As presas polticas

de

Chorrillos - Peru

Crnicas|Denncias|Reflexes | Aprendizagem

Imagem da capa: mulheres sobem na caixa d'gua do presdio de chorrillos durante a rebelio

por melhores condies em outubro de 2012.

Este zine foi traduzido entre julho e agosto de 2015 por uma mana a partir do

original: Crnicas de la temporalidad de dientro. Las presas polticas de

Chorrilos. Denuncias, Reflexiones y Aprendizaje. Presxs polticxs en Per

Edio: Desde La outra Orilla, Lima-La paz, 2012/2013.

O propsito da traduo contribuir com difuso de ideias e aes antiprisionais.

Copie!

leiaelute@riseup.net

Esta traduo dedicada para:

Marta Urriego

Mnica Caballero

Tamara Sol Vergara

E todas mulheres que resistem atrs das grades.

ndice

Algumas palavrasIntroduoI As presas polticas de Chorrillos: Denncias, reflexes e aprendizagem.II EntrevistaIII Situao poltica atual. A poltica de gnero do INPE

Algumas palavras

Este zine uma traduo de um escrito feito por mulheres anarquistas do Peru e da Bolvia entre 2012 e 2013. O zine fala de um contexto de priso poltica em massa, sendo a maioria das presas enquadradas como presas polticas e terroristas pertencentes ao Partido Comunista do Peru Sendero Luminoso (PCP-SL), com atuao na luta armada entre as dcadas de 1980 e 1990.

Assim como as autoras do zine, discordamos dos partidos e posicionamentos polticos e estratgicos do comunismo (o qual historicamente matou muitxs anarquistas e dissidentes, no podemos esquecer). O Sendero Luminoso, como todo Partido Comunista, se utilizou de hierarquias, centralizao e medidas autoritrias contra quem no concordava com sua organizao ou posicionamentos. Sobretudo, repudiamos totalmente o brutal assassinato de Maria Elena Moyano, lder comunitria e feminista da Federacin Popular de Mujeres de Villa El Salvador (FEPOMUVES), atribudo ao Sendero Luminoso em 1992. Porm, o zine retrata uma perspectiva do contexto prisional do Peru. Em outros pases da Amrica Latina como Argentina, Chile e Colmbia, muitxs guerrilheirxs que caram e esto presxs pela luta armada contra as ditaduras e Estados capitalistas so comunistas, e h casos de pessoas que, durante ou aps o crcere, se tornaram anarquistas e/ou libertrixs.

Cabe discutir ento, e o zine contribui para isso, sobre o papel e a reciprocidade de anarquistas nas lutas anti-prisionais: desde as origens da Cruz Negra Anarquista, foi necessria uma movida prpria para apoiar aquelxs anrquicxs que estavam por trs das grades, j que os setores da chamada esquerda nunca se solidarizaram. Comunistas e demais setores esquerdistas fariam o mesmo atualmente? As experincias passadas mostram que no, e cabe a cada pessoa decidir os focos de sua solidariedade e luta. Na primeira parte do zine, essa discusso feita com relao s mulheres presas militantes do Sendero Luminoso, e traz reflexes importantes sobre como considerar os diferentes contextos do confronto contra os Estados e da guerra social.

Em alguns momentos podemos aproximar um pouco da realidade prisional descrita com a situao brasileira: as prises arbitrrias e feitas por montagem policial, revistas vexatrias, os abusos emocionais. A precariedade tambm semelhante, e apesar do relato no dizer, acreditamos que no Peru tambm pode ocorrer a privao de objetos de primeira necessidade, como a falta de materiais de higiene pessoal (sabonetes, absorventes higinicos), que muito acontece nas penitencirias femininas brasileiras. Podemos somar dificuldade nas visitas, que vo desde as transferncias para presdios de difcil acesso a familiares e amigxs at o abandono das mulheres que esto encarceradas, que muitas vezes acabam sem a visita de pessoas prximas ou filhxs, que no caso brasileiro s podem entrar no presdio aps os 12 anos de idade. A maternidade atrs das grades, inclusive, permeada pela violncia obsttrica e o trauma da separao da criana ainda pequena.

Com relao s prises chamadas polticas, o Brasil difere um pouco de pases onde a guerrilha continuou aps o trmino oficial das ditaduras: no existem presdios nem pavilhes destinados somente s presas por motivos polticos clssicos. Porm, na guerra social, desde flagrantes forjados at o suprimento das necessidades bsicas como furto de alimentos ou objetos para fazer algum dinheiro, aborto clandestino, envolvimento com o trfico e a guerra drogas ou ento auto-defesa contra algum agressor: as grades esto cheias contra aquelas que se rebelaram no cotidiano e tiveram sua liberdade interditada pelo Estado.

Enfim, o escrito traz muitos elementos sobre a histria recente do Peru que no nos chega facilmente, assim como a situao de mulheres que resistem e lutam atrs das grades. Sua leitura importante para torn-las presentes e quebrar cada vez mais as fronteiras que nos separam de realidades prximas, como as vividas nos outros pases da Amrica Latina.

Pelo fim das prises e da sociedade que delas necessita!

So Paulo, agosto de 2015.

Introduo

Este fanzine surgiu com muito respeito e humildade depois das visitas realizadas a estas guerreiras presas do Anexo de Mulheres do Presdio de Chorrillos (Lima, Per).

Temos como objetivos expor e denunciar a situao das presas-presos polticxs porque consideramos que no pode haver movimento anti-carcerrio se no conhecemos e reconhecemos as genealogias dos processos repressivos. Neste caso, o processo dxs presxs polticxs no mal-denominado Peru1 nos aproxima da realidade do extermnio por parte das polticas a prisional entre outras da democracia e da ditadura estatal.

Pretendemos abrir a reflexo e questionar como o movimento anarquista neste territrio no v nem se solidariza com a realidade circundante dxs presxs polticxs. Talvez seja por uma questo de afinidade? Ou talvez de demagogia poltica? Ou ento de comodidade?

Saudaes s presas polticas de Chorrillos e Patrcia.

Lima-La Paz. 2012-13

E.P. Anexo de Mulheres de ChorrillosCrnicas da temporalidade de dentroAs presas polticas de chorrillosDenncia, reflexes e aprendizagem

Chego ao presdio de Chorrillos.

Uma senhora que vende guloseimas e leva saias em uma sacola transparente me pergunta se quero deixar minhas coisas em sua barraca porque no posso entrar com elas. Te digo que sim. Estou vestida com a saia que minha amiga me emprestou porque sem saia no pode entrar no presdio, e ainda que me avisassem para ir sem capuzes nem roupas pretas, estou vestida em tons escuros. Me dizem que no posso entrar com sapatilhas, s com sapatos ou sandlias, e olho meus tnis que mais parecem botas. Duvido. No sei o que fazer. Me cobram para guardar as coisas e por umas sandlias, o que representa mais dinheiro e ando dura. Finalmente aceito e ponho as sandlias. 1 sol2 para guardar as coisas, 1,50 pelas sandlias. Lhe paguei.

Vou para a fila. Uma senhora me diz que no posso entrar de meia-cala. Me tirou a meia-cala e me deixou com as pernas nuas. Apesar das insistentes batidas das familiares na porta de entrada, nos deixaram esperando uns 15 minutos. Entramos. Olharam minha cabea com

1 Nota da Tradutora: Talvez aqui as autoras se referem ao nome que foi dado pelos colonizadores espanhis, Peru, no lugar do nome da regio Inca entre Peru e Bolvia, que se chamava Tawantisuyo.

2 N.T.: Sol o nome da moeda do Peru, soles no Plural. equivalente a, mais ou menos ao Real, com a cotao em 17/07/2015 a 1 Sol 0,99 centavos de Real.

moicano e raspada a zero. - Quem voc vai visitar? Menciono a interna que visito. - Relao? Amiga. O cara no enxerga o nmero de meu documento e eu tenho que falar. Me pergunta se sou jornalista. No. Entro. Tenho raiva, mas tento ser a mais ingnua possvel, a mais tonta possvel. Quando estou a ponto de ultrapassar a porta de controle para acessar o mdulo, uma voz atrs de mim grita: - Voc, voc. Me viro, me chamam e eu vou. - Quem voc vai visitar? Vou ao Mdulo A, e volto a mencionar a interna que visito. Me olharam de cima a baixo. De fato querem me foder Assim, com essa roupa, no pode entrar. Discuto de forma ingnua e me insistem que no, que essa saia no serve, que precisa ser comprida, que curta ia pelos joelhos e logo se agarraram pelo argumento que um vestido. Vamos...me fizeram sair. Vou barraca e tenho que alugar uma saia lils, porque se uso preta, vou muito escura. Outro 1,50.

Finalmente entro e acesso o Mdulo A de presas polticas. Na porta esto duas mulheres com grandes sorrisos. Duvido se so funcionrias, mas essa energia que emanam me faz sentir que no. Me perguntam a quem venho visitar, digo o nome e imediatamente vo busc-la. Chega. curioso, porque na noite anterior me perguntava como seria o contato com elas, como quebraria o gelo para falar com algum que no conheo com toda a carga de ser uma presa do Partido Comunista do Peru Sendero Luminoso com 20 anos de priso sobre seu corpo.

No h nenhum gelo, no h nada de obstculos, esses sorrisos e essas primeiras palavras que me receberam rompem qualquer tipo de frieza e barreiras. Nos apresentamos e fomos nos sentar no ptio. sbado, dia de visitas e h rodas de mulheres em todo ptio. Presa 20 anos, no posso evitar pensar nesse nmero que em si mesmo no significa nada se no o viveu. Olho para ela e no posso acreditar que leve tanto tempo sem sair e que perca essa energia. Ali esto todas alegres, enrgicas e todas com grandes condenaes sobre seus corpos, algumas com priso perptua e outras com priso perptua fechada. No posso evitar pensar que minhas inquietudes so irrelevantes ao lado dessa priso, mas esto fortes, so fortes e seguiro sendo.

Comeamos a conversar, falamos de diferentes assuntos. Me sinto muito, muito confortvel. As palavras fluem e sinto os pontos de unio, a afinidade que se pode perceber quando duas pessoas querem conversar, fluir e gerar uma relao. De agora em diante, quando me questiono que vim conversando com pessoas que se consideram marxistas, leninistas, maostas...no fim das contas, para o anarquismo o marxismo-leninismo-maosmo considerado uma ideologia autoritria. E para algumas delas, o anarquismo considerado como uma ttica errnea. E eu vejo melhor mais pontos de unio e de convergncia.

