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TERRAÇO MARINHO DA PRAIA DE JOSÉ GONÇALVES, MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS/RJ: EVIDÊNCIA DE VARIAÇÃO DO NÍVEL DO MAR HOLOCENICA NO LITORAL DO RIO DE JANEIRO Renato Rodriguez Cabral Ramos 1 ; João Wagner de Alencar Castro 1 ; Richard Almeida de Sena 2 1 Departamento de Geologia e Paleontologia; Museu Nacional–UFRJ ([email protected] ); 2 Depto de Engenharia de Petróleo, UFRJ Abstract. This work aims to describe the marine terrace of José Gonçalves beach, including its sedimentology, depositional processes, source areas and comparisons between the ancient a and actual sea levels. The beach is located at Armação dos Búzios County, about 180 km far from Rio de Janeiro city. The local basement is mainly composed by proterozoic ortognaisses, with subordinate amphibolites layers. Mesozoic diabase dikes, ranging some centimeters to almost 20m, cut all these litologies. Both beach corners have cobbles and boulders accumulations, formed by the near rocky coast erosion. The marine terrace has originally 120m long and about 32m width, and its most remarkable feature is the basal conglomerate deposit with about 2m thick. Over the basal conglomeratic layer, occurs a sandy eolic deposit. Using a DGPS receptor, it was measured the mean and the higher high water levels, as well the top of the conglomeratic terrace and the eolic dune crest. Considering the mean sea level is about 40-60 cm below the mean high water, we can infer that the top of the conglomeratic terrace is over 2,50-2,70 m above de actual sea level. In this way, we can connect this terrace to the last holocenic transgression occurred between 2.700 and 2.500 years BP, when the sea level ranged 2,5 ± 0,5 m above the actual. Palavras-chave: Terraço marinho; Búzios; Rio de Janeiro. 1. Introdução Na segunda metade dos anos 70, grande parte das evidências de variações holocênicas do nível do mar no Estado do Rio de Janeiro foram estudadas em seu litoral sul (Martin et al., 1980; Suguio & Martin, 1978). A partir dos anos 80, foram iniciados estudos no litoral norte fluminense, principalmente no delta do Paraíba do Sul (Martin et al., 1984, 1997) e nas lagunas costeiras (Turq et al., 1999). A presença de terraços marinhos conglomeráticos, no entanto, constitui uma ocorrência rara no Rio de Janeiro. Este trabalho tem como objetivo descrever o pequeno terraço marinho da Praia de José Gonçalves, em cujas bordas ocorrem depósitos conglomeráticos, notável evidência da variação do nível do mar durante o Holoceno. 2. Histórico e Localização Inicialmente povoada por povos indígenas, com a proibição do tráfico de escravos em águas brasileiras a partir de 1831, a Praia de José Gonçalves por ser pouco conhecida foi um dos locais escolhidos para os desembarques clandestinos dos navios negreiros. A praia recebeu este nome de um grande traficante regional de escravos africanos, que mantinha uma atividade milionária em função da supervalorização da mão-de-obra escrava. Com a abolição da escravatura, em 1888, a área foi ocupada por escravos libertos, que se apossaram de terras na região.

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Page 1: TERRAÇO MARINHO DA PRAIA DE JOSÉ GONÇALVES, MUNICÍPIO … · Sena2 1Departamento de Geologia e Paleontologia; Museu Nacional–UFRJ (rramos@mn.ufrj.br); 2Depto de Engenharia de

TERRAÇO MARINHO DA PRAIA DE JOSÉ GONÇALVES, MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS/RJ: EVIDÊNCIA DE VARIAÇÃO DO NÍVEL DO MAR HOLOCENICA

NO LITORAL DO RIO DE JANEIRO

Renato Rodriguez Cabral Ramos1; João Wagner de Alencar Castro1; Richard Almeida de Sena2

1Departamento de Geologia e Paleontologia; Museu Nacional–UFRJ ([email protected]); 2Depto de Engenharia de Petróleo, UFRJ

