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Cristiane Okanobo RESPONSABILIDADE CIVIL NA UNIÃO ESTÁVEL Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP 2005

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Cristiane Okanobo

RESPONSABILIDADE CIVIL NA UNIÃO ESTÁVEL

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

2005

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Cristiane Okanobo

RESPONSABILIDADE CIVIL NA UNIÃO ESTÁVEL

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de

MESTRE em Direito Civil, sob a

orientação do Professor Doutor José

Manoel de Arruda Alvim Netto.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

São Paulo

2005

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Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, por toda a atenção

dedicada, sempre.

À CAPES, pela contribuição para o

desenvolvimento desta dissertação.

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RESUMO

Este trabalho procura demonstrar o alcance das regras da

responsabilidade civil na ruptura da união estável. Para tanto, demonstram-se outras

situações no âmbito do direito de família, que também viabilizam a aplicação das regras

de responsabilidade civil, trata-se da ruptura do noivado e da separação litigiosa com

grave violação dos deveres matrimoniais.

O estudo da responsabilidade civil abrange seu conceito, pressupostos e

as espécies contratual e extracontratual, pois se quer demonstrar que se trata de um

instituto dinâmico e visa, através da reparação de danos, recompor o equilíbrio abalado

pelo ato ilícito.

Demonstra-se a mudança na estrutura familiar, constatando que o

casamento, hodiernamente, não é mais o único meio de se constituir família. Nota-se

também, que o alicerce da família é o afeto. Desta forma, o objetivo deste trabalho

possibilita que a família cumpra seu papel constitucional de base da sociedade, à medida

que fortalece suas raízes.

A análise histórica da união estável facilita a compreensão de suas

características, efeitos e a razão da terminologia adotada, companheiros ou conviventes.

Destaca-se o estudo dos direitos e deveres atribuídos a esta forma de entidade familiar, a

fim de demonstrar que o direito de família não estabelece regras para a reparação de

danos oriundos do descumprimento grave e culposo destes deveres, por parte de um dos

companheiros.

Privilegiando estudos teóricos, buscam-se subsídios na doutrina e na

jurisprudência para fundamentar a reparação de danos, materiais ou morais, ocasionados

através do rompimento culposo da união estável.

Constata-se, por fim, a possibilidade de extensão das regras de

responsabilidade civil no direito de família, especialmente na união estável. Desde que

presentes os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil, funda-se a

reparação dos danos no artigo 186 do Código Civil. Objetiva-se com a reparação das

ofensas, fortalecer a família valorizando os laços de afeto e o respeito entre seus

membros.

Palavras-chaves: responsabilidade civil – direito de família – união estável.

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ABSTRACT

This essay tries to convey the reach for the rules of the civil

responsibility in the rupture of the stable union. For that, other situations in the ambit of

the family right are shown, and these also make the application of the civil

responsibility rules viable – they are the rupture of engagement and the litigious

separation with severe violation of the marital obligations.

The study of the civil responsibility comprehends its concept,

presuppositions and the contractual and extra-contractual types, once it refers to a

dynamic institution and aims at restating the balance threatened by the illicit act,

through damage repairing.

The change in the family structure is conveyed, affirming that the

marriage, these days, is not the only way to build a family anymore. It can also be

observed that the basis of the family is affection. Thus, the purpose of this essay makes

it possible for the family to play its constitutional role as the society foundation, as it

strengthens its roots.

The historical analysis of the stable union makes it easier to understand

its characteristics, effects and the reason for the adopted terminology, partners or people

living together. The study of the rights and duties addressed to this kind of family entity

is pointed out, in order to show that the family right does not state rules for repairing

damage caused by the severe and guilty act of not accomplishing these duties by one of

the partners.

Enhancing the theoretical studies, we search for subsidies in the doctrine

and in the jurisprudence to found the repairing of damage, either material or moral,

which occurred through the guilty rupture of the stable union.

Finally, we can confirm the possibility to extend the civil responsibility

rules in the family right, especially in the stable union. Since the presupposed characters

of the civil responsibility are present, the repairing of damage is based on the article

no.186 of the Civil Code. The repairing of the offenses aims at strengthening the family,

valuing the affection bonds and the respect among its members.

Key words: civil responsibility - family right - stable union

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SUMÁRIO

RESUMO.........................................................................................................................V

ABSTRACT...................................................................................................................VI

INTRODUÇÃO.............................................................................................................09

CAPÍTULO I – Responsabilidade civil.......................................................................11

1. Noções gerais.......................................................................................................11

2. Conceito...............................................................................................................18

3. Pressupostos da responsabilidade civil................................................................23

3.1.Ação ou omissão..................................................................................................23

3.2.Dolo ou culpa do agente......................................................................................25

3.3.Relação de causalidade........................................................................................28

3.4.Dano.....................................................................................................................29

3.4.1.Dano moral.......................................................................................................32

4. Responsabilidade civil contratual e extracontratual............................................37

CAPÍTULO II – Responsabilidade civil no direito de família..................................41

CAPÍTULO III – União estável....................................................................................60

1. Breve histórico.....................................................................................................60

2. Terminologia adotada..........................................................................................67

3. Conceito...............................................................................................................71

4. Natureza jurídica..................................................................................................76

5. Requisitos necessários para a configuração da união estável..............................79

6. Deveres de ambos os companheiros....................................................................91

7. Efeitos..................................................................................................................97

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CAPÍTULO IV – Reparação de danos na união estável..........................................109

1. Principais causas que reclamam reparação........................................................116

2. Possibilidade de reparação de danos entre conviventes....................................121

CONCLUSÃO..............................................................................................................124

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................128

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INTRODUÇÃO

No presente trabalho, dentro da temática da responsabilidade civil,

procura-se vincular as relações familiares, especificamente, no que se refere à aplicação

das regras de responsabilidade civil na união estável.

A figura da união estável, que por muito tempo ficou às margens da lei,

ganhou reconhecimento jurídico com a Constituição Federal de 1988, no artigo 226,

parágrafo terceiro. Posteriormente, este artigo foi regulamentado pelas Leis nº 8.971 de

1994 e Lei nº 9.278 de 1996 e, hoje, está disciplinada no Código Civil, do artigo 1.723

ao 1.729.

Diante da possibilidade de conviventes praticarem atos que possam

resultar em lesões suscetíveis de reparação, este trabalho pretende demonstrar a

possibilidade de reparação de danos patrimoniais e morais no âmbito da união estável.

A fim de atingir o tema proposto, é necessário traçar os aspectos gerais

sobre a responsabilidade civil, desta forma, o primeiro capítulo, será dedicado ao

conceito, aos pressupostos e às espécies de responsabilidade civil, contratual e

extracontratual. No primeiro capítulo, também, destaca-se o Projeto 6960 que pretende

incluir parágrafo ao artigo 927, propondo especificamente a aplicação dos princípios da

responsabilidade civil no direito de família.

Dentro dos pressupostos imprescindíveis para a caracterização da

responsabilidade civil, será enfatizado o dano moral, por ser de grande repercussão no

âmbito das relações familiares.

O capítulo segundo, mesmo que em linhas gerais, cuida da

responsabilidade civil no direito de família. A fim de explicitar as regras de

responsabilidade civil no âmbito familiar, foram elencadas as situações mais comuns,

pois não seria viável discorrer sobre todas as hipóteses possíveis. Assim, será analisado

o rompimento imotivado da promessa de casamento ou a quebra dos esponsais, a

reparação de danos na separação judicial culposa, em virtude de ato ilícito, a

transmissão de aids entre cônjuges e companheiros e o abandono moral dos pais em

relação aos filhos.

O terceiro capítulo destina-se à união estável, estabelecendo o conceito, o

delineamento histórico, os requisitos e efeitos, bem como os direitos e deveres oriundos

dessa união.

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No quarto capítulo procura-se estabelecer a reparação de danos na união

estável, analisando a possibilidade de responsabilidade civil com base no artigo 186 do

Código Civil. Para tanto, são analisadas algumas situações, como a transmissão culposa

da aids de um convivente ao outro, o abandono injusto e imotivado e o adultério.

Colacionando decisões de Tribunais, nota-se que estes não são totalmente insensíveis à

matéria.

Verifica-se a importância do instituto da responsabilidade civil no campo

das relações familiares, pois, o que se busca, é valorar os laços de afeto e solidariedade

que unem os membros de uma família, mantendo o respeito e a dignidade,

indispensáveis para a estrutura familiar. De fato, o mal causado entre familiares causa

sofrimento maior do que o causado por terceiro estranho ao ambiente familiar.

Por fim, os parâmetros metodológicos a serem utilizados serão o

fenomenológico – hermenêutico e o bibliográfico. O primeiro privilegia estudos

teóricos e a análise de documentos e textos, buscando-se, assim, um processo lógico de

interpretação e reflexão a respeito da aplicação das regras de responsabilidade civil no

direito de família. O segundo trata-se do estudo para conhecer as contribuições

científicas sobre o assunto. Tem como objetivo recolher, selecionar, analisar e

interpretar as contribuições teóricas já existentes sobre a matéria em questão.

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CAPÍTULO I – RESPONSABILIDADE CIVIL

1. NOÇÕES GERAIS

Topograficamente, verifica-se que a responsabilidade civil está em

artigos espalhados pelo Código Civil. O atual Código trata da responsabilidade civil do

artigo 927 ao 954. Situada na parte especial, livro das obrigações, sob título IX, a

responsabilidade civil vem disciplinada com a mesma estrutura do diploma anterior1.

Mas nem todos os artigos que dizem respeito à matéria estão neste título IX.

Na parte geral, livro III, títulos II e III, encontram-se respectivamente

disciplinados os atos lícitos e os atos ilícitos. Aqui se nota que o novel Código cuida

com maior profundidade da responsabilidade civil, pois foi acrescentada a possibilidade

de indenização por dano exclusivamente moral, no artigo 1862. Possibilidade esta que já

era prevista pela Constituição Federal, artigo 5º, V e X. 3

No artigo 186 do Código Civil, estabeleceu o legislador a

responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, ou seja, neste artigo encontra-se a

base da responsabilidade civil subjetiva ou clássica, baseada na culpa. Esta forma de

responsabilidade civil será estudada adiante. Observa-se que o Código Civil manteve a

culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva.

Dispõe o artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, violar direito e causar dano4 a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

1 De acordo com Regis Fichtner Pereira, A responsabilidade civil pré-contratual, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 14: “o legislador brasileiro optou pelo modelo francês de responsabilidade civil. O Código Civil brasileiro, conquanto sistematizado segundo o modelo do BGB – o modelo alemão consiste em dividir as disposições do Código em uma parte geral e uma parte especial - , contém uma regra geral de responsabilidade civil, expressa no seu art. 159 (atual 186), claramente inspirada no art. 1.382 do Código civil francês.” 2 Corresponde ao artigo 159 do Código Civil 1916. 3 Dispõe o artigo 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.” e no inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” 4 O novo Código trouxe uma modificação na redação do artigo 186, comparando-o ao artigo 156 do Código Civil de 1916, este dispositivo usava a alternativa “ou” (“...violar direito ou causar prejuízo a outrem”) e o atual artigo 186 usa a aditiva “e”, (“...violar direito e causar dano a outrem”). Explica Rui Stoco, Tratado de responsabilidade civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 6.ed., p. 124 que “a violação do direito já caracteriza o ato ilícito, independentemente de ter ocorrido dano. Ou seja, o ato ilícito é aquele praticado com infração de um dever legal ou contratual. Violar direito é cometer ato ilícito. A ilicitude está na só transgressão da norma.” Consultar também, Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, São Paulo: Atlas, v.4, 4.ed., 2004, p.12.

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A noção de ato ilícito está diretamente ligada ao tema, pois é uma das

fontes da obrigação de reparar o dano, como veremos, a idéia de responsabilidade civil

que interessa a este trabalho, é a reparação do prejuízo sofrido pela vítima. Desta forma,

ainda que de maneira sucinta, importante situar o ato ilícito no ordenamento jurídico.

Encontram-se na doutrina várias classificações. A maioria parte do

gênero fato jurídico que é a adequação de um fato à lei, produzindo conseqüências

jurídicas, tem-se: fatos jurídicos naturais e voluntários. Os primeiros decorrem de

acontecimentos da natureza, como por exemplo, raios e tempestades e, os segundos,

originam-se de condutas humanas e, dividem-se em lícitos e ilícitos. Os atos lícitos, por

sua vez, subdividem-se em ato jurídico e negócio jurídico. O ato jurídico depende da

vontade humana para que ocorra e seus efeitos já estão previamente definidos em lei,

por exemplo, a adoção. O negócio jurídico também depende da vontade humana, mas

seus efeitos serão definidos por quem pratica o negócio, por exemplo, o testamento.5

Por fim, o ato ilícito que é aquele praticado contra a lei. Dentre as

definições encontradas, há discussão em saber se a culpa integra o conceito de ato

ilícito. Sérgio Cavalieri Filho levanta a questão: “com efeito, se a culpa é elemento

integrante do ato ilícito, então, onde não houver culpa também não haverá ilícito. Nesse

caso, qual seria o fato gerador da responsabilidade objetiva?”6 Adiante, o autor

apresenta a solução baseado-se no duplo aspecto da ilicitude, ou seja, o ato ilícito deve

ser analisado em sentido estrito e amplo. Em sentido estrito, ato ilícito é o conjunto de

pressupostos da responsabilidade civil e, em sentido amplo, indica apenas a ilicitude do

ato, o comportamento humano contrário à lei. Os pressupostos da responsabilidade civil

serão analisados em item próprio, mas adianta-se que a culpa é um dos elementos

caracterizadores da responsabilidade subjetiva, porém, não o é da responsabilidade

objetiva que é fundada no risco e prescinde da culpa.

Conclui Sérgio Cavalieri Filho: “o conceito estrito de ato ilícito, tendo a

culpa como um dos seus elementos, tornou-se insatisfatório até mesmo na

responsabilidade subjetiva. Em sede de responsabilidade civil objetiva, cujo campo de

incidência é hoje vastíssimo, só tem guarida o ato ilícito latu sensu, assim entendido

5 Consultar Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – Parte geral, São Paulo: Atlas, v. 1, 4.ed., 2004, págs. 377/378; Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria geral do Direito Civil, São Paulo: Saraiva, v. 1, 22.ed., 2005, págs. 360/361; Zeno Veloso, Invalidade do negócio jurídico – nulidade e anulabilidade, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.20; Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte geral, São Paulo: Saraiva, v.2, 25.ed., 1995, págs. 159/162. 6 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, São Paulo: Malheiros Editores, 4.ed., 2003, p. 30.

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como a mera contrariedade entre a conduta e a ordem jurídica, decorrente de violação

de dever jurídico preexistente. Temos como certo que o novo Código Civil assumiu em

relação ao ato ilícito esta postura dicotômica.”7

Rui Stoco entende que “os atos ilícitos, ou seja, praticados com desvio de

conduta – em que o agente se afasta do comportamento médio do bonus pater familiae –

devem submeter o lesante à satisfação do dano causado a outrem (...) assim sendo, para

que haja ato ilícito, necessária se faz a conjugação dos seguintes fatores: a existência de

uma ação; a violação da ordem jurídica; a imputabilidade; a penetração na esfera de

outrem.”8

Para Orlando Gomes “ato ilícito é lesão de um direito absoluto, vale

dizer, de um direito que todos devem respeitar. Trata-se de invasão da esfera jurídica

alheia que atenta contra interesses e valores fundamentais da personalidade humana,

como, dentre outros, a vida, a liberdade, a saúde, a honra. Toda lesão culposa de um

desses direitos subjetivos obriga aquele que a praticou a indenizar suas conseqüências

patrimoniais, configurando ato ilícito stricto sensu.”9

Desta forma, a prática do ato ilícito deve gerar dano e, segundo Clayton

Reis, “o sentido de eqüidade da justiça conduz-nos à premissa de que todo ato ilícito

que resultar em dano deve ser suscetível de reparação.”10

Como novidade, o Código Civil traz o artigo 186 seguido pelo artigo

187, que trata do abuso de direito, definindo-o como sendo aquele que excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou

pelos bons costumes, norma esta, que não era prevista no Código de 1916. Rogério

Marrone de Castro Sampaio considera abuso de direito “conduta ilícita, não só aquele

comportamento que objetivamente extrapola os limites do direito individual

reconhecido, como também aquele que, embora se mantenha dentro desses limites

objetivos, é praticado de maneira desvirtuada de sua função social ou econômica, vindo

a prejudicar terceiros.”11

7 Sérgio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 33. 8 Rui Stoco, Tratado, cit., p. 129. Consultar também, Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao novo Código Civil – Dos defeitos do negócio jurídico ao final do livro III, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, v.III (arts. 185 a 232), 2003, p. 18. 9 Orlando Gomes, Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 15.ed., 2000, p. 256. 10 Clayton Reis, Dano moral, Rio de Janeiro: Forense, 4.ed., 1997, p. 44. 11 Rogério Marrone de Castro Sampaio, Responsabilidade civil, São Paulo: Atlas, 3.ed., 2003 (Série fundamentos jurídicos), p. 42.

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Ainda na parte geral, sobre o tema, encontra-se o artigo 188 que

considera como atos lícitos os praticados em legítima defesa, estado de necessidade e

exercício regular de um direito reconhecido. A ocorrência destas situações exclui a

responsabilidade, observados os limites indispensáveis para a remoção do perigo.

Na parte especial do Código Civil, sob o título IV, do inadimplemento

das obrigações, o artigo 389 traz a regra da responsabilidade civil contratual. Esta

modalidade de responsabilidade civil também será objeto de estudo oportunamente.

Justifica-se a não concentração do tema em um único título, em virtude

do vasto campo da responsabilidade civil, ou seja, a responsabilidade civil está presente

em várias áreas do direito, público ou privado e, por isso, normas sobre

responsabilidade civil encontram-se espalhadas por todo o Código.

José de Aguiar Dias ensina que antes da responsabilidade civil estar

presente na vida jurídica, ela se faz presente na vida social12 e, conseqüentemente, é um

instituto dinâmico, ensina que “o instituto é essencialmente dinâmico, tem de adaptar-

se, transformar-se na mesma proporção em que envolve a civilização, há de ser dotado

de flexibilidade suficiente para oferecer, em qualquer época, o meio ou processo pelo

qual, em face de nova técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividade,

assegure a finalidade de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano,

considerado, em cada tempo, em função das condições sociais então vigentes.”13

De fato, justifica-se o dinamismo na responsabilidade civil, pois é um

instituto que precisa adequar-se à realidade que se apresenta, já que o ser humano está

em constante evolução, novas fases e situações surgem em decorrência dessa evolução

e, o direito, acima de tudo, deve acompanhar as modificações da vida social. Afinal,

tudo o que procede do homem está sujeito a mudanças.

Nesse sentido, explica Washington de Barros Monteiro: “já que não

existe e não pode existir teoria permanente sobre a responsabilidade civil, por ser um

instituto dinâmico, que se adapta e se transforma conforme evolui a civilização, é

preciso conferir-lhe flexibilidade suficiente para, que em qualquer época,

independentemente de novas técnicas, de novas atividades, ser assegurada a sua

finalidade de restabelecer o equilíbrio afetado pelo dano.”14

12 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, Rio de Janeiro: Forense, 8.ed., v. I, 1987, p. 02. 13 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p.19. 14 Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil: direito das obrigações, São Paulo: Saraiva, v. 5, 2ª parte, 34. ed., 2003, p. 449.

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Assim sendo, a responsabilidade civil, evolui para tentar acompanhar o

progresso humano, os avanços tecnológicos e científicos. Nesse sentido, Carlos Alberto

Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho anotam que: “pode dizer-se, sem medo de

errar, que os domínios da responsabilidade civil foram ampliados na mesma proporção

em que se multiplicaram os inventos e outras conquistas da atividade humana, com o

enorme manancial das descobertas científicas e tecnológicas, a começar pelo código

genético.”15

Constatado que a responsabilidade civil não ocorre exclusivamente na

vida jurídica, pois também se relaciona com a psicologia e a sociologia e, é nesta última

noção que a responsabilidade é vista como aspecto da realidade social. O objetivo deste

estudo cuidará apenas da responsabilidade jurídica.

Especificamente, normas sobre responsabilidade civil no direito de

família, não foram disciplinadas pelo legislador no atual Código Civil, em razão dessa

omissão, o Projeto 6960/2002, de autoria do deputado Ricardo Fiúza, prevê inclusão de

parágrafo no artigo 927, dispondo que: “§ 2º - Os princípios da responsabilidade civil

aplicam-se também às relações de família.”

O artigo 927, caput, do Código Civil refere-se à responsabilidade civil

subjetiva com culpa,16 o futuro parágrafo segundo co-existiria com o atual parágrafo

único que estabelece regra para responsabilidade civil objetiva em duas hipóteses: nos

casos especificados em lei e, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor

do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O futuro parágrafo segundo que se pretende acrescentar ao artigo 927 do

Código Civil é sugestão da professora Regina Beatriz Tavares da Silva que, para tanto,

apresenta os seguintes argumentos:

“Já que a responsabilidade civil avança conforme progride a

civilização, há necessidade de constante adaptação desse instituto às novas

necessidades sociais. Bem por isso, as leis sobre essa matéria devem ter caráter

genérico, como a regra a seguir sugerida, e aos tribunais cabe delas extrair os

preceitos para aplicá-los ao caso concreto. Em suma, não se pode negar a importância

da responsabilidade civil, que invade todos os domínios da ciência jurídica, sendo o

15 Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, Comentários ao novo Código Civil. Da responsabilidade civil. Das preferências e privilégios creditórios, Rio de Janeiro: Forense, v. XIII, 2004, p. 01. 16 Dispõe o artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

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centro do direito civil e de todos os demais ramos do direito, tanto de natureza pública

quanto privada, por constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas

relações. Dentre as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que

também devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil, como já

reconhecem a doutrina brasileira (...) Embora as relações familiares sejam repletas de

aspectos, especialmente pessoais, afetivos, sentimentais e religiosos, envolvendo as

pessoas num projeto grandioso, preordenado a durar para sempre, por vezes o sonho

acaba, o amor termina, o rompimento é inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as

situações em que os deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos

direitos da personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos aos

membros de uma família. As sevícias, ofensivas à integridade física, e injúrias graves,

violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (v. Regina Beatriz

Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação Civil na Separação e no Divórcio, São

Paulo, Saraiva, 1999, p. 76- 79, 153 e 163-165); o atentado à vida do convivente,

configurado em contaminação de doença grave e letal ou em abandono moral e

material da companheira (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos,

Responsabilidade Civil dos Conviventes, Revista Brasileira de Direito de Família,

Porto Alegre, Síntese e IBDFAM, v. 1, nº 3, outubro/dezembro de 1999, p. 36-39); o

abandono moral e material pelo filho do pai idoso e enfermo; a recusa quanto ao

reconhecimento da paternidade, com conseqüente negação à prestação de alimentos,

embora haja a certeza desse vínculo de parentesco (v. Regina Beatriz Tavares da Silva

Papa dos Santos, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial,

Revista de Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery,

São Paulo, Revista dos Tribunais, nº 1, janeiro/março de 2000, p. 83 e 84); estes são

alguns exemplos de desrespeito aos direitos da personalidade no seio familiar. Os

lesados nessas circunstâncias, dentre tantas outras, em obediência ao princípio da

proteção à dignidade da pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos

sofridos (...) Por fim, salientamos que a aplicabilidade dos princípios da

responsabilidade civil ao Direito de Família tem amplo respaldo constitucional,

precisamente na cláusula geral de proteção à dignidade humana, constante do art. 1º,

inciso III da Lei Maior. E outro relevante dispositivo da Constituição Federal que

fundamenta a tese reparatória no Direito de Família é o art. 226, § 8º, ao estabelecer

que ‘O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a

integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas

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relações.’Remissão deve ser feita ao artigo 186 do novo Código Civil, que estabelece:

‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’,

sendo, evidentemente, ato ilícito aquele praticado em violação a um dever de família.

(...) Em suma a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada à dignidade da

pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na família, que é centro de

preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida como núcleo essencial da

nação. Conclui-se que a teoria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da

ordem ou equilíbrio pessoal e social, inclusive em relações familiares, por meio da

reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio,

único meio de cumprir-se a própria finalidade do Direito, que é viabilizar a vida em

sociedade, dentro do conhecido ditame de neminem laedere.”17

Assim sendo, caberá ao Projeto 6960, se aprovado, explicitar a aplicação

dos princípios da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares, pois “o

Direito de Família, que regula as relações dos cônjuges, não está num pedestal

inalcançável pelos princípios da responsabilidade civil.”18

A respeito da responsabilidade civil nas relações familiares, Rolf

Madaleno anota que “a responsabilidade civil expande-se por todos os ramos do Direito

Civil, e também transita pelo Direito de Família, tanto em seus aspectos pessoais de

vínculo familiar, como na esfera patrimonial das relações oriundas do estado

familiar.”19

17 Projeto de lei nº 6960, de 2002, de autoria do deputado Ricardo Fiúza, disponível em www.camara.gov.br. Segundo Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil – teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 5.ed., 2005, p.03, o princípio neminem laedere significa “um dos princípios gerais de direito – consoante o qual a ninguém se deve lesar.” 18 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos conviventes. A família na travessia do milênio – anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, coord. Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: IBDFAM, 2000, p. 123. 19 Rolf Madaleno, Direito de família – Aspectos polêmicos, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 136.

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18

2. CONCEITO

O termo responsabilidade vem do latim respondere, que significa

responsabilizar-se, “revelando o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em

virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para

satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe serão

impostas.”20

De acordo com Álvaro Villaça Azevedo, “a palavra responsabilidade

descende do verbo latino respondere, de spondeo, primitiva obrigação de natureza

contratual do direito quiritário, romano, pela qual o devedor se vinculava ao credor nos

contratos verbais, por intermédio de pergunta e resposta (spondesne mihi dare Centum?

Spondeo, ou seja, prometes-me dar um cento? Prometo).”21

A expressão responsabilidade civil pode ser definida como aquela que

“designa a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o dano, quando injustamente

causado a outrem.”22 Trata-se de conceito amplo, identificando a responsabilidade civil

com a obrigação de indenizar.

Conceituar responsabilidade civil não é tarefa fácil.

A propósito, José de Aguiar Dias inicia sua obra alertando que “toda

manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Isso

talvez dificulte o problema de fixar o seu conceito, que varia tanto como os aspectos que

pode abranger, conforme as teorias filosófico-jurídicas.”23 Prossegue o autor dizendo

que “mais aproximada de uma definição de responsabilidade é a idéia de obrigação. (...)

A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu

comportamento, em face desse dever ou obrigação.”24

Ressalta-se que responsabilidade e obrigação não se confundem. Aponta

José de Aguiar Dias que “a obrigação preexistente é a verdadeira fonte da

20 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 12.ed.,v. IV, 1996, págs. 124/125. Segundo Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. 5, 4.ed., 1995, p. 159, o termo responsabilidade “é de origem latina, do verbo – respondere, querendo dizer aproximadamente o ter alguém se constituído garantidor de algo. Acrescente-se a isto o fato do Direito Romano, ao compor a fórmula sacramental da stipulatio, ter prescrito o pronunciamento das seguintes palavras: dare mihi spondes? Spondeo, o que bastava para criar uma obrigação a cargo do que assim respondia, obrigação de caráter abstrato, afastado qualquer liame com a causa debendi.” 21 Álvaro Villaça Azevedo, Curso de Direito Civil. Teoria geral das obrigações, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5.ed., 1994, p.253. Ver também Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, v. 7, 18.ed., 2004, p.39. 22 De Plácido e Silva, Vocabulário cit., v. IV, p. 125. 23 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p.01. 24José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p.02.

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responsabilidade, e deriva, por sua vez, de qualquer fator social capaz de criar normas

de conduta.”25

No mesmo sentido é a lição de Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio

Cavalieri Filho ao esclarecerem que “responsabilidade civil pode ser definida como a

obrigação sucessiva que surge para recompor o dano decorrente do descumprimento de

uma obrigação originária. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo

causado pela violação de um anterior dever jurídico. Em síntese, só se cogita de

responsabilidade civil onde há violação de um dever jurídico preexistente e dano.”26

No mesmo sentido é a lição de Carlos Roberto Gonçalves: “a

responsabilidade civil tem, pois, como um de seus pressupostos, a violação do dever

jurídico e o dano. Há um dever jurídico originário, cuja violação gera um dever jurídico

sucessivo ou secundário, que é o de indenizar o prejuízo.”27

Entretanto, há autores que sustentam a possibilidade de existir obrigação

sem responsabilidade e responsabilidade sem obrigação. Na primeira situação, Álvaro

Villaça Azevedo cita como exemplo o caso de dívidas de jogo e dos débitos prescritos e,

na segunda hipótese, o caso do fiador.28

A doutrina apresenta vários conceitos de responsabilidade civil, sendo

que alguns autores, informa Caio Mário da Silva Pereira29, preferem até mesmo não

definir o instituto, como Pontes de Miranda, que ao conceituar responsabilidade diz que

“o conceito de responsabilidade é aspecto da realidade social” deixando sem resposta a

pergunta que ele mesmo formula: “Como, então, caracteriza-se a responsabilidade?” 30

Dentre as definições encontradas na doutrina, cita-se.

Miguel Maria de Serpa Lopes leciona que “responsabilidade significa a

obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra

25José de Aguiar Dias Da responsabilidade civil, cit., p.112. 26Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, Comentários, cit., p. 50. Acrescentam os autores que mesmo a responsabilidade pelo fato de outrem, não contradiz com esse entendimento, pois o responsável responderá pelo descumprimento da obrigação de outrem, ou seja, corresponde ao descumprimento de uma obrigação anterior. 27 Carlos Roberto Gonçalves, Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo, São Paulo: Saraiva, v. 11 (arts. 927 a 965), 2003, p. 06. 28 Álvaro Villaça Azevedo, Curso, cit., p.38. Explica o autor que “os direitos prescrevem após o decurso de um determinado prazo fixado por lei. Depois de escoado esse prazo, perdura a obrigação, sem, contudo, perdurar a responsabilidade.” E no caso do fiador, diz que o fiador “é responsável, mas não é obrigado.” 29 Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, Rio de Janeiro: Forense, 8.ed., 1998, p.08. 30 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, Rio de Janeiro: Borsoi, v. 53, 1966, págs. 6/13.

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circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância

meramente objetiva.”31

Maria Helena Diniz defini responsabilidade civil “como a aplicação de

medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros

em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de

coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples

imposição legal (responsabilidade objetiva).”32

Caio Mário da Silva Pereira conceitua responsabilidade independente

desta fundar-se ou não na culpa, pois para este autor, “a responsabilidade civil consiste

na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da

relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da

responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a

reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.”33

Silvio Rodrigues citando Savatier defini responsabilidade civil como “a

obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato

próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.”34

Sílvio de Salvo Venosa enfatiza que “o que interessa saber é identificar

aquela conduta que reflete na obrigação de indenizar. Nesse âmbito, uma pessoa é

responsável quando suscetível de ser sancionada, independentemente de ter cometido

pessoalmente um ato antijurídico.”35

Washington de Barros Monteiro conclui que a teoria da responsabilidade

civil visa “ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, por meio da

reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio, único

meio de cumprir-se a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em sociedade,

dentro do conhecimento ditame de neminem laedere.”36

Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge defini responsabilidade civil

“como a situação em que se encontra alguém que, tendo praticado um ato ilícito, é

obrigado a indenizar o lesado dos prejuízos que lhe causou.”37

31 Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso, cit., p. 160. 32 Maria Helena Diniz, Curso, cit.,v. 7, p.40. 33 Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p.11. 34 Silvio Rodrigues, Direito Civil, São Paulo: Saraiva, v.4, 20.ed., 2003, p. 06. 35 Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 4, p.13. 36 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 5, 2. parte, p. 448. 37 Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p. 36.

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Entende Álvaro Villaça Azevedo que responsabilidade civil “é a situação

de indenizar o dano moral ou patrimonial, decorrente de inadimplemento culposo, de

obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei.”38

Nicolau Eládio Bassalo Crispino afirma que “a responsabilidade civil

corresponde ao dever de determinado sujeito de reparar o prejuízo sofrido por outrem,

em razão de um acordo anteriormente firmado, ou por imposição de lei.”39

Verifica-se que os autores procuram relacionar a definição de

responsabilidade com o dever de reparação pelo prejuízo causado, ou seja, com a

obrigação que resulta do dano suportado por outrem, seja de ordem moral ou

patrimonial. Portanto, interessa a este trabalho o termo responsabilidade com o

significado de reparar o dano.

Neste contexto, Atilio Aníbal Alterini menciona os sentidos amplo e

restrito da responsabilidade civil. O sentido amplo seria a adequação da conduta

humana de modo a não causar dano injustamente a outrem, bem como, a sanção caso

haja transgressão a esse dever de conduta. Já no sentido restrito, a responsabilidade

consistiria na reparação como sanção, pelo descumprimento do dever de não causar

danos ao direito alheio.40

Nesse sentido, José de Aguiar Dias anota que é inútil “dissimular esse

desencontro entre a denominação e o conteúdo da responsabilidade civil” reconhecendo

que “a idéia do ressarcimento prima sobre a da responsabilidade.”41 Explica o autor que

esse desencontro entre denominação e conteúdo da responsabilidade civil é devido às

mudanças da vida social, e assim, “a idéia da responsabilidade não podia fugir a essa

contigência. Sua transformação é resultado das mudanças sociais, notadamente do

grande desenvolvimento da indústria. Da responsabilidade assente na culpa se passa

rapidamente às presunções júris tantum, e daí à responsabilidade legal.”42

A transformação da responsabilidade civil, então, funda-se nas mudanças

sociais e na evolução do fundamento da culpa, que deixa de ser individualista e passa

para o sistema solidarista da reparação do dano. Quando o antigo sistema da culpa deixa

38 Álvaro Villaça Azevedo, Curso, cit., p. 254. 39 Nicolau Eládio Bassalo Crispino, Responsabilidade civil dos conviventes, A família na travessia do milênio – Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, coord. Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: IBDFAM, 2000, p. 107. 40 Atilio Aníbal Alterini, Responsabilidad civil – limites de la reparacion civil, Buenos Aires: Abeledo – Perrot, 2. ed., 2. reimpr., s.d., págs. 26/27. 41 José de Aguiar Dias Da responsabilidade civil, cit., p.17. 42 José de Aguiar Dias Da responsabilidade civil, cit., p.18.

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de ser satisfatório, é que surgem as noções de assistência, previdência e de garantia para

supri-lo.43

Miguel Maria de Serpa Lopes aduz que “as definições dadas à

responsabilidade civil têm partido sobretudo entre os clássicos, de um critério restrito,

ou seja, uma ligação íntima entre o seu conceito e o de culpa. Atualmente, porém, certos

juristas, tendo JOSSERAND como um dos iniciadores da idéia, dão à responsabilidade

civil um caráter amplo, isto é, concebem-na desligada da noção de culpa.”44

Pode-se, então, conceituar responsabilidade civil como sendo a situação

de quem, ao infringir norma jurídica preexistente, legal ou contratual, gerando dano,

material ou moral, fica responsável pela reparação deste, levando ao stato quo ante.

