territÓrio e territÓrio(s): a cultura islÂmica … · islamismo, formulamos uma proposta...

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TERRITÓRIO E TERRITÓRIO(S): A CULTURA ISLÂMICA “TEMATIZADA” EM SALA DE AULA Amarildo Nunes Pereira 1 Marquiana de F. Vilas Boas Gomes 2 RESUMO Este artigo tem como objetivo conhecer e ampliar o conceito de território para poder contribuir com a compreensão epistemológica no ensino de Geografia. A partir do islamismo, formulamos uma proposta metodológica que possibilitasse a compreensão do conceito de território, através de relações de poder. Produzimos para o processo de intervenção pedagógica o “Folhas: Territórios Islâmicos”, no qual nos baseamos para propor atividades de ensino que ampliasse os conceitos de território. Os resultados dessa pesquisa participante são analisados de acordo com as respostas dos alunos para as questões propostas sobre o tema islamismo. Palavras-chave: Conceitos. Território. Poder. Estado. ABSTRACT This article aims to understand and extend the concept of territory in order to contribute to the epistemological understanding in the teaching of geography. From islam we formulate a methodologic proposal that would enable the understanding of the concept of the territory through power relations. We produced for the process of the pedagogical intervention “Folhas: Islamic territories” in which we relied to offer educational activities to broaden the concepts of territory. The participatory research results are analyzed according to the students’ answers to the questions posed on the topic islam. Keywords: Concepts. Territory. Power. State. 1 Professor do Programa de Desenvolvimento Educacional – Disciplina Geografia 2 Orientadora

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Page 1: TERRITÓRIO E TERRITÓRIO(S): A CULTURA ISLÂMICA … · islamismo, formulamos uma proposta metodológica que possibilitasse a compreensão ... No Brasil cabe destacar Santos, Haesbaert,

TERRITÓRIO E TERRITÓRIO(S): A CULTURA ISLÂMICA “TEMATIZADA” EM SALA DE AULA

Amarildo Nunes Pereira1

Marquiana de F. Vilas Boas Gomes2

RESUMO

Este artigo tem como objetivo conhecer e ampliar o conceito de território para poder contribuir com a compreensão epistemológica no ensino de Geografia. A partir do islamismo, formulamos uma proposta metodológica que possibilitasse a compreensão do conceito de território, através de relações de poder. Produzimos para o processo de intervenção pedagógica o “Folhas: Territórios Islâmicos”, no qual nos baseamos para propor atividades de ensino que ampliasse os conceitos de território. Os resultados dessa pesquisa participante são analisados de acordo com as respostas dos alunos para as questões propostas sobre o tema islamismo.

Palavras-chave: Conceitos. Território. Poder. Estado.

ABSTRACT

This article aims to understand and extend the concept of territory in order to contribute to the epistemological understanding in the teaching of geography. From islam we formulate a methodologic proposal that would enable the understanding of the concept of the territory through power relations. We produced for the process of the pedagogical intervention “Folhas: Islamic territories” in which we relied to offer educational activities to broaden the concepts of territory. The participatory research results are analyzed according to the students’ answers to the questions posed on the topic islam.

Keywords: Concepts. Territory. Power. State.

1 Professor do Programa de Desenvolvimento Educacional – Disciplina Geografia2 Orientadora

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1 INTRODUÇÃO

Na evolução conceitual da Geografia, o conceito de território é revisitado por

volta de 1970, em novas abordagens, que procuram explicar a dominação social, a

expansão dos Estados, a Geopolítica, a reprodução do capital, a problemática do

desenvolvimento desigual, a utilização dos meios simbólicos para controle das

populações e, também o desenvolvimento teórico do território na Geografia e no

ensino.

Nesse período, a concepção de território, baseada na compreensão da

produção do espaço de forma descritiva e quantitativa, passa para outra, baseada

no território como conseqüência de conflitos e contradições sociais. A partir de

então, a Geografia passa por uma renovação do pensamento geográfico, movimento

conhecido como Geografia Crítica, e novas abordagens surgem como tentativa de

romper com a Geografia tradicional.

É nesse sentido que nosso trabalho de pesquisa procurou dar uma

contribuição para o entendimento do conceito de território, fundamentado em uma

relação de poder. Compreendendo que nem um poder é neutro, todos os poderes

em escalas micro ou macro estão em constante luta, choque, disputa por espaço,

numa sociedade cada vez mais desigual.

Nossas análises se originam da preocupação da crise pós-moderna do

Estado-nação, conceito que tem norteado a vida das sociedades modernas e que

agora se encontra em dissolução, fragmentação, dando espaço para outra

organização da sociedade que leve em conta as mudanças por que tem passado o

mundo nos últimos tempos.

As mudanças do mundo moderno não são neutras, ou seja, o

desenvolvimento tecnológico impulsionou mudanças políticas, econômicas, sociais e

culturais em nível planetário. Assim, estamos cada vez mais imersos num mundo de

contradições, onde os grupos mais poderosos ditam as normas. Os mercados

globais, as empresas multinacionais governam os territórios. As potências militares

impõem seus objetivos políticos aos países subdesenvolvidos, gerando guerras

insolúveis, vitimando, principalmente, os que estão em desvantagem econômica,

política e/ou social, já que o mundo é multifacetado e desigual.

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Por isso, a importância da Geografia política para entender o espaço

geográfico contraditório e, de alguma forma, contribuir para compreender os

processos e, até mesmo, as possíveis alternativas à situação atual. Nesse sentido, o

conceito de território se torna fundamental para a compreensão dos problemas do

mundo atual. E a fundamentação teórica do conceito de território possibilita a

compreensão e ação por parte do indivíduo, num mundo cada vez mais exigente de

reflexão e ação.

Não basta compreendermos os problemas conceituais da disciplina de

Geografia, mas acima de tudo, torná-los nossos instrumentos para leitura do espaço

geográfico, para que assim os alunos (as), tenham possibilidade de descobrir

alternativas, objetivando um mundo mais humano e igualitário.

Diante desse contexto, neste trabalho, nos apoiamos em vários geógrafos,

sociólogos e filósofos que desenvolveram estudos epistemológicos em relação ao

conceito de território. Dentre eles podemos citar: Ratzel, Gramsci, Deleuze, Guattari,

Focault, Raffestin. No Brasil cabe destacar Santos, Haesbaert, Saquet, entre outros

que desenvolveremos a seguir.

Logo após, relataremos o processo de intervenção pedagógica para o

desenvolvimento do conceito de território com os alunos em sala de aula.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O QUE PODEMOS COMPREENDER COMO TERRITÓRIO?

Muitas são as concepções de território, as quais variam dependendo dos

recortes de análises. Há visões naturalistas, materialistas, culturalistas, das

modernas às pós-modernas. Fala-se do fim dos territórios, novas territorialidades,

entre outras. O conceito de território não é uma coisa simples, todo conceito tem

história. Todo conceito tem componentes, e se define por eles. Todo conceito

remete a um problema que requer uma solução (DELEUZE E GUATTARI, 2005).

No caso da Geografia, o conceito de território se desenvolveu na obra de

Ratzel, dentro de um contexto positivista da Geografia, no surgimento da Geografia

moderna, no século XIX. Ratzel vai criar a Geografia Humana, fundamentada suas

análises geográficas nos pressupostos teóricos positivistas. Seu método de análise

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estava baseado na observação, descrição, comparação e classificação,

compreendendo a sua Antropogeografia, uma ciência comparada, partindo de um

estudo científico amparado pelas ciências naturais (SAQUET, 2007).

