toma lÁ! - série i - 2010-2011 - prof.ª conceição ludovino

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Page 1: TOMA LÁ! - Série I - 2010-2011 - Prof.ª Conceição Ludovino

William Mulready, 1786-1863, O Soneto, 1839.

© Yuriko Takata, Antique Bookcase.

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O Eco Tão tarde. Adão não vem? Aonde iria Adão?! Talvez que fosse à caça; quer fazer surpresas com alguma corça branca lá da floresta. Era p'lo entardecer, e Eva já sentia cuidados por tantas demoras. Foi chamar ao cimo dos rochedos, e uma voz de mulher também, também chamou Adão. Teve medo.Mas julgando fantasia chamou de novo:Adão? E uma voz de mulher também, também chamou Adão. Foi-se triste para a tenda. Adão já tinha vindo e trouxera as setas todas, e a caça era nenhuma! E ele a saudá-la ameaçou-lhe um beijo e ela fugiu-lhe. - Outra que não Ela chamara também por Ele.Almada Negreiros, in Frisos - Revista Orpheu nº1

© Ellen de Groot

Fonte: Dover

Nostalgia do Presente Naquele preciso momento o homem disse: «O que eu daria pela felicidade de estar ao teu lado na Islândia sob o grande dia imóvel e de repartir o agora como se reparte a música ou o sabor de um fruto.» Naquele preciso momento o homem estava junto dela na Islândia. Jorge Luís Borges, in A Cifra. Tradução de Fernando Pinto do Amaral

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Abraham Bloemaert, 1566-1651, Alegoria do Inverno, 1625-30.

© Yuriko Taka, Literature-II.

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O mais importante na vidaÉ ser-se criador — criar beleza. Para isso, É necessário pressenti-la Aonde os nossos olhos não a virem Eu creio que sonhar o impossível É como que ouvir a voz de alguma coisa Que pede existência e que nos chama de longe. Sim, o mais importante na vida É ser-se criador. In As Canções de António Botto, Obras Completas, Vol. I

APONTAMENTO

O que os homens querem mais ainda Além da sua vil mediocridade? Incêndios, sangue, — ó cegos visionários Sem alma e sem noção da realidade! Tambores e metralhas e clarins Num cântico sinistro, sem beleza, — Embora a vida seja o hálito da morte, Uma ilusão de límpida saudade, — Deixai supor, deixai-vos iludir De que para viver Não é preciso matar Não é preciso mentir! Pequenas Canções de Cabaret In As Canções de António Botto, Obras Completas, Vol. I

Alguns poetas portugueses Em cima: João de Deus, Guerra Junqueiro, Camões e Bocage.

Em baixo: Florbela Espanca, Fernando Pessoa, José Régio e António Aleixo.

© Cie Shin, Indonesia, Morning Strike.

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«Primeiro, dá aos teus filhos raízes.

Mais tarde, dá-lhes asas.» Provérbio judaico

Sophie Gengembre Anderson, 1823-1903, The Turtle Dove, n.d.

Sophie Gengembre Anderson, 1823-1903, Take the Fair Face of Woman, n.d.

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© Jennifer, United States, U- Turn.

Panoramio, Like a Painting - Via www.arcapediacom.

O TEMPLO DO CUME

Passo esta noite no Templo do Cume.Aqui eu poderia apanhar as estrelas com a minha mão.Não ouso elevar a voz no meio do silêncio,com medo de perturbar os habitantes do céu.

Li Po (ou Li Bai), 701-762.

OLHANDO AS CATARATAS NO MONTE LU

A luz do sol queima o Pico do Incensoe faz surgir uma fumaça violeta.De um ponto distante observo a cataratamergulhar no rio imenso.Vejo as águas em voo descendo mil metros em linha rectae pergunto-me se não é a Via Láctea que se precipitada nona esfera do céu.

Li Po (ou Li Bai), 701-762.

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Jean-Honoré Fragonard, 1732-1806, Jeune fille à la lecture, 1776.

José Roosevelt, La Bibliothèque Essentielle, 1999.

CIÊNCIA POSITIVISTA

Ciência, deixa-me só como um meninode alma atónita e pupilas assombradasna Dimensão Ultra dos Contos de Fadas!Oh, Ciência que te arrastas num planounidimensional, como um verme!...Deixa-me no meio de meu mundo astral,entre os arco-íris da sua esfera de cristal:Meu arco-íris, escada de Jacobque une este mundo com a Quarta Dimensão!

Li Po (ou Li Bai), 701-762.

© José Roosevelt, La Bibliothèque Essentielle, 1999.

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© David Orias, U. S.A., Little Explorer.

A mãe faz tricôO filho vai à guerraTudo muito natural acha a mãeE o pai que faz o pai?NegoceiaA mulher faz tricôO filho luta na guerraEle negoceiaTudo muito natural acha o paiE o filho e o filhoo que é que o filho acha?Nada absolutamente nada acha o filhoO filho sua mãe faz tricô seu pai negoceia ele luta na guerraQuando tiver terminado a guerraNegociará com o paiA guerra continua a mãe continua, ela tricotaO pai continua, ele negoceia O filho foi morto, ele não continua mais O pai e a mãe vão ao cemitérioTudo muito natural acham o pai e a mãeA vida continua, a vida com o tricô, a guerra, os negóciosOs negócios, a guerra, o tricô, a guerraOs negócios, os negócios e os negóciosA vida com o cemitério.

FAMILIAR

Jacques Prévert in Poemas, 1985.

PALAVRAS DUM AVESTRUZ TODO GRIS Arrancam-me as penasE eu sofro sem dizer nada:— Sou aveBem educada.E, se quisesse,PodiaMorder-lhes as mãos morenas,A essesQue sem piedadeMe roubam estas penas que me cobrem;E, no entanto,Sem o mais breve gemido,O meu corpoVai ficandoDesguarnecido...Aves de um Parque RealIn As Canções de António Botto, Obras Completas, Vol. I © Braldt Bralds, Evolution of Man.

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Mary L. Gow, Fairy Tales, 1880.

