terceira dentição: uma visão geral do seu desenvolvimento

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Terceira dentição: uma visão geral do seu desenvolvimento REVISÃO | REVIEW RESUMO A odontologia moderna, mesmo usando as suas técnicas mais primorosas, na prática, ainda recupera a perda dental com implantes metálicos recobertos por coroas protéticas. Esses métodos, apesar de efetivos, estão longe de repor qualita e quantitativamente todas as estruturas biológicas perdidas. Nesse ínterim, há um empenho coletivo dos cientistas em criar técnicas de desenvolvimento dental que possibilitem a confecção de um dente natural - um biodente - fazendo uso de diferentes populações celulares e técnicas de engenharia de tecidos. Essas pesquisas, apesar de recentes, avançam e prometem revolucionar o futuro da odontologia, uma vez que trazem consigo a perspectiva do desenvolvimento da terceira-dentição em humanos. Apesar de ainda não haverem ensaios clínicos in vivo, já existem trabalhos primorosos revelando diferentes maneiras de se criar um elemento dental por completo em laboratório e de aplicá-lo em mo- delos animais. Atualmente, usam-se quatro principais técnicas para o desenvolvimento dos biodentes e são justamente sobre elas, suas vantagens, desvantagens e perspectivas de aplicabilidade clínica futura que esse artigo se compromete a fazer uma revisão da literatura. Termos de indexação: células-tronco; engenharia tecidual; odontologia. ABSTRACT Even using the best techniches available, modern dentistry still replaces lost with metal implants covered with prosthetic crowns. Although these methods are effective, they are far from reproducing, qualitatively and quantitatively, all the biological structures that were lost. Meanwhile, there is a collective effort of scientists to create techniques that allow a natural tooth (Bio-tooth) to be created, using different cell populations and tissue engineering techniques. Although these researches are recent, they are advancing and promise to revolutionize the future of dentistry, since they offer the possibility of developing the third dentition in humans. In vivo clinical assays are still inexistent but there are that show different ways of making a complete dental element in a laboratory in animal models. Currently, there are four major techniques available to make bio-tooth and this paper makes a literature review to expose them, their advantages, disadvantages and perspective of future applicability in the clinical setting. Indexing terms: stem cells; tissue engineering; dentistry. Third dentition: an overview of its development Felipe Perozzo DALTOÉ 1 Lucyene MIGUITA 1 Andrea MANTESSO 2 1 Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia, Departamento de Patologia Bucal. São Paulo, SP, Brasil. 2 King’s College London, Department of Craniofacial Development Dental Institute Strand, London WC2R 2LS, England, UK. Correspondência para / Correspondence to: A MANTESSO. E-mail: <[email protected]>. INTRODUÇÃO Nós os usamos todos os dias e os cuidamos periodicamente, mas, mesmo assim, os dentes ainda são perdidos total, ou parcialmente, com muita frequência. A cárie e a doença periodontal são as duas principais razões pra que isso ocorra, mas trauma e doenças genéticas também estão entre os fatores mais etiológicos prevalentes 1 . A perda dental leva aos problemas que vão muito além dos causados pela ausência física de um órgão. Os dentes têm influência direta e indireta no bem-estar físico, psicológico e no convívio social dos seres humanos. Os aspectos morfológicos e funcionais da dentição são reflexos diretos das características genéticas intrínsecas a cada espécie 2 . Os seres humanos, por exemplo, possuem duas dentições: a decídua e a permanente. A primeira, como o próprio nome sugere (do latin decidere = cair) está fadada a sua substituição. Já a segunda, quando perdida na espécie humana, não tem uma sucessora. Haja vista essa limitação da natureza, o ser humano tenta, há milênios, substituir os dentes perdidos pelos mais diversos tipos de materiais 3 . O melhor que se conseguiu fazer até o momento foi implantar pinos metálicos e revesti-los com coroas cerâmicas. Por mais apurado que essa técnica seja, há de se admitir que esteja longe de substituir na íntegra os tecidos perdidos tanto do ponto de vista biológico, estético ou funcional. Com os recentes avanços nas pesquisas com células- tronco e no desenvolvimento de técnicas de engenharia de tecidos 4 , assume-se agora a possibilidade de, em um futuro próximo, substituir um dente perdido por um órgão biológico capaz de representá-lo em todos os seus aspectos 5-7 . É sob tal perspectiva que voga a discussão científica e se consolida este trabalho. RGO - Rev Gaúcha Odontol., Porto Alegre, v. 58, n. 3, p. 387-392, jul./set. 2010