Nossa conversa um intercmbio de experincias e vises. Mais tarde, se unem duas mulheres, todas elas com olhos bem abertos e cheios de vida. Falamos de quase tudo, de veganismo, da condio das mulheres, das experincias anarquistas, das leis anti-terroristas mundiais e da perseguio movimentos sociais, de suas lutas dentro das prises, do estado atual da campanha de desprestgio xs presxs polticxs acusadxs de terrorismo.

A., que est a meu lado esquerdo, foi condenada a priso perptua junto a outras companheiras nos anos 1990. Enquanto a grande maioria delas foram anulados os julgamentos militares e alterados para civis e sentenciadas entre 20 e 35 anos de condenao, A. e outras companheiras seguem com priso perptua. Muitas delas tem sado. No momento de maior represso chegaram a 400 no Mdulo A de Chorrillos. O presdio foi criado para esse fim em 1987 e elas foram transferidas depois do massacre de 1992 no presdio de Castro Castro 3. Durante o

3 O massacre do Presdio de Castro Castro em 1992, executado por Fujimori foi um ato premeditado de eliminao de presxs e processadxs polticxs, com o objetivo de acabar com a conquista da priso por dentro de SL, sob a desculpa de uma transferncia de presas polticas ao Estabelecimento Penitencirio de Chorrillos. No presdio Miguel Castro Castro se encontrava a maior quantidade de presxs acusadxs ou sentenciadxs por terrorismo, tanto do Partido Comunista do Peru Sendero Luminoso (SL), como do Movimento Revolucionrio Tupac Amaru (MRTA). No Pavilho 1-A se encontravam tanto presos como presas, enquanto no 4-B s homens, todos eles acusados pelos delitos de terrorismo e traio ptria, alguns j condenados, a outros logo sobressaram suas causas penais e a tantos outros no foi respeitado o devido processo. Temos que dizer que em junho de 1986, sob o governo de Alan Garcia, se utilizou a represso e houve massacres contra xs presxs polticxs nas prises de San Juan Bautista (El Frontn), Santa Brbara (Callao) e San Pedro (Luringancho). Em conjunto, a operao policial e militar teve saldo de um massacre de mais de 250 pessoas entre os trs presdios.

perodo dos anos 90 at 2001-03, as presas polticas recebiam uma visita de meia hora por ms em cubculos escuros com uma janelinha de metal e em suas celas no podiam ter nenhum tipo de utenslio, seja rdio, canetas, lpis, evitando assim que pudessem escrever, desenhar, estudar ou trabalhar. Desta maneira, a suposta reduo da pena por estudo ou trabalho no era real em seu caso. Agora que j podem ter esse tipo de pertences foram negadas as redues da pena por serem acusadas de terrorismo.

A tortura encoberta que vivem na priso, alm do tratamento cotidiano como a disperso de presxs com parentesco pelos diferentes presdios, passa por uma campanha miditica por parte do Estado que quer enfocar o terrorismo como o problema central da poltica peruana, colocando axs presxs polticas e a liberdade prxima de algumxs delxs como ameaa e perigo para a paz social. Assim, de repente, de forma estratgica, comearam a reimplantar o regime fechado especial ou de isolamento no mdulo C de Chorrillos um regime que foi deixado de ser praticado a presas comuns e polticas. A esta situao soma-se as trs ltimas transferncias arbitrrias que ocorreram no ltimo ms, rompendo dessa forma 20 anos de auto-organizao coletiva autnoma dentro do mdulo histrico de presas polticas de Chorrillos, para transfer-las ao mdulo atual, onde apenas tem espao. Suas oficinas j no tem espao fsico, e muitas de suas coisas permanecem amontoadas no ptio, com medo de ser outra vez transferidas.

Elas contam como h diferena de gnero entre os presos e as presas polticas, condenaes maiores para elas pelo mesmo feito, recusa por muito tempo entrada de homens (ainda hoje precisam pedir uma autorizao especial para que possa entrar homens em suas celas), portanto negao ao desejo heterossexual e privao maternidade...um tratamento tambm diferente por parte da imprensa e da historiografia que as define e representa como sanguinrias, como as que exerciam de forma mais selvagem e sem escrpulos a violncia, como umas terrveis...como as que no decidiram ser parte do PCP SL, mas que as levaram: foram levadas pelos maridos, irmos, padres...anulando-as como sujeitas polticas. Como no vai ser assim, quando a sociedade determina que as mulheres devem ser esposas, mulheres, boas donas de casa, submissas, devotas, e no revolucionrias e guerrilheiras.

M. conta como seu pai foi assassinado em 1983 em uma emboscada conhecida como O Massacre de Uchuraccay4. Conta que sua famlia tem sofrido perseguio. Disse que sua histria um exemplo e reflexo da histria da violncia estatal do Peru. A. tem sua irm no Mdulo C. De regime fechado. Sua me, hoje no dia de visita, vai ter que se desdobrar para v-las. (Mais tarde soubemos que ela no pde ver, porque de forma arbitrria mudaram o dia de visitas dos sbados para as quartas e quintas-feiras para o Mdulo C.)

Muda o grupo e se aproximam outras presas. Me mostram as fotos dos trs murais que fizeram sobre a mulher na histria peruana - Pr-Histria, Pr-Incaico e Incaico, o projeto fazer um trajeto da mulher pela histria e que se percorra o pas de forma itinerante um projeto cultural e poltico que reivindica a anistia geral, mas me contam que justo na noite anterior comearam a criminalizar os murais, porque a imprensa comeou a dizer que eles formam parte da propaganda do S.L. e, portanto, do terrorismo. Isso, junto com a mudana da diretora do presdio, configura um panorama bem mais nebuloso para a continuao do projeto.

4 Um grupo de 8 jornalistas se dirigiu provncia de Ayacucho, no sul do Peru, para fazer uma reportagem sobre camponeses que uma semana antes haviam dado morte a militantes do Partido Comunista do Peru, mais conhecido como Sendero Luminoso. Esta organizao desenvolvia desde 1980 uma luta guerrilheira contra o Estado peruano. Os 8 jornalistas caminharam na zona de conflito e junto com seu guia foram assassinados (26/01/1983), supostamente pelos comuneros da Comunidade de Uchuraccay, que posteriormente asseguraram haver confundido com membros do Sendero Luminoso. Uma Comisso Investigadora foi formada pelo escritor Mario Vargas Llosa, cujo informe final determinou que os camponeses ignoravam a qualidade de jornalistas das vtimas, chegando a confundir equipamentos com armas. O grau de analfabetismo e a falta de contato com o mundo ocidental haviam determinado a confuso. Porm, todos os indcios e diversas informaes indicavam que os jornalistas foram assassinados por membros das Foras Armadas peruanas, ou que estes dirigiram o massacre, ou que pelo menos haviam dado ordens para matar estranhos na regio porque apoiavam o Sendero Luminoso. Desta forma, a Comisso Vargas Llosa livrou de toda a responsabilidade as Foras Armadas , que assumiam a segurana da regio e a organizao paramilitar dos camponeses. http://lahaine.org/internacional/silencio.htm

Na reta final se d um posicionamento de ambas as partes e surgem algumas discordncias dialtico-ideolgicas e alguns pontos de unio, como destruir para construir. S. me diz que a vontade no suficiente, que o voluntarismo no vai fazer que as coisas mudem, que para que as coisas mudem preciso dar um passo mais adiante e para dar esse passo mais adiante, no se pode fazer assim na loucura, mas com estratgia.

Notas:- Foram colocadas siglas imaginrias aos nomes por receio a represlias.- Dias depois da visita, Thays (uma interna por delito comum), se suicidou no mdulo de presas em regime especial fechado.

Terceira visita s presas polticas do E.P. Anexo Chorrillos

Coloco a saia e as sandlias correndo, desta vez uma amiga me emprestou e s vo me cobrar um sol para guardar a mochila. Me apresso para me vestir, pois me disseram que, em meia hora fecham as portas s 12:30 e no deixam entrar at as 14:30. Corro.

H mulheres na porta, reconheo a me de uma das presas polticas. Nos deixam esperando uns 10 minutos. Entramos, h presas. Emocionam justamente a mulher que reconheo, dizendo que sua filha no est no Mdulo C, de regime fechado especial, mas no B e h uma pequena confuso. O ambiente fica tenso, ela diz que sua filha est no C e os funcionrios das prises (Instituto Nacional Penitencirio - INPE) dizem que sua filha est no B. Finalmente est no regime C, dentro da categoria B...e entra para a salinha de controle de objetos pessoais.

Voltam a colocar problemas, agora com a visita da amiga de Elena Iparraguirre (nmero 2 do PCP e que est presa em regime fechado especial, com mais de 20 anos de priso), lhe dizem que os dias da visita so quarta-feira (hoje sbado) e ela responde que so nos sbados, que j foi na quarta-feira passada e no lhe deixaram entrar. Tenso outra vez, o funcionrio que escreve os registros no sabe, o outro diz que so s quartas. Ali ningum sabe de nada e eles so quem deveriam saber. A tenso aumenta, se aproxima a hora das portas se fecharem...Em meio a isso, desaparece a funcionria que deveria revistar as encomendas e objetos pessoais, era possvel escut-la brigando pelo outro lado da porta, mais nervosismo, gritamos que venha pois o tempo passa...por fim me fazem entrar e me revistam. Entro, h uma agitao, no se sabe se vo deixar entrar a amiga de Elena, as mulheres do Pavilho A, as presas polticas, comeam a reclamar funcionria para deixar a amiga de Elena entrar. Passo pela segunda porta cercada. J estou dentro. Hoje no h funcionrios no ptio como no dia anterior, quando estavam presentes e fazendo questionrios para ver como estava seu desenvolvimento e qualific-las, para ver se seguiam em seus regimes atuais. Eles revelaram que as ltimas transferncias foram feitas por causa da segurana e no de superlotao, como argumentavam. Hoje est tudo tranquilo aparentemente, ao fim a amiga de Elena pde entrar para visit-la.

Participamos da apresentao do livro da Voz de la Mujer [Voz da Mulher]5com filme includo e dali trocamos um pouco de opinies. Lhes pergunto pela guerra popular, j que me interessava saber esse lado da histria que est totalmente silenciado e que um grande tabu. A partir de um estudo minucioso e completo da situao sociopoltica, econmica e histrica do Peru, que levou por volta de 20 anos, desenvolveram uma estratgia poltico-militar. Uma guerra popular. Uma guerra que diferente de outros levantes que houve no Peru, seu foco foi no campo. Talvez esse sinal de diferena com as outras lutas fracassadas colocou o estado peruano em xeque durante 12 anos, com dois teros do pas sob seu poder.