Miklós Barabás, 1810-1898, pintor húngaro, Pombo-correio, 1843.Nunca Busquei Viver a Minha Vida Nunca busquei viver a minha vida A minha vida viveu-se sem que eu quisesse ou não quisesse. Só quis ver como se não tivesse alma Só quis ver como se fosse eterno.Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, in Fragmentos

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José Ferraz de Almeida Júnior, 1850-1899, Jovem lendo, 1879.Querem uma Luz Melhor que a do Sol! Ah! Querem uma luz melhor que a do Sol! Querem prados mais verdes do que estes! Querem flores mais belas do que estas que vejo! A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me. Mas, se acaso me descontentam, O que quero é um sol mais sol que o Sol, O que quero é prados mais prados que estes prados, O que quero é flores mais estas flores que estas flores - Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira! Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa in Poemas Inconjuntos.

A Criança que Pensa em Fadas

A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas Age como um deus doente, mas como um deus. Porque embora afirme que existe o que não existe Sabe como é que as cousas existem, que é existindo, Sabe que existir existe e não se explica, Sabe que não há razão nenhuma para nada existir, Sabe que ser é estar em algum ponto Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa in Poemas Inconjuntos.

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Piero di Cosimo, 1462-1521, Sainte Marie Madeleine, 1490.

«Muitos não sabem quanto tempo e fadiga custa

aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos e não posso

dizer que o tenha conseguido.»

Johann Wolfgang von Goethe, 1749-1832

OS TÍTULOS E O DEVIR Parte I (excerto)

A síntese fenomenalJá foi escritaSerá escrita de novoE parecerá sempre novaSempre outraSendo sempre a mesmaSó a equação das palavras mudaA essência é sempre a mesmaÉ reconfortanteÉ inquietante este contínuo ecoE o cíclico reencontrarDa cadeia infinita de analogiasA matriz do serA infinidade dos diasA repentina compreensão dos enigmasQue movem o homemO caos e a ordem do universo

Suy / São Ludovino, Porto, 19/8/1998

© Amy Hill, Reader, 2008.

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Ondas do mar de Vigo,se vistes meu amigo!E ai Deus, se verrá cedo!Ondas do mar levado,se vistes meu amado!E ai Deus, se verrá cedo!Se vistes meu amigo,o por que eu sospiro!E ai Deus, se verrá cedo!Se vistes meu amado,por que hei gran cuidado!E ai Deus, se verrá cedo!Martin Codax, Ondas do Mar de Vigo,

Cantiga de Amigo, CV 884, CBN 1227

Trovadores medievais

Ai flores, ai flores do verde pino,se sabedes novas do meu amigo!ai Deus, e u é?Ai flores, ai flores do verde ramo,se sabedes novas do meu amado!ai Deus, e u é?Se sabedes novas do meu amigo,aquel que mentiu do que pôs comigo!ai Deus, e u é?Se sabedes novas do meu amado,aquel que mentiu do que mi há jurado!ai Deus, e u é?

D. Dinis, Flores do Verde Pino, Cantiga de Amigo

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© Rachell Bess.

© Lisa G., Les jolis mots.

Afirmam que a vida é breve,Engano, — a vida é comprida:Cabe nela amor eternoE ainda sobeja vida.In As Canções de António Botto, Obras Completas, vol. I

«Tiveste a audácia de assumir uma forma humana e estás deliciado. Mas a forma

humana passa por dez mil transformações que nunca chegam ao fim. Assim sendo, as

tuas alegrias devem ser incontáveis.»Chuang Tsu

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O CúmpliceCrucificam-me e eu tenho de ser a cruz e os pregos. Estendem-me a taça e eu tenho de ser a cicuta. Enganam-me e eu tenho de ser a mentira. Incendeiam-me e eu tenho de ser o inferno. Tenho de louvar e de agradecer cada instante do tempo. O meu alimento é todas as coisas. O peso exacto do universo, a humilhação, o júbilo. Tenho de justificar o que me fere. Não importa a minha felicidade ou infelicidade. Sou o poeta. Jorge Luis Borges, in A Cifra. Tradução de Fernando Pinto do Amaral

© Ellen de Groot Os Meus LivrosOs meus livros (que não sabem que existo) São uma parte de mim, como este rosto De têmporas e olhos já cinzentos Que em vão vou procurando nos espelhos E que percorro com a minha mão côncava. Não sem alguma lógica amargura Entendo que as palavras essenciais, As que me exprimem, estarão nessas folhas Que não sabem quem sou, não nas que escrevo. Mais vale assim. As vozes desses mortos Dir-me-ão para sempre.Jorge Luís Borges, in A Rosa Profunda

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© Yuri Studinikin, During Intermission, 2003.

© William Whitaker, Trio.

© Absel Fattah Hallah, Geba's Dance, 2000.

QUE ASSIM TE AFAGUE...Que assim te afague, ó meu Amor, e te ouçaA voz divina — como é possível?!Impossível parece sempre a rosa,O rouxinol inconcebível. Johann Wolfgang

von Goethe, 1749-1832

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«Ó homens que me tendes em conta de rancoroso, insociável e misantropo, como vos enganais. Não conheceis as secretas razões que me forçam a parecer deste modo. Meu coração e meu ânimo sentiam-se desde a infância inclinados para o terno sentimento de carinho e sempre estive disposto a realizar generosas acções; porém considerai que, de seis anos a esta parte, vivo sujeito a triste enfermidade, agravada pela ignorância dos médicos. Iludido constantemente, na esperança de uma melhora, fui forçado a enfrentar a realidade da rebeldia desse mal, cuja cura, se não for de todo impossível, durará talvez anos! Nascido com um temperamento vivo e ardente, sensível mesmo às diversões da sociedade, vi-me obrigado a isolar-me numa vida solitária. Por vezes, quis colocar-me acima de tudo, mas fui então duramente repelido, ao renovar a triste experiência da minha surdez!»

Ludwig van Beethoven, 1770 — 1827, excerto do Testamento de Heilingenstadt, feito em 06-10-1802, na localidade austríaca de Heilingenstadt.

Joseph Karl Stieler, 1781–1858, Portrait of Ludwig van Beethoven When Composing The Missa Solemnis, 1820.

Séraphine de Senlis, 1864-1942.

