textos il - colaboradores - brasília - o descalabro faz 50 anos - parte ii

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  • 8/13/2019 Textos IL - Colaboradores - Braslia - o descalabro faz 50 anos - Parte II

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    CCOO LL AA BB OO RRAA DD OORR EE SS 12.05.2010

    Braslia: o descalabro faz 50 anos

    (Segunda Parte)

    MARIO GUERREIRO *

    Como dizia aquela modinha de Carnaval: Daqui no saio, daqui ningum me

    tira / Onde que eu vou morar?. E de fato, mais fcil encontrar um

    intelectual carioca que no seja de esquerda, no tora pelo Flamengo e pela

    verde e rosa Mangueira, com seu samba no p, do que encontrar uma casa

    para morar em Braslia. Professor e jornalista, Guy Sorman descreveu Braslia

    de modo sucinto e preciso:

    O arquiteto Oscar Niemeyer, em funoda destinao dos prdios retangulares,sem charme nem imaginao - quadra

    dos bancos, quadra dos hotis -,distribuiu-a de um lado e de outro deuma auto-estrada central. Onde quer queestejamos, impossvel fugir do barulhoensurdecedor do trfego. Da mesma

    forma, impensvel andar, perambular, procurar um lugar tranqilo eum pouco de sombra: Braslia no tem esquinas nem refgios nemrvores. Essa arquitetura do absurdo atinge seu paroxismo com acatedral: um teto cnico com placas de vidro apoiado em vigas decimento concentra os raios do sol tropical, transformando-a em um

    forno sem a menor utilidade, pelo menos para dizer missa. (...)

    Que Braslia tenha se tornado a referncia de chefes de Estado doTerceiro Mundo, desejosos de construir tambm uma capital empleno deserto, bastante revelador de sua megalomania. Braslia o sonho de cimento de uma elite em busca do poder nacional:tecnocratas, militares e demagogos. Braslia e as favelas no so asduas faces do capitalismo, mas, na verdade, as duas faces de umamesma poltica de desenvolvimento equivocado. (Sorman, 1987,61-2, o grifo nosso).

    De fato, poltica de desenvolvimento equivocado a expresso correta. Mas

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    o Brasil na poca recebia a pecha de pas subdesenvolvido e muitos brasileiros

    se irritavam com essa suposta discriminao. A UNESCO- entidade criadora de

    empregos, equvocos e eufemismos - passou a recomendar a expresso pas

    em desenvolvimento [Se o que se pretendia era chamar urubu de meulouro, lixeiro de coletor de detritos ou cafeto de empresrio de damas da

    noite, tudo bem].

    Mas o ISEB- Instituto de Seleo da Elite das Esquerdas Brasileiras - gerou o

    desenvolvimentismo. Pior que isto somente a tal da CEPAL [Comisso de

    Estudos para a Amrica Latina] onde pontificava o argentino Raul Prebisch -

    uma espcie de guru do nacionalismo, estatismo, estruturalismo e abismolatino-americano. (Campos, 1994, pp.164-173)

    O que era isto? Basicamente a idia de que o desenvolvimento

    socioeconmico tinha de ser capitaneado pelo Estado e que, para crescer, era

    preciso produzir muita inflao. Entendia-se mesmo que, assim como no se

    pode fazer omelete sem quebrar os ovos, no se pode produzir

    desenvolvimento sem inflao. [Que concepo desastrosa!].

    Da para o capitalismo de Estado era um pequeno pulo. Apesar de no militar

    nas hostes da esquerda, Juscelino gostou da idia e, a partir dela, gerou seu

    prprio slogandos cinqenta anos em cinco. E de fato, ele gastou em cinco

    o que deveria gastar em cinqenta anos. E nessa gastana, Braslia despontava

    como smbolo do desenvolvimentismo, quer dizer: perdularismo tpico do

    interditvel prdigo.