5 O livro uma recompilao dos jornais preservados de La Voz de La Mujer [A Voz da Mulher], expresso propagandstica de mulheres para mulheres sedentas de liberdade, da regio argentina de finais do sculo 19. Foi editada entre 1896 e 1897, sendo a primeira de sua classe na Argentina e possivelmente tambm um dos primeiros rgos de expresso do feminismo anarquista no mundo. Em suas letras encontramos crticas apaixonadas e diretas sociedade em que viviam, apontando com sabedoria e determinao os perigos da autoridade estatal, patronal, eclesistica e visibilizando especialmente o machismo - a dupla escravido do capital e do homem como limitante para a plena realizao como seres livres.

Se desenvolveu um processo de suspenso e vazio da ordem burguesa que culminou no Novo Poder. O Novo poder consistiu em estabelecer uma nova ordem organizativa atravs dos Comits do Povo, depois de ter tomado o poder, pelas armas ou pela renncia das autoridades locais. Terras e gado foram confiscados dos latifundirios e foram divididas entre a populao local. Ocorrem aes de sabotagem tanto no meio rural quanto urbano com a ideia de cercar as cidades. O processo no to simples ao contextualizar esses fatos dentro de uma guerra, gerando-se uma espiral, j que uma vez estabelecido o Novo Poder, as vezes tomado por foras repressivas do Estado e outra vez tomado pelos comits, e assim sucessivamente.

Quando recebo as palavras do Novo Poder e me explicam o processo da destruio de uma velha ordem, pois estamos falando de um contexto em que o campo se encontrava em suma situao de servido total, chamada gamonalismo, me vem cabea o tema a Revoluo espanhola de 1936, com o comunismo libertrio, as expropriaes da terra e a formao de coletivos. Assim que pude ver atravs de suas palavras e apesar de no saber quase nada, que processo elas tiveram, foi um processo revolucionrio, no podemos cair em anlises fragmentadas que pretendem deslegitimar esse processo revolucionrio, apontando as hemorragias sem analisar o contexto. Estou me referindo questo dos chamados massacres e execues indiscriminadas. As aes do S.L. e o movimento que se gerou com essas aes, partiram de umas lgicas de guerra, que por si j so muito complexas e nas quais tudo est relacionado entre si. Recordo como na escola (uma escola progressista, de esquerda) me ensinavam que xs anarquistas durante o que chamavam de guerra civil de 1936 - para invisibilizar a revoluo que houve - tinham sido demnios sangrentos, que haviam matado freiras e padres, queimavam igrejas e haviam cometido todo tipo de excessos violentos, entre eles execues massivas e indiscriminadas. Alm de ter obrigado - mediante a fora as multides do povo tornarem-se anarquistas ou criar coletivos. Nunca falaram de massacres, execues e prises que o suposto Estado Democrtico Republicano praticou. (Hoje, como sujeita poltica que me defino como anarquista, considero que o movimento anarquista que deve fazer uma anlise autocrtica desse perodo e considerar quais foram os acertos e quais os erros, compreendendo as lgicas da guerra social.)

Quando escuto o relato das companheiras presas, penso e divido com elas que sua situao parecida das presas polticas espanholas das prises de Franco e tambm das presas polticas da Transio e Democracia. Elas tambm estavam presas, viveram de 1992 at aproximadamente 2001-2003 em condies de recluso mxima e isoladas totalmente. Cumprem 20 anos fechadas, algumas j cumprem 22 anos, e apesar da Guerra Popular ter chegado ao fim em 92, elas deveriam estar na rua, em liberdade condicional, com uma anistia, ou ento com o reconhecimento de serem prisioneiras polticas de uma guerra. Por mais que se saiba, e sabemos, quais so as prticas repressivas do Estado, sinto indignao e raiva ao ver como est recusando-se a possibilidade de explicar uma parte da histria, a possibilidade de fazer pesquisas e reunir a memria.

No se pode falar de processo revolucionrio, de guerra popular, no se pode falar de presas polticas, no se pode escrever outra - outras histrias - porque apologia ao terrorismo. Sinto muita, muita raiva. Uma s verso da histria, escrita pela Comisso da Verdade, que nem sequer tem respaldo unnime. Essa a suposta verso que tem que respeitar. Agora, querem aprovar a lei sobre Negacionismo: no se pode negar que houve terrorismo, seno crime, priso. Nesse perodo da histria que querem negar, h um exemplo de luta, de prtica revolucionria, da qual deveramos compartilhar, aprender e ter como referencial latino-americano, no deixando de ser crticas, obviamente, mas no nos fechando em esquemas ideolgicos que no nos fazem ver mais alm do que nossos narizes branco-mestios.

A subalternidade uma prtica em que se tem movido os movimentos polticos revolucionrios e contra-culturais, nela onde se tem reunido, se tem agido, e dela que tomamos a frente, embora o contexto repressivo tenha deteriorado at essa barricada.

Temos responsabilidade poltica de fazer conhecer tal processo histrico, suas histrias e sua atual situao, desde a solidariedade com presxs polticxs at como pessoas crticas com as lutas anti-estatais e revolucionrias. Vinte anos passam rpido. J deveriam ter sado

de sua situao de silenciamento encoberto e criminalizao. Raiva e mais raiva. Um amplo setor da populao e a mdia de massa querem que apodream na priso. Obviamente o patriarcado-sistema sexo-gnero deteriora-se nessas vises criando arqutipos6 e estigmas da cruel e sanguinria terrorista.

Termino com as palavras de Nancy Meja Ramos: Hoje seguimos trabalhando e estudando, apesar de que em outubro de 2009 nos tiraram o direito da liberdade condicional, anulando os 7 anos por 1, para a liberdade condicional. Ilegal e inconstitucionalmente anularam os benefcios penitencirios para sair em liberdade. Estou sentenciada a 30 anos, quando sairei em liberdade? Praticamente esto nos sepultando em vida.

Entrevista

Apresentao se quiser se apresentar. Faz parte da rede de apoio a presxs polticxs?

Me chamo Patrcia, no perteno a nenhuma organizao ou rede, nem sei se existe uma, mas durante o ltimo ano visitei presxs polticxs e de alguma forma pude ver a situao geral das prises em Lima. No fui na provncia [interior].

O que ou quem se refere no Peru com o termo de presx polticx? Quem so e por que esto l? H diferenas entre presx polticx e prisioneirx de guerra? Como elxs se definem? Quantxs so?

Para elxs no h diferena entre prisioneirx de guerra e presx polticx. Para elxs viria a ser o mesmo. Se definem assim porque foram presxs a partir de se levantarem com armas contra o Estado, tratando (a faco que tem maior quantidade de presxs, o PCP SL) de fazer uma revoluo maosta7.

Se consideram presxs polticxs todas as pessoas detidas produto da guerra interna dos anos 80. Podem ser do Partido Comunista do Peru que puseram o apelido de Sendero Luminoso -, ou do Movimento Revolucionrio Tpac Amaru (MRTA)8.

6 N.T.: Modelos, esteretipos.7 N.T.: O termo Maosta vem do nome de Mao Ts Tung, um dos lderes da Revoluo Chinesa (1949) e do Partido

Comunista Chins (PCP). Mao Ts Tung era um estrategista militar e tambm escreveu sobre economia e poltica, fazendo crtica ao marxismo-leninismo ao propor um comunismo ao estilo chins, que dentre outros aspectos considerava a populao do campo para realizar a revoluo proletria. De forma bem resumida, a Revoluo Chinesa mobilizou grande parte da populao, com medidas como coletivizao de terras e fbricas e alfabetizao. Porm, a cpula do PCP alcanou privilgios de nobreza, minorias e dissidentes foram reprimidos e Mao Ts Tung alcanou um estgio de semi-deus no pas.

8 O Movimento Revolucionrio Tpac Amaru (MRTA) foi uma organizao fundada em 1984 inspirada nas guerrilhas esquerdistas de outros pases da regio, que iniciou suas aes em 1985. Na atualidade esta organizao se

Agora tambm esto os Etnocaceristas9, que em 2005, a mando do irmo do atual presidente, se levantaram em armas em Andahuaylas, no que se denominou el Andahuaylazo.

Do PCP-SL podem chegar a 400. Em geral, se juntarmos a todxs detidxs dos diferentes grupos armados, sero por volta de 600 presxs polticxs. Uma cifra que pode aumentar j que esto chegando presxs polticxs de Huallaga10, isto como consequncia da queda da liderana desta regio que ficou como remanescente da guerra; de Vrae11 quase no h detidxs. Todos estes so acusadxs de terrorismo. Na priso, quem fala de prosseguir uma parcela que nada tem a ver com a outra, e mais se criticam entre elxs. Tudo em seu conjunto a expresso de um problema social, um assunto muito complexo e para ser conversado amplamente.

A acusao de presx polticx vai acompanhada da acusao de delinquente terrorista ou de delito de terrorismo e traio ptria...?

Exatamente. Todxs detidxs que vem da poca da guerra esto condenadxs pelo delito de terrorismo contra o Estado, e na posio deste elxs so delinquentes terroristas. Assim lhes tipifica, e a que no permitem cham-lxs de presxs polticxs, no lhes consideram assim. Dizem que nos anos 80 conseguiram a condio de presxs especiais, diferenciando do delito comum, mas o setor dxs que agora tem o poder consideram terroristas a todxs que so presxs polticxs.

Pode nos dizer de quanto tempo so as penas?

As penas so altssimas. Na priso perptua, calculo que ao menos umas 10 presxs polticxs tem essa condenao. A mdia de anos que cumprem detidxs, quem segue na priso por esse delito, de 20 anos. Algumxs esto prontxs para sair, cumprindo sua condenao. Boa parte do grupo que resta est condenadx entre 25 e 35 anos de priso.

O que pode nos explicar sobre os julgamentos militares?

A princpio, at antes dos anos 90, xs presxs que caam por terrorismo, ou seja, que caam em consequncia da guerra, tinham penas menores de 20 anos; por exemplo: Osmn Morote, que caiu em 88, teve uma condenao de 18 anos, e j na priso lhe abriram outro julgamento para colocar outra de 25 anos, sem sada, mas ainda no existia a priso perptua.