Séraphine, 2008real. Martin Prevost.

Séraphine Louis, conhecida como Séraphine de Senlis, foi uma pintora autodidacta francesa, associada ao Neo-Primitivismo (pintura naïf), hoje considerada como uma influência determinante na pintura naïve francesa, logo seguida por Henri Rousseau. Começou por ser pastora, o que lhe permitiu observar demoradamente a Natureza que mais tarde recriaria nas suas telas onde imperam as folhas, as flores e os frutos. Foi também empregada doméstica. O acaso fez com que um comerciante de arte, Wilhelm Uhde, se tenha instalado em Senlis em 1912 e tenha descoberto a pintura de Séraphine ao contratá-la como empregada doméstica, tinha ela 48 anos. Apesar disso, viveu pobremente toda a vida e nunca viajou. Os quadros de Séraphine comprados por Uhde foram confiscados e vendidos no início da I Guerra Mundial. Só muito mais tarde foram recuperados e apresentados ao público em museus e galerias. Séraphine morreu pobre e meia louca num asilo. Martin Provost tirou-a do anonimato em 2008, quando realizou o filme biográfico Séraphine.

Séraphine de Senlis, 1864-1942, Le Bouquet de Feuilles.

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© Hanjo Schnug, Transformation, 2002.HollywoodA cada manhã, para ganhar o meu pãoVou ao mercado onde mentiras são compradas.Esperançoso, Tomo lugar entre os vendedores. Bertold Brecht in Poemas 1913-1956

© Maria Battaglia, The Bird Catcher Papageno Tamino.

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Aborrecido, passeioPelas ruas da cidade.Deixei agora o RossioE atravesso o Borratém.Deu meia-noite pausadaNo Carmo. Um amigo meuPassa e tira-me o chapéu.Paro a uma esquina. EsmoreçoNuma saudade que surgeDentro de mim não sei como:Uma saudade infinita,Misto de choro e revolta.Alguém me chama no escuro:Volto a cabeça. A uma portaUm vulto mexe. - Sou eu!,Não fuja, sou eu... - Mas quem?Retrocedo, não conheçoA mulher que me chamou.Na verdade ninguém ouve,Ninguém distingue o apeloDo amor que anda perdidoNo mistério de mentir:Deixo-a ficar onde estava;Dou-lhe um cigarro e um sorrisoDizendo que vou dormir.Atira-me boa-noiteNum frio olhar de ofendida.Meto à rua do AmparoA perguntar se esta vidaNão terá finalidadeMenos sórdida e banal?Atafonas. Uma Igreja.Mais acima o Hospital.Um marinheiro propõeA esta que atravessouA rua do BenformosoIrem tomar qualquer coisaNa Leitaria da Guia.Ela pára. É uma catraiaQue talvez não tenha aindaDezasseis anos. Bonita.

Devagar vou-me chegandoXaile, uma blusa, uma saia...E oiço a fala dos dois.Ele parece uma onda,Impetuoso, alagante.Ela é um breve bandóNum corpito provocante.E seguem... Ele, encostado,Muito encostado e aquecidoLá vai como se encontrasseUm objecto perdidoQue foi milagre encontrá-lo... Cortaram além!... E param?Oiço o rebate de um estaloE um grito subtil de preceAmedrontada na fuga...Desço ao Marquês do Alegrete.Um candeeiro sinistroNuma casa que se aluga...Vejo um polícia. Arrefece.Um grupo de três sujeitosDiscute o vinho de Torres.Varrem as ruas. Um gatoBebe água numa sarjeta;Uma carroça parouCarregada de hortaliçaJunto à Praça da Figueira.Corto a rua dos FanqueirosJá um pouco estropiado...Acendo um cigarro. A noiteLembra um fantasma assustado...Chego ao Terreiro do Paço.O arco da rua AugustaParece mais imponenteNa minha desolação...Vou até ao cais. Em baixoO rio bate sem reacção...

A maré vasa. No céu,Vão-se apagando as estrelas.Um guarda-fiscal dormitaNa guarita, mas de pé.Um velhote com um cestoE uma lata vem dizer-meSe eu quero beber café.Num banco de pedra. Cismo.E ali me fico a cismarEm coisa nenhuma... O diaPrincipia a querer serMais um passo na incertezaDas nossas aspirações...As águas do rio a escutarParecem adormecidas...E o dia nasce! Vem triste,Nublado, fosco, cinzento,Enquanto pela cidadeA vida acorda e desataO matinal movimento...

Antonio Botto, Reportagem

Torre de Belém, Lisboa.

Fonte: Dover

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Pablo Picasso, Woman with Book.

© Rowena Morril, Isaac Asimov.

A ciência, a ciência, a ciência... Ah, como tudo é nulo e vão! A pobreza da inteligência Ante a riqueza da emoção! Aquela mulher que trabalha Como uma santa em sacrifício, Com tanto esforço dado a ralha! Contra o pensar, que é o meu vício! A ciência! Como é pobre e nada! Rico é o que alma dá e tem.

A Ciência, a ciência, a ciência…

Fernando Pessoa, A Ciência, a ciência, a ciência… in Poesia

1931-1935.

AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA1. Um robot não pode ferir um ser humano ou, por

omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.2. Um robot deve obedecer às ordens que lhe sejam

dadas por seres humanos, excepto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.

3. Um robot deve proteger a sua própria existência desde que tal protecção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.

Formuladas por Isaac Asimov. Fonte: www.wikipedia.orgLEIS DE CLARKE

1. Quando um cientista distinto e experiente diz que algo é possível, quase de certeza que tem razão. Quando ele diz que algo é impossível, ele está muito provavelmente errado.

2. O único caminho para desvendar os limites do possível é aventurar-se além dele, através do impossível.

3. Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia.

