tempo e espaco entre os nawe

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Revista de Antropologia is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista de Antropologia. http://www.jstor.org Tempo e espaço entre os Enawene Nawe Author(s): Márcio Silva Source: Revista de Antropologia, Vol. 41, No. 2 (1998), pp. 21-52 Published by: Revista de Antropologia Stable URL: http://www.jstor.org/stable/41601946 Accessed: 20-04-2015 12:18 UTC Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at http://www.jstor.org/page/info/about/policies/terms.jsp JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. This content downloaded from 130.238.7.40 on Mon, 20 Apr 2015 12:18:53 UTC All use subject to JSTOR Terms and Conditions

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Teoriza e mostra dados etnográficos a volta da noçao de tempo e espaço

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  • Revista de Antropologia is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista de Antropologia.

    http://www.jstor.org

    Tempo e espao entre os Enawene Nawe Author(s): Mrcio Silva Source: Revista de Antropologia, Vol. 41, No. 2 (1998), pp. 21-52Published by: Revista de AntropologiaStable URL: http://www.jstor.org/stable/41601946Accessed: 20-04-2015 12:18 UTC

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  • Tempo e espao entre os Enawene Nawe1

    Mrcio Silva (Professor do Departamento de Antropologia - USP)

    RESUMO: Com base na observao das prticas econmicas e ceri- moniais desenvolvidas por um povo aruak da Amaznia meridional, os Enawene Nawe, o presente artigo prope um modelo tentativo da organi- zao do tempo e espao sociais. Procuro argumentar que tais prticas devem ser entendidas em um contexto scio-cosmolgico mais amplo, que funda e organiza a sociabilidade.

    PALAVRAS-CHAVE: ritual, economia, povo Enawene Nawe, Aruak

    Este artigo tem por objetivo formular um primeiro modelo inter-

    pretativo do tempo e espao social, em um povo de lngua aruak da Amaznia meridional brasileira, os Enawene Nawe, a partir da

    observao de suas prticas cerimoniais e econmicas. Trata-se, em resumo, de um exerccio etnogrfico que pretende retomar uma

    questo clssica na Etnologia Sul Americana, que tem como mar- co um simpsio dedicado inteiramente ao assunto, organizado por Joanna Overing, em 19762, favorecendo, nos anos seguintes, a for- mulao das primeiras snteses sobre a questo. Este artigo no visa, contudo, retomar o tema de uma perspectiva comparativa, mas sim oferecer uma contribuio ao corpus etnogrfico da re-

    gio, a partir do exame de um caso particular. Como ser possvel observar, a vida cerimonial e os ciclos de

    produo oferecem acessos privilegiados s classificaes scio-

    cosmolgicas, polticas e institucionais deste povo, que fundam o

    espao e tempo social. Convm alertar, porm, que uma etnografia detalhada de tais experincias da vida cotidiana evidentemente no

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    caberia em um nico artigo. Devemos nos contentar aqui com os seus contornos gerais. Alm disso, preciso assinalar que, embo- ra a anlise apresentada no tenha, como dissemos, qualquer in- tuito comparativo, o material enawene nawe apresenta em vrios momentos um indisfarvel ar de famlia com a paisagem alto-

    xinguana, com os povos j-bororo e, em especial, com os aruak do noroeste amaznico e os Jvaro da Amazonia Equatoriana. Neste sentido, fenmenos aqui observados, como a projeo dos

    laos sociolgicos de consanguinidade e afinidade sobre a natu- reza e seus agentes, evocam imediatamente anlises como as de Descola (1987) e Journet (1988). Por outro lado, a caracterizao das prticas econmicas e cerimoniais como os dois lados de uma mesma moeda - juntas definindo mecanismos de troca que orga- nizam a sociabilidade -, revela uma diferena importante entre o caso enawene-nawe e outros verificados na Amaznia meridio- nal, como por exemplo o apinay, estudado por Da Matta (1976). Recordemos: entre este povo j setentrional, os contrastes estru- turais entre o pblico e o privado estabelecem uma separao ra- dical entre o mundo cerimonial e o mundo domstico, em que se desenvolvem as atividades econmicas. A considerao desses

    contrapontos etnogrficos ser objeto de um prximo artigo.

    O problema

    Os Enawene Nawe habitam uma regio de transio entre o cer- rado e a floresta equatorial, ocupando uma rea de aproximada- mente 740 mil hectares, localizada no vale do rio Juruena, forma- dor do rio Tapajs, na poro noroeste do Estado de Mato Grosso, Brasil. Neste territrio predominam relevos dissecados e escarpas erosivas, com algumas superfcies de rochas segmentares em reas bem restritas e dispersas. Esta rea coberta por uma vegetao

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1998, v. 41 n2.

    variada, com regies de cerrado, de floresta tropical e de contato entre esses dois tipos. O cerrado, dominante nos extensos planal- tos dissecados pelos cursos gua formadores do vale do rio Ju- ruena, corresponde a um conjunto de formaes herbceas da zona

    neotropical, intercaladas por florestas-de-galeria. A floresta tro- pical do tipo estacionai semidecdua, compreendendo duas for- maes vegetais de fisionomias distintas: floresta aluvial e flo- resta submontana. A regio de contato cerrado / floresta-estacional apresenta uma composio floristica mista. O clima define duas

    estaes muito bem marcadas, uma chuvosa, durante os meses de outubro a maro, e outra seca, entre abril e setembro. Segundo a EMPAER-MT/Brasnorte, a precipitao na regio tem sido sem- pre superior a 60 mm durante a estao chuvosa, com pico de 131 mm em maro, e sempre inferior 60 mm durante a estao seca, com pico de 0 mm em julho e agosto. A regio possui uma vasta rede hidrogrfica, alm de inmeras lagoas marginais e reas alagveis. A malha fluvial, orientada na direo nordeste, apre- senta guas lmpidas e de baixa turbidez.

    Em resumo, o territrio enawene nawe localiza-se em uma rea onde predominam solos e guas relativamente pobres em nutrien- tes. Neste cenrio, a economia enawene nawe se baseia funda- mentalmente nas culturas de mandioca e de milho e na atividade

    pesqueira. Embora a regio apresente condies aparentemente bastante favorveis caa de mamferos e aves de mdio e grande porte, intensivamente praticada em regies adjacentes pelos po- vos indgenas Rikbatsa, Mnk, Nambiquara e Cinta Larga, os pei- xes correspondem quase totalidade das fontes de protena ani- mal da dieta enawene nawe, eventualmente complementada por alguns insetos. Alm disso, diferentemente da grande maioria dos

    povos do mundo, os Enawene Nawe no consomem gua in na- tura, recurso abundante nesta regio de muitas nascentes.