Isso muda com o regime de Fujimori, se criam os julgamentos militares, que inclusive eram com juzes sem rosto, quer dizer, os julgadores no mostravam a cara; militares encapuzados rodeavam a sala apontando a pessoa detida com suas armas, enquanto por outro lado, atrs de um espelho, estavam esses juzes fazendo perguntas. Podiam ter advogadx, que se supunha que era seu advogadx, mas muitas vezes este tambm era sem rosto, provavelmente mais um militar, era o advogado responsvel. Assim, evidente que a pessoa acusada no podia defender-se. Tudo era bem repressivo, estavam sendo julgadxs por militares, a pessoa detida encadeada a uma cadeira s via militares encapuzados em guarda e, de seus juzes, um espelho.

Nesses julgamentos a maioria recebeu priso perptua. Assim eram os julgamentos de

encontra quase desarticulada no plano militar. O MRTA foi liderado por Vctor Polay Campos e, depois de sua captura e priso em julho de 1992, por Nstor Cerpa Cartolini, at a morte deste durante a tomada da embaixada japonesa em Lima em 22 de abril de 1997.

9 O Etnocacerismo (o etnonacionalismo peruano) uma doutrina poltica peruana caracterizada pelo nacionalismo etnocntrico, que evoca tanto o poderio e a identidade do Imprio Inca ou Tahuantinsuyo da poca pr-hispnica assim como o nacionalismo das foras armadas peruanas na poca republicana. Esta ideologia foi esboada por Isaac Humala conhecido no passado por sua militncia marxista no Partido Comunista Peruano e outros grupos de extrema esquerda que ele mesmo denominou como etnocacerismo ou etnonacionalismo. Esta ideologia a inspirao da organizao Movimento Etnocacerista Peruano, liderado pelo filho de Isaac Humala, o ex-militar Antauro Humala (irmo do agora presidente Ollanta Humala). A maioria de seus integrantes so reservistas do exrcito peruano e veteranos da Guerra do Canepa contra o Equador e da contra-insurgncia contra o Sendero Luminoso.

10 Frao SL Huallaga. Com a queda da cpula do S.L. Em 1992 se declarou por finalizada a guerra, mas em Huallaga como em Vrae as ordens no foram acatadas. Posteriormente a frao de Huallaga se pronunciou tambm pelo trmino da guerra e a busca de uma soluo poltica.

11 Frao SL Vrae. Esta frao a mais questionada pelxs presxs polticxs do S.L. Diversxs analistas polticos falam de sua vinculao com o narcotrfico, e que um grupo armado com uma orientao nitidamente diferente do PCP_SL dos anos 80 e da soluo poltica atual.

todas as pessoas que desde 92 caam em consequncia da guerra, eram condenadas pelo Delito de Terrorismo contra o Estado e Traio Ptria, e tipificadxs como Delinquentes Terroristas, recebiam priso perptua ou penas altssimas, da passavam a prises com isolamentos de 24 horas em celas minsculas, onde no podiam nem caminhar, nem ler, nem ter uma caneta, nada.

E os julgamentos civis?

Os julgamentos civis se do quando logo quando acaba a ditadura de Fujimori. Em 2003, 5.000 cidados apresentaram uma Ao de Inconstitucionalidade e o Tribunal Constitucional reconhece que foram julgamentos ilegais, tambm j tem a possibilidade de apresentar Habeas Corpus, ento se declaram inconstitucionais todos os julgamentos militares e podem voltar a ter um processo, agora civil, atravs do qual lhes voltou a sentenciar. Algumas pessoas so absolvidas e outras condenadas ao tempo que j tem na priso.

Mas tambm se do as penas altas, sentenciadas de 20, 25 e 30 anos, claro que se reconhece os anos que estiveram presxs, mas receberam condenaes depois de 14 anos presxs! Ento, com o restabelecimento da democracia,(se que podemos cham-la assim), primeiro com o presidente V. Paniagua e logo com A. Toledo, se fazem julgamentos civis. Em 2006 a chamada cpula do PCP-SL recebe priso perptua.

Aqui existe uma condenao a priso perptua encoberta, simulada, j que segundo o Cdigo Penal se supe que no Peru no existe tal pena. O que dizem que uma vez que uma pessoa condenada a priso perptua tem direito a, uma vez passados os 35 anos presa, revisarem seu caso; isto faz com que fique a critrio do juiz sua liberdade, o qual se no considera a pessoa reabilitada a deixar presa e assim sucessivamente, ano aps ano, o que faz que no tenha tempo final de condenao e possa ficar na priso para sempre. por isso que sim, existe a condenao de Priso Perptua.

Esto em prises de alta segurana?

Sim, elxs esto em prises de alta segurana. As prises de alta segurana se diferenciam das outras porque devem ter um cordo policial [para isolamento e vigilncia], como um pressuposto; em contrapartida, as prises de mnima segurana somente so vigiadas pelos funcionrios penitencirios, ou seja, as pessoas do INPE que fazem esse cordo e s tem o seu pessoal.

Nos anos 90, em que eram milhares de prisioneirxs polticxs, elxs recheavam prises inteiras, por exemplo Yanamayo (Puno), Castro Castro (SJL-Lima), Mxima de Chorrillos (Lima); mas pouco a pouco essas prises foram se esvaziando, pelos indultos (no geral a inocentes!), por novos julgamentos, por cumprimento de sentenas, etc, saem bastante, e ainda que segue havendo uma grande quantidade (centenas), esto em prises com outrx presxs por outrxs delitos (delito comum), mas so igualmente prises de segurana mxima.

Na priso de Chorrillos, que se denomina E.P. de Mxima Segurana Anexo de Mulheres de Chorrillos, mas se chama popularmente de priso de Chorrillos ou priso anexa os trs pavilhes eram de presas polticas. Essa priso preenchida em 92, para l levam algumas presas polticas depois da matana de presxs polticxs na priso de Castro Castro, feita pelo governo de Fujimori em maio de 1992. Nesse tempo essa priso de mulheres s tinha um pavilho, o resto era vazio, j depois constroem os outros 2 pavilhes e ali se amontoavam as presas polticas, que eram centenas.

Com os novos julgamentos, condenam algumas a 17 ou 19 anos de priso, cumprindo condenao de imediato aps o julgamento, ou um ms depois, e isto porque j tinham sido privadas de liberdade todo esse tempo. Comea a esvaziar-se as prises, mas por sua vez a criminalidade (com sua consequente represso excessiva) cresce muito no pas e comea a encher de presos comuns, por delito comum. Nesse momento as presas polticas so 15% da populao total do presdio de Chorrillos, e todxs prisioneirxs polticxs no Peru seriam 1% da populao carcerria total, j que so em torno de 600 presxs polticxs, e o total da populao carcerria no Peru de 58.681 pessoas.

A regulamentao interna diferente com a questo de presxs polticxs e presxs comuns?

Como te dizia, em 1984 ou 1985 elxs tem a condio de presxs especiais, e seu regime de vida diferente, mas nunca foram consideradxs prisioneirxs de guerra, e portanto sujeitxs a convnios internacionais sobre seu tratamento. Depois de 1992, o governo de Fujimori criou para elxs um regime de vida basicamente restritivo, logo seria condenado por organizaes internacionais como: um regime de tratamentos cruis e desumanos, e no final do ano 2000 se ajustou a padres internacionais de presxs em geral, porque, como mencionei, de forma oficial nunca foram consideradxs prisioneirxs de guerra ou prisioneirxs polticxs.

Agora h em alguns presdios algo que chama Regime Fechado Especial (RFE), que bastante repressivo, mas se aplica a todo tipo de delito. Esse o regime carcerrio da priso de Segurana Mxima de Pedras Gordas, e de um pavilho do presdio de Chorrillos. A priso de Segurana Mxima Miguel Castro Castro no tem RCE, l h pavilhes de presxs comuns e polticxs, esses ltimos so tantos que ocupam um pavilho inteiro e mais, uma priso de 6 pavilhes, eles devem ser (como em Chorrillos) 15% do total da populao carcerria. Ali se encontra o grosso dos presos polticos homens, enquanto no caso das mulheres, o grosso est no E.P. de Segurana Mxima Anexo de Mulheres de Chorrillos.

Quanto a regulamentao que me diz, o que venho explicando no pargrafo anterior, depende mais da priso onde a presx est localizadx que da categoria que elx tenha (seja polticx ou comum). At pouco tempo s a priso de Segurana Mxima de Piedras Gordas tinha o RFE, mas agora tambm tem em um pavilho da priso de Chorrillos, que buscando isolar a que seria a nmero dois do PCP-SL, implantaram o RFE , mas para no faz-lo com nome prprio, colocaram tambm as internas por delito comum que se supe que teriam que estar no RFE. Na aplicao prtica deste RFE esto ocorrendo muitas arbitrariedaddes.

Em que consiste o Regime Fechado Especial (RFE)?

O RFE consiste em deixar mais aprisionada uma pessoa, uma pessoa de alta periculosidade. Privilegia a recluso antes da ressocializao. Existem trs etapas: A, B e C.

Na etapa A, est praticamente o dia todo em sua cela, tem 2 horas de ptio e visitas reduzidas, s de familiares diretos consangunexs: irmxs, me, pai - isso faz com que possam haver presas sem visita (pela distancia de familiares). A forma de passar da etapa A para a B, e por sua vez da B para a C pode ser um pouco arbitrria, devem acumular as avaliaes favorveis que o INPE mesmo faz, para ver se vo progredindo em seu tratamento. Do meu ponto de vista esse RFE bem fodido, como se consideram que tem um cachorro bravo, ao qual o melhor a fazer prender e isolar (s para deix-lo vivo), a pessoa escapa de uma condio humana.

Na etapa B tem duas horas a menos de recluso do que na etapa anterior, portanto 4 horas de ptio, mas no podem ficar nas reas externas de seu pavilho, s no ptio leste; quanto s visitas, j podem ter de amigxs, mas precisa solicit-las podendo ser negadas.

Por ltimo, na etapa C podem ter um pouco mais de visitas, mas as horas de ptio se mantm a 4 horas por dia e nem pode ser na rea externa de seu pavilho.

No Regime Fechado Comum abrem a cela s 6:00 e fecham s 21:00, podem receber visitas nos dias que esto dispostxs para elas. Em todas essas horas de celas com grades abertas podem ficar em seu pavilho, no ptio do pavilho. A maioria das presas de Chorrillos est em regime comum, exceto umas 15 que esto no RFE (tambm h as que chegaram de Huallaga, as novas que vo caindo vo logo colocando neste RFE).