Formuladas por Arthur C. Clarke. Fonte: www.wikipedia.org

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© W. T. Benda, Woman's Home Companion, January 1936.Propriedade Sei que nada me é pertencente Além do livre pensamento Que da alma me quer brotar, E cada amigável momento Que um destino bem-querente A fundo me deixa gozar.Johann Wolfgang von Goethe, in Canções. Tradução de Paulo Quintela

Tomámos a Vila depois de um Intenso Bombardeamento

A criança loura Jaz no meio da rua. Tem as tripas de fora E por uma corda sua Um comboio que ignora. A cara está um feixe De sangue e de nada. Luz um pequeno peixe — Dos que bóiam nas banheiras — À beira da estrada. Cai sobre a estrada o escuro. Longe, ainda uma luz doura A criação do futuro... E o da criança loura? Fernando Pessoa, in Cancioneiro

A Guerra E tropeçavam todos nalgum vulto, quantos iam, febris, para morrer: era o passado, o seu passado — um vulto de esfinge ou de mulher.

Caíam como heróis os que não o eram, pesados de infortúnio e solidão. (Arma secreta em cada coração: a tortura de tudo o que perderam.)

Inimigos não tinham a não ser aquela nostalgia que era deles. Mas lutavam!, sonâmbulos, imbeles, só na esp'rança de ver, de ver e ter de novo aquele vulto — imponderável e oculto — de esfinge, ou de mulher. David Mourão-Ferreira, in Tempestade de Verão

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Edmund Blair Leighton, Stitching the Standard.

BARCA BELA

Pescador da barca bela,Onde vais pescar com ela,Que é tão bela,Ó pescador?Não vês que a última estrelaNo céu nublado se vela?Colhe a vela,Ó pescador!Deita o lanço com cautela,Que a sereia canta bela...Mas cautela,Ó pescador!Não se enrede a rede nela,Que perdido é remo e velaSó de vê-la,Ó pescador!Pescador da barca bela,Inda é tempo, foge dela,Foge dela,Ó pescador!Almeida Garrett, Folhas Caídas.

John William Waterhouse, A Mermaid, 1901.

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Esopo, Fábulas, Século VI a.C.

O mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo — O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre.

Ulisses

Fernando Pessoa, Ulisses in Mensagem, 1934.

Esopo, Fábulas, edição manuscrita de finais do séc. XIV com

147 miniaturas. Biblioteca

Universitária de Bolonha, Itália.

Zeus e Apolo Os deuses Zeus e Apolo estavam a disputar a sua perícia com o arco e a flecha. Apolo, esticando quanto pôde a corda de seu arco, lançou uma flecha. Zeus deu um só passo chegando com a sua perna tão longe quanto a flecha lançada por Apolo. Isto é o que acontece àqueles que lutam contra adversários mais fortes: além de não atingi-los, ainda se expõem ao riso dos outros.

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Henrique Pousão, 1859 - 1884, Cecília.

Albert Gustaf Aristides Edelfelt, 1854-1905, Good Friends – Portrait of Bertha Edelfelt, artist's sister, 1881.

A BELEZA É UM OCEANO

A beleza é um oceanoAonde o olhar se perdeE regressaTransfigurado.

Alberto de Lacerda in Horizonte.

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As Linhas do Tempo

Do meu rosto ao teu vão caminhosViagens e gestos,Lugares e passos que cada um deu a sós.Entre o teu olhar e o meuCorre um rio que nos une e separa.Navegamos e caminhamos,Contidos pelas mesmas margensRumo ao mesmo ignoto horizonte.Entre as minhas mãos e as tuasVivem memóriasTão vivas e tão transcendentesComo se tudo o que já foiFosse ainda mais real agora.Não há fronteiras nesta viagem,Todos os países pertencem ao mesmo universo. Entre a minha voz e o teu silêncioVives tão eterno como sempre foste,Gota perdida na teia do tempo.Quebrou-se a linha.Ficas para sempreIlha cintilanteNo fugidio mapa do tempo… Suy / São Ludovino, 16/3/2011

Madeira, fotografia de Kim / Joaquim M. E. Ludovino, 3/1/1960-30/1/2011.Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.

Murcha a flor e o seu pó dura sempre.Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos (excerto)

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© Trisha Lambi, Biding Time, 2009.

DEDUÇÃO

Não acabarão nunca com o amor,nem as rusgas,nem a distância.Está provado,pensado,verificado.Aqui levanto soleneminha estrofe de mil dedose faço o juramento:Amofirme,fiele verdadeiramente.

Vladimir Maiakóvski, 1893-1930.

© Cassandra Christensen Barney, The Engagement.

ANATOMIANos demais,todos o sabem,o coração tem moradia certa,exactamente aqui no meio do peito,mas comigo a anatomia ficou louca,sou todo coração.

Vladimir Maiakóvski, 1893-1930.

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© Alfredo Sanchez, Mexico, The Link.

Vladimir Maiakovski, 1893-1930.

A CAMINHADA MAIS LONGA

A caminhada mais longaÉ a despedidaMuito breve que seja

A caminhada mais longaÉ a despedida

Partiste

Ficou tudo Por dizer

Quase tudo

Partiste

Como é possível InterromperA eternidade?

New York, 8 de Junho 98Alberto de Lacerda in Horizonte.

DESPERTAR É PRECISO

Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardime não dizemos nada.Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.E porque não dissemos nada,Já não podemos dizer nada.

Page 27: TOMA LÁ! - Série I - 2010-2011 - Prof.ª Conceição Ludovino

Oak – www.etsy.com

JUSTIÇA (1907)

Segundo eu suponho, houve um paísOnde todos tinham torto o nariz.

E o nariz torto de cada umNão entristecia, de modo nenhum

Mas neste país um homem nasceuCom nariz direito e assim cresceu;

Os homens, por ódio, nesse paísMataram o homem do belo nariz.

Alexander Search, heterónimo de Fernando Pessoa in PoesiasFrançois-Joseph Navez, 1787-1869, The Embrace.

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© Alvin Ailey Dance Teatre.

ACORDA DO SONO, ACORDA (1908)

Acorda do sono, acorda E ouve a minha canção; Eu canto as coisas que choro E as que um desejo são. Este é o fim do meu fundo cantar Este e o ódio de errar.

Acorda, acorda a ouvir Minh'alma em ais derramada; Como o medo, a humana dor Em meu coração é negada, Com pena a pulsar e fraterno sentir Que o choro aos olhos faz vir.

Acorda, acorda que a noite É pura e de todo sai Das coisas comuns à vista. Acorda, que a lua cai Qual sonho por sobre o lago. Onde há luar Algo forte me faz lembrar.

