transcrição, classificação e ficha técnica · 113 corre corre cabacinha 116 core corre...
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Transcrição, classificação e ficha técnicade alguns web-vídeos recolhidos pelo projecto
Pagina Nome da história4 Animais do Guadiana
11 O Mama na Burra
24 Perdizes para o almoço
29 O Jogador
37 Soldados e Estudantes
44 O lobo guloso e a raposa mentirosa
52 O burro despertador
55 A mãe ou a burra?
56 Jantar de família
57 Questões de namoro
60 Três mocinhas
65 A perigrinita
74 A prova de amor
79 Enganar a morte
81 A raposa e o lobo
86 A taberna
89 A mulher mais a terra
91 As três adivinhas
97 Ás avessas
99 Bicharada
102 O cão, a vaca e o burro
104 Ida ao Balancé
106 A carta da algarvia
109 Casei com uma velha
111 A boa sopeira
113 Corre corre cabacinha
116 Core corre cabacinha (2)
119 Eu nunca soube mentir
121 É falta de educação
123 O genro bêbado
126 Jantar de feijão
128 O julgamento da açorda
132 O lobo esfomeado
136 O lobo e a raposa na rouparia
139 Pedido de casamento
145 Maria da Silva
149 Na noite de S. João
151 O cabeçudo
153 Um oficio para o filho
152 Os dois irmãos
156 Os dois velhos e a morte
159 O príncipe Lagarto (2)
165 O príncipe Lagarto (3)
173 Pedro e o Conde
176 Pedro das Malasartes
187 Perdizes
189 Pe'xinho, p'ixinha
191 Rosicler
193 Versos da avó
Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]
[Animais do Guadiana]«Esse era assim:
Era um homem que tinha um gato. Um casal tinha um gato, em casa, e tinha uma
prateleira, uma telheira(1) como havia (assim alta) …E fritaram umas presas(2) pra comer e
não as acabaram. E guardaram as presas. Pu[seram]-nas lá em cima (…) lá da prateleira (…)
(era uma coisa que fazia assim com tábuas) (…).
E o gato pulou pra cima da mesa e da mesa pulou pra cima da prateleira e comeu as
presas fritas. Presas de cachola frita(3) – cachola frita. E apois começou a pensar e disse [para
consigo]:
[Gato:] _ Ele [o dono] levanta-se de manhã e mata-me! Já se sabe que fui eu que comi as
presas! – E foi-se embora.
E logo à saída do povo ‘tava um burro. Havia um homem que tinha um quintal grande
(com uma quintazinha) e a parede ‘tava já ruim – fazia um portelo(4) –, e o burro pulava bem ali
p’lo portelo. E diz o burro prò gato (foi no tempo que os animais falavam):
[Burro:] _ Atão, pra onde vais?
Disse [o gato:] _ Olha, vou-me embora. Vou prà ribeira! – (Uma ribeira que havia lá longe).
Comi umas presas fritas que do meu dono sobraram e de manhã, em se levantando, enforca-
-me!
Diz ele [o burro:] _ Ahhh! Olha, eu vou contigo.
[Gato:] _ Atão?
[Burro:] _ Eu esta noite soltei-me (ele ‘tava lá na cabana, na manjedoura, mas soltou-se),
soltei--me e comi umas couves que ele tinha além. De manhã, se levantando, tira o cabo da
enxada e dá-me cabo do lombo!
[Gato:] _Vamos embora.
Logo mais à saída, no frajado, andava um carneiro também à solta [que lhes pergunta:]
[Carneiro:] _ Atão pra onde vão?
[Respondem eles:] _Olha, vamos prà ribeira.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]Diz ele: _ Ai, eu também vou. Estamos perto do Entrudo e eu tenho ouvido falar, p’lo que eu
tenho ouvido, é capaz de me matarem agora prò Entrudo!
[Gato e burro:] _ Vamos embora.
Iam os três, lá mais abaixo [encontraram] um peru. Havia um monte(5) e andava um
peru lá mais afastado [que lhes diz:]
[Peru:] _ Atão? Pra onde é que vão?
[Gato, burro e carneiro:] _ Vamos a passar o Entrudo prà ribeira.
[Peru:] _ Óh! E eu vou com vocês! Porque eles gostam muito de arroz com peru!!! Óh!!! E
agora p’lo Entrudo na’ me escapo! – Lá abalou o peru também.
Lá noutro montinho que havia lá mais perto [estava] um galo.
[Galo:] _ Atão, pra onde vão?
[Gato, burro, carneiro e peru:] _ Vamos prà ribeira. (E iam contando sempre, pra não levar mais
tempo, contando sempre o que tinham feito).
E ele: _ E eu vou também! Que eu já ouvi dizer… Às vezes canto, ‘tou cantando de manhã, e
ouço dizer: _ Ahh! Já só cantas até ao Entrudo! Vou-me embora!
O último [que se juntou] foi um pato. Lá já há saída [estava] um pato.
Lá foram, pronto, lá foram também… (Mas) foram todos juntos, abalaram a caminho da
ribeira [e] lá levaram o pato.
[Já na ribeira, o pato] foi pra dentro de água logo de manhã; e o galo e o peru
[puseram-se] esgravatando ali na areia; olhe e o burro comendo ali (naquela) seara (de uma…)
e o carneiro…
Mas lá já ali à tarde, além já quase o sol-posto, diz o burro:
[Burro:] _ Ai, camaradas! Estou cá muito escoçoado(6)…
[Outros animais] _ Atão?
[Burro:] _ Atão… Faz-se de noite e vêm os lobos: o compadre pato vai além prò meio da água
e safa-se (além no meio); e o compadre galo e o compadre peru voam aí pra cima de uma
azinheira e os lobos não os comem; agora (...) eu e o compadre carneiro ‘tamos perdidos! Vêm
os lobos e comem na gente!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]Diz o gato aqui assim (o gato também subia pra cima de uma árvore) [e] diz o gato:
[Gato:] _ Vá lá que eu vou além acima daquele choupo(7) – (uns choupos que haviam muito
grandes lá nas margens da ribeira) –, subo lá acima dos choupos a ver se eu descubro prài
alguma coisa.
E o gato subiu lá acima [dos choupos]. Descobriu uma casinha. Lá longe viu uma
casinha [e disse para os outros:]
[Gato:] _Olha! Em tal parte avistei lá uma casinha. Está lá uma casinha [e] nós vamos pra lá!
Fechamos a porta e lá não vem ninguém com certeza.
Bom, abalaram. Chegaram lá, abriram a porta [e] entraram.
Ali a um canto havia um foganito(8) de canto [onde] faziam lume. Ainda havia ali cinza
no lume [e] diz o gato:
[Gato:] _ Eu fico aqui na cinza. E o compadre burro fica além de um lado da porta e o carneiro
fica do outro lado – pra se vier alguém o burro dá-lhe parelha de coices e o carneiro dá-lhe
uma cabeçada. E o compadre pato, o pato vai além para a manjedoura(9) – manda-se lá de
dentro da manjedoura e o galo vai além para uma estaca; e o peru fica também aí em cima d[a]
pá da manjedoura. – Bom, ficaram ali todos postos assim.
Lá por essa noite adiante começam a ouvir cantar. Um canto…
Diz um [deles:] _ Eh! Soa aí canto! ‘Tamos perdidos! Ai mãe… Matam aqui a gente todos!
E o burro dizia: _ A vocês matam e comem-nos. O compadre gato, esse pode fugir. Agora eu!
… Passam eles a cavalo em mim aí ribeira abaixo, ribeira acima! E o carneiro comem-no e o
peru a mesma coisa!
(Mas que era) a casa era de um grupo de gatunos. E eram eles que vinham (de)/[a]
recolher. Vem que chegam cá à rua [e diz um deles:]
[Gatuno1:] _ Eh! A porta está mexida! A gente temos alguém aí dentro de casa. A porta está
mexida! E agora, como é que [se] entra?!
[Gatuno 2:] _ Eu não entro!
[Gatuno 3:] _ Eu também não entro! – Começaram todos a dizer que nenhum queria entrar.
Tinham medo.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]Até que um diz: _ Eh! Vamos a tirar palhinhas! O que tirar a palhinha maior é o que tem que
entrar!
Tiveram fazendo as palhinhas [e] tiraram [à sorte]. O que tirou a palhinha maior vai a
entrar [na casa e], assim que vai a entrar, o burro prega-lhe uma parelha de coices. [O gatuno]
vai direito ao carneiro, o carneiro manda-lhe uma cabeçada. Vai [de novo] direito ao burro: o
burro sacou de outra parelha de coices – e ele sem ser capaz de se endireitar. [Nisto] começa,
começa o peru:
[Peru:] _ Esburga-lhe(10)! Esburga-lhe, esburga-lhe!
E começa o galo: _ Por quem é! Quem me desse! Por quem é! Quem me desse! –
escarapantados.
E o pato fazia assim: _ Pás! Pás! Pás! Pás! Pás!
E o peru [continuava:] _ Esburga-lhe! Esburga-lhe.
E o burro aos coices com ele – dava-lhe a parelha de coices e ia direito ao carneiro: uma
cabeçada.
E ele (já na’ ‘tava já bom da cabeça) sem se desenvencilhar, sem se poder
desenvencilhar… Saiu para a rua. Chega lá ao pé dos outros, diz[-lhes:] _Olha…
(Então e o gato? – Mas ele, quando ele entrou, foi (a) esgravatar na cinza. O gato ‘tava lá, fez-
-lhe: _ ppfffuuu – fez assim [lançou-lhe as garras], arranhou-o todo).
[Gatuno:] _ Olha! Aquilo é pescaria concerteza, que veio prà ribeira.
Fui a esgravatar lá na cinza, a ver se havia alguma brasa pra acender lume, tava lá um – com
certeza era sapateiro! Com a escovela lascou-me a cara toda!
_ E detrás da porta ‘tava um – deviam ser o ferreiro e o malhador(11) – porque o que eles me
fizeram com o malho(12)! Deram-me com um malho em cima! Iam-me matando!
_E estava lá um, que ainda achava que eu que levava poucas, não fazia senão dizer:
“esburga--lhe, esburga-lhe!”
E estava lá um que só o que dizia era: _” Por quem é! Quem me desse!” Aquele se desse,
aquele se desse atão tinha-me matado!
_Só tava lá um que era bom, com certeza que aquele era bom, dizia: _ “paz, paz!” Agora os
outros… mas a minha sorte foi o outro na’ se…fazer. Se ele… se desse, matava!
E assim se safaram!»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]
Glossário:(1) Telheira: alpendre com cobertura de telha sem argamassa que assenta directamente sobre ripas ficando
descoberto pela parte interior.
(2) Presas: pequena porção de carne cozida ou assada, especialmente de porco, cortada aos bocados.
(3) Cachola frita: fígado de porco.
(4) Portelo: pequena abertura que se faz num muro ou numa porta.
(5) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação
por vezes atribuída à própria herdade.
(6) Escoçoado: no caso angustiado, desgostoso.
(7) Choupo: árvore de grande porte pertencente à família das salicáceas que têm por tipo o salgueiro.
(8) Foganito: fogão pequeno.
(9) Manjedoura: Tabuleiro em que se deita comida aos animais nas estrebarias.
(10) Esburgar: separar a carne dos ossos; descarnar; descascar.
(11) Malhador: indivíduo que malha ou debulha cereais com mangual.
(12) Malho: martelo muito grande ou mangual.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]
[Animais do Guadiana]
Classificação do Conto: Conto de animais.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 130 Os
Animais na Pousada.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Assunto: Um burro, um carneiro, um galo, um gato, um pato e um peru fogem à crueldade dos
seus donos e conseguem um refúgio levando a melhor a um grupo de ladrões.
Palavras-chave: animal, alentejo, azinheira, burro, cabeçada, carneiro, casa, choupo, coice,
enganar, entrudo, ferreiro, ficalho, galo, gato, gatuno, homem, lobo, malhador, pato, peru,
pescaria, ribeira, sapateiro, serpa
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:10:33.9 minutos
Caracteres (incl. espaços): 7860
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Animais do Guadiana]Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]
[O mama na burra]
«Que é…Era pequenino, nasceu e atão a mãe morreu. A mãe dele morreu e (atão o
bicho) a avó tinha lá uma burra. E o que é que… o que é que havia de ser – naquele tempo na’
leites, na’ havia nada – o que é que havia de fazer? Criou o neto ao leite da burra! Chegava à
burra e ele mamava na burra.
Bom, mamava na burra o gajo – o leite da burra era valente – e o gajo fez-se um
maltezão(1) que aquilo era um disparate! Na’ havia um homem mais valente q’aquilo. Ficou(-
lhe) o “Mama-na-Burra”: era o “Mama-na-Burra”.
O Mama-na-Burra fez-se valente. Era tão valente, tão valente até que um belo dia…
E pensou assim: _ É pá! Vou correr mundo. Sou um homem tão valente, vou correr mundo!
Abalou. Foi correr mundo. Foi correr mundo [vai] por aí afora… Chega lá a um certo
sítio andava um gajo com uma enxada (uma enxada p’aí do tamanho desta casa!). O gajo
deitava a enxada além a um cabeço, puxava-a – arrasava a cova – ficava tudo direito.
E o Mama-na-Burra ‘teve a olhar e diz: _ É pá! Aquele gajo também é mui’ valente! Atão uma
enxada daquele tamanho! Manda além ao cabeço(2), puxa, endireita logo aquilo tudo! Eiiia
páaa!
Chegou ao pé dele e diz-lhe assim: _ Ó Arrasa-Montanhas! Queres ir correr mundo mais eu?!
[Arrasa-Montanhas:] _ Vamos!
Abalaram os dois. O Arrasa-Montanhas c’a enxada às costas; o Mama-
-na-burra tinha um cajado de ferro (pesava vinte arrobas(3)!), o cajado de ferro às costas e
abalaram! Correr mundo! Por aí afora, correr mundo…
Chegaram lá adiante andava um gajo lá num pinhal. Chegava além ao pé dos
pinheiros, deitava-lhe[s] aqui a mão, arrancava-os, punha-os às costas – abalava com eles.
Tiveram a olhar pò gajo, dizem assim: _ É pá! Olha que aquele também é valente! É um
Arranca-Pinheiros! Chega ao pé dos pinheiros, arranca-os e abala com eles às costas!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]Chegaram lá ao pé dele: _ Ó Arranca-Pinheiros! Queres ir correr mundo mais a gente?!
[Arranca-Pinheiros:] _ Vamos! – Abalaram todos três. Correr mundo!
Chegaram lá a um certo sítio fez-se noite. E diz o Mama-na-Burra (o Mama-na-Burra é
que era o chefe), diz o Mama-na-Burra assim:
[Mama-na-Burra:] _ É páaa! Agora é de noite, onde é que a gente vai ficar? – E diz p’ó Arranca-
Pinheiros: _ Ó Arranca-Pinheiros! Vai lá cima desse pinheiro a ver se avistas alguma luz
nalguma banda, pa’ gente se dirigir pa’ passarmos a noite!
Bom, o Arranca-Pinheiros foi lá acima, ‘teve a olhar.
[Arranca-Pinheiros:] _Na’! Na’ vejo nada! – Então desceu(-se) pa’ baixo: _ Na’ vi nada!
Foi o Arrasa-Montanhas lá acima. ‘Teve a olhar também.
[Mama-na-Burra:] _ Nada?!
[Arrasa-Montanhas:] _ Nada! – Veio pa’ baixo diz: _ Ó pá, afigurou-se-me que vi uma luz lá
muita longe… Na’ sei se é luz, se não!
Bom, diz o Mama-na-Burra: _ Agora vou lá eu!
Foi o Mama-na-Burra lá acima do pinheiro, lá teve a olhar.
[Mama-na-Burra:] _ Olha! É uma luz, é!
Lá se meteram p’aquela coisa: foram lá ter a um monte(4). Chegaram lá ao monte:
‘tava um monte assim com uma casa grande, com um poço além ao canto da casa e tudo.
Diz o gajo assim: _ Óh! É aqui me’mo é que a gente habita! Atão temos além um poço, temos
aqui uma chaminé… Arranjamos lenha… E aqui temos uma casa pa’ gente habitar!
[Os outros:] _Bom, ‘tá bem.
Lá habitaram: lá passaram uma noite, lá tiveram.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]No outro dia diz o Mama-na-Burra assim: _ Olha! Hoje fica cá o Arranca-Pinheiros a tratar da
caldeirada e a gente vamos à caça. Arranjar caça pà gente comer! – (O Arrasa-Montanhas
mais o Mama-na-Burra).
Bom, lá abalaram. Ficou o Arranca-Pinheiros a tratar da caldeirada e tal, daquilo, aquilo
tal… Quando foi às tantas (da noite), ali à tardinha, começa o Arranca-Pinheiros a ouvir lá pra
dentro do poço: _Bbrrrrrgrrrrruuuuuummmmmm!!!
[Arranca-Pinheiros:] _ É pá! É pá! O que é que se passa além pò poço?!
Bom, daqui a nada – tuz! – o diabo! Um pulo além pra cima do gargalo do poço!
O Arranca-Pinheiros ‘teve a olhar pra ele e diz-lhe o diabo assim:
[Diabo:] _ Atão?! O que é que ‘tás aqui a fazer?!
[Arranca-Pinheiros:] _ Ah! ‘Tou aqui a tratar da caldeirada que é pòs meus companheiros logo
à noite.
[Diabo:] _ Ai é?!
Lá esteve. O diabo assim que lhe parece [a altura certa] prega um pulo pa’ trave da, da
casa. O Arranca-Pinheiros puxa do, do…do troço de um pinheiro – que era o cajado dele –
*aventa uma chaporrada*(5) lá ao diabo. O troço do pinheiro era muito comprido: bate no
telhado lá da casa, ficou lá encalhado! Não era capaz de tirar o…o cajado! O diabo prega-lhe
um pulo pra cima: deu-lhe uma sova. Ia-o matando! Bom, à noite agarrou naquilo tudo que ele
lá tinha de comer: [mandou] tudo pra dentro do poço!
Á noite, quando chegou o Mama-na-Burra mais o Arrasa-Montanhas… E diz o Mama-
-na-Burra assim:
[Mama-na-Burra:] _ É pá, isto ‘tá tudo às escuras! Se calhar ele fugiu! – Bom, chegou à porta
[chamou]: _ Ehhhhh! Ó Arranca-Pinheiros!
Diz o Arranca-Pinheiros lá de dentro assim: _ Aaiiiiii! É páaaa!
[Mama-na-Burra:] _Atão, que é isso?!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra][Arranca-Pinheiros:] _ É pá! Eu ‘tou quase morto! Apareceu aqui o filha da puta… Deu-me uma
sova, agarrou no comer todo e levou tudo pò poço!
Bom, eles traziam caça: vá de tratarem da caldeirada, vá de coisa…O Mama-na-Burra
tinha uma pomada, untou (o Arranca, o Arrasa) o Arranca-Pinheiros todo com aquela pomada –
que ele ficou todo cheio de feridas – untou-o com aquela pomada toda: aquilo sarou logo! Quer
dizer que lá passaram a noite, lá comeram, passaram a noite.
No outro dia diz (o Arranca-Pinheiros) o Mama-na-Burra assim: _ Hoje fica cá o
Arrasa--Montanhas. Vai o Arranca-Pinheiros mais eu à caça.
Bom, abalaram. Foram-se embora no outro dia com o Arrasa-Montanhas a tratar da
caldeirada. Lá tratou da caldeirada. Quando foi ali à tarde começa outra vez lá pò poço:
_Bbrrrrrgrrrrruuuuuummmmmm…
[Arrasa-Montanhas:] _ Óh! Lá vem o gajo outra vez!
Bom, o Arrasa-Montanhas pegou logo na enxada. Pegou na enxada, o gajo prega um
pulo pra cima do gargalo do poço e diz-lhe assim:
[Diabo:] _ Atão?! Hoje ‘tás cá tu?
[Arrasa-Montanhas:] _ Hoje ‘tou cá eu!
O diabo prega um salto pà trave de lá de, da casa. O Arrasa-Montanhas manda-lhe
uma enxadada. A enxada fica presa lá na, na trave – ele era puxar a enxada, aquilo na’ vinha!
– o diabo prega-lhe um pulo pra cima: deu-lhe uma sova, ia-o matando! Agarrou no comer todo:
tudo pò poço!
Bom… À noite vieram os outros: (o Arrasa-Montanhas) o Arranca-Pinheiros mais o
Mama-na-Burra.
Diz o Mama-na-Burra assim: _ Olha! Já levou a conta também! ‘Tá tudo às escuras!
Chegaram lá à porta: _ Eh, Arrasa-Montanhas!
[Arrasa-Montanhas:] _ Ehhhh pá!!! Isto ‘tá p’aqui mau!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]Lá abriram a porta. Entraram pra dentro, acenderam a luz: lá estava (outra vez) o
Arrasa-Montanhas todo ferido, todo… todo levado do diabo. O Mama-na-Burra vai c’ a pomada:
untou-o todo outra vez. Ficou logo cavalheiro!
No outro dia diz o Mama-na-Burra assim: _ Hoje fico cá eu!
Bom, abalou o Arrasa-Montanhas mais o Arranca-Pinheiros à caça; pa’ arranjar caça
pa’ comer.
Ficou o Mama-na-Burra. O Mama-na-Burra tinha um cajado de ferro (pesava vinte
arrobas) e atão, quando foi à tarde tinha tudo amanhadinho, prà, pà ceia… Começa a ouvir lá
pò poço: _Bbrrrrrgrrrrruuuuuummmmmm…
Disse: _ Óh! Lá vem o bicho outra vez!
Ãh! Assim que ele veio, prantou-se(5) lá ao canto da chaminé c’o cajado. Ele, o diabo,
prega um pulo pra cima do poço e diz assim:
[Diabo:] _Atão?! Hoje ‘tás cá tu?!
E ele nem nada! Nem lhe dizia nada! Com o cajado no chão – taruz! taruz! – Cada vez
que o cajado batia no chão até tremia a casa!
[Diabo:] _Eh pá!
O diabo (ele na’ lhe dava sorte), o diabo daqui a nada prega um pulo lá pra, prò
grifar(6), prega de lá um pulo pra grifar no Mama-na-Burra. O Mama-na-Burra dá aqui meia
volta ao cajado de ferro de vinte arrobas, caça-o po espinhaço – perrrre! – derrubou-o logo!
Derrubou-o logo, o diabo entorta outra vez direito ao poço. Ele, quando ele ia a entrar
ao poço pra baixo – bumba! – uma fueirada(7)! Metade do gargalo do poço foi logo atrás dele lá
para baixo!
Bom, à noite quando chegou o Arrasa-Montanhas e mais o Arranca-Pinheiros ‘tava
aquilo tudo aceso, tudo preparado.
Eles chegaram à porta: _Ehhh! Ehh, Mama-na-Burra!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra][Mama-na-Burra:] _Ei! Vem cá pra dentro homem! Hoje ‘tá tudo preparado, não ‘tá…
Tinha o gajo uma grande caldeirada de lebre e coelho, tudo prà ceia. Cearam todos.
No outro dia diz-lhe o Mama-na-Burra assim: _Bom, vocês agora vão lá à aldeia das Brotas:
compram cem metros de corda e um esquilão(9) e um cabanejo(10) – (desses cabanejos de
duas asas) – vai lá buscar isso, que a gente tem que ir descobrir o que é que ‘tá lá dentro do
poço!
Bom, lá vieram com aquilo. E o Arrasa-Montanhas mais o Arranca-Pinheiros,
coitadinhos, muito tristes…
[Arrasa-Montanhas:] _Eh, pá! Ele agora deve de acabar c’ a gente! Ele agora deve de acabar
c’a gente. Deve pregar c’a gente lá no fundo do poço e a gente nunca mais de lá sai!
Bom, eles lá vieram com o cabanejo, c’os cem metros de corda e o esquilão.
[Mama-na-Burra:] _Vá! Agora vai o Arranca-Pinheiros pra dentro do cabanejo. Leva o cajado
(que é o troço do pinheiro) dentro do cabanejo e quando te vires muito aflito tocas o esquilão,
que é prà gente te puxar pra cima.
Bom, lá foi. Deitavam corda, deita a corda pra baixo, o Arranca-Pinheiros, o Arranca-
-Pinheiros, coitado, assim que chegou a um certo sítio – aquilo era já um escuro, que na’ se via
nada – e tocou o esquilão: tlinca, tlinca, tlinca! Eles puxaram-no pra cima.
Diz-lhe o Mama-na-Burra: _Atão? O que é que viste(s)?
[Arranca-Pinheiros:] _ Ah! Na’ vi nada! Só escuro!
[Mama-na-Burra:] _Atão vá! Agora vai o Arrasa-Montanhas.
Lá o Arrasa-Montanhas pra dentro do cabanejo e a enxada (que era a ferramenta, era
a defesa dele) e vai pra baixo. Deitaram-no um bocadito mais pra baixo…ele (…) à corda,
assim que chegou lá a um certo sítio (o Mama na, o Arranca) o Arrasa Montanhas – talinca,
talinca, talinca! – vem pra cima.
Diz-lhe o Mama-na-Burra: _Atão? O que é que viste(s)?
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra][Arrasa-Montanhas:] _ Eh pá! Escuro e mosquitos! Mai’ nada! Na’ se vê nada! É só escuro e
mosquitos!
[Mama-na-Burra:] _Bom, atão agora vou eu!
Foi o Mama-na-Burra meter-se dentro do, do cabanejo e o cachaporro(11) de vinte
arrobas pra dentro do cabanejo. E eles era deita a corda pra baixo, deita a corda pra baixo,
deita a corda pra baixo… Até que chegou a um certo sítio assentou o cabanejo no chão.
Assentou o cabanejo no chão, ‘tava assim uma casa e tinha três portas. E atão o
Mama-na-Burra foi e encostou-se a uma porta. A porta abriu-se: ‘tava lá uma gaja encantada
presa lá, que era, era coisas que o diabo lá tinha! Era um encanto que o diabo lá tinha dentro
da casa. (Lá cada, cada casinha tinha uma!)
E atão ela assim que ele abriu-lhe a porta, diz-lhe ela assim:
[Encantada 1:] _Ai! Vai-te daqui embora! Vai-te daqui embora senão, se vem o meu divino
mestre… Se vem o meu divino mestre – ele mata-te! Dá cabo de ti!
[Mama-na-Burra:] _Não faz mal! Eu na’ tenho medo dele! Eu na’ tenho medo dele! Deixa-o!
Queres sair daqui pra fora tu?
[Encantada 1:] _Ah! Se tu me tirasses!
Olha, meteu-a dentro do cabanejo, tocou o esquilão. Os outros cá em cima puxaram…
Saiu de lá uma gaja toda fadista(12)!
Bom, e dizem-lhe eles: _Atão ainda lá ficou mais alguma?
[Mama-na-Burra:] _Ainda lá ‘tá mais outra. – (Elas ‘tavam lá três, mas não sabiam umas das
outras!) – Ainda lá ficou mais outra!