Elena Ypaguirre, a nmero 2 do PCP-SL, estava com o conjunto, j o mesmo INPE a havia progredido. Ela passou mais ou menos 15 anos de priso em isolamento, na priso da Base Naval del Callao, um presdio militar onde esto xs mximos dirigentes das diferentes faces que se lanaram em armas, assim como Vladimiro Montesinos, o assessor do ditador A . Fujimori. , segundo as prprias normas peruanas, inconstitucional que ela esteja no RFE, mas como uma das dirigentes parece que vale tudo, ou pelo menos no se diz nada...At o ano de 2006 esteve no mesmo isolamento da Base Naval del Callao junto com seu esposo e mximo dirigente do PCP-SL: Abimael Guzmn, ele continua nessa priso, mas a separaram como represlia pela agitao que fizeram no julgamento civil que estavam tendo, mandando-a para o presdio de Chorrillos, onde a colocam em isolamento, mas conforme a priso vai superlotando e ela vai progredindo passa para o mesmo pavilho das demais presas polticas, ao regime fechado comum. Hoje em dia querem que

isso mude, tambm por represlias polticas.Para poder aplicar uma pena em RFE, a instituio deve dispor dentro dela de um pavilho

exclusivo para o RFE. Mas no podiam dispor de um pavilho para aplicar essas regras porque a priso estava superlotada, ou seja, superava sua capacidade de capacidade. Agora, baixaram a quantidade de gente com as transferncias12, para que pudessem dispor do pavilho C para aplicar o RFE. Na realidade o que fazem : transferir algumas internas a outra priso, por a maior quantidade de mulheres que puderem no pavilho B superlotando-o , isolar no pavilho A as presas polticas que so minoria, e aplicar o RFE no pavilho C.

Tentaram impor esta regulamentao (RFE) em 2008, mas foi um desastre, havendo muitas tentativas de suicdio, com as quais retrocederam as medidas depois de uns meses; agora no mudou, a aplicao desastrosa em seus resultados, nas 3 primeiras semanas de aplicao houveram tentativas de suicdio, das quais j tomou a vida de uma jovem.

Sobre as horas de ptio, os carcereiros, a situao dxs presxs polticxs dentro das prises, maltrato, marginalizao-guetizao13...

No ano de 1992 no havia horas de ptio para ningum, e havia superlotao, ento se 5 dividiam uma cela (que de 2 metros por 3), as 5 pessoas estavam dentro durante as 24 horas do dia. A priso era pesada. J mais adiante, atravs da luta por condies mais humanas de encarceramento, se foram ganhando breves horas de ptio ao dia.

A princpio xs funcionrixs da priso eram policiais, e a guarda externa podia ser por militares. Isso foi mudando. A situao atual abusiva, mas para todxs presxs, sejam presxs comuns ou presxs polticxs. O que acontece que se usa a presx polticx para justificar mais represso, nitidamente se observa que presxs polticxs sempre so usadxs pelo governo vigente, como desculpa para o motivo perfeito para implementar medidas repressivas nas prises. A maioria destxs representam um partido (PCP-SL), o qual se combate na mdia e na poltica oficial peruana, mas apesar da campanha contra elxs e da represso, no podemos dizer que no se ganhou nada, j que h muitas pessoas que xs respeitam ()

Guetizao ou marginalizao no...de alguma forma a convivncia complicada dentro de uma priso, elxs mesmxs preferem conviver entre si, mais fcil conviver com pessoas que compartilham de sua convico ideolgica (que no fim das contas foi o que as levou priso), mas no s isso, so companheirxs, sabemm que uma pessoa que vai lidar com as regras de convivncia que se estabeleceram, vo se ajudar, etc, tem uma vida em conjunto. A convivncia com presxs comuns acontece, mas no de estarem todxs misturadxs, mas dividir com elxs o mximo que podem, ento no acontece uma guetizao, no pelo menos nesses ltimos anos. O que si, acontece hoje, uma tentativa de evitar que presxs polticxs denunciem os maus tratos, porque influenciam presxs comuns, j que pode ocorrer que estxs ltimxs no saibam de seus direitos, o que as faz mais vulnerveis, o que o INPE prefere para poder control-los mais e de formas mais repressivas, que violentam seus direitos sem que possam dizer nada, j que atravs dxs funcionrixs da priso so constantemente ameaadxs com advertncias, o que pode resultar que no possam ter benefcios e no possam sair antes, etc, so muito ameaadxs, e alm disso nem so unidxs, no muito na delxs, e isso tambm desfavorvel.

Os maus tratos de violncia fsica tambm ocorreriam mais com [presxs] comuns, porque xs [presxs] polticxs sabem seus direitos e se apoiariam umas s outras/ uns aos outros. Por exemplo, quando impuseram agora este regime de isolamento em Chorrillos foi um problemo: todas as presas do PCP-SL agitaram, reclamaram, h unio entre as presas; claro que apesar disso implantaram o regime, mas j recusando o dilogo e fazendo uso desmedido da violncia (j que se trata de mulheres maiores) para impor e aplicar o RFE.

A questo da violncia, esta situao est acontecendo agora, lembra a poca da guerra, onde havia maus tratos, assassinatos; porm, hoje no h um contexto de guerra, assim que somente se responde a uma campanha poltica, da extrema direita e direita do governo peruano,

12 Em 13 de setembro a 3 e 6 de outubro de 2012 ocorreram transferncias no presdio de Chorrillos. O INPE em tais transferncias atuou de surpresa, de noite e de madrugada, de maneira violenta, enganando as internas e sem informar em nenhum momento onde estavam sendo levadas, nem dando tempo para arrumar suas coisas, pelo que ocorreu perda de objetos pessoais, etc.

13 N.T.: Na lngua portuguesa no temos traduo para a expresso Guetizao, mas ela se refere discriminao, separao e confinamento de grupos em guetos.

diante de certo avano no pedido de uma Anistia Geral para presxs de guerra.

H um tratamento diferente entre os presdios femininos e masculinos?

Sim, h diferena entre presos e presas, mas no por serem polticxs, mas por como a sociedade peruana no geral com relao s mulheres, machista, patriarcal, temos uma das mais altas taxas de abuso sexual na Amrica Latina ou no Mundo. Essa situao definitivamente se v refletida nas prises, de uma forma bastante marcada, ao menos nas prises de Lima, ou nas que eu tenho ido, que no acredito se distanciarem muito da realidade geral.

incrvel como em uma priso se veem refletidos quase todos os problemas sociais que existem em determinada sociedade. A questo da diferena entre homens e mulheres se observa nitidamente se tem a oportunidade de ir a ambas prises, uma priso de mulheres tem muito mais represso que uma priso de homens, por mais que possam existir os mesmos maus tratos, os homens tem mais liberdades dentro das prises; por exemplo, as mulheres no podem receber homens em sua cela, tem que solicitar uma permisso especial para poder ter relaes afetivas ou sexuais com homens. Em contrapartida, em uma priso masculina, uma visita mulher pode ir cela de qualquer homem se quiser. Outra coisa que se v nas prises femininas que sempre esto pedindo permisso para tudo: Srta., posso ir banca comprar? Sra., posso ir ao ptio para tal coisa? Sra., preciso ir ao lugar tal, etc, sempre h esta espcie de vigilncia ao que esto fazendo; na priso masculina isso no se v, os pavilhes no esto todo o dia trancados e vigiados, enquanto na feminina todo o dia est guardado por uma funcionria do INPE, que o mantm fechado e tem que pedir permisso justificada a todos seus movimentos. Isso na priso masculina no acontece, e como estas vrias coisas mais. Mas isso no por serem prisioneiras polticas, mas algo geral, d a impresso de que nesta sociedade ser mulher e transgredir a lei muito mais grave que ser um homem e transgredir a lei.

A questo da disperso dxs presxs...

A poltica dos anos 1990 foi concentrar e isolar as presxs polticxs em lugares como Yanamayo, que fica em Puno. Depois de uns anos que Fujimori caiu, se deu a possibilidade de que a pessoa presa possa estar na priso mais prxima de suas origens ou de sua famlia, e a se transferiram muitos a Lima. Mas ainda h transferncias arbitrrias, mas isto j seria outro tema.

Como o tratamento dado pela mdia e pela sociedade para estas presas? (e em geral presxs polticxs)

A questo da mdia uma coisa j do sistema. Nos meios de informao de massa, principalmente de Lima, xs tratam de criminosxs, quase como o pior que existe, e que deveria ocorrer mais represso contra elxs.

Em 2010, na priso de Chorrillos, houve uma revista muito violenta. A revista se deu com o fim de mostrar sociedade que eram pessoas que no mudavam, terroristas no arrependidas, e que convinham derrubar a lei que lhes dava benefcios penitencirios para, atravs de bom comportamento, encurtar alguma coisa de sua longa condenao. Na revista deixaram entrar e essa imprensa foi muito manipuladora, podia ver situaes que estavam dizendo: -Aqui vivem bem!, tem livros!...como se na realidade no pudessem ler ou tivessem que viver mal...e com isso bastava e bastou para mais represso porque se derrubou essa lei. Hoje a represso segue, praticamente pedem que no saiam, assim tem cumprido condenao, se que no esto arreprendidxs, ou se no pagaram a reparao civil, ambos argumentos ilegais e inconstitucionais.

A imprensa diz qualquer coisa, basicamente mentiras. Por si, controla um bom setor da opinio pblica. Em Lima a imprensa est controlada pela extrema direita, na realidade digamos que a sociedade peruana est governada pela direita (que o governo do atual presidente Ollanta Humalla); assim o problema no mais com ela, contra todo o movimento que se assemelha a algo que v contra o status que existe, que v contra este Estado.

No existe nenhum jornal de difuso massiva impresso que seja de oposio, no existe nenhum jornal de esquerda, todos esto de alguma forma inclinados ao governo () assim a mdia e isso o que chega para as pessoas. Mas as pessoas no so estpidas, se a direita

conseguiu que um bom setor da opinio pblica as visse como sanguinrixs, h alguma reao contra isso, mas ainda passiva, sobretudo com a carga miditica que faz com que muitxs, ainda que pensam diferente, se distanciem e no digam nada.

Os meios de comunicao esto fazendo muita presso para que Osmn Morote no saia

certo, h uma campanha miditica forte para que Osmn Morote no saia; de fato, o governo atravs da polcia e dos fiscais, est vendo outra forma de abir outro processo penal, para impedir sua liberdade e a de outrxs (considerados dirigentes) que j esto quase 25 anos presxs!

As prises so privadas ou estatais, esto em processo de semi-privatizao, regime misto? Vo construir novas prises?