43 Ver José de Aguiar Dias Da responsabilidade civil, cit., p.19. 44 Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso, cit., p. 160.

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3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Visto que o artigo 186 é a base da responsabilidade civil subjetiva, é de

sua redação que se pode retirar os quatro requisitos necessários para que se configure a

responsabilidade civil: a ação ou omissão, a culpa ou dolo do agente, o dano sofrido

pela vítima e a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente.

3.1 Ação ou omissão

O comportamento humano relevante pode ser tanto positivo (fazer)

quanto negativo (não fazer). Desta forma, tem-se um comportamento comissivo quando

o sujeito age, pratica uma ação e, um comportamento omissivo, quando houver o dever

de agir que pode surgir da lei, do contrato ou de fato social.

Silvio Rodrigues ensina que “o ato do agente causador do dano impõe-

lhe o dever de reparar não só quando há, de sua parte, infringência a um dever legal,

portanto ato praticado contra direito, como também quando seu ato, embora sem

infringir a lei, foge da finalidade social a que ela se destina.”45

De acordo com o Código Civil e, considerando o comportamento do

agente, podem ocorrer três situações: a responsabilidade civil por ato próprio do agente,

por ato de terceiro que esteja sob sua responsabilidade e, por fato da coisa ou do animal

que estejam sob sua guarda.

A responsabilidade civil ato próprio está regulada nos artigos 942 e 186

do Código Civil, nesta forma de responsabilidade a obrigação de indenizar é imposta ao

agente que praticou a conduta e causou o resultado danoso e, se a conduta for praticada

por mais de um agente, todos responderão solidariamente pela reparação.46

45 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p. 15. O autor refere-se à teoria do abuso de direito ao mencionar o desatendimento da finalidade social, pois prossegue o autor: “se o comportamento abusivo do agente causa dano a outrem, a obrigação de reparar, imposta àquele, apresenta-se inescondível.” 46 Artigo 942 do Código Civil, caput, – “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”

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A imputabilidade para que o agente responda por ato próprio é analisada

de acordo com a capacidade civil de fato ou de gozo47.

Responde por ato próprio o agente que se omite diante de um dever de

agir, situação comumente encontrada na responsabilidade contratual ou quando o agente

pratica ação infringindo um dever jurídico. Este dever jurídico consiste em cumprir o

que foi contratado em caso de responsabilidade contratual ou, em se tratando de

responsabilidade extracontratual, em cumprir norma legal e, caso não haja previsão

contratual ou legal, deve-se observar o dever geral de não causar dano a ninguém.

Silvio Rodrigues ensina que “a indenização pode derivar de uma ação ou

omissão individual do agente, sempre que, agindo ou se omitindo, infringe um dever

contratual, legal ou social. A responsabilidade resulta de fato próprio, comissivo, ou

uma abstenção do agente, que deixa de tomar um atitude que devia tomar.”48

A responsabilidade por ato próprio também pode ser chamada direta. É

esta modalidade de responsabilidade que se verifica na ruptura da união estável, afinal,

decorre de atos praticados pelos próprios conviventes. Mas, como veremos

oportunamente, não se trata de qualquer ruptura, esta deve se dar em razão de ato ilícito,

ou seja, não é o fato de pura e simplesmente romper a união estável, que gera a

obrigação de indenizar. Deve-se observar a circunstância em que se deu o rompimento

para que se possa amoldá-lo nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil.

O legislador destacou algumas situações que ensejam a responsabilidade

civil por ato próprio49, como, por exemplo, a do artigo 953 do Código Civil em que “a

indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas

resulte ao ofendido.”50 Trata-se de situação especial porque dificilmente se provaria o

dano material, este seria presumido e, a vítima não precisaria prová-lo, dispõe o

parágrafo único do artigo 953: “se o ofendido não puder provar prejuízo material,

caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das

circunstâncias do caso.”

47 A respeito da capacidade de fato ou de exercício e da capacidade de gozo ou de direito, consultar: Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p.147: “Capacidade de fato ou de exercício é a aptidão de exercer por si os atos da vida civil dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial.”Consultar também: Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., v. 1, 5.ed. p. 150. 48 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p. 19. 49 O Código Civil de 1916 referia-se também ao artigo 1.548 que tratava da ofensa da mulher, artigo sem correspondência no Código Civil de 2002. Ver também artigo 954 do Código Civil de 2002. 50 Verifica-se a calúnia quando o agente imputa fato criminoso a outrem, a difamação ocorre quando se imputa fato ofensivo, mas não tipificado como crime e a injúria quando se ofende a dignidade e o decoro.

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Atualmente, embora não provado o dano material, mas analisadas as

circunstâncias do caso concreto, o dano moral poderia ser fixado.

A responsabilidade por fato de terceiro está disciplinada nos artigos 932,

933 e 942 do Código Civil. O artigo 932 traz as hipóteses legais em que se verifica o

fato de terceiro, o artigo 933 diz que as pessoas elencadas no artigo 932, ainda que não

haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos e,

o artigo 942 diz a que título estas pessoas respondem. Responderão solidariamente pela

reparação, de modo que a responsabilidade civil por ato de terceiro, não exclui a por ato

próprio.

As duas hipóteses que revelam maior interesse a este trabalho, estão

presentes nos incisos I e II do artigo 932 e serão citadas oportunamente.

Por fim, a responsabilidade por fato da coisa ou do animal, nesta

modalidade de responsabilidade interessa a relação de poder entre a coisa e o agente.

Em razão do poder é que nasce o dever de guardar, de custodiar, trata-se da culpa in

custodiano, que é a falta de cautela, de cuidado em relação a um animal ou objeto. Tem-

se as seguintes situações: artigo 936, “o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano

por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.” Artigo 937, “o dono de

edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier

de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.” E a do artigo 938, “ aquele que

habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem

ou forem lançadas em lugar indevido.”

Pode-se chamar responsabilidade indireta a que resulta de fato de terceiro

bem como a proveniente de fato da coisa ou do animal.

3.2. Culpa ou dolo do agente

Sendo subjetiva a responsabilidade civil, é preciso provar que o indivíduo

agiu mal, analisando dolo ou culpa. Caio Mário da Silva Pereira ensina que “a teoria da

responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de

reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa,

abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.”51

51 Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p.30.

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O dolo verifica-se no comportamento, na ação ou omissão voluntária (art.

186), isto é, o agente intencionalmente pretendeu o prejuízo, segundo Silvio Rodrigues,

“o dolo ou resultado danoso, afinal alcançado, foi deliberadamente procurado pelo

agente. Ele desejava causar dano e seu comportamento realmente o causou.”52

A culpa, por sua vez, é a violação de um dever de cautela, a doutrina

distingue a imprudência, a negligência e a imperícia. Observa Carlos Roberto

Gonçalves que “em qualquer de suas modalidades, entretanto, a culpa implica a

violação de um dever de diligência, ou, em outras palavras, a violação do dever de

previsão de certos fatos ilícitos e de adoção das medidas capazes de evitá-los.”53

O artigo 186 traz a culpa em sentido estrito e a culpa em sentido amplo.

Em sentido estrito, a culpa é caracterizada pela imprudência que se dá por uma ação, um

ato comissivo; pela negligência, verificada por um ato omissivo e a imperícia que é a

falta de capacitação técnica. Em sentido amplo, verifica-se o dolo que é a culpa grave,

com intenção de causar prejuízo.54

Culpa é definida por Alvino Lima como “um erro de conduta,

moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em

iguais circunstâncias de fato.”55

É utilizado o critério do homem médio56 para verificar se no

comportamento daquele que causou o dano houve culpa, ou seja, o homem médio seria

capaz de prever o resultado danoso e, se o agente não o previu, foi porque agiu com

imprudência, negligência ou imperícia.

A culpa pode ser classificada em três graus: grave, leve e levíssima. É

grave a culpa quando se verifica que, baseado no critério do homem médio, este teria

evitado o dano, isto é, é aquela que se configura de extrema e grosseira negligência e

imprudência. A culpa grave pode ser equiparada ao dolo. A culpa leve é a tradicional,

na qual o homem médio incorreria e, a culpa levíssima, é aquela que não pode ser

prevista pelo mais prudente e cauteloso dos homens.57

52 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, págs. 16 e 147. 53 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, São Paulo: Saraiva, 6.ed., 1995, págs. 344/345. 54 Ver Álvaro Villaça Azevedo, Curso, cit., p. 258, Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 449 e Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 46. 55 Alvino Lima, Culpa e risco, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1960, p. 76. 56 Informa Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 345 que “o critério para aferição da diligência exigível do agente, e, portanto, para caracterização da culpa, é o da comparação de seu comportamento com o do homo medius, do homem ideal., que diligentemente prevê o mal e precavidamente evita o perigo.” Consultar também Rui Stoco, Tratado, cit., p. 132. 57 Consultar Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p. 148 e Rui Stoco, Tratado, cit., p.127.

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Ocorre que independente do grau de culpa ou de ter o agente agido com

dolo, se a vítima sofreu algum prejuízo, deverá ser indenizada, mas conforme dispõe o

caput do artigo 944 do Código Civil, “indenização se mede pela extensão do dano” e

seu parágrafo único que, “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa

e o dano, poderá o juiz reduzir eqüitativamente a indenização.”58

A culpa também pode ser classificada quanto ao seu conteúdo, como já

visto, tem-se: culpa in custodiendo que é a falta de cautela e cuidado em relação a

animal ou objeto, há também a culpa in committendo ou in faciendo que é a prática de

um ato positivo, caracterizado pela imprudência, a culpa in omittendo que é a omissão

(negligência), a culpa in eligendo é a que resulta da má escolha pelo agente e a culpa in

vigilando é a que decorre da falta de atenção e fiscalização com relação a outrem.59

Diante do fato de que nem sempre é possível se verificar culpa, temos no

parágrafo único do artigo 927 a responsabilidade civil baseada no risco, trata-se da

responsabilidade civil objetiva, onde não se discute culpa. Referido parágrafo único,

como já mencionado, estabelece regra para responsabilidade civil objetiva em duas

hipóteses: nos casos especificados em lei60 e quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de

outrem.

Aponta Rui Stoco que o Código Civil de 2002 “embora tenha adotado e

mantido a culpa como pressuposto da responsabilidade civil, ou seja, exigindo que a

conduta tenha um qualificativo ligado ao elemento subjetivo ou interno da pessoa, de

modo que há de projetar-se em direção a um resultado querido ou assumido,

excepcionou esse princípio para, como exceção, admitir a responsabilidade

independentemente de culpa (objetiva) quando a atividade desenvolvida pelo autor do

dano implicar risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único).”61

No âmbito deste trabalho, importa a verificação da culpa para a

configuração do dano moral, pois, verificar-se-á, que o simples rompimento da união

58 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p. 150, aplaude a inovação do Código Civil de 2002, pois reputava injusta a solução tradicional de impor ao causador do dano a total indenização pelo prejuízo causado, não levando em consideração de o agente agiu com dolo ou culpa levíssima. 59 Consular Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, p. 49/50. 60 Verifica-se a responsabilidade civil objetiva nos artigos 37, §6º, da Constituição Federal de 1988; 43 do Código Civil; 13, 14 e 18 do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 e Lei nº 6.543/1977 sobre a responsabilidade civil e criminal por danos nucleares. 61 Rui Stoco, Tratado, cit., p. 130.

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estável, como conseqüência do fim do amor, da afinidade, não é capaz de gerar dano

indenizável.

Cabem aqui as palavras de Vitor Ugo Oltramari: “...na própria ruptura da

união estável pelo fim do afeto, existem sofrimentos, mágoas e dissabores que não têm

como serem compensados por fazerem parte do próprio contexto da quebra da relação.

Fundamental é a ocorrência de conduta culposa e a verificação da sua intensidade para

configuração do dano moral.”62

3.4. Relação de causalidade

Deve haver um nexo de causalidade entre a causa, isto é, a ação ou

omissão praticada pelo agente e a conseqüência, ou seja, o dano causado à vítima.

Sérgio Cavalieri Filho lembra que o “conceito de nexo causal não é

jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito

entre a conduta e o resultado.”63

A doutrina aponta duas teorias: a da equivalência dos antecedentes e a da

causalidade específica. Brevemente, a primeira teoria consiste em eliminar um

comportamento, desaparecendo o dano, significa que aquele comportamento foi a causa

do dano, gera, portanto, responsabilidade ilimitada. A segunda teoria considera como

causa do prejuízo apenas o comportamento que por si só causou o dano, diferentemente

da teoria da equivalência, a teoria da causalidade específica, gera responsabilidade

limitada.64

Neste item cabe a análise das excludentes de responsabilidade civil.

Trata-se de toda circunstância, comportamento que de alguma forma venha atingir o

nexo de causalidade, quebrando-o.

São excludentes de responsabilidade civil: a culpa exclusiva da vítima,

deve ser verificado se esta agiu com falta de cuidado; o fato de terceiro e, o caso fortuito

e de força maior.

Se o dano decorre de comportamento exclusivo da vítima, a relação de

causalidade é quebrada, não sendo possível propositura de ação. Segundo Maria Helena

Diniz, “a vítima deverá arcar com todos os prejuízos, pois o agente que causou o dano é

62 Vitor Ugo Oltramari, O dano moral na ruptura da sociedade conjugal, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 119. 63 Sérgio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 67. 64 Consultar Rui Stoco, Tratado, cit., págs. 146/147 e Sérgio Cavalieri Filho, Programa, cit., págs. 67/71.

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apenas um instrumento do acidente, não se podendo falar em nexo de causalidade entre

a sua ação e a lesão.”65Ao lado da culpa exclusiva da vítima também pode haver a culpa

concorrente, esta forma de culpa não quebra a relação de causalidade, mas atenua a

responsabilidade.

O fato de terceiro também é excludente de responsabilidade. O fato deve

ser exclusivo, caso contrário, será concorrente e, neste caso, haverá responsabilidade. É

o que se verifica no artigo 942 do Código Civil: “...se a ofensa tiver mais de um autor,

todos responderão solidariamente pela reparação.”

Outra excludente de responsabilidade são as hipóteses de caso fortuito e

força maior. Nesta verificam-se os casos da natureza, imprevisíveis, inevitáveis e

estranhos a vontade das partes. No caso fortuito, ocorrem acontecimentos imprevisíveis

e inevitáveis que guardam relação com o agente ou com a atividade desenvolvida por

ele.

Todas essas excludentes interferem na responsabilidade civil pois atacam

a relação de causalidade. Deixará de existir a responsabilidade se a conduta do agente

não for a causa do dano e, incidirá de forma atenuada a responsabilidade civil, se a

conduta do agente não foi causa única.

Atenta Maria Helena Diniz que todas essas causas excludentes “deverão

ser devidamente comprovadas e examinadas com cuidado pelo órgão judicante por

importarem em exoneração do ofensor, deixando o lesado sem a composição do dano

sofrido.”66

Além das excludentes examinadas acima, há as previstas no já referido

artigo 188 do Código Civil: atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular

de um direito reconhecido e a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a

pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Ademais, além dessas excludentes de responsabilidade, encontra-se na

esfera da responsabilidade contratual, a cláusula de não indenizar que é um pacto

estabelecido, em contrato, que isenta de responsabilidade uma das partes contraentes.

Está cláusula de não indenizar aplicá-se somente nos contatos.67

3.4. Dano

65 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, p. 110. 66 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, p. 114. 67 Consultar Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p. 179 e Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, págs. 114/115.

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O dano68 é um dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade

civil tanto a contratual quanto a extracontratual69. Visto que o sentido de

responsabilidade civil que interessa a este trabalho é o de reparar o dano causado,

caberá neste item a análise do dano e, em particular, do dano moral. Entretanto, esta

análise restringir-se-á aos limites do presente trabalho.

Alcino de Paula Salazar conceitua dano, em sentido amplo, como “toda e

qualquer subtração ou diminuição imposta ao complexo de nossos bens, das utilidades

que formam ou propiciam o nosso bem estar; tudo o que, em suma, nos suprime uma

utilidade, um motivo de prazer ou nos impõe um sofrimento é dano, tomada a palavra

na sua significação genérica.”70

Como um dos requisitos necessários para que se configure a

responsabilidade civil, não havendo dano não há o que se indenizar. Cabe aqui a

doutrina de José de Aguiar Dias: “com efeito, a unanimidade dos autores convém em

que não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano, e é verdadeiro

truísmo sustentar esse princípio, porque resultando a responsabilidade civil em

obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há que

reparar.”71

Maria Helena Diniz defini dano “como a lesão (diminuição ou

destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em

qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.”72

Caio Mário da Silva Pereira opta pela definição de dano como “toda

ofensa a um bem jurídico (grifo do autor)”73

Para Clayton Reis, “o dano deve ser considerado como uma lesão a um

direito, que produza imediato reflexo no patrimônio material ou imaterial do ofendido,

de forma a acarretar-lhe a sensação de perda.”74

Dano é lesão a um bem jurídico, que pode ser de ordem patrimonial ou

de natureza não patrimonial, ou seja, dano moral. O dano material abrange tudo aquilo

que o sujeito perdeu ou que efetivamente deixou de ganhar, abrangendo o dano

68 Em sentido comum, dano significa “todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa resultar uma deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo a seu patrimônio.” De Plácido e Silva, Vocabulário, cit., p. 02. 69 Esta distinção, responsabilidade contratual e extracontratual, será vista em item seguinte. 70 Alcino de Paula Salazar, Reparação do dano moral, Rio de Janeiro: s.n., 1943, p. 125. 71 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p. 832. 72 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, p. 66. 73 Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p.53. 74 Clayton Reis, Avaliação do dano moral, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 04.

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emergente (aquilo que efetivamente se perdeu, a diminuição do patrimônio), os lucros

cessantes (aquilo que razoavelmente se deixou de ganhar, a privação do patrimônio) e as

perdas e danos, que, em se tratando de responsabilidade contratual, podem ser

estipuladas previamente.75

Devem ser observados os seguintes requisitos para que o dano seja

indenizável: a diminuição de um bem jurídico, seja patrimonial ou moral; a certeza do

dano, não se indeniza o dano hipotético ou a perda uma chance; a causalidade entre a

conduta do agente e o dano experimentado pela vítima; a subsistência do dano, deve

haver prejuízo a ser reparado, de modo que se o agente causador do dano, já o reparou,

não há mais prejuízo a ser cobrado; legitimidade, só pode reclamar indenização o

verdadeiro titular do direito atingido ou seus beneficiários e, finalmente, deve haver

ausência de causas excludentes de responsabilidade.76

A respeito do requisito certeza, esclarece Antonio Jeová Santos que: “a

simples possibilidade de dano, a situação meramente hipotética, não chegará a ser dano

moral. A certeza do dano está vinculada à conseqüência que esse dano originou no

espírito da vítima. Se causou angústia, vergonha, humilhação etc., o dano é atual e certo

na sua existência. O reverso do dano certo e atual é o futuro, considerado como perda de

chance. Para certos doutrinadores, o dano moral é sempre atual e transitório. Ele não

permanece na pessoa de forma duradoura, nem se perpetua.” 77

Para que se configure a responsabilidade civil é imprescindível a

existência de um dano, seja em virtude de ação ou omissão do agente causador, de

modo que não havendo o dano, não se fala em responsabilidade, nem em obrigação de

indenizar. Havendo dano, sempre que possível, deverá o agente causador restabelecer a

situação anterior ao evento danoso.78

Ensina Silvio Rodrigues que “princípio geral de direito, informador de

toda a teoria da responsabilidade, encontradiço no ordenamento jurídico de todos os

75 Consultar artigos 402 e 403 do Código Civil e, também, Maria Helena Diniz, Curso, cit., págs. 71/72; João Casillo, Dano à pessoa e sua indenização, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 28 : “...o conceito de dano deve vir acoplado ao de diminuição, empobrecimento, perda mensurável.” 76 De acordo com Maria Helena Diniz, Curso, cit., v.7, págs. 67/69. 77 Antonio Jeová Santos, Dano moral indenizável, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4.ed., 2003, p. 105. 78 Consultar Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, p. 17: “procurar-se-á sempre que possível conduzir a vítima ou seus herdeiros à situação anterior à lesão sofrida, mediante a restauração ou reconstituição natural (que nem sempre é possível – morte, calúnia, injúria, e mesmo quando possível é insuficiente para reparar integralmente o dano) e, o recurso à situação material correspondente ou indenização por equivalente. Neste último caso operar-se-á uma conversão da obrigação em dívida de valor (CC, art. 947), garantindo-se sempre o restabelecimento total do equilíbrio violado pelo evento danoso.”

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povos civilizados e sem o qual a vida social é quase inconcebível, é aquele que impõe a

quem causa dano a outrem o dever de o reparar.”79

3.4.1. Dano moral

Por muitos anos, doutrina e jurisprudência não reconheciam os danos

morais. A uma, porque não havia legislação específica e a duas, em vista da dificuldade

em se quantificar a dor, a tristeza, o sofrimento, sentimentos que não se vêem, apenas se

sentem. Assim, questiona Georges Ripert: “se é certo que a lei civil sanciona o dever

moral de não prejudicar outrem, como poderia ela, que defende o corpo e os bens, ficar

indiferente em presença do ato prejudicial que atinge a alma?”80

Com o passar dos anos, a maioria da doutrina manifestou-se

favoravelmente à possibilidade de indenização por danos morais. Lentamente, a

jurisprudência também demonstrou aceitação pela indenização por danos morais. Silvio

Rodrigues anota que: “no que concerne à posição de jurisprudência brasileira em

relação à ressarcibilidade do dano moral, poder-se-ia afirmar que até há uns 25 anos

atrás, eram escassíssimas, se é que existentes, as decisões de tribunais superiores

admitindo a indenização do dano moral.”81

O dano moral é a lesão a um direito personalíssimo, esclarece Carlos

Alberto Bittar que os direitos personalíssimos são aqueles que “voltam-se, pois, para

aspectos íntimos da pessoa, ou seja, tomada esta em si, como ente individualizado na

sociedade. A pessoa é protegida em seus mais íntimos valores e em suas projeções na

sociedade. Abrangem, portanto, o complexo valorativo intrínseco (intelectual e moral) e

extrínseco (físico) do ente, alcançando a pessoa em si, ou integrada à sociedade (...)”82.

Atingindo bens personalíssimos, o dano moral revela-se na dor,

aborrecimento, sofrimento, tristeza. Sentimentos anormalmente vividos pela pessoa em

razão da prática de ato ilícito, incomuns do dia-a-dia. Carlos Alberto Menezes Direito e

Sérgio Cavalieri Filho, anotam que “mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou

sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de

79 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p.13. 80 Georges Ripert citado por Artur Oscar de Oliveira Deda, A proteção dos direitos da personalidade, Grandes temas da atualidade – dano moral – aspectos constitucionais, civis, penais e trabalhistas, coord. Eduardo de Oliveira Leite, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 43. 81 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p. 192. 82 Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 6.ed., 2003, p.30.

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fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os

amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto

de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos

por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos

mais triviais aborrecimentos.”83

Observa Sílvio de Salvo Venosa que “é importante o critério objetivo do

homem médio, o bonus pater famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem

excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de

pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino.”84

O dano moral foi reconhecido expressamente pela Constituição Federal

de 1988, no artigo 5º, incisos V e X, pois, antes do Código Civil de 1916, em princípio,

não se cogitava o dano moral, tanto que o antigo Código não trazia disposição

expressa85 como a Carta Magna.

O atual Código Civil, por sua vez, faz referência ao dano moral no artigo

186, e, novamente, se faz referência ao Projeto 6960, que propõe o acréscimo do

parágrafo segundo ao artigo 944, referindo-se também ao dano moral. Este artigo

determina no caput que a indenização se mede pela extensão do dano, todavia, se

houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz

reduzir eqüitativamente a indenização (parágrafo único). A proposta do referido Projeto

traz a seguinte redação: “§2º. A reparação do dano moral deve constituir-se em

compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante.”

A fim de conceituar dano moral, destacam-se duas correntes doutrinárias:

a que se baseia na natureza do direito subjetivo violado e a que se fundamenta nos

efeitos da ofensa.86

Roberto Brebbia é adepto da primeira corrente, afirma que “de todas las

clasificaciones que se formulan de los daños reconocidos por el Derecho, es, sin dejar

lugar a la menor duda, la más importante, la distinción que se efectúa teniendo en

83 Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, Comentários, cit., p 103. 84 Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 4, p. 39. 85 Isso não significa que o dano moral não era indenizado, era intuído, por exemplo, nos antigos artigos 76 (artigo sem correspondência), 159 (atual 186), 1.537 (atual 948) e 1.538, §2º (atual 949), 1.543 (atual 952, parágrafo único), 1.547 (atual 953), 1.550 (atual 954), 1.548, 1.553 (atual 946), também se cogitava o dano moral nas leis nº 4.417/62, art. 84 e na lei de imprensa, lei nº 5.250/67, artigo 53. Consultar Paulo Esteves et al, Dano moral, São Paulo: Editora Fisco e Contribuinte Ltda, 1.ed., 1999, págs. 37/42. 86 Consultar: Artur Oscar de Oliveira Deda, A proteção, cit., págs. 43/44; Antonio Jeová Santos, Dano, cit., págs. 92/94 e José Antonio Remédio et al, Dano moral – doutrina, jurisprudência e legislação, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 18/19.

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cuenta la naturaleza del derecho subjetivo violado, o, lo que es lo mismo, del bien

jurídico menoscabado.”87

José Aguiar Dias, contrariamente, é defensor da segunda corrente,

entende que “o dano moral é o efeito não-patrimonial da lesão de direito e não a própria

lesão abstratamente considerada.”88 No mesmo sentido Artur Oscar de Oliveira Deda

que também é defensor da corrente que se fundamenta nos efeitos da ofensa: “não sendo

caracterizador do dano moral a natureza do direito afetado, mas a conseqüência da

lesão, não é exclusivamente extrapatrimonial o efeito da violação de direito da

personalidade.” Argumenta que: “do ataque a um bem jurídico de valor econômico pode

resultar uma perda inestimável pecuniariamente, da mesma sorte que, por outro lado, da

ofensa a um direito subjetivo extrapatrimonial podem resultar prejuízos materiais.”89

Observa Yussef Said Cahali que a doutrina estabelece dois critérios para

caracterizar o dano moral, um, insuficiente segundo o próprio autor, pois se baseia na

exclusão, contrapondo-se ao dano patrimonial, ou seja, se o dano não for patrimonial

será moral90 e, o segundo critério, que para o autor parece ser o mais razoável,

caracteriza o dano moral pelos seus próprios elementos.91 Nesse sentido, referido autor

aponta que: “na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta

gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à

sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se,

em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente,

evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente

querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação,

na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da

87 Roberto Brebbia, El dano moral – doctrina - legislación – jurisprudência, precedida de uma teoria jurídica del dano, Buenos Aires: Orbir, 2.ed., 1967, p. 57. Tradução: “de todas as classificações que foram formuladas sobre os danos e que o Direito reconheceu, sem dúvida, a mais importante é a que leva em consideração a natureza do direito subjetivo violado, ou seja, do bem jurídico menosprezado.” 88 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p. 861. 89 Artur Oscar de Oliveira Deda, A proteção, cit., p. 43. Consultar também: Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação dos danos morais, São Paulo: Saraiva, 2000, p.08. 90 Neste critério, como visto, é adepto, José de Aguiar Dias, Da Responsabilidade, cit., p. 861 e, também, Orlando Gomes, Obrigações, cit., p. 271, afirma que : “Ocorrem as duas hipóteses. Assim, o atentado ao direito à honra e à boa fama de alguém pode determinar prejuízos na órbita patrimonial do ofendido ou causar apenas sofrimento moral. A expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial.” 91 Yussef Said Cahali, Dano moral, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.ed., 2000, págs. 19/20.

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normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste

psicológico, nas situações de constrangimento moral.”92

Na doutrina destacam-se os seguintes conceitos entre outros93:

Carlos Alberto Bittar qualifica os danos morais “em razão da esfera da

subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato

violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos

da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria

valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração

social).”94

Eduardo A. Zannoni apresenta a seguinte definição: “denomínase daño

moral – o agravio moral – al menoscabo o lesión a intereses no patrimoniales provocado

por el evento dañoso, es decir, por el hecho o acto antijurídico.”95

Wilson Melo Silva defini danos morais como “lesões sofridas pelo

sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por

patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, tudo aquilo que não seja

susceptível de valor econômico.”96

De acordo com Maria Helena Diniz: “o dano moral vem a ser lesão de

interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo.”97

Humberto Theodoro Júnior afirma que: “são danos morais os ocorridos

na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando

os aspectos mais íntimos da personalidade humana (“o da intimidade e da consideração

92 Yussef Said Cahali, Dano, cit., p. 20/21. 93 Consultar: Antonio Jeová Santos, Dano, cit., págs. 94/95; Augusto Zenun, Dano moral e sua reparação, Rio de Janeiro: Forense, 5.ed., 1997, p. 84; Marcius Geraldo Porto de Oliveira, Dano moral – proteção jurídica da consciência. Leme: LED – Editora de Direito, 3.ed., 2003, p. 41; Renato Scognamiglio, El daño moral – contribución a la Teoría del Daño Extracontractual, Bogotá: Publicacion de la Universidad Externado de Colômbia, 1962, p. 36; Ramón Daniel Pizarro, Daño moral - prevención. reparación punición – el dano moral en las diversas ramas del Derecho, Buenos Aires: Hammurabi, 2000 p. 36; João Casillo, Dano, cit., p. 41; Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4, p. 189; Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p. 53; Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 4, p. 39; Américo Luís Martins da Silva, O dano moral e a sua reparação civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.ed., 2002, págs. 36/38; Mário Moacyr Porto, Temas de responsabilidade civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 33; Cesare Baldi, Responsabilità civile – manuale pratico, Torino: Fratelli Bocca, Editori, 1908, págs. 207/208; Edgard de Moura Bittencourt, Dano moral, RT 268/837; Clayton Reis, dano, cit., págs. 05/07; Arnoldo Wald, Direito, cit., p. 577. 94 Carlos Alberto Bittar, Reparação, cit., p. 41. 95 Eduardo A. Zannoni, El daño moral en la responsabilidad civil, Buenos Aires: Editorial Astrea, 2.ed., 1993, p. 287. Tradução: “denomina-se dano moral – o agravo moral – o menoscabo ou lesão a interesses não-patrimoniais provocados pelo evento danoso, é dizer, pelo fato ou ato antijurídico.” 96 Wilson Melo Silva, O dano moral e sua reparação, Belo Horizonte: s.n., 1949, p.07. 97 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, p. 90.

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pessoal”), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (“o da

reputação ou da consideração social”)”98

Conclui-se que dano moral é a lesão decorrente de ato ilícito que fere os

direitos da personalidade99 de pessoa física ou jurídica.

Referindo-se ao dano moral na união sem casamento, Carlos Alberto

Bittar afirma que: “em relação concubinária, ou seja, união sem casamento, é comum a

ocorrência desses danos, pois, desaparecido o interesse, podem aflorar os sentimentos

negativos, provocando-se então fissuras na moralidade da vítima, por força de

investidas indevidas do agente.”100

Também defende a possibilidade de indenização por dano moral no

rompimento culposo da união estável, Vitor Ugo Oltramari: “todos os prejuízos

causados pelas contrariedades, desequilíbrios, tensões e outros distúrbios na área do

psiquismo do companheiro ofendido pelo comportamento culposo do seu par

constituem dano moral, que, evidentemente, precisa ser ressarcido. Mesmo não havendo

previsão específica na regulamentação legal da união estável, a regra geral da

responsabilização civil do ato ilícito (arts. 186 e 927) garante a possibilidade do seu

ressarcimento.”101

No mesmo sentido, Belmiro Pedro Welter: “é perfeitamente possível a

concessão de indenização decorrente de dano moral em caso de união estável. A palavra

moral, que vem sofrendo deturpações ao longo dos tempos, deve ser entendida como o

complexo dos bens decorrentes de sua dignidade de pessoa, de seus sentimentos de

estima e de luta por sua realização existencial. Não existe no mundo valor pecuniário

que pague a perda da auto-estima ou a sensação de frustração e de derrota em face da

vida. Ora, esses danos podem e devem ser reduzidos, quando obtiverem a devida

reparação, mesmo que seja em moeda corrente.”102

98 Humberto Theodoro Júnior, Dano moral, São Paulo: Juarez de Oliveira, 4.ed., 2001, p. 02. 99 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 10, defini direitos da personalidade como: “a) os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua natureza, como ente humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade)”. 100 Carlos Alberto Bittar, Reparação, cit., p.181. 101 Vitor Ugo Oltramari, O dano moral, cit., p. 133. 102 Belmiro Pedro Welter, Dano moral na separação, divórcio e união estável, Revista dos Tribunais, v. 775, p. 130, maio de 2000.

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4. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E

EXTRACONTRATUAL

Levando em consideração o fato gerador103, a responsabilidade civil pode

ser contratual ou extracontratual, no entanto, ambas as formas são reguladas pelos

mesmos princípios, por serem espécies de um mesmo gênero, que é a responsabilidade

civil e, segundo José de Aguiar Dias, “a idéia de responsabilidade é una.”104

Os princípios que informam estas duas modalidades de responsabilidade

civil são: a conduta humana que pode se dar através de ação ou omissão, o dano que

tanto pode ser moral como patrimonial, o nexo causal entre o dano e a conduta humana

e a culpa.105

Na responsabilidade civil contratual, também chamada por Sérgio

Cavalieri Filho de ilícito contratual ou relativo106, há um vínculo que estabelece uma

relação pré-determinada entre as partes, ou seja, há um contrato entre as partes, cuja

inexecução, gera responsabilidade. Já na responsabilidade extracontratual, também

chamada aquiliana ou de ilícito aquiliano ou absoluto107, não existe um contrato entre as

partes, a responsabilidade advém do ilícito.108

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “o ato ilícito, portanto, tanto pode

decorrer de contrato como de relação extracontratual.”109E acrescenta Georgette

103 A responsabilidade civil pode ser classificada considerando: 1) seu fato gerador – hipótese onde se tem a responsabilidade civil contratual e a extracontratual; 2) seu fundamento – neste caso há que se analisar a culpa, pois será subjetiva a responsabilidade fundada na culpa e objetiva a que se fundar no risco e, 3) considerando seu agente – nesta hipótese a responsabilidade será direta quando o agente responde por ato próprio e indireta se resultar de ato de terceira pessoa, de fato de animal ou coisa inaminada sob a guarda do agente. Ver Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, págs. 126/128. 104 José de Aguiar Dias Da responsabilidade civil, cit., p.149. 105 Ver Antonio Lindbergh C. Montenegro, Ressarcimento de danos pessoais e materiais, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 6.ed., 1999, p. 4 , que citando Savatier doutrina que “a responsabilidade contratual vem sempre amparada na culpa, ao passo que a extracontratual ora se funda na culpa, ora no risco.” Também esclarece Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, cit., p. 25, que: “ a doutrina moderna, sob certos aspectos, aproxima as duas modalidades, pois a culpa vista de forma unitária é fundamento genérico da responsabilidade. Uma e outra fundam-se na culpa. Na culpa contratual, porém, examinamos o inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites da obrigação. Na culpa aquiliana ou extranegocial, levamos em conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato.” Ver também, Silvio Rodrigues, Direito Civil, cit., v. 4, p. 09. 106 Sergio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 38. 107 Sergio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 38. 108 Ver Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge, Ensaio, cit., p. 38; Sergio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 38; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 21; Rogério Marrone de Castro Sampaio, Direito, cit., p. 24; Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. 4, p. 09; Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 7, págs. 127/128; Orlando Gomes, Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 15.ed., 2000, p. 278 e Atilio Aníbal Alterini, Responsabilidad civil, Buenos Aires: Abeledo - _Perrot, 2.ed., 2. reimpr., s.d., p. 28. 109 Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, São Paulo: Atlas, v. 1, 4.ed., 2004, p. 609.