Vai o cabanejo pra baixo, pra baixo, pra baixo… Chegou lá (meteu) ele abriu outra
porta: lá estava outra encantada também. E diz pò:
[Encantada 2:] _Ai! Foge daqui que o meu divino mestre, se ele aí vem: ele mata-te!
[Mama-na-Burra:] _ Na’ mata que eu não tenho medo dele! Na’ tenho medo dele! Deixa-o! Tu
queres sair daqui pra fora?
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]
[Encantada 2:] _Ah! Se tu me tirasses!
Vá! Pra dentro do cabanejo, tocou o esquilão – vá pra cima.
Os outros: _Eh! Outra ainda mais bonita que aquela! – Bom – ainda lá ficou mais alguma?
[Encantada 2:] _Ainda lá está outra.
[Outros:] _Atão vá! O cabanejo pra baixo!
Vai pra baixo, vai pra baixo e atão vá ele abriu a última porta. E diz-lhe ela assim:
[Encantada 3:] _Ai! Tu some-te daqui! Olha que se o meu divino aí aparece! Na’ tens…Na’ tens
restauração, que ele dá cabo de ti!
[Mama-na-Burra:] _Eu na’ tenho medo dele! Na’ tenhas medo que ele na’ me… na’ entra
comigo! Bom, então e queres sair daqui pra fora?
[Encantada 3:] _ Quero! – E atão… Ela quando abalou e disse-lhe: _Olha, ‘tá aqui (‘tavam duas
espadas:’tava uma espada ferrugenta, que era de aço, e ‘tava uma muito clarinha que era de
vidro) e ela quando abalou disse-lhe: _Se ele vier e que tu tenhas que lutar com ele agarra-te a
esta espada ferrugenta que é de aço, não se parte! Olha que a clarinha é de vidro – parte-se
logo!
Bom, tirou-a pra fora e diz-lhe o Arrasa-Montanhas assim: _Atão?! Ainda lá ficou mais
alguma?
[Encantada 3:] _Não. Já lá não está mais nenhuma. Agora temos é de o tirar pra fora a ele (ao
Mama-na-Burra).
Os gajos [deitaram a] corda pra baixo, corda pra baixo, mas o Mama-na-Burra – muita
esperto – e chegou lá, no lugar de se meter a ele dentro do cabanejo, (‘tava lá uma pedra
grande que ele tinha derrubado do gargalo do poço lá pra baixo) meteu a pedra dentro do
cabanejo e tocou o esquilão! Tocou o esquilão e desviou-se ali pa’ um canto!
Os gajos, quando já vinham p’aí ao meio com aquilo, pensaram: _ a gente agora larga a corda
e ele cai lá em baixo e morre! E a gente safa-se com elas as três.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]
Bom, assim foi: o gajo meteu a pedra dentro do cabanejo e tocou o esquilão. Assim
que eles chegaram cá a um certo sítio –vrummm… truz! – lá em baixo! Mas era a pedra que ele
lá tinha metido! Quer dizer que meteu a pedra e atão ficou lá em baixo. E eles safaram-se c’as
três!
Ora pá! Quando foi daqui a nada começa ele a ver um novelo de pó! Assim no feitio de
um pujinho… Aquele novelo de pó!
Diz o Mama-na-Burra assim: _ Óh! Lá vem o bicho! – E atão agarrou-se logo à espada
ferrugenta. Agarrou-se à espada ferrugenta: chegou o diabo!
[Diabo:] _Eh pá! O que é que tu ‘tás aqui a fazer?!
[Mama-na-Burra:] _’Tou aqui… Temos que lutar aqui um com o outro!
Diz-lhe o diabo assim: _ Ó pá! Pega lá esta espada que é clarinha, corta bem e essa é
ferrugenta na’ corta nada!
[Mama-na-Burra:] _Não! Fica lá tu com essa clarinha que eu fico com esta!
Bom…Ah! Quando foi daqui a nada… Vai de espaldeirada(13) um com o outro –
pumba pr’aqui; tumba pr’ali; tumba pra um lado; tumba prò outro…
Ora o Mama-na-Burra apanha a espada do diabo – trelimtintintim!– partiu-se logo tudo!
O diabo ficou logo sem…ficou desarmado! O Mama-na-Burra aventa-lhe uma espaldeirada,
apanha-lhe uma orelha: levou-lhe logo a orelha rente! Levou-lhe a orelha rente pò chão. O
Mama-na-Burra apanhou a orelha, meteu-a no bolso.
O diabo começou a estar de roda dele: _É pá! Dá-me a ‘nha orelha! Dá-me a ‘nha orelha!
[Mama-na-Burra:] _Dou-te a tua orelha! Hás-de me tirar daqui pra fora!
[Diabo:] _’Tá bem! Eu tiro-te daqui pra fora! Mas é com uma condição! Indo eu muito cansado
tu dizes: _ Jesus, credo! – (O diabo não queria nada com Jesus!) – E eu indo muito cansado
dizes: _Jesus! Credo! – O Diabo pregava um estouro e aventava com ele fora e…ãh!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra] E atão vá po poço acima. O diabo com ele, com o Mama-na-Burra às costas (ele era
mui’ valente!), po poço acima… O diabo começou a ir cansaço.
Dizia-lhe: _ Vá! Vá Mama-na-Burra! Vá, diz aquilo que eu te disse!
E o Mama-na-Burra dizia-lhe: _ Arre diaaaboooo!
E o diabo: _Ai! Já na’ posso mais! Já na’ posso mais!
[Mama-na-Burra:] _Arre diaaaaboooo!
Até que chegou lá acima. Assim que chegou lá acima, tirou-o pra fora do poço. E diz-
-lhe o diabo assim:
[Diabo:] _ Eh pá! Dá-me a ‘inha orelha!
[Mama-na-Burra:] _Dou-te a tua orelha, mas hás-de me ir prantar ao pé de onde elas estão
mais eles!
Bom, o diabo diz-lhe assim: _ Tá bem! Pronto! ’Tá bem.
Ó pá! Ele amonta-se no diabo – o diabo prega um estouro – ficou logo ao pé deles!
Fico logo ao pé das três, das três gajas e dos… do Arranca-Pinheiros e do Arrasa-Montanhas.
E diz o diabo assim: _ Vá! Dá-me a ‘nha orelha!
O Mama-na-Burra meteu a mão ao bolso puxou da orelha. Deu-a ao diabo.
O diabo pregou um estouro. Desapareceu que nunca mais ninguém o viu!
E ele foi-se aos outros dois: matou os dois e ficou ele com as três!
Ainda a semana passada me escreveram uma carta que se eu quisesse lá ir ter um
jantar mais o Mama-na-Burra, pra lá ir ter o jantar mais ele! Eu é que lhe disse: _Não, não! Na’
quero! Que já estou muito velho pra andar com viagens!
Pronto, ‘tá o conto acabado!»
José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]
Glossário: (1) Maltezão: no caso um homem muito forte e que não pára em casa.
(2) Cabeço: o ponto arredondado e mais alto de um monte.
(3) Arrobas: antiga medida de peso, de 32 arráteis ou um quarto de quintal, arredondada actualmente para 15
quilogramas.
(4) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação
por vezes atribuída à própria herdade.
(5) Aventa uma chaporrada: atira uma pancada com o cajado.
(6) Prantou: pôs-se.
(7) Grifar: apanhar.
(8 Fueirada: pancada (dada normalmente com o fueiro – cada um dos paus que se erguem dos lados do carro de bois
e que servem para amparar a carga que vai dentro).
(9) Esquilão: chocalho.
(10) Cabanejo: cesto alto e largo feito de vimes, com duas asas, no caso.
(11) Cachaporro: cacete, moca, porrete.
(12) Fadista: bonita.
(13) Espaldeirada: dar golpes com espada.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra][O mama na burra]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: AT 301 B O
Homem Forte e os seus Companheiros.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Uma criança alimentada a leite de burra torna-se num homem forte e destemido
que vai correr mundo. No caminho encontra homens de força invulgar, princesas encantadas e
até o próprio diabo. A sua esperteza e coragem valer-lhe-ão uma recompensa final pelas lutas
e traições sofridas.
→ Palavras-chave: alentejo, aço, arranca, arrasa, arroba, bicho, bolso, brotas, burra, caça,
cabanejo, cajado, caldeirada, carta, casa, ceia, comer, corda, credo, encantada, esquilão,
espada, diabo, enxada, escuro, estouro, evora, ferido, ferro, ferrugenta, gargalo, jantar, jesus,
leite, luz, mamar, matar, medo, mestre, mora, montanhas, monte, mosquito, mundo, noite,
orelha, pedra, pomada, pinheiro, pó, poço, porta, pulo, sova, tarde, trave, tronco/troço, untar,
valente, vidro
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: José Manuel
Idade: 87 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 19:55 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 17.167
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O mama na burra]Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]
[Perdizes para o almoço]
«Agora vou contar a da… a das perdizes.
Era no tempo que se caçava todos os dias e que havia muita caça. Agora não há nada,
só caçadores! E atão v[ão] dois compadres e um era caçador e o outro não era. (E depois
matou) o compadre que era caçador matou duas perdizes. (As minhas são todas assim: destas
é que eu gosto!).
E atão vai e diz assim: _ Olha compadre, ontem matei duas perdizes.
Diz ele: _ Ehh compadre! Eu gosto tanto de perdiz! Hei-de ter uma…
[Caçador:] _Gostas?
[Compadre:] _Gosto. Gosto muito de perdiz. Até tenho pena de não ser caçador.
Diz o compadre: _ Bem, matei duas.
Chega lá a casa e diz pa’ mulher: _ O nosso compadre… ‘Tive-lhe a dizer que matei duas
perdizes. E ele disse-me: “_ Ai! Gosto tanto de perdiz!”. Ó mulher se calhar vou convidar o
nosso compadre a vir comer uma perdiz mais a gente! Atão fazes aí… Resquintas(1) aí as
duas perdizinhas à moda da casa como tu sabes e eu vou convidar o nosso compadre pra ele
cá vir comer mais a gente – almoçar mais a gente.
[Mulher:] _Atão vá!
[Caçador:] _E vou dar outra volta.
[Mulher:] _Atão não lhe disseste logo pra vir?
[Caçador:] _Não. Eu na’ sabia se tu querias fazer isso. Atão vá: eu vou dar outra voltita
amanhã (e passo) à caça e vou e passo por lá – vou ver se mato mais uma peçazita – e passo
por lá e convido o nosso compadre. Fazes cá as perdizes, que ó’pois vimos almoçar.
E atão assim foi. Ela ficou cá a fazer as perdizes.
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]Mas atão ela tinha lá uma vizinha muito gulosa… Deu-lhe o cheiro (porta com porta)
veio-lhe o cheiro, disse assim:
[Vizinha:] _ É vizinha, o que é que está a fazer? Ah, cheira-me tão bem! Ehhh! Que cheiro tão
bom! Ai, que bem que me cheira!
[Mulher:] _Olhe melhor há-de saber a quem as há-de comer! ‘Tou a fazer aqui duas perdizes
(já tinha a mesa posta e tudo), ‘tou a resquentar aqui duas perdizinhas que o meu marido
convidou o compadre para vir cá almoçar mais a gente, que ele gosta muito de perdiz.
[Vizinha:] _Ai, vizinha! Desculpe! Mas deixe-me provar um bocadinho! Ah! Cheira tão bem! Ó
vizinha deixa-me provar um bocadinho!
[Mulher:] _Na’ senhora! Isto é pa’ gente almoçar mais o meu compadre. Se fosse sozinhos até
deixava.
[Vizinha:] _Ai, vizinha! Mas eu tenho que provar!
[Mulher:] _Ora! Eu na’ quero as perdizes defeituosas vizinha! Que é para vir o meu compadre
almoçar…
O que é que ela faz? Arranca logo uma perna à perdiz: toca a comer!
[Mulher:] _Ai, Jesus me valha! Atão agora já tenho a perdiz defeituosa! Atão o que é que eu
ponho na mesa?!
[Vizinha:] _Ah, vizinha! Coma também! Se não vê-a ir! Coma… se não vê-a ir! – Vá de comer
bocados! – Ah! Sabe tão bem!
Disse a mulherzinha assim: _ Se calhar sempre tenho que comer… Senão vejo-a ir! – como ela
dizia!
[Vizinha:] _Ah, vizinha sabe tão bem! Coma, vizinha! Na’ faça cerimónia! – Toca a comer.
[Mulher:] _ Atão e agora o que é que eu hei-de…
[Vizinha:] _ Ora vizinha o que é que tem… a gente agora vai comer a outra! – Toca, começa a
comer a outra! Eram duas, era uma coisa a cada uma! Vai, começam a comer a outra!
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço]
Diz: _Ai, Nossa Senhora! Atão agora tenho a mesa posta, na’ tenho nada pò almoço! O que é
que digo ao meu marido? Que o meu compadre vem cá almoçar…
[Vizinha:] _Ora vizinha! Na’ se rale que eu venho cá pregar uma mentirinha! Quando eles
chegarem venho cá pregar uma mentirinha!
[Mulher:] _Mentirinha?!
A mulher assim que viu… Viu o compadre e o marido: _ Ai, vizinha! – (Deitaram-se à perdiz as
duas, comeram-na logo num instante! Aquilo sabia tão bem!). E atão acontece que assim que
os viu vir, chamou a vizinha: _ Ah! Vizinha! Venha cá pregar a mentirinha, que já lá vem o me’
compadre e o me’ marido pa’ não almoçar! Ai, Jesus me valha!
Diz ela assim: _ Eu, vizinha?! Ir pregar uma mentira à casa de uma vizinha! Quando eu prego
mentiras que seja na minha! – Nunca lá quis ir! Nunca lá quis ir.
A mulher agarrou-se à cabeça disse: _Ai, Nossa Senhora! Agora o que é que eu faço?! Ai,
Jesus! Vou pôr ali o alguidar no quintal… – entrou pa’ porta do quintal (a porta saía), tinha uma
porta pò quintal – vou ali pôr um alguidar e as facas e hei-de estudar a mentira pra quando o
meu marido chegar… O compadre já além vem…
Vá, assim que eles chegaram… ah, daqui e d’ além! Mesa posta ãh! E o cheirinho das
perdizes ainda lá estava, mas as perdizes… viste-las! Já tinham…Já se haviam sumido! E atão
acontece que a mulher é que teve de estudar a mentira.
Disse assim: _Olhe compadre assente-se! Faça favor, a casa é toda sua! Assente-se! Anda cá
marido, vamos lá ali ao quintal. – Chamou o marido.
[Caçador:] _Atão, o que é que queres?!
[Mulher:] _ Ó homem! Vem lá ali amolar as facas. É uma vergonha… não temos uma faca que
corte! Não há uma faca que seja capaz de cortar bem! – (E diz assim) ele foi lá pò quintal.
O compadre, coitadinho, ficou ali a olhar para as paredes e pa’ mesa, mas as perdizes não as
via e diz assim: _Atão, o compadre ‘tá a fazer o quê?
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço][Mulher:] _ Ai, compadre! Nossa Senhora! Vossemecê fuja! O compadre ‘tá a amolar as facas e
diz que é para lhe cortar uma orelha! É para lhe cortar as orelhas!
[Compadre:] _Ai! Nossa Senhora! Mas atão o que é que deu no compadre?!
[Mulher:] _Olhe! ‘Tá a amolar as facas que é para lhe cortar as orelhas!
[Compadre:] _O compadre?!
[Mulher:] _ Fuja enquanto é tempo, antes que aconteça o desastre!
Vai a fugir…Olhe foi dizer ó… ao marido: _ Olha marido, o nosso compadre já fugiu com as
perdizes! – Ela é que ‘teve de estudar a mentira! – Fugiu c’as perdizes!
Vai o homem, larga as facas e vai a correr. [Chama:] _ Ó compadre! Dá cá nem que seja só
uma!
[Compadre:] _Qual uma, nem duas! Quem quiser orelhas corte as suas! – E o homem fugiu,
fugiu…
[Caçador:] _Ó compadre, por amor de Deus, dê me cá homem! Dá-me nem que seja só uma!
[Compadre:] _Qual uma, nem duas! Quem quiser orelhas corte as suas!
(…) Nunca ninguém mais o apanhou e coitadinho… O compadre ficou sem, sem perdizes… E
elas comeram-nas!
E bendito louvado, o meu continho está acabado e desculpem se na’ é do vosso
agrado!»
Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.
Glossário:
(1) Resquintas: cozinhas.
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [Perdizes para o almoço][Almoço de perdizes]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1741 Os
Convidados do Padre e as Galinhas (*Perdizes) Comidas
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Um caçador convida um compadre para um almoço de perdizes, mas a sua
esposa e uma vizinha adiantam-se e comem-nas…Uma desculpa tem que ser inventada para o
sucedido…
→ Palavras-chave: alentejo, alguidar, almoçar, amieiras, amolar, caçador, compadre, cortar,
évora, facas, gulosa, matar, mentira, mora, orelhas, perdiz, perna, provar, quintal, vizinha.
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Luísa de Jesus
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Novembro 2007
Duração vídeo: 5:36 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 6:041
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]
[O Jogador]
«Era um senhor (antigamente, agora ainda se joga às cartas, mas antigamente era
mais) e atão ‘tavam a jogar às cartas. E o senhor jogava e tornava a jogar e ganhava e tornava
a jogar e ganhava. E atão um certo dia, como ele ganhava sempre aos camaradas de lá
[disse:]
[Jogador:] _ Eh! Eu jogava aqui nem que fosse com o diabo!
Ele deu aquela palavra e ele realmente apareceu. Ele batia a carta e o outro
apanhava, ele batia a carta… Quer dizer ganhou [o diabo]. E atão ele disse:
[Diabo:] _ Eu agora…Quem… Vamos jogar. Quem ganhar é que fica a mandar!
E assim foi. O outro jogador, coitadito, cansou-se, mas já não conseguiu fazer nada.
Como não conseguiu fazer nada o diabo ganhou.
[Diabo:] _Tal dia (terminou-lhe dia), tal dia vais ter comigo à terra da Branca Flor.
Ora mas o outro (prof…,) o outro jogador que na’ sabia onde é que era a terra da
Branca Flor. E atão o pobre do outro jogador a partir daí andava sempre muito triste. A mãe
via-o muito triste, ele muito triste, muito triste, muito triste mas, quando chegou aquele dia, ele
teve que partir e abalou!
Abalou, foi andando, andou uma data de léguas. Quando lá chega adiante (na’ sabia
pa’ onde é que havia de ir nem nada!) e andava um senhor a guardar lobos. E ele chegou os
lobos acorreram logo…
[Guardador de lobos:] _ Eh! Eh! Na’ façam mal ao senhor!
Procurou [a terra:] _ Atão o senhor não me sabe dizer aqui onde é a terra da Branca Flor?
[Guardador de lobos:] _ Não. Eu não sei! Olhe, mas vá pra diante, aí mais adiante anda aí um
compadre meu a guardar águias.
E ele abalou, por aí fora. Lá muito adiante, muito mais uns quilómetrozitos, andava o
senhor das águias. O senhor chegou lá, procurou o outro:
O jogador: _ Ai, o senhor na’ me indica aqui onde é que é a terra da Branca Flor?
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador][Guardador de águias:] _ Ai, eu na’ sei onde é! Mas pode ser que as minhas águias saibam.
[Águias:] _ Ai, eu também não! Eu também não.
[Guardador de águias:] _Ai, mas espere aí! Falta-me uma águia velhinha, muito velhinha, ela
na’ está aqui.
E atão ele assobiou [assobio] e a águia veio.
[Guardador de águias:] _ Olha, tu sabes onde é que é a terra da Branca Flor?
[Águia velha:] _ Olha, vim de lá mesmo agora! Mas eu para ir lá tem de arranjar sete carneiros
(porque cada vez que el[a] olhasse para trás ele tinha que lhe dar um quarto de carne para
levar aquilo tudo – mas queria levar aquilo tudo).
Bom e assim foram. Seguiram.
Quando ele lá ia a chegar, já pertinho, a carne acabou. Ela olhou para trás e ele ia pa’
cortar o braço e ela disse:
[Águia velha:] _ Não. Eu vou-te lá pôr. Deixa-te estar, não faças mal ao braço. Mas agora
chegas ali e andam três pombinhas(1) a banhar-se, ali no tanque, e tu vais tirar a roupa àquela
que é a Branca Flor.
E assim foi: ele chegou lá, elas ‘tavam-se a banhar, ele tirou-lhe a roupa. Tirou-lhe a
roupa e escondeu-a.
[A águia tinha-lhe dito:] _ E quando ela disser: _ Dê-me a minha roupa. Tem que me dar a
minha roupa! Quem me der a minha roupa eu digo-lhe todas as desgraças! Tu corres e dás-lhe
a roupa.
[Branca Flor:] _ Olha, vai-te embora depressa! Que o meu pai ‘tá a acabar de almoçar pra ir à
tua procura! (Pò matar!). E atão mas chegas lá, bates com toda a força…
[O Jogador foi:] _ Truz, truz!
[Diabo:] _ Quem é?
[Jogador:] _ É o teu jogador!
[Diabo:] _ Ãh? Já ia à tua procura pa’, pra’, pa’ te matar! (Já na’ foi preciso e então ele chegou
[e disse-lhe:] _ Bom, hoje vais descansar. Já vieste de longe. Hoje descansas.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]Aquela tarde o outro jogador na’ fez nada. Descansou. No outro dia [o diabo] deu-lhe
uma tarefa pra ele ir fazer. E atão a tarefa que ele lhe deu: tinha de ir fazer, plantar um vinha e
à noite, ao jantar, queria ter vinho daquela vinha. E assim foi…
E ele, o jogador, começou a chorar. Aparece logo a Branca Flor.
[Branca Flor:] _ Atão o que é?
[Jogador:] _ É o teu pai que quer isto assim, assim…
[Branca Flor:] _ Na’ te preocupes. Deita a cabeça no meu colo. (Ele vinha de lá, deitava a
cabeça aqui no colo.)
Quando chegou à hora mais ou menos que ela via que era [altura do jogador ir ter com
o diabo:]
[Branca Flor:] _ Vá. Vai lá levar-lhe, mas disfarça bem. A assobiar!
E ele lá abalou a assobiar. Foi levar o vinho.
Ele disse: _Anda aí Branca…Anda aí Branca Flor!
[Jogador:] _ Não anda mas, se andar Deus me leve!
(Mas ele como anda mal com Deus não queria aquela palavra em casa.) E atão foi [e disse ao
jogador:] _ ‘Tá bem!
No outro dia deu-lhe outra tarefa a fazer: _ (Agora amanhã) agora hoje vais fazer o forno e eu à
noite quero pãozinho mole no forno.
(E ele vai de chorar outra vez): _ Agora como é que eu faço isto?!
Apareceu-lhe a Branca Flor: _ Atão o que é?
[Jogador:] _ O teu pai quer forno feito e pãozinho mole!
[Branca Flor:] _ ‘Tá bem. Deita a cabeça no meu colo e dorme.
E assim foi. Deitou a cabeça no colo deixou-se dormir. Quando el[a viu] mais ou menos
que eram [horas disse-lhe:]
[Branca Flor:] _ Vá. Vai lá levar o pão ao meu pai, mas disfarça: assobia.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]E assim era.
[Diabo:] _ Anda aí Branca Flor!
[Jogador:] _ Não anda, mas se andar Deus me leve!
[Diabo:] _ Olha que eu na’ quero essa palavra! (Disse sempre isso). Quando foi no outro dia
disse-lhe: _ Olha, hoje vais fazer outra tarefa. (Dava-lhe sempre assim tarefas muito coisas a
fazer). _ Vais buscar a água do sol. (É impossível a gente chegar ao pé do sol n’é?).
E ele vá de chorar.
[Branca Flor:] _Olha trazes-me um… Vais buscar um frasco, atas-me ao pescoço e vais buscar
– vais à cocheira – trazes o “Pensamento”. (Que era um cavalo que se chamava
“Pensamento”). E assim foi. _ E eu às tantas horas, se não aqui ‘tiver é porque eu já não vim!
E ele coitado, triste, chegava àquela hora e perguntava:
[Jogador:] _ Já aí vem? Não. Ele abanava… o cavalo abanava a cabeça que não. _ Já aí vem?
– Não. Abanava a cabeça que não.
Quer dizer ele lá esperou aquelas horas. Ao fim daquelas horas ela apareceu:
[Jogador:] _ Já aí vem? Pronto ele começou a abanar [que sim].
Ela vinha aquela… Bom, ela vinha muito preta, muito preta. E diz-lhe pra ele, para o
jogador:
[Branca Flor:] _ Lava-me lá com essa águinha. – Lavou(-lhe) com um bocadinho de água, ficou
branquinha na mesma. _ Vá, vai lá levar isto ao meu pai.
Foi.
[Diabo:] _ Anda aí Branca Flor!
[Jogador:] _ Não anda! Mas se andar, que Deus me leve! – (Era sempre a resposta dele prò
[diabo], do jogador). Ele fez aquela.
No outro dia outra tarefa, difícil também: _ Bom, hoje vais a… vais ao fundo do mar à barriga
do rei dos peixes buscar uma molhada de chaves que lá está.
Vá de chorar novamente ele. Aparece-lhe a Branca Flor.
[Branca Flor:] _Atão o que é?
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]
[Jogador:] _ Tenho de ir ao fundo do mar buscar uma molhada de chaves que ‘tá na barriga do
rei dos peixes.
[Branca Flor:] _ Vai lá buscar o “Pensamento” e trazes um alguidar e trazes uma faca. E
matas--me! E depois cortas-me e mandas pra dentro do mar.
E ele assim fez. Mas que ele que deixou cair uma pinguinha pò chão (e o homem ainda
agora chorava por causa daquilo). Perguntava ao “Pensamento”:
[Jogador:] _ Já aí vem? Não. _ Já aí vem? Não. _ Já aí vem? Não. – Até que chegou à hora de
el[a] chegar: já. Ele abanou a cabeça: sim.
E atão ele disse pra ele [o diabo] no fim daquilo tudo: _ Fizeste as quatro tarefas – qual delas a
mais díficil – agora dou-te uma filha das minhas pa’ casar[es] com ela. (Eram três). A que
escolheres vais casar com ela – mas tens de escolhê-la pela fechadura da porta! (As outras
duas eram diabinhas e aquela é que era santa.)
E ela [a Branca Flor] meteu o dedo que faltava a pintinha do sangue [no buraco da
fechadura].
[Jogador:] _ Quero esta. (Escolheu aquela a que faltava a pintinha do sangue no dedo.) _
Quero esta!
Pronto, ele ficou logo a saber que a filha que o ajudou em todas as tarefas difíceis.