    Dizem que a desastrosa idia de construir a NOVACAPe abandonar a BELACAP

    surgiu na cabea de Juscelino durante sua campanha presidencial. Em um

    comcio em Gois, um desconhecido perguntou a Juscelino se ele pretendia

    cumprir essa meta j proposta na Constituio [e j foram tantas, que o autor

    no sabe dizer qual delas], e o velho Jua - da velha Diamantina de Chica da

    Silva, que se casou com Lampio em outro enredo de Samba do Crioulo

    Doido- disse resolutamente que sim, sob aplausos efusivos da platia goiana.

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    E esta foi uma das raras vezes em que um poltico brasileiro cumpriu uma

    promessa de campanha [quando teria sido melhor no ter feito tal coisa].

    Para Lcio Costa, tudo o que importava era a funo urbanstica e para

    Niemeyer era a forma arquitetnica. Seres humanos eram coisas do interesse

    de socilogos, antroplogos, psiclogos, etc., jamais de um urbanista ps-

    bauhausiano e de um arquiteto esteticista na forma, mas estalinista no

    contedo. E o resultado dessa gritante falta de sensibilidade foi uma espcie de

    cidade-escritrio demasiadamente uniforme e visualmente inspida,

    estimulando o tdio e at mesmo a depresso crnica.

    E imaginemos o efeito disto em um pas de manaco-depressivos... Um paraso

    para psicanalistas, curandeiros e uflogos, ao que se pode acrescentar belos

    palcios reais que - tal como o Prtenon de Atenas - no so exatamente

    aquela conjuno de forma, funo e fator humano que deve caracterizar a

    arquitetura propriamente dita, mas, sim, edificaes que mais parecem

    esculturas monumentais. [Recentemente, no Rio, Niemeyer fez uma exposio

    de esculturas no sentido prprio do termo. Para ns, nada surpreendente, uma

    vez que sempre soubemos que seu talento estava muito mais para o ofcio de

    Hans Arp e Henry Moore do que para o de Frank Lloyd Wright e Mies van der

    Rohe].

    Como se sabe, o Prtenoncumpria apenas

    uma finalidade esttico-religiosa. Era um

    templo em homenagem deusa Pallas

    Athenea, a protetora de Atenas, e ao

    mesmo tempo um belo monumento

    pblico no alto de uma colina, a Acrpole,

    podendo ser apreciado de qualquer ponto pelos habitantes da referida Cidade-

    Estado grega. Porm, diferentemente de um templo cristo ou de uma

    sinagoga, ele no costumava abrigar fiis para a realizao freqente de cultos.

    Apenas uma vez por ano alguns sacerdotes sozinhos realizavam um ritual em

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    homenagem referida deusa.

    Porm casas e prdios pblicos no so somente feitos para a satisfao

    esttica do olhar e a simbolizao do Poder, pois pressupem a presena

    habitual de seres humanos e devem estar adequados a diversas necessidades

    humanas. Quando, no entanto, na elaborao de um projeto, no levado em

    considerao o fato de que seres humanos vivero e trabalharo nos ambientes

    projetados, deixamos de cumprir a funo essencial da arquitetura como

    criao de um espao funcional e agradavelmente habitvel.

    Mas para que se preocupar com o aproveitamento da luz solar quando existe a

    eltrica, para que se preocupar com a ventilao quando existe o ar

    condicionado? Isto nos lembra o caso daquele sujeito que, ao ver pernas

    eletrnicas de alta preciso tecnolgica, ficou to maravilhado que decidiu

    amputar as suas para implant-las. E afinal de contas, reduo de despesas

    coisa de economistas monetaristas, jamais de urbanistas indiferentes a esta

    veleidade, e de arquitetos mais preocupados com as linhas da arquitetura do

    que com as linhas de financiamento da mesma.

    E, alm disso, como todos ns sabemos, deitada eternamente em bero

    esplndido, a Viva rica e generosa. mesmo a prpria Viva Alegre na

    bela e festiva Viena das valsas interminveis do Imperador Francisco Jos.

    Entra o Blau Donau:Danbio azul / tan-tan / tan-tan (bis). E como se sabe

    o referido rio nunca foi azul em Viena, a no ser para os que esto

    apaixonados. Ora, para quem est apaixonado, at Braslia uma cidade

    romntica!