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Nacarato Nazo que “quem pratica ato ilícito deve reparar o dano, porque incorre em

responsabilidade.”110

No artigo 389 do Código Civil e seguintes, sob o título do

inadimplemento das obrigações, está disciplinada a responsabilidade contratual que

consiste na responsabilidade resultante do inadimplemento de uma obrigação

preexistente. Segundo José de Aguiar Dias, a responsabilidade civil contratual

“pressupõe um contrato válido, concluído entre o responsável e a vítima” e, deste

conceito, o autor retira três elementos: “a existência do contrato; a sua validade,

envolvendo, naturalmente, a questão da responsabilidade no caso de contrato nulo;

estipulação do contrato entre o responsável e a vítima.”111

A responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana112, por sua vez, está

disciplinada no artigo 186 do Código Civil, sob o título dos atos ilícitos. No capítulo

primeiro, item noções gerais, foi visto que no artigo 186 encontra-se a base da

responsabilidade civil subjetiva ou clássica, baseada na culpa. Tal artigo prevê que

aquele que causar dano a outrem, por ação ou omissão, de forma culposa ou dolosa, fica

obrigado a repará-lo, mesmo que este dano seja exclusivamente moral. Verifica-se aqui

a forma dolosa porque, como já visto no item 3.2 do capítulo I, o Código refere-se à

culpa em sentido amplo, abrangendo a culpa em sentido estrito (negligência, imperícia e

imprudência) e também, o dolo que é a culpa grave, com intenção de causar prejuízo.

Visto que na responsabilidade civil extracontratual, nenhum vínculo

preexistente há entre as partes, de modo que são mais numerosas as situações que

podem advir do ato ilícito, observa Washington de Barros Monteiro, “nas mais diversas

relações podem surgir danos, diante da prática de ato ilícito, desde as relações de família

– núcleo essencial da nação – até as relações entre o Estado e os membros de uma

nação.”113

110 Georgette Nacarato Nazo, Da responsabilidade civil no pré-contrato de casamento, São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976, p. 104. 111 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p. 157. 112 Explica Álvaro Villaça Azevedo, Curso, cit., p. 254, que: “a responsabilidade extracontratual é também conhecida por responsabilidade aquiliana, tendo em vista a Lex Aquilia de damno (do Século III a. C.) cuidou de estabelecer, no Direito Romano, as bases jurídicas dessa espécie de responsabilidade civil, criando uma forma pecuniária de indenização do dano, assentada no estabelecimento de seu valor.” José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p. 21, ensina que: “É na lei Aquília que se esboça, afinal, um princípio geral regulador da reparação do dano. Embora se reconheça que não contivesse ainda “uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno”, era, sem nenhuma dúvida, o germe da jurisprudência clássica com relação à injúria, e “fonte direita da moderna concepção da culpa aquiliana que tomou da lei Aquília o seu nome característico.” 113 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 447.

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De acordo com Álvaro Villaça Azevedo “da responsabilidade

extracontratual, então, surgem duas sub-espécies: a responsabilidade delitual ou por ato

ilícito, que resulta da existência deste fora do contrato, baseada na idéia de culpa, e a

responsabilidade sem culpa, fundada no risco.”114

Em razão de ambas as formas de responsabilidade civil serem regidas

pelos mesmos princípios e terem a mesma conseqüência, reparar o dano, alguns autores,

os adeptos da teoria unitária ou monista, entendem que não é necessária distinção entre

responsabilidade civil contratual e extracontratual.115 Outros, porém, adeptos da teoria

dualista ou clássica, entendem que a distinção deve prevalecer, principalmente no que

diz respeito ao ônus da prova. 116

Nesse sentido, aponta Washington de Barros Monteiro, “na

responsabilidade contratual o inadimplemento de dever pré-assumido gera, por si só, o

dever de reparar o dano, enquanto na responsabilidade extracontratual a vítima deverá

demonstrar que a ação lesiva foi culposa ou dolosa, ou seja, que o agente agiu com

negligência, imperícia ou imprudência, ou com vontade deliberada de causar o dano.”117

Outro ponto distintivo entre a responsabilidade contratual e

extracontratual leva em consideração sua origem, a contratual se origina de um contrato,

sendo que a extracontratual surge de um comportamento humano reprovável, ou seja,

surge do neminem laedere, do dever de não lesar, de não causar dano a ninguém.118

Mais uma diferenciação entre as duas espécies de responsabilidade civil

diz respeito à idade do agente causador do dano119. Na responsabilidade contratual a

114 Álvaro Villaça Azevedo, Curso, cit., p. 256. 115 Ver Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. 4, p. 10. 116 Explica Sérgio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 39, que “os adeptos da teoria unitária, ou monista, criticam essa dicotomia, por entenderem que pouco importam os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, já que os seus efeitos são uniformes. Contudo, nos códigos dos países em geral, inclusive no Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica.” Ver Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 22 e Silvio Rodrigues, Direito Civil, cit., p. 10, diz que: “dentro do sistema do Código brasileiro a distinção deve ser mantida, pois, enquanto os seus arts. 389 e s. cuidam da responsabilidade contratual, seu art. 186, conjugado com o art. 927, trata da responsabilidade aquiliana.” A respeito ver Antonio Lindbergh C. Montenegro, Ressarcimento, cit., p. 5. 117 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 451. Atenta o autor que esta inversão do ônus da prova na responsabilidade civil contratual ocorre apenas nas obrigações de resultado, pois nas obrigações de meio, em que a parte obriga-se a se utilizar de todos os meios ao seu alcance para atingir um determinado fim, faz-se necessária a prova de que o inadimplente não agiu com a diligência indispensável à consecução do fim desejado pelo outro contratante. Ver também Arnoldo Wald, Direito das obrigações – Teoria geral das obrigações e contratos civis e comerciais, São Paulo: Malheiros Editores, 15.ed., 2001, p. 570 e Dilvanir José da Costa, Sistema de Direito Civil à luz do novo Código, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 358. 118 Ver Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 23 e Antonio Lindbergh C. Montenegro, Ressarcimento, cit., p. 3. 119 Ver Rogério Marrone de Castro Sampaio, Direito Civil, cit., p. 25/26 e Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 24.

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capacidade do agente é limitada, ou seja, para que se tenha uma convenção válida é

necessária a capacidade das partes ao tempo da celebração sob pena de nulidade, desta

forma, o menor somente será responsabilizado se celebrar o contrato devidamente

assistido, exceto se dolosamente declarar-se maior à outra parte120, ao passo que na

responsabilidade extracontratual, o ato ilícito pode ser praticado por qualquer pessoa,

capaz ou não, ademais, o ato praticado por um incapaz pode estender a responsabilidade

àquele encarregado de sua guarda, é o que dispõe o artigo 928 do Código Civil: “O

incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não

tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.”

Regis Fichtner Pereira aponta vantagens e desvantagens dada a “ausência

de uma maior concretização das regras jurídicas que tratam da responsabilidade civil

extracontratual”, segundo o autor, “a principal vantagem consiste no dinamismo que se

imprime ao tema, graças ao caráter aberto das normas incidentes, que possibilita à

jurisprudência maior liberdade para adaptar as soluções às novas necessidades surgidas

do desenvolvimento das relações sociais. A principal desvantagem decorre da ausência

de parâmetros claros e seguros, dentro dos quais se pode, com boa probabilidade de

acerto, afirmar, diante de determinado caso concreto, se existe ou não o dever de

indenizar.”121

No âmbito da aplicação da responsabilidade civil no direito de família,

justifica-se a responsabilidade civil extracontratual que pode surgir, como já visto, do

cometimento de um ato ilícito, ainda que o dano causado seja exclusivamente moral.

120 De acordo com o artigo 180 do Código Civil: “o menor, entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.” 121 Regis Fichtner Pereira, A responsabilidade, cit., p. 16.

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CAPÍTULO II – RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

A família considerada como a base da sociedade concentra poderes

econômicos, religiosos, sociais e morais. Afirma Silvio Rodrigues que “dentro dos

quadros de nossa civilização, a família constitui a base de toda a estrutura da sociedade.

Nela se assentam não só as colunas econômicas, como se esteiam as raízes morais da

organização social.”122

A qualificação da família como a base da sociedade123 consiste no fato de

que as relações que se desenvolvem do convívio entre o homem e a mulher, como

alimentos, casamento, sucessão e, que são de interesse imediato do indivíduo, também

são de interesse da sociedade porque visam preservar a harmonia social ao mesmo

tempo em que garantem a estabilidade familiar.

Para Carlos Alberto Bittar, justifica-se a família como base da sociedade,

porque “ é na família que se geram, se formam e se educam pessoas para a perpetuação

da espécie e, em consequência, se contribui para a manutenção e o desenvolvimento do

Estado, mediante a introdução na sociedade de pessoas aptas a nela integrar-se e a

responder por sua missão.”124

Conforme doutrina Sérgio Gischkow Pereira “uma família que

experimente do afeto, da liberdade, da veracidade, da responsabilidade mútua, haverá de

gerar um grupo familiar não fechado egoisticamente em si mesmo, mas sim, voltado

para as angústias e problemas de toda a coletividade, passo relevante à correção das

injustiças sociais.”125

Família, anota Carmem Lucia Silveira Ramos, “é palavra que traduz,

simultaneamente a um fenômeno eminentemente histórico, uma história de vida,

envolvendo laços fortes, selando destinos e interesses diversos, assim como modelos de

hierarquia, relações de poder e processos de negociação interna, sendo interpretada

usualmente com um sentido de participação, de comunidade de vida, tanto no plano da

realização pessoal, quanto no âmbito material.”126

122 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 6, p. 05. 123 De acordo com o artigo 226, caput, da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” 124 Carlos Alberto Bittar, Direito de família, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2.ed., 1993, p. 52. 125 Sérgio Gischkow Pereira, Concubinato – união estável, Repensando o Direito de Família – Anais do I Congresso Brasileiro de Direito de Família, coord. Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: IBDFAM, 1999, p. 36. 126 Carmem Lucia Silveira Ramos, Família sem casamento: de relação existencial de fato a realidade jurídica, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.39.

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José Cretella Júnior ao comentar o artigo 226 da Constituição Federal de

1988, aduz que com “a nova regra jurídica constitucional, não pode mais a doutrina

aceitar o conceito de família como o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da

consangüinidade.” (grifos do autor) Acrescenta que “no direito brasileiro atual, o

legislador constituinte, auscultando a vontade da maioria do povo que representa, teve a

coragem necessária para libertar-se dos preconceitos passados, colocando, no texto, o

que observou na realidade diária.”127

De fato, as leis humanas modificam-se segundo os tempos, os lugares e o

desenvolvimento intelectual.

Assim, o conceito de família, atualmente, não está ligado a casamento,

temos a família que decorre deste, mas também a que surge de fato natural como a

união estável, além daquela formada por pais e mães solteiras, bem como a família

substitutiva.

Desta forma, incorporando a realidade, a Constituição Federal de 1988,

reconhece que o casamento não é o único meio de se constituir família, consagrando a

união estável, como entidade familiar, no artigo 226, §3º e admitindo a família

monoparental, também como entidade familiar, no artigo 226, §4º.128 Conforme José

Carlos Barbosa Moreira, “a partir daí, deixou de gozar o casamento da aptidão exclusiva

para servir de fundamento à família.”129

Segundo Rui Geraldo Camargo Viana, atualmente, encontra-se a família

com uma pluralidade de tipos, referindo-se à família nuclear, que abrange o casal e seus

filhos e à família monoparental.130

127 José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Forense, v. 8, arts, 170 a 232, 1994, p. 4526. 128 À união estável será dedicado o capítulo quarto deste trabalho. Em relação à família monoparental, dispõe o artigo 226, §4º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunhão formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Eduardo de Oliveira Leite, Famílias monoparentais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.ed., 2003, p.22, defini família monoparental como aquela em que “a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças.” 129 José Carlos Barbosa Moreira, O novo Código Civil e a união estável, Revista de Direito Privado, n.13, ano 4, janeiro –março 2003, p.53 130 Rui Geraldo Camargo Viana, A família, Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal, org. Rui Geraldo Camargo Viana e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, págs. 38/39.

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Anota Rodrigo da Cunha Pereira que “a partir do momento em que a

família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e

do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela.”131

Verifica-se que houve modificação na estrutura familiar, o próprio

conceito de família foi se modificando com o tempo, procurando se amoldar com a

realidade social com que se deparava, em razão do desenvolvimento social e econômico

sofrido pela sociedade, bem como em razão da influência exercida pela religião.132

É nesse sentido a lição de José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco

José Ferreira Muniz: “A família transforma-se no sentido de que se acentuam as

relações de sentimentos entre os membros do grupo: valorizam-se as funções afetivas da

família que se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra a agitação da vida nas

grandes cidades e das pressões econômicas e sociais.”133

Antigamente, em Roma, a figura do pater-famílias era o núcleo da

família, ele detinha todo o poder sobre a vida dos membros de sua família, inclusive

mulher e filhos. O pater-famílias detinha todo o patrimônio familiar, a família girava

em torno dele.134

Ensina José Carlos Moreira Alves que “são absolutos os poderes do pater

famílias sobre as pessoas e coisas a ele submetidas. É ele o chefe militar da família, seu

sacerdote e juiz; tem poder de vida e de morte sobre todos os membros da família –

pode, até, expor os filhos, ao nascerem; ou, depois, vendê-los, no estrangeiro, como

escravos. Todo o patrimônio da família lhe pertence; daí, tudo o que as pessoas, que lhe

são submetidas, adquirem passa a pertencer a ele. Somente ingressa na família quem o

pater famílias quiser; até os filhos de sua esposa ele deverá reconhecê-lo como seus. E

131 Rodrigo da Cunha Pereira, Da união estável, Direito de família e o novo Código Civil, coords. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Del Rey, 3.ed., 2003, págs. 258/259. 132 Rosana Fachin, Do parentesco e da filiação, Direito de Família e o novo Código Civil, coords. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Del Rey, 3.ed., 2003, págs. 134/135 cita em nota de rodapé: “Assinala Gustavo Tepedino: “O quadro de intensas modificações ocorridas nas últimas décadas no âmbito do direito de família revela, do ponto de vista fenomenológico, inegável transformação da estrutura familiar, identificada amplamente pela doutrina e, especialmente, pelos cientistas sociais. (A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: BARRETO, Vicente (org.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 48.).” 133 José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, Curso de direito de família, Curitiba: Juruá, 4.ed., 3ª tir., 2003, p. 13. 134 Thomas Marky, Curso elementar de Direito Romano, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 153 e Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil – Direito de Família, São Paulo: Atlas, 4.ed., v. 6, 2004, p. 16. Ensina José Cretella Júnior, Curso de Direito Romano, Rio de Janeiro: Forense, 20.ed., 1997, p. 107, que “na família romana, tudo converge para o paterfamilias do qual irradiam poderes em várias direções: sobre os membros da família (patria potestas), sobre a mulher (manus), sobre as pessoas ‘in mancípio” (mancipium), sobre os escravos (dominica potesas), sobre os bens (res) que lhe pertencem (dominium).”

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para que uma pessoa alieni iuris saia de sua família é necessário que o pater famílias o

consinta, pela emancipação ou pela extinção da manus maritalis.”135

A família fundava-se no poder do pater e os membros de uma família

eram unidos pela religião e pelo culto que dedicavam aos seus antepassados136. Assim

sendo, os membros da família não eram ligados pelo afeto, este sentimento não tinha a

menor importância, segundo Fustel de Coulanges, “o arcabouço da família não era

tampouco o afeto natural, visto que os direitos grego e romano não tomavam na menor

conta esse sentimento. Poderia ele existir no íntimo dos corações, mas para o direito não

repousava nada (...) Os historiadores do direito romano, observando com acerto que

nem o nascimento nem o afeto foram alicerces da família romana, julgaram que tal

fundamento deveria residir no poder paterno ou no marido. Fazem desse poder uma

espécie de instituição primordial, mas não explicam como se constituiu, a não ser pela

superioridade da força do marido sobre a mulher e do pai sobre os filhos.”137

Observa-se a evolução do direito de família brasileiro, resultando na

modificação de seu conceito e, pode-se dizer, que essa evolução teve início com o

reconhecimento do importante papel que a mulher representa no seio de uma família.

Ensina Orlando Gomes que “outro é hoje o padrão do comportamento dos membros de

uma família nuclear. Não mais marido tirano, mulher submissa e filhos aterrados. O

ambiente familiar descontrai-se e as relações entre marido e mulher e entre pais e filhos

travam-se numa atmosfera bem diferente, cada qual desses membros do grupo

movendo-se com liberdade, ou ao menos compreensão dos outros, na esfera própria

(...)”138

O Código Civil de 1916 não demonstrou muitos avanços, ainda tratava a

mulher numa posição inferior ao homem, considerando-a relativamente incapaz e, o

homem era considerado o chefe da família.139 Com o advento do Estatuto da mulher

casada, Lei nº 4.121 de 1962 e, posteriormente, com a Lei do divórcio, Lei nº 6.515 de

1977, a mulher conquistou uma posição de respeito e libertou-se do tratamento injusto

que lhe era dispensado.

135 José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, Rio de Janeiro: Forense, v.II, 4.ed., 1986, p. 294. 136 Ver Fustel de Coulanges, A cidade antiga, São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, págs., 44/46. 137 Fustel de Coulanges, A cidade antiga, cit., p.45. 138 Orlando Gomes, Direito de família, Rio de Janeiro: Forense, 9.ed., 1997, págs.17/18. 139 O artigo 6º do CC/1916 que considerava a mulher relativamente incapaz foi alterado pelo Estatuto da mulher casada, Lei n. 4.121/62 e o artigo 233 CC/1916 que considerava chefe da família o homem, corresponde hoje ao artigo 1.567 CC/2002.

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A principal mudança veio com a promulgação da Constituição Federal de

1988 que equiparou homem e mulher em direitos e obrigações (artigo 5º, I ) e conferiu o

exercício de direitos e deveres referentes à sociedade conjugal de forma igualitária entre

o homem e a mulher (artigo 226, §5º ).140

Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

asseveram que: “a evolução se deu em etapas, com leis diversas, especialmente a partir

da década de 60 do século passado, alterando para melhor a figura e a posição da

mulher casada (Lei n.4.121/62) e instituindo o divórcio (Emenda Constitucional n. 9/77

e Lei n. 6.515/77) como instrumento para regularização da situação jurídica dos

descasados, que viessem a contrair novas uniões, então consideradas à margem da lei.

Mas a principal mudança, que se pode dizer revolucionária, veio com a Constituição

Federal de 1988, alargando o conceito de família e passando a proteger de forma

igualitária todos os seus membros, sejam os partícipes dessa união como também os

seus descendentes.”141

O novo Código Civil manteve as diretrizes constitucionais vigentes e

incorporou significativas modificações legislativas acerca do direito de família e

demonstrou poucas modificações em relação ao Código de 1916.142

Atualmente observa-se a valorização do afeto nas relações familiares, a

confiança e benevolência destacam-se no convívio entre cônjuges e conviventes e entre

pais e filhos, pois, “na idéia de família, o que mais importa – a cada um de seus

membros, e a todos a um só tempo – é exatamente pertencer ao seu âmago, é estar

naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores,

permitindo, a cada um, se sentir a caminho da realização de seu projeto pessoal de

felicidade.”143

Nesse sentido, anota Sérgio Gischkow Pereira que “o direito de família

evolui para um estágio em que as relações familiares se impregnam de autenticidade,

sinceridade, amor, compreensão, diálogo, paridade, realidade. Trata-se de afastar a

140 Dispõem os artigos 5º, I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos ermos desta Constituição.” E o artigo 226, §5º: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” 141 Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Do Direito de Família, Direito de família e o novo Código Civil, coords. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Del Rey, 3.ed., 2003, págs. 3/4. 142 Ver a respeito Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Do Direito de Família, cit., págs. 3/6 e Silvio Rodrigues, Direito Civil – Direito de família, São Paulo: Saraiva, v. 6, 28.ed., 2004, p. 15. 143 Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Do Direito de Família, cit., p. 7.

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hipocrisia, a falsidade institucionalizada, o fingimento, o obscurecer dos fatos sociais,

fazendo emergir as verdadeiras valorações que orientam as convivências grupais. O

regramento jurídico da família não pode insistir, em perniciosa teimosia, no obsessivo

ignorar das profundas modificações consuetudinárias, culturais e científicas; petrificado,

mumificado e cristalizado em um mundo irreal, sofrerá do mal da ineficácia.”144

Neste instante, cabem as palavras de Euclides Benedito de Oliveira:

“imortaliza-se a família, como um ponto de convergência natural dos seres humanos.

Por ela se reúnem o homem e a mulher, movidos por atração física e laços de

afetividade. Frutifica-se o amor com o nascimento dos filhos. Não importam as

mudanças na ciência, no comércio ou na indústria humana, a família continua sendo o

refúgio certo para onde acorrem as pessoas na busca de proteção, o lugar seguro para

realização de seus projetos de felicidade pessoal (a casa, o lar, a prosperidade e a

imortalidade na descendência).”145

Considerando os laços de afeto que ligam os membros de uma família e a

solidariedade que os une, se porventura, um membro desta família causar a outro, algum

dano, proveniente de comportamento reprovável, é certo que o sofrimento causado será

maior do que o provocado por terceiro estranho à relação familiar. Aqui se justifica a

responsabilidade civil, buscando valorizar o respeito e afeto que estruturam a relação

familiar.

Acrescenta Carlos Alberto Bittar: “como componente de uma família, ou

de entidade familiar, pode sofrer lesões provocadas por qualquer de seus integrantes,

como o cônjuge; filho e parentes outros, tanto naturais, como civis, concubino ou

concubina, observando-se que, nessas hipóteses, há sempre prévia vinculação entre as

partes, legal ou contratualmente estabelecida.”146

Rolf Madaleno observa que “na área do Direito de Família, com certeza,

se ajustam os fatos na busca de uma base sólida, para assento de uma variedade de

edificações, todas oriundas da responsabilidade civil de indenizar pelo dano material ou

moral, provocado cada qual deles, no decorrer das relações de família.”147

144 Sérigo Gischkow Pereira, Tendências Modernas do Direito de Família, Revista dos Tribunais, n. 628, fevereiro de 1988, p. 19. 145 Euclides Benedito de Oliveira, A Constituição Federal de as inovações no Direito de Família, O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988, org. Antônio Carlos Mathias Coltro. São Paulo: C. Bastos: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000, p. 26. 146 Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.ed., 1994, p.177. 147 Rolf Madaleno, Direito, cit., p. 136.

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A fim de explicitar a aplicação da responsabilidade civil no direito de

família, mas com a devida cautela para não nos desviarmos do tema proposto, serão

verificadas algumas situações, em termos gerais, que ensejam a aplicação da teoria geral

da responsabilidade civil.

A princípio, verifica-se a responsabilidade civil no direito de família, na

responsabilidade civil por fato de outrem, principalmente, em relação à responsabilidade

civil dos pais em razão dos atos ilícitos praticados por seus filhos menores ou maiores

alienados mentais. Também se pode falar na responsabilidade civil decorrente do

exercício da tutela e da curatela.

A responsabilidade civil por fato de outrem está disposta no artigo 932

do Código Civil148. Considerando os incisos I e II que cuidam respectivamente, da

responsabilidade civil dos pais em relação aos filhos menores que estiverem sob seu

poder e em sua companhia e, da responsabilidade do tutor e curador, pelos pupilos e

curatelados, que se acharem nas mesmas condições, cabe a lição de José de Aguiar

Dias: “Há contra o pai e, conseqüentemente, contra a pessoa que lhe faz as vezes, uma

presunção juris tantum de responsabilidade. Quando se alude a pais ou curadores,

implicitamente se abrange aquele que, não sendo uma coisa nem outra, é, entretanto,

encarregado da vigilância, como o avô, que muitas vezes é a pessoa a quem incumbe

esse dever.”149

Funda-se a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, no poder

familiar e no dever de cuidado e de vigilância. Com relação ao dever de vigilância,

também se responsabilizam as pessoas que estiverem encarregadas de cuidar do menor.

A responsabilidade civil no direito de família também pode se dar na

ruptura de noivado ou quebra dos esponsais; no rompimento imotivado da união estável

e que cause dano a um dos conviventes150; na transmissão de doenças graves e letais de

um cônjuge ou convivente ao outro151; em separação judicial litigiosa com imputação

148 O atual Código Civil traz uma mudança neste ponto, pois no artigo 933 estabelece que as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo 932, respondem independente de culpa, observa-se aqui uma extensão da responsabilidade civil objetiva. Artigo 932, caput: “Também são responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições (...)” 149 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., v. II, págs. 595/596. 150 Hipótese que será analisada em capítulo próprio. 151 Consultar Lydia Neves Bastos Telles Nunes, Do dano moral e a transmissão da AIDS entre cônjuges e entre companheiros, Direito e responsabilidade, coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, págs. 125/135 e Aparecida I. Amarante, Responsabilidade, cit., p. 268. Matéria que será analisada no capítulo IV deste trabalho.

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caluniosa de adultério; em caso de injúrias entre cônjuges ou conviventes, causando

prejuízo à imagem do ofendido; no abandono moral dos filhos152.

Destarte, considerando que a família deva ser preservada e protegida,

para tanto, necessária é a reparação dos danos, materiais e morais, causados por um

membro ao outro, de modo que a não reparação, poderia estimular o desequilíbrio e a

desintegração dessa família, conforme Álvaro Villaça Azevedo, “a família, por mais que

livre seja, e que tenha existência natural, reclama o regramento do complexo de direitos

e de deveres, que dela nasce, para que, ao lado dos sentimentos próprios da união fática,

exista um clima de responsabilidade, indispensável à segurança dos conviventes e de

sua prole.”153

Nesse sentido, corrobora o Desembargador Jones Figueiredo Alves, “a

ligação da responsabilidade civil com o Direito de Família, além de atender à dignidade

da família, vai de encontro à estabilidade institucional do núcleo familiar, destacando-se

dentre outros exemplos, o da violência doméstica, que revela a necessidade de

acolhimento da tese reparatória.”154

Por essa razão, dada a importância da família e, considerando a

promoção da dignidade humana que ela propicia, Gustavo Tepedino aduz que “à

família, no direito positivo brasileiro, é atribuída proteção especial na medida em que a

Constituição entrevê o seu importantíssimo papel na promoção da dignidade humana.

Sua tutela privilegiada, entretanto, é condicionada ao atendimento desta mesma

função.”155

Dentre as situações que ensejam a aplicação das regras de

responsabilidade civil no direito de família, serão analisadas, ainda que

152 Atualmente destacam-se três decisões concedendo indenização por dano moral pelo abandono afetivo dos filhos por parte dos pais. Em São Paulo, o juiz da 31ª Vara Cível, Dr. Luis Fernando Cirillo, no processo nº 000.01.036747-0, julgado em 05.06.2004, condenou um pai a indenizar a filha em R$ 50 mil reais a título de reparação de dano moral causado pelo abandono afetivo. Em Belo Horizonte, a 7ª Câmara Cível do TAMG, no julgamento da Apelação Cível nº 0408550-5, em 01.04.2004, cujo relator foi Unias Silva, concedeu indenização de R$ 52 mil reais ao filho por ter sido abandonado pelo pai e, em Capão da Canoa/RS, o juiz Mario Romano Maggioni, concedeu em primeira instância, indenização de R$ 60 mil reais, à filha abandonada afetivamente pelo pai. Consultar: Álvaro Villaça Azevedo, Abandono moral, Jornal do Advogado, 289: 14-15, 2004 e Revista ISTOÉ, 1840: 20-21, 2005. 153 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato ao casamento de fato, Belém: CEJUP, 1986, p. 13. 154 Apud Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, A culpa nas relações de família, Questões controvertidas no direito de família e das sucessões, coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves, São Paulo: Editora Método, v. 3, 2005, págs. 77/78. 155Gustavo Tepedino, Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não fundada no matrimônio, Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2. ed., 2001, p. 328.

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superficialmente, o rompimento do noivado ou a quebra dos esponsais e a dissolução do

casamento por separação culposa.

Com relação ao rompimento da promessa de casamento ou quebra dos

esponsais, verifica-se que não há regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro; no

entanto, essa omissão não afasta a aplicação da teoria geral da responsabilidade civil,

visando a reparação de danos.

Esponsais segundo Maria Helena Diniz, “consistem num compromisso de

casamento entre duas pessoas desimpedidas, de sexo diferente, com o escopo de

possibilitar que se conheçam melhor, que aquilatem suas afinidades e gostos.”156

José Carlos Moreira Alves conceitua os esponsais (sponsalias) como: “a convenção pela

qual duas pessoas de sexo diverso (ou seus patres familias, por eles) se comprometem a

contrair, no futuro, casamento.” 157

No direito romano, os esponsais eram solenemente firmados entre as

famílias, e obrigavam o casamento de seus filhos, segundo Carlos Roberto Gonçalves:

“essa promessa era conhecida dos romanos pelo nome de sponsalia (esponsais), e, além

de solene, gerava efeitos. Havia uma espécie de sinal ou arras esponsalícias, que o noivo

pedia, ou até as pagava em triplo ou em quádruplo, se desmanchasse o noivado

injustificadamente.”158

No entanto, o instituto dos esponsais como ensina Georgette Nacarato

Nazo: “desenvolveu-se em sentido oposto, permitindo a liberdade das partes em

firmarem compromisso e também se desligarem do mesmo, apesar das ‘arras

poenitenciais’ – autêntica cláusula penal – que visavam a satisfação das perdas e danos

por inadimplemento.”159

O noivado é o compromisso sério, espontâneo e voluntário que antecede

o casamento, possibilitando que os futuros cônjuges se conheçam melhor e possam

reunir esforços, providenciando o necessário para a realização do futuro casamento. O

noivado em si, não obriga o casamento, não tem previsão legal que imponha

indenização em caso de arrependimento de um dos noivos, visto que é uma fase

justamente para que os noivos se conheçam melhor, pode acontecer de não revelarem

afinidade um com o outro. Desta forma, o simples rompimento, de forma civilizada, não

gera indenização. Também não há que se falar em reparação de danos se o compromisso

156 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p. 47. 157 José Carlos Moreira Alves, Direito, cit., p. 341. 158 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 54. 159 Georgette Nacarato Nazo, Da responsabilidade, cit., p. 27.

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não for sério, com o objetivo de casamento, pois o rompimento de mero namoro não

gera direito à indenização. Nesse sentido a seguinte decisão:

“INDENIZAÇÃO - Dano moral - Alegação de

descumprimento de promessa de casamento –

Descabimento - Inexistência de prova quanto a

inexperiência da menor e a falta de demonstração

da ocorrência de namoro sério que se traduzisse

em compromisso - Verba indevida - Declaração de

votos vencedores e vencido.” (TJSP - 4ª Câm. -

Ap. 195.591-1/9 – Rel. Alves Braga – j.

21.10.1993 – RT 704/104).

Marcelo Truzzi Otero leciona que “na quebra dos esponsais, é evidente

ser passível o ressarcimento pela dor infligida ao noivo abandonado, entretanto, mister a

presença de todos os pressupostos relativos a ação de indenização, além da

potencialidade do dano. O simples rompimento do noivado não acarreta, por si só, o

dever de indenizar.”160

Desta forma, ensina Yussef Said Cahali: “a simples ruptura do noivado

não legitima só por isso a pretensão indenizatória, se não vislumbrada ilicitude no

rompimento. Mas também para a configuração dos pressupostos necessários à

responsabilidade civil, reclama-se que a promessa não cumprida de casamento tenha se

revestido de seriedade, firmeza e certeza de convicção quanto à sua viabilidade.”161

Maria Helena Diniz aponta os seguintes requisitos para que se configure

a responsabilidade: “que a promessa de casamento tenha sido feita, livremente, pelos

noivos e não por seus pais; que tenha havido recusa de cumprir a promessa esponsalícia

por parte do noivo arrependido e não de seus genitores; que haja ausência de motivo

justo e que exista dano.”162

O que se verifica, a fim de indenização, além dos requisitos mencionados

acima, são as circunstâncias em que se deu o rompimento, por exemplo, o noivo que na

certeza de que iria se casar, abandonou emprego, mudou de cidade, comprou imóvel e

160 Marcelo Truzzi Otero, A quebra dos esponsais e o dever de indenizar dano material e dano moral, Revista dos Tribunais, n. 766, p. 103, agosto de 1999. 161 Yussef Said Cahali, Dano, cit., págs. 649-650. 162 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, págs. 50/51.

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móveis, ou seja, experimentou um prejuízo patrimonial que certamente deverá ser

ressarcido em vista do rompimento injustificado, pois verifica-se a responsabilidade

extracontratual possibilitando indenização pelos prejuízos sofridos. Inacio de Carvalho

Neto aponta que “o descumprimento injusto da promessa de casamento que causa dano

é perfeitamente enquadrável na regra geral do art. 159163 do Código Civil, dispensando-

se tratamento específico.”164

Em se tratando de lucros cessantes, a situação deve ser analisada com

cautela, alerta Sílvio de Salvo Venosa que “a possibilidade de esse inadimplemento

gerar indenização por ‘lucros’ cessantes deve ser vista com restrições, pois qualquer

conotação de ganho ou vantagem deve ser afastada da noção e compreensão de

casamento, o qual assenta suas bases na afetividade.”165 Inacio de Carvalho Neto

também anota: “não ser indenizável a mera expectativa de enriquecimento com o

casamento (os lucros cessantes).”166

Nesse sentido, observa Carlos Roberto Gonçalves: “é princípio de ordem

pública que qualquer dos noivos tem a liberdade de se casar ou de se arrepender. O

consentimento deve ser manifestado livremente e ninguém pode ser obrigado a se casar.