E atão foi, casou com ela. Mas antes disso…Tiveram de abalar porque ele [diabo]
preparou tudo, tudo pra, ainda pòs matar! E atão ela sabia aquelas todas (todas que o homem
era santo…) sabia aquilo tudo e disse:
[Branca Flor:] _ Olha, vais lá à cocheira trazes o “Pensamento” que é para a gente fugir. Mas
arranjas um canudo d’água, um canudo de agulhas e um canudo de cinza. Arranjas esses três
canudos.
E assim foi. Mas ele foi à cocheira achou o “Pensamento” muito magrinho, trouxe o
“Vento”.
[Branca Flor:] _ Não, não! Tem de ser o “Pensamento”! Não, não! Tem de ser o “Pensamento”!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]Voltou. Foi buscar “o Pensamento”. (Porque o senhor pensa: atão e …. e o vento já é
assim, pode ser rápido mas já não é tanto). E eles abalaram, foram-se embora. Mas ele foi
atrás deles. Eles lá a certa altura viram-se atacados.
[Branca Flor:] _Vá! Manda lá o canudo de água.
Fez um grande ribeiro e aquele ribeiro ficou que eles [os perseguidores] já não
puderam passar.
Depois abalaram outros quilómetros, foram-se embora. Foram-se embora, chegaram já
lá mais adiante, o que é que havia de ser? Vinham eles outra vez.
[Branca Flor:] _ Manda lá o canudo das agulhas!
Mandou o canudo das agulhas – fez-se ali um pinhal, muito fechadinho. [Os
perseguidores] tiveram que parar. Voltaram para trás mas pensaram:
[Perseguidores:] _ Bom a gente temos de ir ter com eles. – O que é que eles fazem? Vão outra
vez atrás deles: _ Vamos atrás deles! A gente tem(os) de ir apanhá-los!
E atão diz ela assim pra ele: _ Manda lá o canudo da cinza!
E atão fez-se um nevoeiro muito fechado, muito fechado, muito fechado. Ali atão é que
eles desistiram. Desistiram, já não foram mais atrás deles. Pronto, desistiram. E eles ficaram
felizes e contentes para sempre.
Deus seja louvado, o meu conto ‘tá acabado!»
Maria Bernardina, 68 anos, Mora (conc. Mora), Junho 2007.Glossário:(1) Pombinhas: mocinhas.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O Jogador]
[O Jogador]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: AT 313 A A
Rapariga como Ajudante na Fuga do Herói.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Um homem é vencido num jogo de cartas pelo diabo e para não ser morto tem
que fazer quatro tarefas. Branca Flor, filha do diabo, ajuda-o na demanda e torna-se sua
esposa.
→ Palavras-chave: água, águia, agulha, alentejo, carne, carneiro, cartas, casamento, cavalo,
chave, cinza, colo, diabo, evora, fechadura, forno, jogado, lobo, mar, mora, nevoeiro, pão,
pinhal, roupa, ribeiro, sangue, sol, vinha, vinho
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Mora
Contador: Maria Bernardina
Idade: 68 anos
Residência: Mora
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Junho 2007
Duração vídeo: 0:08:43 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 9.515
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]
[Soldados e estudantes]
«Que é o seguinte, por exemplo, o meu pai queria demonstrar que a vida prática é
mais… é mais… é melhor do que a teoria, n’é? E depois juntando as duas coisas é o ideal,
n’é? Mas então ele contava o seguinte:
O rei foi fazer uma visita às tropas (isto mais ou menos em Lisboa) e a rainha foi fazer
uma visita à universidade. E ao regressarem ao palácio, depois do jantar, puseram-se a
conversar [sobre] o que é que tinham visto, o que é que não tinham visto. E a rainha vinha
maravilhada! Diz a rainha:
[Rainha:] _Ah! Venho encantada com os estudantes! Tu não queres saber os conhecimentos, o
que eles sabem, o que eles…
E diz o rei: _ Óh! Isso comparado com os meus soldados na’ é nada! Os meus soldados
resolvem todos os problemas! São muito mais espertos que os teus estudantes.
[Rainha:] _ Na’ digas! Atão eles… Parte deles nem ler sabem!
[Rei:] _ Queres, queres tirar a prova? Vamos fazer uma aposta!
[Rainha:] _ Vamos.
[Rei:] _ Tu mandas vir o estudante mais inteligente que houver além na universidade e eu
mando vir um soldado qualquer de cavalaria(1) 7. E tu vais ver!
E assim foi. A rainha mandou o seu oficial às ordens ir lá à universidade dizer para o
estudante [o reitor] mandar-lhe o estudante mais inteligente que ele lá tivesse. E assim foi.
Mandou-lhe um que já ‘tava até a pensar em ser ministro – ministro nem que fosse da Defesa,
n’é? De maneira que, de maneira que mandou-lhe um muito inteligente.
E o rei disse assim lá ao oficial (deu [as] determinadas ordens):
[Rei:] _ Tu vais daqui à cavalaria 7 e dizes ao, ao comandante que mande um soldado
qualquer. Mande cá um soldado!
Assim foi.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]Bom, veio o estudante que o reitor pensou que era o mais inteligente. Mandou cá o
estudante. E veio o soldado, que por sinal era condutoripo. (Vocês na’ sabem o que é
condutoripo – antigamente, na tropa, não havia os carros de combate. Os carros eram puxados
por cavalos e por moarja e os homens que guiavam esses animais eram chamados
condutoripos. E quem ia para condutoripo eram sempre aquelas pessoas mais, mais, mais,
mais rudes de compreender a, de aprender a instrução eram sempre... Condutoripos e
cozinheiros. (Eu fui pa’ cozinheiro! Mas é que fui me’mo pa’ cozinheiro!). Os mais rudes iam
sempre ou pa’ condutoripos ou pa’ cozinheiro[s]). De maneira que, assim, mandou-lhe um
condutoripo (que por sinal era aqui do Alentejo).
E então a rainha diz assim pò estudante:
[Rainha:] _ Olha, toma lá estes vinte mil réis (nesse tempo era[m] réis(2), n’é?). Toma lá estes
vinte mil réis e vais me comprar: dez mil réis de “nada” e dez m’é’réis(3) de “não nada”!
O estudante ficou muito encavacado – não podia dizer que não à rainha. Lá recebeu
vinte mil réis. Abalou pela cidade fora [e] perguntava em todo o lado:
[Estudante1:] _ Vocês têm aqui “nada”?! “Nada”, têm?
[Comerciante:] _ Isso é…‘Tás maluco ou quê?!
[Estudante1:] _ Atão é uma encomenda que a rainha fez: quer que eu lhe compre dez m’é’ réis
de “nada” e dez m’é’ réis de “não nada”…
Corria tudo, não conseguia encontrar. Voltou para trás muito esmorecido disse:
[Estudante1:] _ Sua alteza, sua real majestade desculpe, mas eu não consegui a encomenda
que… na’ consegui! Não!
[Rainha:] _ Bom, ficas aí nessa sala.
Depois levou [a mesma quantia] ao soldado. A rainha disse:
[Rainha:] _ Toma lá! Olha tu usa soldado… Toma lá estes vinte mil réis e vai-me tu comprar:
dez m´’é’ réis “de nada” e dez m’é’ réis de “não nada”!
Ele olhou assim [admirado] pa’ rainha e disse assim:
[Soldado1:] _ Ai, queres gozo, heim?! Já te dou!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]De maneira que arrancou de lá, veio-se embora. A primeira taberna que viu, logo ali na
calçada da Ajuda, entrou. Mandou vir um copo, um macinho de tabaco, uma sandes…
Estourou… Foi logo os vinte mil réis. E agora, comeu e bebeu, fumou uma cigarrada…
Começou assim a pensar:
[Soldado1:] _ Atão e agora? Como é que é qu’eu me vou desenrascar?
E o que é que ele viu? Viu em cima da, da, duma das talhas do vinho, um bocado de
cortiça. E diz assim para o taberneiro:
[Soldado1:] _ Ó amigo! Você é capaz de me dar ali um bocado de cortiça? Aquele bocado de
cortiça que ‘tá ali em cima da talha?
Diz o [taberneiro:]
[Taberneiro:] _ Atão pra quê que você quer isso?
[Soldado1:] _ Ah! Preciso disso. Se você me desse, eu agradecia!
[Taberneiro:] _ At’ão na’… Tome lá! Atão, não dou! Dou, à vontade, eu tenho aí mais. Tome lá.
Deu-lhe um bocado de cortiça. Pronto, ia-se embora: meteu o bocado de cortiça no
bolso e veio-se embora. Vinha andando, pensando… O que é que pensou (quando ele vinha já
a chegar ao pé do palácio, vinha, vinha tão, tão pensativo que nem olhava para o chão –
catrapuz – tropeçou numa pedra):
[Soldado1:] _ Óh! És mesmo tu que vais! – Apanhou e meteu-a no bolso. Foi-se embora.
Chegou ao palácio a rainha veio logo muito coisa (convencida que ele também falhado)
[e] diz:
[Rainha:] _ Atão? Conseguiste?
[Soldado1:] _ Consegui. Mas preciso que me traga uma bacia grande, cheia de água.
Lá se chegou para a cozinha, para as aias. Lá veio a aia com uma bacia grande cheia
de água. Pegou na cortiça, pôs em cima da água e disse [olhando para a rainha:]
[Soldado1:] _ Olhe… Nada! Nada!
Pegou na pedra e a pedra foi ao fundo:
[Soldado1:] _ Não nada! Não nada!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]
[Soldado1:] _ ‘Tá aviada(4)!
A rainha ficou muita furiosa! Disse:
[Rainha:] _ Ah! Este estudante era parvo, homem! Esse é que é o mais esperto? Vem um
borra-botas destes consegue resolver, aquele não consegue!
[Rei:] _ Atão mande vir outro!
Mandaram vir outro estudante que fosse mais inteligente que aquele. E atão veio outro.
E outro soldado, veio outro soldado (por acaso era de Trás-os-
-Montes), veio.
Diz a rainha: _ Toma lá estes vinte m’é’réis: vais-me comprar dez m’é’réis de “ais” e dez
m’é’réis de “uis”! Dez mil réis de “uis”!
O estudante ficou muito encavacado, sem saber [pensando:]
[Estudante 2:] _ Onde é que eu vou comprar “ais” e “uis”?
Bom, lá andou pa’ cidade fora perguntando em drogarias, em todo o lado – não
encontrava os ais nem os uis em lado nenhum! Pronto, teve de voltar lá pa’ trás pò palácio, pò
palácio. Vai aborrecido, lá diz:
[Estudante 2:] _ Sua real majestade saberá, sua alteza, não, não consegui encontrar…
Ninguém… Dizem que, dizem que sua alteza ‘tá, ‘tá a brincar comigo.
[Rainha:] _ Não ‘tou a brincar…
Chamou:
[Rainha:] _ Anda cá tu, soldado!
Lá veio o [soldado] 31. Ela lá lhe deu os vinte m’é’réis e disse:
[Rainha:] _ Vais me arranjar dez m’é’réis de “ais” e dez mil réis de “uis”!
Assim foi. O transmontano [disse:]
[Soldado2:] _ “Shim shenhora”.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes] [Vai] por aí fora. O transmontano como na’ fumava, o que é que fez? Bebeu um copo
na taberna, comeu uma sandes e comprou um postal pa’ mandar à namorada. E foi-se embora
pa’ vida dele.
Entretanto, foi-se embora, foi dar uma voltinha ao jardim a ver se via as sopeiras. (Sabe
o que é uma sopeira? Na’ sabe. Atão eu explico o que é uma sopeira. No tempo, os namoros
dos soldados era[m] com as criadas de servir. As criadas de servir chamavam-se sopeiras –
usavam um avental branco e iam atrás das senhoras (uma senhora muito importante à frente e
a desgraçada com a sesta atrás, com o avental branco) – era[m] chamada[s] a[s] sopeira[s].
Normalmente os soldados namoravam – eu por acaso namorei uma…lá, em Évora, a senhora
[a esposa] sabe, não vale a pena estar a esconder que ela sabe). De maneira que… Assim foi:
‘tava a ver passar as sopeiras no jardim e a pensar:
[Soldado2:] _ Como é que eu agora vou-me desenrascar? Desenrascar com esta brincadeira?!
E atão olhou assim e viu assim um canteiro de rosas: _ Óh! [pensou]. Tinha uma
navalhinha foi lá: colheu um bocado de rosas meteu no bolso; colheu outro bocado de rosas
meteu no outro bolso. E lá veio embora a caminho do palácio. Chega lá, diz-lhe a rainha:
[Rainha:] _ Atão? Conseguiste?!
[Soldado2:] _ Consegui! Mas vossa real majestade, sua alteza, é que tem que tirar aqui do
bolso.
A rainha foi afeita a saber, a ver o que é. Meteu a mão, picou-se:
[Rainha:] _ Ai!
Foi aqui do outro lado [meteu a mão no bolso do soldado e exclamou:]
[Rainha:] _ Ui!
Dizia o outro: _ ‘Tá aviada!
E assim acabou! Assim provou o rei, conseguiu provar à rainha (que os estudantes que
eram mais espertos) que os soldados,que apesar de não saberem ler, que eram mais práticos,
mais espertos que os estudantes que sabiam ler. Esta história contava o meu pai também.»
António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro 2006.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]Glossário:(1) Cavalaria: corpo militar que antigamente se movia a cavalo mas hoje utiliza veículos blindados e
motorizados.
(2) Réis: plural de real (unidade nominal do antigo sistema monetário em Portugal e no Brasil, de valor
variável, segundo as épocas).
(3) M’é’réis: expressão oral de abreviatura de mil réis.
(4) Aviada: servida.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [Soldados e estudantes]
[Soldados e estudantes]
→ Classificação do Conto: Conto realista (novelesco).
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 860 Nozes de
"Ai, Ai, Ai!
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: O rei e a rainha fazem uma aposta: o rei diz que os seus soldados são mais
inteligentes que os estudantes que a rainha visitou numa universidade… Qual deles vencerá a
aposta?
→ Palavras-chave: água, alentejo, cortiça, cuba, estudante, palácio, pedra, rainha, rei, rosa,
soldado, taberna, vila ruiva
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Cuba
Localidade: Vila Ruiva
Contador: António Caeiro
Idade: 73 anos (30/12/1933)
Residência: Vila Ruiva
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Marta do Ó
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0: 08:13 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 8.669
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa
O lobo guloso e a raposa mentirosa
«Era o lobo guloso e a raposa mentirosa – o lobo era muito guloso e a raposa muito
mentirosa.
Era na altura em que os animais falavam e cada um tinha o seu território. Havia um
lobo muito guloso. E a raposa não era dali daqueles sítios, mas, dos lados onde ela vivia,
extraviou-se e já não sabia por onde ‘tava e atão ficou ali naquele território.
O lobo encontrou-a. Encontrou-a e disse-lhe:
[Lobo:] _ Ah! O que é que fazes aqui, como a da Joana(1)?
[Raposa:] _ Ai, agora vim da minha terra – esqueceu-me da estrada – agora na’ sei pra onde é
que vá!
[Lobo:] _ Olha, podes cá ficar. Eu agora tenho ‘tado doente de uma perna e, se tu quiseres, até
me podes ir acareando(2) alguma coisa pra eu comer (o lobo era muita guloso, mas muito
amigo de pouco trabalhar).
[Raposa:] _ Ah, sim. Olha eu na’ tenho pra onde ir, fico cá. Eu posso ficar ali ao pé de ti,
vivendo ali ao pé de ti.
[Lobo:] _’Tá bem.
No outro dia de manhã, a raposa levantou-se. (Ficou a dormir numa toca de uma
oliveira – que as oliveiras eram muito velhas e tinham um tronco muito grande que ‘tava furado
– e a raposa ficou por ali). No outro dia de manhã, levantou-se e olhou, olhou, sem conhecer
estrada nenhuma.
Quem havia de passar? O homem que vendia peixe pelos montes. Vendia o peixe num
carro, um caixote de peixe. E ela disse:
[Raposa:] _ Ah! Vem ali um homem com um carro! Vou-me fazer de morta! Ele pensa que eu
que ‘tou morta – a minha pele é muito bonita! – e leva-me pa’ me tirar a pele.
Assim que subiu pelo carro, na’ sabia o que o homem vendia…Um caixote de
sardinhas, muito brancas… [viu] um caixote de sardinhas muito brancas. E disse ela:
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa[Raposa] _Ahhh! Tenho já aqui…Tenho já aqui comida pra muito tempo… pra mim e pò lobo.
O homem ia andando e cantando… O burro preso no carro… Lá ia ele prà aldeia (…)
vender as sardinhas. E ela foi deitando as sardinhas, foi deitando, foi deitando, foi deitando
[para o caminho]. Assim que acabou de deitar a última sardinha, muito solitária, saiu do carro
do homem. (O homenzinho na’ deu notícia!(3)).
Voltou pra trás, foi apanhando as sardinhas. Foi-se pôr no rio a lavar as sardinhas.
Como ela se demorou muito, o lobo foi à procura dela. Foi à procura dela, encontrou-a
no, no rio.
[Lobo:] _ Atão? Que ‘tás aqui fazendo, como a de Joana?
[Raposa:] _Olha, levantei-me cedo, fui pescar. Apanhei estes peixinhos.
[Lobo:] _ Atão? Tens que me dar alguma coisinha.
[Raposa:] _ Pois dou! Mas tu também tens que ir pescar! Na’ te podes agora deitar à, à
preguiça sem fazeres nada. Tens também que fazer alguma coisa! Olha, e aquilo que eu
souber fazer vou-te ensinado a fazer, pa’ tu, um dia quando eu vá pa’ minha terra, ficares
sabendo o que é que hás-de poder fazer.
[Lobo:] _Atão olha, como é que… Atão e como é que tu… olha e como é que tu achavas... e
pá! [Olha para os peixes]. Este peixe ‘tão grande! (Era[m] sardinhas grandes, sardinhas mais
pequeninas…).
[Raposa:] _ Cada mergulhinho, cada peixinho; e cada mergulhão, cada peixão! (era[m] as
sardinhas maiores).
[Lobo:] _ ‘Tá bom…Atão e como é que a gente…
[Raposa:] _Olha! Ato uma pedra ao pescoço e deito-me pò fundo do rio. E depois, lá no fundo
‘tão os [peixes] grandes e cá mais acima estão os mais miudinhos.
[Lobo:] _Põe-me aí uma pedra grande ao pescoço que eu… quero dessas, só quero dessas
grandes!
Ela atou uma pedra ao pescoço do lobo. O [lobo] pobrezinho, teve lá horas infinitas,
quase morto, no fundo do pego(4). E não viu peixe nenhum, porque na’ havia lá nenhuns
peixes! Enquanto isso aconteceu, ela fugiu! Fugiu.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosaEle lá se desempalhou da…Com as patas tirou a pedra. Lá saiu (com a coleira ao pescoço) [e
pensou:]
[Lobo:] _Atão, mas ela já não ‘tá por aqui! O que é que eu faço à minha vida?! Levou as
sardinhas todas e fugiu!
O lobo lá ficou um dia inteiro sem comer nada! Abesundado de um todo, de andar lá
dentro da água, sem saber o que fazer à vida, ali ficou espojado.
Passou uma porca. Uma porca com três porquinhos pequeninos atrás. Disse ele:
[Lobo:] _ Olha porca na’ tenho outro remédio, tenho que comer os teus filhos.
[Porca:] _ Ai! Compadre lobo era disso que eu vinha à procura! Que alguém os comesse… Pra
mim ainda vou arranjando alguma coisa, agora eles na’ sabem fazer nada… O melhor é tu
comê-los! Ai! Compadre lobo ‘pere aí! ‘Pera aí que eles ainda na’ ‘tão baptizados! Se tu vais
comer os meus filhos sem ‘tarem baptizados é a tua desgraça! Morres instantaneamente e
pronto… na’ vais… na’ tens salvação!
[Lobo:] _ Atão, como é que a gente faz isso?
[Porca:] _ Olha, espera aí. Eu agora passo para o outro lado do rio. (Vem aqui para este lado,
olha que este lado é um bocadinho (de) fundo, podes cair aí pa’ dentro) tu é que tens que ser o
padrinho (e podes cair aí pa’ dentro, na’ tens salvação nenhuma!) e atão olha, deixa lá que eu
passo para aquele lado e tu vais… vou-te dando os meus filhos e tu vais dizendo: _ “Passa. Tu
passarei que este baptizei eu” – e acabando de passar os três, come-los e pronto, acabou-se!
Eu vou-me embora, volto as costas pra na’ ver, e tu come-los.
[Lobo:] _ ‘Tá bem!
O lobo pegava no porquinho [e dizia:] _ “Passa! Tu passarei que este baptizei eu.”
Dava-o à porca para o outro lado. Passaram os três. Assim que [a porca] apanha os porcos do
outro lado, deu-lhe uma trombada [e] ele [o lobo] – truz – pa’ dentro do pego outra vez.
[Lobo:] _ Ai! Mas que faria eu de mal a deus! Quem me manda a mim ser padre, sem aprender
o ofício! Agora aqui ‘tou dentro…
Tirou-se ainda mais triste que o que foi, mais, mais avalhado(5). Mas passou-se para o
outro lado. Passou-se para o outro lado, ‘tavam dois carneiros pastando. Dois carneiros. Disse
[o mais novo:]
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa[Carneiro 1:] _ Ai, que desgraça! Olha lá o lobo guloso! Aonde ele ‘tá! Agora é que a gente na’
tem salvação!
Diz o mais velho assim: _ Deixa-te lá de comer isso! Agora a gente faz que ‘tamos os dois
zangados um com o outro… E só assim a gente pode resolver a situação.
[1º. Carneiro:] _ Atão, mas como é que a gente faz isso?
[2º. Carneiro:] _Olha, tu agora recuas três passos para trás e eu recuo outros três passos e
depois vamos c’ a força toda e batemos c’ a cabeça, com a cabeça uma na outra. Faz um
barulho muito grande, ele levanta-se e diz “o que é isto?”, vê a gente… E a gente assim safa-
-se! Eu já… já te digo o resto.
Os carneiros, cada um recuou para trás três passos, [e] foram – truz – os cornos uns
nos outros e a cabeça fizeram um barulho tremendo. Levantou ele a cabeça [e disse:]
[Lobo:] _ Atão e isso…?! É! Esperem lá aí! Esperam lá aí, que eu tenho que saber o que é que
se passa! Atão que… Agora na’ tem solução... Eu hoje na’ comi nada, tenho mesmo que comer
alguma coisa!
E a zorra(6) no outro lado do rio vendo o que se passava, escondida detrás de uma
piorreira – a zorra!
[Lobo:] _Atão, mas o que é que vocês ‘tão, ‘tão zangados um com o outro?! … Vocês na’
podem ‘tar zangados, que eu tenho que comer agora um e matar o outro para levar para a
minha toca, porque, pronto, eu na’ tenho nada que comer e atão tenho que fazer isso.
Disse [o 2º. Carneiro:] _ Olhe compadre logo você come a gente com certeza! Porque eu na’
tenho gosto nenhum de viver nesta vida! Na’ tenho! Hei-de morrer: se você na’ me matar,
mato-me eu! Acabou! Jogo-me ali pa’ dentro do rio e acabou-se! E então olhe, até me facilita a
minha vida e eu fico satisfeito consigo!
[Lobo:] _Atão diga lá!
[2º. Carneiro:] _ Olhe, o meu pai comprou estas terras. Na’ ‘tá vendo estas terras aqui?
[Lobo:] _ Sim senhor.
[2º. Carneiro:] _ E o pai dele comprou aquelas ali. Agora ele diz que as terras que são dele!
Quer as terras do meu pai e quer as terras dele! Mas como é que ele quer fazer isso?! E eu
fico sem nada!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa[Lobo:] _ Ah! Isso é que na’ pode ser! Atão? Mas isto é tudo seu?
[1º. Carneiro:] _É! Isto é tudo meu. Você pode vender, depois da nossa morte, pode vender!
(Os animais falavam!)
[Lobo:] _ Atão, como é que a gente faz isso?!
[2º. Carneiro:] _ Venha cá. Venha cá que a gente resolve isso tudo num instante! Você…
Olhe,estas são as minhas estremas(7), ponha-se lá aí. Prali é meu, pr’aqui é dele!
[Lobo:] _Sim senhor.
[2º. Carneiro:] _ Você fica aí no meio. Mas você agora vai optar por uma coisa: eu sou o
primeiro a querer morrer (era o mais… grande, o mais gordo!) e ele depois, se quiser matar,
mate! Comigo pode contar! Ele agora recue quatro passos pra trás e eu recuo outros quatro –
o que chegar primeiro é que ganha a demanda!
Os carneiros puseram-se os dois com a força toda: apanharam-no no meio, ele na’
tinha comido nada, partiram-lhe as costelas todas! Caiu pra lá todo triste…
A zorra [disse:] _ Bem feito! Bem feito! Quem te manda a ti ser marco de estradas sem
aprenderes o ofício!
[Lobo:] _ Ahhhhh! Que eram sintomas(8) tuas, já eu sabia!
(Que eram sintoma da zorra, já ele sabia! Da raposa – nesse tempo chamava-se uma zorra).
Bom, os carneiros abalaram. E ele ficou, ficou deitado. Ao fim de dois ou três dias
levantou-se, levantou-se (e a zorra sempre vendo onde é que ele ia pra avisar as pessoas)
levantou-se…
Ali no monte de seguida, havia uma vaca com uma cria pequenina e ela disse assim:
[Raposa:] _ Olhe, o lobo guloso anda aí! E você repare bem onde vai pôr a vaca. Na’ a ponha
muito longe do monte(9) que ele anda morto com fome, que há uns poucos dias que na’ come.
Desde que eu cá cheguei que ele nunca mais comeu! E ele come a cria da vaca!
[Vaca:] _ Ah! A vaca na’ tem medo dele!
Ele andava muito avarado, muito doentinho, sem comer nada. No outro dia, ao fim de
três dias, três dias, levantou-se às ondas – com as costelas tudo partido.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosaAssim que chegou lá [ao monte seguinte] ‘tava uma vaca (muito gorda) com a sua cria,
também muito gorda. Disse:
[Lobo:] _ Ó comadre vaca! Na’ tenho outro remédio, mas tenho que comer a tua cria!
Disse [a vaca:] _ Ah, compadre lobo! Se tu me pudesses comer a mim primeiro! Porque eu
ando sem gosto nenhum na vida. Aqui me põem de manhã até à noite, sem ninguém se chegar
ao pé de mim. Sedes… passo sedes… ‘Tou do mais triste que há!
[Lobo:] _ Ah na’ te entristeças, deixa lá! Eu agora como a tua cria e nos outros dias vou-te
comendo a ti.
[Vaca:] _Ahhhhh! Seja tudo por amor de deus!!! Ahhh, sim senhor! (…) Ah, compadre lobo,
nunca houve uma alma de deus que me dissesse o que tu me ‘tás dizendo! (Ficou muito
satisfeita a vaca com o lobo).