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Terceira dentição: uma visão geral do seu desenvolvimento

REVISÃO | REVIEW

RESUMOA odontologia moderna, mesmo usando as suas técnicas mais primorosas, na prática, ainda recupera a perda dental com implantes metálicos recobertos por coroas protéticas. Esses métodos, apesar de efetivos, estão longe de repor qualita e quantitativamente todas as estruturas biológicas perdidas. Nesse ínterim, há um empenho coletivo dos cientistas em criar técnicas de desenvolvimento dental que possibilitem a confecção de um dente natural - um biodente - fazendo uso de diferentes populações celulares e técnicas de engenharia de tecidos. Essas pesquisas, apesar de recentes, avançam e prometem revolucionar o futuro da odontologia, uma vez que trazem consigo a perspectiva do desenvolvimento da terceira-dentição em humanos. Apesar de ainda não haverem ensaios clínicos in vivo, já existem trabalhos primorosos revelando diferentes maneiras de se criar um elemento dental por completo em laboratório e de aplicá-lo em mo-delos animais. Atualmente, usam-se quatro principais técnicas para o desenvolvimento dos biodentes e são justamente sobre elas, suas vantagens, desvantagens e perspectivas de aplicabilidade clínica futura que esse artigo se compromete a fazer uma revisão da literatura.Termos de indexação: células-tronco; engenharia tecidual; odontologia.

ABSTRACTEven using the best techniches available, modern dentistry still replaces lost with metal implants covered with prosthetic crowns. Although these methods are effective, they are far from reproducing, qualitatively and quantitatively, all the biological structures that were lost. Meanwhile, there is a collective effort of scientists to create techniques that allow a natural tooth (Bio-tooth) to be created, using different cell populations and tissue engineering techniques. Although these researches are recent, they are advancing and promise to revolutionize the future of dentistry, since they offer the possibility of developing the third dentition in humans. In vivo clinical assays are still inexistent but there are that show different ways of making a complete dental element in a laboratory in animal models. Currently, there are four major techniques available to make bio-tooth and this paper makes a literature review to expose them, their advantages, disadvantages and perspective of future applicability in the clinical setting.Indexing terms: stem cells; tissue engineering; dentistry.

Third dentition: an overview of its development

Felipe Perozzo DALTOÉ1

Lucyene MIGUITA1 Andrea MANTESSO2

1 Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia, Departamento de Patologia Bucal. São Paulo, SP, Brasil. 2 King’s College London, Department of Craniofacial Development Dental Institute Strand, London WC2R 2LS, England, UK. Correspondência para / Correspondence to: A MANTESSO. E-mail: <[email protected]>.

INTRODUÇÃO

Nós os usamos todos os dias e os cuidamosperiodicamente, mas, mesmo assim, os dentes ainda sãoperdidostotal,ouparcialmente,commuitafrequência.Acárieeadoençaperiodontalsãoasduasprincipaisrazõespraqueissoocorra,mas trauma edoenças genéticas tambémestãoentreosfatoresmaisetiológicosprevalentes1.

A perda dental leva aos problemas que vãomuitoalém dos causados pela ausência física de um órgão. Osdentes têm influência direta e indireta no bem-estar físico,psicológicoenoconvíviosocialdossereshumanos.

