo presente no sistema Toyota de produo manifesta-se concretamente com as sugestes propostas pela fora de trabalho de implementar melhorias no processo produtivo. Contudo, a colaborao tem de ser assimilada por parte dos trabalhadores por meio de uma formao que privilegie essa caracterstica da produo; e, por ser fexvel o sistema de produo, a formao e o treinamento dos trabalhadores devem ser contnuos. Nesse caso, a formao da mo de obra no sistema Toyota de produo deve valorizar o desenvolvimento de competncias e habilidades que iro propiciar a colaborao por parte dos trabalhadores e serem incentivadas pelos gerentes que, a partir disso, sero lderes que devem orientar seus subordinados a trabalharem por meio do trabalho cooperado e colaborativo. Necessariamente,asorientaesformativasquesedesenvolvempelosistemade produo toyotista devem estar orientadas para suas caractersticas proeminentes: reduocontnuadecustosquenoagregamvalor;ehabilidadesquevoalm da mera instrumentalizao, caracterstica do sistema de produo americano. O desenvolvimento histrico de uma pedagogia toyotista e suas razes ideolgicas ser analisado a partir do prximo item.A EDUCAO NO E PARA O TRABALHO: RELACIONANDO A GESTO CAPITALISTA COM A FORMAO PROFISSIONAL imperativo, no modo de produo capitalista, estruturar a constituio de relaes sociais baseadas na relao econmica de custo e benefcio. Como vimos no item anterior, para que se desenvolva no seio da produo capitalista programas de formao e treinamento, estes devem ser devidamente mensurados e passveis de perpetuao pela sua capacidade de providenciar mais-valor em uma perspectiva de crescimento contnuo. Sendo assim, o vislumbre de possibilidades de intensifcar aracionalizaodotrabalhoviaformaointraeextraorganizacionalsomente efetiva-se pela anlise da relao custo-benefcio que est em concomitncia com anecessidadeintrnsecadeocapitalvalorizartodososmbitosdaorganizao 751 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo Muellersocial. A interveno direta de rgos multilaterais que do sustentao poltica e ideolgica ao construto do capital no que se refere aos diversos loci relacionados educao formal ou informal e formao profssional10 faz com que os processos que se estabelecem por meio da relao entre ensino e aprendizagem devam ser orientados num sentido de mercantilizao, reduzindo a educao a mero objeto (moeda) de troca entre capital e trabalho.11 Os processos educativos, particularmente estabelecidos na dcada de 1950 no mundo, determinaram os caminhos percorridos pela educao, os quais se con-solidaram com maior efetividade na dcada de 1990, quando as teorias do capital humano e das competncias entraram em consonncia com o momento da economia ao fnal do sculo XX e j com vistas para o sculo XXI. Esse momento de transi-o secular histrica marca tambm o desenvolvimento dialtico no que concerne superao,incorporandopressupostostericosquedeterminamosparmetros educacionais e de formao profssional, em que a relao entre a educao formal e o controle sobre a organizao do trabalho e sobre os processos produtivos vem de longa data. A Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) publica anualmente um documento que trata exclusivamente das pers-pectivas acerca da educao formal no mundo, e o referido material publicado no incio de 2009 aborda, entre outras, as seguintes questes: [...] examina a maneira como os sistemas de educao continuam a expandir--se, com um nmero de titulares de diplomas universitrios quase duas vezes maior em 2007 do que em meados dos anos 1990. Considerando o actual cenrio de recesso econmica caracterizado pela restrio dos recursos, mas tambm por uma elevada necessidade de investimen-tosemcapitalhumano ,aediode2009analisaosprocessos,ofnancia-mento e os resultados do sector da educao como factores que determinam se os sistemas de educao oferecem uma boa relao custo-benefcio. (OCDE, 2009, p.1, grifos meus)Podemos observar que, conforme a OCDE, apesar do momento econmico atual ser de crise, em que necessariamente a racionalizao dos recursos deve ser priorizada, os investimentos em capital