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UNIVERSIDADE ABERTA
PROPOSTA DE UM DICIONRIO VIRTUAL DO PORTUGUS DE ANGOLACOMO FERRAMENTA DE ANLISE VOCABULAR DE TEXTOS
LITERRIOS ANGOLANOS
Carla Marisa Faria Black
Mestrado em Portugus Lngua No Materna
Dissertao orientada pela Professora Doutora Helena Brbara Marques Dias
2014
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II
Proposta de um Dicionrio Virtual do Portugus de Angola como Ferramenta de Anlise
Vocabular de Textos Literrios Angolanos
Resumo
A lngua portuguesa partilha a sua posio com as demais lnguas faladas em Angola.
Embora ocupe uma posio dominante nas mais diversas situaes lingusticas,
principalmente no trabalho, na poltica, na administrao e na imprensa, ela sofre tambm
a influncia das diversas lnguas utilizadas pelos falantes angolanos, que na sua maioria
so bilingues, propiciando-se, desta forma, as condies para a criao de uma variedade
do portugus, designado portugus de Angola.No presente trabalho pretendemos propor uma ferramenta que auxilie os estudantes do
Ensino Secundrio no estudo do lxico do portugus de Angola. Assim como os manuais
didticos, o dicionrio tambm uma ferramenta importante para o processo de ensino e
aprendizagem, sobretudo o dicionrio eletrnico que permite a qualquer momento a sua
atualizao e desta forma responder pontualmente as necessidades dos seus utilizadores,
no s pela sua constante atualizao, mas tambm pelo volume de informao que oferece
e tambm pela facilidade de acesso em termos financeiros.Assim, o objetivo do presente trabalho apresentar uma proposta de um dicionrio
eletrnico do portugus de Angola que ajudar os estudantes do Ensino Secundrio a fazer
a anlise vocabular de textos literrios angolanos.
Neste sentido, comemos por constatar efetivamente a existncia e o desenvolvimento do
portugus de Angola, a relao entre a lngua portuguesa e a literatura angolana. Em
seguida, analismos a situao sociolingustica, a competncia lexical dos estudantes e
posteriormente apresentmos a proposta de um dicionrio virtual que satisfaa asnecessidades dos seus utilizadores.
Palavras chave: lngua e variedade, portugus de Angola, multiculturalismo, ensino e
aprendizagem, portugus como lngua segunda, dicionrio para aprendentes do PLNM,
lxico, lexicografia, literatura angolana.
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III
Proposal for a Virtual Dictionary on Angolan Portuguese as a lexical Tool for Literary
Angolan Text Analysis
Abstract
The Portuguese language shares its position with the other native languages spoken in
Angola. Having a leading position in several linguistic situations, like work, politics,
administration and press, Portuguese is also influenced by languages spoken by native
Angolans, most of them bilingual, and provides conditions for a new variety, referred to
the Angolan Portuguese.
In the present study we intend to propose a new tool to help Secondary Education studentsin developing their lexical knowledge on this variety, which is the Portuguese spoken in
Angola. As well as textbooks, also a dictionary is an important tool for teaching and
learning, especially the electronic dictionary it allows updating at any time and quickly
responds to the needs of its users, not only because of its constant updating, but also
because of the volume of information it offers and the ease of access in financial terms.
The aim of this study is to present a proposal for an electronic dictionary of Angolan
Portuguese that will help students of Secondary Education to understand and make theirlexical analysis on Angolan literary texts.
Thus, we began by effectively establishing the existence and development of the Angolan
Portuguese, the relationship between the Portuguese and the Angolan literature.
Subsequently, we analyzed the sociolinguistic situation and the lexical competence of
students that led us to present the proposal for a virtual dictionary that meets the needs of
users.
Keywords: language and variety, Angolan Portuguese, multiculturalism, teaching and
learning, Portuguese as a second language, dictionary for learners of PLNM, lexicon,
lexicography, Angolan literature.
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IV
NDICE
0INTRODUO ........ 1
Captulo IENQUADRAMENTO TERICO E METODOLOGIA ......4
Captulo IIA SITUAO LINGUSTICA E O ENSINO E APRENDIZAGEM DO
PORTUGUS COMO LNGUA NO MATERNA EM ANGOLA ....12
2.1A lngua portuguesa no sistema de ensino angolano ..... 12
2.2A escola e o meio sociolingustico . 18
Captulo IIIA LNGUA PORTUGUESA E A LITERATURA ANGOLANA.....21
3.1 - A variedade angolana ..........31
Captulo IVPROPOSTA DE UM DICIONRIO VIRTUAL DO PORTUGUS DE
ANGOLA PARA APRENDENTES DO PLNM .... 39
4.1Definio e composio do corpusdo Dicionrio .... 394.2 - Descrio dos dados lingusticos e caracterizao do pblico ... 40
4.3 - Apresentao e discusso dos resultados ... 53
4.4A Macroestrutura ....55
4.5A Microestrutura ... 59
Captulo VCONCLUSES ...61
BIBLIOGRAFIA ....63
ANEXOS
ANEXO I - Ficha Sociolingustica..............................................................................70
ANEXO II - Ficha de Trabalho n 1 ................................................................................73
ANEXO III - Ficha de Trabalho n 2...............................................................................74
ANEXO IV - Ficha de Trabalho n 3...................................................................75
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V
ANEXO V - Ficha de Trabalho n 4.................................................................................76
ANEXO VI- Ficha de Trabalho n 5 ...............................................................................77
ANEXO VII - Ficha de Trabalho n 6 .............................................................................78
ANEXO VIII - Ficha de Trabalho n 7 ............................................................................79
ANEXO IX -Ficha de Trabalho n 8 ................................................................................80
ANEXO X -Ficha de Trabalho n 9 ................................................................................81
ANEXO XI - Ficha de Trabalho n 10 ................................................................82
ANEXO XII-Ficha de Trabalho n 11 .............................................................................83
ANEXO XIIICorpusRecolhido ................................................................................... 86
ANEXO XIVTabela das Respostas Corretas e incorretas (Anexo digital)
ANEXO XVTabela do CorpusRecolhido (Anexo digital)
NDICE DE GRFICOS
Grfico 2.1 ..........14
Grfico 2.2 ...... 14
Grfico 2. 3 .....15
NDICE DE QUADROS
Quadro 3.1Relao entre a lngua portuguesa e a cultura e literatura angolanas.30
Quadro 3.2 - Exemplos de traos caractersticos da produo lingustica do portugus de
Angola..38
NDICE DE TABELAS
Tabela 4.1.........41
Tabela 4.2 ....... 41
Tabela 4.3 ........42
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VI
Tabela 4.4. .......43
Tabela 4.5 ........43
Tabela 4.6 ........44
Tabela 4.7 ........44
Tabela 4. 8 ...........44
Tabela 4.9 ............44
Tabela 4.10 ............. 44
Tabela 4. 11 ........ 45
Tabela 4. 12 ........ 46
Tabela 4.13 ..........46
Tabela 4.14 ......... 47Tabela 4.15 ......... 47
Tabela 4.16 ..................47
Tabela 4.17 ......... 47
Tabela 4.18 ..........48
Tabela 4.19 ..........48
Tabela 4.20 ..........48
Tabela 4.21 .........48Tabela 4.22 ......... 51
Tabela 4. 23 .........51
Tabela 4.24 ..........52
Tabela 4.25 ......... 52
NDICE DE FIGURAS
Figura 4. 1 ........... 57
Figura 4. 2 ........... 59
LISTA DE ABREVIATURAS
AR(Ausncia de Resposta)
LPlngua portuguesa
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VII
PLNMPortugus Lngua No Materna
QECR - Quadro Europeu Comum de Referncia para as Lnguas
RNResposta Nula
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0INTRODUO
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INTRODUO
De um modo geral, associa-se as tecnologias de informao e comunicao (TIC)
melhoria do processo de ensino e de aprendizagem. Acha-se que os novos meios irodespertar nos alunos a motivao para a aprendizagem e iro modificar os mtodos a que
os professores esto habituados. A prtica comprova, porm, que nem sempre assim.
Entre as imensas potencialidades e vantagens que nos so oferecidas pelas TIC de
considerar tambm que no se trata apenas de associ-las ao processo de ensino e de
aprendizagem, mas, acima de tudo, de um processo de integrao de tecnologias
adequadas.
Na aula de lngua, o professor conta com vrias ferramentas, mas h duas que so decarter permanente e exigem um investimento financeiro mais significativo por parte dos
alunos: o manual escolar, a gramtica e o dicionrio.
O dicionrio a ferramenta que conduz o aluno autonomia e fundamental para a
compreenso de textos, neste caso, o texto literrio angolano que tal como o termo indica
apresenta uma realidade muito prpria do contexto angolano a nvel da morfossintaxe, da
semntica e do lxico, principalmente.
O presente trabalho pretende, precisamente, explorar as potencialidades das TIC no
processo de ensino e de aprendizagem, mais especificamente na aula de portugus como
lngua no materna, em Angola. Neste sentido, apresentada uma Proposta de um
dicionrio virtual do portugus de Angola como ferramenta de anlise vocabular de textos
literrios angolanos.
Por conseguinte, temos em vista os seguintes objetivos:
Objetivo geral
-Apresentar uma proposta de um dicionrio pedaggico virtual destinado aos estudantes
do ensino secundrio em Angola que tm o portugus como lngua no materna.
Objetivos especficos:
- Analisar a competncia lexical dos estudantes, falantes do portugus como lngua
segunda;
-Verificar a relao que estes estudantes estabelecem entre significado e palavra;
-Integrar as tecnologias de informao e comunicao de forma adequada no processo de
ensino e aprendizagem do PLNM em Angola;
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Um paralelo pode ser traado para o uso do dicionrio como suporte ao processo de ensino
e de aprendizagem. H alguns anos atrs, o aluno contava apenas com o dicionrio de
bolso para o ajudar na compreenso e produo textual. Hoje, a Internet permite que o
aprendente pesquise o contexto das palavras novas e descubra, pelo estudo autnomo,
significados e possibilidades de sentido, imagens e at a pronncia das unidades lexicais.
Verificmos, durante a observao das aulas de portugus e estudo dos textos literrios
angolanos, que as diferenas entre as culturas bantu e portuguesa, que resultam na criao
de uma nova e nica cultura (a cultura angolana) retratada na literatura, no so resolvidas
buscando apenas o acervo lexicogrfico da lngua portuguesa.