Abstract. This work aims to describe the marine terrace of José Gonçalves beach, including its sedimentology, depositional processes, source areas and comparisons between the ancient a and actual sea levels. The beach is located at Armação dos Búzios County, about 180 km far from Rio de Janeiro city. The local basement is mainly composed by proterozoic ortognaisses, with subordinate amphibolites layers. Mesozoic diabase dikes, ranging some centimeters to almost 20m, cut all these litologies. Both beach corners have cobbles and boulders accumulations, formed by the near rocky coast erosion. The marine terrace has originally 120m long and about 32m width, and its most remarkable feature is the basal conglomerate deposit with about 2m thick. Over the basal conglomeratic layer, occurs a sandy eolic deposit. Using a DGPS receptor, it was measured the mean and the higher high water levels, as well the top of the conglomeratic terrace and the eolic dune crest. Considering the mean sea level is about 40-60 cm below the mean high water, we can infer that the top of the conglomeratic terrace is over 2,50-2,70 m above de actual sea level. In this way, we can connect this terrace to the last holocenic transgression occurred between 2.700 and 2.500 years BP, when the sea level ranged 2,5 ± 0,5 m above the actual.

Palavras-chave: Terraço marinho; Búzios; Rio de Janeiro.

1. Introdução

Na segunda metade dos anos 70, grande parte das evidências de variações holocênicas do nível do mar no Estado do Rio de Janeiro foram estudadas em seu litoral sul (Martin et al., 1980; Suguio & Martin, 1978).

A partir dos anos 80, foram iniciados estudos no litoral norte fluminense, principalmente no delta do Paraíba do Sul (Martin et al., 1984, 1997) e nas lagunas costeiras (Turq et al., 1999). A presença de terraços marinhos conglomeráticos, no entanto, constitui uma ocorrência rara no Rio de Janeiro.

Este trabalho tem como objetivo descrever o pequeno terraço marinho da Praia de José Gonçalves, em cujas bordas ocorrem depósitos conglomeráticos,

notável evidência da variação do nível do mar durante o Holoceno.

2. Histórico e Localização

Inicialmente povoada por povos indígenas, com a proibição do tráfico de escravos em águas brasileiras a partir de 1831, a Praia de José Gonçalves por ser pouco conhecida foi um dos locais escolhidos para os desembarques clandestinos dos navios negreiros.

A praia recebeu este nome de um grande traficante regional de escravos africanos, que mantinha uma atividade milionária em função da supervalorização da mão-de-obra escrava. Com a abolição da escravatura, em 1888, a área foi ocupada por escravos libertos, que se apossaram de terras na região.

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Localizada nos domínios do município de Armação dos Búzios, a Praia de José Gonçalves está inserida na Área de Proteção Ambiental do Pau Brasil, criada através do Decreto Estadual nº 31.346, de 6 de junho de 2002. Um dos principais motivos da criação desta unidade de conservação foi à presença nos limites da APA dos mais importantes remanescentes de matas contendo exemplares da árvore símbolo do país, concentradas no município de Armação de Búzios entre a Serra das Emerenças e a Praia do Peró.

Figura 1: Localização da Praia de José Gonçalves (seta amarela) em relação ao Cabo de Búzios.

O acesso à Praia de José Gonçalves se dá pela estrada Cabo Frio/Búzios (RJ-102) e pela estrada das Emerenças, recentemente asfaltada ao longo de toda a comunidade de José Gonçalves. Em seu trecho final, a estrada de terra batida atravessa um trecho de mata onde ocorrem indivíduos de pau-brasil.

A enseada aberta onde está localizada a Praia de José Gonçalves, cuja faixa arenosa possui 80 m de comprimento, é limitada a sudeste pelo costão da Ponta do Soares e, a nordeste, pelo costão da Ponta das Emerenças, conforme observado na Figura 2.

3. Contexto Geológico Local

De acordo com os estudos desenvolvidos por Rocha (1999) e Schmitt (2001), a Praia de José Gonçalves está inserida no domínio da unidade Ortognaisses Félsicos Região dos Lagos. Esta é constituída majoritariamente por

metagranitóides paleoproterozóicos de composição monzogranítica e sienogranítica. Seus afloramentos estão distribuídos ao longo do costão rochoso entre as praias do Peró (município de Cabo Frio) e de José Gonçalves, estendendo-se pelo costão das Emerenças a nordeste de José Gonçalves, onde foi registrado o contato desta unidade com os paragnaisses da Seqüência Supracrustal (Sucessão Palmital de Schmitt, 2001).

Figura 2: Localização (seta amarela) da Praia de José Gonçalves (PS – Ponta do Soares; PE – Ponta

das Emerenças; JE – Comunidade de José Gonçalves; TU – Praia de Tucuns; CA – Praia das

Caravelas).