humano permanecem na agenda econmica mundial,observando-setambmumarelaodiretaentreeducaoeformao de capital humano, o que consolida os dados positivos do referido documento num mbito puramente quantitativo com base em dados estatsticos. Em essncia, odocumentoPanoramassobreaeducao:indicadoresdaOCDEsepautasobrea permanente relao que, de acordo com a perspectiva do capital, deve ampliar-se no 10 Dentro dos quais, atualmente e como demonstramos aqui, o processo de nivelamento entre educao e formao algo concreto em nossa sociedade nos ltimos trinta anos.11 Cabe ressaltar que os loci de educao formal, em particular os pblicos, so espaos em disputa pelo capital e pelos atores desses espaos, ou seja, nem toda educao formal determinantemente prev como seu objetivo-fm a sua mercantilizao. 752 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalque se refere aos sistemas educacionais desenvolverem a formao necessria para abastecer uma suposta demanda do mercado mundial em suas diversas atividades profssionais. Nesse sentido, importa destacar que:A TeoriadoCapitalHumanoumconstructoideolgicoedoutrinrioque associa trabalho humano a capital fsico, ambos tidos como fatores de produ-oregidosporlgicasderentabilidadeeconmicaapartirdeclculosutili-taristas de maximizao do benefcio individual. Sob a alegao de promover as capacidades humanas, esse quadro terico refora o domnio ideolgico do capitalismo, acirrando a concorrncia entre os indivduos e transferindo, para os trabalhadores, a responsabilidade pela existncia das desigualdades no mercado de trabalho. (Cattani; Holzmann, 2006, p.57)O construto terico desenvolvido por Teodore Schultz e Garry Becker, e que teve seu reconhecimento mundial a partir da dcada de 1970 como um ideal a ser perseguido pelos sistemas educacionais, ainda orienta as perspectivas acerca daeducaonaprimeiradcadadosculoXXI,permanecendoofocoprincipal das anlises feitas sobre os sistemas educacionais e, especifcamente, sobre a gesto destes, de maneira que se estabelece a necessidade de uma subsuno real do tra-balho ao capital e que atualmente no se d por meio de tecnologia fsica, mas principalmente pela captura ou sequestro da subjetividade da fora de trabalho (Alves,2007;Faria,2007)viatecnologiasgerenciais,emquetaistecnologias desenvolvem-se e consolidam-se como instrumentos para tal captura/sequestro, com maior propriedade no sistema Toyota de produo. Paraquearelaocusto-benefcioexistenteentreaeducao/formaoe a produtividade se estabelea concretamente no plano das relaes sociais, ne-cessrio que ela esteja alinhada s necessidades advindas do mbito da produo capitalista de maneira que os trabalhadores que atuam nessa relao sejam formados de acordo com os seus preceitos terico-prticos, para possibilitar a racionalizao da produo e, consequentemente, a valorizao do valor. Assim como no decorrer do sculo XX, foi necessrio que os preceitos da administrao cientfca de Taylor fossem assimilados pelo ambiente escolar como uma administrao escolar voltada racionalizao do plano produtivo e, a partir da dcada de 1970, com o advento da reestruturao produtiva, exige-se dos sistemas escolares uma formao alinhada aos novos paradigmas impostos pelo sistema Toyota de produo.Nesse caso, torna-se necessrio o alinhamento entre o sistema de produo e o sistema de educao, conforme previsto na anlise de Gramsci sobre o sistema produtivo americano no sculo XX e o sistema de relaes sociais constituintes da superestrutura. De acordo com Ruy Braga (2008, p.25):Americanismo e fordismo representam as duas faces da mesma moeda, isto , uma nova composio das foras produtivas do trabalho social por meio dos chamados processos de modernizao conservadora: racionalizao da produo correspon-753 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo Muellerdia um novo ajuste entre estrutura e superestrutura, sempre no sentido de recompor a unidade entre relaes sociais de produo e aparelhos de hegemonia.Podemos estabelecer a mesma associao entre as relaes sociais de produo orientadas pelo toyotismo e os aparelhos de hegemonia institudos para alm da