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    Os Enawene Nawe desenvolram a seguinte explicao para a

    paisagem natural. Em tempos remotos, afirmam, a superfcie ter- restre era absolutamente plana e sem qualquer vegetao. No meio deste cenrio, havia uma nica rvore gigantesca ( atahixuane ), uma rvore de milhares de rvores de todas as espcies. Um dia, um heri chamado W adare, ajudado por outros Enawene Nawe, decidiu derrub-la a golpes de machado. Com o impacto provoca- do pela queda desta rvore descomunal, surgiram os leitos dos rios e as ondulaes no relevo. A queda permitiu ainda o surgimen- to da cobertura vegetal. Os Enawene-Nawe ocupam desde ento uma regio de cabeceiras, onde os rios no so muito largos. No

    plano horizontal, proporo que se afasta desta regio, os rios vo se tornando cada vez mais caudalosos e as guas ocupam um

    espao na superfcie cada vez maior, at dominar a paisagem com-

    pletamente. No plano vertical, esta se situa entre um patamar cs- mico subterrneo, povoado por espritos predadores (os yakairiti), e um celeste, onde moram seus espritos ancestrais (os enore- nawe). Estes trs mundos correspondem a esferas de sociabilida- de distintas mas, como veremos, inextrincavelmente imbricadas.

    As atividade de manejo dos recursos "naturais" e "sobre-natu- rais" - as prticas econmicas e a vida cerimonial - s podem ser

    adequadamente observadas tendo em vista este quadro de refe- rncias nativo. Ao longo do ano, os Enawene Nawe definem duas

    estaes econmico-cerimoniais distintas. Uma delas marcada

    pelas interaes entre os Enawene Nawe e os espritos do patamar subterrneo, englobando os perodos de cheia, vazante e seca do ciclo hidrolgico; outra voltada para as suas relaes com os

    espritos do patamar celeste, durante o perodo de enchente. Cada uma dessas "estaes" se desdobra, por sua vez, em duas fases distintas: a estao dos espritos subterrneos constituda pelos perodos dos rituais ykwa e lerohv, a dos espritos celestes, pelos perodos dos rituais saluma e kateok.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1998, v. 41 n2.

    Em linhas gerais, as prticas econmicas e cerimoniais so enca- deadas da seguinte maneira no ciclo anual: no incio da estao seca, os Enawene Nawe promovem o plantio de mandioca e de milho, seguido de uma breve cerimnia do lerohT. Partem ento para as pescarias do lerohT, praticadas nas calhas dos rios e em lagoas marginais, seguidas por um perodo longo e complementar do ritual do lerohT, que se estende at o fim da estao seca. Com o incio das chuvas, realizam uma breve cerimnia do saluma, seguida de uma nova expedio de pesca e coleta de mel e, final- mente, de um perodo longo e complementar daquele ritual. De dois em dois anos, as mulheres (Enawenero Nawe) realizam o ri- tual do kateok. O ritual do kateok marca o incio de um ciclo bienal econmico-cerimonial, como veremos adiante. Com o fim do saluma /kateok, ocorre a temporada dos jogo de bola ( haira ), imediatamente seguida de um breve perodo da cerimnia do ykwa, que se prolonga at organizao das grandes expedies de pesca. O retorno das expedies seguido do perodo longo e

    complementar do ritual do ykwa, que se estende at o plantio de mandioca e de milho, quando tudo se repete.

    Segundo os Enawene Nawe, as fases do ciclo cerimonial so distintas mas encadeadas, uma vez que saluma marido de kateok que, por sua vez, tem dois irmos mais novos, o caula, ykwa e o do meio, lerohT. Os Enawene Nawe se concebem como descen- dentes de Saluma e Kateok, sendo os espritos celestes por eles

    representados como seus avs-ancestrais. Enquanto isso, Ykwa e LerohT so os "Outros", afins ligados a Saluma por Kateok. Dessa forma, uma curiosa verso nativa do tomo lvi-straussiano

    emerge como estrutura subjacente aos processos nativos de defi-

    nio de identidades e de alteridades coletivas.

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    estao dos espritos celestes estaco dos espritos subterrneos

    enchente cheia, vazante e seca

    A A saluma ^ kateok vkwa leroh

    Os Enawene Nawe

    Figura 1: 0 tomo scio-cosmolgico.

    O esquema nativo (estrutura "estruturante") remete diretamen- te a um conjunto de classificaes institucionais e polticas, defi- nindo uma base "sociolgica", elaboradamente estruturada, como veremos abaixo.

    Urbi ...

    Os enawene nawe contam com uma populao de menos de tre- zentos indivduos3, vivendo em uma nica aldeia localizada na poro noroeste do territrio. Esta populao se concentra em uma nica rea de residncia. A aldeia ( hotaikiti ) e as reas cultivadas circundantes ( masenekwa ) se definem como espaos propriamen- te humanos, diante da mata ( kaira ), por onde vagam as sombras dos mortos ( dakuti ) e transitam os temveis espritos subterrneos (yakairiti), donos dos recursos naturais e das doenas. Os Enawene Nawe nomeiam suas aldeias com a designao de algum curso

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1998, v. 41 n2.

    gua, seguida do sufixo de lugar -kwa. A construo de uma nova aldeia tende a ocorrer em intervalos de aproximadamente dez anos4. A aldeia atual, Matokodakwa, foi erguida em 1993. O esgotamento dos solos em seus arredores, somado ao acmulo de defuntos enterrados sob o cho das casas - o que atrai perigosa- mente os espectros sinistros dos mortos -, foram as razes alegadas para a mudana de local da aldeia5.

    Figura 2: Croquis da aldeia enawene nawe.

    O espao aldeo define uma rea residencial composta por dez casas comunais retangulares ( hakolo ), dispostas em crculo, e por um ptio central ( wetekokwa , lit. "lugar do fora") local em que se situa a casa-dos-cls ( haiti ), onde so guardadas as flautas utili- zadas no cerimonial dedicado aos espritos subterrneos. Este ce- nrio evoca, em seus traos gerais, as aldeias alto-xinguanas, di- ferindo apenas na disposio das casas comunais, que obedecem a um padro radial e no perimetral. Construda com uma tcnica arquitetnica especial, que a torna muito mais resistente que as residncias, a casa dos cls se distingue ainda das demais edifica- es da aldeia por seu formato cnico, alm de sua localizao central6. Nesta casa moram as legies de espritos dos cls, repre-

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    sentados por suas flautas. Da aldeia, parte, no rumo leste, o "ca- minho dos cls" (ykwa awiti).