Devido ao fato de Ratzel estar preocupado com a formação do estado

alemão, efetua uma abordagem geopolítica, iniciando o que poderíamos chamar de

evolução epistemológica para a origem do conceito de território em Geografia.

Ratzel, compreendia o território como espaço vital de uma nação, pois, a sua

existência dependia de um território e habitantes. Assim, o conceito de território

esteve ligado à Geografia Humana de Ratzel na origem de formação do Estado

Alemão do século XIX. Para Ratzel, o território aparece como palco ou substrato,

sendo necessário para a existência de um povo e uma nação. Daí, seus

ensinamentos serem utilizados para os propósitos da formação da pátria alemã por

conta do processo de anexação de outros territórios independentes. Também, a

Geografia de Ratzel foi utilizada no processo de ensino de Geografia alemã com

objetivos de formação do cidadão patriótico da então incipiente nação

(HAESBAERT, 2007).

No caso do conceito de território, tem sido usado atualmente dentro da

Geografia política ou Geopolítica para explicar as mudanças da sociedade, sendo

que em algumas análises predomina a visão do fim dos territórios ou do Estado-

nação. Segundo alguns autores, a sociedade estaria em crise de toda espécie por

conta dos fenômenos da globalização, criando um mundo multifacetado,

fragmentado, múltiplas identidades, individualismo.

Segundo Haesbaert (2007), Território é um termo que, tradicionalmente,

designa o domínio do espaço por um país, Estado-nação, que possui fronteiras bem

delimitadas. Já num sentido amplo, possui um sentido de domínio e apropriação do

espaço por uma nação, mas também por indivíduos, empresas ou grupos sociais. O

território, nesse sentido, pode assumir várias formas como, por exemplo: os

territórios-zona (bairros) e os territórios-rede (tráfico de drogas), territórios das

gangues, das prostitutas, homossexuais, etc. Num mesmo espaço pode haver vários

domínios ou apropriação, constituindo múltiplos-territórios e multiterritorialidades,

superpostos, muitas vezes, definidos no movimento, entre um território e outro,

através de redes. Compreender o que é um território implica a complexidade da

convivência em um mesmo espaço, nem sempre harmônico, da diversidade de

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tendências, idéias, crenças, sistema de pensamentos e culturas de diferentes povos

e etnias.

Segundo Haesbaert (2007), o conceito de território tem origem no vocábulo

latino “terra” e era utilizada pelo sistema jurídico romano “justerrendi” , significando

pedaço de terra apropriado, dentro dos limites de uma determinada jurisdição

político-administrativa. No Dictionnaire Étimologique de La Langue Latine, de Ernout

e Meillet(1967[1932]:687-688). E no Oxford Latin Dictionary(1968:1929), percebe-se

a grande proximidade etimológica existente entre terra-territorium e térreo-

territor(aterrorizar, aquele que aterroriza). De acordo com o Dictionaire Étimologique,

“territo” estaria ligado à etimologia popular que mescla terra e térreo, domínio da

terra e terror. Já o Dicionário de Inglês Oxford, define a partir dos vocábulos

terratórium ou terrere(assustar, alterado para territorium via territor). Dessa forma,os

sentidos do vocábulo território se refere tanto ao território como materialidade ou no

sentido de terror, medo para aqueles excluídos deles.

A evolução epistemológica da Geografia Raffestin (1993) tem dado grande

contribuição ao desenvolvimento teórico e metodológico à Geografia, o qual dá um

destaque especial ao conceito de território. Nesse sentido, vai criar uma espécie de

esquemas teóricos para compreender a formação territorial dos espaços. Assim,

compreende o espaço como anterior à formação do território, onde o espaço é a

prisão original, o território é a prisão que os homens constróem para si. Raffestin

(1993) deixa claro que o território se apóia no espaço, no entanto, não é o espaço, é

uma produção a partir do espaço. Assim, dá ênfase à produção do espaço num

sentido econômico, sem deixar de mencionar que, por causa de todas as relações

que envolvem, se inscreve num campo de poder.

Dessa forma, a contribuição fundamental de Raffestin (1993) para a

compreensão da construção do território está baseada na idéia de que todos nós do

Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes,

somos todos atores sintagmáticos, que produzimos território.

Nesse aspecto, Raffestin comunga das idéias de Santos, em que

principalmente o Estado organiza o território, através da construção de redes

econômicas, políticas e/ou sociais. Nas palavras de Santos (2006), o espaço

geográfico pode ser compreendido como sistema de objetos e sistemas de ações,

isto é, o espaço geográfico é construído pela ação do homem relacionado a

objetivos político-econômicos, destacando a importância da evolução cientifica ou

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“meio técnico-científico informacional” na produção e controle dos territórios. Assim

como Raffestin (1993), Santos (1996) destaca para a construção do território, a

importância das redes, onde são necessários energia, informação e trabalho para a

efetivação do controle dos territórios.

Em Santos (2006), o espaço geográfico é entendido como território usado ou,

simplesmente, território enfatizando os aspectos econômicos, nos quais o sistema

de ações pode ser compreendido como o conjunto de forças produtivas e sistemas

de ações como o conjunto de relações sociais de produção. Porém, Raffestin (1993),

em todas as suas análises espaciais, baliza suas análises nas relações de poder,

em que os atores sintagmáticos produzem nas suas relações de domínio ou

apropriação do espaço. Evidentemente, Santos também destaca as relações de

poder, principalmente, as operadas pelos grandes centros de decisões político-

econômicos globais, que agem interferindo nas questões locais, influenciam países

ou regiões, como uma espécie de domínio e exploração dos recursos econômicos

dos países subdesenvolvidos pelos países desenvolvidos.

Além disso, pela amplitude da temática espacial, podemos encontrar diversas

tendências de interpretação e sentidos para a temática “território”. Mesmo Raffestin

(1993) amplia bastante o conceito de território ao relacionar o poder econômico,

político e, até mesmo, simbólico que combinam energia e trabalho e informação,

para o controle do território como a prisão que os homens constróem para si. Assim,

podemos relacionar as idéias a outros autores, como Foucault (1979), no âmbito do

poder político ou dos micro-poderes, em que parte da idéia de um controle de

espaços institucionalizados como a prisão, o hospício ou a escola, como espécies

de territórios vigiados pelos olhos do Estado e seus tentáculos, principalmente, as

câmeras de vigilância, ou seja, a informação a serviço do Estado de controle das

populações.

No que se refere aos aspectos da Geografia Humanística (Cultural), em vez

de utilizar o conceito de território, prefere-se os conceitos como lugar ou paisagem

para analisar fenômenos ligados à dimensão cultural do espaço. No entanto, existem

alguns autores que preferem a perspectiva ideal-simbólica do território. Cabe

destacar os geógrafos franceses Bonnemaison e Cambrèzy (1996, apud

HAESBAERT, 2007).

A perspectiva de análise na lógica moderna da divisão do espaço pautada

nos Estados nações, que não admite sobreposições e que não levam em conta os

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fluxos e o movimento, hoje é suplantada pela visão culturalista de compreensão da

dinâmica dos territórios.