Os aspectos morfológicos e funcionais da dentiçãosão reflexos diretos das características genéticas intrínsecas acadaespécie2.Ossereshumanos,porexemplo,possuemduas

dentições:adecíduaeapermanente.Aprimeira,comoopróprionomesugere(dolatindecidere=cair)estáfadadaasuasubstituição.Jáasegunda,quandoperdidanaespéciehumana,nãotemumasucessora.Hajavistaessalimitaçãodanatureza,oserhumanotenta, há milênios, substituir os dentes perdidos pelos maisdiversos tipos de materiais3.Omelhorque seconseguiu fazeratéomomentofoiimplantarpinosmetálicoserevesti-loscomcoroascerâmicas.Pormaisapuradoqueessatécnicaseja,hádese admitir que esteja longe de substituir na íntegra os tecidosperdidostantodopontodevistabiológico,estéticooufuncional.

Com os recentes avanços nas pesquisas com células-troncoenodesenvolvimentodetécnicasdeengenhariadetecidos4,assume-se agora a possibilidade de, em um futuro próximo,substituir um dente perdido por um órgão biológico capaz derepresentá-lo em todos os seus aspectos5-7.Ésobtalperspectivaquevogaadiscussãocientíficaeseconsolidaestetrabalho.

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Engenharia de tecidosO conceito de engenharia tecidual surgiu, em

1993, no seio da Universidade de Harvard e do InstitutodeTecnologiadeMassachusettsquandoomédicocirurgiãoJosephP.VacantieoengenheiroquímicoRobertS.Langerbuscavammaneiras de semanipular células em laboratórioafimdeconstruirórgãose tecidospara transplante4.Essespesquisadoresrevelaramtentativasbemsucedidasdecriaçãode tecidos em laboratório desde então8 e após firmaremparceriascomapesquisadoraPamelaC.Yelick,almejaramapossibilidadedetambémdeconstruirdentes9.

Ointeressedaengenhariatecidualvoltadaàconfec-ção de dentes/tecidos dentais não se deu ao acaso. Nestenicho de pesquisa, os dentes apresentam duas grandesvantagenssobreosdemaisórgãosoutecidosdoorganismo:são acessíveis e não essenciais para a vida10. Por esta eoutras razões têm sido largamente utilizados a fim de seaprimorarasdiferentestécnicasdeengenharia tecidualedesecompreendercomoocorremas interaçõescélula-célulaecélula-organismo2,11.

Concomitantemente ao desenvolvimento e refina-mentodediversastécnicasdeengenhariatecidual,descobriu-se, recentemente, que existem diferentes tipos de células-tronco nos diversos tecidos dento-maxilo-faciais, úteis nãosó para reparação e regeneração de estruturas dentais12-16,mastambémpararecuperaráreasperdidasoudanificadasdeoutrosórgãosoutecidosdocorpo13,15,17-19.

Comoexemplodessasfontescelularespromissoras,pode-secitarascélulas-troncoencontradasnapolpadentaldedentespermanentesedecíduos20-21,noligamentoperiodontal22,nofolículodental23 e na papila apical14,24-25.Todasestascélulassão portadoras de notável capacidade proliferativa e possuem diferentepotencialdediferenciaçãorepresentando,portanto,um recurso promissor para a regeneração parcial ou completa detecidoshumanos,sejamelesdentaisounão.

BiodentesAexpressão“desenvolvimentodeterceiradentição”

refere-se à confecção de substitutos biológicos (biodentes)paraosdentesperdidosouausentes.Issosedápormeiodousodetécnicasdeengenhariatecidualefontescelularesque,após terem sido corretamentemanipuladas em laboratório,culminamcomaformaçãodeestruturas/tecidosdentais9,26.

O primeiro passo para que as pesquisas embioengenharia dental pudessem se iniciar foi entender o processo de desenvolvimento dental in vivo,talqualeleocorreem todos os vertebrados da natureza, para só então tentarreproduzi-loemlaboratório2.