A associação mineral mais comum dos ortognaisses félsicos é k-feldspato + plagioclásio (oligoclásio/andesina) + quartzo + hornblenda + biotita (Schmitt, 2001). Ocorrem intercalados nesta unidade, concordantemente à foliação, diversos corpos tabulares de ortoanfibolitos com espessuras entre 20 cm e 1,5 m.

Medições da foliação metamórfica destas rochas, realizadas entre as praias do Peró e de José Gonçalves, indicaram uma direção geral NNW-SSE (azimute médio 150o), com mergulhos das camadas para WSW ou SW, com ângulos entre 20 e 60o.

Quanto ao fraturamento das rochas neste setor, foram registrados dois padrões principais com direção NNE-SSW (azimute médio 30o) e outro NNW-SSE (azimute médio 343o).

O recorte deste trecho do litoral, com pontas rochosas e reentrâncias, deve-se

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certamente à ação diferencial dos agentes intempéricos e erosivos sobre o maciço rochoso fraturado. Um exemplo disso é a Praia das Caravelas, encaixada em uma pequena reentrância, condicionada pelas duas direções principais de fraturamento.

A nordeste da Praia de José Gonçalves, no costão das Emerenças, ocorrem os paragnaisses da Sucessão Palmital, cujos minerais essenciais são o ortoclásio, quartzo, biotita, plagioclásio e sillimanita.

As rochas do embasamento são cortadas por inúmeros diques de diabásio, ligados à tectônica distensiva atuante durante a abertura do Atlântico Sul no Mesozóico. Estes corpos são visualizados ao longo dos costões rochosos, e apresentam larguras variando de 10 cm até 15-20 m. Na região de José Gonçalves, os diques apresentam direção geral ENE (azimute médio 63o), apresentando larguras entre 4,5 e 20 m, cujos principais representantes estão situados na Ponta do Soares e na vertente sul da Serra das Emerenças.

Durante os trabalhos de campo e através da análise de fotografias aéreas convencionais, foram identificados três grandes diques de diabásio (espessuras superiores a 10 m) na Ponta do Soares, também visualizados no lado oposto da enseada, na Ponta das Emerenças. Outros diques espessos são observados na extremidade sudeste da Ponta das Emerenças. Um dique, com espessura em torno de 3 m, passa sob a faixa de areia da Praia de José Gonçalves, tendo sido observado na extremidade nordeste do arco de praia, intensa esfoliação esferoidal do diabásio.

4. Materiais e Métodos

O trabalho de campo, além da caracterização do embasamento e dos depósitos sedimentares locais, envolveu a determinação do desnível do terraço marinho em relação aos níveis de preamar média e máxima. Para tanto, foi utilizado

um receptor DGPS ProMark2 – Ashtech, sendo adotado o método Stop and Go.

Foram registrados onze pontos ao longo da linha média de espraiamento das ondas (nível de preamar médio); sete pontos ao longo da linha máxima de preamar (base do terraço); três pontos no topo da camada de cascalho, e dois pontos sobre o topo do depósito eólico que cobre o terraço de cascalho.

5. Resultados

5.1. Descrição do terraço

O terraço marinho da Praia de José Gonçalves (Figura 3), originalmente, possuía 120 m de comprimento maior, com largura em torno de 32 m. Devido à abertura da estrada de acesso à praia e à implantação de um quiosque na segunda metade da década de 90, a extremidade oeste do terraço foi removida em uma extensão de cerca de 25 m.

Figura 3: Vista para nordeste do terraço marinho da Praia de José Gonçalves.

Em ambas as laterais do arco de praia, ocorrem acúmulos de calhaus e matacões (principalmente diabásio e anfibolito, ocorrendo também gnaisse), que segundo informações locais, se estenderiam sob o terraço.

A base do terraço, em suas laterais, é formada por sedimentos conglomeráticos arenosos com ampla predominância de seixos de diabásio, bem arredondados. Também são registrados clastos de anfibolito, quartzo e gnaisse. Sua matriz é composta por areia fina até média, com

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grânulos, seixos finos a médios, e conchas. O conglomerado apresenta estratificação pouco definida, sugerida pela orientação (imbricação) de clastos discóides e prismáticos.

O tamanho médio dos clastos é de 10 cm (fração calhau fino – entre 6,4 e 12,8 cm – segundo Blair & McPherson, 1999), sendo observada uma classe textural maior, (fração matacão fino – entre 25,6 e 51,2 cm) e outra menor (fração seixo grosso a muito grosso – entre 1,6 e 6,4 cm) – (Figura 4). Foram descritos alguns clastos cujo diâmetro maior alcança até 60 cm (fração matacão médio).