[Vaca:] _ Olha, compadre lobo, escuta uma coisa que eu te vou dizer: na’ ‘tás vendo? Eu tenho
aqui uma coisa, uma… uma corda. E ‘tá presa por uma estaca… A morte custa muito… Tu se
começares a comer a minha filha e eu vendo…! Custa muito! E sabes o que tu fazes? Tu
levantas ali a estaca, que ‘tá prendendo a minha corda, e põe-la no teu pescoço porque tu já
me comes à vontade e eu… pra onde é que eu vou?! Pra lado nenhum! Na’ posso abalar
daqui! E se ‘tou presa posso fazer coisas: dar-te uma patada, dar cabo de ti… Tu ‘tás assim
adoentado e eu na’ quero fazer isso na hora da minha morte, na’ quero fazer nada mal feito!
[Lobo:] _’Tá bem.
Levantou a estaca – uma estaca de ferro, cabo da enxada no chão, com a corda
enrolada – e atou [-a] [a]o pescoço dele.
[Vaca:] _ Aperta isso bem! Aperta-a bem porque a morte custa muito…
[Lobo:] _ ‘Tás a ver que ainda na’ morreste, na’ sabes…
[Vaca:] _ Ah! Mas tenho passado por muita coisa!
[Lobo:] _ ‘Tá bom.
[Vaca:] _ E acabando diz: um, dois, três! ‘Tá bem?
[Lobo:] _ ‘Tá bem.
(E a zorra do outro lado vendo! Ela é que ia fazer os anúncios para os outros animais).
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa
Chegou… ele preparou-se todo muito bem [e disse:] _ Um! Dois! Três!
A vaca abalou com ele, fugindo por aquelas pedras, por estevas(10), por aquelas
coisas…
A zorra dizia assim: _Segura-te bem, compadre lobo! Por essas estevinhas, por essas
pedrinhas, por onde puderes… Olha, se a corda se na’ parte ou se o nó se na’ desata, vão os
teus ossinhos parar, à casa do dono da vaca!
Lá foi o lobo, só (…) que a vaca levou-o à rojo!»
Edvige Rafael, 68 anos, Baleizão (conc. Beja), Fevereiro 2006.
Glossário:(1) Como a de Joana: expressão similar a «é o da Joana» – é para todos; local sem disciplina e
autoridade – no caso, o lobo ao usar esta expressão informa a raposa que aquele território não é um local
“de todos” (como o de Joana) é dele.
(2) Acareando: ajuntantando, adquirindo.
(3) O homenzinho na’ deu notícia! – O homem não se apercebeu do feito da raposa.
(4) Pego: sítio mais fundo do rio, onde não se tem pé.
(5) Avalhado: vexado.
(6) Zorra: no caso, a raposa manhosa e astuta.
(7) Estremas: marco divisório de propriedades rústicas.
(8) Sintomas: no caso, que eram artimanhas da raposa.
(9) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;
designação por vezes atribuída à própria herdade.
(10) Estevas: «planta arbustiva, da família das cistáceas (Cistus ladaniferus), muito abundante em
Portugal.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / O lobo guloso e a raposa mentirosa
O lobo guloso e a raposa mentirosa
→ Classificação do Conto: Conto de animais.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1 O Roubo
dos Peixes + ATU 2 B O Cesto Atado à Cauda do Lobo + ATU 122 A O Lobo
(Raposa) em Busca do Pequeno Almoço + ATU 122 K* O Lobo como Juiz + ATU 47A
A Raposa Agarra-se à Cauda do Cavalo (*Vaca)
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Um lobo esfomeado é consecutivamente enganado por uma raposa manhosa e
pelos animais que tenta comer.
→ Palavras-chave: alentejo, animais, baleizão, baptismo, beja, cabeçada, carneiro, enganar,
estrema, lobo, monte, porco, raposa, rio, sardinha, vaca
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Baleizão
Contador: Edvige Rafael
Idade: 68 anos (8/9/1937)
Residência: Baleizão
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Marta do Ó
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:12:34 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 12.742
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [O burro despertador].
[O burro despertador]
«Um, um homenzito andava de monte(1) em monte a pedir trabalho. E atão foi.
Num monte aqui ao lado [disseram-lhe:] _ Eh! Não tenho trabalho!
Até que chegou lá a um monte e diz-lhe:
[Trabalhador:] _ Ó senhor! Atão não tem trabalho p’aí trabalho pa’ me dar?
[Patrão:] _Olhe, até por acaso tenho! – Bom – por acaso tenho. Vamos lá a combinar. Olhe
tenho aqui: é de comer e dorme aqui na cocheira aonde tenho o burro. Mas olhe que aí há uma
coisa…É que eu cá na’ tenho relógio: o relógio é o me’ burro. Quando ele zurra é para ir pegar
ao trabalho; ó’póis ele, quando for à hora do comer, ele zurra e vem comer. O relógio é o burro.
[Trabalhador:] _Bom, ‘tá bem.
O gajo ficou… Diz ele: _ Ora esta! O relógio?! O burro é que é o relógio?! Há de ser… Há-de
ser boa!
Bom, no outro dia quando foi às oito horas para irem [p]egar a trabalhar, o burro
[zurrou:] – Ham! Ham! Ham!
[Trabalhador:] _ É pá! ‘Tá me’mo certo! Ah, burro d’um filha da puta! Atão o burro ‘tá me’mo
certo!
Bom, lá andou trabalhando. Quando eram horas de comer o burro zurrava: vinham a
comer e tal.
No outro dia de manhã, quando foi às sete horas o burro [zurrou:] – Ham! Ham! Ham!
[Trabalhador:] _É pá! Burro d’um filha da puta já adiantou uma hora hoje! Bom atão, mas vou
começar a trabalhar. O burro já zurrou…Óh!
Lá andaram trabalhando. Quando eram horas de comer o burro zurrava, vinham – tudo
muito bem.
No outro dia quando foi às seis horas o burro – ham! Ham! Ham!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [O burro despertador].
[Trabalhador:] _É burro daquele cabrão! Atão o burro já adiantou duas horas! ‘Tamos
marimbados(2) c’o burro!
Bom, no outro dia diz: _ Bom, hoje vou trabalhar. Arranjo lá um xipó, um cacete, trago-o aqui
para o pé da cama, quando ele zurrar caio-me com ele – deixei cá de ser o bonito(3).
Bom, no outro dia quando foi às cinco horas o burro – ham! Ham!
[Trabalhador:] _Ai é?! Já adiantaste três horas! Atão espera lá!
Puxa do cacete, começa a medir o burro… P’as orelhas, era pra cabeça, era por onde
quer que o apanhava! E taruz! O burro era já coice, peido que até dava ali já todo maluco ali
dentro!
O patrão ‘tava lá deitado – os patrões nesse tempo dormia tudo nos montes – ‘tava
deitado, ouve aquele banzé lá pò coiso e chega à porta, abriu a porta, andava o gajo – taruz!
Taruz!
[Patrão:] _É pá! O que é que você anda a fazer?!
[Trabalhador:] _Ó patrão! Ando a acertar o relógio que isto ‘tá tudo descontrolado!
José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.Glossário:(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação
por vezes atribuída à própria herdade.
(2) Estamos marimbados com: estamos bem arranjados com; estamos feitos com!
(3) Deixei cá de ser o bonito: deixei de ser o tolerante, o bonzinho.
(4) Começa a medir o burro: começa a bater no burro.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [O burro despertador].
[O burro despertador]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: Cf. ATU 1003 (var.)
Lavrando a Terra.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Um burro bem mandado determina o horário do dia de trabalho. Um homem vai
tratar de acertar o “despertador” para um horário mais justo para os trabalhadores.
→ Palavras-chave: acertar, alentejo, brotas, burro, cabeça, cacete, cocheira, coice, comer,
descontrolado, dormir, évora, homem, horas, monte, mora, orelhas, patrão, peido, relógio,
trabalhador, trabalho, zurra
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: José Manuel
Idade: 87 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junh 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 3:09 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 2566
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.
[A mãe ou burra?]
«Era um pai que tinha sete, sete filhos. Seis filhos e uma filha. Um tinha dois anos;
outro tinha quatro; outro tinha seis; outro tinha oito; outro tinha dez e outro tinha doze. E a filha
tinha treze, treze anos – era a mais velha.
E um dia quando acabaram de comer, diz o pai assim – viviam da… tinham uma
burrinha e tinha uma bestinha pra lavrar e era muito asseadinha, e aquilo era já ali nos
princípios de Maio –, e diz o pai:
[Pai:] _ Bom, eu tenho um problema aí pa’ resolver (porque ele na’ se explicava muito bem, na’
era muito bem entendido). Tenho um problema a resolver [e] quero que vocês saibam. Eu
agora já só tenho mais uma amassadura(1) ou duas, ‘tá-se acabando a amassadura e eu
tenho que vender (ou o burro) ou a burra ou a mãe. Tenho que vender ou a burra ou a mãe!
E responde logo aquele mais velhinho que tinha doze anos:
[Filho mais velho:] _ Venda a mãe!
[Pai:] _ Atão agora vendo a mãe, fico com a burra! Atão?!
[Filho mais velho:] _Sim senhora! Venda a mãe: na mãe é só você que se (a)monta e na burra
montamos todos!»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Glossário:(1) Amassadura: Uma fornada, ou seja, a quantidade de pães que um forno coze de uma vez.
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Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.
[Jantar de família]
«Bom, aquilo foi passando. E depois, passado mais um ano ou dois – já a rapariga
tinha quinze anos – arranjou pràli a namorar um rapaz qualquer. (E eles falavam todos muito
mal e eu também tenho que dizer aqui uma palavra maldita, mas desculpe…) E atão a rapariga
com o namorado lá combinaram e ele ficou de a ir a pedir(1) a um Domingo (e aquilo viviam
num monte(2)) e atão o rapaz ia (a) pedi-la e jantava lá.
E a mãe, como eles falavam mal, diz [aos filhos]:
[Mãe:] _ Vocês, à noite, quando ‘tejam comendo, acautelem-se com a língua porque vem cá o
namorado da mana. Vem cá pedi-la e atão a ver se s’aquietam. – Bom, lá todos bem
avisadinhos.
Ela, à noite, quando chegou a hora pôs a mesa. Foram(-se a) comer, o namorado da
irmã também. Um daqueles [filhos] mais velhinhos com o outro, o mais novinho ‘tava ali ao
lado, mete-lhe, o outro trava-lhe assim com o braço
(naquele tempo não era cá cada um em seu prato, era tudo no mesmo prato e migavam sopas
e vazavam e dali é que comia tudo) e depois de meter [a colher] travou além no braço do outro,
deixou(-lhe) cair a sopa.
Diz ele assim: _ Merda! Já me deixaste cair a sopa!
Responde o pai além do outro lado: _ É verdade! Agora por falar em merda… Quem é que
limpou o cu ao meu tio?
Diz a mãe assim: _ Eu na’ fui! Que eu nunca caguei ontem à noite!»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro de 2006.
Glossário:(1) Ir pedir a rapariga: Ir pedir ao pai da rapariga autorização para a namorar ou com ela casar.
(2) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;
designação por vezes atribuída à própria herdade.
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Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.
[Questões de namoro]
«Aquilo passou. (A)depois, passado um dia ou dois, o rapaz mais velhinho andava com
as cabras (a irmã já namorava) e ele vai guardar as cabras. E andavam pràli lavrando, um
moço novo, mas mais velho que ele e tal.
[Moço:] _ Atão?
[Irmão:] _ Atão?
[Moço:] _ Atão, não…na’ meio de arranjares uma namorada? Tem além o teu vizinho… Tem
além uma rapariga tão jeitosa, então e tu não…
[Irmão:] _ Óh! Mas eu às vezes digo-lhe bom dia!
[Moço:] _ Ó homem atão ma’ não… não… Pede-a homem! A’tão pede-a(1) homem!
[Irmão:] _ Eu cá c’a minha e ela lá c’a dela! Tenho vergonha, na’ lhe digo nada!
[Moço:] _ Atão e escuta lá, atão e houve baile?
[Irmão:] _ Quem é qu’o tocou? – disse o irmão da tal rapariga. – Quem é qu’o tocou?
[Moço:] _ Atão? E a tua irmã? Foi ao baile?
[Irmão:] _ Ela diz qu’ ia. Ela diz qu’ ia.
[Moço:] _ Atão e ela na’ lhe dá vergonha? Atão ouvi dizer que ela namorava com fulano.
[Irmão:] _ Atão é verdade!
[Moço:] _ Atão é o qu’ agarra!
Namorava era o qu’ agarra! E acabou-se aqui. Falavam bem!»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Glossário:(1) Pedir a rapariga: pedi-la em namoro.
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Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.Três histórias, uma família: [A mãe ou burra]; [Jantar de família];
[Questões de namoro];
[A mãe ou burra]
Palavras-chave de [A mãe ou a burra]: alentejo, amassadura, burro, família, ficalho,
filha, filho, mãe, maio, pai, pão, serpa
Caracteres (incluindo espaços): 1394
[Jantar de família]
Palavras-chave: alentejo, beja, cu, domingo, família, ficalho, jantar, merda, monte,
namoro, serpa, sopa
Caracteres (incluindo espaços): 1755
[Questões de namoro]
Palavras-chave: alentejo, baile, beja, cabra, namoro, pastor, serpa
Caracteres (incluindo espaços): 1108
Classificação das três histórias:
Narrativas não classificáveis (apresentação por géneros).
Anedotas.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
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Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / Três histórias, uma família.Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007
Duração vídeo das 3 histórias: 0:05:22 minutos
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]
[Três mocinhas]
«Aquilo o conto é assim: eram três moças que iam aí d’ A-do-Pinto(1) (pronto, pomos-
-lhe assim) direito a Serpa. E iam assim já desviadas aí d’ A-do-Pinto, vão a olhar para trás [e]
vêem vir um moço, um homem. Dizem elas [entre si:]
[Moças:] _ Ei! Além vem um. E agora a gente – combinaram logo – na’ lhe podemos dizer…
(Que ele com certeza que vai pra Serpa).
Bom, o homem apanhou-as [e cumprimentou-as:]
[Moço:] _ Bom dia!
[Moças:] _ Bom dia!
[Moço:] _ Atão pra onde vão?
[Moças:] _ Vamos pra Serpa.
[Moço:] _ Pois eu também vou. Faço-lhe companha. Vamos os quatro.
Andaram mais um bocadinho, diz ele: _ Atão – mas já elas tinham combinado – atão como é
que se chamam?
[Moças:] _ Olhe a gente na’ se quer, na’ se quer… na’ sequer a gente quer dizer o nosso
nome. O meu pai levou a mesma pessoa por madrinha(2) e ela… os nomes que pôs na gente
foi uma desgraça! É uma vergonha!
[Moço:] _ Atão? Digam lá! Atão digam lá… Atão como é que você se chama?
(Era a mais velha): _ Eu sou a “Quero Cagar”…
[Moço:] _ Eh! Que nome! Atão e você?
[Moça 2:] _Oh! Eu sou a “Estou Cagando”…
[Moço:] _ Eeee! Jesus! Atão e você?
[Moça 3:] _ Óh! Eu sou a “Já Caguei”…
[Moço:] _ Eh! Mas que nomes!
[Moças:] _ Atão, a gente na’ tem culpa! O meu pai é que nos levou à madrinha pronto…
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]
Mas elas tinham que dormir em Serpa [e] foram para uma estalagem. E ele [o moço]
disse:
[Moço:] _ Olhem, eu vou também.
Elas chegaram lá e disseram ao estalajadeiro – (que ele mandou fazer um arroz com
bacalhau pra comerem todos) – dizem elas:
[Moças:] _ Olhe, esse homem não é nada à gente. A gente quer um quarto, mas é com uma
chave! Que a gente quer dormir descansadas.
O estalajadeiro arranjou-lhes um quarto com uma chave. E ele [o moço, disse-lhes:]
[Moço:] _ Eu fico me’mo aqui neste quarto. Aqui perto, aqui da… da cozinha.
Elas deitaram-se. E lá por essa noite adiante, diz uma [moça] (a mais velha):
[Moça 1:] _ Eh! Dói-me a barriga! Tenho vontade de fazer o serviço!
Diz-lhe uma [delas:] _ Olha! Vai lá ao lume. Lá à cinza que ‘tá lá debaixo da chaminé. Há lá
cinza. Caga lá na cinza!
[Assim] foi. Ela foi e fez o serviço lá na cinza.
Vai-se a deitar, acabou-se ela de deitar, diz a outra [moça:]
[Moça 2:] _ Eh! Valha-me deus! … Agora dói-me a barriga a mim! Eh, que dor de barriga!
Diz-lhe a outra: _ Olha, lá na cozinha está um lavatório. Tem lá a bacia e tem água: caga lá
prà bacia.
A outra cagou na bacia. (Vai-se a deitar, diz outra: _ Eh!...).
Ah! Mas agora neste tempo, quando foi a primeira à cinza (…).
[Pensou o moço:] _ Encerraram-se. Eu vou ali à porta. – Truz, truz, truz – (foi lá à porta) [e
chamou:] _ Ó “Quero Cagar”! “Quero Cagar”!
O estalajadeiro ouviu [e respondeu:] _ Quer cagar, vá ao quintal! Atão que conversa é
essa! Ó’messa!
Foi a outra [a segunda moça] teve vontade e foi ao lavatório – cagou prò lavatório.
[Enquanto isso] vem lá ele:
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas][Moço:] _ Truz, truz, truz. _ Ó “Estou Cagando”! “Estou Cagando”!
O dono da estalagem ouviu [e gritou-lhe:]
[Estalajadeiro:] _ Atão ‘tá cagando e me’mo assim na’ ‘tá calado! Tenho que me (a) levantar!
Ó’messa!
Vai a outra [a terceira moça diz para as outras:]
[Moça 3:] _ Ei! Que dor de barriga! Tenho que me levantar…
Diz-lhe a outra: _ Ali no corredor está o chapéu do estalajadeiro, em cima de uma cadeira. Faz
o serviço ali!
Ela fez o serviço prò chapéu [e] pôs o chapéu em cima da cadeira. [Enquanto isso] ele
foi [bate novamente à porta das moças:]
[Moço:] _ Truz, truz, truz – [e chama:] _Ó “Já Caguei”! “Já Caguei!”
O estalajadeiro ouviu [e grita-lhe:]
[Estalajadeiro:] _Ah, já cagaste?! E mesmo assim na’ ‘tá calado!!! [Es]‘pera lá aí, que eu já te
amanho(3)!
E levanta-se, pula da cama…
E o outro abriu a janela e saiu pela janela. E fugiu.
Diz-lhe a mulher [para o estalajadeiro:]
[Mulher:] _ Ah, marido na’ vás prài às escuras! Podes cair! Vê aí na cinza se achas aí alguma
brasinha e acende a candeia!
Vai o homem mexer na cinza com os dedos…
[Estalajadeiro:] _ Ai! O filho de uma magana(4) cagou na cinza!!! Cagou aqui na cinza! Ah,
ladrão! Mato-te!
[Mulher:] _Ah, marido lava as mãos! ‘Tá aí o lavatório: põe aí a bacia, tem água – lava aí as
mãos!
Foi lavar as mãos na bacia [e exclama:] _Também cagou prà bacia!!! Ah, ladrão! Onde é que
‘tá a espingarda que eu mato-te!
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas][Retorquiu-lhe a mulher:] _ Na’ saias prà rua sem chapéu, que te constipas! O chapéu ‘tá no
corredor, em cima de uma cadeira. Põe o chapéu na cabeça senão constipaste!
Foi apanhar o chapéu, foi a pô-lo p’la cabeça [e] ficou todo cheio de marmelada!
E ele fugiu.
E elas safaram-se!»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Glossário(1) A-do-Pinto: localidade do concelho de Serpa.
(2) Madrinha: mulher que dá nome a algo.
(3) Já te amanho: ameaça de aplicar um correctivo, de pôr alguém na ordem.
(4) Magana: no caso meretriz; prostituta.
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Três mocinhas]
[Três mocinhas]
→ Classificação do Conto: Conto jocoso.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: 1562 G* (AT)
Nomes Estranhos + 1685*C (Cardigos) O Tolo Suja a Casa Durante a Noite.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Numa estalagem, em Serpa, três moças fazem disparate, mas as cómicas
consequências recaem sobre terceiros…
→ Palavras-chave: a-do-pinto, bacia, barriga, brasa, cagar, candeia, chapéu, chave, cinza,
cozinha, espingarda, estalagem, excremento, ficalho, lavatório, lume, madrinha, moço, nome,
quarto, rapariga, rapaz, serpa
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007
Duração vídeo: 0:05:38.6 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 4808
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]
[A peregrinita]
«Era também um pai que tinha três filhas. Moravam no campo. E as filhas viviam mal
(nesse tempo vivia toda a gente mal, as terras na’ davam e os ordenados eram muito pequenos
e coiso…) e atão um dia, a filha mais velha disse assim ao pai:
[Rapariga:] _ Pai, eu vou correr o mundo.
[Pai:] _ Vais (a) correr o mundo filha?! Atão tu tens ‘tado aqui tão bem na nossa casa! ‘Tá bem
que a gente na’ tem farturas de… coiso, mas agora queres te ir embora aí por esse mundo.
Como?
[Rapariga:] _ Vou. Eu vou à procura da minha vida. Vou-me embora.
Foi. A rapariga, as irmãs na’ queriam que ela fosse, mas ela começou a andar, a andar,
foi andando, andando, andando por ali por aqueles campos. [Até que] encontrou um poço.
Chegou ali ao poço, já ia tão cansada, fez assim no bucal do poço, fez assim [suspirou:] _Ai,
de mim! ‘Tou tão cansada!
E quem havia de estar lá dentro do poço? Um príncipe encantado que se chamava “Ai,
de mim”. Apareceu o príncipe quando ela disse aquilo. Ela ficou muito assustada quando o viu
e ele disse:
[Príncipe:] _ Atão, tu disseste “Ai de mim”. E eu sou o príncipe “Ai de mim”, mas olha que eu (tu
não digas a ninguém que eu estou aqui porque…),eu ‘tou aqui, mas ‘tou encantado. Mas se tu
quiseres ficar aqui comigo, ficas aqui comigo.
Ela, coitadinha, como andava à procura da vida dela e viu que ele que era um
príncipe… [ficou]. Ele levou-a para baixo, para o poço. Chegou lá abaixo, tinha lá um palácio
tão bonito, tão bonito…E ela ficou ali com ele, toda muito satisfeita e andavam por ali de um
lado para o outro.
Um dia (não soava nada, nada, nada [lá em baixo]) soaram uns passarinhos cantando.
Os passarinhos soaram cantando. E ele veio e diz ela assim:
[Rapariga:] _ Olha lá aqueles passarinhos cantando! Não haviam aqui passarinhos nem nada!
E ele disse-lhe assim: _ Olha, sabes, eu não te digo o que é que os passarinhos querem dizer,
porque senão depois tu queres ir embora.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]
[Rapariga:] _ Não! Diz-me lá, diz-me lá!
[Príncipe:] _ Olha, aqueles passarinhos estão a dizer que a tua irmã do meio se vai (a) casar.
[Rapariga:] _ Ai! Deixa-me ir ao casamento da minha irmã! Deixa-me lá ir!
[Príncipe:] _ Não. Não podes ir que tu ópois vais e já na’ voltas!
[Rapariga:] _ Não, volto sim! Deixa-me lá ir! Deixa-me lá ir!
Foi. Ele convenceu-se. E ela vestiu-se toda – ele comprou-lhe muita roupa bonita e
tudo, para ela ir ao casamento da irmã – e foi. E disse-lhe assim:
[Príncipe:] _ Agora vais montada (deu-lhe um cavalo), agora vais montada neste cavalo. E a, e
que chegando lá, podes ‘tar lá até que… quando o cavalo dê a primeira patada: tens que te
estar despedindo; quando der a segunda: tens que estar (a)montada; e quando der a terceira,
tens que ‘tar aqui ao pé de mim.
E ela foi, coitadinha. Chegou lá, a família ficou toda muito satisfeita – ela com uns
grandes anéis, com tudo tão bonito no casamento da irmã, mas ali no melhor da festa o cavalo
deu a primeira patada.
Ela disse: _ Tenho que me despedir. Tenho que me ir embora!
Deu a segunda [patada] tinha que estar lá ao pé do poço. E [quando] deu a terceira [já
ela] estava lá ao pé dele. Ele [o príncipe] ficou muito satisfeito.
Bom, aquilo passaram-se tempos sem soar mais nada.
No outro dia [disse a rapariga ao príncipe:]
[Rapariga:] _ Ai, olha lá! “Ai, de mim” olha lá outra vez os passarinhos. O que é que os
passarinhos agora querem dizer?
[Príncipe:] _ Olha, querem dizer que a tua irmã mais nova (que) se vai casar.
[Rapariga:] _ Atão, deixa-me ir!
[Príncipe:] _ Não. Não vais. Não podes ir. Não podes, não que tu depois já não voltas!
[Rapariga:] _ Volto sim! Volto sim!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]Foi. Foi toda muito bem preparada, levava os anéis. Foi-se (a) lavar tirou os anéis e as
irmãs, viram os anéis lá na bacia, agarraram, agarraram-nos e já não os quiseram dar.
Coitadinha, ela voltou. Teve de se vir embora, chorando, porque ela nem [até] a meio
da boda [tinha ficado].
Chegou cá [ao poço] chamou por ele e ele [o príncipe] na’ lhe apareceu. E ela,
coitadinha, com um grande desgosto, foi andando, andando, andando por ali.
Encontrou uma casa. Bateu à porta e diz assim:
[Rapariga:] _ Olhe, quem é que mora aqui?
Diz ela assim: _ Olhe, aqui é a mãe do Sol. Mas você não se pode… Você na’ me pode estar
aqui, porque o meu filho vindo para casa – o meu filho é o sol – (e) abrasa tudo! E na’ pode ver
ninguém estranho. E atão você na’ pode ‘tar aqui.
[Rapariga:] _ Ai! Deixe-me lá estar aqui, para eu lhe perguntar se ele viu prai ou ouviu falar no
príncipe “Ai, de mim”.
A mulher disse-lhe: _ Olhe, eu agora vou deixá-la ficar aqui, mas vou escondê-la para o meu
filho não a ver!
(Mas teve muita pena dela e deu-lhe umas coisas: uma colcha muito bonita).
Disse-lhe [a mãe do sol:] _Tome lá, isto é – quando o meu filho vier, você tem que se ir embora
– mas tome lá esta prenda que eu lhe dou.
(Ela agarrou na colcha. Veio. Chegou cá fora foi outra vez andando, andando,
andando, andando, andando… Ah não! Chegou o sol!)
Chegou o sol. Diz ele:
[Sol:] _ Mãe! Cheira-me a sangue real!
[Mãe do Sol:] _ Ai, filho! Ai filho, não é nada! Olha era uma peregrinita que anda peregrinando
a ver se lhe dão norte do príncipe “Ai de mim”.
[Sol:] _ Óh! Eu não… Olhe mãe, só se [for] a mãe da Lua… Que a mãe da Lua também anda
por aí (mas eu deito-me muito cedo na’…).