organizao. Conforme Gramsci (2008, p.68), h uma necessidade de adequar os costumes s necessidades do trabalho. A gesto dos sistemas escolares responsveis pelaformaodoatualefuturotrabalhadordeveestaremconsonnciacomas necessidades psicofsicas impostas pelo sistema toyotista de produo, nesse caso, os princpios que norteiam o referido sistema de produo (reduo de custos e formao polivalente) devem ser buscados e estabelecidos na prtica pelos sistemas educacionais. Exemplo emprico de tal necessidade d-se a partir do relato de Jefrey Liker e Michael Hoseus (2009, p.93) e que ilustra nossa refexo:Mesmo o luxo de escolher a comunidade em que a nova fbrica ser constru-danoosufcienteparaa Toyota.Aempresaestacostumadaainfuenciar a fora de trabalho desde antes de comear a contratar as pessoas. No Japo, a Toyota comea o processo de preparar os jovens para entrar em sua cultura por meio de colaborao com o sistema escolar local. Na cidade hoje conhecida como Toyota City, h um sistema de ensino mdio da Toyota. Os interesses e aptides dosalunossoavaliadosduranteosltimosanosdoensinofundamental,eos estudantes recebem escolhas e indicaes que se adaptam s suas competncias. H trs carreiras gerais dentro da Toyota: trabalho de produo, trabalho de ma-nuteno especializada (solda, eltrica, programao de robs, etc.), engenharia. Com base nessas escolhas, possvel escolher trs caminhos educacionais distin-tos. A maioria dos alunos que escolhe trabalhar para a Toyota quando se forma na escola local opta pelo caminho do trabalho de produo. Na Escola de Ensino Mdio Toyota, eles vivem em dormitrios e aprendem, trabalham e se divertem juntos. claro que continuam a aprender as matrias tradicionais, como japons earitmtica,mastambmsoexpostosaoModelo Toyota,incluindoaspectos tcnicos da construo de carros, os componentes do STP [Sistema Toyota de Produo] e os valores e componentes interpessoais do trabalho em equipe e da cultura Toyota. arealorientaodeumsistemaescolarquaseemsuaplenitudepelo modelo de produo atual, sem qualquer possibilidade de concesso por parte do primeiro, conforme Liker e Hoseus (idem, ibidem): quando a Toyota comeou sua fbrica no Kentucky, o desenvolvimento de seu prprio sistema escolar formador no era uma opo. Tendo por base ainda a instalao da fbrica em Kentucky, a relao exem-plifcada anteriormente no Japo tambm foi posta em ao nos EUA: aps um rigoroso processo de seleo de pessoas para trabalharem na flial, foi constatado que somente 5% das pessoas avaliadas possuam as qualidades e habilidades necessrias para se encaixar no padro Toyota de produo, pois com o tempo a Toyota queria 754 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitalmaisprodutividade,edecidiucolaborarcriativamentecomacomunidadepara aumentar a capacidade dos trabalhadores disponveis para contratao, semelhante ao que a empresa faz no Japo (Liker; Hoseus, 2009, p.94).Constata-se uma necessidade intrnseca ao sistema de produo em ques-todegerirecontrolaraformaodaforadetrabalhoereduzir,pormeiodo assaltoaoscurrculosescolares,osprincpiosinexorveisdaeducaoameros instrumentos de incorporao dos ideais referentes ao seu modo de intensifcao da racionalizao produtiva. Assim como o prprio sistema Toyota de produo uma sntese de mltiplas determinaes historicamente constitudas, formando-se por meio de referenciais polticos e econmicos mundiais e de condies prprias da cultura japonesa, a relao entre esse sistema e os preceitos educacionais postos paraosculoXXItambmsofremltiplasinfuncias,principalmentedoplano organizacional orientado valorizao do valor via potencializao exponente da racionalizao produtiva. Nesse sentido, preciso verifcar at que ponto o progra-ma de treinamento TWI, desenvolvido com base nas necessidades do complexo militar-industrial,12 serve de base para a ideologia educacional conhecida como os pilares para a educao do sculo XXI e como o contedo de tal ideologia d sus-tentao para a consolidao no plano organizacional e educacional das tecnologias gerenciais, tema de nosso prximo item.AS IMBRICAES EXISTENTES ENTRE OS QUATRO PASSOS (DO TWI) E OS QUATRO