    E por falar em despesas, difcil dizer qual a maior: a da construo dessa

    cidade-escritrio - cerca de 8 bilhes de dlares - ou a do seu custo

    operacional. Parece que, neste aspecto, ambos estavam antecipando os CIEPS

    do Brizola ressuscitados pelos CIAPS do Collor. No que se refere Ilha da

    Fantasia, todos os materiais de construo tiveram de ser transportados de

    avio. Mas, assim como no se pode dizer que Lcio Costa tivesse

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    intencionalmente projetado uma cidade de acordo com uma estratgia de

    defesa do Poder, no se pode dizer que Juscelino a tivesse intencionalmente

    idealizado de acordo com os interesses de grandes empreiteiras nacionais.

    Parece mais adequado pensar que tais coisas foram conseqncias no-pretendidas das suas respectivas aes, de acordo com este importante

    conceito de F. von Hayek (1960). Ou no?!

    Porm nem sempre conseqncias dessa natureza podem ser consideradas

    eventos imprevisveis. Em uma repblica cuja histria tinha comeado com

    uma quartelada de meia dzia de militares positivistas contra uma monarquia

    constitucional e at ento tinha sido pontilhada de levantes e golpes, era muitomais sensato e mais provvel esperar que continuasse assim do que, a partir da

    dcada de 60, por um passe de mgica, acabasse se transformando em uma

    democracia slida e estvel. Queira Deus que estejamos caminhando neste

    sentido e tenha sido afastada a probabilidade de mais um indesejvel golpe,

    como o recente golpe de Fujimori no Peru.

    A histria da nossa Repblica tem sido uma histria de instabilidade poltica e

    inmeros desacertos. O grupo de militares positivistas - que, liderados pelo

    Marechal Deodoro, derrubaram D. Pedro II - nada tinham de democrticos.

    No estavam inspirados no federativismo preconizado

    por Thomas Jefferson, nem em qualquer outra viso

    autenticamente democrtica, porm na sociocracia de

    Auguste Comte cujo regime era a ditadura republicana

    [a expresso do prprio Comte]. Que coisa incrvel!Parece que tem sempre um francs por trs de uma idia

    torta! Ontem eram Rousseau, Robespierre e Comte, hoje

    Deleuze, Mitterand, Foucault, Lacan, Bourdieu, Touraine, etc. Como observou

    muito bem Roberto Gomes na sua Crtica da Razo Tupiniquim:

    Nas concepes que trouxeram prejuzo ao Pas, e que podem seratribudas m orientao positivista, encontramos o regime

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    totalitrio de inspirao comteana, cujo melhor exemplo, o maisdireto, seria o de Jlio de Castilhos no Rio Grande do Sul, ondegovernou autocraticamente de 1893 a 1898, sob a inspirao doSistema de Poltica Positiva de Comte. Sistema totalmentecentralizado, esse regime ditatorial trazia ainda outras marcas. Adesconfiana com relao ao voto o voto no nem pode ser overdadeiro instrumento capaz de determinar precisamente oprofundo trabalho de formao de opinies, dizia Jlio deCastilhos e a personificao do poder, pois era suposto que ogoverno caberia a um ditador institucional, enquanto o poderExecutivo absorvia o Legislativo, podendo o chefe de governodemitir os ocupantes dos executivos municipais. Todos essespoderes acumulados nas mos de um s homem marcavam desde jo carter antiparlamentar e antipartidrio que, mais tarde, estariapresente em outros movimentos militares como, por exemplo, otenentismo. Essas concepes totalitrias eram de todo coerentescom o que dizia Augusto Comte no Catecismo a respeito dosdireitos humanos: A noo de direito deve desaparecer do domniopoltico, como a noo de causa do domnio filosfico. Todo direitohumano to absurdo quanto imoral. (Gomes, 1978, pp.79-80,os grifos so nossos).

    *Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ.Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Anlise Filosfica. Membro Fundador daSociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e daSociedade de Estudos Filosficos e Interdisciplinares da UniverCidade.