Figura 4: Detalhe da extremidade sudoeste do terraço marinho de cascalho.

A espessura aflorante do estrato conglomerático é de cerca de 1,60 m, existindo ainda, no mínimo entre 30-40 cm do mesmo em subsuperfície, como foi demostrado por escavações realizadas no local onde o terraço foi substituído por um quiosque (Figura 3).

Os sedimentos conglomeráticos, conforme mencionado, ocorrem apenas nas bordas do terraço, transicionando lateralmente para areias finas com seixos e calhaus espalhados.

Sobre o estrato conglomerático e arenoso da base do terraço, ocorre um depósito de areias finas de origem eólica, formando uma duna cuja crista eleva-se 2,60 m acima do topo do terraço marinho. O depósito eólico apresenta sua face frontal limitada por uma pequena drenagem intermitente, trecho onde ocorre vegetação arbustiva-arbórea. No passado,

durante as chuvas torrenciais episódicas, a água que descia das encostas da retaguarda da praia era temporariamente retida pelo cordão arenoso, produzindo um ambiente úmido, propício ao crescimento de vegetação mais densa, que acabou por fixar a face de barlavento da duna. O restante da superfície do depósito eólico, que corresponde à face de sotavento da duna, apresenta atualmente vegetação rasteira.

5.2 Áreas-fonte dos sedimentos

Um dos aspectos mais notáveis do terraço marinho é a predominância de clastos arredondados de diabásio, provenientes dos diques que cortam extensivamente o embasamento local. Como mencionado anteriormente, um dique com cerca de 3 m de espessura passa sob a Praia de José Gonçalves, sendo que diversos outros, alguns com até 20 m de espessura, atravessam a pequena enseada entre as pontas do Soares e das Emerenças.

A presença subordinada, no terraço conglomerático, de clastos de ortognaisse (rocha predominante na região) deve-se as características texturais e mineralógicas desta litologia. Sua granulometria grossa, a presença de abundante feldspato e a foliação metamórfica, favorece sua desagregação física pela ação das ondas. Já o anfibolito, que como o diabásio constitui uma rocha afanítica, apesar de sua relativa escassez no embasamento, é comum no depósito rudítico da base do terraço e nos acúmulos de calhaus e matacões das laterais da praia.

Observa-se, no entanto, que os acúmulos de sedimentos rudíticos estão restritos às bordas da praia, bem como no terraço marinho, enquanto os conglomeráticos estão localizados em suas laterais. Tal aspecto sugere que a maior parte do material que forma estes depósitos é proveniente da erosão das encostas e dos costões rochosos próximos á praia.

5.3 Cotas do terraço

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A partir das medições realizadas com um receptor DGPS (método Stop and Go), foram obtidas cotas altimétricas relativas do terraço e dos níveis de preamar médio e máximo (Figura 5).

Considerando-se como o nível zero a linha de preamar média (que não representa o nível médio do mar), obteve-se um desnível de 0,55 m desta em relação à base do terraço (linha de preamar máxima) e de 4,75 m em relação à crista do depósito eólico.

O dado mais importante, no entanto, é o desnível entre a linha de preamar média e do topo o estrato conglomerático, cujo valor encontrado foi de 2,15 m.

Figura 5: Vista lateral no sentido sudoeste da Praia de José Gonçalves, sendo indicado o nível de

preamar médio (NPM), o nível de preamar máximo (NMx.P) e o topo do estrato conglomerático (TEC)

do terraço marinho.

Considerando ainda que o nível médio do mar está situado de 40 a 60 cm abaixo da linha média de preamar, podemos inferir que o topo do terraço conglomerático está situado entre 2,50 e 2,70 m acima do nível do mar atual.

6. Discussões

Os sedimentos conglomeráticos do terraço marinho de José Gonçalves foram depositados através de sucessivos episódios de tempestade (ressacas), quando os sedimentos mais grossos (seixos até

matacões médios) eram lançados na zona de estirâncio superior e no pós-praia. A superposição de camadas conglomeráticas sugere que o nível do mar estava em ascensão.

A concentração de ruditos nas bordas do terraço indica que estes tiveram como área fonte os costões rochosos próximos e que a energia das ondas, mesmo durante as tempestades, não foi suficiente para depositar os clastos na parte central do antigo arco praial. Cabe ressaltar que a predominância de clastos de diabásio e de anfibolito indica um prolongado retrabalhamento dos detritos, que produziu a desagregação dos fragmentos de ortognaisse.