Endruschat (1990:10) observa que no portugus falado em Angola h duas classes de
bantuismos, os de 1 classe que exercem uma funo designativa, sendo emprestados, nasua maioria sob a sua forma original e para os quais difcil encontrar uma traduo
adequada portuguesa e apresenta como exemplos os nomes de plantas, animais, comidas e
tradies. A autora acrescenta ainda que existe uma segunda classe de bantuismos de
funo puramente estilstica, por serem mais expressivos, mais angolanos que as suas
substituies portuguesas, tal o caso, por ex.,xingareximbicar.
Constatmos que, alm das dvidas dos aprendentes referentes ao lxico mencionado
anteriormente, muitas vezes, tambm os prprios professores desconhecem o significadodesses termos.
Nesta perspetiva, acreditamos que um dicionrio do portugus de Angola ajudar o aluno a
aumentar o reportrio lingustico por meio da leitura e compreenso das definies e dos
exemplos.
Trata-se, pois, de uma proposta ambiciosa que a criao de um dicionrio virtual em
funo das necessidades dos seus usurios que sero os alunos do 2 Ciclo do Ensino
Secundrio.O dicionrio ter a designao Dicionrio do Portugus de Angola com as seguintes
caractersticas e reas temticas:
1- Dicionrio eletrnico com recurso ao esquema Glossrio;
2- Dicionrio pedaggico para aprendentes do PLNM;
2 -As reas temticas prioritrias iniciais sero a alimentao, a fauna, a flora, as
tradies, objetos, aes e uma rea a que chamaremos rea humana.
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Considerando as finalidades acima apresentadas, a dissertao foi organizada da seguinte
maneira:
No primeiro captulo, apresentado enquadramento terico e a metodologia adotada para
a realizao do presente trabalho. O segundo captulorefere o contexto sociolingustico
angolano e a aprendizagem da lngua portuguesa como lngua no materna, posicionando a
lngua portuguesa no sistema de ensino angolano. Neste captulo, focamos a funo da
lngua portuguesa como lngua de escolaridade, a imposio da norma europeia e a rejeio
das normas no padronizadas. A descrio deste quadro sociolingustico pretende
caraterizar o utilizador do dicionrio. No terceiro captulo, concentramo-nos na relao
entre a lngua portuguesa e a literatura angolana. Assim, procuramos demonstrar a
profunda relao entre a lngua portuguesa e a cultura angolana, a criao edesenvolvimento da variedade angolana, bem como o desenvolvimento da literatura
angolana como mecanismo de captao e preservao do lxico do portugus falado em
Angola que nasce precisamente da relao lngua/cultura. Neste captulo pretende-se
constatar, efetivamente, a necessidade de um dicionrio do portugus de Angola e
paralelamente integrar as TIC no processo de ensino e de aprendizagem do PLNM,
nomeadamente atravs da utilizao de um dicionrio virtual. No quarto captulo,
apresentamos a proposta de um dicionrio virtual do portugus de Angola como ferramentaauxiliar para anlise de textos literrios angolanos. Ainda neste captulo, descrevemos os
dados lingusticos que nos orientaram para a construo e caraterizao do referido
dicionrio, bem como a apresentao e discusso dos resultados em funo do problema
apresentado e as fases de construo do referido dicionrio. No quinto captulo,
apresentamos as concluses obtidas e por ltimo seguem-se as Referncias Bibliogrficas e
os Anexos.
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Captulo IENQUADRAMENTO TERICO E METODOLOGIA
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Cap. IENQUADRAMENTO TERICO E METODOLOGIA
Quando apresentamos como proposta um dicionrio do portugus de Angola, tendo em
conta as especificidades do quadro social, poltico e sobretudo poltico-lingustico no qual
esta proposta apresentada, torna-se essencial esclarecer conceitos diversos como lngua e
variedade, portugus de Angola, multiculturalismo e ensino do portugus como lngua
segunda, lxico, dicionrio para aprendentes do PLNM sob o ponto de vista da
lexicologia e da lexicografia.
Segundo Cunha e Cintra (1999: 1-5), lngua um sistema gramatical pertencente a um
grupo de indivduos e como expresso da conscincia de uma coletividade, o meio
pelo qual essa conscincia representa a realidade que a rodeia e sobre esta age; alm disso,a lngua est em constante evoluo e, portanto, no imutvel. Os dialetos constituem um
exemplo dos tipos de diferenas existentes numa lngua.
Os referidos autores (idem) consideram que, condicionada de forma consistente dentro de
cada grupo social e parte integrante da competncia lingustica dos seus membros, a
variao , pois, inerente ao sistema da lngua e ocorre em todos os nveis: fontico,
fonolgico, morfolgico, sinttico, lexical. Acrescentam ainda: Todas as variedades
lingusticas so estruturadas, e correspondem a sistemas e subsistemas adequados snecessidades dos seus usurios."
A partir da mesma fonte transcreve-se:
As formas caratersticas que uma lngua assume regionalmente denominam-se dialetos. Narea vastssima e descontnua em que o portugus falado apresenta-se como qualquer lnguaviva, internamente diferenciado em variedades que divergem de maneira mais ou menos
acentuada quanto pronncia, grafia e ao vocabulrio.(idem, pg. 4).
Sendo a lngua um sistema mutvel, a par da sua imutabilidade, ela absorve a realidade que
a rodeia de forma a satisfazer as necessidades dos seus falantes. Continuando, Cunha e
Cintra (idem) afirmam que a norma pode variar no seio de uma mesma comunidade
lingustica, seja do ponto de vista diatpico (portugus de Portugal/ portugus do Brasil/
portugus de Angola), seja do ponto de vista diastrtico e do ponto de vista diafsico.
Sob o ponto de vista diatpico, o portugus de Angola, segundo Mingas (1998) definido
como:
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[] uma nova realidade lingustica em Angola, a que chamamos portugus de Angola ouangolano, semelhana do que aconteceu ao brasileiro ou ao crioulo. Embora em estadoembrionrio, o angolano aparenta j especificidades prprias [] Pensamos que, no nosso
pas, o portugus de Angola sobrepor-se- ao portugus padro como lngua segunda dos
angolanos. (Mingas apudInverno, 2009: 2).
Para alm de duas grandes variantes bem definidas, a portuguesa e a brasileira, existem
outras duas variantes em formao, a angolana e a moambicana, sendo de esperar que
estas tambm se individualizem normativamente quando entrarem num estado de maior
estabilizao. No entanto, neste momento, no h ainda expresso institucional, nem
instrumentos prescritivos consagrados que fixem as caratersticas dessas novas normas.
O processo de aprendizagem de uma lngua segunda, neste caso o portugus, difere do
processo de aquisio da lngua materna, na medida em que a aprendizagem pressupe a
criao de um ambiente no natural no qual o individuo deve desenvolver a mestria
lingustica e conhecer a cultura da lngua que aprende.
Em todas as culturas, as pessoas aprendem tcnicas que ajudam a manter a comunicao eajudam a sinalizar os sentimentos e atitudes, cuja finalidade evitar as dificuldadesinterpessoais. Dessa forma, ser interculturalmente hbil uma capacidade que envolve muitomais do que simplesmente traduzir frmulas de polidez de uma lngua para outra. Por isso, oestudo das relaes que se referem comunicao intercultural tem como base as formas
prprias de pensar de cada grupo, com as suas ideias, o modo como se comunicam, ocomportamento que adotam em determinadas circunstncias e que carateriza cada cultura deforma distinta. Esses elementos servem para organizar o sentido pessoal de coeso interna dosmembros do grupo. (Scollon apudSathler, 2010:1).
Assim, a codificao da realidade extralingustica interiorizada no saber de uma
determinada comunidade lingustica traduz-se no lxico que tambm o conjunto de
palavras por meio das quais os membros de uma comunidade lingustica comunicam entre
si. (Vilela, 1995:3). Neste sentido, podemos definir o termo lxico na perspetiva da
cognio-representao e na perspetiva da comunicao.Para R. Galisson e D. Coste (1983: 433), o lxico constitudo por unidades virtuais: os
lexemas. Salem (1987) considera que o lxicotambm pode ser um ndice, um glossrio,
vocabulrio ou um dicionrio sucinto.
O lxicoconstitui um sistema aberto, mais ou menos imprevisvel e quase infinito (Vilela,
1993:15). O portugus de Angola espelha o pensamento de uma cultura atravs da criao
de um lxico que numa perspetiva da cognio-representativa e da comunicao veicula
uma realidade e particulariza a lngua portuguesa falada em Angola. Desta forma, ser
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aprendente de PLNM em Angola significa aprender igualmente a cultura angolana o que
passa pela aquisio, aprendizagem e utilizao de determinado lxico, no sendo
suficiente, para tal, apenas o conhecimento da norma padro do portugus europeu.
Segundo Vilela (1995:219), a lngua armazenada no lxico a roupagem com que o
mundo exterior se nos representa j que a comunidade segmenta linguisticamente a
realidade de acordo com os seus interesses religiosos, culturais, econmicos, etc.
O mesmo autor considera que na lngua, tal como no comrcio, a competitividade um
facto e apenas os produtos atraentes permitem que se crie uma competio, pois a vontade
de comunicar resulta tambm numa inteno de negociar. Os recursos lexicais da lngua
tm o poder de influenciar o que pode ser dito e o modo como pode ser dito, pois a
estrutura lexical de uma lngua no s o stock de palavras, expresses e daspreferncias (colocaes) como ainda o stock dos moldes j feitos para repertoriarmos
a nossa experincia da realidade. (Vilela, 1995:33)
De facto, as situaes de bilinguismo resultam do contacto entre lnguas, podendo esta
situao lingustica gerar resultados diversos, como os que se verificam em Angola. A
lngua portuguesa est em transformao evidente, quer pela expanso do lxico, dada a
fora da influncia das lnguas bantu, quer pelas alteraes nos planos fonolgico,
morfolgico e sinttico. J em 1991, Vilela considerava que era no lxico que se observavauma veemente forma de afirmao angolana com novas formaes e novos semantismos
(Vilela, 1991: 175). Tambm, mais recentemente, Cambuta (2014) observa que o
portugus de Angola revela uma produtividade bastante rica na formao de novas
palavras mediante o processo de verbalizao, destacando-se os sufixos verbais ar e
izar, como os mais rentveis. (Cambuta, 2014: 59). Mas tambm Adriano (2014) vem
mostrar outras consistncias, muito evidentes no Portugus de Angola, ao apresentar uma
descrio morfossinttica de estruturas e expresses frsicas que caraterizam a variedadeangolana. Refere, por exemplo, na rea da concordncia nominal, a omisso da marca de
plural nos SN e SA quer estes entrem ou no na formao de SPs, na rea da
concordncia verbal, os casos nos quais o sujeito, em posio pr-verbal ou ps-verbal,
no concordam com o seu predicado quer ainda, ao considerar como uma crise de
tratamento no portugus falado, as formas de tratamento, onde num mesmo enunciado as
formas podem remeter tanto para tu, como para voc ou senhor. (Adriano, 2014:167).