O arrependimento, portanto, pode ser manifestado até o instante da celebração (...)

Tendo em vista as futuras e próximas núpcias, os noivos realizam despesas de diversas

ordens: adquirem peças de enxoval, alugam ou compram imóveis, adiantam pagamentos

de bufês, de enfeites da igreja e do salão de festas, pedem demissão de emprego etc. O

arrependimento do outro acarretará, então, prejuízos ao que tomou tais providências. Se

não houve justo motivo para a mudança de atitude, o prejudicado terá o direito de obter

judicialmente a reparação do dano (cf. RJTJSP, 69:150).”167

Ensina Maria Helena Diniz que: “a atitude imprudente, tola ou malvada,

de estabelecer esponsais, despertando a confiança de um próximo matrimônio a tal

ponto que uma pessoa realize despesas com vistas a esse fim, e de retirar-se depois sem

motivo plausível, caracteriza um atitude culposa e causadora de prejuízos; daí a

obrigação da reparação.”168

163 Corresponde ao atual artigo 186 do Código Civil. 164 Inacio de Carvalho Neto, Responsabilidade civil no direito de família, Curitiba: Juruá Editora, 2002 p. 473. 165 Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 6, p. 46. 166 Inacio de Carvalho Neto, Responsabilidade, cit., p. 489. 167 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., v. 5, págs. 54-55. 168 Maria Helena Diniz, Curso, cit., págs. 48/49.

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Por outro lado, o rompimento do noivado pode ofender a honra de uma

das partes, humilhando e envergonhando, através da prática de ato ilícito, possibilitando

também, a indenização por danos morais. Desta forma, quando o rompimento ocorrer

sem justa causa, causando grande abalo e sofrimento ao noivo abandonado, às vésperas

do casamento ou até mesmo no altar. Certo será o dano moral, não apenas ferindo os

sentimentos próprios do noivo, mas também afetando sua posição perante a sociedade e

terceiros.

Assinala José de Aguiar Dias que: “é positivamente aceita na doutrina a

solução que manda indenizar tanto o prejuízo patrimonial, como o prejuízo moral

sofrido, a título de interesse negativo, em conseqüência do rompimento do noivado.”169

No mesmo raciocínio, Aparecida I. Amarante diz que poderá ocorrer hipótese de

reparação do dano moral “se o rompimento se der em condições deprimentes ou

vexatórias para um dos nubentes.”170

Silvio Rodrigues afirma que “desde que haja rompimento injusto do

noivado – e esse é o requisito básico para que a demanda possa prosperar -, pode o

prejudicado, a despeito do silêncio da lei, reclamar a indenização do prejuízo

experimentado. Entendo ademais que, em face do rompimento injustificado do noivado,

poderá o juiz, igualmente, fixar uma indenização moderada para a reparação do dano

moral.”171

Mário Antônio Lobato de Paiva, cita o seguinte caso concreto: “Esteve

em nosso escritório um rapaz (playboy, filho de uma família abastada) que apostou com

os amigos que iria noivar com determinada jovem. Ele a namorou, noivou, marcou a

data do casamento, o pai da noiva despendeu com o vestido, convites, buffet, etc., e a

menos de um dia do casamento nosso cliente terminou o noivado, alegando que tudo,

simplesmente, fora uma aposta com os amigos.”172 Em situações como esta, que tratam

com descaso e desrespeito, um compromisso sério, são merecedoras de reparo tanto do

prejuízo material quanto moral, sofrido pela parte enganada e humilhada.

Observa Yussef Said Cahali: “Desse modo, desde que identificada (no

exame do caso concreto) a existência de um procedimento gravemente injurioso

169 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p. 166. 170 Aparecida I. Amarante, Responsabilidade civil por dano à honra, Belo Horizonte: Del Rey, 5.ed., 2001, p.221. 171 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 4 p. 40. 172 Mário Antônio Lobato de Paiva, Responsabilidade civil pelo rompimento do noivado, Revista Prática Jurídica, 5 : 18-21, 2002.

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envolvendo o ato de arrependimento, com injusta agressão à dignidade, à estima e ao

respeito que o ofendido faz por merecer, evidencia-se a ocorrência de um dano moral

passível de reparação.”173

Destacam-se as seguintes decisões174:

“Responsabilidade civil – rompimento de noivado

com casamento já agendado, com aquisição de

móveis, utensílios, expedição de convites,

habilitação, realização de curso de noivos, ‘chá de

cozinha’, etc. – ruptura sem motivo justificável –

dever de indenizar do noivo não só os danos

materiais como também os morais. Apelo do réu

improvido e provido o da autora em parte.” ( TJSP

– 6ª Câm. – Ap. 90.262.4/3 – Rel. Testa Marchi –

j. 03.02.2000).

“INDENIZAÇÃO – Dano moral – Promessa de

casamento – Circunstâncias gravemente injuriosas

a envolver a ruptura do relacionamento amoroso,

agravando a honra da mulher – Verba devida.”

(TJPR – 1ª Câm. – Ap. 141.321-2 – Rel. Lauro

Augusto Fabrício de Melo – j. 05.10.1999 – RT

779/376).

“INDENIZAÇÃO – Dano moral – Rompimento

de noivado – Admissibilidade. A ruptura de

noivado, quando este ocorre após sinais de sua

exteriorização, alcançando familiares e amigos,

173 Yussef Said Cahali, Dano, cit., págs. 653-654. 174 Também são decisões favoráveis à indenização por danos materiais e morais: RT 639/58; RJTJESP 117/175; RT 461/214; RT 542/56; TJSP – Ap. 81.499-4/3-00 – 6ª Câm – Rel.Octavio Helene – j. 24.09.1998; TJRS – Ap. 593080112 – 5ª Câm. – Rel. Décio Antônio Erpen –j. 25.11.1993; TJSP – Ap. 79.307.4/9 – 8ª Câm. – Rel. Egas Galbiatti – j. 02.06.1999. Contrariamente: LEX 221/102; RT 473/213; RT 704/104; LEX 180/113 e TJRS – Ap. 70002665149 – 9ª Câm. – Rel. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira – j. 29.10.2003.

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gera a indenização por dano moral, uma vez

abalados os sentimentos da pessoa atingida, não só

em relação a si própria como também perante os

grupos sociais com os quais se relaciona.” (TJSP –

2ª Câm. – AgIn 036.868-4/3 – Rel Osvaldo Caron

– j. 25.02.1997 – RT 741/255).

Sílvio de Salvo Venosa esclarece que “caberá ao caso concreto definir se

houve proposta séria de casamento e não simples namoro ou relacionamento

inconseqüente, no qual o casamento fora uma possibilidade distante ou nunca ventilada.

O forte conteúdo emocional dessas situações, que pode desencadear um espírito de

retaliação por parte do partícipe frustrado, recomenda a máxima cautela do juiz e dos

advogados que assistem as partes.”175

Em se tratando da dissolução do casamento, também não há no

ordenamento jurídico brasileiro, legislação específica que cuide da reparação por danos

morais em virtude de separação judicial culposa, como também não há motivo que

impeça tal reparação. Assim, questiona Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos

Santos: “Se um acidente de trânsito, mesmo que provoque um pequeno prejuízo, gera ao

culpado o dever de repará-lo, se a propaganda enganosa fomenta a reparabilidade de

danos acarretados aos consumidores, se o extravio de bagagem em transporte aéreo

enseja a indenização pelos prejuízos ocasionados ao passageiro, se até mesmo a pessoa

jurídica é alvo de resguardo da honra objetiva, com direito à reparação dos danos a esse

direito da personalidade, qual seria a razão para a inadmissibilidade do direito do

cônjuge à indenização pelos danos oriundos de violação por seu consorte de dever

conjugal?”176

Lembra Yussef Said Cahali que “consagrando a Constituição de 1988

(art. 5º, V e X) o princípio da reparabilidade do dano moral, a extensão que o tema vem

assumindo mais recentemente não permite dúvida quanto à indenizabilidade dos danos

morais resultantes da ‘infração dos deveres conjugais’”177.

175 Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 6, págs., 47/48. 176 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade. cit., p. 123. 177 Yussef Said Cahali, Divórcio de separação, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 9.ed., 2000, p. 854.

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No artigo 1.566178, o Código Civil estabelece deveres aos cônjuges, da

quebra destes deveres ocasionando dano, surge a obrigação de reparação com base no

artigo 186 do Código Civil que prevê a responsabilidade civil extracontratual por ato

ilícito. No entanto, a obrigação de indenizar também pode resultar não apenas da quebra

de deveres que tornem insuportável a vida em comum, mas também, durante a ação de

separação judicial litigiosa, no caso de um dos cônjuges imputar ao outro, graves

injúrias que mais do que ofensa à honra, abalam a imagem do ofendido perante terceiros

com quem se relaciona ou até mesmo no campo profissional.

Sustenta Carlos Roberto Gonçalves que “provado, no entanto, que a

separação, provocada por ato injusto do outro cônjuge, acarretou danos, sejam materiais

ou morais, além daqueles já cobertos pela pensão alimentícia (sustento, cura, vestuário e

casa), a indenização pode ser pleiteada, porque legem habemus: o art. 159179 do Código

Civil.”180

Melhor esclarecendo a questão, Mário Moacyr Porto apresenta os

seguintes exemplos: “o marido (e excepcionalmente a mulher) sevicia ou pratica uma

lesão corporal no parceiro, ofensa que ocasionou uma redução da sua capacidade de

trabalho. O delito não justifica, apenas, a dissolução contenciosa da sociedade conjugal

e a conseqüente fixação de uma ‘pensão’ de alimentos (Lei do Divórcio, arts. 5º, caput,

e 19181). O cônjuge responsável responde, ainda, cumulativamente, pelo prejuízo à

saúde do cônjuge agredido, nos termos do disposto nos arts. 159 e 1.539182 do Código

Civil, sem prejuízo das sanções penais. Admitamos, ainda, o caso do cônjuge que

difama o outro e a difamação se reflita, desastrosamente, na reputação do parceiro, em

sua atividade profissional ou vida em sociedade. O ultraje justifica não apenas a

separação judicial contenciosa e, se for o caso, a pensão de alimentos, como, ainda, uma

178 Dispõe o artigo 1.566: “São deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos.” 179 Corresponde ao atual artigo 186 do Código Civil. 180 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 71. 181 Dispõe a Lei do divórcio, artigo 5º, caput: “A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.” Artigo 19: “O cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar.” 182 Corresponde ao atual artigo 950 do Código Civil: “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.”

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indenização do dano resultante da injúria (CC, art. 1.547183). A ação fundamenta-se no

art. 159 do Código civil e é independente da ação que visa à dissolução litigiosa da

sociedade conjugal e ao chamado “divórcio-sanção”. As indenizações são, assim,

cumuláveis. Os dois pedidos podem ser formulados em uma mesma demanda (CPC, art.

292184).”185

Comprova-se que se um dos cônjuges causa dano ao outro, independente

de ser ou não, o motivo da separação, será responsabilizado com base no artigo 186 do

Código Civil. Este dano pode ser material ou moral basta que resulte de ato ilícito,

como agressões físicas, imputação caluniosa de adultério, injúrias que provoquem

humilhação, vexame, depreciando a imagem e a honra do cônjuge inocente.

Na doutrina, entre outros186, sustentam a possibilidade de reparação por

danos morais na separação judicial litigiosa:

Yussef Said Cahali: “parece não haver a mínima dúvida de que o mesmo

ato ilícito que configurou infração grave dos deveres conjugais posto como fundamento

para a separação judicial contenciosa com causa culposa, resta-se igualmente para

legitimar uma ação de indenização de direito comum por eventuais prejuízos que

tenham resultado diretamente do ato ilícito para o cônjuge afrontado. O ato ilícito

preserva a sua autonomia, ainda que projetados duplamente os seus efeitos: como

representativo de infração dos deveres conjugais, posto como causa da dissolução do

casamento e como causa de responsabilidade civil da regra geral do art. 159187 do

183 Corresponde ao atual artigo 953 do Código Civil: “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.” 184 Dispõe o artigo 292 do Código de Processo Civil: “É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.” 185 Mário Moacyr Porto, Temas de responsabilidade civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p.71. 186 Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 4, p. 239: “provando-se infringência aos deveres do casamento, surge o dever de indenizar, mormente por danos morais.” Belmiro Pedro Welter, Dano moral na separação, divórcio e união estável, cit., Revista dos Tribunais, v. 775, p.132: “concordamos com a corrente minoritária que admite a indenização do dano moral na ação de separação judicial ou união estável litigiosa e com culpa (art. 5º , caput, da Lei 6.515/77, por grave infração dos deveres do casamento ou conduta desonrosa), podendo o pedido ser cumulado, ou não (...)”; Inacio de Carvalho Neto, Responsabilidade, cit., págs. 315/316; Aparecida I. Amarante, Responsabilidade, cit., págs. 270/271; Carlos Alberto Bittar, Reparação, cit., págs. 177/178; Mário Moacyr Porto, Temas, cit., p.70, aduz que “entre nós, uma ação de responsabilidade civil entre cônjuges desavindos ainda soa como algo estranho ou inusitado. Mas não há, ao que parece, nada que se oponha ao procedimento, sendo de acrescentar-se que o art. 5º, caput, c/c o art. 19 da Lei do Divórcio são, a rigor, desdobramentos do art. 159 do Código Civil.” Dispõe o artigo 5º caput da Lei do Divórcio: “A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum” e o artigo 19: “O cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar.” 187 Corresponde ao artigo 186 do atual Código Civil.

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Código. Mas, nos termos em que a questão vem sendo assim colocada, não há dúvida de

que o cônjuge agredido em sua integridade física ou moral pelo outro tem contra este

ação de indenização, com fundamento no art. 159 do CC, sem embargo de representar

aquela ofensa uma causa que legitima uma separação judicial contenciosa em que os

alimentos lhe seriam concedidos.”188

José de Aguiar Dias afirma que “a violação das obrigações derivadas do

casamento é, indubitavelmente, falta contra a honestidade. É o que se verifica por parte

de quem dá, por seu procedimento, causa à separação de corpos, desquite ou divórcio,

acarretando prejuízo moral ou material ao outro cônjuge.”189

Assevera Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos que “é indene

de dúvida a reparabilidade dos danos decorrentes diretamente da infração a dever

matrimonial, por força da notória presença dos requisitos da responsabilidade civil

(...).”190 Em obra mais recente, a autora conclui que “preenchidos os pressupostos da

responsabilidade civil: ação que descumpre um dever e viola um direito, ligada pelo

nexo causal ao dano, seja moral ou material, assim como verificado o seu fundamento

culposo, surge o direito do ofendido à reparação, inclusive sendo de família a relação

que o liga ao ofensor.”191

Segundo José de Castro Bigi: “a dissolução da sociedade conjugal, em si

mesma, gera conseqüências para o cônjuge culpado, como transformá-lo em devedor de

alimentos ao cônjuge. Se o cônjuge culpado praticou um ato antijurídico, se infligiu um

dano injusto ao outro cônjuge, tudo isso, se apaga com a separação e a pensão?

Evidentemente que não.”192 Acrescenta o autor que o direito brasileiro segue a

orientação moderna, de indenizar com dinheiro, o dano moral.

Aponta Eduardo Zannoni que: “es obvio que toda causal de separación o

divorcio culpables (art. 202, Cód. Civil) implica un acto o un hecho ilícito civil, como

188 Yussef Said Cahali, Dano, cit., págs.669/670. 189 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., v. II, p. 441. 190 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 170. 191 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, A culpa nas relações de família, cit., págs., 78/79. 192 José de Castro Bigi, Indenização por rompimento de casamento, Repertório de jurisprudência e doutrina sobre Direito de Família – Aspectos constitucionais, civis e processuais, coord. Teresa Arruda Alvim, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 2, 1995, págs. 165/166.

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tal antijurídico que, conforme al art. 1077, “hace nacer la obligación de reparar el

perjuízo que por él resultare a otra persona”, es decir, al otro cónyuge.”193

Observa-se a possibilidade de indenização por danos morais decorrentes

da dissolução do casamento, independente da concessão de alimentos, nesse sentido a

lição de Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos “convém, ainda, ressaltar que

o reconhecimento da indenizabilidade de danos na dissolução matrimonial, em conjunto

com a existência da pensão alimentícia em favor do cônjuge inocente ou mentalmente

doente, não importa cumulação de reparações por um mesmo fato, visto que se trata de

conseqüências distintas, com fundamentos diferentes: o direito a alimentos tem uma

finalidade preponderantemente assistencial, e a reparação de danos visa ao

ressarcimento (danos materiais) ou à compensação (danos morais) dos efeitos de um ato

ilícito.”194

O mesmo entendimento tem Caio Mário da Silva Pereira: “Afora os

alimentos, que suprem a perda de assistência direta, poderá ainda ocorrer a indenização

por perdas e danos (dano patrimonial e dano moral), em face do prejuízo sofrido pelo

cônjuge inocente.”195

É escassa a matéria na jurisprudência, dentre as decisões encontradas

cita-se196:

“Separação judicial – Cumulação com

indenização por dano moral, oriundo de

adultério – Admissibilidade – Observância do

disposto no artigo 292 do Código de Processo

Civil – Recurso provido.” (TJSP – 2ª Câm. - AI

146.186-4 – Rel.Cezar Peluso – j. 13.02.2001).

“Indenização. Dano moral. Separação Judicial.

Injúrias praticadas pelo cônjuge. Aplicação do

193 Eduardo A. Zannoni, El daño cit., págs. 382/383. Tradução: “É obvio que toda causa de separação ou divórcio culpáveis (art. 202, Cód. Civil) implica um ato ou um fato ilícito civil, como tal antijurídico que, conforme o art. 1077, “faz nascer a obrigação de reparar o prejuízo que por ele resultou a outra pessoa”, é dizer, ao outro cônjuge.” 194 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação, cit., págs. 174/175. 195 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil – Direito de família, Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. V, 14.ed., p.271. 196 Também são decisões favoráveis à reparabilidade de danos morais: TJRJ – 7ª Câm.- AI 2002.002.15637 – Rel. Paulo Gustavo Horta – j. 25.02.2003; JTJSP 240/211. Contrariamente: TJRJ – 14ª Câm. - Ap. 1998.001.14156 – Rel. Marlan Marinho – j. 13.05.1989; TJRS – 7ª Câm. – Ap. 70005834916 – Rel. José Carlos Teixeira Giorgis – j. 02.04.2003; Lex 239/290.

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art. 1.547 e seu parágrafo único do Código Civil.

O dano moral, decorrente dos motivos que

ocasionaram a separação judicial, é indenizável.

Embargos acolhidos em parte votos vencidos.”

(TJRS – 1º Grupo de Câmaras Cíveis -

Embargos infringentes 500360169 – Rel. Elias

Elmyr Manssour – j. 05.05.1989).

Verifica-se que o simples rompimento do matrimônio ou da união

estável, não enseja a reparação de danos morais, devem estar presentes os pressupostos

caracterizadores da responsabilidade civil, desta forma, haverá a possibilidade de impor

a reparação por danos materiais e morais ao cônjuge ou ao convivente que pratique ato

ilícito ao outro, ainda que este ato ilícito seja o motivo da separação judicial litigiosa,

por exemplo, em caso de agressão física, provocando lesões corporais ou em caso de

injúrias, causando prejuízo à imagem do ofendido.

Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos conclui pela aplicação

dos princípios da responsabilidade civil às relações entre companheiros, segundo a

autora: “tal aplicabilidade tem em vista a proteção dos conviventes, possibilitando-lhes

a reparação de danos em face da violação de dever oriundo da união estável, cuja

reparação impõe-se, como ocorre diante da prática de ato ilícito nas demais relações

jurídicas.”197

A respeito da cumulação das ações de separação ou divórcio e reparação

de danos, será possível, considerando o disposto nos incisos do parágrafo primeiro do

artigo 292 do Código de Processo Civil, a saber: a compatibilidade dos pedidos, que o

mesmo juízo seja competente para conhecer ambos os pedidos e que haja a adequação

do mesmo tipo de procedimento, no caso, o ordinário.

197 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos conviventes, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 1, n. 3, out./dez., 1999, p. 39.

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CAPÍTULO III – UNIÃO ESTÁVEL

1. BREVE HISTÓRICO

Importante a notícia histórica sobre a união estável, para esclarecer

porque, a maior parte da doutrina, apresenta diferentes terminologias como,

concubinato, união informal, família sem casamento, casamento de fato,

companheirato198, concubinato puro e impuro. Posteriormente, será estabelecida a

distinção entre união estável e concubinato.

Necessário também se faz o apontamento histórico, para que se possa

compreender amplamente as questões relativas à união estável, ademais, este breve

histórico parece possibilitar a compreensão do instituto, bem como toda a repercussão

que esta figura jurídica projeta nos dias de hoje.

De acordo com Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “entre os persas,

hindus, chineses, em todas as áreas submetidas às suas influências, o concubinato era

admitido.”199

Na Grécia antiga há notícia de concubinatos permeando a cultura grega,

segundo Adahyl Lourenço Dias, “destacam-se, em a voz da história, célebres

concubinas, que tiveram nobre atuação na cultura dos gregos, notadamente Aspásia, que

ensinou retórica, em aulas próprias, a grande número de alunos, inclusive velhos gregos.

Natural de Mileto, uma das cidades do Mar Egeu, considerada estrangeira, não podia

casar-se com Péricles. Viveram juntos e felizes, em concubinato público e histórico.

Antes de viver com Péricles, Aspásia se tornara concubina de Sócrates, e, depois da

morte deste, de Alcebíades.”200

O direito romano também conheceu o concubinato como uma das formas

de união, paralela ao casamento regulado pelo ius civili.

Foram os romanos que trouxeram a idéia de casamento, tratava-se de um

casamento com conotação religiosa, as iustae nuptiae cum ou sine manu, modo pelo

qual os romanos constituíam famílias legítimas. Ao lado das iustae nuptiae cum, o

direito romano conheceu outras formas de uniões que se caracterizavam dependendo da

solenidade e das pessoas que a celebrariam, assim, denominava-se sine connubio ou

198 Expressão utilizada por Hélio Borghi, União estável e casamento, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1.ed., 2000, p. 01. 199 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 97. 200 Adahyl Lourenço Dias, A concubina e o direito brasileiro, São Paulo: Saraiva, 4.ed., 1988, p. 19.

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matrimonium iuris gentium o casamento realizado entre peregrinos; o contubernium era

a união entre escravos ou entre estes e pessoas livres e, o concubinatus representava a

união de pessoas livres e desimpedidas.201

Apesar de constante o concubinato no Império Romano, não era

reconhecido como instituto jurídico, conforme Álvaro Villaça Azevedo, “o instituto do

concubinatus, que se apresentava, em Roma, pela convivência estável de homem e

mulher, livres e solteiros, como se fossem casados, mas sem a affectio maritalis e a

honor matrimonii. Não era proibido, nem considerado atentatório à moral.”202

Ebert Chamoun corrobora: “é certo que no primeiro século do Império o

concubinato era freqüentíssimo, inclusive entre homens de grande moralidade, e não

produzia quaisquer efeitos jurídicos.”203

Pode-se dizer, de acordo com Álvaro Villaça Azevedo, que tendo o

Imperador Augusto aditado a Lex Iulia et Papia Poppaea de maritandis ordinibus

estabelecendo impedimentos às uniões com mulher de classe social inferior e a Lex Iulia

de Adulteriis, sancionando relações extraconjugais com mulheres ingênuas e de posição

social honrada, essas leis teriam, indiretamente, regulado o concubinato, contribuindo

para sua difusão no período pós-clássico.204

Ensina José Carlos Moreira Alves que “esse panorama se modifica no

direito pós-clássico, sob os imperadores cristãos, que transformam o concubinato em

instituto jurídico, e que, para combatê-lo em favor da família legítima, inferiorizam a

condição da concubina e de seus filhos, procurando, de outra parte, estimular os

concubinos a contraírem matrimônios legítimos.”205

Ebert Chamoun assevera que “no Baixo Império torna-se o concubinato

um casamento inferior, embora lícito. Com os imperadores cristãos começa a receber

reconhecimento jurídico. Distinguem eles os filhos nascidos de concubinato (liberi

naturales), que se podem legitimar per subsequens matrimonium, dos vulgo quaesti ou

spurii oriundos de uniões sexuais passageiras. Favorece-se, assim, a transformação do

concubinato em matrimônio através da legitimação dos filhos.”206

201 Consultar Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 19; Ebert Chamoun, Instituições de Direito Romano, Rio de Janeiro: Forense, 5.ed., 1968, p. 166; Adahyl Lourenço Dias, A concubina, cit., p.23. 202 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 19. 203 Ebert Chamoun, Instituições, cit., p. 166. 204 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 20. 205 José Carlos Moreira Alves, Direito, cit., p. 377. 206 Ebert Chamoun, Instituições, cit., p. 167.

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Foi com o Imperador Constantino que o concubinato passou a ser

considerado ilegal, pois ele revogou a legislação do Imperador Augusto, incentivando o

casamento aos concubinos.

Na época do Imperador Justiniano, foram traçadas algumas normas,

favoráveis ao concubinato. Forçado a resolver o problema dos filhos advindos das

relações concubinárias, o Imperador Justiniano, indiretamente estabeleceu certos

requisitos ao concubinato, nomeando-o de concubinatus legitimus. Dentre os requisitos

exigidos, os concubinos deveriam ser livres; a relação deveria ser única, o que implica

em fidelidade e exigia-se a co-habitação, aos olhos de todos deveriam ser vistos como

uma família.207

Conclui Álvaro Villaça Azevedo: “com o ensinamento de Pietro

Bonfante, segundo o qual pode entender-se o concubinato, no direito justinianeu como

uma relação estável de um homem com uma mulher de qualquer condição e de qualquer

posição social, ingênua ou liberta, sem a affectio maritalis e a honor matrimonii. Este

motivo espiritual é, na verdade, a única distinção que, a essa época, existia entre o

concubinato e o casamento.”208

Com a invasão dos bárbaros e a queda do Império Romano, verificou-se

o concubinato em algumas tribos, como a dos povos gauleses, onde a concubina do

chefe era respeitada pelos demais, na tribo celta, a concubina era equiparada à mulher

casada, entre os germanos e francos, por sua vez, o concubinato não era aceito.209

De acordo com Álvaro Villaça Azevedo, “o concubinato foi admitido

pelas leis sálicas (dos francos sálios) e bárbaras, tendo sido tolerado pela Igreja Católica

nos primeiros séculos. Acontece que ocorreu uma degeneração de uniões concubinárias,

com costumes os mais variados, chegando ao interior dos conventos, em ameaça de

quebra dos alicerces clericais.”210

O concubinato, a princípio foi tolerado pela igreja Católica, o que se

verifica nos Concílios de Toledo (ano 400 d. C.) que admitiu o concubinato desde que o

homem não fosse casado, no mesmo sentido os Concílios de Mayença (ano 815) e

Tribur. Em outra fase, o Cristianismo combateu o concubinato, culminando essa

207 Consultar: Adahyl Lourenço Dias, A concubina, cit., p. 29; José Carlos Moreira Alves, Direito, cit., p. 377; Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 97. 208 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 23. 209 Adahyl Lourenço Dias, A concubina, cit., págs., 34/36. 210 Adahyl Lourenço Dias, A concubina e o direito brasileiro, São Paulo: Saraiva, 3.ed., 1984, p. 15, Apud Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 25.

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reprovação com o Concílio de Trento que em 1963 estabeleceu as seguintes medidas:

“a) proibição do matrimônio presumido; b) estabelecimento da obrigatoriedade do

matrimônio somente poder ser contraído perante um pároco, em cerimônia pública com

duas testemunhas; c) criação dos registros paroquiais, que passaram a conter os assentos

dos matrimônios, controlados pelas autoridades eclesiásticas da paróquia; d) proibição

do concubinato, cominando penas severas contra os concubinos, tais como a

excomunhão e a qualificação de hereges.”211

“Por toda a Idade Média até a Moderna, apesar da campanha

empreendida pela Igreja, nunca foi evitado, nunca deixou de existir. E, se os canonistas

o repudiavam de iure divino, os juristas sempre o aceitaram de iure civile.”212

Na Idade Moderna, “a união não-matrimonial só desponta como

elemento de negociação jurídica a partir da instituição do casamento civil, no século

XVI e nos séculos posteriores acentuou-se a tendência de legislar-se sobre essa

matéria.”213

Na Idade Contemporânea, começam a surgir mudanças, através da

jurisprudência francesa, começam a solucionar os problemas resultantes do

concubinato. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, “começam a operar mudanças a partir

da primeira metade do século XIX, quando os tribunais franceses apreciam e

consideram as pretensões das concubinas. Esta relação passa a ser vista sob dois

aspectos: sociedade com caráter nitidamente econômico e como obrigação natural

quando, rompida a relação, havia promessa de certas vantagens à ex-companheira.”214

O Brasil, influenciado pelas Ordenações Filipinas215, não regulava o

concubinato, mas também não o proibia. As proibições que se verificam são as doações

feitas pelo homem casado à concubina. 216

Como anota Edgard de Moura Bittencourt: “no Brasil, anteriormente ao

Código Civil, as leis referiam-se ao concubinato para aplicar sanções a atos que dele

211 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., págs. 100/101. Consultar ainda: Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 27. 212 Caio Mário da Silva Pereira, Concubinato – sua moderna conceituação, Revista Forense, v. 190, p. 14. 213 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p.102. 214 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 17. 215 Segundo Everaldo Augusto Cambler, Comentários ao Código Civil Brasileiro – Parte geral, coords. Arruda Alvim e Thereza Alvim, Rio de Janeiro: Forense, v.1 (arts. 1º a 103), 2005, p. 05: “As ordenações constituem os corpos de leis que os reis de Portugal, no período entre a metade do Século XV e o início do XVII, mandaram cumprir, principiando pelas Afonsinas, de D. Afonso V, a partir de 1446/1447, passando pelas Manuelinas, de D. Manuel I, editadas de maneira definitiva em 1521, e terminando com as Filipinas (Ordenações do Reino), de D. Felipe II de Espanha (Felipe I, em Portugal) – Cf. Ignácio M. Poveda Velasco, Ordenações do Reino de Portugal, pp. 57-75.” 216 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 69.

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decorressem, conforme as normas reproduzidas nas Consolidações de Teixeira de

Freitas e Carlos Carvalho.”217 Álvaro Villaça Azevedo reproduz o artigo 147 da

Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas, que “possibilita à mulher casada,

independentemente de autorização do marido, reivindicar bens móveis ou imóveis, que

tenham sido doados ou transferidos por este à sua concubina.” Assim como o artigo

1.483, parágrafo 2º, letra e, inciso 3, da Consolidação das leis Civis de Carlos Augusto

de Carvalho, do qual se extrai que “em princípio, a mulher casada não pode estar em

juízo sem autoridade e procuração de seu marido, prescindindo, entretanto, dessa

autorização para a prática dos atos nesse dispositivo enumerados, dentre os quais a

reivindicação dos bens doados ou alienados por seu cônjuge à sua concubina ou a

qualquer outra mulher com quem tenha praticado relação sexual.”218

Com a proclamação da República, em 1890, surgiu o Decreto 181 de

24.01.1890 que de acordo com Álvaro Villaça Azevedo, “secularizou o casamento. A

partir dele, o formalismo tomou conta da legislação brasileira, em matéria de

casamento, reeditando-se o sistema no Código Civil. Com isso, deixou o Estado

brasileiro não só de considerar o casamento de fato (por mera convivência duradoura

dos cônjuges), bem como o casamento religioso, que hoje, por si só, sem o posterior

registro civil, é considerado concubinato.”219

Regulado ou não, o concubinato, entendido como a relação informal e

livre, entre homem e mulher sempre existiu em nosso país. E quando os concubinos se

encontravam prejudicados ao término desta relação, ou melhor, a concubina era a mais

prejudicada, pois em muitas situações, se os concubinos adquiriam bens, estes ficavam

geralmente, registrados apenas em nome do concubino. Nesse panorama, os Tribunais

resolviam os casos concretos no âmbito do Direito das Obrigações, tratando as relações

concubinárias como sociedade de fato ou reconhecendo indenização por serviços

domésticos prestados pela concubina ao concubino, visando coibir o enriquecimento

ilícito.

Nesse panorama as palavras de Edgard de Moura Bittencourt: “o

fundamento exato de toda a construção jurisprudencial não é, na rigidez dos conceitos, a

sociedade de fato ou a prestação de serviços. O fulcro da decisão, confessada ou omitida

217 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato no direito, Rio de Janeiro: Editora jurídica e universitária, v. 1, 2.ed., 1969, p.46. 218 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 69. 219 Álvaro Villaça Azevedo, União estável antiga forma do casamento de fato, Revista dos Tribunais, n. 701, março de 1994, p. 08.

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a verdadeira razão, assenta-se na inadmissibilidade do enriquecimento ilícito, pois o

homem, que se aproveita do trabalho e da dedicação da mulher, não pode abandoná-la

sem indenização, nem seus herdeiros podem receber a herança sem desconto do que

corresponderia ao ressarcimento. O equilíbrio econômico, que impede o enriquecimento

ilícito, é a principal razão da sentença; a construção da partilha pela sociedade de fato

ou da remuneração de serviços constituem, em última análise, simples técnica de

julgamento.”220

Lentamente, por força da jurisprudência, os concubinos foram

conquistando direitos, até que a Constituição Federal de 1988, no artigo 226, §3º,

reconheceu, com o nome de união estável, a entidade familiar formada pelo homem e

pela mulher desimpedidos de casar. A Constituição Federal nada mais fez do que

reconhecer e explicitar uma situação que era imanente e inegável em nossa sociedade.

Nota-se que antes da regulamentação do artigo 226, §3º da Constituição

Federal, algumas leis avulsas foram conferindo direitos aos conviventes, como a Lei nº

6.015/73, art. 57, §2º que reconhece o direito da mulher em usar o nome de seu

companheiro; Lei 8.069/90, art. 42 que prevê a possibilidade de adoção por concubinos;

Lei 8.009/90, art. 1º que estipula bem de família imóvel residencial de entidade familiar;

Lei 8.213/91, art. 16, I que dispõe ser o companheiro dependente; Lei 8.245/91, arts. 11

e 12 que sub-roga o companheiro nos direitos do locatário; Lei 8.560/92, art. 2º que

dispõe sobre o reconhecimento de filhos.

Em relação à jurisprudência, destacam-se os seguintes avanços:

indenização acidentária (Súmula 35 STF)221; meação dos bens (Súmula 380 STF)222;

dispensabilidade da convivência more uxorio (Súmula 382 STF)223; testamento para

filho adulterino (Súmula 447 STF)224, além, da já mencionada indenização por serviços

domésticos prestados225.