Nesse sentido, o Estado de pertencimento a determinado território

compreende o imaginário em que o indivíduo se sente como pertencente a

determinado tipo de paisagem, ou a determinada característica cultural-identitária de

um território. Essa visão baseia-se na idéia de que mais importante que área, é a

rede múltipla de geossímbolos que percorrem os lugares ou caminhos num

determinado espaço territorial. Para Bonnemaison e Cambrèzy (1996, apud

Haesbaert, 2007), há uma contradição entre os valores de identidade que se

chocam. E por outro lado a lógica estatal moderna e, por outro a lógica identitária

pós-moderna. Então, há uma verdade que parece inquestionável: de que as

pessoas, antes de pertencer ao Estado-nação: que é um conceito muito amplo, e de

difícil assimilação, até mesmo em pequenos territórios ou países, onde há diversas

etnias e culturas, os indivíduos sentem-se primeiro de tudo, pertencentes a

determinados territórios que condizem mais com as identidades individuais, dentro

de múltiplas culturas ou múltiplos territórios. Bonnemaison e Cambrèzy acham que o

poder dos laços territoriais que o espaço simboliza não são só valores materiais,

mas também éticos, espirituais ou afetivos. Pois, o território cultural antecede o

território político e, até mesmo, o território econômico. Assim, o conceito de território

estaria associado, inevitavelmente, a dimensões de caráter simbólico ou cultural,

uma dimensão material ou econômica e política (HAESBAERT, 2007).

Raffestin (2005 apud Haesbaert, 2007) seguindo a mesma lógica, considera

como trunfos do poder a população, os recursos e o território. O autor considera,

também, além das dimensões político-econômica, os aspectos de apropriação e

domínio dos territórios no âmbito das relações simbólicas, no qual o território pode

ser produzido pela apropriação das imagens que se faz dele, por meio de mapas ou

imagens propagadas pelos meios de comunicação, ou territórios informacionais,

significando trabalhar ao nível dos simulacros, das imagens como poder que a

informação dispõe aos agentes hegemônicos de domínio e controle do espaço.

Assim, Raffestin (1993) enfatiza a ligação com as relações de poder numa

perspectiva política sem ignorar as dimensões econômicas e culturais da sociedade.

O espaço é um espaço relacional, inventado pelos homens. Os atores sociais

intervêm no espaço por meio de representações como: mapas, croquis, esquemas

que são apropriados pelos que têm poder de interferir no território. Dessa forma, há

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uma estreita ligação entre espaço real e o espaço abstrato simbólico relacionado às

grandes organizações. O autor também dá uma importante contribuição para a

compreensão do espaço relacional ao deixar claro que o tempo, assim como o

espaço, é um recurso, portanto, um trunfo. Em toda a análise espacial, o tempo e o

espaço devem ser considerados juntos. Então, quanto mais energia despendida e,

dependendo da estrutura do espaço, mais rápido se vence a distância.

Nesse mesmo raciocínio em relação ao tempo, Deleuze e Guattari (2008),

distinguem a diferença entre o espaço liso e o estriado. No espaço liso, a linha é um

vetor, uma direção e não uma dimensão ou uma determinação métrica. Já no

espaço estriado, as linhas, os trajetos têm a tendência a ficar subordinados aos

pontos. Segundo os autores, o mundo pode ser compreendido como uma sucessão

de espaços lisos e espaços estriados. Os espaços lisos podem ser entendidos como

espaços livres de fricção. Já os estriados são os espaços demarcados, nomeados,

dominados, como exemplo as cidades, onde existem inúmeras rugosidades. No

entanto, as cidades podem ter espaços lisos de livre movimento, ou o mar e

desertos, considerados espaços lisos, podem ser também estriados, à medida que

são esquadrinhados pelos mapas ou vigiados pelos satélites ou submarinos a

serviço de uma máquina de Guerra. No espaço estriado, fecha-se uma superfície a

ser demarcada segundo intervalos regulares, enquanto que no espaço liso, abre-se

sem restrições físicas ou político-econômicas.

Ainda, podemos destacar a contribuição de Deleuze e Guattari (2008) para a

formulação e criação de outros conceitos que se interelacionam ao conceito de

território, isto é, se articulam e se superpõem. Esses autores, vão ampliar o sentido

do conceito e suas conexões ligados a outros conceitos como territorialização e

desterritorialização. Assim, toda a territorialização de alguém ocorre

simultâneamente a desterritorialização do outro. De acordo com os autores, do

ponto de vista da micropolítica, a sociedade se define, principalmente, pelas suas

linhas de fuga e não pelas suas contradições, como enfatizam os marxistas. Figura

como o nômade adquire importância em suas obras, cujo o território é construído no

movimento em redes, de um lugar a outro, indefinidamente. A linha de fuga ou

desterritorialização é considerada o elemento essencial da política. Em seu

movimento de territorialização, um indivíduo ou grupo, ao dominar um espaço,

desterritorializa o outro que se vê desprovido desse espaço. Portanto, a linha de

fuga de povos desterritorializados irá afetar outros povos que estavam

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territorializados, num determinado espaço, deslocando ou influenciando-os

(DELEUZE e GUATTARI, 2007).

Nessa linha de pensamento, em que os autores ampliam o conceito para

além da Geografia, isto é, ao nível do pensamento, do simbólico, do psicológico o

que interessa para a Geografia como afirma Haesbaert (2007) nas obras desses

autores, é o movimento de territorialização e desterritorialização, em que estão

submetidos os territórios nas chamadas linhas de fuga. Cabe ainda, destacar que os

conceitos de território deleuziano-guattariano são importantíssimos para a

conceitualização dos processos históricos de produção do espaço geográfico.

Assim, a História produz a Geografia, ou Espaço Geográfico nas palavras dos

autores.

Segundo Guattari e Deleuze apud Haesbaert (2007), muito mais do que uma

coisa ou objeto, o território é um ato, uma ação, uma relação, um movimento de

territorialização e desterritorialização, um ritmo, um movimento que se repete e

sobre o qual se exerce um controle.

Porém, para este trabalho foi dado importância fundamental às contribuições

de Haesbaert (2007) para a compreensão dos conceitos de território numa visão

integradora, que compreende a soma de todas as concepções de território para o

ensino da Geografia, numa perspectiva, econômica, política, cultural ou simbólica de

produção dos territórios.

Aprofundando nosso debate em relação ao processo de territorialização e

desterritorialização, Haesbaert (2007) dá uma importante contribuição para a

elucidação dos conceitos de território e seus “subconceitos”. Assim, cabe destacar a

importância dada pelo autor ao conceito de rede, que como enfatizamos antes em

Santos (2006), substitui, por “meios técnico-científico informacional”, para o controle

dos territórios que evidentemente está subtendido, o controle do espaço ou

conquista através das redes, sobretudo, as informacionais. Para Haesbaert (2007), a

rede pode ser entendida como o próprio território, construída no movimento ou de

outra forma, ser parte constituinte do próprio território no processo de controle e

apropriação do espaço geográfico.

Nesse aspecto, Haesbaert (2007), compreende as redes de comunicação

como fundamentais para a configuração dos territórios que podem até mesmo

prescindir dos condutos ou dutos para o domínio dos territórios. Os territórios-redes

se formam dessa maneira pelos movimentos de repetição. E evidentemente que

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dotados de significados simbólicos e, portanto, de poder, como nos evidenciaram

vários autores, como em Santos (2006), no qual, o território não é apenas uma

coisa, conjunto de objetos, ações, de fixos e fluxos, não é apenas no sentido

funcional, mas também dotado de significados simbólicos. Do exposto, não podemos

priorizar o funcional ou o simbólico na compreensão do território, mas o

compreendermos como processos simultâneos.