PILARES (DA EDUCAO) Pretendemos demonstrar neste item as aproximaes e similaridades exis-tentes entre o mtodo dos quatro passos, de Charles Allen, (que serviu de base para o TWI, que consequentemente a base conceitual do sistema Toyota de produo) eodosquatropilaresparaaeducaodosculoXXI,idealizadosporJacques Delors (que se constituem como a materializao no plano educacional dos ideais de formao da mo de obra no referido sistema produtivo). Nesse caso, h uma relao do desenvolvimento histrico existente entre o mtodo dos quatro passos, o TWI e os quatro pilares para a educao como projetos de introjeo dos ideais previstos para o novo padro produtivo que adquire uma abrangncia global nos ltimos trinta anos. Os programas so formas de implementao na produo da racionalidade do capital, que implicam mudanas e transformaes na formao profssional da fora de trabalho. Particularmente, as ideias previstas no conjunto dos programas aqui analisados por si ss no impem uma interveno direta na realidade, tendo que inevitavelmente serem materializadas por intermdio de agentes treinados para tal intento, ou seja, a perspectiva de busca de uma racionalizao na produo capitalista deve ser objetivada com a interveno de seus executores, 12Para mais informaes, ver o item 16.2, intitulado O signifcado do complexo militar--industrial, presente na obra de Istvn Mszars (2002).755 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo Muellerque no caso podem ser desde gestores organizacionais at pessoas com cargos de comando e gesto na educao, como os professores.Um dos primeiros elementos que podemos constatar no que diz respeito aproximao e similaridade fca por conta do item preparao, referente ao mtodo dos quatro passos e o primeiro pilar aprender a conhecer de Delors: a preparao tem em sua defnio o fato de haver uma necessidade de sensibilizar o trabalhador em formao para o ato de aprender e que, para tal intento, o conhecimento novo deve ser ancorado em um preexistente; situao muito prxima conceitualmente doquepropeo aprenderaconhecer,queprivilegia odomniodosprprios instrumentos do conhecimento (Delors, 2003, p.90) ante a necessidade de sabe-res especfcos. O pilar aprender a fazer a sntese do que preconizado pelos ProgramasJdo TWIepeloitem aplicaodosquatropassos:aimportncia de desenvolver-se um conjunto de habilidades e competncias particularmente com professores/instrutores que supram as necessidades de um novo paradigma produtivo. Mesmo que os Programas J estivessem pautados em uma base taylorista/fordista, a racionalidade que permeia historicamente a relao entre ambos a de se obter um controle sobre a formao da mo de obra indispensvel para a perpetuao de qualquer sistema produtivo, saindo dessa forma de um controle sobre tempos e movimentos, e passando para o controle de competncias e habilidades que estimu-lam a utilizao da subjetividade humana no ambiente produtivo. Necessariamente, Delors (idem, p.94) indica que h uma relao entre o pilar aprender a fazer com o sistema Toyota de produo ao afrmar que:O aumento de exigncias em matria de qualifcao, em todos os nveis, tem vrias origens. No que diz respeito ao pessoal de execuo, a justa posio de trabalhos prescritos e parcelados deu lugar organizao em coletivos de tra-balho ou grupos de projeto, a exemplo do que se faz nas empresas japonesas: uma espcie de taylorismo ao contrrio. O aprender a viver juntos tem em sua concepo uma aproximao ao que foi proposto por um dos itens dos Programas J, chamado relaes de trabalho: a criao e implementao de um conjunto de tcnicas e mtodos que estimulem o convvio harmonioso entre e intranveis hierrquicos, e o trabalho cooperado por meio de objetivos comuns previstos tanto para a produo como para a organizao como um todo. O controle sobre as relaes sociais no ambiente produtivo uma condio fundamental e que foi pensada e viabilizada desde os quatro passos at os quatro pilares, e nestes o objetivo econmico central foi mascarado por objetivos humanizadores previstos para a educao no sculo XXI. Esse controle passa ne-cessariamente pelo expurgo e anulao