toma lá poesia 2009-2010 - 7 artes

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Literary Contest 2009-2010 - Teacher: Conceição Ludovino Folhetos de promoção do Concurso Literário 2009-2010, Prof.ª Conceição Ludovino

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«Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.»

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

Charlotte Weeks, A Young Girl Reading Daniel Huntington, 1816-1906

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ESCREVER É ESQUECER

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego

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Certeza

Se é real a luz branca desta lâmpada, real a mão que escreve, são reais os olhos que olham o escrito?

Duma palavra à outra o que digo desvanece-se. Sei que estou vivo entre dois parênteses.

Octavio Paz, in Dias Hábeis Tradução de Luis Pignatelli

Os Meus Livros

Os meus livros (que não sabem que existo) São uma parte de mim, como este rosto De têmporas e olhos já cinzentos Que em vão vou procurando nos espelhos E que percorro com a minha mão côncava. Não sem alguma lógica amargura Entendo que as palavras essenciais, As que me exprimem, estarão nessas folhas Que não sabem quem sou, não nas que escrevo. Mais vale assim. As vozes desses mortos Dir-me-ão para sempre.

Jorge Luis Borges, in A Rosa Profunda

O Homem que Lê

Eu lia há muito. Desde que esta tarde com o seu ruído de chuva chegou às janelas. Abstraí-me do vento lá fora: o meu livro era difícil. Olhei as suas páginas como rostos que se ensombram pela profunda reflexão e em redor da minha leitura parava o tempo. — De repente sobre as páginas lançou-se uma luz e em vez da tímida confusão de palavras estava: tarde, tarde... em todas elas. Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já as longas linhas, e as palavras rolam dos seus fios, para onde elas querem. Então sei: sobre os jardins transbordantes, radiantes, abriram-se os céus; o sol deve ter surgido de novo. — E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança: o que está disperso ordena-se em poucos grupos, obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas e estranhamente longe, como se significasse algo mais, ouve-se o pouco que ainda acontece.

E quando agora levantar os olhos deste livro, nada será estranho, tudo grande. Aí fora existe o que vivo dentro de mim e aqui e mais além nada tem fronteiras; apenas me entreteço mais ainda com ele quando o meu olhar se adapta às coisas e à grave simplicidade das multidões, — então a terra cresce acima de si mesma. E parece que abarca todo o céu: a primeira estrela é como a última casa.

Rainer Maria Rilke, in O Livro das Imagens Tradução de Maria João Costa Pereira

«A ler aprendemos a estar sozinhos sem estarmos sós.»

Carla Quevedo, revista Tabu, semanário Sol

Ellen de Groot, Lezen - Reading or The Blue Dress, 2006

Georges Guequier, The final chapter, 1917

«Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior.» Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

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A FONTE

Ciclicamente me revisitamos Cavaleiros de Hipocrenetrazendo sempre límpidos espelhosnas frontes incomensuráveis.

Pousam em mimo seu olhar de flecha imponderávele jamais me questionam sobre o que quer que seja.Sabem de mim o suficiente,exactamente o mesmo que eu sei deles.

Viemos do mesmo recanto do Hélicon,crescemos sob a luz de Cassiopeia.Reencontramo-nos através dos milénios nas mesmas ilhas de espanto...nesta esfera fecundaem que a vida nos espera e abandona... Suy, 23/8/1990

Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigotronco ou ramo na incógnita floresta...Onda, espumei, quebrando-me na arestaDo granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigoNa caverna que ensombra urze e giesta;O, monstro primitivo, ergui a testaNo limoso paul, glauco pascigo...

Hoje sou homem, e na sombra enormeVejo, a meus pés, a escada multiforme,Que desce, em espirais, da imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...Mas estendendo as mãos no vácuo, adoroE aspiro unicamente à liberdade.

Antero de Quental, Odes Modernas

«A leitura é um antídoto do medo. Quem saboreia o prazer da leitura nunca está sozinho. Entende a transitoriedade de tudo, e a possibilidade de mudança. Entende-se a si mesmo, e aprende a saber o que quer.»

Inês Pedrosa, in Expresso

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Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela

Amo-te assim, desconhecida e obscura Tuba de algo clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O génio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac, in Poesias

O mundo estava no rosto da amada

O mundo estava no rosto da amada –e logo converteu-se em nada, emmundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontreino rosto amado, um mundo à mão, ali,aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.Mas eu também estava pleno demundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

Rainer Maria Rilke(Tradução: Augusto de Campos)

Joakim Ericsson, Reflection

Toby Wright, Dogma, Seeing is Believing, 2008

USA-Posters Footprints in the Sand on the North Shore Oahu-Hawaii

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Fuga

O músico procura Fixar em cada verso O cântico disperso Na luz, na água e no vento.

Porém, luz, vento e água Variam riso e mágoa, De momento a momento.

E em vão a área dos dedos Se eleva! Não traduz Os súbitos segredos Escondidos no vento, Nas águas e na luz...

Pedro Homem de Mello, in Segredo

Caravaggio, 1571-1610, pintor italiano, The Musicians, 1595-96

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Anton Arkhipov, Interlude

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Exercícios ao Piano

O calor cola. A tarde arde e arqueja.Ela arfa, sem querer, nas leves vestese num étude enérgico despejaa impaciência por algo que está prestes

a acontecer: hoje, amanhã, quem sabeagora mesmo, oculto, do seu lado;da janela, onde um mundo inteiro cabe,ela percebe o parque arrebicado.

Desiste, enfim, o olhar distante; cruzaas mãos; desejaria um livro; senteo aroma dos jasmins, mas o recusanum gesto brusco. Acha que á faz doente.