Contudo, os territórios podem ser entendidos como domicílio ou abrigo, uma

zona interior e exterior de domínio, limites, zonas intermediárias, zonas neutras. Na

lógica Guattariana, o território pode ser entendido de maneira bem ampla, como:

zona, superfície, área delimitada por fronteiras, ou até mesmo o território de feições

rizomáticas associadas a processos desterritorializadores.

Assim, podemos compreender os territórios como unidades espaciais, áreas,

pontos, zonas e linhas, ou numa leitura não euclidiana nós e redes tomando o

cuidado para que, nós geógrafos, vejamos o território e a rede como parte

indissociável do território (HAESBAERT, 2007).

Diante das polissemias conceituais entre território e rede, podemos delimitar

três grandes perspectivas, desde os que vêem território e rede dicotomizados e

distintos até aqueles que transformam a rede num simples componente do território.

Já para alguns, sociólogos como Bertrand Badie (1996) e Castells (1996)

(apud Haesbaert, 2007) desenvolvem todo o seu raciocínio em torno do fim dos

territórios, onde a sociedade territorial estaria sendo substituída pela sociedade em

rede, a partir de uma dicotomia entre território e rede. O território seria fechamento,

territorialização. A rede, abertura, desterritorialização. Para outros, o território seria

uma forma de organização do espaço mais tradicional do que a rede. Dessa forma,

abrem-se duas formas diferentes de análise, como por exemplo, Berque (1982) ao

propor uma lógica zonal ou área em contraposição a uma lógica reticular. A outra

seria Lévy (1993), que compreende duas métricas: uma contínua, topográfica,

euclidiana, ou seja, territorial e a outra descontínua, topológica, não-euclidiana, a

métrica das redes.

Uma visão surge das demais e separa território de rede dando ênfase ao

conceito de rede e que se projeta no interior dos territórios ou se projeta para fora

dos territórios, ora fortalecendo, ora enfraquecendo os territórios, como é o caso da

desterritorialização, conforme Haesbaert (1995).

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Assim também, Raffestin apud Haesbaert (2007) compreende a idéia de rede

como uma das variáveis constituintes do território, em conjunto com os nós, malhas

ou tecidos. De certa forma, redes e fluxos podem se confundir com o próprio

território, no qual há o controle dos fluxos através dos territórios-rede.

Finalmente, existem aqueles denominados territorialistas, em que a idéia de

rede está completamente subordinada à de território, e este se confunde com o

espaço geográfico. A rede é compreendida, nesse raciocínio, como apenas

territorializadora, uma vez que ajuda a integrar o território.

2.2 TERRITÓRIOS E A GLOBALIZAÇÃO

A partir daí, podemos analisar alguns pressupostos teóricos sobre a

desterritorialização em que se admite o fim dos territórios dos Estados-nações e o

predomínio de uma sociedade constituída em redes. É o enfraquecimento do Estado

como aglutinador e defensor dos interesses da sociedade como constatamos por

conta do processo de globalização em que estamos submetidos.

Nesse aspecto globalizante do mundo das informações, os territórios

adquirem uma maior versatilidade e flexibilidade, admitindo várias superposições de

acordo com o número de atores dispostos a lutarem pelo domínio dos territórios, por

vezes, compartilhados em diferentes espaços e tempos.

Numa sociedade que privilegia a mobilidade com imensos gastos de energia

e informação, os movimentos em redes promovem a desterritorialização, entendida

como desestabilizadora, uma vez que promove a instabilidade ou mudança do

mundo (BADIE, 1996, Apud HAESBAERT, 2007).

Prosseguindo, Levy (2006) destaca a perda de importância das bases

materiais na organização das sociedades devido ao domínio do ciberespaço, no

entanto, ignora nessa interpretação a necessidade dos contatos reais em

contraposição aos contatos virtuais.

O processo de desterritorialização parece ser a lógica do mundo pós-

moderno em que há o enfraquecimento do Estado moderno em relação ao controle

das fronteiras e dos processos sociais em relação ao espaço. Nesse aspecto, a crise

do papel regulador do estado, ou seja, Estado mínimo, política neoliberal, faz com o

Estado se exima dos grandes problemas sociais, retirando recursos dos

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investimentos em saúde e educação ou segurança pública e se preocupe apenas

com investimentos econômicos, com auxílio e incentivos aos grandes mercados de

investimentos de capital. Porém, como o próprio Haesbaert (2007) advoga, que por

conta dos atentados de 11 de setembro de 2001, há um retorno ao esforço do

Estado no controle dos fluxos migratórios, principalmente, no controle de entradas e

saídas nas fronteiras dos países ou em aeroportos para os estrangeiros que

chegam. Por isso, fica cada vez mais difícil defender o discurso da

desterritorialização, já que nesse aspecto o relaxamento dos controles territoriais em

uma escala pode estar significando o reforço do controle em outras escalas.

Outra característica marcante do mundo moderno ou pós-moderno tem sido a

idéia de desterritorialização como sinônimo de deslocalização econômica, a

liberalização por parte das grandes corporações internacionais para suas ações

livres de barreiras locacionais, o que favoreceria as grandes empresas a se

deslocarem fora dos territórios considerados não mais lucrativos que outros lugares.

Nesse aspecto, questões locais de incentivos relacionados a outros fatores

favoráveis aos grandes investimentos estrangeiros colocam territórios, uns contra os

outros, no processo de atração de investimentos na economia. Mais uma vez, o

Estado nacional deixa de ter importância em favor dos lugares mais atrativos ao

capital, num mundo globalizado e aberto, com centro em nenhum lugar mais com

redes, ramos, tentáculos em qualquer lugar ou território.

Dentro desse processo, globalizado ou mundializado, conforme Bordieu

(2007), Bauman (2007) e Hall (2006), o mundo estaria dominado pela crescente

interdependência econômica e cultural. Estamos verificando uma tendência à

homogeneização cultural do planeta em que os meios de comunicação seriam o

veículo propagador de mudanças culturais, devido à carga simbólica que leva em

todos os lugares do mundo, modificando padrões culturais, visões de mundo, de

acordo com as visões dos grupos hegemônicos capitalistas ou países com um estilo

de consumo mais elevado que acabam influenciando os povos e países a mudarem

seus estilos de vida. No entanto, o que estamos observando em nível planetário é

que, apesar da idéia de globalização nos levar a pensar que o mundo está ficando

cada vez mais homogêneo, o que estamos vendo é a grande diversidade,

fragmentação de condições culturais mundiais ou locais.

Outro aspecto que destoa em relação ao discurso vigente de

desterritorializados da classe dominante, é o daqueles excluídos do processo de

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inclusão digital ou os desterritorializados do espaço, terra, casa etc. Nesse sentido,

Haesbaert (2007) compreende que desterritoralização para os ricos pode ser

entendida como uma multiterritorialidade segura e flexível, cheia de vantagens de

locomoção e versatilidade, o mundo para eles pode ser qualquer lugar que seja

vantajoso para seus anseios. Já para os pobres, essa acepção carrega uma marca

negativa, pois a mobilidade que existe é de forma obrigatória, uma vez que não se

tem escolha.

Dessa forma, as contradições do mundo moderno são realmente chocantes e

evidentes. Enquanto uns usufruem da flexibilidade em relação aos espaços

territoriais, para outros o território acaba restringindo seus movimentos devido à falta

de acesso aos meios locomotores mais velozes, como é o caso de pessoas que

vivem nos países ou regiões mais inóspitas do mundo subdesenvolvido.