da produo de organismos incentivadores da no conciliao dos objetivos da fora de trabalho aos objetivos empresariais, como os sindicatos e os partidos polticos, sendo o Japo ps-guerra, o caso primordial de 756 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Tecnologias gerenciais, educao e capitaltal condio.13 Os itens teste e aprender a ser aproximam-se por se tratarem de snteses dos itens componentes de cada proposta de formao, previstas nos quatro passos e nos quatro pilares, respectivamente. Analisando o encadeamento histrico dessas propostas, constata-se que dada formao profssional e educao, como fontes de desenvolvimento das ca-pacidades fsicas e cognitivas, poderes que ultrapassam as suas condies ontolgicas no que se refere s possibilidades reais de estabelecer-se uma relao direta entre o aumento da qualifcao profssional e o desenvolvimento econmico e social em uma perspectiva generalizante, enveredando dessa forma para um caminho contrrio lgica imposta pelo capital.CONSIDERAES FINAIS Conforme evidenciado em nosso estudo, as tecnologias gerenciais, enquanto uma manifestao da aplicao tecnolgica das cincias, em especial das cincias humanas e sociais, e como instrumentos para apropriao objetiva e subjetiva dos produtos da fora de trabalho, objetivam-se na materialidade em contraposio[...] aos operrios individuais, de forma autnoma, como um ser alheio, obje-tivo, que lhes preexiste, que est ali sem o seu concurso e amide contra o seu concurso, como meras formas de existncia dos meios de trabalho que os domi-nam e so independentes deles, na medida em que essas formas (so) objetivas. (Marx, 1985, p.127)Torna-seimportanterealarascaractersticasqueindicamumasituao decontinuidadeedescontinuidadeexistenteentreossistemasdeproduo,14 observando-se principalmente as aproximaes pelo enfoque das relaes humanas e pelos mtodos e tcnicas de controle sobre os processos produtivos concebidos nos EUA e implantados no Japo por engenheiros americanos, alm da referncia constante Ford que Ohno (1997), o pai do sistema Toyota de produo, faz em sua principal obra. No que se refere educao, o processo de continuidade e descontinuidade presente na relao existente entre o sistema taylorista/fordista e o sistema Toyota de produo pode ser observado em nossa anlise acerca do desenvolvimento histrico existente entre o mtodo dos quatro passos de Charles Allen, o TWI, o modelo de gerenciamento no sistema Toyota de produo e os princpios elencados pelos quatro pilares para a educao do sculo XXI de Jacques Delors. O fo condutor que interliga todos esses mtodos e orientaes a racionalizao necessria valorizao do valor, que necessita se apropriar dos nexos causais existentes na relao entre trabalho e 13Para um maior aprofundamento dessa questo, ver Eurenice de Oliveira (2004).14Para uma anlise mais aprofundada sobre o processo de continuidade e descontinuida-de existente entre o sistema taylorista-fordista e o sistema Toyota de produo, ver as obras de Giovanni Alves (2011) e Geraldo Augusto Pinto (2011).757 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Rafael Rodrigo Muellereducao, na qual a subsuno real do trabalhador no sufciente para que os nveis de extrao de sobrevalor se mantenham em um patamar aceitvel, pois este vem se desenvolvendo para que haja a subsuno total do ser social ao capital.Para tanto, o controle deve se manifestar objetiva e subjetivamente tanto no espao da fbrica quanto no espao educacional (quando ambos no se encontram sobre o mesmo teto). Nesse caso, torna-se imprescindvel a utilizao de mtodos, tcnicas e princpios orientadores que do sustentao ideolgica para o processo de subsuno total do ser ao capital, providenciando a relao direta entre trabalho eeducaodeterminadapelavalorizaodovalor.Historicamente,essarelao evidencia-se pelo enfoque das relaes humanas, em que a aplicao tecnolgica das cincias humanas e sociais tem uma contribuio determinante para a manipulao da fora de trabalho por meio do controle, no somente o pautado na coero, mas principalmente em elementos de persuaso, caracterstica fundamental