    O espao aldeo circundado por pequenos cursos d'gua, por locais reservados s necessidades fisiolgicas e por reas de cul- tivo. As roas de mandioca ( ketekwa ) esto localizadas em um raio de aproximadamente trs quilmetros da aldeia, as de milho (koretokwa), em um raio de aproximadamente trinta7. Os Enawene Nawe organizam o espao aldeo e seus arredores com base nas seguintes unidades: o grupo residencial, o grupo domstico e o grupo familiar.

    Os habitantes de uma casa comunal, membros de um grupo re- sidencial, so responsveis por sua construo e pelos constantes cuidados de conservao e manuteno deste espao. Mais fre- qentemente, um grupo residencial agrega dois a trs grupos do- msticos. Em casos excepcionais, pode abrigar mais de trs ou apenas um desses grupos. O interior da casa dividido em sees residenciais, separadas por reas de circulao comuns. Cada se-

    o ocupada por um grupo domstico, que a organiza as repar- ties familiares, a cozinha e a despensa. Cada grupo domstico cultiva uma ou mais roas de milho e organiza grandes expedi- es de coleta de frutos silvestres. As reparties familiares cor- respondem a pequenos espaos normalmente cercados por pare- des de palha onde um casal e seus filhos solteiros se renem noite em torno de uma fogueira. Este pequeno grupo familiar man- tm uma roa de mandioca, de meio hectare aproximadamente, e periodicamente promove a coleta de insetos comestveis e a pesca em pequena escala.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, US?, 1998, v. 41 n2.

    S' grupo domstico

    / I 9 m I ^ ' I ' / I 9 m I I ' / V cozinha J '

    j.fam Ig.tem '

    . " (grupo residencial I g (am J

    ' I cozinha g.fam ) /

    grupo domstico s'

    Figura 3: Croquis de urna casa comunal com duas sees domsticas, segmentadas por vez em compartimentos familiares (g.fam).

    Em resumo, um grupo familiar tem como ncleo a relao de casamento. Nestes grupos, os homens so responsveis pelo pro- vimento de lenha, pela derrubada, queimada e plantio, enquanto as mulheres praticam a limpeza peridica das reas cultivadas, a colheita e o processamento do alimento. O grupo domstico (um agregado de grupos familiares) tem como nexo as relaes entre sogro e genros e entre me e filhas. Esta unidade, fundada na uxorilocalidade e no servio da noiva, responsvel por uma co- zinha comunal e pelas roas de milho, onde o trabalho dividido segundo padres idnticos aos do grupo familiar. O grupo residen- cial (um agregado de grupos domsticos, reunidos em uma casa) repousa sobre a relao entre homens e mulheres "co-sogros" en- tre si ( natunawene ), isto , unidos pelo casamento de seus filhos.

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    Figura 4: O grupo residencial e seus termos constitutivos.

    Alm dos grupos residenciais, grupos domsticos e grupos fa- miliares - respectivamente, os habitantes de uma casa, os morado- res de uma seo de uma casa e os de uma de suas reparties -, os Enawene Nawe se dividem em cls (ykwa ), grupos exogmi- cos patrilineares, nomeados e dispersos pela regra de uxoriloca- lidade. So eles: kailore (KL), aweresese (AW), kawekwarese (KK), mairoete (MR), anihiare (AH), lolahese (LH), maolokori (ML), kawinariri (KN), kaholase (KH) e atosairi (AT), este lti- mo extinto. O sistema clnico est na base de uma das hipteses de emergncia do socius, como veremos a seguir. Os mitos de origem trazem ainda novos elementos para a compreenso das noes de tempo e espao, objetos deste artigo.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USE, 1998, v. 41 n2.

    Os Enawene Nawe, de maneira muito semelhante aos Bororo (Crocker, 1976), definem em sua mitologia duas hipteses, em certo sentido opostas mas complementares, sobre as suas origens. Numa delas, so descendentes do nico casal de seres humanos sobreviventes de uma grande enchente. Segundo este modelo

    monogenista, um homem e uma mulher virgens escapam da mor- te por afogamento, escalando o morro mais alto da regio. Quan- do as guas voltam aos nveis normais, o casal gera muitos filhos e filhas, povoando os diferentes cls.

    Alm desse modelo, os Enawene Nawe elaboraram o seu

    contraponto (poligenista) segundo o qual as suas tribos ancestrais originalmente habitavam o interior de uma pedra. Graas ao aux- lio de um pica-pau, que fez um buraco na pedra abrindo uma pas- sagem ao mundo exterior, as tribos se espalharam pela superfcie da terra8. No comeo, cada uma dessas tribos correspondia a uma comunidade endogmica, notadamente marcada pela prtica do casamento avuncular. Essas tribos, diferentes umas das outras, se

    apresentavam invariavelmente como culturas incompletas ou de- feituosas. Em uma dessas, por exemplo, todos os seus objetos eram de palha de buriti, em outra os homens no portavam o enfeite

    peniano, em outra ainda as aves eram o nico alimento consumido. Uma srie de catstrofes, provocadas pela ao dos espritos

    subterrneos, sob a forma de ataques de onas, monstros aquti- cos, tribos inimigas, epidemias etc., quase as dizimou totalmente. Os poucos sobreviventes dessas tribos, guiados pelos espritos celestes e subterrneos de seus respectivos cls, foram um por um se dirigindo a uma determinada aldeia, a dos formadores do aweresese, um dos cls principais. proporo que chegavam, dirigiam-se casa-dos-cls onde depositavam suas flautas em uma determinada posio, que, segundo os Enawene Nawe, se man- tm idntica at hoje9. Uma vez reunidos, os remanescentes de cada uma dessas tribos se envergonharam de algumas de suas

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Na we.

    idiossincrasias culturais e ensinaram uns aos outros os seus bons costumes. Assim, por exemplo, os anihiare aprenderam (com os outros) a no comer mais carne de caa, mas ensinaram (aos ou- tros) a usar o estojo peniano, e assim por diante. Os Enawene Nawe "histricos", isto , tornados idnticos aos atuais, depois da reu- nio das tribos e das flautas dos cls em uma aldeia circular, apre- endem assim o seu universo cultural como uma combinao de bom gosto de tradies distintas originrias do tempo dos Enawene Nawe "mticos", literalmente os que saram (da idade) da pedra10. E desde ento no se casa no prprio cl.