Assim, vivemos o mundo da geografia das desigualdades, onde cresce cada

vez mais o fosso que separam ricos e pobres, e por conta da globalização as

contradições são evidentes devido à disseminação das informações num nível

planetário. O mundo pós Guerra Fria deixa suas contradições expostas. Outrora a

divisão era entre as duas potências Estadas Unidos versus União Soviética. Agora,

com o desmantelamento da antiga União Soviética, fica cada vez mais clara a

divisão do mundo se transforma entre ricos e pobres, norte e sul, ou então, entre o

mundo ocidental e mundo islâmico.

Nesse aspecto, ocorre o recrudescimento dos movimentos identitários pela

defesa dos territórios e dos valores patrióticos em meio a um mundo conturbado em

que a sociedade de muitos lugares se sente desamparada pelo Estado nacional.

Isso tudo vai fomentar ou disponibilizar recursos humanos desterritorializados para

grupos “terroristas de plantão”, em troca de uma utopia em meio a um mundo

caótico em que há um enfraquecimento do Estado moderno. Tudo isso, é claro, que

ocorre, principalmente, devido às contradições do mundo capitalista que, por conta

dos meios de comunicação, ficam mais claras as divisões entre as diversas culturas.

Portanto, de tudo o que expomos, podemos inferir que o estudo do território

para a Geografia é riquíssimo em possibilidades de análises para a compreensão do

espaço global. O território está relacionado ao processo de “territorialização,

desterritorialização, reterritorialização” (TDR), tendo como componente fundamental,

a rede que possibilita a dinâmica territorial (TDR). O movimento que está envolto

sempre em relações de poder. O território pode ser também material ou imaterial,

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podendo ser multiescalar e multitemporal. Há sempre recriação, novas

territorialidades, novas identidades, novos arranjos territoriais, novos significados

(SAQUET, 2007).

2.3 TERRITÓRIO E O ENSINO DE GEOGRAFIA

O ensino de Geografia passa por profundas mudanças metodológicas e

epistemológicas, tendo como pano de fundo ou corolário a crise do ensino de

Geografia nas escolas brasileiras. Os professores andam confusos, não

compreendendo bem quais os objetivos e mesmo objeto do ensino de Geografia, e

isso reflete na sala de aula através de um ensino fragmentado, sem uma lógica

coerente. Muitas vezes, o ensino passa a ser baseado no único material didático que

se tem, efetivamente, como o livro didático. Esse material, contudo, deveria ser

apenas um dos instrumentos pedagógicos, quando na verdade, ele se torna o único.

O que é um problema, uma vez que as informações nele contidas são geralmente

simplificadas e fragmentadas em temas. Outra questão, é que muitas vezes o/a

professor/a se apega na informação e não nos conceitos subjacentes à discussão

apresentada, justamente devido a não clareza do objeto de estudo da Geografia.

Dessa forma, como não se compreende com clareza qual o objeto de estudo

de Geografia e da educação em geral, fica difícil criar espaços de ensino-

aprendizagem, para que o aluno pense e compreenda o espaço geográfico. O

professor/a perde sua autonomia de produzir suas próprias aulas e objetivos, de

acordo com suas convicções teórico-metodológicas, uma vez que se torna refém do

livro (CALLAI, 2001).

Assim, a nosso ver é preciso ter clareza de qual é o objeto da Geografia e os

objetivos do próprio processo pedagógico escolar, isto é, o ensino deve partir do

Espaço Geográfico cotidiano em suas diferentes escalas de análises que pode ser

local, regional, ou internacional.

Nessa ótica, não devemos partir do conceito de que o homem está separado

da natureza, como ocorre muitas vezes, no livro didático, devido à fragmentação da

geografia através da regionalização, tendo como critério de subdivisão o espaço

físico geológico e/ou Humano. Outra questão, está em que as escalas partem de

recortes administrativos, América – Europa - Ásia, sem considerar, geralmente, as

relações que esses espaços possuem entre si.

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Para romper com essas práticas, o professor tem que deixar claro aos alunos

que o objeto da Geografia é o espaço geográfico. Para compreendê-lo há vários

conceitos que formam as escalas de análises, tais como: região, paisagem, espaço,

território. E é a partir da construção desses conceitos, pode começar com o espaço

vivido pelo aluno.

É nesse sentido, que o ensino de Geografia tem como objetivo compreender

esse espaço geográfico em que o aluno vive é “o espaço vivido ou espaço usado”.

Dentre esses conceitos, podemos partir do conceito de território numa perspectiva

político-econômica ou simbólico-cultural a fim de desvendar a essência da produção

do espaço como resultado de relações de poder em sua complexidade geográfica.

Tendo clareza que a produção do espaço geográfico deve ser compreendida como

resultado de relações políticas e econômicas sobre o território e relacionados a

diversos fenômenos e contextos.

No entanto, o estudo do território não deve se limitar, pelo menos para o

nosso aluno, a análises globais, mas deve partir do cotidiano, aquilo que os alunos

vivenciam, como os processos e conflitos por territórios em múltiplas escalas.

Sendo assim, quando partimos de uma discussão geográfica, deve-se

compreender quais são as escalas de relações que o tema permite articular e, no

caso do território, como esse conceito ajuda a explicar o processo e/ou fenômeno

geográfico.

Dessa forma, o conceito de território para o ensino de Geografia, além de se

tornar um recorte de conteúdo e de escala, pode ser usado para encontrar as

conexões entre as diversas dimensões conceituais no ensino de geografia, isto é,

ligando o homem à natureza de uma maneira em que não haja uma compreensão

parcial do fenômeno geográfico. Entendendo que o espaço geográfico é o resultado

de ações sociais, políticas, econômicas sobre um determinado território, espaço ou

paisagem.

Assim, também compreendemos que conceitos fundamentais da Geografia

como espaço, paisagem, território não devem ser analisados separadamente, mas

como um todo, pois a realidade é uma só, não existindo a separação das coisas, um

desligado do outro, o que ocorre na verdade são as superposições de um conceito

sobre outros. O conceito de paisagem pode suscitar em seguida outros conceitos de

compreensão do espaço geográfico, não se limitando ao aspecto do visível ou

concreto, mas fazendo o aluno avançar através de um raciocínio lógico-abstrato.

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Nestes termos, o ensino da Geografia pode ter um papel fundamental para

desvendar as relações sociais que promovem a divisão social e territorial da

sociedade, tendo como pano de fundo a sociedade estratificada capitalista em que

estamos inseridos.

A compreensão do ensino de Geografia e dos educadores sociais deve ajudar

os estudantes a compreenderem o conhecimento, não apenas como variável e

relacionado aos interesses sociais, mas também com pretensões ideológicas de

produção de conhecimentos como verdades inquestionáveis, ou seja, devemos

desmistificar as ideologias subjacentes aos discursos dominantes (GIRROUX,1997).

Nessa visão, a produção do conhecimento no ensino de Geografia crítica

deve ser vista como produto humano, cujos significados são transmitidos nos

processos sociais pela cultura dominante aos dominados. O ensino deveria dar

atenção especial às visões de mundo conflitantes ou relações de poder que

repercutem no processo pedagógico em sala de aula, produzindo, por vezes,

resistência por parte do próprio aluno em não participar das atividades escolares ou

de não concordar com o tipo de ensino que a escola tenta transmitir

(GIRROUX,1997).