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]Foi. Perguntou à…Foi outra vez, andando, andando, chegou àquela casa bateu. Era a
mãe da Lua. Diz-lhe a mãe assim, diz-lhe ela assim:
[Mãe da Lua:] _ Atão? O que é que você quer?
[Rapariga:] _ Olhe lá! Eu sou uma peregrinita que ando peregrinando, que ando a ver se me
dão norte do príncipe “Ai, de mim”.
[Mãe da Lua:] _ Olhe, eu não. Só se a mãe das águias [souber], porque a mãe das águias…
elas andam por ali correm tudo…. Pode ser que a mãe das águias…
A mãe da Lua teve muita pena dela e deu-lhe um estojo de costura muito bonito, com
dedal, agulha, tinha tesoura, tudo muito bonito.
[Mãe da Lua:] _ Tome lá isto, que é uma lembrança da mãe da Lua.
Foi. Já ia lá muito adiante, muito adiante, quem lhe havia de aparecer? [Viu outra
casinha], bateu à porta. Vê [abrir:] era a mãe das águias.
[Mãe das Águias:] _ Ai, quem é?
[Rapariga:] _ Olhe! Você na’… Ai, olhe é uma peregrinita que anda peregrinando a ver se dão
norte do príncipe “Ai, de mim”.
[Mãe das Águias:] _ Olhe, não. Eu não [sei]. Só se as minhas filhas – que são as águias – e
vão por aí… Mas você não pode estar aqui, porque as minhas filhas são muito más! E você
não pode estar aqui.
[Rapariga:] _ Atão, mas olhe… Deixe-me lá ficar cá, que é para eu lhe[s] perguntar a ver se
elas… Ou pergunte você e depois diz-me. Eu vou-me esconder aqui num cantinho.
Escondeu-se num cantinho. Vieram as águias todas.
[Águias:] _ Ai! Cheira-me a sangue real!
[Mãe das Águias:] _Ó filhos, calem-se! Olha, é uma peregrinita que anda peregrinando, a ver
se lhe dão norte do príncipe “Ai, de mim”.
[Águias:] _Olhe, a gente não. Só se a nossa águia coxa [souber]… Essa ficou ainda por lá, que
dizia que ainda ia a um casamento de um príncipe. E lá há muito comer e ela ficou por lá.
Foi. Esconderam-na ali até que veio a outra. Quando a outra veio, disse:
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]
[Águia coxa:] _ Olhe mãe, cheira-me a sangue real, que tens tu aqui em casa?
[Mãe das Águias:] _ Ai, cala-te filha! Olha, era uma peregrinita que anda peregrinando a ver se
lhe dão norte do príncipe “Ai, de mim”.
[Águia coxa:] _ Óh! Tá a ver! Tenho ‘tado lá no casamento dele! Me’mo agora vim de lá do
casamento dele!
[Mãe das Águias:] _ Ai filho, pois olha esta…
[Águia coxa:] _ Não, atão ele casou-se hoje com outra… com outra senhora que na’, na’…É
porque isso deve haver aí alguma coisa… Chame-a lá!
Ela veio, chegou ali e disse:
[Rapariga:] _ Ai! Águia leva-me lá onde tu foste ao casamento do príncipe “Ai, de mim”!
Foi. Montou-a. E disse[-lhe a águia:]
[Águia coxa:] _ Olha eu levo-te, mas é preciso tu arranjares um borrego: matares um
borrego e pôr aqui à tua frente (e eu ponho-te aqui nas minhas asas) e depois que é pa’… eu
vou… pa’ me ires dando daqui até lá, que é muito longe.
Ela matou o borrego, fez aquilo … aquela coisa toda. Pô-la ali [nas asas e] foram os
dois. E el[a] ia a dizer:
[Águia coxa:] _ Eu tenho fome!
[Rapariga:] _ Toma. (Dava-lhe metade).
[Águia coxa:] _ Tenho fome… [Ia-lhe dando] até que chegaram lá.
Chegaram e diz ela assim:
[Águia coxa:] _ Olha, vês? Aqui é que é a casa do príncipe “Ai, de mim”. E foi aí que houve o
casamento!
(Ah! E a mãe das águias deu-lhe também uma coisa. Uma prenda muito bonita, era
umas coisas (…) era[m] umas prendas em ouro, muito bonitas e ela ia carregada com aquilo
tudo que lhe tinham dado.)
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]Chegou lá a águia, disse-lhe:
[Águia coxa:] _ Tu agora ficas aqui e depois olha… Resolve o assunto como tu queiras. Eu
vou-me já embora.
(Mas quando iam lá chegando, já ‘tava-se acabando o borrego e ela disse-lhe:
[Águia coxa:] _ Tenho, tenho fome!
[Rapariga:] _ Ai, agora já não tenho carne!
[Águia coxa:] _ Atão olha, deixo-te cair já daqui das minhas asas!
[Rapariga:] _ Ai, não! – Ela pediu-lhe tanto que el[a] pô-la ali [junto à morada do príncipe e] foi-
-se embora.
Ela pôs-se ali, arranjou uma (…) tenda [e] pôs-se ali em frente à casa do príncipe. E
pôs além o estojo da costura, a colcha tão bonita…
As criadas do príncipe “Ai, de mim” vieram e disseram [à esposa do príncipe:]
[Criadas:] _ Ai (à noiva, que tinham-se casado cedo), ai minha senhora que coisa tão bonita
que tem além aquela senhora. Ela diz que é para vender.
[Noiva:] _Atão vai lá perguntar quanto é que ela quer por aquilo.
Foram (a) perguntar.
[Noiva:] _O que é que ela disse?
[Criadas:] _ Olhe, ela diz que não quer nada; quer que você a deixe dormir uma noite com o
príncipe.
[Noiva:] _ Olha! Na’ tem vergonha! Agora queria… Ah! Óh! Não senhor! Na’aaahhh!i – Ficou
toda… [E] elas não disseram nada, as criadas não disseram nada.
Ao outro dia de manhã apareceu ela com o estojo da costura, tão bonito.
[Criadas:] _Ai, minha senhora… Olha hoje está ali…
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita][Noiva:] _ Não! Atão vê lá o que ela me disse! Ela disse pra, pra me dar aquilo, que era
preciso… Não, não! Agora diz-te a me’ma coisa!... Mas vai lá perguntar.
Chegou lá. Disse-lhe[s] a mesma coisa [que havia dito no dia anterior:]
[Rapariga:] _ Eu dava(-te) isso, mas era preciso que me deixasse(s) uma noite dormir com o
príncipe.
Elas vieram todas [contar à sua senhora].
[Noiva:] _Ai, não digam nada ao senhor príncipe. Senão… tal será ele? Não lhe digam nada,
senão depois…
No outro dia [a rapariga] apareceu com as prendas em ouro.
[Criadas:] _ Ah, minha senhora! Hoje atão é que (já, já) tem que se ir lá!
[Criadas:] _ Olhe, a gente vamos a fazer uma coisa: a gente vai dar um chá que a gente sabe
(as criadas), um chá que a gente sabe [ao príncipe], que se chama dormideiras(1). O senhor
príncipe dorme a noite inteira (e ele nem sequer sabe que ela ‘tá lá deitada com ele) e a
senhora fica com aquelas prendas tão bonitas!
Ela foi… (Deram-lhe o chá) [e] ela foi dormir com ele, mas levou a noite inteira só [a
dizer:]
[Rapariga:] _ “Ai, de mim”, tu não te lembras disto! “Ai, de mim”, tu não te lembras daquilo! “Ai,
de mim”, tu…”
E ele nem responde, pois [se] ele ‘tava dormindo com as dormideiras, como é que
havia de acordar! No outro dia de manhã dizem elas [as criadas] assim:
[Criadas:] _ Ai, senhor príncipe! Atão o que é que houve praí no seu quarto esta noite, que
levou a noite inteira uma pessoa, soava aí de dentro, “Ai de mim”, tu na’ te lembras!”, “Ai, de
mim”, tu na’ te lembras!”?
E ele lembrou-se que[m] era ela. Foi lá fora [e] conheceu-a. Disse:
[Príncipe:] _ Vamos lá agora a fazer aqui um almoço para esta gente toda! Eu vou chamar
aquela senhora que ‘tá além ([que] tinha as coisas, as prendas), que eu também quero que ela
venha pra aqui para o pé da gente.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]A noiva ficou toda muito coiso, porque já ‘tava com ciúmes e depois ele queria que ela
viesse para ali…
Puseram-se à mesa todos, um jantar muito grande. Puseram-se todos à mesa e ele
disse assim:
[Príncipe:] _ Aqui, põe-se aquela senhora que está além fora; e aqui põe-se a outra senhora e
depois a seguir, põe-se o pai dessa senhora; e depois a seguir põe[m]-se as criadas. E põe[m]-
se todos aqui pra jantarmos.
Quando acabaram de jantar disse:
[Príncipe:] _ Bom, agora cada um vai contar uma anedota (do) [sobre o] que souber. Cada
um…
Chegou à vez dele. Ele olhou para o sogro, viu que aquilo ‘tava ali… E disse-lhe assim:
[Príncipe:] _ Olhe lá, eu agora vou-lhe contar uma: você se tivesse uma, uma mala e perdesse
a chave, e depois de ter, ter passado muito tempo (teve que comprar outra nova) e depois
passado muito tempo aparecesse a velha – qual era a que o senhor utilizava? Era a velha ou
era a nova?
E ele disse [o pai da noiva:] _ Era a velha.
[Príncipe:] _ Atão leve lá a sua filha, que eu já tenho aqui a minha [mulher] …».
Mariana Valente, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Glossário(1) Dormideira: espécie de papoila com características sedativas e narcóticas.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [A peregrinita]
[A Peregrinita]
Classificação do Conto: Contos maravilhosos.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 425 A O
Monstro (Animal) como Noivo (Cupido e Psique).
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Assunto: A história de uma rapariga que se obrigada a demandar pelo mundo em busca do
seu príncipe encantado.
Palavras-chave: alentejo, águia, borrego, casamento, cavalo, chá, chave, criada, ficalho, filha,
lua, mala, pai, palácio, pássaro, peregrina, poço, príncipe, sangue, serpa, sogro, sol
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Mariana Valente
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:13:18 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 12.785
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]
[A prova de amor]
«Mas era uma senhora que era viúva já há uns poucos de anos e disse[-lhe] assim a
outra vizinha dela (elas eram vizinhas) e disse assim:
[Mulher:] _ Ai, o meu marido! – (Era um homem, era um homem que adorava mais a mulher!) –
O meu marido é o homem que adora mais a mulher! Até me diz assim: _ Ah, mulher! Se tu
morresses eu não me podia governar sem ti!
E ó’depois ela dizia assim: _Ai, homem! Nem queiras falar nisso! Eu também penso: ai se tu
morresses, o que é que havia de ser de mim!
Olhe e estavam sempre com aqueles [comentários]. E a mulher meteu-se aquilo na
cabeça – que o homem que era o senhor que gostava mais da mulher!
Diz assim a viúva, a vizinha: _ Ah, vizinha! Tire as ilusões da cabeça! Mãe há só uma – ouça o
que lhe estou a dizer – nunca trocar a mãe pela mulher, que a mulher só é nossa enquanto
quer e mãe é sempre mãe até morrer! – Dizia-lhe a vizinha viúva.
E dizia ela assim: _ Na’ senhora! O meu marido gosta muito de mim! Ai…
[Viúva:] _ Ó vizinha! Faça-se morta! O seu marido gosta das conveniências dele: a vizinha
arranja-lhe a roupa, a vizinha faz-lhe o comerzinho, a vizinha faz-lhe tudo (e tataratata…)
E ela diz assim: _ Na’ senhor, vizinha!
[Viúva:] _Ó vizinha! Quer tirar as ilusões da cabeça?! Faça-se morta! Faça-se morta e vai a
ver!
[Vizinha:] _ Ai, vizinha! Na’ me diga! Era bom?
[Viúva:] _ Era! Era bom a vizinha fazer-se de morta, pra ver o resultado que dá!
[Vizinha:] _ Atão vá! Eu faço-me de morta! Atão vá! Eu faço-me de morta e a vizinha
amortalha--me(1) já aqui e vai chamar ali o meu marido que anda a roçar ali as balsas(2)…
Assim foi. Fez-se morta! Logo pela manhã, logo de manhã! E a outra vizinha, a viúva,
foi chamar:
[Viúva:] _ Ai, vizinho! O que aconteceu! Morreu a vizinha! Deu-lhe uma coisa – caiu pò chão –
morreu! Eu é que me vi ali em aflições! Já fartei-me de gritar, o vizinho na’ ouviu! Já a
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]amortalhei… – Tinham logo que ser amortalhadas numa esteira(3) no meio da casa! Credo!
Como eram os usos!
E depois foi chamar o marido: _ A, vizinho! O que aconteceu! A vizinha caiu pò chão!
Desmaiou! Morreu! (Morreu – ‘tá morta – já ‘tá fria e tudo!), eu ‘tive a vesti-la e a arranjá-la
porque ela depois até inteiriçava(4)!
E o vizinho: _ Ai! Minha rica mulher! Ai! Nossa Senhora me acuda! Ai, a minha rica mulher!
Como é que eu agora me hei-de governar! Ai! Nossa Senhora! – Começou aos gritos.
Acudiu muita gente logo ali. Veio ali a vizinhança toda acompanhar a mulher.
Enquanto foi dia! Mas assim que chegou a noite: umas tinham de ir tratar do jantar; outras
tinham de ir aviar a alcofa ao marido (que ainda nessa altura era o marido e a alcofa!); e outras
tinham de ir ver já as telenovelas (que já havia!) e foram jantar e meteram-se na cama.
E ele ficou sozinho mais a vizinha. A vizinha já era viúva há uns poucos de anos e ele
disse assim:
[Marido:] _ Ó vizinha! Já viu?! Agora foi-se tudo embora (nesse tempo já ficava lá amortalhada
porque já tinha morrido a outra e depois reviveu e já tinha que ficar amortalhada!). Atão já viu
vizinha!? A gente agora aqui sozinhos os dois! Ai vizinha, vossemecê já é viúva há tantos anos!
E eu agora que estou a passar por este insulto! Atão já viu o que me aconteceu?! Ai, minha
rica mulher! – E vá de chorar.
E a vizinha a pensar: _ Ai, que pirataria que a gente fez!
Bom, tantantantantanta… Era já tantas horas da noite e eles sozinhos os dois…
Também para lá ninguém foi (se fosse eu ia pra lá acompanhar a mulher!). Ficou lá sozinho
mais a vizinha. Quer ouvir a malandrice dele?!
Começa a dizer à mulher:
[Marido:] _ Ó vizinha! Atão (ela…) o seu marido já morreu há tantos anos! A minha mulher,
coitadinha, de além já na’ espero mais nada! E atão se a gente ajuntasse os trapinhos?!
A mulher, a mulher caiu das nuvens! Disse assim: _ Credo, vizinho! Nossa Senhora lhe perdoe!
Credo! Deus lhe perdoe! Atão ainda a vizinha ali está!
[Marido:] _ Ó vizinha! Mas atão ela, coitadinha, já dali, dali já não se recruta nada! Amanhã vai
pra baixo do chão! O que é que espero dali vizinha?! E vossemecê já não faz ofensas ao seu
marido! E juntamos os trapinhos!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor]
[Viúva:] _Ai! Credo vizinho! – Ela a saber que a outra que estava [a ouvir.] – Ai! Credo, vizinho!
Por amor de Deus! Na’ me diga uma coisa dessas! Se Deus quisesse (que eu tivesse o meu
marido) que eu tivesse um marido não mo levava! Na’ senhora vizinho! (Lá fez o seu papel).
Ele sempre a teimar: _ Ó vizinha venha! Venha se agasalhar mais eu! Atão ‘tá vossemecê
sozinha, ‘tou em sozinho!
A mulherzinha disse assim: _ Ai, vizinho! Até me envergonho! Só se apagar a luz! E vá lá
fechar a minha porta.
Ora assim que ele apagou a luz ela foi: _ Eu vou fechar a minha porta. Foi fechar a porta.
A mulher que estava amortalhada (a)levantou-se e foi a correr puxar do… do descanso
da natureza – sabe o que é? O lifilho do descanso da natureza é o penico! Foi puxar do penico
e toca a fazer xixi! Um dia inteiro ali deitada, amortalhada, na’ se (a)lembrara disso! E toca a
fazer xixi – trrrrrrccchhhhh – parecia que há um dia…Parecia que há um dia que na’ fazia xixi! E
era verdade!
E vai o homem, malandro – gostava tanto dela! – sabe o que ele disse?
Disse assim: _ Ai, vizinha! Disse assim: _ Ai, minha rica vizinha até a fazer xixi tem gracinha!
Na’ é como aquele coirão que até a fazer xixi fazia talão, talão, talão!
A mulher dana-se de lá e diz assim: _ Ai malandro! Dizes que gostavas tanto de mim! Eu
descalço já aqui o chinelo e mata-te com o chinelo! Mato-te com o sapato! Mato-te! Toma!
Toma! (a bater na cama).
E ele dizia assim: _ Ai, minha rica mulher! Perdoa-me! Olha, bate sim! Bate! Bate-me! Olha se
for em cima da cama, debaixo da roupa, bate-me numa ponta que eu fujo prà outra! E bate
mulher, bate…
E ela dizia: _ Mato-te! Mato-te! Com o sapato dou-te uma sova que até te mato!
[Marido:] _ Atão, bate-me mulher! Bate-me numa ponta da cama que eu estou em cima da
cama debaixo da roupa; bate numa ponta que eu fujo para a outra!
Até que a mulher cansou! Já ‘tava farta! E lá se deitou e disse:
[Mulher:] _ Malandro! Foi por Deus…
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor][Marido:] _ Ó mulher perdoa-me! Atão, eu já não esperava nada de ti!
E a mulher disse: _ Uma coisa destas! Assim é que se vêem os desenganos! Assim que se
apanham os enganos! Vêm-se os desenganos!
E pronto! E ficou, ficou a mulher sabendo o que é que ele gostava dela!
E bendito, louvado, o continho ‘tá acabado! E desculpem se na’ é do seu agrado!»
Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.
Glossário: (1) Amortalhar: vestir o cadáver com o trajo com que vai ser sepultado.
(2) Balsas: sebe de ramos ou silvas.
(3) Esteira: tecido grosseiro feito de matérias vegetais justapostas, entrançadas ou entrelaçadas.
(4) Inteiriçava: ficava hirto, rígido.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Prova de amor][A prova de amor]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1419 E O Bom
Marido (Passagem Subterrânea para a Casa do Amante).
[Provável origem oriental; documentado na Idade Média].
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Crente que vai ter a derradeira prova de amor do seu marido, uma mulher encena
a sua própria morte…
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, amortalhar, amor, desengano, evora, ilusão, marido,
mora, morta, penico, velar, sova, viúva, vizinha, xixi
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Luísa de Jesus
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Junho 2007
Duração vídeo: 0:06:02 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 6.408
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Enganar a morte]
[Enganar a morte]
«É um homenzito – que não havia reformas antigamente (antigamente: isso não foi muito antigo)
mas aqueles que eram empregados do Estado, que eram guardas ou polícias, arranjavam qualquer
pensãozinha pròs pais. Mas que aquele homem era já assim idoso e o filho era guarda, era guarda-fiscal,
e arranjou-lhe uma pensãozinha.
E foi a morte que veio (a) buscar o velho. Ai, o velho [diz-lhe assim:]
[Velho:] _ É morte! É morte deixa-me viver mais! Pelo menos uns dez anos mais! Atão nunca tive um
tostão e agora o meu filho arranjou-me uma pensãozinha! E eu com essa pensão vou-
-me governando. Dá-me mais dez anos de vida!
[Morte:] _ Bom, atão vá lá...
A morte deu-lhe mais dez anos de vida. Vai que o velho também era esperto, também, quando
chegou os dez anos o que é que ele pensou logo:
[Velho:] _ A morte vem-me buscar. E é hoje já! Há dez anos…
Despiu as calças, ficou só com a camisinha. E naquele tempo havia muita poeira, os rapazes
brincavam ali na terra e urinando ali, fazendo tigelinhas com a poeira. Vai ele, despe as calças, foi só com
a camisinha a brincar lá no meio dos rapazes e a fazer, mijar, a urinar ali prà poeira. Chama-se uma
tigelinha de seca-seca: faziam com barro, com pau (…).
Chama-se uma tigelinha, pois. Lá estava ele brincando no meio dos rapazes, ‘tava brincando
além, assim no meio dos rapazes, de modo que cagaram aqui assim para um buraco (tu!) e ele ia, assim
aos saltinhos, e olhava assim pra cima, olhava pa’ morte, dizia assim:
[Velho:] _ Mãe, papa!
E a morte levava-o e ele olhava para a morte e dizia:
[Velho:] _ Mãe, papa! Mãe, papa!
E assim foi e a morte na’ o levou.
Depois ainda olhava, pensava que ia dormir no meio dos rapazes…
[Diz] a morte: _ Não! Hoje…
Hoje…na’ se engana nada!»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho, (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Enganar a morte]
[Enganar a morte]→ Classificação do Conto:
Conto maravilhoso.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 332 A Morte
Madrinha [fragmento]
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Um velhote tenta adiar a hora da sua morte refugiando-se entre as crianças.
→ Palavras-chave: alentejo, barro, cagar, enganar, ficalho, morte, pensão, rapaz, serpa,
tigela, urina, velho
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:02:11 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 1848
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]
[A raposa e o lobo]
«A raposa foi sempre um bicho muita velhaco. A raposa é um, é um dos bichos mais
velhacos que há – é a raposa. E atão tentou enganar o lobo. E o lobo foi escondeu uma panela
de manteiga lá no meio do mato, bem escondidinha, pa’ raposa na’ dar com ela. Mas a raposa
muita esperta e foi, descobriu onde estava a panela. Descobriu onde estava a panela e atão
um dia chega ao pé do lobo e diz assim:
[Raposa:] _ Ó compadre lobo! Tu emprestas-me os teus sapatinhos para ir ter um afilhado?
E o lobo diz assim: _ Empresto!
Emprestou-lhe os sapatinhos e a raposa foi lá à panela da manteiga, destapou aquilo
tudo e toca, toca, toca comeu. Encheu a barriga! Veio de lá e diz-lhe:
[Raposa:] _ Olha compadre lobo cá tens os teus sapatinhos e obrigado!
Diz-lhe o lobo assim: _Ó comadre raposa atão e como é que se chama o teu afilhado?
[Raposa:] _ Ora compadre lobo é um nome muito esquisito! Na’ se pode dizer, é muito
esquisito!
[Lobo:] _ Ah! Na’ me digas que na’ se pode dizer o nome que prantaste(1) ao teu afilhado!
[Raposa:] _ Não! Olha se eu te digo: “Comecete”.
Bom, o lobo: _ Ai, que nome tão bonito! “Comecete”?! Um nome muita bonito!
Bom, ao fim de uma temporada, outra vez, diz-lhe a raposa outra vez:
[Raposa:] _Ó compadre lobo emprestas-me os teus sapatinhos, que vieram-me fazer um
convite pra ir ter um afilhado outra vez?
[Lobo:] _ Empresto!
Bom, ele lá lhe emprestou os sapatinhos. A raposa lá foi ter um afilhado outra vez…
Baptizar e coiso… Vem de lá, diz-lhe o compadre lobo outra vez:
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]
[Lobo:] _ Ó comadre raposa, atão como é que se chama o te’ afilhado?!
[Raposa:] _ Ai, tem um nome muito esquisito! Um nome tão feio!
[Lobo:] _ Atão, mas na’ se pode dizer?!
[Raposa:] _ Pode.
[Lobo:] _ Atão como é que se chama?
[Raposa:] _ “Meiete”!
Bom, o lobo: _ Ai que nome tão bonito que tu arranjaste para o teu afilhado!
Ãh, aquilo passou outra vez! Ao fim de uma temporada, a raposa outra vez:
[Raposa:] _Ó compadre lobo! Tens que me emprestar os sapatinhos! Atão vieram fazer-me
outro convite pra ter outro afilhado! Ah, ah compadre lobo, você se calhar na’ tem nenhuns
sapatos!
[Lobo:] _ Não, eu empresto-lhe os sapatos!
Lá foi a raposa. Chegou lá à panela da manteiga, comeu o resto! Bom, comeu o resto.
Veio de lá e diz-lhe:
[Raposa:] _ Vá, toma lá os sapatinhos compadre, que eu já… Agora já não me são precisos.
[Lobo:] _ Atão como é que se chama…? O nome do teu afilhado? Como é que se chama? [Qual
é] o nome do teu afilhado?
[Raposa:] _ Ai, compadre! Tem um nome tão feio!
[Lobo:] _ Atão, mas como é que se chama?
[Raposa:] _ “Acabete”!
Bom, o lobo: _ Ai, que nome tão bonito, que tu arranjaste para o afilhado!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]
Bom, lá ao fim de uma temporada e diz-lhe o lobo assim pa’ raposa:
[Lobo:] _Ó comadre raposa! Hoje vamos ter um jantar!
[Raposa:] _ Ah, sim?!
[Lobo:] _ Vamos!
Abalaram os dois todos seletras(2), chegaram lá onde a panela estava escondida. O
lobo tinha abalado, vai dar volta àquilo…Já lá na’ tinha nada! E diz-lhe o lobo assim:
[Lobo:] _ Ah! Comadre raposa! Tu é que me vieste comer a manteiga!
[Raposa:] _ Na’! Na’ fui! Na’ fui, não! Óh compadre lobo na’ fui, não!
[Lobo:] _ Foste, foste! Porque olha os afilhados: um era “Comecete”; outro era “Meiete” e outro
era “Acabete”! E foste tu que comeste a manteiga!
[Raposa:] _ Na’ fui! Na’ fui! Olha, vamos fazer um contrato: ‘tá muito calor, vamos além p’
aquela soalheira(3) e deitamos além à soalheira. Esse que lhe suar o rabo é que comeu a
manteiga!
[Lobo:] _ Bom, ‘tá bem!
O lobo anuiu aquilo muito bem! Chegou lá, deitou-se ali uma soalheira e a raposa
também ali ao lado dele. Daqui a nada o lobo deixou-se dormir. Assim que se deixou dormir, a
raposa foi alçou a perna: trás! Mijou pò rabo do lobo! Assim, mijou pò rabo do lobo e diz-lhe
assim:
[Raposa:] _ Ó compadre lobo! Ó compadre lobo! Tu é que comeste a manteiga!
[Lobo:] _ Não!
[Raposa:] _ Foi! Vê lá se na’ ‘tás todo suado!
Ora o lobo foi ver ‘tava todo molhado! (Ela tinha-lhe mijado prò rabo!).
‘Tava todo molhado, diz assim:
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]
[Lobo:] _ É verdade! Atão… mas… Tu é que… Atão! Mas atão… Eu na’ comi a manteiga e ‘tou
todo suado!