220 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato, cit., p. 61. 221 Dispõe a Súmula 35 STF: “Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.” 222 Súmula 380 STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.” 223 Súmula 382 STF: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.” 224 O artigo 1.803 do Código Civil de 2002, consagra esta Súmula. Dispõe que: “É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for do testador.” 225 Sobre indenização por serviços domésticos prestados, alguns julgados: TJRS - quarto grupo de câmaras cíveis - embargos infringentes nº 596160853 – Rel. Eliseu Gomes Torres – j. 08.11.1996; TJRS – 7ª Câm. – Apelação cível nº 597206499 – Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves - j. 17.12.1997; TJSP – Apelação cível nº 4.062-4 – Rel. Ruy Camilo – j. 18.11.1997.

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Posteriormente, surgiram as Leis nº 8.971 de 29 de dezembro de 1994

regulando o direito a alimentos e sucessão entre os companheiros e a Lei nº 9.278 de 13

de maio de 1996 que trouxe direitos e deveres. Por fim, com o advento do Código Civil

de 2002, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, a união estável se consolida no Direito

de Família.

Gustavo Tepedino sintetiza em três fases a evolução doutrinária,

jurisprudencial e legislativa referente à união estável: “a) a primeira tem início com a

rejeição pura e simples do concubinato, estigmatizado pelo Código Civil de 1916 como

relação adulterina, culminando com a sua assimilação pela jurisprudência no âmbito do

direito obrigacional (...); b) em seguida, delineia-se nitidamente a relevância atribuída

pelo legislador especial ao concubinato (desde que não adulterino), não mais como mera

relação de direito obrigacional mas como vida lícita em comum (...); c) a terceira fase,

finalmente, compreende a tutela constitucional das entidades familiares não fundadas no

matrimônio (...)”226

226 Gustavo Tepedino, Novas formas de entidades familiares, cit., p. 329.

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2. TERMINOLOGIA ADOTADA

Primeiramente, é preciso esclarecer a diferença entre união estável e

concubinato. A união livre entre homens e mulheres foi por muito tempo denominada

concubinato e, em certos momentos históricos, foi combatido, sendo considerado ilegal

e imoral.

Conforme noticia Eduardo de Oliveira Leite, o termo concubinato

“sempre foi encarado com reserva e indisfarçável mal-estar, porque em país

predominantemente católico, as uniões de homens e mulheres fora do círculo restrito da

união formal, do casamento, são encaradas como espúrias, criticáveis e passíveis de

sanção.”227

A importância de tal distinção relaciona-se com o tratamento jurídico

dispensado aos direitos e deveres decorrentes destas formas de união. Assim, em se

tratando de união estável, os direitos e deveres serão disciplinados no direito de família.

Se se tratar de concubinato, será no âmbito do direito obrigacional228. No mesmo

sentido Washington de Barros Monteiro, ao ponderar que o concubinato não terá a

proteção do direito de família, “podendo, apenas, se comprovada a existência de

sociedade de fato, gerar efeitos de ordem obrigacional, para evitar o enriquecimento

ilícito.”229

De Plácido e Silva definem concubinato como sendo a “união ilegítima

do homem e da mulher. É, segundo o sentido de concubinatus, o estado de mancebia,

ou seja, a companhia de cama sem aprovação legal.”230

Álvaro Villaça Azevedo estabelecendo a etimologia da palavra

concubinato, ensina que “em sentido etimológico, concubinatus, do verbo concumbere

ou concubare (derivado do grego), significava, então, mancebia, abarregamento,

amasiamento.”231

227 Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado – Direito de família, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 5, 2005, p. 417. 228 Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, Da união estável, cit., p. 265. Contudo, autores como José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, Curso, cit., p. 79, entendem que a questão da terminologia é mais semântica do que jurídica. 229 Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil – direito de família, São Paulo: Saraiva, v. 2, 37.ed., 2004, págs. 35/36. 230 De Plácido e Silva, Vocabulário, cit., v. I (a-c), p. 490. 231 Álvaro Villaça Azevedo, União estável, cit., RT 701/08.

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O vocábulo concubinato carregava um sentido pejorativo, negativo, de

união ilícita, irregular. A palavra concubina qualificava e ainda qualifica, a mulher que

se relaciona com o homem casado. Guilherme Calmon Nogueira da Gama anota que “na

verdade, o sentido pejorativo, preconceituoso, atribuído ao “concubinato” tinha como

fonte a predominância do apego a valores tradicionais, rígidos, que somente

reconheciam o casamento como instituto gerador da família.”232

Assim, leciona Edgard de Moura Bittencourt: “concubinato exprime a

idéia geral de união mais ou menos prolongada, fora do casamento. Pode revestir-se de

aspectos morais ou imorais. Companheira é a designação elevada que se dá à mulher

unida por longo tempo a um homem, como se fosse sua esposa; mas, como não existem

os laços do casamento civil, é concubina.”(grifos do autor)233

Ensina Rodrigo da Cunha Pereira que “antes de ter sentido técnico-

jurídico, esse termo é a indicação de um modo de vida ou um estado, a marca de um

(pré)conceito que vem se formando ao longo do tempo. Nomear uma mulher de

concubina é socialmente uma ofensa. É como se se referisse à sua conduta moral e

sexual de forma negativa.”234

Pode-se classificar o concubinato em puro e impuro. É puro o que

qualifica a união entre homem e mulher desimpedidos de casar e, o concubinato impuro,

é a união entre homem e mulher impedidos de casar, qualificando as relações

incestuosas e adulterinas235.

Álvaro Villaça Azevedo entende puro o concubinato “quando ele se

apresenta com os aludidos elementos do conceito expendido, ou seja, como uma união

duradoura, sem casamento, entre homem e mulher, constituindo-se a família de fato,

sem qualquer detrimento da família legítima. (...) Tenha-se, por outro lado, que o

concubinato será impuro, se for adulterino, incestuoso ou desleal (relativamente a outra

união de fato), como o de homem casado ou concubinado, que mantenha, paralelamente

ao seu lar, outro de fato.”236

232 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo – uma espécie de família, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.ed., 2001, p. 126. 233 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato, cit., p.113. 234 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato e união estável, Belo Horizonte: Del Rey, 6.ed., 2001, p.02. 235 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v.5, págs. 330/332, traz a diferença entre concubinato puro e impuro e apresenta como concubinato impuro adulterino aquele que: “se fundar no estado de cônjuge de um ou ambos os concubinos, p. ex., se homem casado, não separado de fato, mantém, ao lado da família matrimonial, uma outra; e incestuoso, se houver parentesco entre os amantes.” 236 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 66.

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Afora o sentido negativo que pode enunciar o termo concubinato, por

qualificar relações ilícitas e imorais, com a consagração constitucional da união estável

ao patamar de entidade familiar, a tendência é o abandono da expressão concubinato

para designar a entidade familiar constituída pela união estável, em vista da

inadequação do termo para expressar a união consagrada pela Carta Magna.

Euclides Benedito de Oliveira e Sebastião Luiz Amorim ao

estabelecerem a diferença entre os termos concubina e companheira anotam que

concubina “seria a mulher dos encontros velados freqüentada ao mesmo tempo pelo

homem casado, na constância do convívio com sua esposa legítima, situação imoral,

que nem a sociedade admite e a lei nenhum amparo poderia dar. A ‘companheira’, ao

invés, é a que vive com homem solteiro, viúvo, ou separado da esposa, cujo lar já está

desfeito, como se casados fossem, legitimamente, por isso gozando de certos direitos,

como reconhecem as leis fiscais e previdenciárias.” 237

Nesse sentido, Marilene Silveira Guimarães observa que “após a

Constituição Federal de 1988, não se deveria mais usar a expressão concubinato, e sim

união estável, como consta do art. 226, §3º. Os pares deveriam ser denominados de

companheiros e não mais concubinos, utilizando-se esta denominação apenas para os

que vivem em concubinato adulterino ou união clandestina, para evitar confusões.”238

Assim, denominam-se companheiros ou conviventes aqueles que

constituem união estável e, concubinos, os que vivem o concubinato impuro. Aliás, o

novo Código Civil, ao referir-se à união estável, usa a palavra companheiros e, quando

quer fazer referência ao concubinato impuro, fala em concubinos239.

Rui Stoco aponta a distinção entre união estável e concubinato, para o

autor, união estável “pressupõe convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida

com o objetivo de constituição de família, sem que haja qualquer impedimento entre os

conviventes para essa união ou para o casamento. Constitui verdadeiro ‘concubinato

237 Euclides Benedito de Oliveira e Sebastião Luiz Amorim, Concubinato, companheiros: novos rumos, Direito de Família – Aspectos, constitucionais, civis e processuais, coord. Teresa Arruda Alvim, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 2, 1995, págs. 74/75. Consultar também obra de Euclides Benedito de Oliveira, União estável – Do concubinato ao casamento – Antes de depois do novo Código Civil, São Paulo: Método, 6.ed., 2. tir., 2003, págs., 31/32, onde o autor também ratifica a distinção entre dos termos companheiro ou convivente e concubino. 238 Marilene Silveira Guimarães, Reflexões acerca de questões patrimoniais nas uniões formalizadas, informais e marginais, Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais, coord. Teresa Arruda Alvim, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 2, 1995, p. 199. 239 Consultar artigos 1.694; 1.724 a 1.726; 1.775; 1.790; 1.797, I; 1.801, I e III; 1.814, I e II; 1.844 todos do Código Civil de 2002.

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puro’ (Código Civil, art. 1723). O concubinato propriamente dito, ou “concubinato

impuro”, também previsto no artigo 1.727 da Lei Civil, é aquele no qual homem e

mulher mantêm relações não eventuais e, portanto, more uxório, mas encontram-se

impedidos de se casar, nos termos do art. 1.521 desse Código.”240

A doutrina nem sempre fez essa distinção241, usando os termos

concubinos e companheiros indistintamente242. Neste trabalho, far-se-á a distinção,

usando a palavra companheiro ou convivente para designar união estável e, concubino,

para concubinato impuro.

240 Rui Stoco, Tratado, cit., p.787. 241 São autores que tratam os termos concubinato e união estável como sinônimos, Paulo Dourado de Gusmão, Dicionário de direito de família, Rio de Janeiro: Forense, 2.ed., 1987, p.355 e José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, Direito de família: direito matrimonial,Porto Alegre: S.A Fabris, 1990, p.75, Apud Carmem Lucia Silveira Ramos, Família, cit., págs. 33/34. 242 Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos patrimoniais do concubinato, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 33, manifesta as seguintes considerações em relação ao uso das expressões concubinos, companheiros e conviventes: “a expressão concubino não guarda mais conteúdo pejorativo, inclusive em função da própria evolução sociojurídica na aceitação do instituto, nada obstando portanto a sua utilização, de maneira ampla, para todas as espécies de concubinato (puro ou impuro), com a ressalva de que, em se tratando de concubinato puro, é imperioso reconhecer como tecnicamente mais correto o emprego da terminologia companheiro ou convivente, nos moldes queridos pelo legislador (e, aliás, consoante tem-se manifestado a maior parcela da doutrina e da jurisprudência).”

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3. CONCEITO

Feitas essas considerações iniciais, temos que a união entre homem e

mulher é um fato natural.

Sem regulamentação normativa, por muito tempo a união estável ficou às

margens da lei. Com a Constituição Federal de 1988 houve a consagração da união

estável ao patamar de entidade familiar. Dispõe o artigo 226, §3º: “para efeito da

proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como

entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”243

Percebe-se que a Constituição Federal denomina entidade familiar e não

família, a união estável entre homem e mulher, bem como a chamada família

monoparental que é a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes

(artigo 226, §4º da Constituição Federal de 1988).244

Observa-se que a família não é uma criação legislativa. Desde os

primórdios da civilização, muitos antes do casamento, já existia a família, o casamento

foi uma conseqüência, no decorrer da história, desse fato natural. Nota-se que a família

nem sempre tem ligação com o casamento, haja vista a família monoparental, assim

como a família substitutiva adotiva.245

Outra observação que se faz do parágrafo terceiro do artigo 226 da

Constituição Federal é que não pretendeu o constituinte, a equiparação da união estável

com o casamento. A uma, porque segundo o texto constitucional, o casamento gera

família e a união estável gera entidade familiar. A duas, porque a parte final do

parágrafo, pede que lei facilite a conversão da união estável em casamento. Só se

converte o que é desigual, se a Constituição quisesse equiparar união estável com o

casamento, não pediria lei para facilitar tal conversão. Também é possível destacar que

não houve a equiparação, considerando as formas de extinção da união estável. O

243 Comentando o artigo 226, §3º, da Constituição Federal de 1988, ensina José Cretella Jr., Comentários, cit., p. 4530: “Alarga esta regra jurídica constitucional o conceito de família, de entidade familiar, compreendida, latu sensu, não somente a união estável entre o homem e a mulher, como também entre o homem e seus descendentes e entre a mulher e seus descendentes.” 244 Segundo Eduardo de Oliveira Leite, Famílias, cit., p.27: “a verdade é que o constituinte de 1988 acabou reconhecendo a existência de outras formas de família, ou novas formas de família, consagrando – a gosto ou contragosto – a noção de família monoparental, no que revelou uma tendência constatável na maioria dos países ocidentais: a referência à família biparental (até então considerada “legítima” e elevada à categoria de juridicamente válida) como modelo das outras formas de família(...)” 245 Consultar Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p. 337.

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casamento de ambos os companheiros extingue a união estável, da mesma maneira, o

rompimento convivencial, a morte e o abandono.

Doutrina nesta linha de raciocínio, José Carlos Moreira Alves, ensinando

que “não ocorreu, porém, equiparação entre os dois institutos, ao contrário do que se

apressaram a sustentar alguns: a família resultante da união estável coexiste com a

fundada no casamento, mas aquela não se identifica com este. Tanto assim, que,

segundo o texto constitucional, a lei deve facilitar a conversão da união estável em

casamento – o que não teria sentido se um e outro já estivessem igualados.”246

Nesse sentido, a lição de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “a não

equiparação da denominada “união estável” ao casamento é clara diante da

interpretação teleológica da norma constitucional. A doutrina, em sua esmagadora

maioria, vem interpretando a Constituição Federal, nesse particular, de forma a concluir

pela inexistência de equiparação do companheirismo ao casamento. E, diga-se, em

passant, de forma acertada. Caso houvesse equiparação ao casamento, qual seria o

sentido da norma que prevê que a lei deve facilitar a conversão da “união estável” em

casamento?”247

Tem a mesma posição Silvio Rodrigues: “sendo a união estável instituto

de natureza diversa do casamento, o fato de a Constituição tê-la declarado entidade

familiar não implica que se apliquem a ela todos os efeitos daquele.”248

Posicionamento diverso tem Gustavo Tepedino, procurando resolver a

questão analisando a ratio das normas que se pretende interpretar, distingue as normas

informadas por princípios relativos à solenidade do casamento e, neste ponto, não as

estende à união estável, por outro lado, quanto às normas “informadas por princípios

246 José Carlos Barbosa Moreira, O novo Código, cit., p. 53; Também se manifestam pela não equiparação da união estável com o casamento: Sérgio Gilberto Porto, União estável: natureza jurídica e conseqüências, AJURIS, v. 20, n 59, p. 270, “a união estável está sendo tratada como se casamento fosse, quando, na verdade, se constitui em instituto jurídico apenas assemelhado ao casamento nas conseqüências e não idêntico a este.”; Teresa Arruda Alvim Pinto, Entidade familiar e casamento formal: aspectos patrimoniais, Direito de Família – Aspectos constitucionais, civis e processuais, coord. Teresa Arruda Alvim Pinto, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v 01, 1993, p.90: “união estável entre homem e mulher não é casamento. Trata-se entretanto de uma realidade a que o direito não pode fechar os olhos.”; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. V, p. 534: “De primeiro, afasta-se a sua equiparação ao casamento. Uma vez que “a lei facilitará sua conversão em casamento” deixou bem claro que não igualou a entidade familiar ao casamento. Não se cogita de conversão, se se tratasse do mesmo conceito.”; Arnoldo Wald, O novo direito de família, São Paulo: Saraiva, 13.ed., 2000, p.227: “Foi concedida, portanto, proteção constitucional às famílias de fato, ou naturais, sem que tal signifique a sua equiparação às famílias legítimas ou constituídas pelo matrimônio.”Consultar também: Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 6, p. 59. 247 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p.146 248 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 6, p. 272. Seguem a mesma orientação: Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p.337; Lourival Silva Cavalcanti, União estável, São Paulo: Saraiva, 2003, p.04.

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próprios da convivência familiar, vinculada à solidariedade dos seus componentes, aí,

sim, indubitavelmente, a não aplicação de tais regras contrariaria o ditame

constitucional”, esclarece o autor que “à união estável, como entidade familiar, aplicam-

se, em contraponto, todos os efeitos jurídicos próprios da família, não diferenciando o

constituinte, para efeito de proteção do Estado (...) a entidade familiar constituída pelo

casamento daquela constituída pela conduta espontânea e continuada dos companheiros,

não fundada no matrimônio.”249

A união estável encontra garantia constitucional no artigo 226, §3º da

Constituição Federal de 1988, mas este artigo não protege qualquer união livre. A

proteção constitucional abrange apenas a entidade familiar formada entre homem e

mulher, preenchendo todos os requisitos constitucionais, que serão examinados em item

próprio. Assim, não se enquadram no artigo 226, §3º as uniões transitórias, incestuosas

e adulterinas. Cabe aqui a lição de Francisco José Cahali ao apontar a diferença entre

namoro e união estável, segundo o autor, o namoro “(...) diferencia-se da união estável

no tópico relativo à finalidade. Enquanto a união estável traz em seu bojo a idéia de

constituição de núcleo familiar, o namoro, não.”250

A união estável é conceituada por Carlos Alberto Menezes Direito como

a “entidade familiar formada por um homem e uma mulher, é a vida em comum, more

uxório, por período que revele estabilidade e vocação de permanência, com sinais

claros, induvidosos da vida familiar, e com o uso em comum do patrimônio.”251

Para Francisco José Cahali, união estável “é o vínculo afetivo entre o

homem e a mulher, como se casados fossem, com as características inerentes ao

casamento, e a intenção de permanência da vida em comum.”252

Maria Helena Diniz aduz que “a Constituição Federal, ao conservar a

família, fundada no casamento, reconhece como entidade familiar, a união estável,

notória e prolongada de um homem com uma mulher, vivendo ou não sob o mesmo

teto, sem vínculo matrimonial, desde que tenha condições de ser convertida em

casamento, por não haver impedimento legal para sua convolação.” (grifos da autora)253

249 Gustavo Tepedino, Novas formas, cit., p. 341. 250 Francisco José Cahali, Família e sucessões no Código Civil de 2002: acórdãos, sentenças, pareceres e normas administrativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004 (coletânea orientações pioneiras; v. 1), p. 268. 251 Carlos Alberto Menezes Direito, Da união estável como entidade familiar, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 667, p. 22, maio de 1991. 252 Francisco José Cahali, União estável e alimentos entre companheiros, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 87. 253 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, págs. 321/322.

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Entende Marco Aurélio Souza Viana que para conceituar união estável é

preciso levar em consideração o elemento vontade, assim, para o autor, união estável “é

a convivência entre homem e mulher, alicerçada na vontade dos conviventes, de caráter

notório e estável, visando a constituição de família.”254

Rodrigo da Cunha Pereira defini união estável como “a relação afetivo-

amorosa entre um homem e uma mulher, não-adulterina e não-incestuosa, com

estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem

o vínculo do casamento civil.”255

Gustavo A. Bossert e Eduardo A. Zannoni conceituam união estável

como “la unión permanente de un hombre y una mujer, que sin estar unidos por

matrimonio, mantienen una comunidade de habitación y de vida, de modo similar a la

que existe entre los cónyuges.” 257

Pode-se conceituar união estável como a união notória e prolongada entre

homem e mulher sem vínculo matrimonial e que possa ser convertida em casamento.

O atual Código Civil disciplina a união estável em cinco artigos, do

artigo 1.723 ao 1.727, ressaltando no artigo 1.727 a disciplina do concubinato, pois

254 Marco Aurélio Souza Viana, Da união estável, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 29. 255 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p.29. 257 Gustavo A. Bossert e Eduardo A. Zannoni, Manual de derecho de familia, Buenos Aires: Editorial Astrea, 5.ed., 3.reimpr., 2001, p. 423. Tradução: “é a união permanente de um homem e uma mulher, que sem estarem unidos pelo casamento, mantêm uma comunhão de habitação e de vida, de modo similar à que existe entre os cônjuges.” Gustavo A. Bossert, em obra anterior, Régimen jurídico del concubinato, Buenos Aires: Editorial Astrea, 1982, p. 36, já expôs definição de união estável, porém, sem pretender uma definição precisa, conceituou o autor: “Coincidiendo con lo esencial de esa definición, y teniendo en cuenta las características que presenta frente al derecho la figura, y sin pretender dar una definición precisa, entendemos que puede considerarse que el concubinato es la unión permanente de un hombre y una mujer, que sin estar unidos por matrimonio, mantienen una comunidad de habtación y de vida, de modo similar a la que existe entre los cónyuges.” Tradução: “Concordando com o essencial desta definição, e levando em conta as características que a figura apresenta frente ao direito, e sem pretender dar uma definição precisa, entendemos que pode considerar-se que o concubinato é a união permanente de um homem e uma mulher, que sem estarem unidos pelo casamento, mantêm uma comunhão de habitação e de vida, de modo similar à que existe entre os cônjuges.”

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cuida das relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar. Além dos

artigos que compõem o título “da união estável”, outros também se referem à matéria,

os mais importantes são: o artigo 1.694 que fixa a possibilidade de companheiros

exigirem uns dos outros alimentos de que necessitem para viver de modo compatível

com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Outro dispositivo que se destaca e o artigo 1.790, sob o título da sucessão geral, capítulo

das disposições gerais, estabeleceu o Código a sucessão da companheira ou

companheiro. Estes dois direitos serão objeto de estudo adiante.

A fim de ressaltar que união estável e casamento são institutos diferentes,

observa Sérgio Gilberto Porto que o casamento é “a maneira formal de se constituir

família, através de ajustes prévios, proclamas e todos os demais ritos de passagem. Já

aquela (união estável) representa a maneira informal de constituir legitimamente esta

mesma família, uma vez que para a sua existência não se impõem todos os ritos de

passagem prévios e indeclináveis à caracterização do casamento, eis que esta é fato.”258

Desta forma, basicamente, o que diferencia união estável e casamento é

a informalidade daquele instituto que não tem dia e hora para começar ou terminar, ao

contrário do casamento, nesse sentido as palavras de Fernando Malheiros Filho: “a

união estável, ordinariamente, não se erige por um fato, um momento, um átimo, mas

pela sucessão ininterrupta e duradoura de fatos, cuja sedimentação permite divisar com

clareza a figura da família. E mais, a união estável, por significar a consolidação de um

relacionamento de trato sucessivo ao longo dos anos, não produz efeitos no dia seguinte

ao seu início, mas somente após a referida sedimentação de acontecimentos, por vários

anos, quando, uma vez consolidada, aí sim, faz retroagir seus efeitos, em peculiaríssima

situação jurídica.”259

258 Sérgio Gilberto Porto, União, cit., p. 271. 259 Fernando Malheiros Filho, União estável, Porto Alegre: Síntese, 2.ed., 1998, p. 23.

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4. NATUREZA JURÍDICA

De fundamental importância é estabelecer a natureza jurídica da união

estável no âmbito deste trabalho.

A aplicação da responsabilidade civil para reparar eventuais danos no

rompimento culposo da união estável está intimamente relacionada com a natureza

jurídica que se atribui à união estável.

Já se afirmou (no capítulo I, item 4) que justifica-se a responsabilidade

civil extracontratual na união estável pelo cometimento de ato ilícito.

Cabe agora esclarecer a natureza jurídica da união estável.

Há autores que defendem a natureza contratual, como Regina Beatriz

Tavares da Silva Papa dos Santos que leva em consideração o elemento vontade para

atribuir à união estável a natureza jurídica de contrato. Segundo a autora: “é a vontade

dos conviventes que impera em todas as fases da união estável, razão pela qual, assim

como o casamento, essa relação é um contrato, embora especial porque regulado pelo

Direito de Família.”260

Outros autores, porém, entendem tratar-se de fato jurídico em sentido

estrito. Nesse sentido, Sérgio Gilberto Porto: “a união estável, de sua parte, não é um

contrato, na medida em que para sua ocorrência não se exige a formalização de qualquer

ajuste prévio; ela, em verdade, apenas acontece na roda viva da existência. E por

acontecer é um fato, tal qual a posse, daí ter sua natureza jurídica definida como um

fato. E é um fato capaz de produzir conseqüências jurídicas, pois faz nascer entre seus

integrantes um vínculo definido pelo jurista como relação jurídica de Direito Material,

projetando para além do imediato conseqüências, e são estas e apenas estas que devem

ser regulamentadas.”261 Na mesma linha de pensamento, Edgar de Moura Bittencourt:

“(...) basta qualquer efeito para que se tenha por jurídico o fato que se analisa. É

indiscutível que o concubinato está nessas condições.”262 E Sílvio de Salvo Venosa:

“Destarte, acentuemos que a natureza jurídica de ambos os fenômenos é diversa:

enquanto o casamento é negócio jurídico, a união estável é fato jurídico.”263

Claudia Grieco Tabosa Pessoa antes de estabelecer a natureza jurídica da

união estável, esclarece a natureza do casamento a fim de dissociar a natureza jurídica

260 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos conviventes, cit., p. 26. 261 Sérgio Gilberto Porto, União estável: natureza jurídica e conseqüências, cit., págs., 270/271. 262 Edgar de Moura Bittencourt, O concubinato, cit., p. 107. 263 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., v. 6, p. 59.

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deste último com a da união estável. E conclui: “quanto ao concubinato puro, o

legislador expressamente dispôs acerca da proteção legal equiparada, quanto a

determinados efeitos jurídicos, à entidade familiar, criando na verdade uma nova

espécie de entidade familiar, a formada pela união estável; não regulamentou um ato

jurídico, mas dispôs acerca dos efeitos de um fato jurídico estrito. Essa a natureza

jurídica do instituto.”264

Francisco José Cahali, também se refere à união estável como fato

jurídico, citam-se algumas passagens: “(...) mesmo sendo juridicamente impossível a

instituição da união por cláusula contratual, os efeitos previstos para a projetada relação

ficam momentaneamente suspensos até que o fato jurídico se realize.” Adiante, ao

analisar a natureza e essência do contrato de convivência, afirma o autor que este

contrato é subordinado à união estável, é acessório desta, “pois o acessório tem forma

prescrita em lei (contrato escrito), mas o principal prescinde de qualquer formalismo ou

solenidade; ao contrário, afasta a formalidade ao representar um fato, não um ato

jurídico.”265(grifos nossos)

No capitulo I, item noções gerais, já se falou em fato jurídico para situar

o ato ilícito, agora, de sobejo, cabe a análise do fato jurídico. Pode-se dizer que fato

jurídico é “todo fato capaz de gerar direitos, transformá-los ou modificá-los e extingui-

los.”266 Para Savigny, “fatos jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais

relações de direito nascem e se extinguem.”267 Arruda Alvim defini fato jurídico como

“todo acontecimento da vida relevante para o Direito, mesmo que seja fato ilícito.”268

(grifos do autor).

Antonio Junqueira Azevedo leciona que “determinados fatos que, na

realidade, são atos voluntários poderão entrar no mundo jurídico como fatos em sentido

estrito, por a norma jurídica não levar em conta, na sua composição, nem o elemento

‘declaração de vontade,’ nem sequer a simples manifestação de vontade; por exemplo, a

morte, para efeitos sucessórios, é fato involuntário (fato jurídico em sentido estrito),

quer se esteja diante de morte natural, quer de morte provocada por terceiros, quer

264 Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos patrimoniais do concubinato, cit., p., 40. 265 Francisco José Cahali, Contrato de convivência na união estável, São Paulo: Saraiva, 2002, págs., 65 e 67. 266 De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, cit., v. II – D- I, p. 273. 267 Apud Antonio Junqueira Azevedo, Negócio jurídico: existência e eficácia, São Paulo: Saraiva, 4.ed., 2002, p. 23. 268 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil – parte geral, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 1, 9.ed., 2005, p. 393.

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finalmente, se trate de suicídio e, portanto, neste último caso, ela tenha sido, na

realidade, ato de vontade.”269 (grifo do autor)

Claudia Grieco Tabosa Pessoa esclarece a questão: “ (...) quer se trate de

união concubinária passageira, na qual não se vislumbra a intenção das partes quanto à

eventual vida em comum, quer se trate de verdadeira união estável, onde prevalece o

elemento volitivo quanto à comunhão de vida e interesses, o concubinato é fato jurídico

em sentido estrito, porquanto, para o ordenamento, a manifestação de vontade é

irrelevante e o critério adotado para a classificação entre fatos jurídicos e atos jurídicos

deve levar em conta o que ‘o ordenamento jurídico considera e dê valor ao que na

realidade se passa.’”270

Assim, conseqüência de se estipular natureza contratual à união estável

seria enquadrá-la na responsabilidade contratual onde a culpa é presumida. Por outro

lado, entendida como fato jurídico em sentido estrito, poder-se-ia enquadrá-la na

responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa.

Entende-se a união estável como fato jurídico em sentido estrito, pois sua

formação verifica-se com o tempo, presentes elementos particulares, tais como a

notoriedade, a unicidade do vínculo, a fidelidade, a intenção de viver como se casados

fossem, ou seja, a estabilidade da relação solidifica-se com o passar dos anos.

Verifica-se que a união estável é fato gerador de efeitos, razão pela qual

o direito deixou de ignorá-la há muito tempo.

Desta forma, verificados os pressupostos caracterizadores da

responsabilidade civil no rompimento culposo da união estável, funda-se a reparação de

danos na responsabilidade extracontratual.

Contudo, em havendo contrato escrito, a união estável não deixa de ser

fato jurídico em sentido estrito, pois o contrato não é formador desta união, ele vem

apenas regular direitos e deveres, de modo que tanto pode ser celebrado no início da

união ou a qualquer momento.271

269 Antonio Junqueira Azevedo, Negócio jurídico, cit., p. 17. 270 Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos patrimoniais do concubinato, cit., p., 40. 271 Consultar Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos patrimoniais do concubinato, cit., págs., 40/42.

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5. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

Do conceito de união estável são retirados os elementos essenciais para a

sua configuração, como a diversidade de sexo, ausência de matrimônio válido ou de

impedimento matrimonial, coabitação, notoriedade e fidelidade, como elementos

objetivos e, a convivência more uxorio e affectio maritalis, como elementos subjetivos.

Assim, na doutrina verificam-se outras características que também

qualificam a união, mas não são imprescindíveis para sua caracterização.272 Entre os

doutrinadores, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, sem desconsiderar a estreita

relação que existe entre as qualidades e os requisitos que configuram a união estável,

estabelece as seguintes características e requisitos: “as características do

companheirismo são as seguintes: a) finalidade de constituição de família; b)

estabilidade; c) unicidade de vínculo; d) notoriedade; e) continuidade; f) informalismo

ou ausência de formalidades. Ao lado destas, apresentam-se como requisitos da união

supramencionada: 1) requisitos objetivos: a) diversidades de sexos; b) ausência de

impedimentos matrimoniais; c) comunhão de vida; d) lapso temporal de convivência; 2)

requisitos subjetivos: a) convivência more uxório; b) affectio maritalis: ânimo de

constituir família.”273

Maria Helena Diniz apresenta como elementos essenciais para a

configuração da união estável: a diversidade de sexo; ausência de matrimônio válido e

de impedimento matrimonial; notoriedade; honorabilidade; fidelidade ou lealdade;

coabitação e a colaboração da mulher no sustento do lar. E como elementos

secundários: a dependência econômica da mulher; a compenetração das famílias;

criação e educação pela convivente dos filhos de seu companheiro; casamento no

estrangeiro de pessoa separada judicialmente; gravidez e filhos da convivente com o

homem com quem vive; situação da companheira como empregada doméstica do outro;

maior ou menor diferença de idade entre os conviventes e existência de contrato.”274

E Francisco José Cahali apresenta como requisitos objetivos: a

diversidade de sexos; inexistência de impedimento matrimonial; vida em comum sob o

272 Consultar Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 6. págs. 258/259; Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 29; José Carlos Barbosa Moreira , O novo Código, cit., págs. 56/57; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. V, págs. 45/46. 273 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 149. 274 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, págs., 322/329.

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mesmo teto; período transcorrido na convivência; notoriedade e fidelidade e como

requisitos subjetivos: convivência more uxorio e affectio maritalis.275

A partir das características e requisitos encontrados na doutrina, será

dada relevância aos requisitos que são necessariamente imprescindíveis para a

configuração da união estável, pois como observa Rodrigo da Cunha Pereira: “os

elementos caracterizadores da união estável são aqueles que vão delineando o conceito

de família. Não é a falta de um desses elementos aqui apresentados que descaracteriza

ou desvirtua a noção de união estável.”276

Antes, porém, cumpre esclarecer a importância dos requisitos a serem

analisados, pois a existência ou não da união estável, se verifica presentes os requisitos

indispensáveis, haja vista que o fator tempo, antes exigido pelo artigo 1º da lei nº

8.971/94, não mais se faz presente. Assim, não é qualquer forma de união livre que fará

jus à proteção constitucional, mais ainda pelas normas do direito de família.

Preferiu o legislador dispensar o fator temporal para configurar união

estável e valorar outros requisitos como a publicidade, continuidade, durabilidade e a

constituição da família. Neste contexto, Eduardo de Oliveira Leite, apresenta decisão do

Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “Uma união entre homem e mulher pode durar

dez ou mais anos e não ser, necessariamente estável (texto constitucional), como pode

durar menos de cinco e atender a esse requisito. Qualquer prazo mínimo não deve ser

imposto em termos absolutos (...) Fixar um prazo cronológico mínimo para aferir a

existência de uma união estável é correr o risco de detectá-lo onde não existe ou, o que é

pior, negá-la onde de fato se afigura.”277

Desta forma, em relação ao prazo de cinco anos antes exigido, objeto de

muitas críticas, tanto que foi retirado da lei subseqüente, lei nº 9.278/96 e o Código

Civil de 2002, também não estabeleceu prazo, pois era difícil precisarem os fatos, o

exato momento em que a relação deixou de ser furtiva, para constituir família e, a

injustiça de se negar efeitos a um relacionamento que findou poucos dias antes de

completar cinco anos.278

Desta feita, pondera Rodrigo da Cunha Pereira: “é em adição a outros

elementos, como affectio societatis, estabilidade, projetos de vida em comum, relação

275 Francisco José Cahali, União estável, cit., págs., 58/74. 276 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 34. 277 Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado, cit., p. 425. TJSC, AI 9.812.159-0, 2ª CC, rel. Des. Vanderlei Romer, DJSC 28.12.1999, p. 09. 278 Fernando Malheiros, União estável, cit., p. 30.

