tomaz tadeu - o fim da teoria do currículo
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7/23/2019 Tomaz Tadeu - O Fim Da Teoria Do Currículo
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O fim da teoria do currículo
Tomaz Tadeu
[1]
Esta é forçosamente uma posição de autoridade. Supõe que sei algo e que devo mostrar sabê-lo.
Devo ser assertivo, impositivo. Não posso hesitar, parar para pensar, dar mostras de que posso
ter dúvidas. Aqui, uma pausa mais prolongada causaria mal-estar. Seria uma mostra de
fraqueza. De pouco saber. E, no entanto, não posso fugir disso. Até mesmo quando tento
desfazer esta posição, é com autoridade que o faço. Se cheguei até aqui, se aceitei vir até aqui,
sou, de algum modo, cúmplice desta investidura. Ao consentir, enquadrei-me. Sou suspeito,
gostaria que soubessem.
[2]
Avanço, pois, com cautela. Esforço-me por evitar o enunciado peremptório. Os imperativos,
ainda que disfarçados de infinitivos, a indicar leis e decretos. Os artigos definidos a marcar a
exclusividade e a totalização. As partículas que regem o absoluto: nunca, sempre, nada, tudo,
todo mundo. Os verbos prescritivos que restringem as escolhas e fundam uma moral: deve-se, é
preciso, é necessário. As generalizações. As afirmações grandiosas. Altissonantes. Tonitruantes.
As convocações e as convocatórias. Os sermões e as sentenças. As interdições e as permissões. Os
gestos apocalípticos e as profecias milenaristas. A denúncia e a salvação. O que pode e o que não
pode. Conseguirei? Revejo a primeira frase e perco o equilíbrio. Um simples advérbio me faz
beijar o chão. E estamos apenas no começo.
[3]
Sou tomado de pânico. Espera-se que eu diga algo porque se espera que eu tenha algo a dizer. E
se eu não tiver nada a dizer? Pelo menos, nada de muito importante. Nem, muito menos, nada
de certo ou verdadeiro. Para se ter algo a dizer é preciso acreditar em algo. E estar convicto. Ou,pelo menos, aparentar tudo isso. Aí já posso começar a pregar. Ou a ensinar. E a juntar fiéis. Ou
discípulos. Já posso fundar uma igreja. Ou uma escola. Alguém aí?
[4]
Deveria, por ofício, por motivo do convite, falar de pedagogia, de currículo, de educação. Falar de
teorias, citar pensadores, criticar o estado das coisas. Depois, como convém, propor alguma
solução, indicar uma saída, traçar um programa. E terminar com umas palavras edificantes,
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apelar para a emoção, proporcionar algum conforto. Não estaria senão sendo fiel ao roteiro de
um gênero discursivo pisado e repisado: o discurso pedagógico crítico.
[5]
Antigo praticante do gênero, ele agora me desgosta. Seria porque falta-lhe estilo? Ouço a mesma
e antiga ladainha. Os fiéis continuam a velha recitação. Mas alguém ainda se surpreende?
Alguém ainda se comove? Alguém ainda se mexe? Alguém ainda se diverte? Alguém ainda
deseja?
[6]
O que não se mexe, nesse discurso, é a língua. É uma língua morta. A língua dos clichês e das
frases prontas. Do oficialismo de Estado e do oficialismo militante. Uma linguagem de
burocrata: do Ministério ou do Partido. Ou do Partido que foi parar no Ministério.
[7]
Expresso um desejo: um experimento de linguagem. Fazer delirar a linguagem da pedagogia.
Subverter o texto que a sustenta. Virar-lhe o discurso do avesso. Obrigá-la a falar uma língua
estrangeira.
[8]
Isso não tem um programa. Só experimentação. O que lhes proponho aqui é mostrar a minha.
Apenas um exemplo. Ou dois. Começo com um texto a que dei o título de “Panfletinho”. Termino
com outro que é uma espécie de justificativa desse jogo de experimentação da escrita e que se
chama justamente “Por que escrevemos assim”.