Que o aluno compreenda que o conhecimento não é algo acabado, mas, fruto

de relações sociais de poder onde o conhecimento é socialmente construído de

forma dialética, através das contradições da sociedade. A compreensão das práticas

sociais no território ajudará o aluno a compreender o processo de construção de um

conhecimento crítico, que tenha como objetivo a formação do educando para a

cidadania, isto é, para que seja um indivíduo capaz de agir eficazmente na

sociedade.

Nesse trabalho, particularmente, optamos por discutir a temática, islamismo e

suas repercussões espaciais. A territorialização, (des) deterritorializaçao e (re)

territorialização islâmica são um exemplo das dinâmicas sócio-espaciais, a partir de

relações de poder, territorialmente construídas.

2.4 O ISLAMISMO COMO RECORTE OU ESCALA DE ANÁLISE NO ENSINO DE

GEOGRAFIA

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Nenhum fenômeno atual chama mais a atenção no nosso tempo, nos jornais

televisivos, do que acontecimentos, fatos sobre o islamismo e seus problemas.

Desde o seu surgimento no final do século VI, época do nascimento de Maomé e da

religião islâmica, o território islâmico tem passado por profundas mudanças políticas,

econômicas e culturais.

Nesse aspecto, o território islâmico pode ser analisado em Geografia numa

perspectiva político-cultural, ou cultural-simbólico, onde podemos elucidar as

diferenças entre grupos sociais, etnias, lugares e suas relações de poder no

processo de disputa e domínio dos territórios e suas fronteiras com recuos e

avanços de um povo sobre outro.

Daí decorre que podemos estudar o território islâmico, seguindo um raciocínio

metodológico espaço-temporal, ou seja, o processo de territorialização e

desterritorialização e reterritorialização seriam as somas de tempo histórico que se

inscreveram nos territórios. A produção territorial sempre tem um ponto de partida

relacionada ao passado e que se transforma em outro estado de natureza ou outro

tipo de território (RAFFESTIN, 2005).

Assim, a história dos territórios seriam as diversas sucessões de tempo que

deram uma nova feição aos lugares. Mas, nos lugares, paisagens ou territórios

podemos encontrar marcas de diversos tempos históricos que vão influenciar

simbolicamente as visões de mundo das pessoas que vivem nesses lugares

(RAFFESTIN, 2005).

A partir daí, podemos compreender os territórios islâmicos como uma

sucessão de tempos históricos, onde o movimento das fronteiras caminha junto com

a religião islâmica no processo de choque de culturas entre o islamismo,

cristianismo, ou até mesmo hinduísmo. Nesse processo de expansão do islã, vamos

verificar o freqüente choque com outras culturas (HUNTINGTON,1997).

Para compreender o islã, não podemos separar a religião da política que

sempre esteve ligado no processo de expansão. O islã é uma série de doutrinas que

dirige todos os aspectos da vida dos muçulmanos, indo de questões individuais a

coletivas, do interesse do indivíduo ao do estado.

Dentre as diferenças culturais dos muçulmanos, que estranham os ocidentais,

está à maneira como se faz política ou se trata das questões jurídico-sociais. No

entanto, cada cultura possui suas especificidades histórico-sociais que se não forem

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entendidas geram preconceitos. Esses preconceitos geram atrito entre as diversas

culturas, gerando instabilidade política entre os povos.

Dessa forma, o processo geopolítico do Território Islâmico está repleto de

exemplos de choques com outras forças político-militares, mas sempre tendo como

elemento instigador “a Guerra Santa” que inspira ou inspirou guerras e atos

terroristas. Dentre eles estão mais recentemente, as disputas entre mundo islâmico

e Estado Unidos, por conta da explosão das torres gêmeas, suspeita de fabricação

de bombas nucleares, pelo Iraque ou Irã, invasão do Afeganistão e do Iraque e as

disputas pelo território da Palestina entre árabes e israelenses.

Por conta de tudo isso, o ocidente é bombardeado incessantemente por

notícias aterradoras de atentados a bomba de toda espécie, que envolvem os

próprios povos islâmicos ou ocidentais. Tudo indica que há uma disputa política ou

econômica entre a cultura ocidental e islâmica ou até mesmo entre as diversas

seitas islâmicas.

Por conseguinte, relacionado ao ensino da disciplina de Geografia, existe

uma infinidade de possibilidades para entendermos o mundo através do conceito de

território, numa perspectiva política de “luta por poder”, dentro dos territórios, num

processo histórico onde as fronteiras mudam o mundo. Concordamos com Raffestin

(1993) que os homens não cessam de transformar o espaço geográfico e de criar as

suas próprias prisões.

Nesse sentido, buscamos experimentar a discussão em sala de aula, do

islamismo, objetivando evidenciar como o conceito de território é um instrumento

pedagógico para leitura do espaço geográfico. Ao qual descreveremos a seguir.

3 RELATO DA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA

3.1 Trabalho com o Folhas Territórios Islâmicos

A primeira aproximação do tema territórios islâmicos com os alunos teve

início

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com a introdução do Projeto Folhas3 Territórios Islâmicos, por nós elaborado. O

trabalho foi desenvolvido com 13 alunos da 3ª série do ensino médio, do Colégio

São Francisco do Bandeira – Núcleo de Dois Vizinhos – Paraná.

A questão que levanta a problemática e o tema de estudo, ou conteúdo

“Territórios Islâmicos” foi à pergunta “o que se esconde por trás de uma burca?“,

tendo como objetivo abordar o estudo sobre o islamismo e suas relações com o

conceito de território.

De acordo com a questão, foi possível averiguar qual era o nível de

compreensão dos alunos sobre o tema. As respostas iniciais dos alunos

demonstraram o conhecimento superficial sobre o tema, como observamos no

quadro 01.Quadro 1: Respostas dos Alunos à pergunta: O que se esconde por trás de uma burca?

ID* Frases (exemplos)Conceito-

chaveFreqüência**

Aluno 9

É um manto usado pelas mulheres da Ásia para proteger a cara, é proibido nos países muçulmano mostrar o rosto. Elas são discriminadas se não usado a burca na religião do Islã.” (grifo nosso)

Proibição

Discriminação3

Aluno 14

“uma mulher islamita que por sinal sofre muito”. (grifo nosso) Sofrimento 3

Aluno 1

“Uma pessoa boa, bonita e com um bom coração, que gosta de ajudar as outras, sensível. Mas que não pode sair na rua porque podem matá-la ela é uma mulher sofredora.”

Bondade e

beleza4

Aluno 6

Se esconde uma mulher, com uma religião uma cultura diferente de todo mundo. E uma mulher casada com uma cultura de usar a burca quando estão casadas

Cultural 1

Aluno 7“Uma mulher que segue uma religião e a respeita usando o trage tradicional das mulheres que seguem essa religião”

Religião;

Tradição1

Aluno 5 “uma pessoa triste e principalmente com medo. Por ver seu povo e sua cultura sendo destruídas por povos de outros continentes. Povos esses que destroem vidas e culturas, apenas por política, a famosa política do petróleo. Países como os EUA, vão para outros países em busca do petróleo, alegando estarem destruindo terroristas, e

Medo; política

do Petróleo;

Territorialista;

1

3 Durante a primeira fase do Programa Desenvolvimento Educacional – PDE foi necessário elaborar um material didático para aplicação durante a intervenção da pesquisa na escola. Esse Folhas estará disponível no site dia-a-dia educação: http://www.diaadiaeducaçao.gov.pr

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acabam devastando milhões de vidas inocentes, o principal medo daquela mulher da burca é morrer ou perder pessoas de sua família.