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de dependência econômica, e a elementos que cada caso apresenta, que se caracterizará

a união estável, a entidade familiar.”279

No entanto, há o Projeto de lei nº 2.686 de 1996, denominado “estatuto

da união estável”, que prevê no artigo 1º prazo de cinco anos para o reconhecimento da

união estável e, em havendo filhos comuns, este prazo cairá para dois anos.280

Sérgio Gischkow Pereira posiciona-se a favor do prazo de cinco anos,

podendo este ser reduzido em hipótese de existência de prole ou ocorrência de vida sob

o mesmo teto, desde que presentes elementos comprobatórios que demonstrem o ânimo

de união estável. Justifica o autor: “os seres humanos se aproximarão uns dos outros em

busca de vantagens financeiras e econômicas, vendo no seu semelhante apenas um

cifrão. Mais se reforçará a nociva e violenta monetarização das relações sociais, hoje

assistida dramaticamente.”281

Enquanto não se aprova o Projeto nº 2.686/96, anota Yussef Said Cahali:

“já não mais se cogita de um prazo mínimo de duração da vida comum dos

companheiros ou da eventual existência de prole, como substitutiva de eventual dilação

temporal, reclamando a lei apenas que essa convivência seja ‘duradoura’, requisito que,

como Standard jurídico, por certo será apreciado segundo o prudente arbítrio do

julgador, atento à ostensividade e continuidade da relação, e ao objetivo primário da

mesma de ‘constituição da família’”.282

Como um dos requisitos indispensáveis, tem-se a diversidade de sexos. É

expressa a norma constitucional ao estabelecer a diversidade de sexos, reconhecendo a

união estável entre homem e mulher. Desta forma, o constituinte exclui a união entre

279 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 33. Também aplaude o fim do prazo de 05 anos, Euclides Benedito de Oliveira, A Constituição Federal de as inovações no Direito de Família, cit., p.35; Antônio Carlos Mathias Coltro, A Constituição Federal e a união estável entre homem e mulher, Direito de Família –Aspectos constitucionais, civis e processuais, coord. Teresa Arruda Alvim Pinto, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, págs. 50/51. 280 Projeto de lei nº 2.686/1996, art. 1º: “é reconhecida como união estável a convivência, por período superior a cinco anos, sob o mesmo teto, como se casados fossem, entre um homem e uma mulher, não impedidos de realizar matrimônio ou separados de direito ou de fato dos respectivos cônjuges. Parágrafo único: o prazo previsto no caput deste artigo poderá ser reduzido a dois anos quando houver filho comum.” Referido projeto pretende revogar as leis 8.971/94 e 9.278/96, conforme Yussef Said Cahali: “o Projeto, em seu contexto integral, aproveita algumas disposições extraídas dos dois diplomas legais que se pretende revogar, ao mesmo tempo que acrescenta muitas outras disposições novas, com que se objetiva regulamentar mais ampla e completamente a figura constitucional da entidade familiar ou união estável. Em realidade, o Projeto consubstancia uma nova lei, a terceira, para vigorar com exclusividade, revogadas que serão as anteriores.” 281 Sérgio Gischkow Pereira, Concubinato – união estável, cit., p. 38. 282 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 239.

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pessoas do mesmo sexo, pois se trata de situação que não se amolda aos ditames

constitucionais e, portanto, não merecedora da proteção no âmbito do direito de família.

Além da Carta Magna, o Código Civil de 2002, no artigo 1.723, também

é expresso a respeito da diversidade de sexos na união estável ao dispor: “É reconhecida

como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na

convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição

de família”.

Contudo, as relações homossexuais são realidade que reclamam por

direitos e proteção. Num primeiro momento, muitos tendem a tratá-las na esteira do

direito das obrigações, assim como o era a união estável.

A união mantida entre pessoas do mesmo sexo, no nosso ordenamento

jurídico, jamais poderia se configurar em companheirismo, ainda que duradoura,

contínua, única e informal, pois falta o requisito essencial da diversidade de sexos283.

Isso não significa, entretanto, que a parceria homossexual esteja

completamente à margem do ordenamento pátrio, o que poderia configurar uma

situação injusta, uma vez que durante a convivência desses casais homossexuais há

muitas vezes auxílio mútuo, prestação de serviços domésticos e aquisição de bens.

Desta forma, o ordenamento jurídico brasileiro, em decorrência da

proibição do enriquecimento sem causa, reconhece a parceria homossexual como

sociedade de fato, com natureza jurídica de sociedade de fato, podendo gerar efeitos no

campo dos direitos das obrigações e dos direitos das sucessões, em situação similar à

que se encontravam os companheiros antes da Constituição de 1988284.

Nesse sentido tem decidido os Tribunais:

“Sociedade de fato – Relação homossexual –

Meação – Pretensão à extensão a todos os bens do

falecido convivente – Simples sociedade de afeto

mantida entre parceiros do mesmo sexo que não

283 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., págs. 544/545. 284 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 555. Em relação à partilha de bens, vale por analogia aos parceiros homossexuais a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Nesses casos, cada parte deve comprovar com que porcentagem contribuiu para a aquisição dos bens. E em relação aos direitos sucessórios, o parceiro homossexual não é herdeiro legítimo, pois não possui condição de cônjuge nem de convivente. Mas nada impede que seja herdeiro testamentário ou legatário.

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induz efeitos patrimoniais, à falta de normatização

específica – Inexistência de respaldo a legitimar a

aplicação analógica da Constituição da República

de 1988 ou legislação ordinária que regulamente a

união estável, de modo a conferir direito de

herança ao apelante – Ruptura do liame informa

que gera conseqüências meramente no âmbito do

Direito das Obrigações – Presença dos

pressupostos do artigo 1.363 do Código Civil –

Necessidade da aferição da contribuição de cada

um dos sócios para se proceder à partilha na

proporção de seus esforços – Recurso

parcialmente provido.” (TJSP – 10ª Câm. - Ap.

179.953-4 – Rel.Paulo Dimas Mascaretti – j.

26.02.02).285

No entanto, pode-se encontrar doutrinadores que defendam a equiparação

entre as parcerias homossexuais e a união estável, ou seja, são defensores das uniões

homossexuais como formadoras de entidade familiar. Dentre eles, Maria Berenice Dias,

que por interpretação analógica, afirma que “como o Direito de Família se justifica pela

afetividade, fazer analogia com esse ramo do direito significa reconhecer a semelhança

entre as relações familiares e as homossexuais.”286

Na jurisprudência também se encontram decisões reconhecendo as

relações homossexuais como entidade familiar. Cita-se:

285 No mesmo sentido: STJ – 4ª Turma – Resp 148897 – Rel. Ruy Rosado Aguiar, j. 10.02.1998. 286 Maria Berenice Dias, Homoafetividade – o que diz a justiça!. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 43. No mesmo sentido: Glauber Moreno Talavera, União civil entre pessoas do mesmo sexo, Rio de Janeiro: Forense, 2004 p. 34: “a união homossexual é tema dos mais aflitivos e tormentosos da atualidade devido à sua condição sui generis de entidade familiar, em que pese, num primeiro momento, muitos ainda tentem tratar deste instituto, tal qual outrora ocorria com o concubinato, na esteira do Direito das obrigações, sem atentar para os seus naturais desdobramentos e patente perfil paradigmático de entidade familiar não fundada no matrimônio.”; Karina Schuch Brunet, A união entre homossexuais como entidade familiar: uma questão de cidadania, Revista jurídica, n. 281, v. 78, março de 2001, p. 82: “a realidade das uniões homossexuais é esta: existem enquanto entidade familiar, mas são excluídas de uma participação ativa no processo político- social em que se inserem.”

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“Apelação. União homossexual. Reconhecimento

de União estável. Partilha.

Embora reconhecida na parte dispositiva da

sentença a existência de sociedade de fato, os

elementos probatórios dos autos indicam a

existência de união estável. Partilha. A união

homossexual merece proteção jurídica, porquanto

traz em sua essência o afeto entre dois seres

humanos com o intuito relacional. Caracterizada a

união estável, impõe-se a partilha igualitária dos

bens adquiridos na constância da união,

prescindindo da demonstração de colaboração

efetiva de um dos conviventes, somente exigidos

nas hipóteses de sociedade de fato.” (TJRS – 8ª

Câm. – Ap. 70005542377 – Rel. Rui Portanova –

j. 10.06.2003).287

Contrariamente, Guilherme Calmon Nogueira da Gama anota que: “O

afeto, existente na maior parte das uniões homossexuais, é idêntico ao elemento

psíquico e volitivo das uniões conjugais e companheiris, não há dúvida. Mas

juridicamente, não há uma família constituída entre as pessoas do mesmo sexo que

vivam em situação similar àquela das uniões heterossexuais, tal como a união sexual

entre concubinos, bem como entre parentes.”288 Tem a mesma posição José Carlos

287 No mesmo sentido: TJRS – 7ª Câm. - Ap. 70001388982 – Rel. José Carlos Teixeira Giorgis – j. 14.03.2001; 8ª Câm. - Ap. 598362655 – Rel. José Ataídes Siqueira Trindade – j. 01.03.2000. 288 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 546. No mesmo sentido: Débora Vanessa Caús Brandão, Parcerias homossexuais – aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.83: “Inexiste dúvida que o Estado e a sociedade não podem adotar qualquer postura discriminatória ou restritiva à liberdade que os homossexuais têm de se unirem, formando uma entidade quase-familiar, mas há elemento de discriminação razoável para não conceber tal união no contexto do Direito de Família.”; Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p. 324, em nota de rodapé: “no Brasil a união homossexual é um fato, que o direito não desconhecesse, pois já a tutela como sociedade de fato no plano obrigacional, e nada obsta a que parceiros adquiram imóveis em condomínio, contemplem o outro com legado ou herança, respeitando a legítima de herdeiro necessário. Seriam necessárias normas regulamentadoras de alguns benefícios como alimentos, decisões voltadas às questões de saúde ou de doações de órgãos, mas não a erigiria em entidade familiar.”; Sílvio de Salvo Venosa, Direito, cit., v. 6, p. 55: “afasta-se de plano qualquer idéia que permita considerar a união de pessoas do mesmo sexo como união estável nos termos da lei. O relacionamento homossexual, modernamente denominado homoafetivo, por mais estável e duradouro que seja, não receberá a proteção constitucional e, conseqüentemente, não se amolda aos direitos de índole familiar criados pelo legislador ordinário.”

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Barbosa Moreira: “Note-se que a Constituição exclui categoricamente a possibilidade de

constituir-se ‘união estável’, digna da proteção do Estado, entre pessoas do mesmo

sexo: alude, em termos expressos, ao homem e à mulher. Não há como invocar o

dispositivo em favor de ligações homossexuais, a que a jurisprudência chegou a aplicar

a tese da ‘sociedade de fato’, para reconhecer a um dos parceiros o direito a fração do

patrimônio comprovadamente constituído em virtude do esforço de ambos, a exemplo

do que se deu no caso notório do artista plástico Jorge Guinle Filho, e poderá voltar a

dar-se noutros análogos, mas com fundamento jurídico diferente daquele que ministra a

Carta da República.”289

Verifica-se que, atualmente, o direito brasileiro não admite o casamento

entre homossexuais, muito menos a união estável, para que a união homossexual seja

considerada união estável e, conseqüentemente, gere entidade familiar, a Constituição

Federal deveria ser emendada, aliás, esta é a posição do jurista Miguel Reale, sob o

título “críticas apressadas e oportunas” respondeu as críticas acerca da omissão da união

civil entre pessoas do mesmo sexo não ter sido regulada no novo Código Civil: “Essa

matéria não é de Direito Civil, mas sim de Direito Constitucional, porque a Constituição

criou a união estável entre um homem e uma mulher. De maneira que, para cunhar-se

aquilo que estão querendo,a união estável dos homossexuais, em primeiro lugar seria

preciso mudar a Constituição...Não era essa a nossa tarefa e muito menos a do

Senado.”290

Outro requisito essencial para a configuração da união estável é a

ausência de impedimento matrimonial. A Constituição Federal é clara ao pedir que lei

facilite a conversão da união estável em casamento. Visto que não houve a equiparação

da união estável com o casamento e, por isso, a Carta Magna pede a facilitação da

conversão, não pode haver impedimento matrimonial que inviabilize esta conversão,

muito menos o fato de um dos companheiros ser casado, nesta última hipótese,

estaríamos diante de um concubinato impuro, aliás, proibido em face do que dispõe o já

mencionado artigo 1.727 do Código Civil.

289 José Carlos Barbosa Moreira, O novo Código Civil e a união estável, cit., p. 54. 290 Apud Débora Vanessa Caús Brandão, Parcerias, cit., p. 87.

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Conforme o artigo 1.723, §1º: “A união estável não se constituirá se

ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no

caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.”291

Verifica-se a possibilidade do separado de fato ou judicialmente

constituírem união estável. Mas observa-se que o legislador não estipulou prazo,

embora no artigo 1.801, III, tenha exigido o prazo de cinco anos de separação de fato,

desde que o testador não tenha sido culpado pela separação, poderá nomear seu

concubino, herdeiro ou legatário.

Entre os autores que defendem esta possibilidade:

Francisco José Cahali: “não se pode negar o acerto da orientação

doutrinária e jurisprudencial admitindo a caracterização de união estável mesmo se um

ou ambos forem casado, desde que separados de fato. Efetivamente, a separação de fato

põe termo ao regime de bens e aos deveres do casamento, dentre eles coabitação e

fidelidade. Em assim sendo, tornam-se os cônjuges separados de fato desimpedidos para

constituírem nova família através da união estável.”292

Guilherme Calmon Nogueira da Gama aduz que: “eventualmente, os

partícipes da união sejam casados com outras pessoas, mas que já estejam separados de

fato pelo tempo mínimo para se desvincularem, formalmente, de seus ex-consorte e

possam requerer a conversão da “união estável” em casamento.”293

Caio Mário da Silva Pereira corrobora: “não há porque não reconhecer a

União estável entre pessoas definitivamente separadas, mesmo de fato, ou aquelas que,

separadas judicialmente, não promoveram o rompimento do vínculo matrimonial pelo

Divórcio.”294

Ainda, Teresa Arruda Alvim Wambier: “ainda que os companheiros

mantenham vínculo formal de casamento, tal não tem o condão de descaracterizar a

convivência more uxório. Nestes casos o casamento já não mais existe, senão como um

291 Dispõe o artigo 1.521 do Código Civil: “Não podem casar: I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II – os afins em linha reta; III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V – o adotado com o filho do adotante; VI – as pessoas casadas; VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.” 292 Francisco José Cahali, União estável, cit., págs., 80/81. 293 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p.177. 294 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., p. 46. No mesmo sentido: Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., págs. 65/67; Teresa Arruda Alvim Pinto, Entidade, cit., v. 01, p. 83; Carlos Alberto Menezes Direito, Da união estável como entidade familiar, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 667, p. 23, maio de 1991; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 02, p.34; Em sentido contrário: Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 331.

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mero vínculo formal, uma reminiscência cartorial, que não impede que se reconheça

como união estável aquela nova relação afetiva.”295

O terceiro requisito que se apresenta é a coabitação, ou seja, a vida em

comum sob o mesmo teto. Nem sempre é possível que os companheiros convivam no

dia-a-dia sob o mesmo teto. Circunstâncias podem obrigá-los a viver em cidades

distintas, às vezes, a vida profissional gera esta circunstância, o mesmo também pode

ocorrer por questões financeiras.

Nesse sentido ensina Edgard de Moura Bittencourt que “tal convivência

não impõe necessariamente a coabitação, mas envolve a comunhão de vida, dentro da

reciprocidade de feição e de tratamento, tal como normalmente ocorre entre esposos.”296

Nota-se que a não convivência sob o mesmo teto, não descaracteriza a

união estável, nem afronta a citada Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal: “a vida

em comum sobre o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do

concubinato.”

Assim, as palavras de Francisco José Cahali: a coabitação “não é

requisito indispensável, sendo permitida a constatação do instituto mesmo sem a sua

verificação, desde que, e mais importante, existente o animus, a convivência more

uxorio, e não apenas um relacionamento informal entre duas pessoas. Ainda, deve-se

ressaltar que a Súmula reflete uma situação de exceção, permitida em toda e qualquer

regra jurídica, diante de cada caso, o mesmo podendo ocorrer com relação ao casamento

sem vida em comum sob o mesmo teto.”297

Washington de Barros Monteiro doutrina que “a coabitação, em regra, é

necessária para caracterizar a união estável, mesmo sem expressa previsão legal.

Normalmente, é certo, apresentam-se os companheiros more uxorio, aparecendo em

público como se casados fossem. A constituição de família, normalmente, dá-se com a

convivência num único domicílio. Pode acontecer, entretanto, que não convivam sob o

mesmo teto, desde que tenham justa causa para tanto, como necessidades profissionais,

pessoais ou familiares que impeçam a unicidade domiciliar.”298

295 Teresa Arruda Alvim Wambier, União estável, seguida de casamento com separação de bens e patrimônio adquirido durante a convivência, O Direito de família após a Constituição Federal de 1988, org. Antônio Carlos Mathias Coltro, São Paulo: C. Bastos: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000, p.112. 296 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato, cit., p.185. 297 Francisco José Cahali, União estável, cit., p. 62. 298 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 2, p.31. Ainda: Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, págs. 327/328.

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O mesmo entender tem Rodrigo da Cunha Pereira: “No Direito brasileiro,

já não se toma o elemento da coabitação como requisito essencial para caracterizar ou

descaracteriza o instituto da união estável, mesmo porque, hoje em dia, já é comum

haver casamentos em que os cônjuges vivem em casas separadas, talvez como uma

fórmula para a durabilidade das relações. A proteção jurídica é da união em que ‘os

companheiros vivem em comum por tempo prolongado, sob o mesmo teto ou não, mas

com aparência de casamento’”.299

A notoriedade apresenta-se no tratamento como marido e mulher aos

olhos daqueles que convivem mais intimamente com o casal, como a própria família,

amigos e vizinhos. Assim como a coabitação, a notoriedade não é requisito

indispensável. Deve ser entendida no sentido contrário de clandestinidade. Explica

Rodrigo da Cunha Pereira que “a notoriedade era um elemento importante quando não

se fazia ainda a distinção entre concubinato e união estável. Com a evolução doutrinária

e jurisprudencial, esse elemento perde um pouco o sentido caracterizador para a união

estável, uma vez que o seu requisito básico é a monogamia e, sendo assim, não há por

que ser uma relação clandestina.”300

Para Francisco José Cahali, “embora desqualificada como requisito à

caracterização da união estável, não se pode negar que a notoriedade assume

relevantíssimo papel no campo da prova do relacionamento, ou seja, constitui um fato

cuja demonstração por si só indica a efetiva existência da relação concubinária apta a

produzir seus efeitos enquanto entidade familiar.”301

A notoriedade poderá significar publicidade, de acordo com Guilherme

Calmon Nogueira da Gama quando “na eventualidade de ambos os companheiros

declararem a união em Juízo ou perante tabelião, ou ainda, um deles reconhecer o

companheirismo em testamento cerrado, mais uma vez afigura-se reforçada a

característica da notoriedade, agora sim sob a denominação de publicidade, pois gerará

efeitos erga omnes. Desse modo, a notoriedade não perde sua razão de ser como

característica, não servindo apenas no campo da prova.”302

A lealdade ou a fidelidade, embora dever de ambos os companheiros,

também se apresenta como importante requisito para a configuração da união estável.

299 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 30. 300 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 31. Consular ainda Maria Helena Diniz, Curso, v. 5, cit., págs. 325/326. 301 Francisco José Cahali, União estável, cit., p. 69. 302 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 166.

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Anota Edgard de Moura Bittencourt que “na conceituação do

concubinato capaz de gerar direitos, o dever de fidelidade alia-se aos demais elementos

de respeitabilidade, como o elemento moral e a honorabilidade.”303

Francisco José Cahali anota que: “a fidelidade tem sido indicada como

elemento essencial à caracterização da união estável, em homenagem aos princípios

morais observados pela sociedade, acrescentando-se que a ela subordina-se o

casamento; se o concubinato se espelha no matrimônio, inafastável a verificação da

fidelidade.”304

A respeito do termo utilizado pelo Código, lealdade, para com os

conviventes e, fidelidade, para os cônjuges, José Carlos Barbosa Moreira comenta que:

“Não deixa de ser curioso que o novo Código Civil haja empregado neste contexto

palavra diferente da usada com relação ao casamento no art. 1.566: enquanto lá se fala

de ‘fidelidade recíproca’, expressão, aliás, tradicional em nosso direito, aqui se preferiu

falar de ‘lealdade’. Algum intérprete propenso a distinções rigorosas poderá ver-se

induzido a conferir relevância à diversidade terminológica: sustentará, por exemplo,

que, se um dos companheiros trava relações íntimas com terceiro ou terceira, mas delas

dá conhecimento ao outro convivente, terá sido infiel, porém não desleal...”305

Afora a terminologia utilizada, a fidelidade deve permear a relação entre

os companheiros, pois traduz o sentimento de confiança e solidifica a relação. O

relacionamento entre os conviventes deve ser único para que receba proteção do Estado

e do direito de família, caso contrário, se um dos companheiros for infiel ou desleal, se

sustentar outro relacionamento, não se verifica união estável.

Ressalta-se que é um dever recíproco, tanto o homem como a mulher

deve zelar pela união. Antigamente se exigia o dever de fidelidade apenas da mulher,

como se observa na definição trazida por Álvaro Villaça Azevedo ao colacionar o

conceito de Pinto Ferreira: “união estável e prolongada de homem com mulher, vivendo

ou não sob o mesmo teto, sem vínculo pelos laços do casamento, revestindo-se, porém,

303 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato, cit., p. 148. 304 Francisco José Cahali, União estável, cit., p. 62. Consultar: Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., págs. 65/66; Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 6, p. 259; Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, págs. 327. 305José Carlos Barbosa Moreira, O novo Código Civil e a união estável, Revista de Direito Privado – 13, p. 58.

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tal união, necessariamente, de algum requisito, como a notoriedade, fidelidade da

mulher e continuidade de relacionamento sexual.”306 (grifos nossos)

Nesse contexto, observa Francisco José Cahali que se um dos

conviventes não sabia que era traído, enganado, ou seja, estava de boa-fé no

relacionamento, a união estável “pode ser considerada uma união estável putativa, para

a qual um dos partícipes acreditava estar envolvido em uma relação como se casado

fosse, mas, em verdade, não preenchia os requisitos indispensáveis para elevá-la à

qualidade de entidade familiar. Também, se ambos os partícipes estiverem de boa-fé

(hipótese exclusiva do concubinato incestuoso), a eles admite-se a produção de efeitos

próprios da união estável, embora a relação assim não se caracterize.”307

Além dos requisitos objetivos, há dois elementos de ordem subjetiva que

são imprescindíveis para a configuração da união estável: a convivência more uxorio e a

affectio maritalis.

Embora algumas palavras já ditas a respeito da convivência more uxorio,

deve-se enfocá-la agora, como elemento subjetivo.

Desta forma, convivência more uxorio quer dizer conviver como marido

e mulher. Os companheiros devem realmente levar uma vida de pessoas casadas. Isso

importa no cumprimento dos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como a

educação, sustento e guarda dos filhos. E mais, a relação deve ser rodeada de afeto,

compreensão e solidariedade.

Ao lado da convivência more uxorio, também se verifica a affectio

maritalis, que se traduz no ânimo dos companheiros de desejarem a vida de casados,

revelando verdadeira intenção desse querer.

Com as palavras de Francisco José Cahali: “veja-se, pois, ser requisito

efetivo do concubinato a comunhão de vida, de corpo e alma, de carne e espírito, a mais

pura e desinteressada intenção de unir os respectivos destinos com respeito e

compreensão, e, juntos, projetar novos caminhos à vida.”308

306 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 65. Assevera o autor que: “ao invés de falarmos em “fidelidade da mulher”, devemos mencionar o dever de lealdade recíproca, pois a lealdade é figura de caráter moral e jurídico independentemente de cogitar-se da fidelidade (...)” 307 Francisco José Cahali, União estável, cit., p. 72. 308 Francisco José Cahali, União estável, cit., p. 76. Ainda: Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., págs. 204/208.

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6. DEVERES DE AMBOS OS COMPANHEIROS

A Lei nº 9.278/1996 no artigo 2º enumerava direitos e deveres para os

companheiros, como: respeito e consideração mútuos; assistência moral e material

recíproca e guarda, sustento e educação dos filhos comuns. Ao contrário da Lei nº

8.971/94 que dispunha apenas sobre alimentos e direito sucessório, não elencava

direitos e deveres aos companheiros.

Ainda na Lei 9.278/96, o artigo 5º previa que o patrimônio adquirido

onerosamente, pelo esforço comum na constância da união estável, pertenceria a ambos

os companheiros em partes iguais, salvo estipulação contrária prevista em contrato

escrito. O parágrafo segundo deste artigo ainda mencionava outro direito dos

companheiros, a administração conjunta do patrimônio comum dos conviventes, salvo

estipulação contrária prevista em contrato escrito.

O projeto de lei nº 2.686 de 1996, também prevê direitos de deveres aos

companheiros, no artigo 2º que dispõe: “decorrem da união estável os seguintes direitos

e deveres para ambos os companheiros, um em relação ao outro: I – lealdade; II –

respeito e consideração; III – assistência moral e material.”

O Código Civil, ao inserir a união estável no Livro IV, “Do Direito de

Família”, também trouxe direitos e deveres para os companheiros, expressos no artigo

1.724 que dispõe: “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres

de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”

Comparando com os deveres estabelecidos aos cônjuges que estão dispostos no artigo

1.566, a saber: fidelidade recíproca, vida em comum, no domicílio conjugal, mútua

assistência, sustento, guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútuos,

nota-se que procurou o legislador equiparar os deveres dos cônjuges aos companheiros,

com alterações terminológicas que na prática, não trazem conseqüências distintas.309

Com relação à administração do patrimônio comum, não há no Código,

no que se refere à união estável, dispositivo específico, mas dispõe o artigo 1.725: “na

união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações

patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” Os efeitos que

possam surgir da administração comum do patrimônio, serão analisados posteriormente,

nos efeitos perante terceiros.

309 Consultar Lourival Silva Cavalcanti, união estável, cit., p. 146.

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No tocante ao dever de lealdade, algumas considerações já foram

traçadas quando da análise dos requisitos para configuração da união estável. Verificou-

se que independente da terminologia utilizada, fidelidade ou lealdade, na prática não

representam conseqüências distintas, pois este dever deve fundar-se num dever maior

que é o respeito entre os conviventes.

Cabe ainda discorrer sobre uma questão que se encontra na doutrina, há

ou não adultério entre os companheiros? Adultério é tipificado como crime (artigo 240

do Código Penal) e recriminado civilmente. De acordo com Guilherme Calmon

Nogueira da Gama, “se refere à prática de relação sexual entre um dos cônjuges com

terceira pessoa, de sexo diverso, mas visa resguardar fundamentalmente a paz

matrimonial, portanto, o vínculo contraído pelo casamento. Contudo, deve ser alargada

tal noção para também abarcar a prática de relações sexuais entre um dos companheiros

com terceira pessoa do sexo oposto, sem que tal conduta, no entanto, seja considerada

passível de ser considerada criminosa (art. 1º, do Código Penal).”310

Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos doutrina que a violação

do dever de fidelidade “pode ser de ordem material, caracterizado pelo adultério,

quando um dos consortes tem relação sexual fora do casamento, e imaterial configurado

pelo quase-adultério, se o cônjuge pratica atos com outra pessoa, que não chegam à

cópula carnal, mas denunciam esse propósito.” Esclarece ainda que o “quase-adultério,

consubstancia-se nas intimidades excessivas do consorte com outra pessoa, que

extrapolam os limites da pura amizade.”311

No mesmo sentido, Orlando Gomes, que difere a infidelidade em

material e moral. Aquela é o adultério propriamente dito e a infidelidade moral é aquela

que não se consuma com o adultério, mas caracteriza-se pelos fatos que denunciam esse

propósito.312

310 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 235. Dispõe o artigo 1º do Código Penal: “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” 311 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Causas culposas da separação judicial, Direito de família – aspectos constitucionais, civis e processuais, coord. Teresa Arruda Alvim, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 2, 1995, págs. 233/234. Ainda: Yussef Said Cahali, Divórcio, cit., págs. 338/339. 312 Orlando Gomes, Direito de família¸ cit., p.126. Acrescenta o autor: “a aceitação do conceito de infidelidade moral se torna necessária justamente por ser estrita a noção de adultério, reduzido, como é prática de copula carnalis com terceiro. Assim, não o é a simples comissão de atos libidinosos. Por ser difícil a prova do adultério stricto sensu, o entendimento de que outros atos, além da cópula, importam infração do dever de fidelidade, permitiria se impusesse a mesma sanção, conservando-se o espírito da proibição.”

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Para Inacio de Carvalho Neto, os atos que diferem da conjunção carnal,

são considerados injúrias graves “em face do estrito conceito de adultério (prática de

conjunção carnal), atos diversos da conjunção carnal, que nele não se enquadram,

também caracterizam infração ao dever de fidelidade. Estes atos entram na figura

genérica da injúria grave.”313

Já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que é possível

adultério na união estável, mas em razão da não demonstração de nexo causal entre o

adultério e os danos sofridos, não concedeu indenização por dano moral. Veja:

“Dano moral. União estável. Adultério.

Desfeita a união em razão de fato de adultério, a

conseqüência jurídico-legal não passa da dissolução

da sociedade conjugal de fato, não gerando dano

moral indenizável.

Ausência de demonstração mínima de nexo causal

entre o fato do adultério e os demais fatos lesivos

sofridos pela autora, descabe indenizar.

Recurso desprovido. Unânime.”

(TJRS – 1ª T. – Recurso inominado 71000576363 –

Rel. João Pedro Cavalli Júnior – j. 21.10.2004.)

O dever de lealdade guarda estreita relação com o dever de respeito entre

os companheiros.

Respeito é a consideração, estima, é o querer bem, que se revela de uma

pessoa à outra. Respeitar alguém significa preservar os direitos e valores mais íntimos

da pessoa. Importa, em verdade, a observação dos direitos da personalidade, ou seja,

respeitar a vida, a integridade física e moral, a honra e o decoro, bem como a liberdade

de outrem com quem se relaciona.

Para a construção de um relacionamento sólido, imprescindível que seja

baseado na confiança e no respeito, que haja renúncias e concessões de ambas as partes.

Conforme Carlos Alberto Bittar: “constitui, pois, violação a esse direito a

atribuição genérica de qualificativos deprimentes ou constrangedores, reprovados pelo

313 Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., p. 100.

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ordenamento jurídico, em prol da tranqüilidade social. Por outras palavras, profliga-se a

manifestação de opinião pessoal desairosa a outrem, por palavra, som ou gesto

ultrajante, bastando que o lesado, se não diretamente atingido, possa perceber a ação

ilícita (basta, pois, a percepção para a caracterização do desrespeito).314

Viola-se o direito ao respeito com a agressão física, maus tratos,

crueldade, injúrias graves que ofendam a honra ou a imagem do outro convivente,

independentemente se oriundas de palavras, gestos ou da deslealdade.

O dever de assistência pode ser visto sob o aspecto material e moral.315

Materialmente, implica no auxílio econômico, em elementos necessários316 para a

sobrevivência e mantença do lar, como vestuário, alimentação, transporte e lazer.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama entende que “a assistência material é recíproca,

com a contribuição de ambos nas despesas do lar, proporcionalmente aos seus ganhos,

abrangendo não somente as despesas de alimentação, mas também aquelas referentes à

habitação, vestuário, remédios, lazer.”317

Moralmente, o dever de assistência se verifica nos cuidados pessoais

diários, no amparo em caso de doenças, no zelo pela saúde do respectivo companheiro,

propiciando conforto e colaboração nas diversas passagens da vida. Regina Beatriz

Tavares da Silva Papa dos Santos, conceitua o dever de assistência imaterial como o

“dever de proteger e respeitar os direitos da personalidade à vida, à integridade física e

psíquica, à honra, à liberdade, ao segredo, à imagem e ao nome do cônjuge.”318

Exemplifica a autora que haverá infração ao dever de mútua assistência

imaterial, caso um dos cônjuges, portador do vírus da Aids, contamine seu respectivo

314 Carlos Alberto Bittar, Direitos, cit., págs. 139/140. 315 Segundo Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 5, págs. 173/174, o dever de mútua assistência “não se concretiza no fornecimento apenas dos elementos materiais de alimentação e vestuário, que são óbvios. Inscrevem-se aí ainda assistência moral, o amparo nas doenças, a solidariedade nas adversidades, como ainda o desfrute dos prazeres da vida na conformidade das posses e da educação de um e de outro.” Consultar ainda, Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 2, págs. 45/47. 316 Cabe aqui a distinção apresentada por Yussef Said Cahali, Dos alimentos, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4.ed., 2002, p. 18: “quando se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz-se que são alimentos naturais; todavia, se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se que são alimentos civis”. 317 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p.246. 318 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Causas culposas da separação judicial, cit., p.239.

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consorte, “pode implicar a suspeita de violação do dever de fidelidade, porém acarretará

a certeza de que o dever de mútua assistência imaterial foi gravemente infringido.”319

Em suma, a assistência recíproca reflete-se na ajuda e nos cuidados que

um companheiro dispensa ao outro mutuamente. Compartilhando dores e alegrias,

confortando-se nas adversidades e amparando-se na enfermidade.320

Finalmente, os deveres de guarda, sustento e educação dos filhos.

Colaciona-se aqui o artigo 229 da Constituição Federal de 1988 que dispõe: “os pais

têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever

de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” E o já mencionado,

parágrafo 5º do artigo 226, pede que os direitos e deveres referentes à sociedade

conjugal sejam exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, o mesmo se aplica à

união estável.

Com precisão, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, descreve os

deveres de guarda, sustento e educação dos filhos: “o dever de sustento envolve a

obrigação de prover a subsistência material dos filhos, fornecendo alimentação,

vestuário, habitação, medicamentos, enfim, o necessário à sobrevivência e manutenção

do menor. A guarda se refere ao dever dos pais de ter os filhos em sua companhia,

exercendo vigilância sobre os mesmos. E, a educação se vincula ao dever dos pais de

proporcionar a instrução dos filhos, pelo menos a básica, buscando também inseri-los

nos níveis subseqüentes.”321

Os deveres dos pais em relação aos filhos decorrem do exercício do

poder familiar. Os pais devem fornecer os meios possíveis para que seus filhos cresçam

em ambiente saudável, proporcionando-lhes o necessário para sobreviverem

dignamente, investindo em educação e cultura. Note-se que o dever dos pais em relação

aos filhos deve ser exercido igualmente, em consonância com o artigo 5º, inciso I da

Constituição Federal de 1988.