Acorda, acorda, que a lua Quer trazer-me uma canção Profunda, que guarde em si O rasto do seu clarão. Mas se essa canção profunda eu não canto Ah, dorme, dorme entretanto!

Alexander Search, heterónimo de Fernando Pessoa in Poesias.

EPIGRAMA«Eu amo os meus sonhos», disse eu para alguémProsaico, em manhã de inverno, que com desdémReplicou: «Não sou escravo de IdealE, como gente sensata, amo o Real.»Pobre tolo, o ser e o parecer trocando —É que eu amo o Real meus sonhos amando.

Alexander Search, heterónimo de Fernando Pessoa in Poesia Inglesa.

MADRIGAL

Tu já tinhas um nome, e eu não sei se eras fonte ou brisa ou mar ou flor. Nos meus versos chamar-te-ei amor.

Eugénio de Andrade in As Mãos e os Frutos.

BALANÇA

No prato da balança um verso bastapara pesar no outro a minha vida.

Eugénio de Andrade in Ofício de Paciência.

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© Davidagall, Webshots, Deer, 2009

Fedinand Georg Waldmüller, 1793-1865, Austrian painter, Young Peasant Woman with Three Children at the Window, 1840.

O PAPÃO

As crianças têm medo à noite, às horas mortas, Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas, Para as levar no bolso ou no capuz dum frade. Não te rias da infância, ó velha humanidade, Que tu também tens medo ao bárbaro papão, Que ruge pela boca enorme do trovão, Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos, Um papão que não faz a barba há seis mil anos, E que mora, segundo os bonzos têm escrito, Lá em cima, detrás da porta do infinito!

Guerra Junqueiro, O Papão.

Page 30: TOMA LÁ! - Série I - 2010-2011 - Prof.ª Conceição Ludovino

BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva? Será gente? Gente não é, certamente e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania: mas há pouco, há poucochinho, nem uma agulha bulia na quieta melancolia dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente, com tão estranha leveza, que mal se ouve, mal se sente? Não é chuva, nem é gente, nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía do azul cinzento do céu, branca e leve, branca e fria... Há quanto tempo a não via! E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça. Pôs tudo da cor do linho. Passa gente e, quando passa, os passos imprime e traça na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais da pobre gente que avança, e noto, por entre os mais, os traços miniaturais duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos... a neve deixa inda vê-los, primeiro, bem definidos, depois, em sulcos compridos, porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador sofra tormentos, enfim! Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!... Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza, uma funda turbação entra em mim, fica em mim presa. Cai neve na Natureza e cai no meu coração.

Augusto Gil, Balada da Neve

HÁ DIAS

Há dias em que julgamosque todo o lixo do mundo nos caiem cima. Depoisao chegarmos à varanda avistamosas crianças correndo no molheenquanto cantam.Não lhes sei o nome. Umaou outra parece-se comigo.Quero eu dizer: com o que fuiquando cheguei a serluminosa presença da graçaou da alegria.

Jorge de Sena in Os Lugares do Lume.

© Gianni Strino

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Jules Josephe Lefebvre, 1836-1911, Clemence Isaure, n.d.

Albrecht Frans Lieven Vriendt, 1843-1900, His Move, n.d. INDIFERENÇA

Ora diz-me a verdade: Tu já sentiste por mim Uma sombra de saudade, De amor. de ciúme; enfim, Uma impressão que indicasse Haver em teu coração Fibra, corda que vibrasse, A minha recordação?Parece, mas o contrário; Sim o que devo supor É deserto e solitário O teu coração de amor! Não digo por outro; invejo Talvez a sorte de alguém... Mas o que eu sei, o que eu vejo, É que me não queres bem!

João de Deus in Odes e Canções.

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Edward Robert Hughes, The Princess out of School.

Edmund Blair Leighton, Tristan and Isolde.

A VIDA (excerto)A vida é o dia de hoje, A vida é ai que mal soa, A vida é sombra que foge, A vida é nuvem que voa; A vida é sonho tão leve Que se desfaz como a neve E como o fumo se esvai: A vida dura um momento, Mais leve que o pensamento, A vida leva-a o vento, A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente, A vida é sopro suave, A vida é estrela cadente, Voa mais leve que a ave; Onda que o vento nos mares. Uma após outra lançou, A vida — pena caída Da asa de ave ferida — De vale em vale impelida A vida o vento a levou!

João de Deus in Elegias

QUANDO FORES VELHA

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,Dormitando junto à lareira, toma este livro,Lê-o devagar, e sonha com o doce olharQue outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonouE em largos passos galgou as montanhasEscondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

William Butler Yeats, 1865-1939

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Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, Lamego - www.travel-in-portugal.com

Agnolo Bronzino, 1503-1572, Lucrezia di Cosimo, 1555-65.

RUMO A BIZÂNCIO - Parte IIIOh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus Qual dourado mosaico sobre um muro, Vinde desse fogo sagrado, roda que gira,E sede os mestres do meu canto, da minha alma. Devorai este meu coração; doente de desejoE atado a um animal agonizante Ele não sabe o que é; juntai-me Ao artifício da eternidade. William Butler Yeats, 1865-1939

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William Butler Yeats, 1865-1939 William Butler Yeats, 1865-1939

COM O TEMPO A SABEDORIA

Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;Ao longo dos enganadores dias da mocidade,Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;Agora posso murchar no coração da verdade.

Charles Spencelayh, 1865-1958, The Collector.

AEDH DESEJA OS TECIDOS DOS CÉUS

Fossem meus os tecidos bordados dos céus,Ornamentados com luz dourada e prateada,Os azuis e negros e pálidos tecidosDa noite, da luz e da meia-luz,Os estenderia sob os teus pés.Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos.Eu estendi meus sonhos sob os teus pésCaminha suavemente, pois caminhas sobre meus sonhos.

Charles Edward Perugini, 1839-1918, In the Orangery, n.d.

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Ambrosius Bosschaert, the Elder, 1573-1621, Bouquet in an Arched Window, c. 1618.

Pierre van Boucle, c1610- 1673, Still-Life, n.d.