Assimsendo,sabe-sequeosdentessedesenvolvema partir de uma série de interações recíprocas entre célulasepiteliais (epitélio bucal) e mesenquimais (ectomesênquimaderivadodacristaneural)duranteaembriogênese.Alinguagemusada por esses tecidos envolve interações entre proteínas

sinalizadorasereceptoresespecíficosque,umavezativados,orquestram o desenvolvimento dental11. Fortes evidênciassugerem que esse diálogo seja iniciado pelo epitélio bucalquando este envia os primeiros sinais para o mesênquimasubjacente.Omesênquima,porsuavez,aoreceberossinaisdo epitélio odontogênico, passa a adquirir característicasodontogênicase,comoresposta,enviaoutrossinaisaoepitélioque, por fim, resultam em mudanças cito-morfológicas emorfogenéticas nomesmo.Apartir daí, células epiteliais sediferenciam em ameloblastos (células secretoras de esmaltedental) e as células ectomesenquimais se diferenciam emodontoblastos(célulassecretorasdedentina)27.

Nesse momento, fica claro que o processo deconfecção de biodentes se depara com a dificuldade de sereproduzir em laboratório algo que é feito pela naturezade maneira tão harmônica e complexa ao longo dodesenvolvimento.

Atualmente,quatrosãoasprincipaistécnicasutilizadase/ou especuladas pelos cientistas para se confeccionar umbiodente, sendoqueasduasprimeiras citadas a seguir sãoasmaisutilizadaseestãomaispertodaaplicabilidadeclínicafutura.

Técnica do uso de moldes biocompatíveis Estatécnicafoioriginalmenteutilizadapelaequipede

pesquisadoresnorte-americanoschefiadapelocientistaJosephVacanti,noanode1997,quandodanecessidadedeseaumentaràáreade tecido intestinal sadioempacientescomSíndromedoIntestinoCurto.Foirealizadoocultivodecélulasepiteliaisdamucosagástrica sobremoldesdeácidopoli-glicólicoparaposterior transplante das mesmas no intestino dos pacientes8.Desseexperimentosurgiuaideiadeseusaremessesmesmostiposdemoldesparacolocarsobreelescélulasodontogênicascomafinalidadedeformartecidosdentais9.Oprimeiropassoconsistiuentãonaconfecçãodosmoldesquedariamaformaaosdentes.Estesforamfeitosapartirdepolímerosbiodegradáveis,aexemplodopoliglicolato/poli-L-lactato(PGA/PLLA)edopoli-L-lactato-co-glicolato(PLGA).

A segunda etapa foi plaquear, sobre esses moldes, células provenientes de germes dentais dissociados enzima-ticamente, previamente cultivadas por seis dias. O conjuntomoldeira/células odontogênicas foi colocado no omento deratos imunocomprometidos com a finalidade de que estascélulastivessemumlugarpropícioparaoseudesenvolvimento(comumbomaportesanguíneoebaixaimunidade).Após20-30semanas,análiseshistológicasrevelaramaformaçãodepequenascoroas dentais (1-2mm) com evidente formação de esmalte,dentina e polpa dental9.

Em2008,essemesmogrupodepesquisadores28,apóstentativasprévias29, conseguiu aprimorar suas técnicas e atingirumimportanteobjetivo:criarnãosóumacoroadental,mas,alémdelaoiníciodaformaçãodeumaraizeligamentoperiodontal28.Essefoiumimportantepassoqueculminou,recentemente,comatambémformaçãodecementoeossoalveolar5.

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Estudos como essesmostram a capacidade que ascélulasepiteliaisemesenquimaistêmdeseauto-reagregaremede sediferenciaremmesmoapós terem sido extraídasdoseu sítio anatômico, serem manipuladas em laboratório ecolocadasaleatoriamentesobremoldespré-fabricados.

Apesar dos achados promissores, essa técnicaainda apresenta alguns problemas que, consequentemente,adistanciadaaplicabilidadeclínicaemhumanosatualmente.Dentre eles, podemos citar que, até o presente momento,os dentes formados não assumem fielmente o formatodas molduras e que os moldes proporcionam um modeloestático de desenvolvimento. Isso fica mais claro quandovisto que todas as células odontogênicas sofremmudançascito-morfogenéticas ao longo do desenvolvimento dentale osmoldes, não respeitam/proporcionam essemodelo dedesenvolvimento.