Ressalta-se a importância dos deveres de ambos os companheiros, pois,

sua violação, gerando danos, faz surgir o direito à reparação, o que implica na aplicação

319 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 128. 320 Orlando Gomes, Direito de família, cit., p. 128. Esclarece o autor que o dever de assistência não se confunde com o dever de socorro, assim: “o dever de socorro consiste em ajuda econômica, ao contrário do dever de assistência, que se traduz em obrigações de fazer. O dever de socorro, compreendendo obrigações de dar, pertence ao domínio das relações patrimoniais entre os cônjuges, abrangendo sustento e outras prestações econômicas.” 321 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p.247.

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das regras de responsabilidade civil, estando presentes seus pressupostos. Desta forma,

o descumprimento de qualquer dever imposto aos companheiros, que torne insuportável

a vida em comum, pode ser causa do rompimento da união estável.

Neste contexto a doutrina de Clayton Reis: “ora, se há direitos e deveres

comuns aos conviventes, nos mesmos padrões daqueles conferidos pelo casamento

legítimo – guardadas as devidas proporções entre os institutos – não resta dúvida que

também os fatos e atos ilícitos deles decorrentes deságuam, de forma inexorável, na

esfera da responsabilidade civil.”322

Outra não poderia ser a lição de Regina Beatriz Tavares da Silva Papa

dos Santos, que após a análise dos deveres dos conviventes, assevera que: “uma vez

violados esses deveres – ação lesiva -, com a ocorrência de danos, surge o direito do

ofendido à reparação, em razão do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade

civil, assim como ocorre diante da prática de ato ilícito em outras relações jurídicas.”323

322 Clayton Reis, Responsabilidade civil pelo rompimento da união estável, O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988, org. Antônio Carlos Mathias Coltro, São Paulo: C. Bastos: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000, p.194. 323 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos conviventes, cit., p. 36.

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7. EFEITOS

Decorrem da união estável efeitos sociais, pessoais e patrimoniais. É

efeito social o fato de que a união estável constitui entidade familiar e, assim sendo, é

merecedora de proteção estatal, para que se observem os direitos e deveres oriundos

dessa forma de união.

Efeitos pessoais são aqueles extraídos do artigo 1.724 do Código Civil,

coincidem com os deveres dos companheiros. Nota-se que por vezes, confundem-se os

direitos com os deveres e efeitos da união estável, desta forma, sistematicamente,

procurou-se estabelecer a divisão, em que pese, ora mencionar um direito, quando se

trata também de um efeito e vice-versa. Nesse contexto, Claudia Grieco Tabosa Pessoa:

“inicialmente é forçoso ressaltar o caráter espinhoso de estabelecer uma precisa

delimitação do que se pode conceber por efeito pessoal ou patrimonial, principalmente

considerando-se que muitos elementos referentes à ordem estritamente pessoal da

relação concubinária podem transmudar-se em efeitos patrimoniais, a partir do

momento em que deles venham a emergir situações tendentes a gerar conseqüências de

cunho econômico.”324

Acrescenta-se além dos efeitos pessoais do artigo 1.724, a possibilidade

da companheira usar o nome do companheiro, o que já era regulado pela lei dos

registros públicos lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973, artigo 57, §2º325.

Para Silvio Rodrigues, quando se trata de relações intrínsecas entre os

companheiros, relativas a direitos de um em face do outro, como alimentos e partilha,

necessária legislação própria a respeito, no entanto, se de acordo os conviventes na

utilização por um do patronímico do outro, a questão passa a ser efeito exterior da

relação e, assim sendo, são dispensados os requisitos exigidos pela lei nº 6.015/73.

Esclarece o autor: “assim, caracterizada a união estável, bastará que o pedido seja

formulado em conjunto pelos companheiros (pois um não tem esse direito a ser exigido

324 Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos, cit., p. 60. 325 Lei nº 6015/73, artigo 57, caput, (...), §2º: “a mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.”

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do outro, pela ausência de legislação própria), para que, a exemplo do casamento,

admita-se o pedido autorizando a modificação pretendida.”326

Contrariamente, Flávio Augusto Monteiro de Barros: “em matéria de

registros públicos, a hipótese deve estar devidamente regulamentada na lei. Assim, a

companheira não poderá incluir o nome do companheiro nas seguintes hipóteses: a)

quando os dois são solteiros, divorciados ou viúvos; b) quando um é solteiro e o outro

divorciado ou viúvo. Nesses casos, o casamento torna-se possível. E quando é possível

o casamento é vedada a inclusão do patronímico.”327

Assim, são efeitos pessoais aqueles que dizem respeito com a formação e

estruturação da união estável, bem como a fixação de domicílio, a capacidade dos

companheiros, a representação do casal em relação à prole e a terceiros, o nome e sua

alteração e as relações com a sociedade.328

Com relação aos efeitos patrimoniais, são aqueles que têm repercussão

econômica, poderiam ser elencados inúmeros efeitos329, porém serão destacados apenas

aqueles que repercutem no âmbito do direito de família.

Dentre os efeitos patrimoniais, destaca-se o direito a alimentos. Este

direito está hoje previsto no artigo 1.694 do Código Civil330. Euclides Benedito de

Oliveira e Sebastião Amorim anotam que “a concessão de alimentos a companheiros, de

que trata a Lei 8.971, constituiu evolução natural do pagamento pecuniário que os

tribunais vinham reconhecendo, a título de indenização por serviços prestados.”331

O que se discute é o fundamento desta obrigação alimentar entre os

companheiros. Levanta-se duas posições na doutrina. A primeira, sustenta que a

obrigação alimentar deve ser fundamentada na culpa. Assim, o companheiro inocente

faria jus à obrigação alimentar. Sustentam tal entendimento: Guilherme Calmon

Nogueira da Gama, para quem o direito a alimentos não nasce do direito de assistência

mútua, segundo ele: “o certo é que o sistema jurídico brasileiro se baseia na culpa

326 Silvio Rodrigues, Direito, cit., v. 6, p. 271. 327 Flávio Augusto Monteiro de Barros, Manual de Direito Civil – direito de família, São Paulo: Método, v. 4, 2004, p. 100. 328 Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos, cit., p. 62. 329 Claudia Grieco Tabosa Pessoa, Efeitos, cit., p. 67. A autora classifica os efeitos decorrentes do direito de família; os relacionados ao direito obrigacional, dividindo estes em efeitos derivados de obrigações por atos lícitos e ilícitos e, por fim, os efeitos relacionados ao direito das sucessões. 330 Artigo 1.694 do Código Civil: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.” 331 Euclides Benedito de Oliveira e Sebastião Amorim, Concubinato, companheiros: novos rumos, cit., p. 79.

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primordialmente, para estabelecer a obrigação alimentar contra um dos cônjuges em

favor do outro. O fundamento de tal obrigação alimentar, portanto, não é propriamente a

assistência material e, sim, outro.”332

Também defensor da primeira posição, Francisco José Cahali, segundo o

qual: “confirmou-se, sem dificuldades, que a imposição judicial de obrigação alimentar

tem como pressuposto a culpa do cônjuge na separação, e a contrario sensu, ao cônjuge

inocente impede-se a condenação de prestação alimentícia ao outro, a obrigação

alimentar entre os cônjuges encontra fundamento na imposição legal ao responsável

pela separação, configurada a culpa no rompimento antecipado da sociedade conjugal,

embora não se negue a característica substitutiva ao dever de mútua assistência cujo

benefício deixou de ter o cônjuge inocente.”333(grifos do autor). Embora o autor refira-

se aos cônjuges, o entendimento pode ser estendido aos companheiros.

No mesmo sentido é o entendimento de Flávio Luiz Yarshell que entende

ser “lícito e justo que o convivente demandado, se não for responsável pela ruptura da

vida conjugal, está desonerado da prestação alimentícia em favor do outro consorte,

podendo até mesmo exigi-la, se presentes os requisitos da necessidade e

possibilidade.”334

A segunda posição desprende-se da idéia de culpa. É defendida por

Rodrigo da Cunha Pereira: “se nos desprendêssemos da idéia de culpa nas separações

ou divórcio, a discussão de alimentos se deslocaria para o eixo da

necessidade/possibilidade, que é o critério, parece-nos, mais justo.”335

Como já mencionado, o direito a alimentos está disposto no artigo 1.694

do Código Civil do qual se verifica a equiparação dos companheiros com os cônjuges e

parentes. Conseqüência disto será a aplicação das regras da dissolução do casamento à

332Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p.246. Consultar no mesmo sentido: Yussef Said Cahali, Divórcio, cit., p. 882: “Dissolvida a sociedade conjugal, porém, a obrigação de prestar alimentos desaparece, salvo no tocante ao cônjuge responsável pela separação, conforme estabelece o art. 19 da Lei 6.515/77. Responsável pela separação é o cônjuge culpado (na ação fundada no caput do art. 5º), ou aquele que teve a iniciativas da separação sem culpa ( ação fundada no §1º ou no §2º do art. 5º).” 333 Francisco José Cahali, União estável, cit., p. 99. 334 Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional dos conviventes em matéria de alimentos. Direito de família – Aspectos constitucionais, civis e processuais, coords. Teresa Arruda Alvim Wambier e Alexandre Alves Lazzarini, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 3, 1996, p.57. 335 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 84.

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união estável. Ressalta-se que para a concessão de alimentos, deve ser observado o

binômio necessidade e possibilidade, presente no artigo 1.695336 do Código Civil.

Criticando a inovação do legislador, com relação ao artigo 1.694, Yussef

Said Cahali: “evidenciando que as disposições concernentes à obrigação alimentar

foram sendo encartadas ao deus-dará, sem qualquer sistematização, impende seja

tentada, não sem alguma dificuldade, extrair-se do Novo Código Civil algumas regras a

vigorar em matéria de alimentos.” Acrescenta o autor: “estatuída essa obrigação entre

companheiros no capítulo pertinente aos “alimentos”, colocados os companheiros junto

com os parentes e os cônjuges, aplica-se, via de conseqüência, com relação a eles, as

disposições constantes do art. 1.694 e seguintes do Novo Código.”337

Nesse contexto, apresenta Francisco José Cahali, características dessa

obrigação alimentar: “daí decorrem serem irrenunciáveis, insuscetíveis de cessão,

compensação ou penhora, com termo final até diante do comportamento indigno do

credor, permitida a sua revisão pela mudança da situação econômica das partes, e

transmissível a obrigação aos herdeiros do devedor, também os alimentos fixados entre

os conviventes na dissolução da união estável.”338

Quanto à possibilidade de renúncia dos alimentos, é expresso o artigo

1.707339 pela vedação, acrescente-se que nem mesmo por contrato de convivência

elaborado pelos conviventes, é possível renunciar alimentos.340

Cessa a obrigação alimentar para o credor que constituir casamento,

união estável ou concubinato com outrem, é o que dispõe o artigo 1.708341, também

cessa o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor

336 Artigo 1.695 CC: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.” 337 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., págs. 238/239. 338 Francisco José Cahali, Dos alimentos, Direito de família e o novo Código Civil, coord. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Del Rey, 3.ed., 2003, págs. 236/237. 339 Dispõe o artigo 1.707 do Código Civil: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.” 340 Francisco José Cahali, Contrato de convivência, cit., págs., 262/263: “o art. 1.707 é claro ao estabelecer que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos”, destinando este comando à obrigação decorrente do casamento, da união estável e do parentesco; se a pensão passa a ser irrenunciável, até mesmo quando da separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, por maior razão confirmar-se-á a impossibilidade de exclusão da obrigação por contrato de convivência.” 341 Artigo 1.708, caput, do Código Civil: “Com o casamento, a união estável ou concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.” Parágrafo único: “Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.”

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(parágrafo único, art. 1.708). De acordo com o artigo 1.709342, o novo casamento do

devedor de alimentos não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio, tendo

em vista que os companheiros foram equiparados ao cônjuge e parentes, pode-se

entender que a constituição de nova união estável também não cessar o dever de prestar

alimentos. De acordo com Francisco José Cahali: “também, merece interpretação o

artigo 1.702 como estabelecendo que “na separação judicial” ou “na dissolução da união

estável, um dos cônjuges inocente, ou um dos conviventes inocente” poderá pleitear

pensão.”343

Com relação a aplicação do disposto no artigo 1.704: “Se um dos

cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a

prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado

na ação de separação judicial.” Lourival Silva Cavalcanti, entende que por interpretação

analógica, tendo em vista a falta de sistematização em caso de extinção da união estável,

aplicam-se as disposições dos artigos 1.702 a 1.704 à união estável.344 Entendimento

contrário tem Francisco José Cahali, para quem a regra do art. 1.704 destina-se

exclusivamente aos separados judicialmente, justifica: “viável defender que sequer os

divorciados teriam direito, nesta qualidade, pretender alimentos do ex-cônjuge quando

até a decretação do divórcio não tiver sido estabelecida a pensão. Da mesma forma,

superada a fase da dissolução da união, momento em que surge e se discute eventual

obrigação alimentar, após a consumação do rompimento, outro instante será inadequado

à pretensão alimentar.”345

Cabe ressaltar que a concessão de alimentos não tem função

indenizatória, ou seja, não repara danos patrimoniais nem morais.

José de Aguiar Dias entende que a pensão alimentícia “deve ser tida

como simples indicação subsidiária” o que não impede a também reparação por danos

morais. Argumenta o autor que os alimentos são variáveis, podendo ser aumentados,

342 Artigo 1.709 do Código Civil: “O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio.” 343 Francisco José Cahali, Dos alimentos, cit., p. 236. 344 Lourival Silva Cavalcanti, União estável, cit., p. 151. 345 Francisco José Cahali, Dos alimentos, cit., p. 237.

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diminuídos ou até suspensão de acordo com o binômio necessidade e possibilidade. Por

outro lado, a indenização não tem variação.346

Assim sendo, lembra Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos

que “a prestação de alimentos, após a dissolução do casamento, tem caráter assistencial

e não indenizatório, condicionando-se aos pressupostos da necessidade do credor e da

possibilidade do devedor, podendo ser extinta a qualquer tempo, de modo que a

condenação do convivente ao pagamento de pensão alimentícia e de indenização pelos

danos acarretados pelo descumprimento de dever oriundo do casamento não se

constituem bis in idem.”347

Outro efeito que merece destaque é o que reflete no direito sucessório.

Observa-se que o Código Civil de 2002 dispensou tratamento injusto e desigual aos

companheiros em relação aos cônjuges. Os companheiros estão excluídos da ordem de

vocação hereditária (de acordo com o artigo 1.829348) e não são herdeiros necessários

(conforme o artigo 1.845349), de modo que poderão ser excluídos da herança por

testamento que contemple apenas os herdeiros necessários.

Anota Fabio Simões Abrão que “a posição sucessória do companheiro

sofreu um retrocesso com relação ao que dispunha a Lei Federal nº 8.974/94, a qual

previa, em seu artigo 2º, a participação do companheiro na sucessão, com direito ao

usufruto de quotas-partes de bens do de cujus, independentemente de sua origem, e na

qualidade de herdeiro, com direito à totalidade da herança, à falta de descendentes ou

ascendentes do companheiro falecido.”350

346 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., págs., 887/889. No mesmo sentido Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos cônjuges, cit., p. 133: “o recebimento de pensão alimentícia, por si só, não repara os danos sofridos pelo consorte lesado com o descumprimento de dever conjugal pelo outro cônjuge, por não compensar o sofrimento ou dano moral do ofendido. Além disso, a pensão alimentícia baseia-se em pressupostos que não estão presentes na responsabilidade civil: necessidades do credor e possibilidades do devedor. Pode, ainda, ser revista a qualquer tempo, em razão da ausência daqueles pressupostos, de casamento ou constituição de união estável pelo cônjuge credor. Quando à perda do direito a alimentos pelo culpado, é evidente que somente tem a característica de sanção, ínsita na responsabilidade civil, diante da necessidade de pensão alimentícia, pois, caso contrário, essa punição é marcada pela inocuidade.” 347 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos cônjuges, cit., p. 138. 348 Artigo 1.829 do Código Civil: “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes (...); II – aos ascendentes (...); III – ao cônjuge sobrevivente e IV – aos colaterais.” 349 Artigo 1.845 do Código Civil: “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.” 350 Fabio Simões Abrão, Considerações sobre o atual Código Civil – alguns aspectos patrimoniais e sucessórios na união estável e no regime da separação total de bens, Revista do Advogado, 76 : 23.

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O companheiro é herdeiro facultativo concorrendo com os demais

sucessores, inclusive com os colaterais até 4º grau351. Segundo Eduardo de Oliveira

Leite, “os herdeiros facultativos são aqueles que podem ser privados da herança,

bastando ao testador não os contemplar nas disposições de última vontade.”352

Funda-se esta exclusão nos artigos 1.845, 1.846353 e 1.857354 do Código

Civil. Ressalte-se que o companheiro apenas participará da sucessão do outro, quanto

aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Quer dizer,

independentemente do regime de bens na união estável, a herança é essa: patrimônio

adquirido onerosamente. Além disso, o artigo 1.790355 estipula as seguintes condições:

se companheira(o) concorrer com filhos comuns do autor da herança, terá direito a uma

quota equivalente à que for atribuída a cada um deles. Se concorrer com filhos

exclusivos do autor da herança, receberá a metade do que couber a cada um deles e, se

concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança. O

companheiro(a) apenas herdará a totalidade da herança, se não existirem parentes

sucessíveis.

Zeno Veloso manifesta-se nesse sentido: “o novo Código civil promoveu

um recuo notável. O panorama foi alterado, radicalmente. Deu-se um grande salto para

trás. Colocou-se o companheiro em posição infinitamente inferior com relação à que

ostenta o cônjuge. A sucessão do companheiro, para começar, limita-se aos bens

adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Quanto a esses bens adquiridos

onerosamente, durante a convivência, o companheiro já é meeiro, conforme o artigo

1.725, inspirado no artigo 5º da Lei n. 9.278/96, e que diz: “Na união estável, salvo

351 Destaca-se a doutrina de Zeno Veloso, Do direito sucessório dos companheiros, Direito de Família e o novo Código Civil, coord. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Del Rey, 3.ed., 2003, p. 293 que assevera: “na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de 4º grau (primos, tios-avós, sobrinhos-netos). Em muitos casos, sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encontram. E o novo Código Civil brasileiro, que começou a vigorar no Terceiro Milênio, resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4º grau do de cujus. Temos de convir: isto é demais!” 352 Eduardo de Oliveira Leite, Comentários ao Novo Código Civil – Do direito das sucessões, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro: Forense, vol. XXI, arts. 1.784 a 2.027, 2004, p. 264. 353 Artigo 1.846 do Código Civil: “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.” 354 Artigo 1.857, caput, do Código Civil: “Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.” 355 Nota-se que o único artigo que trata da sucessão do companheiro é o artigo 1.790 e, está localizado nas disposições gerais e não na legítima como deveria ser onde, aliás, está disciplinada a sucessão do cônjuge.

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convenção válida entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que

couber, o regime da comunhão parcial de bens.”356

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz ensina que “há desigualdade de

tratamento sucessório entre cônjuge e convivente sobrevivo, pois aquele é, em certos

casos, herdeiro necessário privilegiado, podendo concorrer, ou não, com descendente e

ascendente do falecido. O convivente, não sendo herdeiro necessário, pode ser excluído

da herança do outro, se ele dispuser isso em testamento (CC, arts. 1.845, 1.846 e 1.857),

pois só tem direito à sua meação quanto aos bens adquiridos onerosamente na

constância da união estável. A relação matrimonial na seara sucessória prevalece sobre

a estabelecida pela união estável, pois o convivente não se beneficiará dos mesmos

direitos sucessórios outorgados ao cônjuge supérstite.”357

Guilherme Calmon Nogueira da Gama, antes de vigorar o novo Código

Civil, por isso o autor refere-se ao “Projeto”, já cogitava do tratamento desigual, assim:

“mesmo com a modificação realizada, constata-se que haverá um retrocesso no que

pertine ao direito sucessório de propriedade em favor do companheiro,

comparativamente ao sistema introduzido pela Lei 8.971/94, sendo que poder-se-á

cogitar da inconstitucionalidade da mudança, à luz da Constituição de 1988, pois o

Projeto não estaria protegendo especialmente o companheirismo, mas, ao contrário,

deixando de protegê-lo no campo sucessório, ao menos com a extensão da proteção

dada pela Lei n. 8.971/94. O ideal seria equiparar, como havia ocorrido, o

companheirismo e o casamento no segmento do direito à sucessão.” 358

Evandro Antonio Cimino também se manifesta contra o tratamento

sucessório dispensado aos conviventes, segundo o desembargador: “a união estável e o

casamento caminham juntos, no que concerne aos princípios básicos para a formação de

uma família. O mesmo não acontece relativamente a sucessão, onde se observa uma

desigualdade gritante e injusta.”359

Com relação ao direito real de habitação para os companheiros, o Código

Civil é silente. Tal direito era previsto no artigo 2º, incisos I e II, da Lei nº 8.971/94 e no

356 Zeno Veloso, Do direito sucessório dos companheiros, cit., p. 286. 357 Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 6, p. 136. Ainda: Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 118 : “a respeito da sucessão na união estável, foram duas as mais significativas modificações em relação às duas leis anteriores. Primeiro, os bens sucessíveis serão apenas os adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Segundo, a herança será dividida, concorrendo com parentes do falecido.” 358 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., págs. 463/464. 359 Evandro Antonio Cimino, A sucessão na união estável, Jornal Tribuna do Direito, fevereiro de 2004, p.30.

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parágrafo único do artigo 7º da Lei nº 9.278/96. O artigo 1.831 prevê o direito real de

habitação apenas ao cônjuge sobrevivente. Para Rui Stoco, “havendo conflito de

normas, há de prevalecer a lei especial, atuando o Código Civil apenas

subsidiariamente, de sorte a também cobrir as omissões da lei especial.”360

Na doutrina, defendem a aplicação do direito real de habitação aos

companheiros: Maria Helena Diniz: “urge lembrar que o companheiro sobrevivente, por

força da Lei n. 9.278/96, art. 7º, parágrafo único, e, analogicamente, pelo disposto nos

arts. 1.831 do CC e 6º da CF, também terá direito real de habitação, enquanto viver ou

não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência

da família.361

Guilherme Calmon Nogueira da Gama também é a favor do direito real

de habitação, ensina que: “tal dispositivo pode ser considerado em vigor, não havendo

se falar em revogação de tal regra da Lei de 1996, sob pena de descumprimento do

mandamento constitucional de especial proteção à família, incluindo aquela fundada no

companheirismo.”362

Ainda, Jorge Shiguemitsu Fujita: “como inexiste colidência desta norma

com o Código Civil, o qual, também, é silente quanto à revogação daquele diploma

legal, pode-se concluir pela vigência do referido artigo de lei. Todavia, para maior

clareza, recomenda-se, mediante alteração no Código Civil, o reconhecimento expresso

desse direito.” 363

Entendimento diverso pode ser encontrado com a justificativa de que

houve revogação do disposto na lei nº 9.278/96, porque o Código disciplinou todos os

assuntos desta lei, exceto o direito real de habitação. Lembra Flávio Augusto Monteiro

de Barros ao apontar o fundamento daqueles que entendem pela revogação que

“ademais, o art, 2.043 do CC, quanto às leis especiais, ressalvou apenas a vigência das

disposições de natureza processual, administrativa e penal, revogando implicitamente as

normas de direito civil.”364 É a posição de Zeno Veloso: “O problema se mostra mais

grave e delicado se considerarmos que o novo Código Civil nem fala no direito real de

habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, ao regular a sucessão entre

360 Rui Stoco, Tratado, cit., p. 793. 361Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 6, p. 137. 362 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 464. 363 Jorge Shiguemitsu Fujita, Curso de Direito Civil, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2. ed., 2003, p. 84. 364 Flávio Augusto Monteiro de Barros, Manual, cit., p. 99.

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companheiros, deixando de prever, em outro retrocesso, o benefício já estabelecido no

artigo 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96.”365

Observa-se que não tendo o atual Código Civil previsto o direito real de

habitação ao companheiro sobrevivente, pode-se dizer que continua em vigor o disposto

na lei nº 9.278/96, desta forma, não há que se falar em revogação total de tal dispositivo,

pois sendo o Código Civil lei geral e a lei 9.278/96, lei especial, não pode aquela

revogar esta, salvo se for expressamente prevista a revogação, o que no caso, não

ocorreu.366

Ademais, o Enunciado nº 117, aprovado na Jornada de Direito Civil

promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no

período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy

Rosado, do Superior Tribunal de Justiça propõe que o direito real de habitação

conferido aos cônjuges no artigo 1.831, também o seja aos companheiros. Nestes

termos: “Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja

por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação

analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88.”

Outros efeitos ainda podem surgir na união estável, tais como: a

administração dos bens de filhos menores (CC, arts. 1.689 a 1.693); o bem de família

(CC, arts. 1.711 a 1722); além dos efeitos perante terceiros, como: em relação aos

filhos, o reconhecimento destes; na previdência social, verifica-se a possibilidade do

companheiro(a) ser dependente (art. 16, I, da Lei nº 8.213/91)367, bem como a reparação

por acidente de trabalho368; quanto à locação, o companheiro sub-roga os direitos do

365 Zeno Veloso, Do direito sucessório dos companheiros, cit., p. 287. 366 Veja-se o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil: Art.2º - caput, §2º: “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.” 367 Dispõe o art. 16, I, da Lei nº 8.213/91: Art. 16 – caput: “São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado.” I – “o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.” 368 Registre-se que a infortunística e o direito previdenciário foram os pioneiros no reconhecimento de realidades fáticas para atribuir-lhes efeitos jurídicos. De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 89, “um dos ramos do Direito que mais contribuiu e evoluiu para o estabelecimento de normas sobre o direito concubinário foi o previdenciário.” O que importa é saber se é legítimo ou não o direito daquele que sofreu prejuízo, não importando se a relação é casamento ou união estável. Assim, se cônjuge ou companheiro sofreu prejuízo, poderá ser indenizado. Nesse contexto, a Súmula 35 STF: “em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.” A parte final deve ser interpretada com abrandamento, no sentido de reconhecer união estável da pessoa casada porém separada de fato de sua esposa. Nesse sentido: TJSP – 5ª Câm. - Ap. 81.775-5 – Rel. Ralpho Oliveira – j. 09.11.2000.

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locatário (arts. 11, I e 12 da Lei nº 8.245/91)369; os companheiros também podem

adotar, de acordo com os artigos 1.618, parágrafo único e 1.622 do Código Civil e §2º,

artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Um dos efeitos perante terceiros que se destaca é o que diz respeito aos

credores. O artigo 1.725 do Código Civil estipula, salvo contrato escrito entre as partes,

o regime de comunhão parcial entre os companheiros370. Conseqüência da aplicação

deste regime é a necessidade de outorga do outro companheiro para a realização de

negócios jurídicos (artigo 1.647 do Código Civil).

Luís Paulo Cotrim Guimarães apresenta duas correntes a respeito do

tema: “a que rejeita a necessidade de outorga do convivente na união estável,

considerada como majoritária, e a que entende pela conveniência de tal autorização,

quando for respeitante a atos de disposição de bens imóveis.”371

Com o objetivo de sanar a falha do Código Civil, o Projeto 2686/96, no

artigo 5º pretende: “Nos instrumentos que vierem a firmar com terceiros, os

companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade do bem

objeto de negociação. Não o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados

os interesses dos terceiros de boa fé, resolvendo-se os eventuais prejuízos em perdas e

danos, entre os companheiros, e aplicadas as sanções penais cabíveis.” Nesses termos o

projeto impõe outorga do outro companheiro nos negócios realizados com terceiros,

visando a proteger a boa-fé dos mesmos.

O artigo 1.725 refere-se ainda a contrato escrito, sabe-se da

informalidade que reveste a união estável, assim, prescinde de contrato escrito para que

regulamente sua existência. Contudo, nada impede que companheiros estabeleçam

contrato para regular tanto a convivência quanto as relações patrimoniais.

369 Dispõem os artigos 11, I e 12 da Lei nº 8.245/91, art. 11 – caput : “Morrendo o locatário, ficarão sub-rogados nos seus direitos e obrigações”, I – “nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência econômica do de cujus, desde que residentes no imóvel.” Art. 12 – “Em caso de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.” 370 A respeito, dispõe o Enunciado nº 115 aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ: “Art. 1.725: há presunção de comunhão de aqüestos na constância da união extramatrimonial mantida entre os companheiros, sendo desnecessária a prova do esforço comum para se verificar a comunhão dos bens.” 371 Luís Paulo Cotrim Guimarães, Negócio jurídico sem outorga do cônjuge ou convivente, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, págs. 96/97.

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O contrato de convivência pode ser celebrado a qualquer tempo, antes do

início da união estável ou já na sua constância.372

De acordo com Francisco José Cahali, “possuindo a relação concubinária

regime patrimonial próprio, diverso e mais restrito que o regime matrimonial de bens, o

contrato de convivência apresenta-se como um instrumento apropriado para a auto-

regulamentação dos reflexos patrimoniais decorrentes da união estável, reconhecendo,

criando, modificando ou extinguindo direitos entre os companheiros.”373

Ressalta-se que em contrato de convivência podem os conviventes

estipular indenização pelo rompimento da relação. Este rompimento tanto pode ser

imotivado quanto culposo. Assim, a indenização terá caráter compensatório se a

separação for espontânea e, caráter reparatório se o rompimento for culposo.374

Acrescenta Francisco José Cahali que: “já quando estipulada a recomposição econômica

em razão da dissolução culposa, além do conteúdo acima, também se verifica o caráter

indenizatório-punitivo, de tal sorte que a previsão pretende penalizar aquele

inadimplente com as obrigações decorrentes da união estável. Nessa hipótese pode-se

cogitar, inclusive, de sua fixação em substituição aos alimentos devidos, situação em

que a pensão deixa de ser devida por se criarem, através da indenização, meios próprios

à subsistência do favorecido.”375

Atenta-se para o cuidado de que estas indenizações devam ser razoáveis,

pois a união estável não pode ser vista como fonte de riquezas, é entidade familiar e seu

objetivo é outro: a constituição de família.

372 Francisco José Cahali, Contrato de convivência, cit., págs., 72/76. 373 Francisco José Cahali, Contrato de convivência, cit., p. 203. 374 Francisco José Cahali, Contrato de convivência, cit., p. 244. 375 Francisco José Cahali, Contrato de convivência, cit., p. 245.

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CAPÍTULO IV – REPARAÇÃO DE DANOS NA UNIÃO ESTÁVEL

Considerando a evolução da união estável ao se analisar a história deste

instituto, nota-se que importantes avanços foram conquistados, através de leis esparsas,

em princípio, até a consagração constitucional em 1988.

No entanto, em nenhum momento, lei alguma disciplinou a reparação por

danos materiais ou morais entre os conviventes.

Para Belmiro Pedro Welter, é admissível a indenização por dano moral

tanto no casamento quanto na união estável desde que verificados os seguintes critérios:

“1) a ação de separação judicial ou dissolução de união estável e/ou indenização por

dano moral deve ser ajuizada logo após a ocorrência da conduta culposa, sob pena de

incidir o perdão do cônjuge ofendido; 2) o direito ao dano moral é exclusivo do cônjuge

inocente; 3) o pedido somente é possível na ação de separação judicial ou dissolução de

união estável litigiosa e com culpa; 4) a conduta do cônjuge culpado deve ser tipificada

como crime; 5) o comportamento delituoso deve ser ofensivo à integridade moral do

cônjuge ofendido, produzindo dor martirizante e profundo mal-estar e angústia.”376

Neste contexto, há que fundamentar a reparação de danos na união

estável no artigo 186 do Código Civil. Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva Papa

dos Santos: “Se do descumprimento a dever da união estável e conseqüente violação a

direito do outro companheiro, ou seja, se de tal ato ilícito resulta dano, moral ou

material, preenchidos estarão os pressupostos da responsabilidade civil, com a aplicação

da regra geral reparatória, constante do art. 186 do CC.”377

Lembra Rui Stoco que “o pressuposto do direito à reparação é o ato

ilícito e o dano verificado que àquele se liga por nexo de causa e efeito e não a natureza

do ato praticado, sua origem ou qualificação jurídica.”378

Imperioso esclarecer que não se trata de reparação de danos oriundos da

simples ruptura da união estável, mas sim, de reparação de danos gerados por ato ilícito.

376 Belmiro Pedro Welter, Dano moral na separação, divórcio e união estável, cit., Revista dos Tribunais, v. 775, março de 2000, p.133. Verifica-se que o autor aceita com ressalvas a possibilidade de dano moral no rompimento da união estável e no casamento, pois segundo ele, a conduta do cônjuge ou convivente culpado, deve configurar-se como crime. Em obra mais recente, Estatuto da união estável, Porto Alegre: Síntese, 2.ed., 2003, p. 234, o autor ratifica esse entendimento: “(...) isso não significa que o dano moral deve ser afastado do Direito de Família, porquanto, se os consortes, na constância do casamento e da união estável, praticarem, entre si, ilícito penal, esse dano deve ser indenizado, não porque o fato ocorreu durante a entidade familiar, e sim devido ao delito penal que, em tese deve ser indenizado.” 377 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, A culpa nas relações de família, cit., págs., 93/94. 378 Rui Stoco, Tratado, cit., p. 798.

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Nesse sentido, anota Carlos Roberto Gonçalves: “em face da regulamentação da união

estável, reconhecida como entidade familiar, conferindo direito à meação e a alimentos

aos companheiros, não se justifica o pagamento de indenização em caso de ruptura da

convivência.”379

Desta forma, as seguintes decisões:

“A indenização pelo fim da união estável só é

cabível quando há conduta ilícita de um dos

envolvidos na relação concubinária, bem como

nexo de causa e efeito entre o enriquecimento

indevido de um e o prejuízo ou dano do outro.”

(grifo nosso)

(TJSP – 1ª Câm. – Ap. 27.334-7 – Rel. Ênio

Santarelli Zuliani – j. 27.01.1998 – LEX 203/142)

“A ruptura imotivada e unilateral do concubinato

não é em si, um ato culposo a gerar indenização por

danos morais e patrimoniais. A indenização, na

dissolução arbitrária, só é cabível quando e se a

ruptura causar prejuízos concretos ao concubino,

prejuízos esses que devem ser cumpridamente

comprovados pelo concubino prejudicado uma vez

que tais danos ressarcíveis não se presumem.”

(TJMG - 3ª Câm. – Ap. 97.423-8 – Rel. Tenisson

Fernandes – j. 18.06.1998 – RT 762/366).