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Assim, a correspondncia entre palavra e o mundo extralingustico no , de modo algum,
absoluta, pois possvel designar o mesmo objeto do nosso quotidiano de diversas
maneiras e de acordo com os nossos interesses sem, contudo, alterarmos o contedo da
nossa mensagem, e esta uma das possibilidades da lngua que permite a formao de um
acervo de palavras que atualiza, renova o seu lxico e, por essa razo, objeto de estudo de
numerosos linguistas, designado lexicologia e lexicografia.
A lexicografia e a lexicologia so dois ramos distintos que tm como objeto de estudo o
lxico.
Neste contexto, segundo Casares (1992), a lexicologia uma rea da lingustica
vocacionada ao estudo cientfico do acervo de palavras que a lngua nos oferece,
procurando, para o efeito, determinar a gnese, a forma e o significado das mesmas. Alexicografia a arte de compor dicionrios(Casares, 1992:11).
Torna-se evidente que embora exista uma relao muito prxima com a lexicologia,
estamos, porm na presena de outra rea da lingustica j que esta se ocupa da feitura de
dicionrios que comeou a estruturar-se como disciplina lingustica desde a primeira
metade do XVI, em vrios centros humansticos europeus. Foi inicialmente motivada pelas
solicitaes do ensino do latim como lngua no materna, e encontrou na tcnica
tipogrfica uma condio determinante para a sua configurao e difuso (Verdelho,2007:12).
Para Mattos (2010: 74), a lexicologia estuda o lxico de uma lngua por meio de critrios
cientficos (semnticos, fonolgicos, sintticos, sintagmticos); a lexicografia, de um
modo geral, busca organizar esse lxico com o objetivo de regist-lo em obras que
funcionam como instrumento de referncia. E vai mais longe ao afirmar que a
lexicografia, embora seja conhecida como a tcnica de compor dicionrios, alm de
apresentar um carter prtico (coleta e seleo do lxico, confeo do dicionrio), possuitambm um carter terico.
La lexicografa es una disciplina independiente en relacin con la lingstica y otras tantasdisciplinas acadmicas ya que tiene su propio campo de inters, los diccionarios, que sonartefactos culturales a diferencia de, por ejemplo, el objeto de la lingstica que es la lengua, osea, algo intrnseco del ser humano y uno de los fundamentos de su complejo desarrollosocial. (Tarp, 2008:52)
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Segundo B. Quemada (1987) citado por Chicuna, o objeto de estudo da lexicografia
define-se pelo seguinte: En rgle gnrale, dans le usages des spcialites, comme dans les
definitions des dictionnaires, la lexicoligie est reconnue comme la science de lexiqueet
englobe des approches aussi divers que les thories linguistiques ou les mthodes dont elle
se rclame: descriptive, historique, strucurale. La lexigraphie, pour sa part, est l'art et la
sciencie du lexicographe , auteur de dictionnaires (Quemada apudChicuna, 2014:45)
Neste contexto, podemos observar que a lexicografia um ramo da lexicologia que se
ocupa da realizao de dicionrios e lxicos. De facto, a lexicografia a no se dedica
apenas construo de dicionrios j que o termo tambm pode ser utilizado para
designar o estudo terico e a anlise dos dicionrios, da sua elaborao (metodologia) e da
sua estrutura (lexicografia terica). (Quemada (1981), Rey (1986), Galisson (1987),Dicionrio de Termos Lingusticos).
A lexicografia pode significar apenas o recenseamento e a anlise das formas e das
significaes das unidades lexicais observados do ponto de vista das suas combinatrias e
funes e no implicar a realizao de um dicionrio. (Quemada (1981), Rey (1986),
Galisson (1987), Dicionrio de Termos Lingusticos).
Quemada (1987) denominou dicionarstica a este tipo de estudos que permitiu colmatar
uma carncia nocional e denominativa, isto , no momento em que a lexicografia deixou deimplicar a realizao do dicionrio. (Dicionrio de termos lingusticos).
Assim, Lino et alli (1991) define a lexicografia como a artede confeco e realizao de
dicionrios e considera que a lexicografia para alm de se dedicar confeo e realizao
de dicionrios pode significar tambm o estudo terico e anlise de dicionrios, da sua
elaborao (metodologia) e da sua estrutura; este estudo objecto da lexicografia terica
(Lino et alliapudChicuna, 2014:61).
Segundo Matos, dentro da lexicografia h () a lexicografia pedaggica que trata dosdicionrios usados no ensino e aprendizagem de uma lngua. (Mattos, 2010: 74)
A evoluo lexicogrfica culminou com a introduo da designao lexicografia
pedaggica a partir do momento em que se comea a reconhecer e a interpretar as
necessidades dos usurios. Segundo Duran (2008), a experincia de confeo de
dicionrios por professores que conheciam as dificuldades dos seus alunos permitiu
perceber que uma grande parte das solues lexicogrficas passa pelo conhecimento das
dificuldades dos usurios.
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Embora a expresso lexicografia pedaggica no seja muito utilizada no contexto da
lngua inglesa dado que se consolidou a expresso learners dictinonaries, dicionrios
para aprendizes, j a expresso lexicgraphie pedagogique de uso corrente em francs
(Duran, 2008).
Quemada (1981) cria o termo lexicodidtica que designa a disciplina que tem por objecto
de estudo o lxico, tendo como finalidade vrios tipos de aplicaes de carcter didctico.
(Dicionrio de Termos Lingusticos).
Ainda segundo Duran, a ideia subjacente a este tipo de dicionrios, [ou seja, aos
dicionrios pedaggicos] a de promover uma mudana a nvel da proficincia do seu
usurio e torn-lo, com o tempo, menos dependente da consulta a dicionrios. (Duran,
2008:84).M. Contente (1988) citada por Quivuna refere o surgimento dos denominados dicionrios
contextuais, como por exemplo, o Dictionnaire Contextuel du Franais de la Gologie e
o Moderno Dicionrio das 8000 palavras, que se inscrevem na linha de dicionrios com
finalidade didctica. (M. Contente apudQuivuna, 2013:118).
Portanto, a lexicografia sem finalidades didticas distingue-se da lexicodidtica quando o
dicionrio cumpre apenas o seu papel poltico de uniformizador da lngua, tornando-se um
repositrio dessa mesma lngua. Desta forma, podemos ver a lexicodidtica numaperspetiva dinmica, ou seja, uma rea propensa a inovaes em funo das necessidades
dos seus usurios, sobretudo se aliarmos esta lexicografia s Tecnologias de Informao e
Comunicao.
Assim, consideramos que, de facto, a lexicodidtica assume grande importncia para este
Projeto na medida em que os dicionrios pedaggicos ou os dicionrios com finalidade
didtica diferem dos demais pela preocupao com o usurio, ou seja, as necessidades
didticas prticas de professores e alunos de uma determinada lngua.Neste sentido, torna-se importante determinar conceitos-chave dentro da lexicografia de
modo a fundamentar e direcionar a realizao do presente trabalho de acordo com a
estrutura subjacente de um dicionrio. So bsicos termos como: verbete, lema,
lematizao, un idade lexicogrfica, macroestruturae microestrutura na preparao das
entradas que constituem a estrutura organizativa de um dicionrio.
Murakawa (2007:238) considera que o verbete a unidade mnima na organizao de um
dicionrio, constitudo pela palavra-entrada ou lema, que a unidade lexical a ser
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tratada, e por um conjunto de informaes sobre essa unidade. Assim, utiliza-se lema,
entrada ou palavra-entrada para os lexemas escolhidos que sero tratados nos dicionrios.
Segundo Welker (2004:91) geralmente toma-se como lema a forma bsica ou
cannica do lexema: o infinitivo dos verbos, o singular masculino dos substantivos e dos
adjetivos. O autor acrescenta ainda que tambm se usam os termos entrada e palavra
entrada correspondentes ao alemo Lemma e Stichwort, em espanhol, entrada, lema,
palavra-clave, voz guia e cabecera, em francs, lemme, entre, vedette, mot-entre, mot-
vedette e adresse, em ingls, lemma, entry, entry-form, entry word, headword e main
entry.
No presente trabalho, lema o termo ou a forma grfica que se seleciona de forma
convencional como vedeta de um dicionrio ou lxico. (Muller, 1974).Segundo Murakawa (2007:238), no verbete renem-se informaes sobre a etimologia,
pronncia, ortografia, classe gramatical, restries de uso, sinnimos, antnimos,
combinaes lxicas, aspectos sintticos relevantes, irregularidades morfolgicas e
principalmente a definio das diversas acepes e exemplos.
A autora considera que a definio a parte essencial da construo do verbetee refere
que as informaes a respeito do lema podem aparecer sistematicamente em todos os
verbetes de um dicionrio de uso, ou ento, privilegiam-se apenas uma ou outrainformao. (Murakawa, 2008: 238)
Assim, podemos observar que os autores referidos consideram o lemacomo a palavra que
ir encabear o texto e o verbete ser a palavra associada ao conjunto de informaes
sobre essa palavra. importante ressaltar ainda que para estes autores, a utilizao da
informao, num nico verbete ou em todos, sobre a palavra selecionada ou lema,
depender do tipo de dicionrio que se pretende construir. Tratando-se de um dicionrio
pedaggico, destinado a um pblico muito especfico, torna-se importante que ainformao seja acessvel e que, portanto, esteja presente sempre que o consulente
necessite. este aspeto que nos leva a falar de lematizao.
Segundo o Dicionrio de Didctica das Lnguas (Galisson, R.; Coste D.,1983), o processo
de lematizaopermite que um mesmo item represente todas as formas que uma unidade
lexicogrfica pode ter. Assim, o infinitivo geralmente escolhido para representar as
formas do paradigma verbal, enquanto o masculino singular representa o paradigma
nominal e o paradigma adjectival. (Galisson, R.; CosteD., 1983: 429).