    Curiosamente, os cls no correspondem a unidades equistatu- trias. Ao contrrio, o sistema define dois nveis hierrquicos dis- tintos, um deles composto pelos cls principais (are)n e o outro por cls adventcios ( kahene )12. O cl corresponde a uma unidade

    espacialmente dispersa pela uxorilocalidade, responsvel pela grande roa de mandioca que abastece os banquetes rituais, e tem como esteio a relao entre pais (F) e filhos (S,D) ou entre irmos de ambos os sexos, oferecedores de mingau e sal durante as ceri- mnias que tematizam as relaes entre os Enawene-Nawe e os espritos subterrneos, sobre as quais voltaremos a seguir.

    Os cls so compostos no s por pessoas, mas tambm por legies de espritos subterrneos e espritos celestes, todos asso- ciados a conjuntos de flautas. Alm de corresponderem a unida- des exogmicas strictu senso, os cls desempenham funes eco- nmicas e cerimoniais igualmente bsicas. Obedecendo um rigoroso sistema de rodzio, um ou mais cls de cada vez perma- nece na aldeia por um perodo de dois anos, durante a estao dos espritos subterrneos - so os anfitries ( hari-kare ), produzindo uma grande quantidade de alimentos de origem vegetal, que sero trocados por peixes defumados, capturados pelos homens dos de- mais cls, que partem em expedies que podem durar dois me- ses ou mais.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, LISP, 1998, v. 41 n2.

    Finalmente, os cls, responsveis pelas grandes roas de man- dioca que abastecem os banquetes rituais, quando desempenham o papel de anfitries, se definem como os oferecedores de mingau e sal e mantenedores das fogueiras noturnas acesas no ptio, du- rante as cerimnias que tematizam as relaes entre os Enawene Nawe e os espritos subterrneos. Os anfitries se representam como indivduos ligados uns aos outros por uma fico de con-

    sanguinidade, correspondendo portanto a grupos da mesma natu- reza que seus termos constitutivos, os cls. Apenas os cls princi- pais obedecem um princpio de rodzio que define uma ordem estrita de cls anfitries, uma vez que seus espritos constitutivos, ao contrrio do que acontece com o de alguns cls adventcios, so muito ciumentos e sovinas. Na ltima dcada, os cls se asso- ciaram precisamente da seguinte maneira:

    cl principal (are) / cl adventcio (kahene) anos ~

    mairoete (MR) e kawinariri (KN) 88/89 aweresese (AW) e lolahese (LH) 90/91 kawekwarese (KK) e maolokori (ML) 92/93 anihiare (AH) e kaholase (KH) 94/95 kailore (KL) - 96/97

    ~ mairoete (MR) e kawinariri (KN),

    lolahese (LH), 98/99

    Tabela 1 : O rodzio dos cls na posio de anfitries.

    No binio subseqiiente, 00/01, certamente encontraremos o cl aweresese, sozinho ou acompanhado de algum cl adventcio, de-

    sempenhando o papel de anfitrio ( harikare ), e assim por diante.

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    Se as atividades econmicas definem ciclos anuais e a seqin- cia de rituais prev um intervalo de dois anos de durao, o con- junto de responsabilidades produtivas e cerimoniais de um grupo de anfitries corresponde a um ciclo de seis anos. Os futuros anfi- tries devem, com dois anos de antecedncia, providenciar o cul- tivo de uma grande roa de mandioca, que ir permitir o ofereci- mento de mingau durante as cerimnias que se estendem por semanas a fio. No primeiro ano, roam, derrubam e queimam uma rea da floresta; no segundo, voltam a roar, queimam novamente o terreno e plantam os tubrculos. Ainda nesses dois anos prepa- ratrios, os futuros anfitries so os "lderes das expedies de pesca" ( ikineo ) durante a estao ritual dos espritos celestes. Nos dois anos em que so anfitries, promovem duas colheitas anuais, uma para o ykwa, outra para o lerohT, seguidas do processamento e distribuio dos alimentos durante as cerimnias praticamente dirias em alguns perodos. No ltimo binio, desincumbidos das roas, so "lderes das expedies de pesca" ( honeregaiti ) duran- te a estao ritual dos espritos subterrneos. Dessa forma, se cada cl desempenha, um aps o outro, essas funes econmicas e cerimoniais, o modelo depende da atuao simultnea de no m- nimo trs cls principais para se por em movimento.

    A posio em que so guardadas as flautas cerimoniais do cl, definidas no incio do "tempo histrico", tem conseqiincias im- portantes para o padro de residncia, atuando na direo inversa da regra de uxorilocalidade, que provoca a disperso dos mem- bros do cl patrilinear. Isto porque, afirmam os Enawene Nawe, o senior de mais prestgio de cada uma dessas unidades deve morar em frente s flautas de seu cl. A construo de uma nova aldeia favorece remanej amentos residenciais sempre nesse sentido, per- mitindo que o grupo familiar do qual faz parte o membro mais proeminente de cada cl restaure o que um dia a regra de residn- cia alterou, e a senilidade ou morte do sogro passou a permitir.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, US?, 1998, v. 41 n2.

    Isto faz com que os Enawene Nawe associem no modelo nativo as casas comunais aos cls, o que parece, primeira vista, um con- tra-senso. Como sabemos, a associao entre um grupo de des- cendncia e um local de residncia (uma casa ou uma seo da aldeia, por exemplo) de certa forma trivial em sistemas har- mnicos: o que se verifica, por exemplo, entre os Bororo, matri- lineares e matrilocais, ou entre os Tukano, patrilineares e patrilo- cais, mas nunca em sistemas desarmnicos como o dos enawene nawe, em que a regra de residncia provoca inevitavelmente (mas, como vimos, no irremediavelmente) a disperso do grupo exo- gmico. Portanto, de uma perspectiva sincrnica, a distribuio da populao enawene nawe na aldeia corresponde a uma sntese de fatores de duas ordens distintas: o sistema clnico, marcado

    pelo carter perptuo da posio na aldeia de suas unidades cons- titutivas, e a srie matrimonial, sensvel poltica, demografia, aos imponderveis da vida cotidiana, ao desejo e s paixes. A

    posio das flautas reflete ainda a oposio de status definida pelo sistema clnico, concentrando nas faces leste e norte da estante em que so guardadas (ou onde moram seus espritos correspon- dentes) os instrumentos dos cls principais.

    w

    / LH AH ' i ML|()

    IMR '

    s I I N

    ' KN KH KK J ' KL AW /

    E Figura 5: O lugar das flautas na casa-dos-cls.