RUMO A BIZÂNCIO – Parte I

Este país não é para velhos. JovensAbraçados, pássaros que nas árvores cantam- essas gerações moribundas -Cascatas de salmões, mares de cavalas,Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão Tudo quanto se engendra, nasce e morre. Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam Os monumentos de intemporal saber.

William Butler Yeats, 1865-1939

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© Evan Wilson, Lilacs in a White Vase. © Evan Wilson, Mending the Kimono, 2006.UMA CAPA

Uma capa fiz do meu cantoDebaixo a cimaBordadaDe antigas mitologias;Mas tomaram-na os tolosPara exibi-la ao mundoComo se por eles fora lavrada.Deixa, canto, que a tomemPois maior feito existeEm andar nu.

William Butler Yeats, 1865-1939

RUMO A BIZÂNCIO – Parte IVDa natureza liberto jamais de natural coisa Retomarei minha forma, meu corpo,Mas formas outras como as que o ourives grego Em ouro forja e esmalta em ouroPara que o sonolento Imperador não adormeça; Ou em dourado ramo pousado, cantareiPara damas e senhores de BizâncioCantarei o que passou, o que passa, ou o que virá

William Butler Yeats, 1865-1939

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© Wil Wilson, Hardwired, 2008.

© Wade Schuman, Bird on Egg, 2006.

O VIANDANTE

Trago notícias da fomeque corre nos campos tristes:soltou-se a fúria do ventoe tu, miséria, persistes.Tristes notícias vos dou:caíram espigas da haste,foi-se o galope do ventoe tu, miséria, ficaste.Foi-se a noite, foi-se o dia,fugiu a cor às estrelas:e, estrela nos campos tristes,só tu, miséria, nos velas.

Carlos de Oliveira in Mãe Pobre

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A conspicuous flower by © Azaya - www.azaya.deviantart.com

© Chad Davis, The Conspicuous Roller - www.fineartamerica.com

ENTRA PELA JANELA

Entra pela janelao anjo camponês;com a terceira luz na mão;minucioso, habituadoaos interiores de cereal,aos utensíliosque dormem na fuligem;os seus olhos ruraisnão compreendem bem os símbolosdesta colheita: hélices,motores furiosos;e estende mais o braço; plantano ar, como uma árvore,a chama do candeeiro.

Carlos de Oliveira in Entre Duas Memórias

INTERMEZZO

Hoje não posso ver ninguém:sofro pela Humanidade.Não é por ti.Nem por ti.Nem por ti.Nem por ninguém.É por alguém.Alguém que não é ninguémmas que é toda a humanidade.

António Gedeão in Movimento Perpétuo, 1956.

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© Wil Wilson, Entr'acte, 1998.

© Wil Wilson, Pansies, 2005.

TUDO PODE TENTAR-METudo pode tentar-me a que me afaste deste ofício do verso:Outrora foi o rosto de uma mulher, ou pior —As aparentes exigências do meu país regido por tolos;Agora nada melhor vem à minha mãoDo que este trabalho habitual. Quando jovem,Não daria um centavo por uma cançãoQue o poeta não cantasse de tal maneiraQue parecesse ter uma espada nos seus aposentos;Mas hoje seria, cumprido fosse o meu desejo,Mais frio e mudo e surdo que um peixe.

William Butler Yeats, 1865-1939

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© Wil Wilson, Broken Home, 2000.

© Wil Wilson, Bouquet for Beverly, 2008.

A ESPORAParece-te horrível que luxúria e iraCortejem a minha velhice;Quando jovem não me flagelavam assim;Que mais tenho eu que me esporeie até cantar?

William Butler Yeats, 1865-1939

FORMA DE INOCÊNCIA

Hei-de morrer inocenteexactamente como nasci.Sem nunca ter descobertoo que há de falso ou de certono que vi.

Entre mim e a Evidênciapaira uma névoa cinzenta.Uma forma de inocência,que apoquenta.

Mais que apoquenta:enregelacomo um gumevertical.E uma espécie de ciúmede não poder ser igual. António Gedeão in Movimento Perpétuo, 1956.

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© Evan Wilson, The Recorder Player.

CÂNTICO DA SEDE IV Sabemos bem de mais o que sentimos,Sabemos, todos sem excepção,Que somos seres eleitos.Somos senhores de um só reino,Imperadores de uma só vontade.Sabemos, sem equívocos,O que queremos em cada momento.Sabemos quem amamos e quem odiamos,Sabemos que somos heróis e cobardes.Somos, todos sem excepção,Exímios fingidores.Sabemos inventar deixasAcutilantes, irresistíveis de veludo,Compor diálogos como sinfoniasCom contrapontos e fugas exactas,Solilóquios de amor e silêncio.Sabemos pedir, exigir, implorar,Dar, entregar.Criamos mundos infinitosQue não sabemos decifrar nem domar.Damos a vida, tiramos a vidaCom toda a perícia,Sem uma única gota de sangue.Rasgamos o peito amadoSó para conhecer um novo vértice do prisma do amor.Entregamos tudo o que julgamos serPara ver o que seríamos se fôssemos o outro ou nada.Num ou noutro instante,Todos somos os seres mais felizes do universo.Só não sabemos amar como deusesE morrer como as plantas...

Suy / São Ludovino, 12/6/1993

Simon Williams, Bird.

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© Evan Wilson, Amaryllis. © Evan Wilson, Bigleaf Magnolias.

Como numa longa caminhada que se faz por acaso do gosto, saio de mim para o mundo como a borboleta para o efémero dia. Eu que invento ou descubro dias dentro do dia mais trivial, e em cada dia dou voltas em torno de mim, e em cada volta circum-navego o mundo sem lhe achar princípio nem fim; pois que não o há em viagem circular nem em errante demanda.

Não que eu procure o fim ou os confins de alguma esfera ou a fronteira entre dois oceanos que partilham as mesmas águas, não que esteja cansado de descobrir ilhas que se assemelham a universos infinitos e continentes que cabem na palma da mão. Nenhum rumo definido ou mapa límpido e circunscrito basta ao meu viajar. Quero somente prosseguir caminho na companhia de tudo o que cabe e sempre houve dentro de mim.