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Sanrman (2001:20) entende que lematizao o acto de registar (no sentido de
consignar, catalogar ou inventariar), sob a entrada, lema ou vedeta que encabea o artigo
do dicionrio (ou sob uma sub-entrada ou sub-lema), diferentes tipos de unidades
lexicogrficas de uma lngua, de preferncia extradas de um corpus.
Embora este processo se revele da maior importncia para a elaborao de um dicionrio
impresso, implica, porm, a sua aprendizagem por parte do consulente, e atribui
informao que se pretende introduzir no verbete um carter redutor. Temos, portanto, a
nosso favor, o formato eletrnico do dicionrio que permitir, por um lado, ao usurio
lematizar automaticamente, utilizando a palavra-chave e, por outro, utilizar um espao que
permitir selecionar e apresentar toda a informao sobre o lxico de modo a que os seus
usurios consigam satisfazer as suas necessidades.A unidade lexicogrfica, segundo Sanrman (2001:20), pode ser vista como um processo
de lexicalizao de um significado ou objeto extralingustico. Neste sentido, a autora
considera que a unidade lexicogrfica tanto pode ser uma unidade lexical, como por
exemplo leite, fim-de-semana, como determinadas combinaes de unidades lexicais,
como por exemplo, leite gordo, dar um passeio.
As unidades lexicais podem ser simples quando so constitudas por apenas um elemento,
como por exemplo berrida, podem ser ainda compostas quando so constitudas por doisou mais elementos ligados por hfen, como por exemplo, mais-velho e complexas quando
so constitudas por dois ou mais elementos no ligados por hfen, como por exemplo,
farinha de musseque.
Nesta perspetiva, o processo de lematizao tanto pode dizer respeito a uma unidade
lexical simples como s unidades lexicais compostas e complexas.
Considermos importante este princpio terico, pois permitiu-nos uma recolha e seleo
de um corpusmais abrangente.No Dicionrio de Termos Lingusticos, Boutin- Quesnel et alii (1992, p. 737 e p. 758)
definem a macroestruturade um dicionrio como a organizao geral do dicionrio e a
microestruturacomo a organizao dos dados lexicolgicos ou terminolgicos contidos
num artigo de um dicionrio. (Associao Portuguesa de Lingustica, ILTEC,1992)
Farias (2008: 138) considera que se entende por definio macroestrutural de um
dicionrio, o estabelecimento do nmero de verbetes que o dicionrio conter, assim como
o tipo de unidades passveis de lematizao.
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Vilela (1995:230) define a macroestrutura como o conjunto de entradas lexicais que o
dicionrio inclui para tratamento e refere a microestrutura como o conjunto de
informaes que acompanham cada uma das entradas inventariadas e tratadas no
dicionrio. O autor refere ainda que a entrada dever apresentar informaes gramaticais,
informaes acerca do carter fixo das expresses, informao explcita ou implcita sobre
a polissemia e monossemizao.
Neste sentido, a macroestruturado dicionrio que se pretende apresentar definida como
o conjunto, a quantidade de verbetes que o dicionrio deve conter e onde esto listados os
conceitos principais da obra. Estes conceitos devero manter uma ordenao constante na
montagem da macroestrutura, ou seja, devero fazer parte apenas da macroestrutura de
forma a manter uma delimitao clara entre a macro e microestrutura.Em oposio macroestrutura, a microestruturaque o conjunto formado pela entrada e
pelo enunciado lexicogrfico do verbete. O enunciado lexicogrfico deve apresentar toda a
informao de forma clara e acessvel ao consulente.
Assim, uma estrutura, seja macro ou micro, previamente definida sob os pontos-de-vista
anteriormente referidos, levar-nos- realizao de um trabalho especificamente dirigido a
um pblico-alvo, pois a forma como o dicionrio/glossrio vai ser elaborado depende
basicamente deste pblico.Como metodologia para a execuo da nossa proposta, fizemos um levantamento da
situao sociolingustica de um grupo de alunos do Ensino Secundrio, utilizando, para o
efeito, um inqurito de resposta fechada que foi preenchido pelos alunos e posteriormente
aplicmos a tarefa que nos permitiu a recolha do corpus.
Procedemos recolha de um corpus, recorrendo a dois processos complementares. Por um
lado, atravs da observao das aulas de portugus sobre o estudo do texto literrio
angolano, foram apresentados aos alunos diversos textos de autores angolanos, pedindo-lhes que fizessem uma anlise vocabular atravs de uma ficha de trabalho destinada
recolha dos dados. Foram selecionados todos os textos de autores angolanos presentes no
Programa de Portugus da 10 classe, nomeadamente: Agostinho Neto, Manuel Rui, Jofre
Rocha, Jos Lus Mendona, Joo Maimona e Jos Luandino Vieira.
Por outro lado, procurmos selecionar textos de outros autores angolanos que, na nossa
opinio, podem apresentar um acervo bastante rico para a recolha do corpus. Foram
elaboradas fichas para cada um dos textos selecionados.
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O nosso pblico-alvo cingiu-se aos alunos do 2 ciclo, do Ensino Secundrio, de duas
turmas da 10 classe da Escola da Arimba da provncia da Hula, constitudas por 33 alunos
cada e que ser, portanto, a amostra da populao. A idade dos alunos varia entre os 15-20
anos.
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Captulo II - SITUAO LINGUSTICA E O ENSINO E APRENDIZAGEM DO
PORTUGUS COMO LNGUA NO MATERNA EM ANGOLA
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Cap. II - SITUAO LINGUSTICA E O ENSINO E APRENDIZAGEM DO
PORTUGUS COMO LNGUA NO MATERNA EM ANGOLA
2.1
A lngua portuguesa no sistema de ensino angolano
Angola, nome derivado de Ngola, sede do reino de Ngola, um pas da frica Austral com
um territrio de 1.246.700 km e cerca de 13,4 milhes de habitantes. Pertencente zona
das lnguas bantu e no bantu, tem o portugus como lngua oficial, mas no como lngua
materna. De facto, o portugus no a lngua materna da maioria dos angolanos.
um pas plurilingue onde uma parte significante dos seus habitantes , pelo menos,
bilingue, falando a lngua bantu ou khoisan e o portugus. As lnguas nacionais maisusadas so o kikongo (nas provncias de Cabinda, Zaire e Uge), o Kimbundu (na regio do
Mdundu que ocupa as zonas de Luanda, Malanje, Bengo e Cuanza-Sul, Benguela) e o
Umbundo (na regio do Bi, Huambo e a parte norte da Hula).
Zau (2002) refere que cerca de 70% da populao fala as diversas lnguas, entre as quais a
lngua oficial angolana, o portugus, e as outras lnguas no oficiais bastante faladas, os
idiomas de origem bantu e o boximane e todos os dialetos da provenientes que so falados
no sul, por uma pequenssima minoria, junto ao rio Cunene. Algumas destas lnguasprojetam-se para alm das fronteiras territoriais de Angola, como o chocu tambm
falado no Congo; o kikongo falado no norte e nas duas Repblicas congolesas; o
umbundo no sul de Angola e na Zmbia; por esse motivo o conceito de Lnguas
nacionais, adotado na aurora da independncia, progrediu para Lnguas nacionais
africanas. Estima-se, portanto, que 30% da populao ter o portugus como lngua
materna e verifica-se que esta elevada diversidade lingustica refora o papel da lngua
exgena, o portugus, pois nenhuma lngua nacional est em condies de reivindicar oestatuto de lngua oficial.
O portugus a lngua de escolaridade para todos os angolanos. Embora a maioria dos
falantes seja bilingue, o acesso ao sistema de ensino s possvel mediante a
aprendizagem da lngua portuguesa, sendo a nica lngua de conhecimento e de
comunicao internacional.
Assim, o sistema de ensino integra os seguintes subsistemas:
- O Subsistema da Educao Pr-escolar
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- O subsistema do Ensino Geral
- O subsistema do Ensino Tcnico-Profissional
- O subsistema de Formao de Professores
- O subsistema de Educao de Adultos
- O subsistema do Ensino Superior
Interessa-nos, para o presente trabalho, o subsistema do Ensino Geral. A fim de podermos
determinar a posio da Lngua Portuguesa no sistema de ensino angolano, passaremos a
descrever a sua estrutura organizacional. Assim, este subsistema est constitudo por:
- Um Ensino Primrio de 6 classes (bsico e obrigatrio).
-Um Ensino Secundrio que integra dois ciclos, com a durao de 3 anos.
A norma imposta pela escola a norma-padro do portugus europeu. Relativamente a estesubsistema de ensino, o Ministrio da educao tem entre outras, as seguintes finalidades:
Incutir o respeito pela lngua, como lngua oficial, factor de unidade nacional e de coesointernacional no espao da comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa-Contribuir para a identificao crtica do aluno com as manifestaes e as realizaes dacultura regional, nacional e universalfacultando os conhecimentos que possibilitem o dilogointertextual com obras do passado e do presente.- Promover uma cultura da participao e reflexo crtica da realidade circundante que realce aresponsabilidade de cada um nos processos de mudana social. (INIDE Programas deLngua Portuguesa da 10, 11 e 12 Classes).
A Lei de Bases do Sistema de Educao determina, no seu artigo 18, que o Ensino
Primrio tem, entre outros, o seguinte objetivo:
Desenvolver e aperfeioar o domnio da comunicao e daexpresso.(INIDEReforma
Curricular, 2003: 8)
Ainda segundo este documento, o perfil de sada dos alunos da 6 classe deve contemplar,
entre outros, a nvel do saber, os seguintes aspetos:
-Conhecer e aplicar instrumentos bsicos de comunicao e expresso oral e escrita.
(INIDEReforma Curricular, 2003: 9)
Para o ensino Primrio definiu-se um conjunto de 10 disciplinas consideradas
fundamentais.
Nas quatro primeiras classes existem 6 disciplinas com uma carga semanal de 24 tempos
letivos, tendo a disciplina de Lngua Portuguesa 270 tempos letivos para um ano escolar de
30 semanas, conforme o grfico seguinte:
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Grfico: 2.1 Distribuio das disciplinas por tempos letivos da 1 4 classes1
Nas duas ltimas classes existem 9 disciplinas com uma carga horria semanal de 29
tempos letivos, sendo a Lngua Portuguesa uma disciplina com 240 tempos letivos anuais,
como fica ilustrado na seguinte figura:
Grfico: 2.2Distribuio das disciplinas por tempos letivo nas5 e 6 classes
Ao terminar o Ensino Primrio, o Plano de Estudos prev uma carga de 4620 tempos de (e
em) portugus, destacando-se a Lngua Portuguesa com a maior carga horria.