observada no desenvolvimento das tecnologias gerenciais. Sendo assim, independente da forma pela qual os preceitos da subsuno total do ser ao capital se manifestem seja por meio dos quatro passos, do TWI, do geren-ciamento toyotista ou pelos quatro pilares para a educao do sculo XXI, a essncia permanece inalterada, na qual o controle objetivo e subjetivo do trabalho cooperado, inerente relao entre trabalho e educao, materializa o processo de racionalizao do capital e consequentemente da valorizao do valor. Ambas as manifestaes da subsuno total do ser ao capital, calcadas no pragmatismo inerente racionalizao do capital, atuam nos trabalhadores/alunos como princpios, palavras de ordem, que no sugerem dvidas, mas sim certezas absolutas, processo que vai de encontro aos princpios da aplicao tecnolgica da cincia voltada emancipao e aos valores propostos pelo universo acadmico-cientfco crtico pautado no questionamento e na incerteza no tocante a verdades absolutas.Destarte, os mtodos e tcnicas presentes na relao entre trabalho e edu-cao aqui especifcamente as tecnologias gerenciais, independente da forma assumidahistoricamenteemacordocomosistemadeproduovigente,esto orientadosracionalizaodotrabalhocooperadoeaopragmatismocapitalista no que se refere valorizao do valor.REFERNCIASAlves, Giovanni. Dimenses da reestruturao produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Praxis; Bauru: Canal 6, 2007.. Trabalho e subjetividade: o esprito do toyotismo na era do capitalismo manipulatrio. 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O carter ideolgico que perpassa e caracterstico das tecnologias gerenciais foi verifcado porintermdiodarelaodetalmanifestaodetecnologiacomosideais educacionais presentes tanto no discurso de managers como nas recomendaes dosrgosmultilateraisesuasdeterminaesvoltadaseducaonasltimas trs dcadas. Palavras-chave:tecnologiasgerenciais;trabalhoeeducao;capital; toyotismo.Management technologies, education and capitalThepurposeofourstudyistoanalyzemanagementtechnologiesandtheir historical relationship with education. To this end, it is essential to verify the relationship between the training methods and techniques developed in the United States by Charles Allen in 1919, which were intensifed from what became known as Training Within Industry (TWI) in 1940, and evolved after the Second World War, as well as what was characterized as Japanese management, when they fnally became a key element of the Toyota Production System (TPS). Te ideological character that pervades and characterizes management technologies has been verifed through the relationship of such expressions of technology with the educational ideals present in both the discourse of managers and the recommendations of multilateral agencies and their guidelines regarding education in the last three decades.Keywords: management technologies; labor and education; capital; toyotism.799 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Resumos/abstracts/resumensTecnologas de gestin, educacin y capitalEl objetivo de nuestro trabajo es analizar las tecnologas de gestin y su relacin histrica con la educacin. Para ello, es esencial verifcar la relacin entre los mtodos y tcnicas de formacin desarrollados en los Estados Unidos por Charles Allen en 1919, que se intensifcaron a partir de lo que se conoce como Formacin en la Industria o de Formacin Dentro de la Industria (FDI) en 1940, y evolucionaron despus de la SegundaGuerraMundial,yloquesecaracterizcomo gestinjaponesa,cuando porfnseestablecieroncomounelementoclavedel SistemadeProduccin Toyota (SPT). El carcter ideolgico presente que es caracterstico de las tecnologas de gestin hasidoverifcadoatravsdelarelacindeesasexpresionesdelatecnologaconlos idealeseducativosqueseexpresantantoeneldiscursodelosmanagerscomodelas recomendacionesdelosorganismosmultilateralesysusdeterminacionesrelacionadas con la educacin en las ltimas tres dcadas.Palabras clave: tecnologas de gestin; trabajo y educacin; capital; toyotismo.800 Revista Brasileira de Educaov. 18 n. 54 jul.-set. 2013Resumos/abstracts/resumens