Se tem feito muitas conversaes para privatizar as prises, sempre surge a ideia, h uma tentativa aqui e outra ali, mas ainda so estatais e esto regidas pelo Instituto Nacional Penitencirio (INPE). Querem construir vrias prises, precisam j que h superlotao em muitas prises, mas a questo que a verba para o INPE baixa, poderiam construir a priso, mas a deveriam ter funcionrixs para esta, as quais teriam que pagar mensalmente, e no tm essa verba. Enquanto se decide, vo superlotando mais as prises, j que as condenaes so cada vez mais altas pela reduo dos benefcios penitencirios; portanto, entra cada vez mais gente na priso, e sai cada vez menos. Esto superlotadas. o maior problema que o INPE tem hoje. H aproximadamente 900 a 1000 presxs a mais por ms!

Como elas se organizam dentro de suas reas? Tm o controle? Sofrem presso? Tm uma vida comunitria?

O que elas tem feito converter esse espao de crcere, tratando de levar uma vida em comunidade, como pessoas que tem a mesma forma de ver a vida. Sempre vai ver que esto produzindo coisas, etc. O que havia antes era converter a priso em espao de luta, de preparao, de aprendizagem (ideolgica e poltica), mas era um contexto diferente, de guerra interna; agora tambm buscam fazer de seu encarceramento algo produtivo, mas em um contexto diferente, pois se preparam para a liberdade, mas para reinserir-se sociedade, a trabalhos, profissionais, famlia, etc.

Por outro lado, se comenta que na dcada de 1990 elas sofriam muita presso dentro das prises, esta situao tem mudado, pode explicar seu desenvolvimento e quais fatores tem influenciado para que seja diferente a situao das prises atuais das de antigamente.

Antes dos anos 90 havia uma populao de presxs polticxs muito grandes, portanto tinham espaos tomados por elxs. Entendiam a priso como outra trinchera de combate, mas isso preciso situar corretamente no tempo, era ainda o contexto de guerra interna no pas, inclusive o Estado reagiu em vrias oportunidades com genocdios nas prises. Os anos 90 eram ainda poca de guerra e havia zonas dominadas por elxs dentro das prises. Inclusive h reportagens da TV onde lhes veem com uniformes, marchando e cantando como um exrcito; e assim foi at o momento que caiu a cabea da organizao, j com essa do a guerra por perdida, e a voz de paz dada. Agora a priso seu meio de preparao para a liberdade, para sair e reincorporar sociedade, e pode ser que algumxs poltica, mas elxs afirmam que sem armas.

De quantxs presxs polticxs estamos falando, no momento que estourou a guerra?

Seriam 6.000 no momento de maior quantidade de presxs polticxs.

O coletivo de presxs polticxs segue tendo o mesmo peso poltico que tinha antes...

No acredito que o mesmo peso poltico de antes, mas definitivamente tem um peso poltico porque de alguma forma h coisas que se aplicam porque elxs esto l. O Estado sempre tem alguma maneira de reprimir; a verdade das coisas: o pas cresceu muito economicamente em termos macros, mas h muita desigualdade, as pessoas continuam morrendo de fome e no h um

partido verdadeiramente crtico ao sistema, no existe! De repente surge o MOVADEF14, e as mesmas pessoas que os rejeitam, sejam de esquerda moderada ou de direita, esto de alguma maneira dando um tiro no p, porque se no existe outro partido que seja de oposio real e/ou mais radical do que o que existe, que acolha e lute por este setor social menos favorecido, estes vo mudar mais para este lado, que agora j no est mais em guerra nem usando as armas para tomar o poder, mas agora eles alegam estar lutando pela reconciliao, para sair da priso e o MOVADEF por ser um partido poltico que, segundo eles, acolhe e luta por este setor social e pelxs presxs da guerra...

As pessoas presas polticas se consideram derrotadas militarmente, o assumem como uma derrota; e sim, agora algumas querem participar da poltica, sem armas, atravs do MOVADEF. Isto, sendo duas coisas diferentes, no nega que siga existindo o PCP, que considere que somente pode haver mudana com a revoluo, mas esse mesmo PCP registra tambm que no h condies polticas para faz-la. Esse PCP, como todo PC (Partido Comunista) no mundo, segue afirmando que a mudana vem com a revoluo, mas eles agora a consideram invivel: no h cabeas para dirigi-la, nem as condies, nem a fora militar, ficaram derrotados e isso para voltar a construir pode tomar dcadas. um processo histrico. Assim se entende o que afirmam em seus prprios pronunciamentos, que esto na internet,

H alguns momentos que se destacam dentro da vida nas prises, o massacre de 1986 por Alan Garca, o de 1992 por Fujimori. Pode nos explicar esses fatos?

O massacre de 1986 foi [comandado] por Alan Garca em El Frontn, Lurigancho e no Callao. El Fronton era uma priso em uma ilha (ilha militar). A priso ficou totalmente destruda. O que se entende que xs presxs se revoltaram e houve uma grande represso contra elxs: o que Alan Garca fez foi assassin-lxs. Se deu uma grande matana, de mais ou menos 300 presxs polticxs.

O de Cantogrande, que o Presdio de Segurana Mxima Miguel Castro Castro15 foi uma matana ordenada por Fujimori em 1992. Esta comeou a ser gerada e manipulada pela opinio pblica dizendo que as prises estavam totalmente tomadas pelxs presxs, que no se deixavam transferir, que j havia ordem de transfer-lxs...que j havia uma priso para as mulheres. Geraram nos jornais notcias que no eram totalmente corretas, como o fato que transfeririam as presas polticas para a priso de Chorrillos, quando tal priso no tinha a capacidade para abrig-las realmente. Foi uma onda de mentiras que comeou a ser trabalhada para justificar a represso. Axs presxs resistiram. So histrias fortes de como resistem vrios dias, inclusive xs presxs comuns se solidarizaram com elxs...mas quando veem que a situao j no d mais e decidem acabar a resistncia acontece o pior, j que ao sair andando, rendidxs com as mos para o alto, comeam a maltrat-lxs, usando francoatiradores para matar aquelxs que consideravam cabeas, se d um genocdio, morre muita gente, por volta de 50 presxs polticxs. Saem rendidxs e comeam a atirar nelxs, o genocdio da priso de Cantogrande realizado por Fujimori.

A presso nas prises pode ser relacionada com a presso nas ruas, exemplo, o massacre de 1986 e o ataque de Fujimori em 1992, com momentos muito tensos, por exemplo, militarizao de Lima ou do pas?

Claro, de fato se relaciona com a ao contra-subversiva do Estado durante a guerra interna. Sim, havia presso, eu no me lembro muito, porque tinha 10 anos quando a guerra acabou, em 1992. Me lembro de algumas coisas, mas acredito que jovens que chegam agora aos 40 anos so uma gerao que puderam viv-la mais; por exemplo, no interior, no campo, se denunciam abusos das Foras Armadas, que os militares podiam fazer uma batida se no fossem com sua cara, podia, det-lxs e ser investigadxs por terroristas (o que nesse tempo significava ser torturadx ou desaparecidx). Se geraram muitas denncias de pessoas que caam na priso e no tinham nada a

14 MOVADEF: Somos um grupo de dirigentes de organizaes populares, intelectuais e artistas do povo, assim como advogados defensores de presos polticos e perseguidos sociais que so guiados para servir ao povo de todo corao e com desinteresse absoluto, construmos o Movimento por Anistia e Direitos Fundamentais. APARECEMOS em nosso pas em um momento que a nvel internacional se vive a segunda crise econmica geral da globalizao, a mais grave do sistema capitalista, e cujas consequncias sofrem principalmente o povo. Janeiro de 2010.

15 Http://bitacora.jomra.es/2008/08/peru/penal-castrocastro-masacre/

ver, se vivia em estados de emergncia, em toques de recolher, havia mais militares nas cidades, havia uma presso e represso muito fortes.

O que a Lei do Negacionismo?

A Lei do Negacionismo um projeto de lei que foi apresentado neste ano, em junho ou julho. uma lei que procura conter o avano de pessoas que pedem a liberdade de presxs polticxs atravs do Movimento por Anistia e Direitos Humanos (MOVADEF), a quem querem conectar com aes armadas, quando o que elxs mais querem fazer poltica dentro da legalidade, e como o governo sabe que ningum est liderando as demandas justas de amplos setores, temem que as posies mais radicais avancem, e os chamam por isso de violentistas, que preciso diminuir o passo, ento, geram leis com nome prprio, como essa do Negacionismo, que condenaria pessoas que expressem publicamente que o que houve no Peru foi uma guerra, no terrorismo. Isto resulta algo arbitrrio, que te prendam s por pensar diferente. Atenta contra a liberdade de expresso, qualquer pessoa pode cair, jornalistas que se opem, as pessoas que se dedicam pesquisa, etc.

Como poderia haver uma pesquisa sria se no se pode questionar? Se as pessoas no tivessem voz...se pesquiso e incomodo o sistema poderiam me prender, alm do mais j existe uma lei: a de apologia ao terrorismo e a lei anti-terrorista. Ento, mais uma lei, que poderia ser que o Congresso aprovasse, porque se d em um conjuntura bem repressiva diante dos cada vez mais frequentes conflitos sociais (socioambientais em sua maioria), e o descontentamento generalizado das pessoas, os grmios de trabahadorxs, etc, ao que nos chega este famoso crescimento econmico que o Peru tem, e do qual tanto poltico se vangloriam.

foda, dessa maneira o Estado poderia reprimir cada vez mais a tudo o que incmodo. Por exemplo, neste ano, na luta do setor da educao, se juntaram vrios grmios ou partidos. Um dos dirigentes dessa luta era favorvel s ideias polticas do MOVADEF...ao passo que se criminalizou essa luta. Essas leis vo nesse sentido, ningum pode contrariar o sistema, neste caso a histria oficial, e nem seque h uma histria oficial! A da CVR seria? No, porque nem est aceita como oficial, no mesmo governo h pessoas que criticam a CVR.

Desculpe, o que significa CVR?

A CVR a Comisso da Verdade e da Reconciliao, que o Estado disps durante o governo de A . Toledo para que escreva a histria da guerra e d passos para uma reconciliao nacional. Mas sua informao s expressou a verso e o critrio de um setor da sociedade peruana.

Sobre voc: dificuldades em geral com a questo carcerria, dificuldades com o acesso s visitas, maus-tratos, presso emocional...etc?

Sim, difcil defender presxs, so um setor da sociedade que est bem marginalizado, voc pode escutar todo tipo de comentrios: Porque no ajuda crianas pobres?, Estxs presxs que se fodam...para que cometem crimes?.