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    ... et orbi

    Retomando o que foi dito no incio deste artigo, segundo o mode- lo nativo os Enawene Nawe habitam o patamar intermedirio do universo, entre a esfera dos espritos celestes e a dos espritos sub- terrneos. Os espritos celestes so imortais, belos, generosos, al- vos, brincalhes, bondosos e saudveis, vivendo num mundo de plenitude sexual e repleo alimentar. A perfeio sociolgica do mundo celeste se traduz no impecvel acabamento arquitetnico da aldeia dos "ancestrais" assim como na prdiga natureza circundante, fonte inesgotvel de todos os prazeres gastronmicos, em que tudo cresce e floresce sem precisar ser cultivado. Na al- deia celeste, todos moram defronte s flautas de seus cls, j que a uxorilocalidade no opera neste patamar do cosmos. Alm dis- so, o ciclo ritual por eles praticado tematiza apenas os espritos celestes dos cls, ao passo que os humanos, como veremos a se- guir, se voltam no somente para esses espritos, mas tambm para os espritos subterrneos.

    Os Enawene Nawe se referem aos espritos celestes como seus ancestrais, com eles estabelecendo relaes que definem com as mesmas categorias de parentesco que empregam para os "avs" (atore/ahiro), e a eles tributam um poder extraordinrio de pre- veno e cura das enfermidades. Em alguns casos, os espritos celestes procuram mediar as relaes entre o doente e o esprito subterrneo algoz (isto , a doena), identificado por um ou uma "xam" ( sotairiti/sotailoti ). Os espritos celestes so ainda os do- nos do mel e de alguns insetos voadores consumidos pelos huma- nos, e acompanham os Enawene Nawe quando estes partem em expedies de pesca ou coleta, protegendo-os dos perigos do mun- do exterior aldeia.

    Enquanto isso, os espritos subterrneos so feios, implacveis, sovinas, preguiosos, perversos, insaciveis, promotores de do-

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, US?, 1998, v. 41 n2.

    enas e da morte. Se os espritos celestes guardam entre si uma razovel homogeneidade fsica, os espritos subterrneos podem assumir formas extremamente variadas, todas elas dantescas. So donos ou, pelo menos, intermedirios da quase totalidade dos re- cursos encontrados na natureza, como o peixe, a madeira, os fru- tos e os cultivos (mandioca, milho etc.). Uma vez que esses esp- ritos controlam os recursos naturais, os Enawene Nawe deles

    dependem inexoravelmente para a produo de alimentos e, por- tanto, para a reproduo da vida social. Esses espritos, que desig- nam ameaadoramente os enawene-nawe ora como "os mortos" (, mat nawe), ora como "comida" (hanini), no permanecem juntos em uma aldeia, como fazem os espritos celestes, mas, ao contr- rio, vivem separados uns dos outros, solitrios em seus domnios.

    Os espritos subterrneos so preguiosos a ponto de contar com

    que os Enawene Nawe produzam alimentos no apenas para si, mas tambm para eles. So to preguiosos, dizem os Enawene Nawe, que periodicamente aguardam impassveis uma grande quantidade de mingau produzido pelos humanos, que deve ser ver- tido no cho durante as cerimnias. O alimento absorvido pela terra e corre diretamente para as panelas desses espritos, que s tm o trabalho de ingeri-lo. Caso os Enawene Nawe no os abas-

    team, esses espritos se voltaro furiosos contra os humanos, e todos morrero. Nesse sentido, a mitologia enawene nawe pr- diga em cataclismas produzidos no passado por espritos subter- rneos que, por pouco, no dizimaram a humanidade totalmente, como no segundo mito de origem focalizado acima. Gatos escal- dados, os Enawene Nawe procuram com afinco no enfurec-los de novo.

    Em suma, enquanto o patamar celeste se define fundamental- mente como um mundo do "entre-si", o patamar subterrneo

    regido pela clave da alteridade em toda a sua potncia. Entre es- ses dois mundos, o universo dos humanos se materializa como

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    um espectro imperfeito do patamar celeste, inescapavelmente per- mevel aos desgnios e aos caprichos do patamar subterrneo. Lo- go, o mundo dos humanos corresponde a uma combinao de prin- cpios cosmologicamente opostos, mas tornados sociologicamente complementares.

    Neste universo, a vida cerimonial enawene nawe se desenvolve de maneira notavelmente complexa. Faremos aqui apenas um es- boo desta dimenso da vida social. Recapitulemos para isso al- gumas noes. O calendrio nativo, como vimos, distingue duas estaes rituais bsicas, uma que diz respeito s relaes com os espritos celestes, coincidindo com o perodo de enchente dos rios; outra, muito mais extensa, voltada para os espritos subterrneos, durante os perodos de cheia, vazante e seca. Se ambas so funda- mentais para os Enawene Nawe, a primeira marcada por um grau de formalismo muito menor que a segunda. Tanto que, ao con- trrio das cerimnias dirigidas aos espritos subterrneos, as pri- meiras podem ser notadamente abreviadas por razes de ordem prtica; as segundas, em hiptese alguma. Cada estao ritual, por sua vez, se divide em dois momentos: uma estao voltada para

    os espritos subterrneos, quando realizam o ykwa e o lerohT, e outra voltada para os espritos celestes, quando realizam o saluma e o kateok.

    A estao dedicada aos espritos subterrneos se caracteriza, em linhas gerais, pela seguinte dinmica. Os anfitries ( hari- ), os homens e algumas mulheres de um ou mais cls permanecem na aldeia, assim como todas as mulheres dos demais cls, todos ocupados com a roa cerimonial de mandioca e o processamento do sal vegetal. Enquanto isso, os homens dos outros cls organi- zam grandes expedies de pesca: so os ykwa (durante a cheia/ vazante) ou lerohT (durante a estao seca). Porm os homens no saem sozinhos para pescar, j que os espritos cinicos os acom-

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1998, v. 41 n2.

    panham. Os celestes, para proteg-los dos perigos do mundo exte- rior, os subterrneos para atrair os peixes.

    O que bastante curioso que os homens no vo pescar com os espritos de seus prprios cls, mas com os espritos dos ou- tros. Se os anfitries ficam na aldeia, so os espritos de seus prprios cls que saem para pescar com os indivduos dos demais cls. Inversamente, os espritos dos cls dos pescadores permane- cem na aldeia, fenmeno anlogo ao princpio da exogamia: os

    espritos, assim como pessoas de um cl, se definem como espri- tos e pessoas para os outros cls.