1
Os grficosapresentados so elaborao nossa.
0
50
100
150
200
250
300
1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 Classe
Lngua Portuguesa
Matemtica
Estudo do Meio
Educao Manual ePlstica
Educao Musical
Educao Fsica
0
50
100
150
200
250
300
5 Classe 6 Classe
Lngua Portuguesa
Matemtica
Cincias daNaturezaSrie 3
Histria
Geografia
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A Lei de Bases do Sistema de Educao determina no seu artigo 19 que o Ensino
Secundrio Geral, que sucede ao Ensino Primrio, compreende dois ciclos de trs classes:
a) O 1 Ciclo do Ensino Secundrio que compreende a 7, 8 e 9 classes.
b) O 2 Ciclo do Ensino Secundrio que compreende a 10, 11 e 12 classes. (INIDE -
Relatrio explicativo dos Organigramas do Sistema de Educao, 2003).
O perfil de sada dos alunos da 9 classe deve contemplar, entre outros aspetos, a nvel do
saber, conhecimentos e habilidades lingusticas que lhes permitam expressar-se de forma
correta e claramente.
Constam do plano de estudos do Primeiro Ciclo do Ensino Secundrio um total de 12
disciplinas que permitiro ao aluno, aps a concluso da 9 classe, prosseguir os seus
estudos nas escolas do Segundo Ciclo do Ensino Secundrio ou nos Institutos MdiosTcnicos e Normais.
O Plano de Estudos prev, na sua implementao o mximo de 30 horas semanais para as
trs classes, numa semana letiva de cinco dias, destacando-se a Lngua Portuguesa com
360 tempos letivos no final do ciclo, conforme o seguinte grfico:
Grfico: 2.3 Distribuio das disciplinas por tempos letivos da 7 9 classes
Com exceo das lnguas estrangeiras (Ingls ou Francs), as restantes disciplinas so
ministradas em portugus, sendo a disciplina de Lngua Portuguesa uma das de maior
carga horria, o que perfaz no final do ciclo um total 2430 tempos de e em portugus.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
7 Classe 8 Classe 9 Classe
Lngua PortuguesaIngls ou Francs
Matemtica
Biologia
Fsica
Qumica
Geografia
Histria
Educao Fsica
Educao Visual e Plstica
Educao Moral e Cvica
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O ensino secundrio do 2 ciclo, organizado em reas de conhecimentos de acordo com a
natureza dos cursos superiores a que d acesso, compreende a 10, 11 e 12 classe.
A Lei de Bases do Sistema de Educao define para o 2 ciclo, entre outros, os seguintes
objetivos:
a) Preparar o ingresso no mercado de trabalho e/ ou no subsistema de ensino superior.
(INIDE - Relatrio explicativo dos Organigramas do Sistema de Educao, 2003).
O 2 ciclo do Ensino Secundrio oferece, por outro lado, duas formaes
profissionalizantes, sendo a Formao mdia normal e a Formao mdia tcnica, cada
uma com 4 anos de durao, da 10 13 classe, destinadas preparao para o ingresso no
mercado do trabalho e mediante determinados critrios, para o ingresso no Ensino superior.
O Ensino Secundrio tem como funo social proporcionar aos alunos os conhecimentosnecessrios e com a qualidade requerida, para lev-los a desenvolver as suas capacidades,
aptides e promover uma cultura de valores para a vida social e produtiva que o pas exige.
Neste ciclo, tal como nos anteriores, as diferentes disciplinas so ministradas em
portugus, tendo a disciplina de lngua portuguesa uma carga horria de 300 ou 360
tempos letivos no final do Curso, consoante as reas especficas.
Em todos os ciclos de ensino, a lngua portuguesa assume um papel relevante quer em
termos curriculares, quer em termos de carga horria, porm, um olhar mais atento aosdocumentos evidencia uma contradio entre as finalidades do Ministrio de Educao, a
imposio da norma padro europeia, por um lado, e, por outro, a rejeio das normas no
padronizadas do portugus falado em Angola que veicula a realidade e a identidade
nacional.
Constata-se um certo afastamento entre as finalidades dos diversos documentos, o estatuto
da lngua portuguesa, da norma-padro europeia e a realidade, pois o portugus na norma
europeia deixou de ser a nica porta de entrada para a ascenso social e a constituio deuma variante angolana viu as portas escancaradas.
Nos termos do QECR (2001), h uma distino entre a competncia existencial e a
competncia intercultural. A primeira implica traos gerais de personalidade, atitudes e
valores (cf. pp. 152-54), ao passo que a segunda definida como a capacidade para
estabelecer relaes e contactos entre culturas, ultrapassando esteretipos e gerindo
situaes de conflito (cf. p. 151). Por conseguinte, nenhuma delas contemplada de forma
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explcita nos documentos referidos em relao s trs grandes subcompetncias da
competncia comunicativa, a competncia lingustica, a sociolingustica e a pragmtica.
A competncia lingustica inclui todos os conhecimentos e as capacidades lexicais,
fonolgicas e sintticas que dizem respeito no s extenso e qualidade dos
conhecimentos, mas tambm organizao cognitiva e ao modo como este conhecimento
organizado. , por exemplo, o caso da criao de redes associativas dos itens lexicais,
dependendo das caratersticas culturais da comunidade; da competncia sociolingustica
que considera as condies socioculturais do uso da lngua, ou seja, as regras de boa
educao, as normas, que regem as relaes entre geraes, sexos, classes e grupos sociais,
rituais e que condicionam o funcionamento de uma comunidade; da competncia
pragmtica que diz respeito ao uso funcional dos recursos lingusticos, ao domnio dodiscurso (coeso e coerncia) e identificao dos tipos e formas de texto e determinante
nas interaes em ambientes culturais. (QECR, 2001)
evidente a forte relao entre todas estas competncias, facto que nos leva a falar de
competncia comunicativa intercultural e pressupe uma srie de objetivos, finalidades, em
torno do ensino da Lngua Portuguesa como lngua segunda em Angola.
Como tem sido notado, a competncia existencial tem uma raiz cultural e , portanto, uma
rea sensvel para as percepes e relaes interculturais. (QECR, 2001: 33).A competncia sociolingustica, por exemplo, afeta a competncia lingustica. Assim, as
relaes entre os membros de diferentes culturas passam pelo saber usar uma capacidade
que no se resume apenas ao conhecimento da cultura ou da lngua do outro, mas tambm
por saber gerir situaes de conflito. De facto, o modo como um membro de uma cultura
especfica exprime cordialidade e interesse pelo outro pode ser entendido por algum de
outra cultura como agressivo e ofensivo. (QCER,2001:33)
Neste contexto, o ensino de uma lngua segunda no pode ser visto de forma desligadadestas competncias, tendo em vista apenas o desenvolvimento de uma competncia
comunicativa. Na realidade, exatamente a aula de lngua que pode proporcionar a
aprendizagem de todas as competncias, comeando pelo conhecimento do outro, da sua
cultura e da sua lngua, sabendo gerir as relaes em ambientes multiculturais.
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2.2A escola e o meio sociolingustico
O quadro sociolingustico angolano atual o resultado de acontecimentos histricos que
marcaram profundamente o pas a vrios nveis, como o caso da sua geografia, das
lnguas e das classes sociais.
Aps a independncia e a constituio da estrutura administrativa do novo estado, o
Portugus assume-se como uma vantagem clara, quer sob o ponto de vista de atitude quer
lingustico, uma vez que adquiriu neutralidade face s lnguas nativas, aos dialetos e
estilos, sendo de imediato associado neutralidade.
Ao contrrio dos anos anteriores independncia, onde o portugus era falado por uma
minoria dos angolanos, os anos ps-independncia proporcionam uma situaosociolingustica favorvel ao desenvolvimento do portugus falado em Angola,
principalmente no ensino de massas que permitiu o aumento de falantes da lngua
portuguesa para que cada vez mais, segundo os objetivos do governo, os angolanos
tivessem uma participao ativa no desenvolvimento do pas. Tentando dar voz s
ideologias dominantes na poca, o Governo socialista de Agostinho Neto tinha, como
finalidade, promover a igualdade para todos, implementando o ensino de, e em, portugus
para todos. O primeiro sistema educativo exigia que toda a criana angolana o aprendesseao mesmo tempo que outras crianas que tm a lngua portuguesa interiorizada como
Lngua 1.
Neste contexto, e sob a ausncia de um modelo lingustico do portugus europeu, foi
ocorrendo uma nativizao e apropriao da lngua. Portanto, este aumento de falantes
significou o desenvolvimento do sentimento de pertena em relao lngua portuguesa,
mas no significou um melhor domnio da lngua em direo norma-padro europeia,
mas significou, muitas vezes, a difuso precipitada de algumas transformaes lingusticascomo resultado da fraca exposio a modelos do portugus europeu.
A guerra civil angolana aparece tambm como um fator favorvel ao desenvolvimento do
portugus em Angola, sobretudo nos centros urbanos onde se concentra um nmero
elevado de refugiados falantes de diversas lnguas nacionais e para quem, por essa razo, a
lngua portuguesa passa a ser o instrumento de comunicao comum, ao contrrio da
situao rural onde uma outra lngua nacional, a lngua segunda dos falantes.
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Assim, a mudana de lngua aparece atravs de uma gerao de crianas monolingues em
portugus em muitas famlias urbanas angolanas. Esta ocorreu, sobretudo, por razes
socioeconmicas e devido s mudanas de relaes de poder entre os membros da
comunidade, atitudes estigmatizadas em relao L1 (lngua bantu), mudana no modo de
vida das populaes, migrao para as cidades, desenvolvimento dos meios de
comunicao, exogamia e uma nova estratificao socioeconmica. Estas razes
aumentam o prestgio da lngua portuguesa e os pais passam a ensin-la aos seus filhos
como L1.
A maior parte dos alunos, sejam eles bilingues ou monolingues, usam uma variedade no
padronizada da lngua o que constitui um fator de enriquecimento do portugus e da
variedade angolana, resultado do contacto e da mistura lingustica e cultural de duascivilizaes principais: a bantu e a portuguesa.