A ESCRITA É UMA VIAGEM ECOS DO INFINITO PESSOA

Suy / São Ludovino, 12/4/2008 Suy / São Ludovino, 12/4/2008

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Kate Perugini, 1839-1929, Portrait of Agnes Pheobe Burra, n.d.

Fanny Brennan, 1921-2001, The Visitor.

Que te faltaSenão tu mesmoPara seresSegismundo, o mundo.O mundo, Segismundo!Quem te negou esse colosso de mistérios?Quem esquartejou a tranquila escadariaDa capela da tua infância?O mundo, Segismundo!Que lábios tocaram os teus olhosE cravaram grades em todas as tuas janelas?O mundo, Segismundo!O mundo é um deus ateu.Não creias neleQue ele não crê em ti…

Suy / São Ludovino, 19/8/1993

OS TÍTULOS E O DEVIRParte I (excerto)

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© Han-Wu Shen, 1950-..., Autumn Harvest, n.d.

© Han-Wu Shen, 1950-..., Waiting for Someone, n.d.Cada verdadeiro poemaÉ a verdadeira sombraSeivaSilhuetaAlmaRaiz De cada umE da humanidadeSão árvoresCom velhos por baixoÀ espera de GodotSão mãos complexasAmassando o pãoNos parapeitos do tempoSão cores completasPintando a vidaEm infindáveis murais de vento

OS TÍTULOS E O DEVIRParte I (excerto)

Suy / São Ludovino, 19/8/1993

Suy / São Ludovino, 19/8/1993

OS TÍTULOS E O DEVIRParte I (excerto)

Amo todos os poetas que se parecem comigoMas amo igualmente os que escreveramO que eu nunca escreveriaCompletam-meComo o tempo completa a eternidade

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© Malcolm Brown, Reading, 2005.

© Peter Ferguson.

PRIVATIZADOPrivatizaram a tua vida, o teu trabalho, a tua hora de amar e o teu direito de pensar. É da empresa privada o teu passo em frente, o teu pão e o teu salário. E agora não contentes querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence. Bertold Brecht in Poemas 1913-1956

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A BENÇÃO DA LOCOMOTIVA

A obra está completa. A máquina flameja, Desenrolando o fumo em ondas pelo ar. Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja, Que é preciso que um bispo a venha baptizar.

Como ela é com certeza o fruto de Caim, A filha da razão, da independência humana, Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim, E convertam-na à fé Católica Romana.

Devem nela existir diabólicos pecados, Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais Saem da natureza, ímpios, excomungados, Como saímos nós dos ventres maternais!

Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra, Extraí a heresia ao aço lampejante! Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra, E há-de ser com certeza um pouco protestante.

Para que o monstro corra em férvido galope, Como um sonho febril, num doido turbilhão, Além do maquinista é necessário o hissope, E muita teologia... além de algum carvão.

Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta, Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar, E lancem na caldeira um jorro d'água benta, Que com água do céu talvez não possa andar.

Guerra Junqueiro, A Bênção da Locomotiva.

JOGO DO LENÇO

Trago no bolso do peito Um lenço de seda fina, Dobrado de certo jeito. Não sei quem tanto lhe ensina Que quanto faz é bem feito. Acena nas despedidas, Quando a voz já lá não chega Por distâncias desmedidas. Depois, no bolso aconchega As saudades permitidas.

Também o suor salgado, Às vezes, enxugo a medo, Que o lenço é mal empregado. E quando me feri um dedo, Com ele o trouxe ligado.

Nunca mais chegava ao fim Se as graças todas dissesse Deste meu lenço e de mim, Mas uma coisa acontece De que não sei porque sim:

Quando os meus olhos molhados Pedem auxílio do lenço, São pedidos escusados. E é bem por isso que penso Que os meus olhos, se molhados, Só se enxugam no teu lenço.

José Saramago in Os Poemas Possíveis

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© Louise Camille Fenne

© Louise Camille FenneAVE OCULTAA ave que voa ante o teu olharNão é tuaNão são tuas as asasQue pensas conquistarNão é teu o domDe olhar o horizonteDe onde as montanhas vislumbramA profunda cavernaE o extenso mar.A ave que pousa nas tuas mãosÉ apenas o espelho que não ousas olhar.Olha além sobre as bétulasUm pedaço de ti esvoaça no poenteE tu não sabes quem éEssa ave que não pousa nas tuas mãosNem te revela o segredo do seu voar. Quem serias afinal — ave oculta — Se não tivesses medo de voar? Suy / São Ludovino , 9/4/2011 – 2:43

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© Arian, Earth.

© James C. Christensen, The Tie That Binds.

BALADA DAS COISAS E NÃO

Há coisas na vida mais belas que a vidacoisas terríveis tão belas ocultasque coisas não sãosabemos acaso os nomes o gestode incerta presençasorriso mais vagoperfume sonhadosombras solenesluzeiros tremendoah nãosentir não sentimospensar não pensamosnem mesmo que é nadase é belo ou não belose parte se ficase é excesso ou se é rostohá coisas terríveisestranhas não sãoalheias dispersastalvez também nãomais belas que a vidaque a vida perdidaansiosa ou malditadiremos acaso que nomes que gestomas quais e por quê?...Ah não Jorge de Sena in Pedra Filosofal Jorge de Sena in Exorcismos

VITA BREVIS

A vida é breve mas que a faz mais brevenão é morrer-se nem morrer quem foiconnosco nela espaço forma e tempo.Que mais que a morte a humanidade encurtae torna mais estreita a nossa vida.Só brevemente e por um breve instanteseu corpo nos concede. E brevementeé que pensar deseja que existimos.Antes de mortos, antes de sozinhose apenas visitados de memórias,já todos somos um jornal antigodeitado fora sem sequer ser lido,ou somos uma imagem desenhadana borda do passeio em que se exibempisando-a com os pés com que desenhamseus mesmos rostos que outros pés já pisamA vida é breve, breve, mas mais brevequanto a quer breve a estupidez humanafiel ao tempo ainda em que de espaçoo tempo se fazia e o pouco espaçona terra imensa a todos não chegava

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© Mark Thompson

© Cassandra Christensen Barney

BREVE HISTÓRIA DE UM REINO SEM PRÍNCIPE

No quarto ao ladoDorme o príncipe de outras terrasSenhor de um reino Onde as casas têm um solEm cada janelaÉ amado pelos seus súbditosNão porque tenha aprendido a reinarNalgum compêndio de autoridadeMas porque os seus sonhosSão sempre os mesmosEnquanto dorme e ao acordar.Desde criança tem apenas um desejo:O de ser transparente como o cristal.No quarto ao ladoDesperta um príncipeQue já encontrei nos campos e nas aldeias.Tão perto dorme e moraQuão longe deste país a naufragar.