    As expedies pesqueiras podem ultrapassar dois meses, du- rante a cheia/vazante, e trs a quatro semanas, durante a seca. En- quanto os homens que a realizam se encarregam de acumular pei- xes que so imediatamente defumados, os que permanecem na aldeia, junto com algumas de suas irms e filhas anfitris, proces- sam uma grande quantidade de alimentos de origem vegetal. Cons- truda simbolicamente a separao entre os que saem e os que fi- cam, os pescadores retornam aldeia paramentados como espritos subterrneos ameaadores, l sendo recebidos pelos anfitries, que no utilizam em seu corpo qualquer tipo de adorno alm dos em- blemas da diferena sexual, de uso cotidiano.

    Os anfitries, que se concebem como humanos, ali representam metonimicamente os Enawene Nawe como um todo. Enquanto isso, os homens que chegam das expedies representam metafori- camente os espritos subterrneos que invadem agressivamente a aldeia. Pouco a pouco, o grupo dos anfitries domestica o grupo dos espritos, fazendo com que estes se abaixem e comam sal em suas mos. O encontro desses dois grupos marcado por uma su- cesso de cerimnias que incluem falas ritualizadas, danas, exe- cuo de peas cantadas e instrumentais, sob a responsabilidade exclusiva dos pescadores, representantes da alteridade. Os anfi- tries limitam-se a ficar sentados em torno dos crculos de dana,

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    a manter acesas as fogueiras que iluminam o ptio e aquecerem os espritos cantores, e a cuidar para que no lhes falte comida.

    Os anfitries se definem, convm lembrar, como uma comuni- dade de consanguneos, perante os pescadores, afins entre si. No por outra razo que o canto ritual de convocao para as expedi- es de pesca, entoado pelos homens mais velhos dos cls que vo partir, se inicia com uma saudao ao Cunhado, ..." (, nowatore ), seguido de recomendaes como "...pea a tua espo- sa para fazer muita comida para levarmos s barragens de pes- ca...". Por outro lado, os anfitries so membros de um cl exo-

    gmico ou de dois ou mais cls cujos membros no estabelecem

    naquele momento relaes de afinidade entre si, em outras pala- vras, consanguneos funcionais. E, de alguma forma, os homens e as mulheres que permanecem na aldeia representam o papel de mulheres frente aos homens que voltam das barragens carregados de peixe, representantes dos espritos, j que nos outros momen- tos da vida cotidiana so as mulheres que oferecem mingau aos homens, e os homens, peixe s mulheres.

    Ao contrrio do que acabamos de observar a relao entre os Enawene Nawe e os espritos subterrneos, os ritos que focalizam os espritos celestes nunca so marcados por climas de tenso e

    simulao de hostilidades. Durante essa estao ritual, so em-

    pregadas flautas manufaturadas e depositadas nas reparties fa- miliares, ao contrrio das outras, guardadas solenemente na casa dos cls. Alm disso, os cnticos congregam a totalidade dos ho- mens ou das mulheres no centro da aldeia, no se verificando qual- quer dispositivo de diferenciao alm dos de gnero. Durante uma de suas fases, o salumn, os homens vo junto pescar, enquanto as mulheres se empenham na preparao de mingau. O encontro desses dois contingentes, com a volta dos pescadores, tematiza a

    complementariedade e o equilbrio produzido pela diferena se- xual. Durante sua outra fase, o kateok, que s ocorre bi-anual-

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1998, v. 41 n2.

    mente, os homens trocam mel, "muco vaginal masculino" - pro- duzido pelos homens para as mulheres - por mingau, "smem feminino" - produzido pelas mulheres para os homens14.

    Convm observar finalmente que gnero (masculino / femini- no) e parentesco (consanguinidade / afinidade) correspondem aqui a parmetros scio-cosmolgicos fundamentais. Neste quadro, as categorias de gnero so trazidas para o primeiro plano quando so tematizadas as relaes entre os Enawene-Nawe e os Espri- tos Celestes, "Outros-Idnticos", durante a estao do salum / kateok. Enquanto isso, as categorias do parentesco que pare- cem emergir quando so enfocadas as interaes entre os Ena- wene-Nawe e os Espritos Subterrneos, "Outros-Diferentes", durante a estao do ykwa / lerohTx$. Porm, nenhuma das duas oposies neutralizada quando ocupa uma posio coadjuvante em relao outra. Em sntese, os parmetros do gnero e do pa- rentesco recortam no apenas os grupos familiar, domstico, resi- dencial e clnico (ver supra), mas desempenham ainda um papel central na caracterizao do Cosmos enawene-nawe.

    Concluso

    As atividades de produo e consumo, como vimos, definem ci- clos idealmente em sintonia com os ritmos da natureza marcados principalmente pelo regime de chuvas e pelo ciclo hidrolgico16. Apesar do empenho em adequar a agenda ritual e o momento eco- logicamente propcio para a realizao das diversas atividades produtivas, nos ltimos anos, os Enawene Nawe nem sempre con- seguem ser bem sucedidos. Mudanas climticas recentes, talvez provocadas pela devastao desenfreada de grandes regies de cerrado e floresta no entorno de seu territrio, confundem os Enawene Nawe, que acabam plantando o milho cedo demais, mui- to antes do fim da seca, ou chegando atrasados nas lagoas mar-

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    ginais para a pesca com venenos vegetais, quando os peixes j dispersaram pelos rios, se a enchente rpida demais. Embora utilizem alguns indicadores biolgicos para a realizao das ati- vidades produtivas, a agenda econmica decorre apenas indire- tamente das condies climticas na regio.

    E fundamentalmente a relao com os "Outros" o que est em jogo aqui. Assim, o calendrio cerimonial estabelece as condi- es sociais (e csmicas) da produo uma vez que so os "Ou- tros" os donos dos recursos naturais dos quais os Enawene Nawe

    dependem para a reproduo da vida entre-si. Neste cenrio, o drama ritual corresponde a uma instncia de mediao entre socie- dade e natureza, correspondendo a uma atividade estruturante do tempo e do espao, tais como se definem em termos nativos.

    Como vimos acima, as atividades econmicas e cerimoniais de- finem ciclos anuais (com perodos definidos para as prticas agr- colas, pesqueiras e extrativistas), bienais (com uma seqiincia de cerimnias sempre iniciada por kateok, seguida pelos demais ri- tuais que, ao contrrio de kateok, se repetem no ano seguinte), assim como ciclos de seis anos de durao (com o conjunto de

    responsabilidades de um cl). De uma perspectiva global, toman- do como referncia no mais um nico cl mas o seu conjunto, posto em movimento pelo sistema de rodzio, delineia-se um ci- clo longo de dez anos, que idealmente deve coincidir com a mu- dana de local da aldeia, quando tudo volta a se repetir. Para visualizar o que estamos tentando descrever aqui talvez fosse in- teressante, como recurso expositivo, supor uma figura constituda por quatro crculos de tamanhos diferentes, em contnuo devir, cada um em seu ritmo. O ponto em que esses crculos se encon- tram corresponderia a um dado momento do tempo e do espao social17.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, LISP, 1998, v. 41 n2.