Técnica da recombinação tecidualEsta técnica objetiva reproduzir na cavidade bucal

deumindivíduoadultoodesenvolvimentodentaltalqualeleocorreduranteaembriogênese,ouseja,apartirdeumasériedeinteraçõesrecíprocasentreotecidoepitelialemesenquimal26.

Comestafinalidade,recombinam-sefontescelularesepiteliais(paradarorigemaoesmaltedental)emesenquimais(paraformaradentina,apolpadental,oligamentoperiodontaleosdemaistecidosdesuporte)capazesdeinteragirentresieresultar no desenvolvimento de um elemento dental26.

Atéopresentemomento,essesestudosaindaestãoemcaráterdepesquisaexperimentaleasfontesepiteliaismaisusadasprovêmdeepitélioodontogênicodalâminadentaldeembriõesderatosecamundongose,otecidomesenquimal,dopróprioectomesênquimasubjacenteaoepitélioodontogênicooudeoutrasfontescelularesmesenquimaisnãoodontogênicascomo,porexemplo,asdamedulaóssea7,29-31.

A técnica de recombinação de tecidos dentaisganhoudestaquenocenáriomundialdepesquisanoanode2004quandousadapelaequipedepesquisadoresbritânicoschefiada pelo professor Paul T. Sharpe que, a partir decélulas epiteliais odontogênicas de camundongos com 10dias de vida embrionária e de células mesenquimais nãoodontogênicas(célulasembrionárias,célulasdacristaneuralecélulasdamedulaóssea),fizeramensaiosderecombinaçãotecidual, ou seja, associaram estes tecidos e avaliaram aformacomoelesinteragiriam.Apóstrêsdiasdeco-cultivo,foi possível identificar transcritos de genes envolvidosna odontogênese (Msx1, Lhx7, Pax9) em todas as fontescelularesnãoodontogênicas26.Issoéumindicativodequeoepitélioodontogênicointeragiucomasfontescelularesnãoodontogênicasapontodeestimulartaiscélulasasintetizarproteínasquenormalmentenãoproduziriam,umavezquese referemsomenteadentes. Issovaideencontrocomapropostadessatécnicaqueé justamentetentarreproduziremlaboratórioasinteraçõesepitélio-mesenquimaistalqual

ocorrem no processo natural de odontogênese. Quandoesse conjunto de células epiteliais e mesenquimais foitransplantados sob a cápsula renal de camundongos adultos emantidosneste sítiopor10-14dias,pôde-seobservar aformaçãodetecidosmoleseósseosemtodososcasosderecombinaçãoenaquelesondeafontemesenquimaleramcélulasdamedulaósseahouveaformaçãodedentescomesmalte,dentina,polpadentaleossoalveolar26.

Desde então, a técnica de recombinação tecidualveio sendo aprimorada. Trabalhos subsequentes buscaramavaliaratéquepontoascélulasmesenquimaisinfluenciavama histogênese dental e descobriram que mesmo quandoambosostecidosepiteliaisemesenquimaiseramdissociadosenzimaticamentepara então serem recombinados,ocorria aformação de estrutura dentais30,32. Issoreforçouopotencialdeautore-agregaçãoedeauto-reorganizaçãoqueascélulasodontogênicas possuem mesmo após terem perdido a suamemóriaposicional.

Em 2006, o desafio do desenvolvimento de liga-mentoperiodontalederaizdentalfoisuperado31.Aconfecçãode um biodente dotado de raiz e a reprodutibilidade daarticulaçãoque existe entre o dente e o alvéolo (conhecidacomogonfose)nãohaviasidopossívelatéentãoesãofeitosconsideradosatéhojecomoosprincipaisindicativosdeêxitodo desenvolvimento de um biodente. O desenvolvimentode bioraiz dental por si só abre precedentes para inúmerasaplicabilidadesclínicasdasmesmaseanãoanquilosedestajáéumdosobjetivosalcançadosporessatécnica.