Cabe lembrar que a prática do ato ilícito além de ensejar ação de

indenização, também pode ser a causa da ruptura da união. Aparecida I. Amarante anota

que: “no caso de companheiros/entidade familiar, igualmente pode ocorrer ofensa à

honra, nos mesmos moldes da sociedade familiar formada pelo casamento, porquanto há

também uma relação conjugal ou familiar e as injúrias graves, latu sensu, são motivo

para rompimento do laço, bem como para pleito de ressarcimento do dano.”380

379 Carlos Roberto Gonçalves, Comentários ao Código Civil, cit., p. 51. 380 Aparecida I. Amarante, Responsabilidade, cit., págs., 272/273.

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José de Aguiar Dias ensina que “não pode o concubinato, de si mesmo,

fundamentar direito algum do amante abandonado. Mas sustentamos do mesmo passo

que o juiz diante de um pedido dessa natureza, deve examinar se as circunstâncias não

indicam a existência de um estado de fato caracterizador de culpa, malícia ou abuso, o

que é na realidade, muito mais freqüente do que se pensa.”381 De acordo com o autor,

deve haver valoração das circunstâncias que permeiam o caso concreto e, nesse sentido,

José de Aguiar Dias apresenta as seguintes observações: “É claro que a jovem da

cidade, melhor instruída, não pode ser equiparada à operária analfabeta, impressionada

com a riqueza do sedutor; que a união prolongada de que resulte prole não pode ser

considerada nos mesmos termos em que se aprecia o concubinato estéril; que a ruptura

da união livre, quando a mulher seja capaz de conseguir uma colocação, tenha as

mesmas conseqüências do rompimento em época em que a mulher, já velha, nada mais

possa conseguir e tenha de enfrentar a miséria (...)”382

Na mesma linha de raciocínio, Maria Helena Diniz: “desse modo o

concubinato puro, em si mesmo, não fundamenta nenhum direito do repudiado, mas

nada obsta que pleiteie uma indenização pelo rompimento que lhe tenha causado

prejuízo de ordem moral ou patrimonial.”383

Nicolau Eládio Bassalo Crispino corrobora: “sendo assim, cremos que o

simples fato da ruptura não enseja reparação de danos por parte de um dos

companheiros em favor do outro. No entanto, nada impede que, no momento da

dissolução, tenha um dos companheiros praticado um ato ilícito que venha a causar

prejuízo moral ou material ao outro, mesmo que este ato seja o motivo da ruptura da

união. Se assim ocorrer, deve este dano ser ressarcido.”384 Adiante o autor apresenta

dois exemplos para elucidar a questão. Supõe um caso de espancamento da mulher pelo

seu convivente, causando deformidade facial. Questiona se apesar deste fato por fim à

união, não poderia também dar causa a indenização por dano moral. Outro exemplo

cuida de injúrias que a mulher lança contra seu companheiro, considerando os anos de

convivência e cidade pequena onde a maioria dos habitantes de conhecem, as injúrias

tomam grandes proporções. Novamente o autor lança a questão, ou seja, o mesmo fato

381 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p. 167. 382 José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p. 168. 383 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 173. 384 Nicolau Eládio Bassalo Crispino, Responsabilidade civil dos conviventes, cit., p. 116.

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que põe fim à união, também pode ensejar ação de indenização por dano moral? E ele

responde que sim nas duas situações.385

Com certa divergência, os Tribunais brasileiros têm se manifestado sobre

a indenização por danos morais, no tocante à união estável, desta forma, anota Yussef

Said Cahali que “nossos tribunais não seriam insensíveis à reparabilidade de danos

morais conseqüentes da ruptura de um concubinato puro, prolongado no tempo, e

dependendo das circunstâncias especiais em que se teria verificado o rompimento da

relação amorosa.”386

O Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou:

“Ação indenizatória – Concubinato – Pretensão

formulada pela mulher contra ex-companheiro que a

abandonou após engravidar, perder o emprego e em

conseqüência abortar involuntariamente – Rejeição

liminar da ação por ausência de sucedâneo jurídico –

Inadmissibilidade, pois existente adequação jurídica,

interesse e legitimidade.”

(TJSP – 2ª Câm. - Ap. 066.960-4/8 – Rel. Ênio

Santarelli Zuliani – j. 23.02.1999 – RT 765/191).

Nesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, questiona o relator

Desembargador Ênio Santarelli Zuliani: “ora, considerando que o extravio de bagagem

em transporte aéreo enseja indenização por dano moral (acórdão do Supremo Tribunal,

RT 740/205); que a propaganda enganosa que ilude interessados em adquirir imóveis

igualmente fomenta reparabilidade por ofensa moral (acórdão do TSRJ (sic), Bol.

AADP, 2086, p. 169-e); que a pessoa jurídica é alvo de resguardo da honra objetiva

(Acórdão do STJ, RT 727/123), cabe perguntar: qual o motivo determinante da

inadmissibilidade do pedido indenitário formulado por mulher que se entrega de corpo e

alma em uma sociedade concubinária e perde tudo, inclusive a auto-determinação e

confiança, pelo egocentrismo do companheiro?”387

385 Nicolau Eládio Bassalo Crispino, Responsabilidade civil dos conviventes, cit., p. 116. 386 Yussef Said Cahali, Dano moral, cit., págs. 660/661. 387 RT 765/193.

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O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também já concedeu reparação

por danos morais em virtude de ofensas verbais que o companheiro lançou contra sua

ex-convivente:

“Apelação cível. Ação de indenização. Dano moral.

Ofensas verbais lançadas contra ex-companheira.

Ônus da impugnação específica não exercido.

Não tendo o Réu exercido o ônus da impugnação

específica (art. 302, CPC), tem-se por verdadeira as

alegações contidas na inicial, consubstanciada, no

caso, em ofensas verbais assacadas contra a ex-

companheira.

Valor indenizatório que, todavia, deve ser minorado,

considerando a união existente entre as partes e,

mormente, as suscetibilidades decorrentes da própria

natureza da lide.

Recurso parcialmente provido.”

(TJRJ – 11ª Câm. – Ap. 2003.001.35194 - Rel. José

Carlos de Figueiredo – j. 11.02.2004)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no entanto, já decidiu que

não cabe reparação a quebra do dever de fidelidade:

“Ação indenizatória – Dano moral – União estável –

Infidelidade – Reparação pretendida em face do

convivente infiel e do terceiro, parte alheia no

contrato existente – Inadmissibilidade – Verba

indevida.

A quebra de um dos deveres inerentes à união

estável, a fidelidade, não gera o dever de indenizar,

nem a quem o quebra, um dos conviventes, e menos,

ainda, a um terceiro que não integra o contrato

existente e que é, em relação a este, parte alheia.”

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(TJRS – 7ª Câm. – Ap. 597.155167 – Rel. Eliseu

Gomes Torres – j. 11.02.1998 – RT 752/344)388

O relator Desembargador Eliseu Gomes Torres argumenta seu voto com

as seguintes palavras: “quando o amor cessa, uma das conseqüências inevitáveis é a

separação. No casamento como na união estável, a separação é mais do que uma

possibilidade. Não fosse assim, não haveria na lei, a expressa previsão da separação

judicial e do divórcio. A separação está para o casamento (e para a união estável) como

a morte está para a vida.”389

Dada a diversidade de manifestações do comportamento humano, várias

são as situações que poderiam ser objeto de indenizações, como a imputação caluniosa

de adultério390; agressões físicas391 que causam humilhação e vexame; graves injúrias

que além de afetar a honra do ofendido também o prejudicam profissionalmente392.

Nesse contexto, observa Clayton Reis que “seria inconcebível admitir

que a responsabilidade civil que incide nas relações contratuais e extracontratuais não

fosse passível de aplicação no plano da sociedade não matrimonializada observados os

pressupostos para a sua admissibilidade. Isto porque é irrecusável que alguém fique

388 Outras decisões que rejeitam a indenização por dano moral: TJRS – 8ª Câm. – Ap. 70005183959 – Rel. Alfredo Guilherme Englert – j. 27.02.2003; TJSP – 3ª Câm. – AP. 88.845-4/4 – Rel. Alfredo Migliore – j. 28.01.2000; TJSP – 6ª Câm. – Ap. 072.936-4/8 – Rel. Mohamed Amaro – j. 11.02.1999; TJRS – 1ª T. – Recurso inominado 71000576363 – Rel. João Pedro Cavalli Júnior – j. 21.10.2004; TJRS – 8ª Câm. – Ap. 70001090901 – Rel. José Ataídes Siqueira Trindade – j. 29.06.2000; TJMS – 3ª T. – Ap. 1000.074540-6/0000-00 – Rel. Oswaldo Rodrigues de Melo – j. 19.04.2004; TJMG – 3ª Câm. – Ap. 97.423-8 – Rel. Tenisson Fernandes – j. 18.06.1998 – RT 762/366; TJRS – 7ª Câm. – Ap. 596076232 – Rel. Carlos Alberto Alves Marques – j. 16.10.1996; TJMG – 4ª Câm. – Ap. 1002497070578-6/001 – Rel. Almeida Melo – j. 24.06.2004; TJGO – Ap. 200001299900- Rel. Des. Ney Teles de Paula – j. 15.01.02. 389 RT 752/345 390 Noticia Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., págs. 111/112 que o Tribunal de Justiça de São Paulo já condenou um marido a indenizar por dano moral sua mulher, acusando-a sem fundamento e sem provas, de prática de adultério. Trata-se de Apelação Cível nº 220.943-1/1, julgada pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator Olavo Siqueira. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 616, p.190, fev. 1987. No mesmo sentido Revista forense, v. 134, p. 114, mar./abr.1954. 391 De acordo com Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., p. 107: “Toda injúria, como toda sevícia, acarretam, necessariamente, um dano moral e físico, que o pagamento de uma pensão de alimentos não indeniza, mesmo porque tais práticas desdobram da esfera civil para se constituírem ilícitos penais. A pensão não tem o poder de exonerar o cônjuge culpado ou delinqüente das graves infrações cometidas, não apenas contra as obrigações resultantes do casamento, mas, e principalmente, contra as que respeitam à honra e à integridade física da pessoa humana.” 392 Consultar Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos cônjuges, cit., p. 124. A autora elenca as seguintes hipóteses: “o abandono material e moral do marido que, em razão de acidente, fica paraplégico; a acusação infundada em demanda judicial, com imputação injuriosa de prática de adultério, que não restou provada; a simulação de gravidez pela mulher, que obtém, por meio desse pretexto, ordem judicial para a saída forçada do marido do domicílio conjugal (...)”. E Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., págs. 98/114.

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indene, por ausência de dispositivo normativo expresso no sentido da reparação integral

de danos materiais e morais.”393

Humberto Theodoro Júnior ao analisar o dano moral na ruptura do

casamento e da união estável menciona sua atuação em duas causas. Uma perante o

Tribunal de Alçada de Minas Gerais, caso em que o marido tentou contra a vida de sua

mulher, deixando-a incapacidade nos membros inferiores e condenado-a à cadeira de

rodas pelo resto da vida. Outra, no Tribunal de Justiça de Pernambuco, caso em que a

mulher disparou vários tiros contra seu marido, sem feri-lo, foi condenada com a

revogação de doações que recebera do marido, na constância do casamento e, no

primeiro caso, o marido deve que indenizar civilmente sua mulher, além de reparar o

dano moral por ela sofrido.394

Nestes termos Humberto Theodoro Júnior conclui que: “em tal

conjuntura, o efeito civil do delito torna certo o direito do ofendido a indenização pelos

danos materiais e morais suportados, sem prejuízo do pensionamento e demais sanções

decorrentes do direito matrimonial.”395

393 Clayton Reis, Responsabilidade civil pelo rompimento da união estável, cit., p. 221. 394 Humberto Theodoro Júnior, Dano moral, cit., págs. 89/90. 395 Humberto Theodoro Júnior, Dano moral, cit., p.90.

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1. PRINCIPAIS CAUSAS QUE RECLAMAM REPARAÇÃO

Dentre as possíveis causas que ensejariam reparação de danos, presentes

os pressupostos da responsabilidade civil, destacam-se: o adultério e as injúrias graves,

o abandono injusto e lesivo e a transmissão de doenças, como a Aids.

Admitindo o adultério entre os conviventes como violação ao dever de

lealdade, além de ser causa para a dissolução da união, também poderá ensejar

reparação moral ou material, desde que haja nexo entre a conduta adúltera e o dano

experimentado pelo ofendido.

Assim já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em não

reparar danos morais, pois não ficou provado o nexo causal entre a conduta adúltera e os

danos sofridos pela convivente traída:

“Dano moral – União estável – Adultério.

Desfeita a união estável em razão de fato de

adultério, a conseqüência jurídico-legal não passa da

dissolução da sociedade conjugal de fato, não

gerando dano moral indenizável.

Ausência de demonstração mínima de nexo causal

entre o fato do adultério e os demais fatos lesivos

sofridos pela autora, descabe indenizar.

Recurso desprovido, Unânime.”

(TJRS – 1ª T. – Recurso inominado nº 71000576363

– Rel. João Pedro Cavalli Júnior – j. 21.10.2004).

Segundo doutrina José de Aguiar Dias: “sem cogitar do dano moral que

incontestavelmente acarreta, o adultério pode produzir dano material e, em presença

dele, a admissibilidade da ação reparatória não pode sofrer objeção, ainda por parte dos

que se negam a reconhecer a reparabilidade do dano moral.”396

Caso não se configure o adultério, pois restrito é o seu conceito (prática

de conjunção carnal com pessoa distinta de seu companheiro/cônjuge), haverá

396 José de Aguiar Dias Apud Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., p. 99.

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possibilidade de reparar o quase-adultério ou injúria grave, que são os atos diversos da

conjunção carnal e evidenciam tal propósito.397

O abandono, por sua vez, para gerar indenização, deve ser injusto e

lesivo. Se motivado, ou seja, se um dos conviventes contribuiu para que o outro

deixasse a vida em comum, saindo do lar ou se o abandono não trouxer prejuízo algum

pois, pode acontecer que, finda a união, o convivente esteja contemplado com melhores

recursos, que antes não dispunha. Nestes dois casos, não há que se falar em

indenização.398

Mais uma causa que pode resultar em reparação de danos entre

conviventes é a transmissão de Aids (Síndrome da Imuno Deficiência Humana

Adquirida) de um convivente ao outro.

Desta forma, gera indenização, a transmissão dolosa ou culposa da Aids,

de modo que se o portador da doença não tem consciência de seu mal, não há que ser

punido, assim, se na constância da união estável o convivente contrai HIV (Human

Immuno Deficiency Vírus) positivo através de transfusão de sangue, por exemplo, e

transmite-o ao seu convivente, sem culpa ou dolo, não tem nada a reparar.

Melhor esclarecendo, um dos conviventes pode adquirir o vírus da Aids

através de simples transfusão de sangue. Contaminado, por vários anos, poderá

permanecer assintomático. Se neste período ocorrer a contaminação ao respectivo

convivente, não há que se falar em culpa, vale dizer, o portador não sabe que o é.

Neste contexto, Marco Antonio Fanucchi, apresenta transcrição do Guia

Médico da Associação Paulista de Medicina: “(...) o contaminado com o HIV pode não

apresentar sintomas ou ter breves indisposições por uma ou duas semanas, com

sintomas similares aos de outras infecções viróticas. Passam-se meses, em geral anos,

sem que sintoma ou sinal de infecção se manifeste, mas o indivíduo pode contaminar

outras pessoas nesse período. Durante esse tempo o sistema imunológico vai sendo

prejudicado pela perda de um tipo particular de célula sanguínea branca, o linfócito T4.

Os sintomas acabam se desenvolvendo. Tipicamente, seguem-se uma sucessão de

397 Consultar Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., p. 98; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Causas culposas da separação judicial, cit., págs. 233/234. 398 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato, v.1, cit., págs., 280/283 e Américo Luís Martins da Silva, O dano moral, cit., p. 49.

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infecções recorrentes e gradualmente mais graves, perda de peso profunda, diarréia

crônica e em geral um tipo de câncer.”399

Situação diversa é a do convivente que sabe ser soropositivo e omite este

fato, não prevenindo seu companheiro de uma possível contaminação.

José de Aguiar Dias embora se manifeste com relação aos cônjuges, nada

impede que sua posição seja estendida aos companheiros, assim, entende o autor que:

“no mesmo plano devem ser observadas outras infrações aos deveres conjugais, máxime

quando em si mesmas constituam violação de um dever geral para com outrem. Assim,

a responsabilidade do cônjuge que transmite ao outro moléstia contagiosa, hipótese em

que é indiferente, para aparecimento do dever de reparação, que a moléstia tenha ou não

sido comunicada intencionalmente, bastando para a caracterização da responsabilidade a

simples negligência ou imprudência.”400

Inacio de Carvalho Neto entende que “não se exige necessariamente

conhecimento da existência da doença pelo cônjuge que a transmite. É possível que a

conduta culposa tenha sido até mesmo anterior à aquisição da doença pelo cônjuge que

vem a transmiti-la.”401

Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos ao elencar situações

extraídas de decisões de tribunais, também se refere à transmissão da Aids: “a

contaminação da convivente pelo vírus da AIDS de que era portador seu companheiro, o

qual tinha consciência da doença e matinha relação sexual com a consorte, sem tomar as

devidas cautelas de uso de preservativo” e, adiante, a autora justifica a possibilidade de

indenização por danos morais ou materiais: “merecem a devida indenização pela

reparação de danos morais e materiais, a compensar-lhes as angústias e perdas sofridas e

a servir de desestímulo à prática de outros atos semelhantes pelo lesante.”402

Para Lydia Neves Bastos Telles Nunes gera obrigação de indenizar, a

hipótese do cônjuge ou companheiro, que se relacionando fora do casamento ou da

união estável, portanto, violando o dever de fidelidade, contrai Aids e transmite-a ao seu

consorte ou convivente. Segundo a autora, “o desrespeito ao dever conjugal ou entre

399 Fanucchi, Marco Antonio. Aids e o direito de família. Revista da USP – Dossiê Aids, n. 33, mar/mai de 1997 p. 82. 400 José de Aguiar Dias Apud Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., p. 104. 401 Inacio de Carvalho Neto, Reparação civil na separação litigiosa culposa, cit., p. 104. 402 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos cônjuges, cit., p. 124.

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companheiros vai gerar para o culpado a obrigação de indenizar, sem falar em separação

judicial ou dissolução da união estável.”403

Doença incurável que é a Aids, pode por fim à vida e causar grande abalo

psíquico além da discriminação social que sofre o portador desta doença. Assim,

comprovada a culpa ou o dolo e, verificados os pressupostos da responsabilidade civil,

pois imprescindível o nexo entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do companheiro

que transmite a Aids, evidente que há dano moral pelo transtorno psicológico, bem

como o dano material que se verifica pela aquisição de medicamentos necessários para

o tratamento.

Cita-se novamente a posição de Lydia Neves Bastos Telles Nunes que

defende a indenização por dano moral em decorrência da transmissão da Aids: “o

direito à indenização pelo dano moral está ligado ao sofrimento causado pelo

comportamento culposo do cônjuge ou companheiros pela transmissão da Aids. Assim,

é de admitir-se até o dever reparatório na constância da sociedade conjugal ou da união

estável.”404

A décima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo

já se manifestou pela possibilidade de indenização pela transmissão do vírus da Aids,

verificada a culpa do companheiro ao transmitir a doença à sua convivente. São termos

da ementa:

“Indenização – Responsabilidade civil – Contágio

pelo vírus da AIDS – Culpa de companheiro, em

relação concubinária – Exclusão de propalada culpa

concorrente da vítima – Cumulação de indenizações

por danos moral e material – Admissibilidade – Não

configuração de outorga indenizatória, pelo dano

moral, superior ao pedido – Acerto no deferimento

de indenização por serviços especiais prestados ao

paciente, até o advento de sua morte – Caso em que,

para tanto, precisou a autora deixar seu emprego

403 Lydia Neves Bastos Telles Nunes, Do dano moral e a transmissão da Aids entre cônjuges e entre companheiros, Direito e responsabilidade, coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 125. 404 Lydia Neves Bastos Telles Nunes, Do dano moral e a transmissão da Aids entre cônjuges e entre companheiros, cit., p., 138.

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fixo, dedicando-se exclusivamente ao companheiro

– Inexistência de excesso no arbitramento da verba

honorária – Recursos não providos.”

(TJSP – 10ª Câm. – Ap. 248.641-1/8 – Rel. Quaglia

Barbosa – j. 23.04.1996).

Há que se cogitar que pode haver excludente de responsabilidade civil,

como a culpa exclusiva da vítima, como anota Rogério Marrone de Castro Sampaio:

“não é difícil imaginar a presença de culpa concorrente – que será levada em

consideração na fixação do montante indenizatório – e mesmo exclusiva da vítima.

Basta imaginar a pessoa que, sabedora dos riscos de contrair a doença, mantém relações

sexuais com pessoas aidéticas.”405

405 Rogério Marrone de Castro Sampaio, Direito civil, cit., p. 48.

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2. POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DE DANOS ENTRE

CONVIVENTES

Evidencia-se que tendo um dos conviventes praticado ato ilícito,

causando lesão ao seu companheiro e, esta lesão tanto pode ser patrimonial quanto

moral, grande injustiça seria cometida em se negar a reparação deste ilícito, mormente

se presentes os pressupostos que configurem a responsabilidade civil, nos termos do

artigo 186 do Código Civil.

Não se pode mais usar do argumento de falta de disposição legal

expressa406. Grande injustiça seria cometida. Das decisões citadas observa-se que

quando um convivente através de seu comportamento ilícito prejudica seu companheiro,

quiçá de longos anos, a frustração é muito grande, a humilhação dói muito mais, pois

mais do que desilusão e sofrimento, quando ocorre ato ilícito muitas vezes a relação se

rompe, quebram os laços de afetividade e confiança e, a relação que antes era de amor,

passa a ser de ódio.

Vitor Ugo Oltramari, após analisar as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96,

conclui que nenhuma delas prevê sanção para o rompimento culposo da união estável

que gere danos e, especialmente, refere-se o autor, o dano moral. Argumenta que: “o

compromisso amoroso, tanto no casamento como na união estável, é, por natureza,

cheio de riscos. Assim como o casamento é do risco da união estável a possibilidade do

seu rompimento; todavia, dando-se com culpa, causando sofrimento e dano ao consorte,

precisa ser responsabilizado, até como forma de garantir a ética e a moral familiar.”407

Anota Belmiro Pedro Welter que “não se está reclamando pecúnia do

amor, e sim pagamento contra aquele que se aproveitou da relação jurídica que envolvia

o amor para causar graves ofensas delituosas, morais e dor martirizante, justamente

contra aquele que jurou amar, mas, ao contrário, com a sua conduta tóxica, confiscou-

406 Este argumento perde a razão de ser haja vista a previsão constitucional de indenização por dano moral (CF, art. 5º, X) bem como a regra geral da responsabilidade civil, prevista no Código Civil, artigos 186 e 927. Conforme Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, A culpa nas relações de família, cit., p., 79: “Reitere-se que o referido art. 186 consta da Parte Geral do Código Civil, de modo que sua aplicação estende-se a todos os Livros ou Partes Especiais desse Código, dentre os quais está o Livro do Direito de Família.” 407 Vitor Ugo Oltramari, O dano moral, cit., págs. 89/90. Defende posição em sentido contrário Maria Celina Bodin Moraes, Danos morais e relações de família. Afeto, ética, família e o novo Código Civil Brasileiro – Anais do IV Congresso Brasileiro de direito de família, coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey – IBDFAM, 2004, págs. 412/414. Segundo a autora, o direito de família possui remédios próprios que são capazes de solucionar o fim do afeto, do respeito mútuo, da vontade constante dos conviventes em permanecerem juntos. Estes remédios, para a autora, seriam a separação e, eventualmente, o divórcio.

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lhe a honra e a própria dignidade humana, princípio elevado à categoria de fundamento

da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF).”408

Sérgio Gischkow Pereira defende tese contrária, referindo à

monetarização do direito de família, entende que há exageros nos pedidos de

indenização por dano moral. Sustenta que: “o sistema jurídico-positivo pátrio sanciona o

infrator com a penosíssima condenação como cônjuge culpado, que, além de bastante

afetar moralmente, implica nas conseqüências gravíssimas de perda do direito à guarda

dos filhos e perda do direito a alimentos! Pois bem, não há que acrescentar a isto, sem

lei explícita, mais uma sanção, qual seja a indenização por dano moral!”409

Na verdade, ressalta-se, não se indeniza a falta de afeto ou de amor, que

pode culminar com a dissolução natural da união estável, como lembra Humberto

Theodoro Júnior, “a tese que sempre logrou prevalecer foi a de que a vida comum do

casal se assenta sobre o amor e quando esse cessa o casamento fracassa e os deveres

conjugais deixam de ser observados. Por essas infrações, as sanções legais são as

previstas no direito de família e não as do direito das obrigações.”410

Nesse sentido, Washington de Barros Monteiro: “nota-se, ainda, que o

desamor, por si só, não gera o direito à indenização, sendo indispensável o

preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil: ato ilícito (violação a dever

conjugal) e dano (moral ou material), conforme o art. 186 do novo Código Civil.”411

Para Fábio Alves Ferreira, tendo um dos companheiros, através de ato

ilícito, provocado lesão patrimonial ou aos direitos da personalidade do seu

companheiro, a parte lesada tem direito à reparação do dano quando presentes os

pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual, “não se

justificando o fato de viverem em união estável, para que tal direito lhes seja negado, o

que, diga-se de passagem, constituem uma afronta ao próprio sentimento de justiça.”412

Conclui-se que qualquer prejuízo experimentado pelos conviventes é

passível de reparação. Assim, presentes os pressupostos da responsabilidade civil, o

408 Belmiro Pedro Welter, Dano moral na separação, divórcio e união estável, cit., Revista dos Tribunais, v. 775, p.135. 409 Sérgio Gischkow Pereira, O dano moral no direito de família: o perigo dos excessos capazes de repatrimonializar as relações familiares. Grandes temas da atualidade - Dano moral, coord. Eduardo de Oliveira Leite. Rio de Janeiro: Forense, 2002, págs. 417/418. 410 Humberto Theodoro Júnior, Dano moral, cit., p.87. 411 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 54. 412 Fábio Alves Ferreira, O reconhecimento da união de fato como entidade familiar e a sua transformação num casamento não solene, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003, págs., 176/177.

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dano, material ou moral, deverá ser indenizado, de modo que não se promova a injustiça

e a impunidade.

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CONCLUSÃO

1. A responsabilidade civil como instituto dinâmico pode acompanhar as

mudanças e transformações sociais, flexibilizando seu alcance às necessidades de cada

época. Neste contexto, o direito de família não está imune a tal flexibilização.

Conceitua-se responsabilidade civil como a situação de quem, ao

infringir norma jurídica preexistente, legal ou contratual, gerando dano, material ou

moral, fica responsável pela reparação deste, levando ao stato quo ante.

Partindo do conceito estabelecido, foram analisados os pressupostos da

responsabilidade civil: a conduta do agente que pode ser comissiva ou omissiva, a culpa

ou dolo, o dano sofrido pela vítima e a relação de causalidade entre o dano e a conduta

do agente. Deu-se ênfase ao dano moral como lesão decorrente de ato ilícito que fere os

direitos da personalidade, não necessariamente reduzindo o patrimônio da vítima.

Atualmente o Código Civil prevê expressamente a possibilidade de indenização por

dano exclusivamente moral, no artigo 186. Entretanto, já previa a Constituição Federal

de 1988, artigo 5º, V e X tal possibilidade.

Considerando o fato gerador da responsabilidade civil, foram analisadas

as espécies contratual e extracontratual. A primeira origina-se de contrato estabelecido

entre as partes, está prevista no artigo 389 do Código Civil. A responsabilidade civil

extracontratual ou aquiliana, por sua vez, é baseada na culpa e surge a partir de um

comportamento humano reprovável, vem prevista no artigo 186 do Código Civil.

Verificou-se que a noção de responsabilidade civil está ligada à

reparação de danos, pois, o que se pretende, é sancionar o comportamento reprovável,

ensejador de ato ilícito. Desta forma, eventuais danos gerados pelo desrespeito ao dever

de não lesar direito alheio, serão reparados aplicando-se as regras da responsabilidade

civil.

2. Constatou-se que o conceito de família sofreu profunda modificação,

abandonando a estrutura familiar fundada no poder absoluto do pater famílias para a

formação da família baseada no afeto. A mudança na estrutura familiar permite afirmar

que o casamento não é o único meio de se constituir família, pois a Constituição Federal

admite as entidades familiares constituídas por união estável (artigo 226. §3º) e pela

família monoparental (artigo 226, §4º).

Observou-se que este ambiente de afeto e solidariedade não está imune a

sofrimento e constrangimentos causados por integrante da família em virtude de

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conduta ilícita, pois desta conduta reprovável resultam danos que quando provocados

por membro da própria família causam dor, mágoa e ressentimentos com maior

intensidade do que se provocados por qualquer estranho à relação familiar.

A fim de explicitar a responsabilidade civil no direito de família, mas sem delongas, de

modo a não fugir do tema proposto, algumas situações foram analisadas. Em princípio,

cuidou-se da responsabilidade civil por fato de outrem, prevista no artigo 932 do Código

Civil, especificamente, incisos I e II que tratam respectivamente da responsabilidade

civil dos pais em relação aos filhos e da responsabilidade civil do tutor e curador pelos

pupilos e curatelados. Funda-se a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, no

poder familiar e no dever de cuidado e de vigilância. Com relação ao dever de

vigilância, também se responsabilizam as pessoas que estiverem encarregadas de cuidar

do menor.

Outra situação é a ruptura do noivado ou quebra dos esponsais. Sabe-se

que o noivado embora não disciplinado pelo Código Civil Brasileiro, é compromisso

sério, espontâneo, voluntário que visa o casamento. É uma fase para que os futuros

cônjuges possam melhor se conhecer. Durante o noivado, pode se revelar a não

afinidade entre os noivos e o noivado termina naturalmente. Findo de forma civilizada,

não há que se falar em indenização pelos simples rompimento. Todavia, diante de

rompimento de noivado sério, de modo injusto e humilhante que ocasione danos,

materiais ou morais, há possibilidade de reparação dos prejuízos.

Na separação judicial litigiosa, verificado o ato ilícito e a ocorrência de

danos, também é possível aplicar as regras da responsabilidade civil para reparar o

prejuízo sofrido. O direito de reparação funda-se no artigo 186 do Código Civil.

Ressalta-se que o ato ilícito deverá ser reparado tenha ou não sido o motivo da

separação, vale dizer, o ato ilícito além de ser a causa da separação porque violador de

dever conjugal é ao mesmo tempo causa que enseja a aplicação da responsabilidade

civil.

3. A união estável, antes denominada genericamente de concubinato, há

muito tempo representa uma forma de convivência entre homem e mulher. Na Grécia

antiga há notícia de concubinatos permeando a cultura grega. Em Roma, ao lado do

casamento também se conheceu o concubinato como forma de união. O concubinato a

princípio, foi tolerado pela igreja católica, mas, posteriormente, combatido. No Brasil,

na época das Ordenações, o concubinato não tinha regulamentação, nem proibição. O

que se proibia eram as doações do homem casado à sua concubina.

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Desta forma, de início, o concubinato visto como relação ilícita e imoral

foi rejeitado, recebendo alguma proteção no campo obrigacional. Lentamente e aos

poucos, com o surgimento de leis esparsas e o avanço jurisprudencial, foram sendo

reconhecidos direitos ao concubinato puro, não adulterino, chegando à consagração

constitucional em 1988. Foi reconhecida então, para efeitos da proteção do Estado, a

entidade familiar formada entre homem e mulher, no artigo 226, §3º. À entidade

familiar reconhecida constitucionalmente, deu-se o nome união estável, inclinando o

abandono, por inadequação, do termo concubinato para expressar a entidade familiar

consagrada pela Carta Magna. Destarte, o termo concubinato hoje, designa as relações

não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar, nos termos do artigo 1.727 do

Código Civil.

Observa-se que não pretendeu o constituinte a equiparação da união

estável com o casamento. Conferiu-se, ademais, à união estável, natureza jurídica de

fato jurídico em sentido restrito, pois sua formação verifica-se com o tempo, presentes

elementos particulares, tais como a notoriedade, a unicidade do vínculo, a fidelidade, a

intenção de viver como se casados fossem, ou seja, a estabilidade da relação solidifica-

se com o passar dos anos.

Para que se configure união estável, necessária a presença de requisitos

essenciais como a diversidade de sexos, a ausência de impedimento matrimonial, a

coabitação, a notoriedade da relação e a lealdade.

Aos companheiros são reconhecidos direitos e deveres, no artigo 1.724

do Código Civil. Tais direitos e deveres foram atribuídos nos mesmos padrões daqueles

conferidos ao casamento. Desta forma, assim como no casamento, na união estável,

haverá possibilidade de responsabilidade civil para reparar danos decorrentes de ilícitos

pela quebra dos deveres entre os conviventes. Da união estável também decorrem

efeitos sociais, pessoais e patrimoniais. É efeito social o fato da união estável constituir

entidade familiar e, assim sendo, merecedora de proteção estatal. São efeitos pessoais,

além dos extraídos do artigo 1.724 do Código Civil, a possibilidade da companheira

usar o nome do companheiro, o que já era regulado pela lei dos registros públicos lei nº

6.015 de 31 de dezembro de 1973, artigo 57, §2º. Dentre os efeitos patrimoniais, ainda

que superficialmente, destacou-se o direito a alimentos, o direito sucessório e o direito

real de habitação.

4. Constatou-se que o simples rompimento da união estável não reclama

reparação de danos, pois não se pretende indenizar a fim do amor ou do afeto. Na

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verdade, o que se pretende, é a reparação de prejuízos de ordem moral ou patrimonial,

gerados pela prática de ato ilícito.

Salienta-se que o ato ilícito além de fundamentar a indenização, também

pode ser a causa da ruptura da união estável.

Em que pese a divergência com que os Tribunais cuidam da matéria, não

são totalmente insensíveis à matéria, como se verificou nas citadas decisões do Tribunal

de Justiça de São Paulo – 2ª Câm. - Ap. 066.960-4/8 – Rel. Ênio Santarelli Zuliani – j.

23.02.1999 – RT 765/191 e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, - 11ª Câm. – Ap.

2003.001.35194 - Rel. José Carlos de Figueiredo – j. 11.02.2004.

Dentre as possíveis causas que ensejariam responsabilidade civil,

destacou-se o adultério entre conviventes, o abandono injusto e lesivo e a transmissão

culposa da aids de um convivente ao outro.

Por fim, anota-se que a inexistência de disposição legal expressa acerca

da reparação de danos materiais ou morais ocorridos na constância da união estável, não

deixará desamparado o/a companheiro/a que sofrer com a conduta ilícita do seu

respectivo convivente, pois, presentes os pressupostos caracterizadores da

responsabilidade civil, funda-se a reparação dos danos, materiais ou exclusivamente

morais, no artigo 186 do Código Civil.

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