    Figura 6: Os ciclos do tempo e do espao social

    E hora de retomarmos alguns pontos indicados ao longo deste artigo. Observamos que as esferas econmica e cerimonial entre os Enawene Nawe correspondem a instncias inextrincavelmente imbricadas, definindo fluxos de troca, fundamentais nos proces- sos de definio de identidades e de alteridades coletivas. Tais processos organizam as atividades e conferem sentido s prticas da vida cotidiana. Poderamos perguntar se a considerao dessas esferas como domnios separados e impermeveis da vida social, como foi proposto por algumas pesquisas sobre os povos j-boro- ro18, atenderia a um trao particular dessas culturas, neste aspecto opostas a dos Enawene Nawe, ou corresponderia a um mero efei- to de opes metodolgicas distintas das que fizemos aqui.

    Alm disso, gostaramos de insistir em dois outros aspectos que nos parecem fundamentais na considerao do material em ques- to. Os dados permitem afirmar que uma eco-lgica enawene nawe (isto , o sistema de relaes especficas que se estabelecem entre este povo e os recursos naturais de seu territrio, definidas a par- tir de suas idias e valores culturais) deriva diretamente de uma scio-lgica nativa. Neste quadro, a oposio natureza/cultura entre os Enawene Nawe se conforma, como era de se esperar, a um dos modos prtico-cogniti vos propostos por Descola (1996), em seu modelo geral de Ecologia Simblica: o "anmico", carac-

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    terstico das culturas amaznicas. A oposio natureza / cultura seria assim definida como uma relao metonimica e social. Alm disso, os mundos celeste e subterrneo dos Enawene Nawe, par- tes constitutivas de uma totalidade csmica, correspondem, res- pectivamente, a quintessncias da consangiiinidade (identidade) e da afinidade (alteridade)19. O mundo dos humanos - que tem na aldeia o seu ponto focal - se define, ao contrrio, como uma arena em que esses dois princpios se combinam de diversas maneiras. A parte e o todo, isto , a sociedade e o universo, correspondem assim a instncias de arquiteturas muito semelhantes, ambas pro- dutos da conjuno de princpios opostos e complementares.

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, US?, 1998, v. 41 n2.

    Anexo 1 : Os cls, as principais tribos mticas constitutivas e seus espritos:

    sigla cl tribos espritos celestes espritos subterrneos (enore nawe) (yakairiti)

    KL kailorc ataina / atainancro, werore, xiniarc, atayarcse, wayakoriri, koretokwaete, ctc. etc etc. AW aweresesc kawairi/ kawairine- kahainairi, tewakwa, dikainori, dikainorikare, etc.

    ro, awiyare, etc. tolohaitiwarc/ tolo- haitiwalo, etc.

    KK kawekwarese wal itere /walitcro walarikwa, lotayaresc, ctc. wctckodonoira, kamalotcrona, kawekwariware/ etc.. kawekwariwalo, ctc.

    MR mairocte kuhalaetiwarc / xiuharcse, kauhainare, ctc. lotaisirikwa, hcscnewaloene, kuhalactiwalo, etc. etc.

    AH anihiare loairinc / toairinero, hwarikaiti, atokwairi, da- anaurinakairi, kalaitiwc, etc. dalatiare / dalati- laete, etc. alo, etc.

    LH lulahese toairinerc / toairine- walorikikase, honoyaresc, dawatiarc, kawalalosecnc, etc. ro, etc. etc. ML maolokori dowakutiare / onedakwaete, oloxiwiri, etc. kalonere, kiyatihoniri, etc.

    dowakutialo, etc. KN a wi nari ri maolotiare / maolo- huirayarese, hinniwaxiwiri, kawinarete, etotawenare, etc. tialo wakoniyikwa, etc. kawinaretiwarc /

    kawinarctiwalo wayaritiare / waya- ritiwalo, etc.

    KH kaholase watawalare / wa- kalori, dowase, etc. kahcscresc, onetinodayetc, ctc. tawalalo wal itere / walitero lulahitiware/ lulahi- t i wal otohokutiarc / oto- hokutiare, etc.

    (AT) atosairi ? ? ?

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    Anexo2: Os ciclos econmicos e rituais:

    a) os ciclos agrcolas: ms (aprox.) mai jun jul ago set out nov dez jan fev mar abr precipitao (mm) * 25.6 0 0 9 44 60.6 72 95 126 90 131 52.6

    agricultura mandioca 1o. ano: roada derrubada

    queimada 2o. ano: roada queimada plantio

    milho 1o. ano: roada

    |^H derrubada

    queimada 2o. ano: roada _ queimada plantio

    outros cultivos: feijo fav plantio colheita |^| amendoim plantio colheita

    (*) Fonte: EMPAER-MT/Brasnorte. Obs.: Alm do amendoim e de algumas espcies de feijo fava. so praticadas outras culturas nas roas de milho mandioca, como balata doce, inhame, car, algodo e urucum.

    b) Os ciclos cerimoniais:

    ms (aprox.) mai jun jul ago set out nov dez jan fev mar abr estao: celestes

    cerimnia: ^

    Saluma ^

    Kateok m Jogo de bola (haira)

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1998, v. 41 n2.

    c) Os ciclos de pesca e coleta: ms (.) mai jun jul ago set out nov dez jan fev mar abr ciclo fluvial

    vazante ^ - seca - ^

    pesca (tcnicas) . com arco e flecha nas reas alagveis HHHHHH . com anzol nas calhas dos rios (consumo ritual) . com anzol nas calhas dos (consumo . com barragem nas calhas

    . com armadilhas em

    . com venenos vegetais em lagoas marginais ^ coleta

    vegetal . buriti |^H

    vegetal bacaba

    HI^hhhhi^HH vespas

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    Notas

    1 Uma primeira verso deste artigo foi apresentada na sesso "Sociabilidade amerndia do ponto de vista de suas classificaes scio-cosmolgicas", do Seminrio Temtico "Horizontes da Etnologia Indgena: Cosmologias e Formas de Sociabilidade na Amrica do Sul", durante a XXI Reunio Anual da ANPOCS - Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais. Caxambu-MG, 21 a 24 de outubro de 1997. Agrade- o as crticas e sugestes formuladas na ocasio pelos colegas Aparecida Vilaa, Carlos Fausto, Ceclia McCallum, Denise Fajardo, Joo Dal Poz Neto, Marcela Coelho de Souza, Marnio Teixeira-Pinto e Tania Stolze de Lima. Agradeo ainda a meus parceiros do "Projeto Enawene Nawe", da Operao Amaznia Nativa, Cleacir Alencar S, Katia Zorthea e Doracy Edinger, e do Centro de Estudos e Pesquisas do Pantanal, Amaznia e Cerrado da Universidade Federal de Mato Grosso, Plcido Costa Jr. e Gilton Mendes dos Santos.