Esta realidade sociolingustica permite-nos verificar a presena constante da lngua
portuguesa ao longo das aulas e do tempo de permanncia na escola e o sentimento de
pertena que se tem com a lngua e a sua valorizao.
Neste sentido, a escola aparece como a entidade que promove e valoriza a lngua
portuguesa, mas que ao mesmo tempo exclui aqueles que no a falam ou aqueles que
apenas conhecem uma norma no padronizada.Assim, duas situaes so possveis em funo do espao geogrfico e meio urbano ou
meio rural. Por um lado, no meio rural, que se caracteriza por ser uma regio mais isolada,
com menos contacto com o mundo exterior e com um sistema escolar menos abrangente,
regista-se um maior nmero de falantes monolingues das lnguas nacionais e, por outro,
nos centros urbanos, para onde confluem as vrias lnguas nacionais e a portuguesa,
regista-se, simultaneamente, um maior nmero de falantes bilingues, em portugus e numa
lngua nacional, e de falantes de portugus.Neste contexto, a escola, principalmente nos meios urbanos, cria a oportunidade para a
aprendizagem da lngua internacional, da lngua do conhecimento e da lngua de trabalho
e, ao mesmo tempo, contribui para a formao de uma gerao de crianas monolingues
em portugus.
Assim, o processo de escolarizao permite-nos a identificao de trs grupos
caraterizadores: os alunos que tm o portugus como lngua materna, os alunos que tm
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uma lngua nacional como lngua materna e ainda os alunos que no dominam nenhuma
lngua em particular, mas que tm o portugus como lngua materna.
Achamos que o sistema escolar determinante no prestgio que goza uma lngua em
determinada comunidade. Assim, a planificao lingustica decisiva tanto para a
nacionalizao do portugus, sendo a lngua estendida a um nmero maior de falantes,
especialmente fora dos meios urbanos, como para o aumento do prestgio e dos domnios
das lnguas autctones.
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Captulo IIIA LNGUA PORTUGUESA E A LITERATURA ANGOLANA
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Cap. IIIA LNGUA PORTUGUESA E A LITERATURA ANGOLANA
Em todas as sociedades, as relaes, sejam elas quais forem, caraterizam-se sempre por um
jogo de foras entre o mais forte e o mais fraco, entre aqueles que detm o poder e aqueles
que so dominados pelo poder, seja sob o ponto de vista econmico, social, religioso,
lingustico, etc.
Estas relaes podem ser vistas como um como um jogo de diferentes interesses e como
afirma Calvet (2002):
Dans toutes les situations (politiques, diplomatiques, militaires) dans lesquelles lesjoueurs ont desintrts differents, il nous faut considerer deux facteurs, la cooperation et lalutte, qui vont se conjuguer pou donner, selon que leur intrts convergente ou divergente, des
jeux de coopration, de lute ou de coopration et de lutte. Dans le jeux de coopration lesjoueurs ont des intrts convergentes face aderversaire unique, ils peuvent adopter unestrtgie commune menant but commum. Dans lesjeux de lute, au contraire, les joueurs nontaucun intrt convergent, aucun but commun et se trouvent engags dans des duels. (Calvet,2002:32)2
De facto, transpondo esta metfora para a sociedade e sob o ponto de vista de lngua,
cultura, literatura possvel identificar os jogadores deste jogo e os diferentes pontos
de cooperao ou divergncia, conforme os interesses dos diferentes grupos.
Assim, o considerar as lnguas e os seus falantes como jogadores permite-nos fazer uma
reflexo sobre esta relao entre lngua, cultura e literatura e identificar pontos de
cooperao e de luta, pressupondo os de luta evidentemente um duelo.
O conjunto de caratersticas prprias de uma sociedade encontra-se diretamente ligado a
um determinado sistema lingustico e, como consequncia, cada lngua reflete a cultura da
comunidade que a fala. Neste contexto, podemos afirmar que estamos na presena de um
jogo de cooperao e que os seus jogadores pertencem parte convergente, adotando,
por essa razo, uma estratgia comum. Da relao entre uma lngua e a sua cultura
resultam, naturalmente as mais diversas manifestaes artsticas, como, por exemplo, a
2 Traduo livre daautora: Em todas as situaes (polticas, diplomticas, militares) em que os jogadores tm interessesdiferentes, devemos considerar dois fatores, o de cooperao e o de luta, que se conjugam conforme osinteresses convergentes ou divergentes dos jogos de cooperao, de luta ou de cooperao e luta. Nos jogosde cooperao, os jogadores tm interesses convergentes face a um nico adversrio e, por essa razo,adotam uma estratgia comum que os conduz a uma mesma meta. Nos jogos de luta, pelo contrrio, os
jogadores no tm interesses convergentes, nem metas comuns e, por essa razo, esto envolvidos emduelos.
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literria, da o resultado lngua portuguesa, cultura portuguesa e literatura portuguesa. Seria
difcil entender a literatura portuguesa
sem a articular, na Idade Mdia (sc. XII a XV), com o lirismo provenal, e sem entender queele se liga a uma expresso cultural galaico-portuguesa; durante o perodo clssico (sc. XVI aXVIII), com o Renascimento italiano, o Barroco espanhol e o Iluminismo francs, que fazemressaltar a especificidade do Maneirismo camoniano e a peculiaridade da nossa literatura deviagens; no sc. XIX, com o Romantismo, o Realismo, o Simbolismo e outras sensibilidadesestticas europeias; no sc. XX, com o Modernismo e restantes manifestaes de vanguarda e
de ps-modernismo." (Instituto Cames). Disponvel em http://cvc.instituto-camoes.pt/visao-generica/historia-da-literatura-portuguesa-dp1.html#.VHsnN9LF-gs
De facto, a experincia cultural que adquirida atravs da lngua pode traduzir-se em arte,
neste caso, a literatura. A mesma relao lngua, cultura e literatura pode ser vista sob um
ponto de vista diferente, ou seja, vrias lnguas, que convivem num mesmo espao
geogrfico, e vrios falantes. Neste contexto, podemos afirmar que estamos num jogo de
luta e que os seus jogadores adotam estratgias divergentes e esto engajados num
duelo.
Visto sob esta perspetiva ainda que seja habitual afirmar-se que a lngua um factor de
identificao cultural, lcito questionar esta afirmao perante a constatao deque uma
s lngua identifica, frequentemente, culturas distintas. (Mateus:2001:1)Os grupos humanos esto organizados em sistemas que se traduzem em comportamentos,
valores em que acreditam ou rejeitam. Assim, os indivduos de um grupo social tm as
suas crenas que so consideradas bsicas e acreditam que estas tendem a reproduzir-se da
mesma forma nos outros grupos culturais e so exatamente estas crenas que levam aos
conflitos.
sob este ponto de vista que podemos fazer uma reflexo sobre a relao lngua, cultura e
literatura em Angola.O jogo de foras e tenses que caraterizam a situao colonial apresenta dois grupos
antagnicos: o colonizador e o colonizado, sendo o primeiro apresentado como uma
minoria que impe os seus valores, a sua lngua, a sua cultura.
Neste contexto, o monolinguismo visto como um processo natural, inicialmente sob o
ponto de vista do colonizador e posteriormente sob o ponto de vista do colonizado.
Segundo Gal (2006), nesta viso, a diversidade lingustica vista como uma fatalidade
da espcie humana e um obstculo comunicao, no sendo apenas uma questo de usar
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as formas altamente valorizadas, mas trata-se tambm de uma lealdade em relao a uma
variedade padro cujo estatuto assegurado pelas instituies centralizadoras da educao,
mercado de trabalho, meios de comunicao social, instituies governamentais que
impem aos falantes o desejo e o respeito em relao variedade padro. Assim, se a
situao sociolingustica angolana se caracteriza por um jogo de luta inicial,
gradualmente este vai mudando o seu perfil e vai adquirindo, o que ns consideramos, o
jogo de cooperao, aparecendo o perodo ps-independncia como o perodo
catalisador da mudana. Podemos descrever o processo da seguinte forma: assim que um
dialeto comea a impor-se, em geral, vai ganhando uma certa dinmica e vai-se tornando,
por razes sociais, importante. Quanto mais importante, maior a sua frequncia e
quanto maior a frequncia mais importante se torna.De facto, aps um perodo de resistncia nova situao sociolingustica, referimo-nos ao
incio da presena portuguesa em Angola, o perodo que se segue passa por uma fase de
assimilao e paralelamente por uma procura de solues.
Neste sentido, a evoluo no que respeita a autores e textos da literatura angolana tem
como bases pressupostos de toda a ordem: cronolgicos, temticos, ideolgicos,
lingusticos e literrios (Martinho, 2001).
Embora todos os pressupostos sejam importantes para a criao e desenvolvimento daliteratura angolana, a nossa reflexo incidir sobretudo sobre os pressupostos temticos,
ideolgicos e lingusticos. Importa realar que pretendemos direcionar esta reflexo tendo
em conta a relao entre a lngua portuguesa e as lnguas nacionais e a literatura angolana
que nasce precisamente desta relao, excluindo, portanto, toda a literatura oral apenas em
lngua bantu que antecede a literatura escrita, mas que tambm literatura angolana.
Os cinco sculos de dominao colonial portuguesa constituram um forte obstculo
sistematizao da literatura angolana, pois como escreve Macedo em 1972
apenas na dcada de 50 de nosso sculo toma corpo um sistema literrio coerente no pas,integrando a trade autor-obra-pblico. Sistema esse que se traduz em autores conscientes deseu papel, nas obras veiculadoras de contedos eminentemente nacionais sob aspectoscodificados de linguagem e estilos e no conjunto de receptores, ainda que pequeno, formado
por angolanos alfabetizados e preocupados com sua especificidade cultural. (Macedo,1972:172).
A situao em Angola pode ser vista sob vrias perspetivas: uma fase inicial onde os
falantes rejeitam a nova situao sociolingustica, uma fase seguinte onde alguns se veem
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atravs de uma ideologia padro e, consequentemente, desvalorizam o seu prprio discurso
a que Gal (2006) considera contradictions of standard language, ou em alternativa, a
rejeio da norma padro e a construo de perspetivas opostas. Consideramos que esta
ltima que est na base da criao e desenvolvimento da literatura angolana. Permanece
uma gerao que assegura e mantm os laos com o passado e em paralelo evolui uma
outra marcada pela revoluo, pelo ambiente poltico da poca. De facto, as mudanas nos
sistemas culturais do-se quando h factores internos ao prprio sistema que as
determinam, e no por factores exgenos. (Aguiar e Silva apudMartinho, 2001:264).