Porfim,atécnicaderecombinaçãotecidualculminourecentemente no desenvolvimento de um biodente dotado de todos os tecidos dentais e completamente funcional.Pesquisadores japoneseso implantaramemalvéolosdentaisnosmaxilaresde ratospreviamente submetidos a extraçõesdentais. Conforme mencionado, o êxito da técnica não selimitou ao desenvolvimento de um germe dotado de todos os tecidosdentaiseperidentais;obiodentepossuiucapacidadeeruptiva a ponto de se colocar em oclusão e, ademais, obiodenterespondeuàmovimentaçãoortodônticaemostrouresistência às forças mastigatórias similares aos dentesnaturais7.

Um dos principais desafios da técnica derecombinação tecidual ainda consiste em se achar substitutos celulares viáveis, principalmente de origem humana, comofontescelularesalternativasaoepitélioeaomesênquimadegermesdentaisemfasesiniciaisdedesenvolvimento.Paraocomponentemesenquimal,jáésabidoquecélulas-troncodemedulaósseapodemserutilizadas,masparaocomponenteepitelial,aindaseusaepitélioodontogênicoembrionário6.

Outro grande impasse dessa técnica é controlar aformadental.Nestesentido,estudosrecentesmostramquealterações gênicaspodemmodularonúmerode cúspides aponto de resultar em incisivos multicuspidados e númeroadicionaldecúspidesemmolares33.

Desenvolvimento da terceira dentição

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Um dos agravantes de se tentar reproduzir a formadental é que além de existirem quatro principais morfologiasdentais(incisivos,caninos,pré-molares,molares)osdentesaindaseapresentamdemaneirasdistintasdeacordocomoquadrantebucal.Nesseínterim,nãobastaapenassabercomodesenvolverumdessesórgãos;precisa-seaomenosde16principaisdiferentesmorfologiaspraseformarumadentiçãocompleta.

Construção dental “de novo”Estatécnicavisaformarosdiferentestecidosdentais

utilizandodiferentespopulaçõescelularescomespecialidadesespecíficas.

Conforme mencionado anteriormente, já se sabe,porexemplo,queasdiferentespopulaçõesdecélulas-troncodentais34enãodentais (células-troncodamedulaóssea,porexemplo)6possuempropriedadesdistintas.Aidéiaéaproveitaromelhorquecadafontecelularpodeoferecerdesiparafor- marosdiferentestecidosquecompõemumdente.Umexemplodissoseriautilizarcélulas-troncodapapilaapicalparaformardentinaprimária(umavezqueésabidoqueessafontecelularpossuicapacidadeinataprafazeristo25)emconjuntocomumaoutrafontecelularcapazdeformaroligamentoperiodontalcom melhor eficiência, como é o caso das células-troncoextraídasdopróprio ligamentoperiodontal22,porexemploeoutrasfontescelularesparaformarapolpaeoesmaltedental.Assim,cadagrupodecélulasformariaostecidosquemaislhesãopeculiarese,juntas,dariamorigemaobiodente.

Sonoyama et al.35 se proveram dessa técnica paraa confecção parcial de um biodente. Esses pesquisadoresimplantaram no alvéolo dental de animais um carreador(hidroxiapatita/tricálciofosfato)permeadoporcélulas-troncodapapiladentalerevestidoporcélulas-troncodoligamentoperiodontal. Três meses após, observaram a formação deumaestruturaanálogaaumaraizdentaleentãoconstruíramsobreelaumacoroacerâmica.Osdentesforampreservadoseanalisadosdeumaseismesesapósteremsidocolocadosemoclusãoeoquepodeserobservadonoscorteshistológicosfoiaformaçãocompletadeumaraizdental,comumligamentoperiodontal completamente regenerado35.

Omaiorproblemadessatécnicaconsisteemreunirasdiferentesfontescelularesdetalmaneiraqueelasinterajamharmonicamente entre si e formem os respectivos tecidos desejados de tal maneira que componham um dente comformaefunçãoapropriada.

Apesar da dificuldade técnica do procedimento, apossibilidadedeseterumaltocontrolesobreaqualidadedecada umdos tecidos que formariam o biodente torna essatécnicabastanteatrativa.