Posteriormente, com a regressão do nível do mar até o nível atual, o terraço marinho foi encoberto por areia trazida da faixa de praia, tendo sido formada uma duna de areia fina cuja crista está situada 2,6 m acima do topo do terraço marinho.

Ressalta-se que a Praia de José Gonçalves está protegida pela Serra das Emerenças e pela Ponta do Soares das direções predominantes de vento (norte, nordeste e sudoeste), estando sob maior influência dos ventos de sul e sudeste, que correspondem à cerca de 15% da freqüência eólica anual, segundo dados da estação Álcalis, em Arraial do Cabo.

7. Conclusões

O terraço marinho da Praia de José Gonçalves constitui uma importante evidência de variação positiva do nível do mar durante o Holoceno, registrada pela superposição de camadas conglomeráticas depositadas pela ação de tempestades.

Podemos considerar que a base do terraço marinho está situada entre 80 cm e 1,0 m acima do nível atual do mar e que o topo desta feição eleva-se, como já mencionado, cerca de 2,50-2,70 m acima do nível do mar.

Desta forma, relacionamos este terraço à última transgressão marinha, ocorrida segundo Suguio et al. (1985, 1988) entre

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2.700 e 2.500 anos A.P., e que alcançou 2,5 ± 0,5 m acima do nível atual.

São encontrados nos sedimentos conglomeráticos abundantes bioclastos (carapaças carbonáticas de bivalves e outros organismos marinhos), que poderão, através do método do radiocarbono, servir para datar esse evento transgressivo no local.

8. Referências

Blair, T. & McPherson, J.G., (1999), Grain size and textural classification of coarse sedimentary particles. Journal of Sedimentary Research, 69(1):6-19.

Martin, L.; Suguio, K. & Flexor, J-M., (1980), Le Quaternaire marin du litoral brésilien entre Cananéia (SP) et Barra de Guaratiba (RJ). In: International Symposium of Coastal Evolution in the Quaternary, 1, São Paulo. Proceedings…São Paulo, p. 296-331.

Martin, L.; Suguio, K.; Flexor, J-M.; Dominguez, J.M.L. & Azevedo, A.E.G., (1984), Evolução da planície costeira do Rio Paraíba do Sul (RJ) durante o Quaternário: Influência das variações do nível do mar. In: Congresso Brasileiro de Geologia, 33, Rio de Janeiro. Anais...Rio de Janeiro, SBG. Vol. 1, p. 84-97.

Martin, L.; Suguio, K.; Dominguez, J.M.L. & Flexor, J-M., (1997), Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. B. Horizonte, CPRM, 112 p.

Rocha, F.P., (1999), Geologia da região da Serra das Emerenças, município de Armação dos Búzios, estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 87 p. (Relatório Final de Estágio de Campo IV, Departamento de Geologia da UFRJ).

Schmitt. R.S., (2001), A Orogenia Búzios – Um evento tectono-metamórfico cambro-ordoviciano caracterizado no Domínio Tectônico de Cabo Frio, faixa Ribeira – sudeste do Brasil. Rio

de Janeiro. 273 p. (Tese de Doutorado, Departamento de Geologia da UFRJ).

Suguio, K. & Martin, L., (1978), Quaternary marine formations of the state of São Paulo and southern Rio de Janeiro. In: International Symposium of Coastal Evolution in the Quaternary, 1, São Paulo. Special Publication 1..., São Paulo, 55 p.

Suguio, K.; Martin, L.; Bittencourt, A.C.S. P.; Dominguez, J.M.L.; Flexor, J-M. & Azevedo, A.E.G., (1985), Flutuações do nível relativo do mar durante o Quaternário superior ao longo do litoral brasileiro e suas implicações na sedimentação costeira. Rev. Bras. Geoc., 15(4):273-286.

Suguio, K.; Martin, L. & Flexor, J-M., (1988), Quaternary sea-levels of the Brazilian coast: recent progress. Episodes, 11(3):203-208.

Turq, B.; Martin. L.; Flexor, J-M.; Suguio, K. & Tasayaco-Ortega, L., (1999), Origin and evolution of the Quaternary Coastal Plain between Guaratiba and Cabo Frio, State of Rio de Janeiro, Brazil. In: BIDONE, E. D. & ABRÃO, J. J. eds. Environmental Geochemistry of Coastal lagoon Systems, Rio de Janeiro, Brazil. Niterói, UFF, Série Geoquímica Ambiental, vol. 6, p. 25-46.