Segundo Mateus (2001:8), o homem um produto da cultura envolvente, portanto, ao
estar necessariamente inserido numa cultura atravs de uma lngua, as diferenas culturais
espelham-se nas diferentes lnguas que por sua vez denunciam formas diferentes de estarno mundo. Neste contexto, a lngua portuguesa, uma lngua exgena que aparece em
Angola no sculo XV como lngua estrangeira, ganha progressivamente o estatuto de
lngua oficial, lngua de unidade nacional, lngua veicular e atualmente, embora ainda no
goze este estatuto por uma questo de poltica lingustica, ela j considerada uma das
lnguas nacionais para muitos angolanos. Nestas circunstncias, temos por um lado vrias
lnguas, vrias culturas e, por outro uma s lngua e vrias culturas que resultam na criao
de uma nica cultura, fonte de uma expresso artstica, a literatura angolana e como tal dosseus autores. Como enfatiza Ervedosa (1985), enquanto os escritores estudam o mundo
que os rodeia, o mundo angolano de que eles faziam parte mas que to mal lhes haviam
ensinado, comea a germinar uma literatura que seria a sua expresso da sua maneira de
sentir, o veculo de suas aspiraes, uma literatura de combate pelo seu povo. (Ervedosa,
1985:102).
Nota-se um despertar para as diferenas entre as classes sociais, no que respeita ao
pensamento e comunicao, no apenas em relao ao acesso mas tambm ao uso dalinguagem e todo o poder simblico que ela representa. H efetivamente uma tomada de
conscincia por parte de vrios escritores que, inicialmente de uma forma tmida, vo
dando voz a uma literatura marcada pelo perodo designado perodo da No-literatura,
devido ao nmero reduzido de obras publicadas. A nvel temtico e lingustico verifica-se
o interesse pela vertente negra da literatura e desta forma uma viso sobre um sistema
efetivamente nacional em toda a sua complexidade cultural, lingustica e literria. O
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projeto Vamos Descobrir Angola3 continha, segundo A. Margarido, implcita, a
denncia e o reconhecimento da alienao imposta aos jovens angolanos pelo colonialismo
portugus. O autor refere que se conhecia Afonso Henriques, o fundador da
nacionalidade, mas no se sabia quem fora a rainha Jinga. (Margarido apudMartinho,
2001:270)
A idiossincrasia que nasce cria as condies para o surgimento de uma nova literatura
ainda que de forma muito tnue. Destacam-se duas obras neste perodo, Espontaneidades
da minha alma de Jos da Maia da Silva Ferreira eDelrios de Cordeiro da Mata.
Espontaneidade da minha alma revelao amor ptria e a emergncia de uma literatura
Angolana. A poesia de Cordeiro da Mata destaca-se pela coexistncia de duas lnguas, o
kimbundo e o portugus, com a introduo de um lxico bantfono, numa atitudecontestatria indiferena e desprezo votado s lnguas nativas.
Porm, considera-se que a principal obra literria deste perodo foi o Segredo da Mortade
Antnio Assis Jnior j que traduz efetivamente uma atmosfera angolana.
umdos mais importantes testemunhos da sociedade africana dos fins do sculo XIX, numarea onde a influncia portuguesa logrou o estabelecimento de formas socioculturais
susceptveis de inculcarem a existncia de uma cultura de que foram centros caldeadoresLuanda e Dondo().(Ervedosa, 1985:61)
A lngua materna de um indivduo permite-lhe reconhecer-se a si prprio, mas tambm ser
reconhecido pelo outro, portanto para ser um fator de identificao cultural ela deve ser
usada pelo indivduo no contexto em que est inserido e este aspeto que conduz
mudana, ou seja, toda a realidade que rodeia o indivduo, seja ela cultural, poltica,
religiosa, etc.
Assim, na dcada de 30 com o surgimento de Tomaz Vieira da Cruz, Geraldo Bessa Victor
e Castro Soromenho, a literatura angolana comea a evoluir em direo a uma nova etapa.
Ao publicar QuissangeSaudade Negra, Vieira da Cruz recorre a expresses dialetais das
lnguas nacionais combinando-as com palavras portuguesas, conferindo ao seu poema uma
rima harmoniosa entre as duas lnguas. Destaca-se ainda, a utilizao de um lxico
3 Movimentocultural criado em 1948 por ex-alunos do Liceu que incitava os jovens a redescobrir Angola em todos os seusaspetos atravs de um trabalho coletivo e organizado. Este movimento tinha como objetivos exortar a
produo para o povo, solicitar o estudo das correntes culturais estrangeiras para repensar e nacionalizar as
suas criaes positivas vlidas, exigir a expresso dos interesses populares e a autntica natureza africana.Ervedosa, 1985:102
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kimbundo que na altura era j corrente na linguagem do portugus falado, como por
exemplo Buzi, flor do Songo/ para males de muxima/ Kimbanda no tem milongo!
(Ervedosa, 1985)
Geraldo Bessa Victor, por exemplo, revela-nos uma potica eivada de traos profundos de
africanidade, pela abordagem temtica e pela utilizao persistente de um lxico de origem
bantu. A sua obra Ao Som das Marimbas revela-nos exatamente essa particularidade:
Marimbas, ngomas, zabumbas,/ guizos, quissanjes, chingufos/ Batuque doido loucura/
Nos anos 40, segundo Ervedosa, h um reiniciar da elaborao da literatura angolana. Um
grande poeta lrico surge no fim desta dcada profundamente enraizado no meio
benguelense, revela o amor pela velha cidade mestia e a saudade do paraso perdido da
infncia (Ervedosa, 1985:86). Destaca-se igualmente o recurso a um lxico para descrevera realidade tpica da cidade: Com mulembasaltaneiras/ Havia quifufutila.
Nos anos 50, publicado Uanga de scar Ribas, um romance que nos retrata a tpica
sociedade africana da cidade de Luanda com o seu folclore, as usas supersties e
linguajar. (Ervedosa, 1985:89)
Nesta obra, o autor recorre ao kimbundo e a traduo para portugus feita em p de
pgina, ou recorre a expresses em portugus e traduz para o kimbundo no fim do livro e,
ainda linguagem coloquial das personagens que revela a novas estruturas gramaticais.Durante os anos 60 e 70 h, de facto, um esforo de africanizao do discurso na poesia de
Alda Lara, Alexandre Dskalos e Antnio Neto.
Em Agostinho Neto, por exemplo, para alm de uma poesia que ultrapassa as fronteiras de
Angola, h poemas profundamente marcados por uma simbologia, uma expresso tpica,
um elemento geogrfico, ou ainda um facto histrico conferindo aos seus textos um carter
genuinamente angolano: e da tua conscincia/ i kalunga
Pode verificar-se, a partir desta altura, uma evoluo nos textos dos escritores a nveltemtico com a literatura revolucionria, estilstico e sobretudo a nvel lingustico que
revela uma linguagem marcada pelo fenmeno do bilinguismo, um portugus resultante da
progressiva colonizao portuguesa, em que os estratos sociais colonizadores eram os mais
variados diatpica e diastraticamente.
A literatura angolana comea, finalmente, a dar os seus primeiros frutos em liberdade, talcomo o imbondeiro, secular que, findos os anos de seca, se prepara, em plena florao, para dar
as suas mais belas e saborosas mkuas.
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Nestes dias que correm, as obras dos escritores angolanos ainda nos aparecem estigmatizadaspelo que passou. Mas os novos tempos trazem j consigo os homens do futuro. (Ervedosa,1985: 155)
Ainda em relao a este aspeto lingustico, a escolha deste material pelo escritor pretende
reivindicar o prestgio de um falar, ousando levar para as pginas da literatura uma variante
do portugus at ento altamente desvalorizada. Referimo-nos, portanto queles que se
afastam claramente da norma padro europeia, como por exemplo, de entre os escritores da
moderna literatura angolana, Jos Luandino Vieira. A sua escrita no se limita apenas a
registos literais da forma de expresso de uma parte dos falantes angolanos, mas vai mais
alm ao criar os neologismos, ao subverter a estrutura da lngua portuguesa atravs de uma
simbiose portugus e kimbundo. Em relao a Luandino Vieira, Gonalves (2000: 216)afirma:
tratando-se, nos dois casos, de falantes nativos de portugus, que conhecem esta norma, apresena de formas desviantes no seu texto literrio tem de ser tomada como uma plena opoda sua escrita em portugus. Tal no significa, contudo, que os desvios que ocorrem nas obras
procurem respeitar as novas regras do portugus, criadas pela comunidade de falantes destalngua em Angola.
A referida autora (idem, p. 219) acrescenta ainda:
a sua linguagem exibe uma acumulao de vrios processos formais, lexicais e sintticos, quepodem tornar o seu texto quase incompreensvel para falantes de Portugus que no pertencem comunidade angolana. A nvel do lxico, encontram-se diferentes tipos de inovaes, que vo desdeos emprstimos ao Kimbundu, os mais frequentes, at aos neologismos lexicais. So exemplo das
primeiras palavras como muadi ou monandengue, e so exemplo das segundas as derivaesaprendizar ou remorsificado, ou ainda as reduplicaes logologo ou bocado-bocado.
Para Perptua Gonalves a predominncia a nvel lexical dos emprstimos das lnguas
locais sem qualquer esclarecimento para falantes de portugus que no pertencem
comunidade angolana torna o discurso de Luandino Vieira opaco e difcil de descodificar.
Acrescentando, diramos, que tal dificuldade no se verifica s em relao a estes, pois at
falantes pertencentes comunidade angolana as revelam, sobretudo a comunidade escolar
que tem como lngua materna outras das vrias lnguas nacionais de Angola e, portanto,
desconhecedora do kimbundo, embora sejam lnguas que pertencem mesma famlia.
Acrescentamos ainda o fator temporal, pois o ato narrativo (como o caso de Luandino
Vieira), seja qual for a sua estrutura, sempre um ato temporal, ou seja, frequente a
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presena de um lxico representativo de uma poca histrica, o qual, por vezes, j no
corrente no vocabulrio dos falantes, sobretudos dos jovens. Assim, fundamental o
conhecimento da poca histrica na qual a obra literria est inserida o que pressupe por
parte do leitor o domnio de determinado vocabulrio.