[Raposa:] _ Na’ sei! Olha foste tu é que a comeste!
Pronto, esta ‘tá acabada!»
José Manuel, 87 anos, Brotas (conc. Mora), Junho 2007
Glossário:(1) Prantaste: colocaste, puseste.
(2) Seletras: no caso o mesmo que selectas (adjectivo feminino de selectos): distintos.
(3) Soalheira: hora de maior calor; exposição ao sol; calor.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [A raposa e o lobo]
[A raposa e o lobo]
→ Classificação do Conto: Conto de animais.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 15 A Raposa
Finge ir a um Baptizado.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Uma raposa consegue comer a manteiga do seu compadre lobo e escapa às
culpas do seu acto enganando-o uma segunda vez.
→ Palavras-chave: afilhado, animal, alentejo, brotas, compadre, evora, enganar, lobo,
manteiga, mato, mijo, mora, nome, panela, rabo, raposa, sapatos, soalheira, suar, velhaco
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: José Manuel
Idade: 87 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 5:05 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 4315
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Casos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A taberna]
[A Taberna]
«Olhe era um senhor que tinha uma taberna. (Dantes – agora chamam-
-lhe cafés; não é? Um café. Mas dantes era taberna!) E o senhor era já assim de uma idade
muito avançada, coitadinho, e na’ l[h]e aparecia lá pela semana adiante aquase ninguém!
(Bebiam era vinho ao copo – bebiam vinho ao copo).
E atão ele tinha uma bela filha, uma bela donzela! E o que é que acontece? Ela andava
a estudar e chegava ao sábado e ia logo lá à taberna ver o pai.
[Filha:] _ Atão, pai?! Esta semana ganhou pò pãozinho?
[Taberneiro:] _ Ora filha! Uma semana muito… muita ruimzita! Uma semana muito gelada…Já
sou velhote! Isto é preciso é, é a gente ter… ah, calão(1)! Eu já sou velhote! Isto já ninguém faz
caso de mim!
[Filha:] _Deixe que eu agora ao sábado e ao domingo… Vai ganhar pò pão e pà sopinha e pra
tudo!
Assim foi. A gaja era muito boa! E atão ia lá pò café.
Andava um matulão a querê-la! Um gajo todo fadista(2)! (Que ela também era fadista!)
E atão o gajo olhava sempre lá pà taberna a ver se ela lá estava. Andava a querê-la! E vai,
viu--a lá ao sábado. Até se estremeceu!
Disse pò colega: _ Olha! O dono da taberna já tem ali a… a donzela! E ando (…) ando a
querê--la! Vamos lá! Vamos pra lá!
Ora eles viram-nos lá, começaram a ir muitos! _Vá! – vinha o copo. – Ela vinha logo
aviá-los! Vá de comer um tremocinho e vá daí a nada: _ Outro copo! _ Outro copo!
Ora chegou às tantas, o gajo ‘tava bêbado! ‘Tava perdido de bêbado!
O que é que ele faz? Já não podia beber mais, disse assim:
[Rapaz:] _ ‘Tou cheio até aqui ao estreitinho! Já na’ posso beber mais um copinho! Mas tenho
caminho a direito pr’ andar, mas na perna levo o defeito – vou sempre a cambalear! Chego a
casa, olho pra luz, fecho os olhos – catrapuz! E já na’ posso mais olhar! Mas ainda na’ perdi as
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Transcrições / Casos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A taberna]esperanças [de] com a, com a donzelazinha lá do, da taberna ir casar! E havemos de ter
muitos filhinhos e… e pra vidinha boa passar! Com ela passar!
E bem dito louvado o meu continho ‘tá acabado!
E sempre casou com ela! Pelo jeito… Ópois, ópois telefonaram-me a dizer que ele se
casou depois!»
Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. de Mora), Junho 2007
Glossário:(1) Calão: no caso o mesmo que calo no sentido de manha.
(2) Fadista: o mesmo que fadistinha ou liró – aperaltado, bonito, catita.
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Transcrições / Casos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A taberna]
[A Taberna]
→ Classificação: Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Caso.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Uma história sobre como um rapaz encontra uma forma criativa de declarar o seu
amor à filha de um taberneiro.
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, bêbado, bela, casar, copo, estudar, évora, filha, mora,
pai, taberna, taberneiro, velhote, vinho
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Luísa de Jesus
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Novembro de 2007
Duração vídeo: 2:18 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 2.184
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrição / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A terra mais a mulher]
[A mulher mais a terra]
«É que a terra mais a mulher
podem sempre as comparar:
nenhuma delas dá produto
sem o homem a cultivar.
Qualquer terra com alqueve(1),
e estando mesmo fabricada,
mas em na’ ‘tando estrumada
a invernia tudo embebe.
A terra tudo recebe
e faz tudo o que ela quer.
Pode dar, se deus quiser,
trinta a quarenta sementes.
E são dois partos valentes
[os] [d]a terra mais a mulher.
A mulher estando sozinha
e em mesmo sem ter companha(2)
de tal modo se amanha
lá ganha para farinha.
Mas não é pra agulhas e linhas,
coitada pa’ costurar.
E assim que possa casar
muda logo de alimento.
E segundo o que eu apresento
Podem sempre as comparar.»
Edmundo Manuel, 77 anos, Mora, Junho 2007. Glossário:
(1) Alqueve: terra deserta.
(2) Companha: companhia.
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Transcrição / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A terra mais a mulher]
[A terra mais a mulher]
→ Classificação dos Versos:
Décimas.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Comparação entre a terra e a mulher.
→ Palavras-chave: agulhas, alentejo, alqueve, amanha, alimento, costurar, cultivar, évora,
farinha, linhas, mora, mulher, partos, terra, sementes
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Mora
Contador: Edmundo Manuel
Idade: 77 anos
Residência: Mora
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 0:45 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 768
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]
[As três adivinhas]
«Ele não tinha pai nem mãe – era sozinho – e andava a guardar umas cabritas lá pra
um…um vizinho. Rapazote andou lá uns poucos anos. E naquele tempo – já se sabia o que
era, isto já há muito ano – andava descalço e a guardar as cabras (e havia muito novo).
E o rapaz começou a ser maiorzito, já tinha aí os seus catorze anos ou coisa, começou
a ouvir dizer que havia uma princesa [e] quem lá fosse com umas, com umas anedotas que ela
não adivinhasse casava com ele! E se ela… (eram três, tinha três anedotas) se adivinhasse as
três, ele era morto ia lá pa’ um alçapão (já lá havia muitos mortos).
O rapazito, mal arranjadito coiso, e começou a pensar:
[Pastor:] _ Atão aquela princesa… Ela adivinha as adivinhas todas, mas eu é que vou fazer as
minhas: as minhas na’ ‘tão escritas e ela na’ as adivinha!
Vá, o que é que o rapaz pensou: _ Vou deixar as cabras, e na’ digo nada, e vou-me embora.
E marchou por aí afora, foi indo. Um dia de manhã, embalou, deixou as cabritas.
Começou a pensar no caminho:
[Pastor:] _ É pá! Mas atão eu deixei as cabras, não as havia de ter deixado! Os lobos agora
comem naquilo tudo! – Começou a pensar: _ Olha… Vou já arranjar aqui uma! “Deixei o que
não deixara”. E marcha pra diante. _Bom estas ela não vai adivinhar…
Chega lá adiante andava ali uns montões de mata a arder e vinha uma cobra a fugir.
Olhou, com o cajadito levava… _ Toma! Deitou a cobra pra cima do lume! Ora o lume enrolou-
-a logo! Disse ele logo:
[Rapaz:] _ Olha… A cobra é ruim, mas o lume ainda é pior que a matou! Atão vou aqui arranjar
outra! “Atirei com o ruim pò pior”…
Mas foi lá pra diante. Chega lá diante, a pensar, a ver se arranjava outra, dá um
pontapé numa pedra: _ É páaa! Fico logo à rasca com dores na unha. Disse logo:
[Rapaz:] _ Olha, daqui vou fazer outra: “topei o que não topara” (porque isto dói muito e eu não
havia de dar esta topada…).
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas][Continuou] lá pra diante, sempre andando! Chega lá mais adiante vê um belo bocado
de trigo e um cabrão dum boi mais (…) lá dentro.
[Pastor:] _ É pá! O boi é bom, mas o trigo ainda é melhor! Vou tirá-lo daqui pra fora!
Vai, tira o touro pra fora. E começou a pensar:
[Pastor:] _ “Tirei o bom do melhor.” (Que é a dizer que o boi era bom, mas o trigo ainda era
melhor).
E marcha sempre a andar pra diante. Vai indo pra diante (aquilo já se ia a fazer assim
aquase noite, já se tinha posto o sol) ‘tava um montezito(1) e tal…
[Pastor:] _ Vou pedir aqui quartel(2) a esta, a esta mulher. (Aquilo já era perto lá da aldeola,
que era onde ‘tava a princesa).
A mulherzita: _ Sim senhora! Olha, ficas aí, até me fazes companha(3), que eu tenho o meu
homem amortalhado(4) e vai…Vai ali pra dentro. Ficas ali que eu agora vou tratar ali das
galinhas e da bicheza.
E foi. ‘Tava ali ao pé do homenzinho (o velho ‘tava dentro do caixão) e nisto o homem
(a)levantou-se além [e disse:]
[Homem:] _ Na’ tenhas medo que eu vou-te dizer uma coisa! Olha, tenho uma pereira no meu
quintal – dá peras muita boas! – mas as raízes é o melhor, porque ‘tá lá uma panela de
libras(5) enterrada! E tu vais e tiras aquilo (que ninguém sabe), senão aquilo estraga-se lá.
O rapaz começou logo: _ Ó pá! Já ‘tou de cavalo(6)! Já vou, já me vou preparar e comprar
sapatos e roupa pa’ ir ter com a princesa!
Vai [diz-lhe o morto:] _ Na’ tenhas medo que eu agora caio e fico morto outra vez! (E o gajo
disse pra ele ainda:) _ Olha, as peras são boas, mas o melhor é a raiz! – Disse até pra ele: _
As peras são boas, mas o melhor é a raiz! (Que era a panela das libras).
Ora o gajo ficou com aquilo tudo na ideia. No outro dia (aquilo era já noite) disse pa’,
pa’ mulherzita:
[Pastor:] _ Na’ tem aí uma enxadita?
[Mulher:] _ Atão? Queres ir cavar?!
[Pastor:] _ Quero ir p’ali cavar, ali um bocadito pò quintal. (Já com, com a mira(7) de ir à cata(8)
da panela das libras!)
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]
O gajo lá foi cavar de roda da coisa... Achou a panela. Levou-a assim pa’ mais longe.
Escondeu-a (que era pa’ quando abalasse a levar). Assim foi. Ao fim de um bocado, lá ‘teve a
almoçar, a comer mais a, mais a velhota e embala! Pra ir à cata da princesa!
Lá vai (aquilo era já perto) lá chegou à princesa. A princesa tinha três criadas.
A princesa: _ Atão tu...? O que é que tu vens fazer rapazinho? Atão tanta gente que aqui vem!
‘Tá além um alçapão já cheio deles mortos! Tu és morto!
[Pastor:] _ Na’ faz mal! Eu sou sozinho, na’ tenho ninguém. Na’ faz mal ser morto.
Ora, ela era de roda dos livros, ele [foi] até ao portão.
[Princesa:] _ Diz lá atão a tua adivinha.
(Foi logo a primeira) [diz o pastor:] _ “Deixei o que na’ deixara…”
[Princesa:] _ Óh, rapaz…
Ela era a dar volta aos livros, aquilo na’ ‘tava lá escrito… Fez-se noite, diz para uma
criada (ela tinha três criadas):
[Princesa:] _Vais dormir com ele. – (A ver se el[a] descobre aquilo, a ver se ela descobre o que
é o…a história dele…).
Lá foi. Lá brincaram de noite e tal os dois… De manhã, ele contou-lhe a ela de manhã.
[Disse-lhe a criada1:] _ Tens que me dizer agora o que é!
[Pastor:] _ Ah, pois digo! Ainda tenho muitas! Ela n’ as adivinha todas! Olha, podes lhe dizer a
ela que foi isto: “deixei o que na’ deixara” porque deixei um rebanho de cabras no meio de um
matagal, (a)donde havia muito lobo, e não as havia de ter deixado que os lobos comiam-nas!
Portanto: “deixei o que na’ deixara”.
Ela sai de lá, foi logo contar à princesa. A princesa chama-o lá. [Ele] apresenta-se.
[Princesa:] _ Sim senhora! Deixaste atão um rebanho de cabras que não havias de ter deixado,
os lobos comiam… ‘Tá bem! Diga! Diga mais! Diga mais!
[Pastor:] _ E atão “atirei c’o ruim pò pior!”
[Princesa:] _ Mau...!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]Ela ficou logo à rasca(9) outra vez! Tinha três pra ela adivinhar, ao fim das três, se
adivinhasse, era muito! Ora ela todo o dia de roda daquilo outra vez…Chegou-se de noite,
nada de ser capaz de adivinhar! Vai outra criada à noite ir dormir com ele! (Já na’ foi a mesma,
outra! Ele conheceu as três criadas…Dormiu c’ as três!). Bom, lá de manhã [diz-lhe a criada:]
[Criada2:] _ Tens de me dizer agora o que é!
[Pastor:] _ Ah, pois digo! Fui eu que vinha andando, e vi uns montões de mato assim a arder
num lume, e vinha uma cobra a fugir e eu ventei com ela lá pra cima e atão “atirei c’o ruim pò
pior!”. (Ele já tinha, já lhe dito à criada: _ “Atirei com o ruim pò pior.”).
A criada vem de lá (pumba!) vai logo contar à princesa.
[Criada2:] _ Sabe o que é que foi? Foi ele que “atirou com o ruim pò pior”: era uma cobra que
vinha a fugir e ele atirou com ela pra cima do lume!
Ela chamou-o logo lá: _ Sim senhor! Mais! Diga! Diga mais!
[Pastor:] _ E a’tão “topei o que na’ topara!” e “deixei o que não deixara” e um morto da tumba
me diz “que as peras, as peras são boas, mas o melhor é a raiz!”
[Princesa:] _ É páaa!
Ela ficou logo à rasca, tanta coisa! Bom, “topei o que na’ topara” – ela lá ficou de roda
daquilo –, as outras já nem pensar nelas (não foi capaz de adivinhar mais nenhuma).
Chega de manhã, lá a outra criada, lá ia contar à patroa o que é que tinha sido.
[Criada3:] _ Ora foi ele que “topou o que na’ topara: porque deu um pontapé numa pedra, ia
arrancando uma unha e não havia de ter dado.
Ela logo outra vez [a princesa:] _ Sim senhor! Foi isto, foi aquilo…
[Pastor:] _ Eh! A’tão… “e o morto da tumba me diz que as peras são boas, melhor é a raiz”…
(Bom, ela na’ foi capaz de adivinhar nada daquilo!).
[Princesa:] _ Que é que…! Até que pensou: _ Bom…E resolveu ir casar com ele.
Ainda agora há duas semanas ou coiso, ouvi-a lá em Évora no outro dia…Isto já aí
há… há cinquenta e tantos anos que isto foi!»
Mano Vitorino, 76 anos, Mora, (conc. Mora), Junho 2007.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]
Glossário:(1) Montezito: Designação dada na província do Alentejo a uma herdade ou à sede de uma herdade, formada por
vários edifícios em torno de um pátio.
(2) Pedir quartel: alojamento, guarida.
(3) Companha: companhia.
(4) Amortalhado: vestido com a mortalha, no caso o traje com que o cadáver que vai ser sepultado.
(5) Libra: antiga moeda de prata.
(6) Já estou de cavalo: a subir na vida.
(7) Mira: com o intuito de.
(8) À cata: à procura.
(9) À rasca: em dificuldades.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [As três adivinhas]
[As três adivinhas]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 851 A
Princesa que não soube Resolver o Enigma.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Uma princesa dispõe-se a casar com quem lhe apresente três adivinhas às quais
não consiga dar resposta. Um jovem e perspicaz pastor aceita o desafio.
→ Palavras-chave: adivinhas, alentejo, boi, cabra, casamento, criada, cobra, evora, libra livro,
lobo, lume, mora, morto, pastor, pedra, pera, pereira, princesa, raiz, trigo
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Mora
Contador: Mano Vitorino
Idade: 76 anos
Residência: Mora
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Junho 2007
Duração vídeo: 0:08:39 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 7.590
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Ás avessas]
Ás avessas
«Era uma vez um homem e não era, que andava lavando na serra.
Veio-lhe a notícia que o pai tinha morrido e a mãe tinha nascido.
Pôs os bois às costas, o arado(1) a comer e meteu-se por um vale abaixo.
Sem rumo meteu-se por um vale abaixo.
Achou um ninho de carcaz, que é um passarinho assim deste tamanho, com três olhos da
batarda (2). A batarda tem uns olhos! E nesse ninho tinha três olhos da batarda.
Deu dois a uma burra parda(3): saíram três galguinhos.
Foi com eles à caça. Foi com eles à caça, apanhou uma lebre.
Meteu-se por um barranco(4) abaixo, encontrou um meloal.
Eh! Que tanto melão que este meloal tem! Chegou ao meloal e atão arrancou uma melancia –
tinha lá melões, arrancou uma melancia.
E veio o meloeiro e disse-lhe assim: chegou-lhe com um bogango(5) e sentou com um pepino.
Deu meio no artelho(6), correu sangue até ao joelho!»
Edvige Rafael, 68 anos, Baleizão (conc. Beja), Fevereiro 2006.
Glossário:
(1) Arado: Instrumento para lavrar a terra.
(2) Batarda: Ave pernalta e de arribação das regiões quentes e temperadas, comestível, de grandes
dimensões, pertencente à família Otilidae, conhecida também pelos nomes de betarda e peru
selvagem.
(3) Parda: cinzenta; a cor entre branco e preto.
(4) Barranco: Lugar cavado por enxurradas ou por outra causa; escavação natural.
(5) Bogango: espécie de abóbora (Cucurbita melanosperma).
(6) Artelho: tornozelo.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Ás avessas]
Ás avessas
→ Classificação do Conto: Conto formulístico.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 2014 Cadeias
que Envolvem Contradições ou Extremos.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Conto com cadeias que envolvem contradições ou extremos.
Palavras-chave: alentejo, arado, artelho, baleizão, barranco, batata, beja, bois, burra, caça,
cão, galgos, joelho, lebre, mãe, melancia, melão, meloal, meloeiro, ninho, olhos, pai, pássaro,
pepino, sangue, serra, vale
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Baleizão
Contador: Edvige Rafael
Idade: 68 anos (8/9/1937)
Residência: Baleizão
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Marta do Ó
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:00:52 segundosCaracteres (incluindo espaços): 902
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Bicharada
Bicharada
«Mas eu mingo-os!
Olhe era da Bicharada. Era assim:
Ele disse assim, dizia assim: _Eu hoje ‘tou muito apoquentado(1)!
_Atão? Porquê?
_Porque deixei o sardão de cama c’a cabeça escavacada! Dei-lhe um saco de tanta pancada,
que atirou com ele à lama.
E salta a minhoca de fama, visto de uma cama que até dobra! E dizia: _ Se este
barulho n’acaba, ainda aqui trago más obras!
Salta a mérola lá da ramalheira(2) num macaco aos sopapos(3)! – Era dia de São
Martinho, ela já estava com a bebedeira – e toca no macaco aos sopapos. E o que é que
acontece?
O macaco ardia[m]-lhe os sopapos e dizia: _Olha! Atão quando este buliço(4) armou… houve
bastante razão pra isso!
[Mérola:] _ Foi por causa de um ouriço que comeu e na’ pagou!
Vem de lá a cobra! Vem de lá a cobra e enrresta c’ o cuco.
E o cuco disse assim: _ Olha, eu agora vou aqui fazer uma açudeca(5)! Olha, vou espetar o
biquinho da navalha (no bico) no bandulho da cobra! – disse o cuco!
Vem de lá o latibó e disse: _ Olha que eu sou o latibó! Se o barulho n’a acaba, eu faço-te os
ossos em pó!
E ele disse (o cuco): _ Ai, ai! Lá vai o cuco deserdado pò campo da manorra(6), por ter
espetado só o biquinho no bandulho da cobra!
(E o cuco) o latibó disse: _ Cá vai! Cá vai! Cá vai! (Nunca ouviu esta de ele dizer “cá vai”, “cá
vai? Era… bom, deixa lá acabar esta…) _ Cá vai, cá vai… Eu tenho de ir provar o bom vinho,
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Bicharadaque é dia de São Martinho! Se o barulho n’acaba, eu faço aqui um grande barulhinho! E faço
os ossos em pó: sou o latibó!
Bom e vinha um rapazinho, de sobreira em sobreira, a ouvir aquela coisa – e com
medo! – que era a bicharada toda! A’pois o rapazinho espreitava assim: atrás dos sobreiros…
O que é que acontece? Vi um (meteu) viu um passarinho a entrar pra dentro do talouco(7)!
D’um… assim dum buraco no sobreiro…
E vai e diz assim: _ Olha, entrou pr’ aqui um passarinho…
Meteu lá o, a mão (isto já eu estou eu a encurtar; eu estou-lhe a tirar os pontos
maldosos!) e atão o rapazinho meteu a mão no talouco… ‘Tava lá um ninho – ele contente
andava louco! Mexia-lhe: ele não mordia!
E ia dizendo: _ O passarinho é meu! Mexi-lhe, ele não me mordeu! E o passarinho é meu! E o
passarinho é meu…
E vai o passarinho zangou-se, deu um avão e desapareceu!
Bendito louvado, parece que o continho está acabado! Eu já na’ posso dizer nada!»
Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.
Glossário:
(1) Apoquentado: preocupado; afligido.
(2) Ramalheira: ramos e folhas de árvores.
(3) Sopapos: murros; bofetões.
(4) Buliço: o mesmo que bulício – agitação, desassossego.
(5) Fazer uma açudeca – fazer uma instigada, uma investida (de açudar: instigar, impulsionar).
(6) Talouco – no caso similar a taloca: buraco; toca.
(7) Avão: pássaro negro ou muito escuro, afim do andorinhão, mas de menores dimensões, e também
conhecido por pedreiro, aivão, arvião, gaivão, avoão, chião, gaivoto, galriço, guincho, guizo, marinete,
papalvo, perderneira, zirro, etc.
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Bicharada
Bicharada→ Classificação do Conto:
Conto cumulativo (não classificável).
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Da (in)disposição de alguns animais em dia de São Martinho…
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, barulho, bandulho, bebedeira, bicharada, buraco, cama,
cobra, cuco évora, latibó, mora, minhoca, mérola, macaco, navalha, ninho, ouriço, ossos,
pancada, passarinho, pó, rapaz, sãomartinho, sardão, sobreiro, sopapos, vinho
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Luísa de Jesus
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Novembro 2007
Duração vídeo: 2:33 minutos
Caracteres (incluindo): 2580
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições Integrais / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / [O cão, a vaca e o burro][O cão, a vaca e o burro]
«E outro também! Este é já muito velho! É quando os animais falavam.
E apois foi… foi obrigado a tirar uma licença para os cães – antigamente na’ havia! Foi
na época de tirarem depois aquela licença para os cães. E tinham que andar, tinham que ter
licença, e tinham que andar açaimados. E apois mais tarde veio, daí a poucachinho tempo, pra
andarem também com um pau à rojo.
Vê que os animais ainda falavam nesse tempo. E juntou-se o cão e…e uma vaca e um
burro. Juntaram-se os três e começaram a conversar.
Diz o cão assim: _ Tenho que me ir embora! Tenho que me ir embora aqui de Portugal que eu
aqui não me posso governar! Vou-me embora para outro país qualquer, mas tenho que me ir
embora daqui.
Diz-lhe a vaca: _ Então e vais-te embora porquê?
[Cão:] _ Vou-me embora porque para andar em Portugal preciso de uma licença. Tenho que
andar açaimado e com um pau à rojo (atado ao pescoço, com uma corda). Então vou-me
embora de Portugal.
E diz a vaca pra ele: _ Pois eu também vou contigo! Vamos os dois.
Diz-lhe o cão: _ Então e tu vais porquê?
[Vaca:] _ Porque aqui em Portugal ‘tá tudo fino na mão e eu não posso dar mama a tanta
gente! E então vou-me embora também.
E diz o burro assim: _ Pois eu não me vou embora!
E dizem os outros: _ Então e tu não te vens embora porquê?
[Burro:] _ Porque tenho visto outros muito mais burros do que eu serem advogados e eu ainda
espero ser alguma coisa!
E eu ‘tou desconfiado que já falta pouco para porem algum burro lá no governo! (…)
Este também ‘tava bom!»
Francisco Galamba; 84 anos, Ficalho, (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
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Transcrições Integrais / Anedotas / Baixo Alentejo / Serpa / [O cão, a vaca e o burro]
[O cão, a vaca e o burro]
→ Classificação: Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Anedota.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Palavras-chave: alentejo, advogado, animais, burro, cão, emigração, ficalho, licença,
profissão, serpa, vaca
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Abril de 2007
Duração vídeo: 0:01:59 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 1610
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Casos / Alto Alentejo /Évora / Mora / [Ida ao Balancé]
[Ida ao Balancé]
«Como agora há o jogo da malha, antigamente havia o jogo do balancé. Mas aquilo só
lá ia gente de bem! Muito bem preparados, não é verdade?
E atão quem era o presidente lá do jogo do balancé? Era o meu avô. E depois o meu
pai era assim rapazote e tinha uns colegas e um colega disse:
[Rapaz:] _Ó pá! Pede lá ao teu pai pa’ me levar a um jogo do balancé!
[Filho:] _Ãh! Aquilo tem que ser gente de bem! Muito bem preparado…
E o rapaz disse: _ Mas eu vou-me preparar bem! – Assim foi. Foi-se preparar bem…
Até que o meu avô disse: _Atão vá! Diz lá ao teu colega que venha. Ele diz que se prepara
bem…
E ele começou a dizer:
Pra um balancé fui convidado
pel’ um rapaz meu amigo.
Eu deveras ia vestido,
pra não me ver envergonhado.
Levava colete encarnado,
calça meia carmesim.
Eu deveras lhe apareci
pra não me ver envergonhado.
Mas não sei que voltas o balancé deu,
que abalei de lá todo cagado!»
Desculpem a expressão que não é da minha relação! Ai Jesus! E atão foi…E bendito
louvado o continho ‘tá acabado e, e na’ sei se não será do vosso agrado!»
Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.Glossário:
Balancé – no caso pequeno baile associado a um passo de dança de quadrilha em que o corpo se
balança compassadamente de um pé para o outro em tempos iguais (do francês balancé).
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Transcrições / Casos / Alto Alentejo /Évora / Mora / [Ida ao Balancé]
[Ida ao Balancé]
→ Classificação: Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Caso.
→ Assunto: Ida de um moço ao jogo do balancé.