Suy / São Ludovino , 9/4/2011 – 3:26

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© Wil Wilson, Pollination, 2007.

© Wil Wilson, Sisters, 2000.

DECLARAÇÃO

Teorias são brinquedos Que, por mim, não tomo a sério. Tomo a sério os meus enredos. Crer... só sei crer no Mistério. De doutrinas não me importo! Sinto-me bem no mar alto. Só me recolho ao meu porto. Convidam-me, e sempre eu falto. De escolas, não sou aluno. Se comunico, é em verso. Sou muito diverso, E uno.

José Régio in Poesia II - Obra completa , Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001

INSTANTÂNEO COM POSE

Sou um velho e uma criança A quem todos fazem mal (Eu próprio, como vós todos...) E é cobarde!, E é desleal!: Criança, ainda me não defendo; E velho, ai! não me defendo já! São mentiras, são momentos, O muito mais que em mim há: Cobardes consentimentos No que não sou, mas pareço, E finjo só parecer, São essas lutas que tento, E em que tão logo esmoreço, Ridículo combatente Profundamente Indiferente A vencer ou a não vencer.

José Régio in Poesia II - Obra completa , Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001

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© Cohen Fusé

Suy / São Ludovino, Lady Butterfly, 9/4/2011

A SUPERFÍCIE DA VIDA

Mede os passos que te levam aonde vais.Mede a distância entre a casa de onde saisE os muros onde entras.Calcula a extensão das ruas que já palmilhasteE das que hás-de palmilhar.Anota tudo muito bem no teu bloco de notas.Não te esqueças de nenhum milímetro.Algures, hás-de encontrar a medida certa,Aquela que te faz amar a vida acima de todas as coisas,Sabendo que nelaO sentido íntimo das coisasSe esconde, indistintamente,No ponto em que te encontrasE no ponto em que te perdes. Suy / São Ludovino, 10/4/2011 – 0:58

Suy / São Ludovino, Looking & Seeking, 9/4/2011

Page 52: TOMA LÁ! - Série I - 2010-2011 - Prof.ª Conceição Ludovino

© Allen N. Lehman, A View to Blue.

© Evan Wilson, The Peacock Kimono. APRENDAMOS O RITO

Põe na mesa a toalha adamascada, Traz as rosas mais frescas do jardim, Deita o vinho no copo, corta o pão, Com a faca de prata e de marfim.

Alguém se veio sentar à tua mesa, Alguém a quem não vês, mas que pressentes. Cruza as mãos no regaço, não perguntes: Nas perguntas que fazes é que mentes.

Prova depois o vinho, come o pão, Rasga a palma da mão no caule agudo, Leva as rosas à fronte, cobre os olhos, Cumpriste o ritual e sabes tudo.

José Saramago in Os Poemas Possíveis

DE VIOLETAS SE COBRE O CHÃO QUE PISAS

De violetas se cobre o chão que pisas,De aromas de nardo o ar assombra Nestas recurvas áleas, indecisas Olho o céu onde passa a tua sombra.

José Saramago in Os Poemas Possíveis

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© Yuriko Takata, Antique Bookcase. © Yuriko Takata, Antique Bookcase.

Page 54: TOMA LÁ! - Série I - 2010-2011 - Prof.ª Conceição Ludovino

TÍTULO: TOMA LÁ! – Série I – 2010-2011IMAGENS: Yuriko Takata; William Mulready; Ellen de Groot; Abraham Bloemaert; Cie Shin; Sophie Gengembre Anderson; Jennifer; José Roosevelt; Jean-Honoré Fragonard; Braldt Bralds; David Orias; Miklós Barabás; Mary Gow; José Ferraz de Almeida Júnior; Amy Hill; Piero di Cosimo; Rachell Bess; Lisa G.; Absel Fattah Hallah; William Whitaker; Yuri Studinikin; Joseph Karl Stieler; Séraphine de Senlis; Maria Battaglia; Hanjo Schnug; Rowena Morril; Pablo Picasso; W. T. Benda; John William Waterhouse; Edmund Blair Leighton; Albert Gustaf Aristides Edelfelt; Henrique Pousão; Cassandra Christensen Barney; Trisha Lambi; Alfredo Sanchez; François-Joseph Navez; Alvin Ailey Dance Teatre; Davidagall - Webshots; Fedinand Georg Waldmüller; Gianni Strino; Albrecht Frans Lieven Vriendt; Jules Josephe Lefebvre; Edward Robert Hughes; Edmund Blair Leighton; Agnolo Bronzino; Charles Spencelayh; Charles Edward Perugini; Pierre van Boucle; Ambrosius Bosschaert, the Elder; Evan Wilson; Wil Wilson; Wade Schuman; Azaya; Chad Davis; Fanny Brennan; Kate Perugini; Han-Wu Shen; Malcolm Brown; Peter Ferguson; Louise Camille Fenne; Arian; James C. Christensen; Mark Thompson; Cohen Fusé; Simon Williams; Allen N. Lehman; Kim / Joaquim M. E. Ludovino; Suy / São Ludovino. TEXTO: Os autores identificados em cada folheto. MÚSICAFonte: CD do arquivo pessoal.Slide 1 a 54: Enya, Smaointe, do álbum Shepherd Moons, 1991.DURAÇÃO: cerca de 6:07 minutos.DATA: Setembro / Outubro de 2010.SELECÇÃO, ORGANIZAÇÃO E EFEITOS: Suy (Conceição Ludovino).

Suy © 2010Background - © Allen N. Lehman, My Blue Heaven.