    2 Trata-se do Simpsio "Social time and social space in lowland South American Societies", realizado durante o XLII Congresso Internacional dos Amecanistas, em Paris, no ano de 1976 e publicado no ano seguinte.

    3 A populao era de 266 indivduos em 1 de janeiro de 1 997, apresentando, nos ltimos anos, uma taxa mdia de crescimento anual de 4,6%.

    4 Este intervalo pode ser indiretamente estimado com o cruzamento de informaes sobre idade e local de nascimento dos indivduos.

    5 Segundo os Enawene Nawe, h algumas dcadas, no entanto, transfern- cias foram precipitadas por ataques dos Cinta-Larga, povo tupi-mond habitante de uma regio localizada ao norte do territrio enawene nawe.

    6 Em desenhos feitos pelos Enawene Nawe, a casa dos cls sempre representada exatamente no centro geomtrico do ptio. Curiosamente, tanto na aldeia atual quanto na que conheci em 1993, este prdio se localizava em sua metade oeste (ver croquis - figura 2).

    7 Nessas reas de cultivo, alm da mandioca e do milho, os Enawene Nawe praticam tambm algumas culturas marginais como feijo, car, urucum, algodo, amendoim e batata doce (ver Anexo 2).

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  • Revista de Antropologia, So Paulo, USP, 1998, v. 41 n2.

    8 Uma variante pareci deste mito foi documentada e publicada por Pereira 1986.

    9 Cada vez que os Enawene Nawe constroem uma nova aldeia, o mito re- editado. Em primeiro lugar, os espritos dos cls, representados pelos humanos, erguem a casa dos cls e, em seguida, as casas comunais. Quando a aldeia fica pronta, os espritos (representados pelos humanos) tomam mingau e vo dormir/ descansar na casa dos cls.

    10 A idia de "cultura" como um produto sincrtico ou hbrido nos remete diretamente sntese elaborada por Overing 1984. Convm assinalar finalmente que a passagem entre os tempos "pr-histrico" e "histrico" - noes que, mais uma vez insisto, devem ser entendidas segundo a tica nativa - corresponde, no limite, constituio do sistema clnico. Uma lista completa dos cls, acompanhados de algumas de suas tribos mticas de origem e de as entidades espirituais correspondentes fornecida no Anexo 1.

    11 Na lngua pareci, o cognato amure ou amore , segundo o dialeto, tem sido traduzido como "chefe", referindo-se a indivduos e no a grupos

    12 A categoria kahene serve tambm para designar pejorativamente os Nambiquara que habitam um territrio vizinho ao dos Enawene Nawe.

    13 Os pescadores, durante suas incurses pelos rios e lagoas da regio, se identificam no com o etnonimo "enawene nawe", mas com o dos espritos envolvidos quela atividade. Durante o saluma, organizam expedies de pesca com venenos vegetais em regies de povos indgenas vizinhos, como os Erikbatsa e os . Esta prtica talvez explique porque ficaram conhecidos no passado como os "Saluma" ou "Saruma".

    14 Os homens, nessas ocasies, correm atrs das mulheres a fim de cobrir seus corpos de mel. Segundo os Enawene Nawe, o mel tem cheiro de vagina. Por outro lado, a analogia entre o mingau e o esperma igualmente evidente, sustentada pela cor e consistncia dessas duas substncias. A simblica do mel e do mingau, definindo-os respectivamente "muco vaginal masculino" e "smen feminino" nos remete diretamente ao cls- sico exemplo Arawet.

    15 Sobre as relaes entre gnero e parentesco, ver Silva 1998.

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  • Mrcio Silva. Tempo e espao entre os Enawene Nawe.

    16 Para uma viso dos ciclos econmicos e cerimoniais, ver tabela 4.

    17 Exatamente por isso, possvel obter um razovel grau de preciso na datao de eventos passados. Os Enawene Nawe podem, por exemplo, se referir a um acontecimento ocorrido na aldeia X quando o cl "a" era anfitrio.

    18 Refiro-me as perspectivas como as de R. DaMatta e D. Maybury-Lewis. As propostas de T. Turner sobre estes sistemas articulam diretamente os domnios econmico e cerimonial nessas sociedades.

    19 Sobre este ponto, ver Silva 1998.

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    ABSTRACT: Based on the ethnography of the economical and cerimonial activities developped by a southern aruak Amazonian people, the Enawene Nawe, the present article proposes a tentative model of the social time and the social space. I argue that such practises must be understood within a broader socio-cosmological context, that grounds and organizes the sociality.

    KEY- WORDS: ritual, economy, Enawene Nawe population, Aruak

    Aceito para publicao em outubro de 1998.

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    Article Contentsp. [21]p. 22p. 23p. 24p. 25p. 26p. 27p. 28p. 29p. 30p. 31p. 32p. 33p. 34p. 35p. 36p. 37p. 38p. 39p. 40p. 41p. 42p. 43p. 44p. 45p. 46p. 47p. 48p. 49p. 50p. 51p. 52

    Issue Table of ContentsRevista de Antropologia, Vol. 41, No. 2 (1998) pp. 1-280Front MatterAs transformaes da imagem fotogrfica [pp. 7-19]Tempo e espao entre os Enawene Nawe [pp. 21-52]Corpo e histria do povo yurok [pp. 53-105]A interioridade da experincia temporal do antroplogo como condio da produo etnogrfica [pp. 107-136]O campo da moda [pp. 137-184]Entrevistaantropologia e cognio segundo Dan Sperber [pp. 187-205]

    ResenhasReview: untitled [pp. 209-214]Review: untitled [pp. 215-217]Review: untitled [pp. 219-225]Review: untitled [pp. 227-233]Review: untitled [pp. 235-243]Review: untitled [pp. 245-252]Review: untitled [pp. 253-258]Review: untitled [pp. 259-271]Review: untitled [pp. 273-276]Review: untitled [pp. 277-280]

    Back Matter