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, amigo, balancé, cágado, calça, carmesim, colega,
colete, convidado, encarnado, envergonhado, evora gente, jogo, malha, mora, preparada,
presidente, rapaz
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Luísa de Jesus
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Novembro de 2007
Duração vídeo: 1:12 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 1.208
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições/ Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [A carta da Algarvia]
[A Carta da Algarvia]
«E a minha mãe até dava pra contar assim às vezes qualquer coisa que se passava
aqui [em Beringel], às vezes contando assim (quando ela era nova e as algarvias vinham pra
cá mondar(1)).
E atão ia um carro (…) para as trazer. Quando abalava, eram famílias a despedir-se
delas: _ Façam boa viagem! Tenham por lá festas alegres! (Porque vinham…) Tenham por lá
festas alegres! Já lá chegando, escrevam, mandem o retrato (por jeitos aquilo era a mesma
coisa! Escrevam ou mandem o retrato).
Bom, chegavam cá – não sabiam ler – começavam elas a dizer ao rapaz que andava
com elas na monda (que era o filho do patrão – que era só quem sabia ler era essa gente):
[Algarvia:] _Tenho que escrever uma carta ao meu namorado! E você…
[Filho do patrão:] _ Atão aí amanhã traga a carta que eu, aí à hora do meio-dia –
quando estavam, acabavam de almoçar – e atão escrevia a carta. (E jantar, que nesse tempo
era jantar e, à noite, era cear).
Ia para escrever a carta:
[Filho do patrão:] _ Bom, atão vá! – A mesa posta… Olhou a uma coisinha para pôr ali uma
tábua, para escrever. – Atão vá. Diga lá o que é que quer mandar ao seu namorado.
[Algarvia:] _Bom, então escreva lá:
“ Cá te escrevo, lá m’a leias.
Se m’ amas, manda-me dizer;
E se não m’ amas, manda-me dizer também;
E se mamas à vida(2), traz-me um lenço;
E as minhas papo contigo só à vista terem fim. “
Era a carta que era pa’ escrever.
[Entrevistadora:] _ Diga lá outra vez, que eu não percebi metade!
[Dona Olívia:] _“Se m’ amas, manda-me dizer” – era a carta. Agora ela escrevendo a carta
o’pois ele devolvia-lhe, escrevia-lhe também pra cá. Respondia à carta que ela mandava.
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Transcrições/ Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [A carta da Algarvia]
“Se m’ amas, manda-me dizer;
E se não m’ amas, manda-me dizer também;
E se mamas à vida, traz-me um lenço;
E as minhas papo contigo só à vista terem fim.
dá saudades à Maria Fantocha
e à Mariana Carcorcheira (foi as que ficaram lá, que não vieram à monda).
Era a carta dela.»
Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006.
Glossário:(1) Mondar: Arrancar das ervas nocivas na seara.
(2) Se mamas à vida: viver folgado sem preocupações económicas.
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Transcrições/ Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [A carta da Algarvia]
[A carta da Algarvia]
Classificação: Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Anedota.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Palavras-chave: alentejo, algarvia, almoço, amar, beja, beringel, carta, ceia, escrever, jantar,
lenço, ler, mamas, monda, retrato
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Beringel
Contador: Olívia Brissos
Residência: Beringel
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007
Duração vídeo: 0:2:03 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 2100
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Casei com uma velha
Casei com uma velha
«Esta agora… Agora é uma assim muito implicada…É uma anedota de outra espécie.
Eu casei com uma velha
que ainda usava toca.
Ela era das pernas caneja(1)
e tinha dez metros de boca.
Eu pus-me a ver com perfeição
a ver o que a velha comia:
ela comia trinta pães por dia
e alqueire(2) e meio de feijão.
Ela comia à proporção.
Eu que o digo, eu sei.
Eu tanta comida lhe dei
até ela deitar pelos ouvidos.
Ela comia cornos cozidos,
uma velha que eu arriguei».
Mano Vitorino, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007Glossário:(1) Caneja: tinha as pernas tortas.
(2) Alqueire: antiga unidade de medida de capacidade para secos e líquidos, que varia entre os 13 e os
22 quilos.
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Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Casei com uma velhaVersos: Casei com uma velha
→ Classificação: Versos.
2 quadras e 2 sextilhas (jocosas).
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Descrição jocosa de uma cônjuge idosa.
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, casei, velha, touca, caneja, boca, évora, mora, pão,
feijão, comida, ouvidos, cornos
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Mano Vitorino
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Novembro 2007
Duração vídeo: 0:47 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 526
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A boa sopeira].
[A boa sopeira]
«Eu amei uma sopeira
e que era boa de trincar.
Charutinhos para fumar,
nunca me faltavam na charuteira!
Ela era uma brasileira
que me dava o que comer.
Eu sempre o hei-de de dizer
que ela não era ruim.
E coisa melhor para mim,
era impossível haver!
Olhe que ela pedia à patroa
alguns fatinhos do patrão.
E depois dizia que era pa’ um irmão
que lá tinha em lisboa.
Mas como era cá pa’ pessoa,
ninguém precisava saber,
ali é que era romper
boa calça e melhor jaqueta.
E uma sopeira tão perfeita
era impossível haver.»
Edmundo Manuel, 77 anos, Mora, Junho 2007.
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Transcrições integrais / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / [A boa sopeira].
[A boa sopeira]→ Classificação dos Versos:
Duas décimas.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Relação amorosa com uma sopeira.
→ Palavras-chave: alentejo, amar, brasileira, calça, charutos, comer, évora, fatos, fumar,
irmão, jaqueta, lisboa, mora, patrão, patroa, perfeita, sopeira
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Mora
Contador: Edmundo Manuel
Idade: 77 anos
Residência: Mora
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 0:38 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 572
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Corre, corre cabacinha]
[Corre, corre cabacinha]
«Há também uma velhota que, que vivia num monte(1). E (a)depois foi à da(2) filha e ia
por o mato afora, tira-tira-beco-beco∗, por o mato afora, chegou lá adiante encontrou um lobo.
[Lobo:] _ Agora como-te! – [disse] o lobo. _ Tem paciência, mas agora como-te!
[Velha:] _ Ai não! Olha na’ me comas agora, que eu vou ao casamento da minha neta e já
venho mais gorda! Nessa altura já me comes, mas agora ainda estou tão magrinha! Ainda
estou tão magrinha, na’ vale a pena!
[Lobo:] _ Atão ‘tá bem. (Bom e tudo falava nessa altura: falavam os lobos e falavam as velhas).
Abalou a velhota, tira-tira-beco-beco, foi à da filha.
Bom, chegou lá, houve o casamento d[a] net[a]. Quando acabou com isso, diz ela:
[Velha:] _ Ai! Diga lá, agora como é que eu agora vou pra casa! Atão o lobo ‘tá aí à minha
espera! Ele disse logo que me esperava.
[Familiar:] _Ai na’ senhora! Espere que a gente temos aqui uma cabaça(3). Pois, vai… Ela vai
na… A gente arranja-lhe aqui a cabaça e você vai dentro!
Tiveram raspando aquilo tudo e meteram a velha na cabaça. Bom, abala [a velha]
rebolando. E encontra, viu atão [o lobo]. Diz ele:
[Lobo:] _ Ó cabacinha, não viste pràí uma velhinha?
[Responde a cabaça:] _ Eu na’ vi nem velhinha nem velhão! Corre, corre cabacinha, corre,
corre cabação!
Lá abalou rebolando, rebolando. E pronto, o lobo ficou à espera. E ela abalou
rebolando. Rebolando foi pra casa.
Também deve ser verdade, esta!
∗
[Entrevistadora:] _ ‘Tava a contar essa história e ‘tava a ouvir a senhora dizer esse tira-tira,
beco-beco…Como é que é que diz?
[D. Olívia:] _ É tira-tira, beco-beco.
[Entrevistadora:] _ Atão o que é isso? Ouvia ou…
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Corre, corre cabacinha]
[D. Olívia:] _ Um andamento qualquer que a gente… A minha neta (quando eu vou lá) é que
me diz (comecei a dizer isto) e atão a minha neta [diz-me] atão: _ A avó atão já vai tira-tira,
beco-beco? Cantando muito calada, n’ é verdade? _ Pois, atão agora vou cantando muito
calada. É uma maneira de dizer.»
Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006.
Glossário:(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;
designação por vezes atribuída à própria herdade.
(2) Ir á da: Expressão alentejana que significa ir à casa de alguém, no caso, à casa da filha.
(3) Cabaça: Espécie de abóbora, tipicamente estrangulada quase a meio, que, depois de despojada das
sementes e completamente seca, pode ser usado como vasilha para líquidos.
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Transcrições / Contos / Baixo Alentejo / Beja / [Corre, corre cabacinha]
[Corre, corre cabacinha]
→ Classificação do Conto: Conto de animais.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: Marzolph *122 F
(Fuga dentro de uma cabaça).
Versões conhecidas: 91 portuguesas; 6 iranianas; 2 espanholas; 2 brasileiras; 1
angolana; 1 nepalesa.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Através da astúcia, uma velhinha escapa a um lobo guloso.
→ Palavras-chave: animal, alentejo, beja, beringel, cabaça, casamento, lobo, monte, velha
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Beringel
Contador: Olívia Brissos
Residência: Beringel
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:01:54 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 2659
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Corre, corre cabacinha (2)
Corre, corre cabacinha (2)
«Era uma vez uma, uma velhinha. Bem coitadita, na’ tinha mais ninguém, vivia sozinha
no meio de uma floresta.
Mas noutros tempos tinha tido uma filha. A filha entretanto cresceu, fezse mulher –
fez--se uma senhora – foi pra lisboa. Lá, arranjou um rapaz pa’ namorar e tratou do casamento.
E a velhinha sempre lá a viver na floresta. Um belo dia chega-lhe a filha à porta – um
grande automóvel, tudo muito preparado – pa’ convidar a mãe pò casamento.
E diz-lhe a mãe: _ Ó filha! Como é que tu queres que eu vá pò casamento, se eu vivo
aqui no meio de uma floresta destas?! Atão os lobos comem-me no caminho!
[Filha:] _Na’ comem! Ó mãe na’ tenhas medo que os lobos na’ te comem! Vá!
Bem, assim foi. A velhota lá foi. Chega assim a um serrozinho(1) aparece um lobo com
os dentes arreganhados!
[Lobo:] _Ai, velha! Que eu agora como-te!
A velha, esperta, as velhas são todas espertas! E diz-lhe pra ele:
[Velha:] _ Olha! Olha lobo vamos fazer aqui um contrato: na’ me comas! Que eu agora vou ao
casamento da minha filha – como lá muita carne e muito bolo – e venho de lá mais gorda!
Atão, depois tu comes-me.
[Lobo:] _’Tá bem! – O lobo muito guloso…_ ‘Tá certo.
Lá vai a velhinha. Ora, um grande casamento: comeu, bebeu, comeu, bebeu… Passa
três dias naquela vida… A velha já não parecia a mesma! Nisto aproxima-se a hora de ela se ir
embora e começa a chorar!
Diz-lhe (uma), a filha: _ Ó mãe! Tu ‘tás a chorar de quê?
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Corre, corre cabacinha (2)[Velhinha:] _Ora filha… Atão eu combinei com o lobo, quando vinha pra cá, que vinha ao teu
casamento e agora à volta pra lá é que ele me comia que eu ‘tava mais gorda! E agora ele ‘tá
lá.
[Filha:] _Olha, na’ tenha medo! Na’ há problema. Tome lá esta cabaça. Quando for lá quase a
chegar, meta-se dentro da cabaça. Deixa que o lobo… Deixa… Você sabe o que é que há-de
fazer! Tal e qual!
Quando ia lá a chegar ao serrozinho lá estava o lobo.
A velhota: _ Bem, é aqui que o lobo deve de estar. – Lá se enrolou toda dentro da cabacinha,
quietinha dentro da cabacinha, e lá vai a (cabecinha) cabacinha a rebolar.
Pára-a o lobo! Diz o lobo: _ Ó cabacinha! Tu não viste p’aí uma velhinha?!
[Velhinha:]
_Eu na’ vi cá nem velhinha, nem velhão!
Rebola cabacinha, rebola cabação!
Leva-me à minha casinha, leva-me ao meu casão!
E tu lobo ficaste aí feito gulosão,
que na’ meteste o dentão!»
E pronto. Assim o enganou!
Maria Augusta, 75 anos, Mora, (conc. Mora), Junho de 2007.Glossário:(1) Serrozinho: pequeno terreno montanhoso e desabrigado.
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Transcrições / Contos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Corre, corre cabacinha (2)
Corre, corre cabacinha (2)→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: *122 F (Marzolph)
Fuga dentro de uma Cabaça.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Através da astúcia uma velhinha escapa a um lobo guloso.
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, animal, bolo, casa, chorar, évora, cabaça, casamento,
carne, dente, filha, floresta, gorda, guloso, lobo, mora, rebolar, velhinha
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras,
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Maria Augusta
Idade: 75 anos
Residência: Mora
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Novembro 2007
Duração vídeo: 2:49 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 2472
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Eu nunca soube mentir
Eu nunca soube mentir
«Eu nunca soube mentir.
Eu só sei falar verdade.
Eu já vi chover albardas(1),
quinze dias numa tarde.
Quando o meu bisavô nasceu
tinha eu catorze anos.
Usava umas botas com cano
que o pai dele me ofereceu.
Nesse tempo estava eu
em avançada idade.
Eu tinha muita habilidade,
não sabia fazer nada.
Comia sopas com uma enxada
e nesse tempo estava eu».
Mano Vitorino, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007Glossário:(1) Albarda – espécie de sela feita de pano grosseiro ou lona, cheia usualmente de palha, para bestas de
carga; jaqueta ou casaco mal feitos.
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Transcrições / Versos / Alto Alentejo / Évora / Mora / Eu nunca soube mentir
Eu nunca soube mentir
→ Classificação: Versos.
2 quadras e 1 sextilha (patranhas).
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: “Eu nunca soube mentir” diz um mentiroso…
→ Palavras-chave: albardas, alentejo, amieiras, bisavô, botas, enxada, évora, habilidade,
idade, mentir, mora, nascer, pai, sopas, tarde, verdade
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Mano Vitorino
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Novembro 2007
Duração vídeo: 0:35 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 418
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [É falta de educação]
[É falta de educação]
«[Versos] que ele fez à minha avó (que eles davam-se muito bem).
Um dia, ele fez-lhe um versozinho assim: (Esta minha Marelei…).
Esta minha Marelei,
isto mais das vezes é,
de na’ beber o café.
Se não for eu ser quem é,
já me teria batido,
que eu já lhe tenho ofendido,
ganhado apertões de goelas.
Já tinha arrotado a elas,
se tivesse outro marido.
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. de Serpa), Fevereiro 2006.
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [É falta de educação]
[É falta de educação]
Classificação dos Versos: Décima.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
Assunto: Família.
Palavras-chave: alentejo, café, educação, ficalho, marido, serpa
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Julho 2007
Duração vídeo: 0:38 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 501
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Casos / Baixo Alentejo / Beja / [O genro bêbado]
[O Genro bêbado]
«Havia também assim às vezes aqueles contozinhos pequeninos que era[m]… que a
gente ia buscar. Quer dizer, não era bem um conto mas era assim uma… passagem de nível
sem guarda…
Era assim: havia uma rapariga que começou a namorar um rapaz logo de mocinha. E o
rapaz, muito bom rapaz, fez-se homem e afinal que, quando se fez homem, dá-se em meter em
bebida. E aquilo já não era nada de jeito.
Começa a mãe [para a filha:]
[Mãe:] _ Ó filha deixa-te disso, tu não vês o resultado daquilo! Na’ vês que o rapaz que não,
não dá meia para a esquerda(1)! É só beber, só beber!
[Filha:] _ Ah! E diga lá atão, mas eu até gosto tanto dele! E há tantos anos que eu namoro.
[Mãe:] _ Mas é o mesmo! Havia de haver outro que tu gostasses e afinal que…
Bom, a mãe toda zangada com a filha. Bom, mas ela pensou que havia de namorá-lo,
foi sempre namorando. Até que um dia veio e diz ela [à mãe:]
[Filha:] _Olhe, o Zé quer casar já este ano.
[Mãe:] _Olha agora é que a gente fica bem! Ora um bêbado daqueles! E quer casar!
[Filha:] _Sim senhora!
[Mãe:] _Nem casa hão-de ter! Comigo não ficam! – (Isto era a mãe) – Comigo não ficam!
Arranjem casa que comigo não ficam.
[Filha:] _Ora atão diga lá… Olhe a vizinha Alice (a mulher tinha ido pra fora, prò estrangeiro e)
aluga aqui a casa à gente. (Parede meias(2) com a mãe, mesmo ao pé da mãe).
Diz ela: _ Olha ainda mais essa(3)! Ainda se fossem lá pra longe, ainda era com’ó outro! Agora
ficam-me aqui mesmo ao pé!
[Filha:] _Atão diga lá, ele quer ficar mesmo aqui... ele arranjou aqui a casa, a vizinha Alice
empresta-lhe a casa e fica aqui.
Bom, trataram do casamento. Casaram e ficaram lá nesse sítio à mesma.
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Transcrições / Casos / Baixo Alentejo / Beja / [O genro bêbado]
O rapaz logo em princípio de casado portou-se como a primeira mulher do Carochinho
(que era uma magana(3) de marca que andava aí*). Portou-se bem nessa altura, mas depois
começou na mesma: sempre bêbado, sempre bêbado…
Uma noite vem de lá, se havia de ir prà casa dele, foi prà da sogra. (Era paredes
meias). Deitou-se com ela e passou lá o resto da noite com ela. Só se levantou quando eram
horas de ir já prò trabalho. Levantou-se e ela – nem nada! – desejando vir de manhã pra dizer à
filha o que ele andava fazendo.
Bom, assim que ele abala, ela veio cá a casa (viu que ele já tinha ido para o trabalho)
vem cá à casa e diz:
[Mãe:] _ Atão! Tu sabes bem?! O desavergonhado do teu marido?! Atão foi pra lá deitou-se
comigo, abusou de mim, e a [de]pois, de manhã, é que se veio embora!
[Filha:] _Atão e você na’ lhe disse nada?!
[Mãe:] _ Eu não! Atão há dois anos que eu não falo com ele!
Ele fez-lhe poucas-vergonhas e tudo e ela na’ lhe disse nada, porque não falava com
ele!»
* (…) Bom, mas era uma mulher aí que se portou mal. Depois quando falam aí em Beringel em
qualquer coisa dessas e dizem assim: _ Ela agora tem-se portado bem? [Respondem:] _ Tem!
Tem se portado como a do Manuel Carochinho! A primeira era uma bêbada de marca e a outra
era bêbada e até se portava mal (5) e tudo. A segunda ainda era pior que a primeira (…)».
Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006.
Glossário:(1) “Não dar meia para a esquerda” similar a “não dar meia para a caixa”: não conseguir.
(2) Paredes-meias com: em continuidade; separado por uma parede.
(3) Ainda mais essa: expressão significativa de acrescento prejudicial ou mal recebido.
(4) Magana: no caso, mulher dissoluta.
(5) Portar mal: neste contexto, significa praticar adultério.
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Transcrições / Casos / Baixo Alentejo / Beja / [O genro bêbado]
[O Genro bêbado]
→ Classificação: Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Caso.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Uma bebedeira leva um homem até à casa da sogra em vez da sua própria
casa…
→ Palavras-chave: álcool, alentejo, bêbado, beringel, casa, casamento, família, genro,
namoro, noite, rapariga, rapaz, sogra
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Beringel
Contador: Olívia Brissos
Residência: Beringel
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007
Duração vídeo: 0:02:43.
Caracteres (incl. espaços): 3399
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Jantar de feijão
Jantar de feijão
«E eu e eu fiz um aqui à minha mulher, aí nessa mesa. ‘Távamos assim a… comendo, mas ela
fez aqui um jantar de feijão. Um dia comemos, ó pois no outro dia… ao fim dos três dias,
vamos almoçar o feijão…Eu digo assim: _ Olha…Eu disse assim:
Sabes que eu gosto de ti, tu pra mim na’ cais no chão,
dás o almoço já há três dias feijão.
Mas já tenho as contas feitas, não as deixo ir abaixo,
sei que o resto da semana que o almoço é um gaspacho.
A ‘pois diz ela:
Deixa-te estar caladinho,
na’ respondas outra vez.
Não é só essa semana
é assim já todo o mês!
Depois disse-lhe eu:
As minhas contas ‘tão certas!
Para mim não há engano.
Se isto fosse só um mês,
mas é assim já todo o ano!»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Jantar de feijão
Jantar de feijão
→ Classificação dos Versos: Quadras ao desafio.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Refeições de feijão.
Palavras-chave: alentejo, almoço, ano, contas, dia, feijão, ficalho, mês, jantar, semana, serpa
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Julho 2007
Duração vídeo: 0:56 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 767
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]
[O julgamento da açorda]
«Ali ao pé de Pavia havia ali uma herdade que chamavam-na a herdade de São
Miguel. E tinha lá uma igreja. Essa herdade tinha lá uma igreja que até era a igreja de São
Miguel.
Havia esses homenzinhos que andavam aí, noutro tempo, com uma mula, de monte
em monte, a comprar peles de coelho, peles de ovelha, cera… E atão um dia passa lá à porta
da igreja, e ‘tava a igreja aberta, e diz o homem assim:
[Comerciante:] _Óh! Vou aqui dar volta à igreja, a ver como é que isto ‘tá aqui!
O homenzinho entrou, deu a volta à igreja. Chegava ao pé de um santo e ia assim:
[Comerciante:] _Ah! Toma lá dez réis(1)! – Bom, chegava ao pé d’outro: _ Toma lá dez réis!
E atão visitou os santos todos e deu dez réis a cada um. Quando vinha a sair, à porta
da igreja ‘tava um atrás da porta!
E diz ele assim: _ Ah! Ainda aqui estás tu atrás da porta?! Toma lá também dez réis!
Bom, abalou. Foi-se embora. Abalou foi-se embora, chegou além a uma aldeia (que
chamam-na a Aldeia da Serra) dormiu lá e mandou fazer uma açorda com meia dúzia de ovos!
Bom, comeu a açorda, dormiu… No outro dia vai procurar contas à mulher lá da venda (que
nesse tempo era venda, na’ era cafés, era uma venda), procurar contas à mulherzinha.
Diz-lhe a mulherzinha assim: _ Olhe a conta ‘tá aqui já feita. Custa tanto… – Uma conta muito
grande!
E diz-lhe o homem assim: _ Eh, minha senhora! Atão eu agora na’ tenho dinheiro pa’ lhe pagar!
Atão uma conta tamanha de uma açorda!
[Vendeira:] _Olhe vossemecê comeu meia dúzia de ovos… (A senhora) o senhor comeu meia
dúzia de ovos. Esses ovos eu deitava-os a uma galinha, tiravam pintos… Essas frangas ó’pois
punham – tiravam mais ovos… Chegava a pontos que era muito e atão tem que fazer a conta a
essa coisa toda…
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]O homenzinho, coitadito, abalou.
E diz-lhe ela assim: _ Olhe! Tem prazo de tantos dias pa’ pagar! Só ao fim de tantos dias na’
pagar, eu vou pò tribunal e vossemecê tem, tem de pagar!
Bom, o homenzinho abalou, coitadito, muito esmorecido, c’a mula pela arreata(2)… Por
aí fora, por aí fora… Um belo dia, faltava já uns dois ou três dias só pra ser a audiência e o
homenzinho muito triste lá pa’ estrada afora… E vinha um gajo a cavalo num cavalo, chegou ao
pé dele [e] diz-lhe ele assim:
[Cavaleiro:] _ Ó tiozinho! Você vai tão triste!
[Comerciante:] _Ora! Deixe-me lá homem! Atão eu… Aconteceu-me isto assim-assim…
Mandei fazer uma açorda com meia dúzia de ovos. A mulher puxou-me esta conta assim-
assim… tiravam pintos e coisas!
[Cavaleiro:] _Ai é?! Atão e quando é que é a sua audiência?
[Comerciante:] _Ah! A minha audiência ‘tá em ser depois de amanhã.
[Cavaleiro:] _ Na’ se incomode que eu é que lá vou ser o seu advogado. Sou eu! Eu é que lá
vou ser o seu advogado! – Bom, o homem abalou já mais… Mais tranquilo da vida dele.
Bom, no dia da audiência ‘tava a mulherzinha dos ovos cozidos, ‘tava o doutor juiz,
estava aquela gente toda… E o gajo nunca mais aparecia! O juiz tinha terminado a audiência
pràs dez horas – eram já dez e um quarto e o advogado na’ aparecia!
Bom, daqui a nada chega lá o ajudante lá do juiz à janela e disse: _Olhe! Ó Sr. Doutor
Juiz! Já aí vem o homem!
Bom, vinha o gajo a cavalo no cavalo. Entrou, deixou o cavalo lá fora preso ali a uma
árvore, entrou pra dentro do tribunal e diz-lhe o doutor juiz assim:
[Juiz:] _Atão, o senhor na’ sabia que isto que era pàs dez horas?!
[Cavaleiro:] _Ó sr. Doutor! Desculpe lá, mas eu estive a cozer um molho de favas pa’ semear!
E o juiz diz-lhe assim: _Atão?! Favas cozidas também nascem?!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]
E o outro dos ovos… O advogado diz-lhe assim: _ Atão e ovos cozidos também tiram
pintos?!
[Juiz:] _Ó minha senhora olhe: ‘tá a audiência acabada!
Pronto! O homem defendeu o outro ali num instante!»
José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.Glossário:
(1) Réis: plural de real – antiga moeda portuguesa, de valor variável, segundo as épocas.
(2) Arreata: Corda ou tira de couro com que se prendem e conduzem animais de carga.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [O julgamento da açorda]
[O julgamento da açorda]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 821 B Pintos
nascidos de Ovos Cozidos.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Uma vendeira sem escrúpulos tenta extorquir dinheiro a um cliente caridoso. O
caso acaba no tribunal mas a decisão agracia o justo.
→ Palavras-chave: açorda, aldeiadaserra, alentejo, advogado, audiência, brotas, cavaleiro,
cavalo, conta, cozida, favas, frangos, galinha, igreja, juiz, monte, mora, mula, ovos, pavia,
peles, pintos, reis, saomiguel, santo, semear, serra, tribunal, venda, vendeira,
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: José Manuel
Idade: 87 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 0:4.52 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 3789
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]
[O lobo esfomeado]
«Era um lobo. O lobo de manhã quando se levantou espreguiçou-se, pregou um
traque(1) (um peido como dizia o meu pai) e disse:
[Lobo:] _ Óh, que bela novidade que me deu o meu cu hoje!
Pensou: _Hoje vou ter um dia bom!
Levantou-se e foi p’lo campo fora. O que é que ele viu? Vi uma égua com uma
criazinha pequena. Foi direito à égua e disse:
[Lobo:] _ Ai, égua! Óh! Eu vou(-te) comer a tua filha!