O fato que se voc vai muito a uma priso, ou se por acaso amiga de umx presx polticx, podem te acusar de querer ser terrorista. algo assim, h muito dessa ideia, de que as prises devem ser lugares onde se sofre, onde se passe mal, quando se supe que na Constituio no seja assim, que sejam lugares construtivos, de ressocializao, etc.

Dificuldades no acesso priso?

Sim, e muito variadas, definitivamente h maus-tratos, a mim se passaram quantas vezes, e eu vejo mais maus-tratos a pessoas que tem traos mais marcados, mais de pessoas do interior. Podem ter dificuldades para entrar, e as pessoas por si s no sabem o que podem e o que no podem fazer, e a vejo muitos maus-tratos a familiares. Por si j difcil, para a famlia um gasto ir priso, e com tantas dificuldades, e se os funcionrios do INPE encontram algo que no querem que voc tenha, te falam para ir na rua jogar fora, e se perguntam como fazer, onde, quando, etc. h abuso de autoridade, e a estigmatizao que te disse...mas a familiar est impotente porque sabe que apesar do abuso tem que se calar, porque poderiam deix-la sem poder visitar sua familiar ou

que fizessem represlias sua familiar internx.

Nota da entrevistadora: A entrevistada mantm semi-secreto o tema de seu apoio a presxs polticxs, o que nos d um indcio do estigma social e poltico que h com presxs de guerra no Peru.

Situao poltica atual. Poltica de gnero do INPE

Elaborao: AnnimxData: Outubro de 2012

Anexamos este texto porque amplamente informativo. Alm disso, tratar de expor algumas questes que no se tem esclarecido nem debatido a respeito de transferncias, regimes e denncias recentes nas prises de mulheres em Lima.

I. Transferncias em massa de setembro e outubro

O primeiro movimento se realizou com a transferncia de presas pelo delito de terrorismo, as consideradas do Partido Comunista do Peru Sendero Luminoso (PCP-SL) do presdio Anexo de Mulheres de Chorrillos ao presdio Virgem de Ftima, tambm em Chorrillos, durante a noite de 13 e toda a madrugada de 14 de setembro. Para efetuar essa transferncia se uniram o vice-presidente do Instituto Nacional Penitencirio (INPE), Jlio Csar Magn, junto com o presidente da Regio Lima Henry Cotos, que em bons termos concordaram com as delegadas a transferncia priso Virgem de Ftima.

O dr. Jlio Csar Magn chegou com vontade de dilogo, dizendo que o que estava acontecendo era parte de um plano de reduo da superlotao das prises, mas aceitando que havia uma deciso poltica que acelerava a realizao de tal plano.16 Enquanto o vice-presidente do INPE informava isso s internas, o presidente do INPE dizia imprensa que a transferncia tinha sido feita por medidas de segurana, algo contraditrio se tivermos em conta que o presdio Virgem de Ftima considerado pela mesma instituio como de mnima segurana, para as rs primrias especialmente, jovens de 18-35 anos, de delitos no muito graves e que portanto no tem penas de priso muito altas.

A deciso poltica corresponderia ao fato de ver uma forma de sancionar uma falta cometida pela interna Elena Ypaguirre, nmero 2 do PCP-SL, presa pelo delito de Terrorismo contra o Estado, ao haver respondido por escrito um questionrio por um correspondente do jornal ingls The Economist. Mas a falta no seria tanta, j que no existe nada na lei que diga que as internas no podem comunicar-se por escrito com pessoas de fora, atravs de seus visitantes; o que supostamente disse o regulamento da priso, que no quiseram mostrar internas nem de livre

16 Plano que era anunciado desde maro.

acesso, que deve haver uma autorizao do presdio para entrevistas, mas neste caso no houve uma entrevista, no sentido que o correspondente e a interna no se sentaram para conversar escrevendo, nem muito menos com o uso de gravadores e/ou cmeras (proibidas por lei) mas simplesmente comunicao escrita: lhe fizeram chegar umas perguntas escritas mo da interna; que ela respondeu da mesma maneira, sem maior dilogo. Cabe ressaltas que o regime de vida em que se encontrava a interna Elena Ypaguirre no estipulava por lei a proibio de comunicar-se por escrito com alguma pessoa fora da priso; apesar disso, no presdio Virgem de Ftima foi aberto um processo administrativo contra a interna, que terminou assim: falta leve e admoestao, ou seja uma chamada de ateno, e nada mais.

Pelo mesmo tipo de delito que se enquadra as que se consideram presas polticas17, era contraditrio que pudessem permanecer no presdio Virgem de Ftima j que, reitero, sua populao deveria ter outras caractersticas. Do que se pode concluir que lev-las a essa priso foi uma deciso apressada, gerando desacordos, dentro da mesma instituio do INPE e provavelmente com a polcia, pelo que tiveram que regress-las priso de Segurana Mxima: Anexo de Mulheres de Chorrillos.

Alm de ser uma deciso apressada, foi feita de maneira ilegal, j que o Artigo 63 do Cdigo de Execuo Penal (CEP) diz: A transferncia de internos dever ser aprovada mediante uma resoluo emitida pela autoridade penitenciria competente; devem assinalar-se os fundamentos da transferncia, o nome de cada interno e o estabelecimento penitencirio de destino. Toda transferncia de internos se efetuar com o informe favorvel do Conselho Tcnico Penitencirio do Estabelecimento Penitencirio; e, nem s autoridades da priso Virgem de Ftima nem s internas se mostrou essa resoluo, a qual no existia, e aproximadamente um ms depois apareceu e foi mostrada, curiosamente com data passada, como se houvesse existido antes das transferncias realizadas, o que afinal no s envolveu este grupo de internas seno o movimento que se estendeu, em transferncias simultneas a todas as presas e em todas as prises de mulheres da capital.

Por outro lado, muitos problemas surgem com estas transferncias pela maneira que foram realizadas, gerando mltiplas denncias das internas por maus tratos, violentando a Lei e as normas que o CEP estabelece. Em nenhuma destas transferncias (as que ocorreram entre 3 e 6 de outubro, e a anterior de 13 de setembro) foram mostradas s internas a resoluo correspondente; o INPE em todos os casos atuou de surpresa, de noite e madrugada, de forma violenta, enganando as internas e/ou sem informar em nenhum momento a elas onde estavam sendo levadas, o que outra violao s normas do CEP, j que segundo o artigo 160.1 do mesmo, se deve: Informar ao interno sobre o estabelecimento penitencirio de destino, assim como os motivos da transferncia. Por razes de segurana, esta informao poder ser proporcionada em instantes prvios transferncia mas em muitos casos no foram informadas e para algumas foi surpresa o lugar onde apareceram, j que as haviam enganado18,

Outra violao ao CEP foi o fato de que para muitas internas no deram tempo de arrumar suas coisas para lev-las ao novo lugar de destino, muitas delas denunciaram ter perdido seus pertences, materiais de trabalho, algo que no deve acontecer, j que segundo o CEP artigos 160.3 Permitir ao interno levar seus pertences pessoais indispensveis ou garantir que os mesmos cheguem ao seu lugar de destino em um prazo no maior que cinco dias; se deve entregar o restante a seus familiares ou pessoa designada pelo interno e 160.4 Garantir o respeito da dignidade, integridade, e da segurana do interno, este ltimo ponto do que mais se queixam as internas, j que muitas delas, ao exigir seus direitos, alegam ter sido violentadas, maltratadas, sem ter em considerao que algumas eram pessoas mais velhas, mulheres com filhxs, ou algumas com srios problemas de sade.

Alm disso, esto sendo transferidas internas que vem sendo processadas, o que uma violao grave, j que no ltimo pargrafo do Artigo 159 do CEP diz expressamente: Se encontra 17 Consideram a si mesmas presas polticas fazendo referncia ao motivo poltico do delito que lhes enquadra, a um

contexto de guerra ou conflito armado interno no Peu.18 Segundo denncias, majoritariamente de internas estrangeiras, que recolheu e exps em um comunicado a ONG

Centro de Investigacin Drogas y Derechos Humanos, que pode ser visto em sua pgina: www.ciddh.com.

proibida a transferncia de internos processados (a menos que o interno mesmo o pea por necessidade), isso porque se cria um atraso e quebra nas audincias, constituindo motivo de demora em seus processos/julgamentos.

II. Funo do INPE e crise de abrigo

O Instituto Nacional Penitencirio (INPE) o rgo pblico descentralizado do Ministrio da Justia e Direitos Humanos, reitor do sistema penitencirio nacional, que tem como objetivo a reeducao, reabilitao e reincorporao do condenado sociedade; objetivo que responde ao princpio constitucional do artigo 139 inciso 22 da Constituio Poltica do Peru, conhecido no artigo II do Ttulo Preliminar do Cdigo de Execuo Penal.19Se esta sua funo, como entenderamos o que vem acontecendo na priso de mulheres? Vejamos primeiro sua situao como instituio; o INPE nos ltimos tempos, sobretudo no ltimo ano, onde a populao prisional aumentou exponencialmente, enfrenta uma crise de abrigo na maioria de seus Estabelecimentos Penitencirios (EP), isto porque segundo suas prprias estatsticas, a populao intramuros aumentou em um ano em 9.433 internxs, que dizer, de junho de 2011 a junho de 2012 cresceu 19,4%20. Aproximadamente 900 internxs a mais por ms no ltimo ano! Nas palavras do INPE: Se este aumento fosse sustentado no tempo, teria um grave problema para abrig-los, pois teoricamente deveria se construir trs estabelecimentos penitencirios por ano com uma capacidade mnima para 3.000 internos cada um, similares ao E.P. Lurigancho.21

A capacidade de abrigo se refere capacidade mxima que o Sistema Penitencirio tem para receber aos internos, se diz que h superpopulao quando se excede a capacidade mxima. Quando a porcentagem de superpopulao supera 20%, se chama superpopulao crtica, o que o Comit Europeu para os Problemas Criminais entende como Superlotao.22 Portanto, se compreensvel a preocupao pela reduo da superlotao, que poderia ser realizada devido a finalizao da construo do presdio Ancn II; e se as ltimas transferncias, de aproximadamente 750 internas, tivessem essa nica lgica, estaria muito bem.

Mas, como possvel que em nome da reduo da superlotao se faam declaraes por parte do chefe do INPE, Dr. Jos Luis Prez Guadalupe, tais como: todos os peruanos devemos fechar a guarda contra o Sendero Luminoso...a chamada camarada Myriam estava vivendo junto com sua corte, agora est separada, como deve ser... No se supe que, tambm em suas palavras: As transferncias respondem a um reordenamento...que por fim poderiam diminuir a superlotao, e aplicar uma poltica e gnero, onde agora cada mulher interna durma em sua cama com um colcho...?