* Identificação do aluno (transformada em números para não aparecer o nome daquele participante da atividade)** Freqüência, quantas vezes o conceito-chave apareceu entre os alunos que participaram atividade.Fonte: Pereira, 2009.

Os conceitos-chave que apareceram nas respostas dos alunos – proibição,

discriminação, sofrimento, beleza, bondade, cultura, religião e tradição, permitem um

conjunto de considerações. Dentre elas, destacamos a relação da burca com a

imagem do sofrimento e discriminação da mulher muçulmana, bem como a ausência

de autonomia, pois não é algo opcional, mas imposto, é proibido. É interessante

observar que o aluno identifica a imposição como sofrimento, neste caso, não o fato

da burca causar sofrimento, mas a ausência de opção da mulher muçulmana.

Outra coisa, muito ligada aos conceitos midiáticos é a questão do sofrimento

ligado a sentimentos de beleza e bondade. Nesse caso, toda pessoa que sofre tem

como atributo a bondade e beleza. Mesmo que a imagem não permita relacionar

qualquer idéia do comportamento, sentimento, e relação social dessa pessoa, a

“imagem” constrói uma idéia de pessoa e personalidade. Portanto, os alunos são

influenciados pela mídia de massa, sem conseguir avançar sobre outras questões.

Outra observação interessante é a dos alunos que associaram a burca a

questões de cultura, religião e tradição. Nesse caso, esses alunos, ao invés de

atribuírem sentimentos (bondade ou sofrimento), já possuem uma idéia de que a

própria roupa pode ser um indicativo de uma cultura. Uma cultura que envolve

tradição e até mesmo aspectos religiosos.

Pelo exposto, tivemos um conjunto de elementos para problematizar as

respostas e associá-las ao conceito de território. Primeiramente, discutimos um

texto sobre a origem da utilização da burca entre muçulmanos e, também,

mostramos imagens diferentes de mulheres muçulmanas em outros países. A idéia

foi desconstruir o conceito de que todas as islâmicas usam burca. Bem como a

questão da submissão, do sofrimento, da bondade. Também buscamos relacionar a

mulher ocidental à mulher oriental, será que o sofrimento ou a mercantilização, o

preconceito e o sofrimento são atributos apenas daquela cultura?

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Como alguns alunos também relacionaram à questão do petróleo e o uso da

imagem do islamismo como forma de ação política, “todo islâmico é territorista?”,

buscamos a partir daí abordar a relação dessas disputas de poder ao território.

3.2 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE TERRITÓRIO

Para darmos início à abordagem do tema, perguntamos ao grupo de alunos, o

que eles compreendiam como território?

Quadro 2: Respostas dos Alunos à pergunta: O que você entende por território?

ID* Frases (exemplos) Conceito-chave Freqüência**

Aluno 1 “um pedaço de terra” “uma parte da terra” Um recorte espacial 1

Aluno 2 “um pedaço de terra demarcado por pessoas”

Um recorte espacial delimitado socialmente. 1

Aluno 3 “um lugar onde nos moramos e ocupamos” “território dos animais” Espaço ocupado 2

Aluno 4 “vários pedaços de terra, um país, outro país” Estado 9

* Identificação do aluno (transformada em números para não aparecer o nome daquele participante da atividade)** Freqüência, quantas vezes o conceito-chave apareceu entre os alunos que participaram da atividade.Fonte: Pereira, 2009.

Observamos que a maior parte dos alunos associou território ao conceito

clássico de Estado, enquanto outros, a um espaço independente do Estado, um

recorte espacial ou mesmo um espaço ocupado por pessoas. Essas abordagens

foram muito interessantes, pois a idéia diferenciada do grupo menor de alunos é

justamente um contraponto para desconstruir a idéia de território como algo

delimitado naturalmente pelo Estado, e não um espaço político.

A partir dessa resposta dos alunos, buscando problematizá-las,

apresentamos filmes: O objetivo, com esse material, foi mostrar que as fronteiras

não são naturais, que elas mudam conforme as disputas políticas e as relações de

poder entre as sociedades. Adicionamos à atividade com os filmes, outro trabalho

com revistas e painéis.

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Para essa ação, os alunos receberam revistas com diferentes imagens do

mundo globalizado, islâmico e, também, com conflitos de guerra. Eles foram

orientados a recortar as imagens que se identificam com o tema “conflito de

território” para posteriormente explicarem à turma sua opção. Esse trabalho foi

realizado em duplas. As imagens, juntamente com a explicação dos alunos,

permitiram-nos estabelecer algumas considerações.

Quando os painéis de imagens estavam prontos, os alunos explicaram o que

compreendiam pelas imagens aos colegas. Depois das explicações dos alunos,

mediamos o processo, fazendo comentários e tentando explicar melhor o que as

imagens representavam ou escondiam sobre as questões islâmicas.

Pelas explicações dos alunos, mais uma vez foi possível compreender como

eles são “bombardeados” por imagens estereotipadas, isto é, a idéia de que os

territórios islâmicos são lugares de fome, miséria, guerras, violências de todo tipo.

Nessa atividade, pudemos verificar que alunos vêem os fatos ligados ao

mundo islâmico como algo negativo ou preconceituoso, de acordo com o que a

mídia ocidental passa, isto é, analisam o islamismo com os olhos ocidentais. Os

alunos responsabilizaram os governos árabes pelas guerras. No entanto, não

citaram os países centrais, que compõem o poder capitalista, (como os Estados

Unidos) ou outros responsáveis. Além disso, não procuraram explicar, compreender

as causas desses conflitos, mas apenas as conseqüências, que eram evidentes nas

imagens. Além de não tentar compreender os territórios islâmicos num contexto de

lutas por poder político ou econômico, não tentaram identificar a relação daquele

conflito com os demais que ocorrem no mundo, em outros contextos culturais.

Através da explicação dos painéis, os alunos procuravam explicar as imagens

pelo que aparentemente elas ilustravam, mas normalmente não procuravam

compreender os fatos de uma maneira mais crítica, ou seja, relacionando essas

imagens a fatores políticos ou econômicos em relação ao Oriente Médio.

Simplesmente, analisavam as conseqüências de uma guerra sem procurar saber as

causas desses fatos.

Outros alunos buscaram enfatizar as contradições que existem nos países do

Oriente Médio, onde alguns vivem com conforto e outros lutam para sobreviver.

Pelas imagens expostas, os alunos perceberam, que além da guerra e do

sofrimento, há, também, extrema desigualdade social.

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Pelas explicações, pudemos ver que os alunos indicaram a existência de

guerras que fazem vítimas, os mais pobres com as explosões de bombas pelos

Estados Unidos ou de ataques suicidas. Mas os que podem emigrar, saem em

busca de uma vida melhor em outros países. Nesse sentido, os alunos

compreenderam que a vida das pessoas que vivem no Oriente Médio pode ser muito

perigosa e difícil.

Os alunos, como demonstraram durante seus textos de respostas para as

questões propostas “no Folhas Territórios Islâmicos”, interpretavam as questões de

forma parcial, fragmentada. Pudemos perceber que nessa atividade de recorte de

imagens e interpretação, ainda permaneciam, o preconceito, os estereótipos, a falta

de compreensão da totalidade dos fenômenos.

Dessa forma, durante as explicações dos painéis, procurávamos mediar,

fazer com que os alunos vissem os fatos de uma maneira mais contextualizada,

sempre tentando ver os fatos ligados a outros fatores, a realidade sempre

contraditória, sempre em movimento dialético, onde os territórios propagados pelas

imagens são uma produção social e baseada nas relações de poder entre potências

econômicas e militares.