Rainer Maria Rilke(Tradução: Augusto de Campos)

«A música pode ser o exemplo único do que poderia ter sido — se não tivesse havido a invenção da linguagem, a formação das palavras, a análise das ideias — a comunicação das almas.»

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido

«Linguagem: a música com a qual encantamos as serpentes que guardam os tesouros dos outros.»

Ambrose Bierce, Dicionário do Diabo

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Hora Grave

Quem agora chora em algum lugar do mundo,Sem razão chora no mundo,Chora por mim.

Quem agora ri em algum lugar na noite,Sem razão ri dentro da noite,Ri-se de mim.

Quem agora caminha em algum lugar no mundo,Sem razão caminha no mundo,Vem a mim.

Quem agora morre em algum lugar no mundo,Sem razão morre no mundo,Olha para mim.

Rainer Maria Rilke(Tradução: Paulo Plínio Abreu)

Caravaggio, 1571-1610, The Lute Player, c. 1600

Bernardo Cavallino, 1616-c.1656, Clavichord Player, s.d.

Christian Vincent,New Skins for Old Souls, 1998-99

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«O vaso dá uma forma ao vazio e a música ao silêncio.»

Georges Braque

Oleg Zhivetin, Personal Music, 2003

Oleg Zhivetin, Magic of the Music

«Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado. Quero recolher-me, retirar-me das ocupações efémeras. Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se aproximam e as minhas portas abrem-se...»

Rainer Maria Rilke

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A Trama

Epílogo

Estrada de Santiago(excertos finais)

Aquele que teceu uma só malha da teia nela há-de cair. Aquele que apenas teceu dádivas e utopias com o linho dos dias pode ainda ser livre, pode ainda entrar no diálogo pode olhar e ver a transparência, pode ouvir e escutar o coração de todos os seres. Esse vive em demanda e encontra. Esse ama o espírito e a matéria como uma sublime unidade. Esse não desdenha a intuição e as miragens. Esse descobrirá o lugar do encantamento. Esse abrirá o livro em branco e saberá ler a sua brancura.

Sobre os meus poemas não há nada a dizer. Tudo o que haveria a dizer está lá dito. E o que não está é símbolo que quer permanecer símbolo, é brancura que se abre ao espírito daqueles para quem guardar o enigma é tão imprescindível como buscar a revelação...

Suy, 4/12/1993

Por Entre os Sons da Música

Por entre os sons da música, ao ouvido como a uma porta que ficou entreaberta o que se me revela em ter sentido é o que por essa música encoberta

acena em vão do outro lado dela e eu sinto como a voz que respondesse ao que em mim não chamou nem está nela, porque é só o desejar que aí batesse.

Vergílio Ferreira, in Conta-Corrente 1

Judith Leyster, 1609-1660, Young Flute Player, c. 1635

Sophie Anderson, Shepherd Piper, 1881

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«A mais nobre paixão humana é aquela que ama a imagem da belezaem vez da realidade material. O maior prazer está na contemplação.»

Leonardo da Vinci

O Apogeu

Cada ser humano atinge o seu apogeu de maneira diferente, num dado momento. Uma vez alcançado esse ponto alto, é sempre a descer. Fatal como o destino. E o pior é que ninguém sabe onde é que se situa o seu próprio auge. A linha divisória pode desenhar-se de repente, quando uma pessoa pensa que ainda estava a pisar terreno seguro. Ninguém tem maneira de saber. Alguns atingem esse pico aos doze anos, e depois espera-os uma vida perfeitamente monótona e sem chama. Outros continuam sempre em ascensão até à morte; outros morrem no seu máximo esplendor. Muitos poetas e compositores vivem em estado de permanente arrebatamento e estão mortos quando chegam aos trinta anos. Depois há aqueles, como é o caso de Picasso, que aos oitenta e muitos anos ainda pintava quadros cheios de vigor e teve uma morte tranquila, sem saber o que era o declínio.

Haruki Murakami, in Dança, Dança, Dança

A borboleta continuará a pairar sobre o campo e as gotas de orvalho ainda brilharão sobre a relva quando as pirâmides do Egipto estiverem destruídas e não mais existirem os arranha-céus de Nova York.

Kahlil Gibran, 1883-1931

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Nikolay Krusser, Giselle, Russia

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«Ela dançou a dança das chamas e do fogo, a dança das espadas e das lanças; e ela dançou a dança das flores ao vento. Ao terminar, virou-se para o príncipe e fez uma reverência. Ele então, pediu-lhe que viesse mais perto e perguntou-lhe: “Linda mulher, filha da graça e do encantamento, de onde vem tua arte e como é que comandas todos os elementos em seus ritmos e versos?"»

Khalil Gibran, 1883-1931

A. Ganivet, Epistolário

«O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê.»Platão

Divina Música!(…)Inspiradora de poetas, de compositoresE dos grandes realizadores.Unidade de pensamento dentro dos fragmentosDas palavras.Criadora do amor que se origina da beleza.Vinho do coraçãoQue exulta num mundo de sonhos.Encorajadora dos guerreiros,Fortalecedora das almas.Oceano de perdão e mar de ternura.Ó música.Em tuas profundezasDepositamos nossos corações e almas.Tu nos ensinaste a ver com os ouvidosE a ouvir com os corações.

Kahlil Gibran, 1883-1931 - poeta e pintor libanês

                                                                   Maurice Béjart

Nikolay Krusser, Seme Red, Rússia

Nikolay Krusser, The Red Dragon, Rússia