Bem, com estas contraditrias declaraes, se revela a situao do INPE, uma instituio que durante sculos vem sendo usada como instrumento poltico do governo da vez, muitas vezes excedendo suas funes; somado a que, se temos em conta que entre mulheres e homens, xs presxs por delito de terrorismo no chegam a 1% do total de presxs no pas, por que a poltica penitenciria atual parece se centrar neste pequeno grupo de presxs? So por acaso o problema principal da situao carcerria? evidente que no, mas parece ter sido a lgica que se usou para realizar, nos presdios de mulheres, tudo o que veio depois destas transferncias, que com a finalidade de isolar uma interna em especial23, terminou-se em abusos e prejuzos a toda populao carcerria feminina e a implantao de um Regime Fechado Especial no presdio Anexo de mulheres de Chorrillos, que j teve dramticas consequncias.

III. Regime Fechado Especial (RFE)24

19 Instituto Nacional Penitencirio, Informe Estatstico Junho 2012. Pg. 3.20 Instituto Nacional Penitencirio, Informe Estatstico Junho 2012. Pg 4.21 Instituto Nacional Penitencirio, Informe Estatstico Junho 2012. Pg 4-5. 22 Instituto Nacional Penitencirio, Informe Estatstico Junho 2012. Pg 10.23 A Camarada Myriam, nas palavras do chefe do INPE, interna a qual segundo suas prprias progresses nem lhe

corresponderia estar isolada, o que vem a ser uma medida ilegal contra ela.24 N.T.: No original a sigla RCE, correspondente a Regimen Cerrado Especial, em espanhol.

por isso que, dos problemas apontado, a situao mais grave de violao de direitos humanos se deu e segue acontecendo no presdio de segurana mxima Anexo de mulheres de Chorrillos, com o tal RFE colocado em prtica, um tipo de recluso regulamentada no Regulamento do Cdigo de Execuo Penal, seu artigo 62 define: se caracteriza pela nfase nas medidas de segurana e disciplina25, o que vai contra o mesmo propsito do INPE, j que avalia a segurana (mediante o confinamento) por cima do tratamento, que o primordial para ressocializar, portanto vai contra o seu artigo 97: O tratamento penitencirio o conjunto de atividades encaminhadas para conseguir a modificao do comportamento do interno, com a finalidade de ressocializ-lo e evitar a ocorrncia de novos delitos, e tambm de seu artigo 56, que diz: O regime penitencirio interno o conjunto de normas ou medidas que tem por finalidade a convivncia ordenada e pacfica em um estabelecimento penitencirio.

Este presdio, j tendo sido considerado por congressistas como um presdio modelo de convivncia, de trabalho, de estudo, ao colocar em prtica esse regime deixou de ser pacfico, transtornando a vida das internas, gerando inumerveis protestos por parte destas, j que no s as do RFE se opem, mas vendo a arbitrariedade e abuso na execuo, TODAS as internas se opem a que exista um pavilho com um regime que elas mesmas chamam de tortura, gerando ansiedade e medo; e, que a somente nas 2 primeiras semanas de sua aplicao, gerou como fatos mais crticos de protesto que 3 internas subiram na caixa d'gua, e posteriormente uma jovem de apenas 22 anos (que ao que parece nem lhe cabia estar nesse regime) se suicidou, sendo os funcionrios do INPE - a diretora desse presdio de maneira direta por estar por dentro do que acontecia a esta jovem, e o chefe do INPE, por impor condies desumanas26 sem prestar ateno lei - responsveis pela morte desta jovem, j que ela tentou suicidar-se na semana anterior e longe da autoridade prisional se sensibilizar, apesar de que houve um parecer mdico de sua situao de profunda depresso por causa do regime que lhe foi imposto, simplesmente a devolveram a seu confinamento, o que lamentavelmente acabou com sua vida.

importante colocar aqui que no ano de 2008 j houve a tentativa de aplicar esse regime, mas a medida teve que ser deixada de lado j que gerou mais de duas tentativas de suicdio e um presdio em convulso.

Por outro lado, a execuo esse regime, alm de realizar-se de forma violenta, se produziu de maneira ilegal, j que haviam sido violados vrios artigos do CEP; como o Artigo 60 que diz: O Conselho Nacional Penitencirio poder habilitar pavilhes de Estabelecimentos Penitencirios de Regime Fechado Especial onde possam aplicar-se as etapas do Regime Fechado Comum..., quer dizer, poder dispor de um pavilho em um presdio para este tipo de regime, teria que vir acompanhado de uma resoluo, que indicasse que o Conselho Nacional Penitencirio fez uma sesso e disps mediante uma resoluo ?, se disponha no Estabelecimento Penitencirio ? (neste caso seria Anexo de Mulheres de Chorrillos), no Pavilho ?, neste caso seria o C, seja para o RFE; isto parece que no existe, j que nem a Defensoria do Povo, nem a Cruz Vermelha, nem a Opinio Pblica e muito menos as internas o viram. Tambm foi violado o Artigo 59 do CEP, que diz: Os internos que tenham a condio de processados estaro sujeitos s regras do Regime Fechado Comum. Excepcionalmente, o rgo Tcnico de Tratamento, aviso prvio devidamente fundamentado, poder situ-lo em algumas das etapas do Regime Fechado Especial, vrias das internas que agora esto no RFE so internas que no foram condenadas, mas esto sendo processadas. Como seria possvel que internas que poderiam ser consideradas inocentes estejam sendo submetidas a um regime to violento? E se fosse por razes excepcionais, NO foram fundamentados o motivo, como indica a norma. Nesse mesmo teor a violao dos artigos: 65 C: so causas de regresso no tratamento: a acumulao de

25 O que equivale a maior confinamento (mais horas na cela, menos horas de ptio ou qualquer rea externa a sua cela e/ou pavilho), assim como reduo do tempo e quantidade de visitas; consta ainda 3 etapas: A, B e C, e vai progredindo de uma a outra para ir aumentando o tempo fora da cela e a possibilidade de ter mais visitas, por maior tempo. A progresso vai de acordo como a pessoa interna se adapta ao tratamento, e os profissionais do INPE a avaliam assim.

26 N.T.: A tradutora entende que encarceramento e seus requintes de crueldade no so desumanos, mas uma tecnologia bem humana para enjaular pessoas que se rebelaram contra o sistema dominante, ou ento que entraram na criminalidade em decorrncia das desigualdades e violaes do Estado e capitalismo.

avaliaes desfavorveis, a ocorrncia reiterada de faltas graves ou leves... e 60: A regresso de um interno sujeito ao Regime Fechado Comum a uma das etapas do Regime Fechado Especial, se realizar com aviso prvio do rgo Tcnico de Tratamento devidamente fundamentado, as internas alegam no ter recebido nenhum aviso que fundamente sua regresso, outras indicam no ter acumulado duas avaliaes desfavorveis (como especifica a norma para que as regressem) mas arbitrariamente a s uma avaliao desfavorvel as colocaram no RFE, e por ltimo algumas denunciam que seus papeis de progresso foram fraudados para poder dizer (porque no havia disposio escrita) que regrediram, e assim coloc-las nesse regime.

Uma preciso mais. Se algum visita hoje esse presdio, pode ver que para aplicar o RFE, um pavilho para 96 pessoas comporta apenas 43 internas (as do RFE); concentram as presas por delito de terrorismo em um pavilho menor, e confinam 134 pessoas (116 internas mais 18 crianas) no pavilho B, com capacidade real para 96 internas; assim, este ltimo est evidentemente sacrificando-se e absorvendo a carga do presdio, s em nome de um intil e desumano RFE. A nova poltica de gnero do INPE?

IV. REFLEXES FINAIS

De tudo exposto neste escrito, se pode afirmar brevemente que alarmante a situao dos presdios em nosso pas (Peru), os quais parecem considerar-se como simples depsitos de pessoas que a sociedade no quer e marginaliza; que o Instituto destinado a zelas por elxs e sua ressocializao praticamente xs confunde com objetos, violando as prprias leis que o mesmo Estado peruano criou, gerando maus tratos e fazendo de sua estadia na priso um pesadelo, com a aplicao atravs de meios violentos, a mulheres sem capacidade de se defender de regimes vexatrios, sem uma vida digna, porque a pessoa presa s perde a liberdade, todos seus outros direitos permanecem. Esquecendo-se assim o INPE de sua verdadeira funo: ressocializar! Com isso vem minha mente o que uma vez escutei o atual presidente do INPE dizer e que me chamou a ateno, porque nesses momentos eu mesma no entendia dessa maneira; era algo assim: o castigo dx presx estar presx, o INPE no est encarregado de dar castigo algum, porque esse o juiz deu tirando-lhe a liberdade, e que o INPE, atravs do presdio, procurava o meio para que se ganhe a liberdade fazendo o uso responsvel dela, e no para continuar castigando. Acredito que o mesmo Jos Luiz Prez Guadalupe confundiu seu trabalho e se esqueceu de suas palavras.

Por ltimo, acredito que vale a pena deixar algumas perguntas reflexo: realmente necessria a aplicao do RFE? Poderamos dizer que levou a algo positivo? O que se observa todo o contrrio, agora reina o abuso de autoridade no EP Anexo de Mulheres de Chorrillos, as internas so perseguidas constantemente, o que j teve consequncias sinistras como a morte de uma jovem que estava pronta para sair da priso, que reclamou at o fim de que faziam sua vida impossvel e no poderia viver assim, que tentou suicidar-se dias antes e no deram importncia, acabando com sua vida e deixando uma menina sem me na Espanha, seu pas de origem. Ento, valeu a pena? Essa a forma de ressocializar as pessoas que cometem crimes? No temos esquecido que um problema social, produto da crescente desigualdade que impera em nosso pas? So perguntas que devemos fazer todxs, mais ainda quando vivemos em um pas onde parece que as leis s funcionam para alguns, e ningum est isentx de nada.

Este zine uma traduo de um escrito feito por mulheres

anarquistas do Peru e da Bolvia entre 2012 e 2013.

Suas pginas trazem muitos elementos sobre a histria

recente do Peru que no nos chega facilmente, assim como a

situao de mulheres que resistem e lutam atrs das grades.

A leitura e reflexes propostas aqui so importantes para

tornar essas mulheres presentes e quebrar cada vez mais as

fronteiras que nos separam de realidades prximas, como as

vividas nos outros pases da Amrica Latina.

PELO FIM DAS PRISES E DA SOCIEDADE QUE DELAS NECESSITA!