Para alm destes aspetos, Endruschat (1990: 1) refere que um grande nmero de
escritores angolanos usa nas suas obras os padres tradicionais de narrao oral que fazem
parte das tradies culturais. Temos, por exemplo, scar Ribas, Jofre Rocha, Uanhenga
Xitu, Boa ventura Cardoso e Luandino Vieira.A autora refere igualmente a estreita
ligao entre estas tradies e as lnguas indgenas, salientando que a fixao escrita em
portugus destas tradies est caraterizada pela entrada de bantuismos no portugus.
Uanhenga Xito considerado um dos mais significativos herdeiros de uma relao delonga data entre a lngua portuguesa e as lnguas africanas bantu na literatura. Nas suas
histrias vai revelando a alegoria dos poderes lingusticos (Martinho, 1998:2). EmMestre
Tamoda, de Uanhenga Xito, segundo a autora, a lngua portuguesa quimbundiza-se at
ao limite, revelando o entrecruzar de duas culturas.
O escritor Rui Monteiro que se afirmou com a obra Quem me dera ser Onda, cujas marcas
lingusticas, embora no como Uanhenga Xito que um escritor bilingue, revelam um
universo lingustico do portugus de Angola, aps o perodo colonial.Em Pepetela, podemos verificar afinidades em relao ao autor anterior. Neste autor,
(Pepetela), o recurso s lnguas nacionais serve apenas para descrever ambientes e situar
factos histricos de forma a transmitir a cultura que pretende representar.
De facto, uma olhar ao passado e ao presente revela-nos que a lngua portuguesa
efetivamente a lngua cuja vocao foi e a de incorporar no seu adstrato os elementos das
mais diversas lnguas numa longa evoluo histrica, validando o princpio da unidade na
universidade, continuando a ser a lngua portuguesa ou a outra nos diferentes espaosgeoculturais, portanto uma lngua multicultural capaz de espelhar diferentes identidades,
diferentes culturas.
O quadro que a seguir se expe pretende de forma resumida apresentar esta relao lngua
portuguesa, cultura angolana, literatura angolana.
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LITERATURA
CARATERSTICAS
LNGUA
PORTUGUESA
DCADA OBRA ESCRITOR
1849 Espontanei-
dades da
minha Alma
Delrios
O Segredo da
Morta
Jos da Maia
Ferreira
Cordeiro da
Mata
Antnio
Assis Jnior
- Elevado patriotismo
- Coexistncia de
portugus e kimbundo
- Estilo hbrido
- Provrbios e adgios
em Kimbundo
Poesia bilingue
Nqumi-mi,
ngana-iame/no
quero caro
senhor
Kahiriri,
apregoava o
mbiji ia ukanje
ni farinha
30 Ao som das
marimbas
Quissange
Saudade
Negra
Bessa Vitor
Vieira da
Cruz
-Traos profundos de
africanidade
-Lxico de origem
bantu (kimbundu)
marimbango
maszabumbas
quissanjes
muxima
kimbanda
milongo
40 Quem tem o
canh?A mulemba
secou
Aires de
AlmeidaSantos
-Amor cidade
angolana, Benguela -Recurso a um lxico
de origem bantu
mulembas
quifufutila
50 Uanga
Ecos da
Minha Terra
scar Ribas -Retrato da tpica
sociedade africana
-Linguagem coloquial
quibanda
mussequenha
Copatre est
co loente?
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60/70 Mussunda
Amigo
A Vida
Verdadeira
de Domingos
Xavier
Agostinho
Neto
Luandino
Vieira
-Linguagem simblica
para representar a
realidade angolana.
-Lxico quimbundo,
inovaes lexicais
Kalunga
Mussunda
Sukuama
cipaios
xuxualho
80 Quem me
dera ser Onda
O Manequim
e o Piano
O Co e os
Calus
Manuel Rui
Pepetela
-Um olhar crtico
histria social e
poltica angolana aps
o perodo colonial
- Uso de um lxico
que representa a
realidade tipicamente
angolana
- Formao de
neologismos
-Crtica sociedade
angolana
Cupapatas,
maka,
camarada
professora,
mujimbo,
mais velha,
comba,
xinguilar,
desconseguir,
peixefritismo
Caluandas
Quitandeira
Quadro: 3.1- Relao entre a lngua portuguesa e a cultura e literatura angolanas 4
Se no incio a produo de textos se carateriza por um estilo hbrido, com a presena das
duas lnguas, o portugus e o kimbundo essencialmente, nota-se, nos perodos seguintes, aevidncia da simbiose entre as lnguas, da fuso do lxico, das estruturas gramaticais, e o
surgimento de novas expresses, de neologismos que representam j o pensamento de uma
cultura.
Neste contexto, faz todo o sentido direcionarmos a nossa reflexo para o ensino e para a
aprendizagem da lngua portuguesa em Angola, bem como da sua literatura.
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Os quadrosapresentados so elaborao nossa.
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Atualmente, a sociedade angolana continua a caraterizar-se pela diversidade cultural, fruto
das diversas lnguas e por profundas diferenas sociais geradoras de conflitos onde o poder
lingustico joga um papel importante.
Assim, consideramos que a utilizao de textos literrios permite desenvolver a
compreenso da cultura de origem e, consequentemente, melhorar as atitudes no sentido de
se desenvolver maior tolerncia e abertura a outras culturas.
Alguns autores apontam o potencial do texto literrio para o desenvolvimento da
autoconscincia crtica. Sequeira (2012) considera o texto literrio, um texto intercultural
por excelncia e aponta este material como um material privilegiado nos trabalhos de
Bredella sobre a interculturalidade (2012:19)
Assim, tais textos permitem no s proporcionar oportunidades para o desenvolvimentosimultneo da capacidade lingustica dos nossos alunos, da capacidade de anlise crtica de
outras culturas, e tambm a oportunidade para vivenciar outras atitudes e valores. Portanto,
a literatura aparece-nos como um potencial agente de mudana e de construo da
competncia comunicativa intercultural.
3.1 - A variedade angolana
A lngua tem de criar constantemente novos substantivos, categorias, formas de expresso,
de aperceber e definir novas relaes. Tem de ser capaz de integrar novas funes e
necessidades culturais, sociais e crticas. So essas adaptaes que constituem no s a
histria de uma lngua como a prova da sua vitalidade. (Macedo, 1983 apudCapucho: s/d)
Segundo Vansina (2001: 274-275), entre 1750 e 1882, os portugueses procuraram
impedir a crescente africanizao cultural e lingustica da elite afro-portuguesa, com a
aplicao do decreto de 1765 do governador Francisco Inocncio de Sousa Coutinho quedesencorajava o uso das lnguas africanas na educao das crianas, as chamadas lnguas
de co.
A partir de meados do sculo XX, a lngua portuguesa foi-se impondo como a lngua da
totalidade da populao angolana. nesta altura que se regista uma mudana nas relaes
entre lnguas, culturas e locutores. A ideologia da colonizao era simples neste aspeto:
sobrevalorizar a lngua do colonizador, pondo de parte, de acordo com os interesses
estratgicos, as lnguas nacionais.
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Assim, comea a evidenciar-se uma postura diferente dos pais em relao lngua que
ensinam aos seus filhos. Antes, apenas o Kimbundu ou outra lngua africana era a lngua
da nova gerao de crianas, agora o portugus passa a ser a lngua materna de um certo
nmero de crianas.
Com o aumento do nmero de colonos, tanto homens como mulheres, preferindo a
maioria fixar-se nas zonas costeiras, comearam a surgir as condies para o incio da
generalizao do portugus a todo o territrio angolano, reforada pela criao do
Estatuto do Indgena, pois foi a partir desta altura que a populao, na sua generalidade,
comeou a sentir a necessidade de dominar esta lngua.
At introduo do Estatuto e, de uma forma geral, os indgenas no tinham nenhuns
direitos civis ou jurdicos nem cidadania o que significava, a nvel lingustico, a difuso
das lnguas africanas. Com a nova lei, surge uma nova estratificao social: os indgenas,
os assimilados e os brancos. Para a passagem de indgena a assimilado era necessrio
demonstrar um conjunto de requisitos, incluindo o domnio da lngua portuguesa.
interessante ver as nuances do comportamento verbal como meio de socializao.
Segundo Cooper, os movimentos sociais tm consequncias lingusticas e influenciam o
comportamento no lingustico (Cooper, 1989:18)Um preto era sempre um rapaz, quer tivesse 10 ou 80 anos, sempre tratado por tu
pelos brancos; os filhos de um branco era sempre o menino; um branco era sempre o
patro; a mulher do branco era sempre a senhora; a mulher negra era a rapariga; a
mulher mestia clara era a senhora africana; os mestios claros eram os cabritos; os
negros eram os pretos fulos; os pretos perigosos eram os calcinhas (de Luanda); os
pretos fiis eram os pretos amigos dos brancos. Os brancos nascidos em Angola eram
os brancos desegunda.Vrios fatores contriburam para esta nova situao lingustica. Durante o Estado Novo,
para adquirirem o estatuto de assimilados, os angolanos tinham de demonstrar saber ler,
escrever, e falar fluentemente o portugus, bem como vestirem e professarem a mesma
religio que os portugueses e tambm criar e manter um padro de vida, incluindo hbitos
e costumes semelhantes aos portugueses e aos chamados brancos de 2.
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Nesta perspetiva, o domnio rudimentar do portugus europeu no lhes permitia o acesso
ao estatuto de assimilados, sendo, por essa razo, obrigatrio o domnio da lngua
portuguesa.
Em 1960, face influncia crescente dos movimentos nacionalistas em Angola, Portugal
investe massivamente na intensificao da sua presena no interior, nomeadamente
atravs do fomento da criao de grandes colonatos agrcolas o que proporciona uma
maior difuso e promoo da lngua portuguesa que encontra um terreno lingustico frtil
(a diversidade lingustica entre as diferentes etnias) para a sua generalizao. Embora
fosse um processo impositivo, a adoo do portugus como lngua de comunicao
corrente propiciou tambm a veiculao de ideias e facilitou comunicao entre pessoas
de diferentes origens tnicas. Apesar destas medidas, a lngua portuguesa continuou
restrita a um nmero reduzido de falantes e a uma classe social.
A independncia em 1975 e a constituio da estrutura administrativa do Novo Estado
que refora e generaliza, efetivamente, a presena da lngua portuguesa conforme o
seguinte decreto:
Artigo 19.
(Lnguas)
1. A lngua oficial da Repblica de Ango