Assim, baseados nos textos de Raffestin (2005), podemos compreender que

as imagens são produções da imaginação, feitas pelos homens, de acordo com seus

interesses e, portanto, não é a realidade, mas, interpretações da realidade. Portanto,

as imagens, são produzidas a partir de territórios que são as matérias-primas para a

nossa imaginação, mas que reflete o interesse da propagação dessas imagens e

não outras que poderiam dar outra idéia da realidade.

Nessa atividade, procuramos apresentar ao aluno que os fatos divulgados

pelos meios de comunicação exibem as imagens que causam mais impactos ou

rendem mais leitores. E vistas de forma parcial, poderiam induzir o leitor a

compreender apenas uma versão da realidade. A próxima intervenção pedagógica

foi, então, desconstruir essa visão negativa sobre os territórios islâmicos. Para isso,

buscamos em revistas outras imagens que dessem outra impressão ou que

contrapusessem às imagens selecionadas, como por exemplo: fotos de Dubai,

mulheres muçulmanas vestidas à maneira ocidental, peregrinações a Meca, entre

outras.

Teríamos que fornecer outra visão de mundo para o aluno em que ele tivesse

condições de analisar os outros modos de compreender os territórios islâmicos.

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Assim, como podemos ver por essa atividade, as imagens ou paisagens são, na

realidade, as visões de mundo propagadas aos indivíduos, através da Globalização

das mensagens que nos chegam todos os dias nas escolas, nas nossas casas, ou

seja, o nosso cotidiano. Como essas imagens propagadas são produzidas de forma

padronizada pelas agências mais poderosas, corremos o risco de termos apenas

uma interpretação do mundo, e assim, essas imagens podem se tornar preconceitos

ou estereótipos, caso não se tenha um senso crítico para analisar o que está por

trás dessas mensagens e o que eles nos querem fazer acreditar.

Evidentemente que, para aprofundar essas idéias em relação ao islamismo,

teríamos que ter mais tempo para desenvolvê-las. No entanto, para os objetivos

desse trabalho de intervenção em sala de aula, acreditamos que contribuíram para

compreendermos melhor como o aluno constrói o conhecimento, como o aluno vê a

realidade, muitas vezes, de forma parcial e fragmentada.

Depois dessas ações, solicitamos novamente que os alunos apresentassem

sua concepção de território, após as abordagens em sala de aula (quadro 03), para

verificar se houve mudança no conceito posteriormente às discussões

“implementadas” na pesquisa.

Quadro 3: Quais as concepções possíveis de território?

ID* Frases (exemplos) Conceito-chave Freqüência**

Aluno 3

“Uma delimitação de um espaço a partir de relações de poder e de controle que um grupo exerce sobre este, o território não deve ser tomado somente em relação ao estado”

Relações de poder 3

Aluno 4

“Territórios são espaços ocupados por diversos povos, terras diferentes, com muitas diversidades e alegrias diferentes. Território é um espaço muito amplo ocupado por diversos povos de raças e costumes diferentes, cada povo com seu território”

Espaço cultural, espaço de vivencia de cada povo.

5

Aluno 5

“A partir dos estudos dos territórios islâmicos estamos vendo que o povo islâmico não é um povo vilão como os meios de comunicação o classificam, e sim um povo que luta para manter vivos os seus costumes e crenças. É claro que existem problemas, nos países que fazem parte dos territórios islâmicos, mas são problemas que existe em qualquer país do mundo. Muitas vezes não valorizamos nossa cultura, mas quando estudamos uma cultura totalmente diferente, aprendemos a valorizá-la.

Representação 3

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Aluno 10

A palavra território tem vários significados muitos tipos de definições, se pode dizer que é o território geográfico brasileiro entre outros. Hoje os espaços geram cada vez mais briga pelos poderosos. Um exemplo disso é as gangues, que dominam o narcotráfico no Rio de Janeiro, a briga pelo poder em Brasília, cada vez mais os partidos querem ter mais territórios ou vantagens sobre outros.

Territorialidades 2

Aluno 13 “Território brasileiro que é formado por relevo, solos, climas” Físico 1

* Identificação do aluno (transformada em números para não aparecer o nome daquele participante da atividade)** Freqüência, quantas vezes o conceito-chave apareceu entre os alunos que participaram da atividade.Fonte: Pereira, 2009.

Como constatamos nas respostas dos alunos, a maioria deles compreendeu

que o conceito de território não se restringe ao Estado Nacional, mas que abrange

outras esferas de domínio e apropriação do espaço, por indivíduos ou até mesmo

grupos de pessoas. Também é possível perceber que alguns alunos conseguiram

incorporar a compreensão do conceito de Território, presente nas Diretrizes

Curriculares do Estado do Paraná e de acordo com os autores estudados durante a

fundamentação teórica, (exposta nesse artigo), conforme podemos ver pelo quadro

3, onde classificamos as respostas em conceitos - chave.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos estudos iniciados com a proposta do projeto de intervenção

pedagógica na escola, procuramos compreender os problemas que interferem no

ensino de Geografia. O ensino de Geografia tem passado por uma crise que se

manifesta nas escolas com o baixo interesse dos nossos alunos em participar das

atividades propostas.

Nesse sentido, tentamos produzir uma proposta de ensino que instigasse

mais nossos alunos a participarem das atividades de ensino de Geografia e que

fosse significativo para suas vidas.

Dessa forma, formulamos uma proposta de ensino que, partindo de um tema

muito abordado nos meios de comunicação, como é o caso do islamismo, fosse

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possível questionar nossos alunos para as questões políticas atuais que interferem

nos territórios e no mundo globalizado.

O resultado da pesquisa com os alunos possibilitou a compreensão de como

os alunos vêem os conceitos sobre assuntos relacionados ao território em relação às

lutas por poder, político, econômico ou social.

A partir do processo de construção do conhecimento com os alunos, fomos

ampliando a compreensão do tema islamismo e sua relação com o conceito de

território. Os alunos demonstraram através das respostas às questões, que

possuíam na maioria das vezes, uma visão baseada em preconceitos difundidos

pela mídia. Então, o nosso trabalho se baseou inicialmente na desconstrução

desses conceitos que eram de forma parcial, fragmentada ou estereotipada sobre o

tema em questão.

Assim, compreendemos com as atividades com painéis de imagens, que os

alunos analisavam as informações e imagens da mídia sem questionar as

verdadeiras causas dos fatos que ocorreram. Isso acontece porque, normalmente o

aluno tem pouca leitura dos acontecimentos que ocorrem no mundo,

desconhecendo mais profundamente as relações entre os fatos ou fenômenos.

No que se refere às lutas por poder, avançamos na compreensão de que o

poder é exercido por todos, de uma forma ou de outra, na conquista de territórios,

num sentido amplo. No caso dos conflitos mundiais compreendemos que existe um

campo de poder, ora exercido por um ator, ou vários atores, como por exemplo, é o

jogo pelo poder entre os países mais poderosos pelo domínio de espaços políticos,

econômicos, ou sociais.

Nesse aspecto, como ficou demonstrado por alguns alunos nas respostas ao

“Folhas” produzido como material de intervenção pedagógica, foi possível avançar

no processo de construção do conceito de território baseado nas relações de poder

que se exercem em várias escalas espaço-temporais, na compreensão da dinâmica

territorial, onde os territórios são um processo inacabado de construção de prisões

que os homens constroem para si (RAFFESTIN,1993).

BIBLIOGRAFIA

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