Indução da terceira dentiçãoEssa técnica se baseia no anseio de se descobrir

mecanismos biomoleculares capazes de induzir aodontogênese em tecidos adultos.Nesse sentido, explora-

-se a possibilidade de após descobertos todos os fatoresenvolvidosnoprocessodedesenvolvimentodental,aplicá- -losnolocalondesequerqueocorraaformaçãodeumnovodenteparaque,destaforma,elesinduzamaproliferaçãoeadiferenciaçãodascélulasdolocale,consequente,formaçãodobiodente.

Achados recentes revelam a existência de genesespecíficos que controlamo número de dentes formadosporumorganismo.Sabe-sequequandoaviadesinalizaçãodoWnt/β-catenina está hiperativa em humanos, há umamaiorincidênciadedentessupranumerárioseformaçãodeodontomas36.Ainfluenciadaativaçãodaviadaβ-cateninatambém já foi avaliada em outros vertebrados, como asaves, por exemplo.Até nestes animais - que sabidamentedeixaramdeproduzirdentesduranteasuaevoluçãonatural- foi possível observar que, quando a via da β-cateninafoi artificialmente superativada, ocorreu a formação dedentes37.

Especula-seque,àmedidaqueforemaprofundadosos estudos a respeito dos mecanismos de desenvolvimento dental, alguns fatores-chave poderiam ser isolados/sintetizados em laboratório e injetados no local onde sequer produzir umdente.Essa ideia, apesar de interessante,ainda está longe de ser aplicada clinicamente haja vista acomplexidadeeaquantidadedesinalizadoresbiomolecularesenvolvidos nos processos de cito e morfodiferenciação duranteaodontogênese38-39.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços nas pesquisas com células-troncoe engenharia de tecidos aproximam cada vez mais odesenvolvimentodebiodentesàpráticaodontológicaclínica.

Apesardas excelentesperspectivas,nenhumensaioclínicoemhumanosfoirealizadoatéomomento.Astécnicasde construção dental de novo edeinduçãodaterceiradentição,apesardeatrativas,aindasãoapenasespeculaçõescientíficasuma vez que nenhum trabalho conseguiu construir umbiodenteporcompletoutilizando-as.

Aconfecçãodebiodentessobmoldesbiocompatíveise biodegradáveis pode parecer vantajosa se pensado nafacilidade para o futuro transplante dessas estruturas nos maxilares-talqualsefazhojecomosimplantesmetálicos-masquandolevadoemcontaoaltocustodatécnica,aescassezdefontescelularesviáveisemumorganismohumanoadulto,onãocontrolesobreaformadentaleopoucodomíniosobreaqualidadedostecidosformados,conclui-sequeaindaestádistantederealidadeprática.

Atécnicaderecombinaçãotecidualtambémavançaempassoslargos,masaindaencontraproblemasnocontroledaformadentaleesbarranadificuldadedeseobtercélulas

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epiteliais, em um organismo humano adulto, passíveis deindução odontogênica. Em contrapartida, acredita-se quecomos avançosdaspesquisas comcélulas-tronco e comoaprimoramentodetécnicasdemanipulaçãogênica,possa-seachar,emumfuturopróximo,fontescelularesalternativasàsde tecidos embrionários e uma maneira de controlar a forma do germe dental super ou hipo-expressando determinadosgenes.

Em suma, o conhecimento sobre a biologia dascélulasqueenvolvemaformaçãodeumdenteeseustecidosdesuportebemcomoasinteraçõesqueexistementrecélula--célulaecélula-tecidoaindaprecisasermaisbemelucidado,entretanto, o que a ciência foi capaz de desenvolver até o

presente momento é, no mínimo, um indicativo de que odesenvolvimentoda terceiradentição sinalizaparao futurodaodontologia.

Colaboradores

FP DALTOÉ e L MIGUITA foram responsáveispela revisão da literatura e redação. A MANTESSO foi àcoordenadoradotrabalho,estabelecendoasdiretrizesaseremabordadas,orientandonaconfecçãodotextoerealizandoacorreçãodomesmosemprequenecessário.

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Recebidoem:8/3/2009Aprovadoem:2/12/2009

FP DALTOÉ et al.

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