[Égua:] _ Ah! Na’ comas! Ela é tão bonita!
[Lobo:] _ Como! Eu tenho fome e tenho que comer. Ainda não comi nada hoje!
[Égua:] _ Na’ comas!
[Lobo:] _ Como!
Até que diz a égua: _ Olha, já me disseram que tu és um bom veterinário e eu ando aqui com
um, com um cravo encravado na pata, se tu fosses capaz de mo tirar… Tu se és um bom
ferrador, um bom veterinário…
O lobo logo armado em fanfarrão: _ Pois sou! Sou o melhor veterinário e melhor ferrador que
há aqui na área!
[Égua:] _ Atão vai lá.
[Lobo:] _ (A)levanta lá a pata!
O lobo vai (se) lá ao pé e conforme [lhe levanta a pata, a égua] sacode-
-lhe um coice e vai o lobo a rebolar por ali abaixo! E a água fugiu. Conseguiu salvar a cria.
E o lobo [para consigo:] _ Ora que novidade que o meu cu me deu hoje, ãh!
Bom, [o lobo] chegou mais à frente, foi andando, andando… ‘Tavam dois carneiros a
guerrear (sabe o que são dois carneiros: é marrada contra marrada).
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]
O lobo disse: _ Óh! Agora é que vou encher a barriga!
Chegou lá, disse: _ Óh! Eu vou comê-los!
Diz logo o carneiro mais velho assim: _ ‘Pere lá um bocadinho! Antes de comer[es] vais aqui
desmanchar uma teima! Tu sabes porque é que a gente ‘tamos a guerrear?
[Lobo:] _Não.
[Carneiro:] _ É que eu digo que a estrema da herdade (a estrema(2) é o limite da herdade), a
estrema da herdade é por aqui, aqui o meu compadre diz que é por ali… E tu vai servir de juiz:
vais dizer onde, qual é que é [que está certo]. A gente põe-se aí à distância e tu vês.
Os carneiros recuaram um para cada lado e o lobo foi ver onde é que era me’mo a
estrema (que era para assinalar). Assim que [os carneiros] o apanharam no meio, vêem-lhe os
dois [um de cada lado] – catrapumba! – cada um com a sua marrada [no lobo]. Lá vai o
desgraçado! O desgraçado do lobo às cambalhotas…
[Pensou:] _Tal não foi boa a novidade que o meu cu me deu hoje, ãh?!
Bom, então…e não conseguia comer nada, cada vez tinha mais fome!
Foi andando por um vale abaixo, quando chegou lá a uma ribeirazita ‘tava uma vaca
com uma vitelazinha, com um bezerrito pequeno ao pé.
[Disse o lobo para consigo:] _Esta agora é que na’ escapa! De certeza absoluta! Agora desta
vez… agora não me engana! E pensou: _ Bem…
Assim foi. De maneira que chegou lá [disse:]
[Lobo:] _ Vaca, olha, agora vou(-te) comer o teu filho!
[Vaca:] _ Não comas o meu filho! É tão pequenino, é tão bonito! Não comas!
[Lobo:] _ Como!
[Vaca:] _ Não comas! Escute lá compadre lobo, já sei da tua fama de bom, bom, bom
veterinário e eu tenho uma coisa aqui atrás da orelha, se tu [ma] conseguisses tirar antes de
comer a minha filha, eu agradecia-te muito!
[Lobo:] _ Atão vá lá, eu sempre fui bom veterinário.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]
O lobo lá foi. A vaca assim que o apanhou lá ao pé, olha, começa chateada à marrada
com ele… Lá foi ele de pantanas e não comeu o boi. E ela [a vaca] fugiu com ele [com o filho].
As histórias do meu pai eram sempre assim.»
António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro de 2006.
Glossário:(1) Traque ou peido: ventosidade anal expelida com ruído.
(2) Estrema: limite de terras. Marco divisório de propriedades rústicas; sulco artificial a demarcar terras.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo esfomeado]
[O lobo esfomeado]
Classificação do Conto: Conto de animais.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 122 A O Lobo
(Raposa) em Busca do Pequeno Almoço + ATU 47 B O Cavalo (*Égua) Atinge o Lobo
nos Dentes com um Coice + ATU 122 K* O Lobo como Juiz
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Assunto: Um lobo esfomeado é consecutivamente enganado pelos animais que tenta comer.
Palavras-chave: animais, alentejo, bezerro, cabeçada, carneiro, coice, cu, cuba, égua,
enganar, estrema, ferreiro, lobo, peido, potro, ribeira, traque, vaca, veterinário, vila ruiva, vitela.
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Cuba
Localidade: Vila Ruiva
Contador: António Caeiro
Idade: 73 anos (30/12/1933)
Residência: Vila Ruiva
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Marta do Ó
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:03:03.4 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 3511
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo e a raposa na rouparia]
[O lobo e a raposa na rouparia]
«E os lobos… os lobos falavam e a rouparia…Ia começar do lado do roupeiro…
Era uma raposa e o lobo n’é? E então a raposa, muito espertalhona que era, descobriu
a maneira de conseguir entrar dentro da rouparia(1). Por um buraco lá de uma janela, ia-se aos
queijos do roupeiro(2) e mamava-lhe os queijos!
O roupeiro chegava lá achava falta dos queijos. Via pistas no soalho. Que raio?! Mas
que raio de bicho é que entra aqui, pá?! Pronto! E então o que é que, o que é que… E a raposa
andava gorda! E o lobo magrinho! Dizia o lobo:
[Lobo:] _ Ó comadre raposa! Mas o que é que tu fazes pa’ andares…?
[Raposa:] _ Olha, vou ali à rouparia do roupeiro, à rouparia, e encho a barriga de queijo!
[Lobo:] _ E como é que consegues…?
[Raposa:] _ Entro lá por aquele buraco… – Lá lhe ensinou [a maneira] – Vai lá também!
Assim foi. Eh! O lobo andava cheiinho de fome, assim que lá chegou, não ‘teve com
meias [medidas]. Ah! Mas a raposa, como esperta que era, comia… quando via mais ou menos
que tinha, [que] estava já bastante cheia, vinha experimentar se passava no buraco. (Voltava…
Se passava, passava; se na’ passava, voltava…). Se conseguia ainda voltava atrás: ia comer
mais um queijo e assim, até que entrando, à porta, [ao buraco] passando [mas] baixando-se já
na’ comia mais. Vinha-se embora.
O lobo, assim que se apanhou lá na rouparia, cheiinho de fome como ‘tava… Óh!
Comeu, comeu, ficou com uma pança enorme! Quando veio para se vir embora a cabeça
passou, mas a barriga já não passou.
O roupeiro já andava desconfiado, veio à procura [do bicho]. Apanhou-o lá, deu-lhe
uma sova com um pau. O pobre do lobo lá teve que, de qualquer maneira, passar pelo buraco.
Foi-se queixar à raposa:
[Lobo:] _Aaaaaahhhh! Ó raposa! Tu enganaste-me!
[Raposa:] _ Enganei nada! Atão?
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo e a raposa na rouparia]
[Lobo:] _ Atão na’ vês…
[Raposa:] _Foste… Foste um bruto! Comeste até mais não querer! Depois apanhaste porrada
do roupeiro!».
António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro 2006.
Glossário:(1) Rouparia: o mesmo que queijaria (Alentejo).
(2) Roupeiro: indivíduo que faz queijos.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Cuba / [O lobo e a raposa na rouparia]
[O lobo e a raposa na rouparia]
→ Classificação do Conto: Conto de animais.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 41 O Lobo
Come Demasiado na Cave.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: A raposa ensina ao lobo como entrar numa rouparia, mas a avidez do lobo logo o
deixa em sarilhos…
→ Palavras-chave: alentejo, lobo, cuba, raposa, rouparia, queijo, barriga, buraco, pau, vila
ruiva
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Cuba
Localidade: Vila Ruiva
Contador: António Caeiro
Idade: 73 anos (30/12/1933)
Residência: Vila Ruiva
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Marta do Ó
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:01:50 minutos
Caracteres (incl. espaços): 2067
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]
[Pedido de casamento]
«Havia uma ocasião um gajo… E tão o gajo era um cabreiro. E o cabreiro queria casar;
queria casar e atão diz pa’ mãe:
[Cabreiro:] _ Ó mãe! Eu quero casar!
Diz-lhe a mãe: _ Ora filho! E atão quem é que quer casar contigo?!
[Cabreiro:] _ Olhe, ‘tá lá a filha do moleiro, do moleiro… A ver se ela quer casar comigo!
Bom, a mãe lá foi e diz pra, pò moleiro: _ Atão olhe lá! O meu filho quer casar c’a sua filha,
você deixa casar a sua filha c’o meu… c’o meu cabreiro?
[Moleiro:] _ Deixo, sim senhor!
Bom, a mãe foi pra casa e diz-lhe assim: _ Olha! Eu já falei com o moleiro e atão podes…
Podes ir lá pedir a rapariga em casamento!
Bom, o cabreiro diz pa’ mãe: _ Ó mãe! Atão como é que eu hei-de… como é que eu hei-de
pedir a rapariga… A entrada pra eu pedir a rapariga ao moleiro?
Diz-lhe a mãe assim: _ Olha filho chegas lá, começas aos pulos no meio da casa, começas
aos…começas aos pulos no meio da casa e o moleiro ópois diz-te assim “Ei! O que é que você
quer, que anda aqui aos pulos?! O que é que você quer?!”. A ‘pois tu dizes: “_ Olha, queria a
sua filha… Pedir a sua filha em casamento…”.
Bom, lá foi. O cabreiro chegou lá à noite à casa do moleiro e vá de pulo pra um lado,
pulo prò outro…
E diz-lhe… E diz-lhe o moleiro assim: _ Atão, o que é que você quer?
Mas o que é que havia de haver nesse dia lá em casa do moleiro?! Tinha morrido a
mulher do moleiro. A mulher do moleiro tinha morrido! ‘Tava amortalhada lá no meio da casa.
Chega lá o cabreiro começa aos pulos de roda da mulher e diz o moleiro assim:
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Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento][Moleiro:] _ É páaa! Anda você aí aos pulos… Anda você aí aos pulos…Atão… tenho aqui a
minha mulher morta aqui no meio da casa e você anda aqui aos pulos de um lado pò outro! Ah,
seu malandro aqui… Puxo aqui já de um xipó(1) e dou-lhe já aqui uma…!
Bom, o (moleiro) [cabreiro] abalou, foi-se embora. Chegou lá, diz-lhe a mãe assim:
[Mãe do cabreiro:] _ Atão, filho?! Já pediste a rapariga?
[Cabreiro:] _ Na’ senhora!
[Mãe:] _ Atão?! Atão o que é que ‘tava lá em casa?!
[Cabreiro:] _ Óh! ‘Tava lá a mulher do moleiro morta no meio da casa! Amortalhada.
[Mãe do cabreiro:] _ Ai, filho! Havias de chorar! Andavas de roda dela [dizias:] _ Ai, valha-me
nossa senhora! Ai…pr’ aqui, pr’ali!” E ó’pois pedias a rapariga!
[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá outra vez!
Bom, no outro dia lá vai o cabreiro outra vez a casa do moleiro pa’ pedir a rapariga.
Chegou lá o que é que o moleiro havia de ter? Tinha um porco gordo pendurado ao telhado.
Tinha matado um porco, ‘tava pendurado ao telhado, que era[m] os sentimentos da mulher que
tinha morrido! Quer dizer que chega lá o cabreiro começa a andar de roda do porco a chorar:
[Cabreiro:] _ Ai! Valha-me deus! Nossa Senhora! – Que era o que mãe lhe tinha dito! – Valha-
-me deus!
Diz-lhe o moleiro assim: _ Ó seu filha da puta! Atão ontem ia aqui a minha mulher morta
andava aqui aos pulos no meio da casa! Hoje tenho aqui uma morte de alegria e anda-me aqui
a chorar de roda do porco! Ah! Seu malandro que eu dou-lhe aqui já duas fueiradas(2)…
Lá abala (o moleiro) de rabo ripado, abala o cabreiro outra vez de rabo ripado. Chega
lá diz-lhe a mãe:
[Mãe:] _ Atão, filho?! Atão hoje é que já pediste a filha?
[Cabreiro:] _ Na’ senhora!
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Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento][Mãe:] _ Atão?
[Cabreiro:] _ Ah! Atão o moleiro tinha lá um porco pendurado ao telhado…
Diz-lhe a mãe assim: _ Ora filho! Havias de dizer: “_ Sentes ao pé desse?! Sentes ao pé
desse?” – que era: sentes – porcos pendurados!
[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá!
Outro dia lá abala o cabreiro outra vez. Chega lá: ‘tava o moleiro ao canto do lume a
curar um bichoco numa perna! O Senhor… um bichoco… Começa o cabreiro a andar de roda
dele:
[Cabreiro:] _Sentes ao pé desse? Sentes ao pé desse?
O moleiro levanta-se além, diz assim: _Ah! Seu filha da puta atão você… Eu estou a curar isto
pra ver se isto seca e você ‘tá… diz: _sentes ao pé desse? E sentes ao pé desse?
E o cabreiro! Leva de fugir! Chega lá diz-lhe a mãe assim:
[Mãe:] _ Ó filho! Atão o que é que foi lá?
[Cabreiro:] _ Ah!
[Mãe:] _ Atão, o que é que o homem ‘tava a fazer?
[Cabreiro:] _ Óh! ‘Tava a curar um bichoco numa perna!
[Mãe:] _ Ah, filho! Atão havias de lhe dizer… “_Deus queira que isso seque! Deus queira que
isso seque!”.
[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá outra vez!
Hum… No outro dia abala o cabreiro outra vez. Chega lá, anda o moleiro a dispor uma
figueira lá numa horta: a fazer uma cova pa’ dispor a figueira. Começa o cabreiro a andar de
roda dele e a dizer assim:
[Cabreiro:] _ Deus queira que isso seque! Deus queira que isso seque!
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Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]
[Moleiro:] _ Óh! Seu filha da puta! Atão eu ando aqui a dispor a figueira, pra ver se ela pega,
pra ver isto dá figos prà gente comer e você aparece-me aqui a dizer: _Deus queira que isso
seque!
Eh! O malandro puxa da enxada! Vai o cabreiro…a unhas! Chega lá diz-lhe a mãe
assim:
[Mãe:] _ Atão, filho?! Hoje é que já pediste a rapariga?!
[Cabreiro:] _ Eu… Na’ senhora!
[Mãe:] _ Atão?
[Cabreiro:] _ Ah! Atão o moleiro andava a dispor uma figueira lá na horta. Eu comecei a andar
de roda dele a dizer-lhe: _Deus queira que isso seque! _Deus queira que isso seque! Ele já me
queria pregar com a enxada em cima!
[Mãe:] _ Ai! Filho! Havias de dizer assim: “_ Deus queira que coma muito do que está a pôr!
Deus queira que coma muito do que está a pôr!”.
[Cabreiro:] _ Amanhã vou lá ainda!
Óh! No outro dia ele voltou pra lá! Chega lá ‘tava o moleiro atrás de uma moita a dar a
dar à calça! ‘Tava a dar à calça(3), chega o cabreiro e diz, começa de roda dele:
[Cabreiro:] _ Deus queira que coma muito do que está a pôr! Deus queira que coma muito do
que está a pôr!
[Moleiro:] _Óh! Seu… filha da puta! Ripe já aqui… O malandro! Atão você…
O cabreiro abalou estremuntado.
Diz-lhe a mãe: _ Atão filho? Atão?
[Cabreiro:] _ Ah, pá! Atão o homem ‘tava a dar à calça lá atrás de uma moita; comecei a andar
de roda dele: _ Deus queira que coma muito do que ‘tá a pôr! Deus queira que coma muito do
que ‘tá a pôr! Nunca mais lá vou, que ele quer me… pa’ outra vez mata-me!
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Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]
Pronto, ‘tá a história acabada! Andou sempre a pedir a rapariga e nunca tem a rapariga
pedida!».
José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.
Glossário:
(1) Xipó: no caso algo que sirva de cacete.
(2) Fueirada: pancada (dada normalmente com o fueiro – cada um dos paus que se erguem dos
lados do carro de bois e que servem para amparar a carga que vai dentro).
(3) Dar à calça: defecar.
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Transcrições integrais / Contos /Alto Alentejo / Mora / [Pedido de casamento]
[O Pedido de casamento]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1696 O que é
que eu deveria ter dito? (Feito?).
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Um cabreiro quer pedir a mão da filha de um moleiro em casamento, mas a sua
falta de jeito com as palavras torna o seu desejo impossível de se realizar.
→ Palavras-chave: alentejo, amortalhada, bicho, brotas, cabreiro, calça, casa, casamento,
comer, cova, chorar, enxada, evora, figueira, filha, horta, mãe, moleiro, moita, mora, morta,
pedir, perna, porco, pulos, rapariga, secar, sentimentos, telhado, unhas
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: José Manuel
Idade: 87 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 6:56 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 6031
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da Silva
Maria da Silva
«Ela contava à gente. A minha mãe contava uma que era… Chamava-se Maria da
Silva.
Um velhote também mais uma velhota que viviam num monte(1). E depois nunca
tinham tido filhos e tinham muita pena de na’ terem filhos, mas coitadinhos na’ tiveram.
E depois um dia tinham falta de lenha para o lume e foram à procura de lenha.
E depois quando lá chegaram, o velhote diz assim:
[Velho:] _ Tu ‘tás a ouvir um… escuta lá! ‘Ta aí… um bebé… parece que é um bébé a chorar!
Aqui no campo, um bébé a chorar?!
Foram, foram, foram lá. Chegaram lá ‘tava dentro de uma silva (e é por isso que teve o
nome da Maria da Silva), dentro de umas silvas estava a menina dentro de uma alcofinha(2).
Ai, eles ficaram tão contentes! Os velhotes vieram para casa com ela. Tão contentes! [E
perguntaram-se:]
[Velho:] _ Atão que nome é que a gente agora põe à nossa menina?
[Velha:] _Olha, pomos-lhe Maria da Silva.
[Velho:] _Atão ‘tá bem, pronto. (Calhava bem porque ela tinha… ‘tava lá [nas silvas]).
(Mas) ela foi crescendo. E eles criaram-na muito bonita com, ali naqueles, naqueles
campos do monte. Mas ela, já era uma senhora – tão bonita – mas nunca saia dali porque eles
tinham medo (alguém na’ lhe fizesse mal).
Naquele dia passaram uns senhores à caça. Foram à caça. E ia lá o rei. E o rei foi
direito passar lá ao pé do monte. E ela estava a [passar] e via-se [a menina que] pôs-se assim
[espreitou] … E vira-se e disse-lhe assim:
[Rei:] _Olha que menina tão bonita! Tu não me dás um copinho de água?
Ela foi-lhe (a) buscar a água. E ele, quando [ela] vinha com a água, ele em vez de
apanhar a água, o copo, apanhou a mão da menina. Montou-a no cavalo e levou-a. A menina
desapareceu dali.
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Page 144
Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da SilvaOs velhotes, coitadinhos, iam levando fim do sentido por causa que lhe tinham roubado
a menina. Depois no outro dia o velhote disse:
[Velho:] _ Olha, a gente… Vamos lá a ver se a gente é capaz de dar com a nossa menina!
Vamos andando por aí.
Foram andando, andando, andando, andando por aí. Viram uma casinha lá muito
longe. Foram lá até aquela casinha. Chegaram lá à casinha, bateram à porta. Atende uma
senhora [à qual eles perguntam:]
[Velhos:] _ Olhe lá, você não deu notícia de passar por aqui ninguém que… com uma menina
assim, assim, uma senhora (que ela já era uma senhora) muito bonita?
Disse [ela:] _ Olhe, esse rei… [foi] assim: foi um rei que portanto a trouxe e atão (se) você
agora vai sempre por ai que ‘tá ali um palácio. Além naquele palácio é que mora um rei e deve
ser para além que ele a levou.
Eles, coitadinhos, foram lá: os dois velhotes, andando, andando. Chegaram lá, bateram
à porta. Veio [abrir] o rei. [Dizem-lhe os velhos indignados:]
[Velhos:] _ Mas atão, mas o que é que…? Você atão… você passou lá pelo nosso monte e
trouxe-nos a nossa menina!!! Contando que a gente…
Ele diz: _ Atão, não precisam chorar! Entrem lá. Entrem lá. – (Mandou-os [entrar]. Eles eram
todos, tanto a menina como os velhotes, eram pobrezinhos, num palácio tão bonito…). _
Entrem lá que agora ficam aqui. Jantam aqui com a gente e estão aqui. E a gente agora já não
os deixa ir lá para o seu monte – ficam aqui.
Ela assim que os viu, coitadinha, tão contente, ficou tão contente, abraçou-os. (E ela,
era só estes contos que a gente contava, era estas coisas assim pois com certeza).
E atão disseram-lhe[s:]
[Rei:] _ Bom, vocês depois já não vão para o monte e já ficam aqui sempre com a gente.
E assim tiveram depois eles [no palácio].
A Maria da Silva ainda teve uma menina e os velhotes ficaram muito contentes.
E pronto… Acabou-se.»
Mariana Valente, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da SilvaGlossário:(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;
designação por vezes atribuída à própria herdade.
(2) Alcofinha: cesto feito de palma ou de esparto.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / Maria da Silva
Maria da Silva
Classificação do Conto: Conto realistas (novelescos).
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 930 A A
Mulher Predestinada [esquecido].
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Assunto: A história de uma menina encontrada em bebé num monte de silvas por um casal
idoso.
Palavras-chave: alentejo, ficalho, velho, velha, monte, lenha, lume, bebé, silva, menina, alcofa,
caça, rei, água, copo, cavalo, palácio, serpa
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Mariana Valente
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:03:36 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 3812
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [Na noite de S. João]
[Na noite de São João]
«Anda cá para os meus braços,
se tu vida queres ter.
Se os meus braços dão saúde
a quem está para morrer.
Foi na rua das Ailhinhas,
na noite de São João,
já sabia que eras minha,
tirei-te o lenço da mão.
Tirei-te o lenço da mão,
já sabias que eras minha,
na noite de São João,
lá na rua das Ailhinhas.»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / [Na noite de S. João]
[Na noite de São João]
→ Classificação dos Versos: Quadras.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Namoro.
Palavras-chave: alentejo, braços, ficalho, lenço, noite, rua, sãojoão, serpa
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Julho 2007
Duração vídeo: 0:29 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 398
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Anedotas / Alto Alentejo / Mora / [O Cabeçudo]
[O Cabeçudo]
«Então uma vez era um rapazote. (Esta é uma pequenina.) Um rapazote que andava à
escola e os rapazes na escola (esta é poucachinha) todos chamavam-lhe o cabeçudo:
_ Olha o cabeçudo!
_ Já lá vem o cabeçudo!
Chegava a casa dizia à mãe: _ Mãe! Os rapazes lá da escola todos me chamam “é o
cabeçudo”!
[Mãe:] _ Eles são malucos na’ faças caso!
Era todos os dias isto.
(O rapaz) a mãe um dia diz-lhe pra ele: _ Vai lá além ao comércio buscar dez quilos de
batatas.
O rapazito voltou[-se] logo pa’ abalar.
Diz-lhe a mãe: _ ‘Pera aí que é para levares um saquinho!
[Rapaz:] _ Não é preciso. Eu trago-as mesmo na minha boina!
Vê lá como é que era a cabeça dele!»
Mano Vitorino, 76 anos, Mora (conc. Mora), Junho de 2007.
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Transcrições integrais / Anedotas / Alto Alentejo / Mora / [O Cabeçudo]
[O Cabeçudo]→ Classificação:
Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Anedota.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Anedota sobre um rapazinho que tinha uma cabeça grande.
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, batatas, boina, cabeça, cabeçudo, evora, escola, mãe,
mora, rapaz
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Mano Vitorino
Idade: 76 anos
Residência: Amieiras
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Junho 2007
Duração vídeo: 0:0:42 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 735
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Transcrições Integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Um ofício para o filho]
[Um ofício para o filho]
«Eu vou contar uma históriazinha também que me lembro…Isso há de tudo, e hoje,
hoje atão…Hoje atão é tudo quase assim já.
Era um pai e um filho. Só tinha aquele filho único. E depois levou-o à escola e o rapaz
– era inteligente – e fez a quarta classe (que era o que faziam antigamente). Fez a quarta
classe e quando fez a quarta classe, diz-lhe o pai aqui assim (‘tavam jantando), quando
acabaram de jantar diz-lhe o pai:
[Pai:] _ Ó filho agora, já fizeste a quarta classe, já sabes ler bem, escolhes aí um emprego que
queiras aprender; na’ quero que vás (a) trabalhar no campo como eu ando trabalhando.
E o pai (assim havia): _‘Tá aí o pai… o marido da tua madrinha, é pedreiro; o outro meu
compadre é carpinteiro (e os outros assim como ele tinha na família: tinha pedreiros, tinha
carpinteiros, tinha aguadores(1), tinha ferreiros, tinha de tudo.)
[Pai:] _ Escolhe um ofício desses, filho. E ele dizia assim: _ Tu, tu passas a ser um mestre! Diz
lá. Escolhe o que é que queres ser.
[Filho:] _O que eu quero ser… é malandro!
[Pai:] _Queres quem?!
[Filho:] _ Não há cá mais ofício nenhum que é malandro.
[Pai:] _ Essa agora!
[Filho:] _Ah sim, eu já lhe digo. Não quero mais ofício nenhum. Quero aprender é a malandro.
[Pai:] _ ‘Tá bem, deixa… (Há sempre em todos os povos, há um mais malandro que os outros e
que é conhecido por toda a gente na terra).
O pai: _Me’mo agora vou daqui e vou falar com fulano – que era o mais, o mais malandro do
povo.
Foi falar com ele e diz-lhe o outro aqui assim:
[Malandro:] _ Então olhe, diga ao seu rapaz [que] amanhã que me espere além, a tal parte (que
era à ponta do povo), espere-me além. Ao nascer do sol, que eu estou além.
[Pai:] _ ‘Tá bem.
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Transcrições Integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Um ofício para o filho]
O pai veio de lá para casa e disse ao rapaz:
[Pai:] _ Olha amanhã às tantas [horas] estás além, em tal parte, ao nascer do sol, que está
além fulano que vai-te ensinar a ser malandro.
[Filho:] _ ‘Tá bem.
O rapaz abalou.
Quando chegou lá, já estava lá o mestre. E diz-lhe o mestre:
[Malandro:] _ Bom, vamos lá aqui por este caminho adiante.
Foram pelo caminho adiante. Chegaram lá adiante, havia umas figueiras carregadas de
figos, maduros, (petrocipe(2)) carregadinhas de figo. Diz-lhe o mestre aqui assim:
[Malandro:] _ Olha lá! Vamo[s] lá a deitar aqui debaixo da figueira, assim de papo para cima(3).
(Deitaram-se os dois.) _ A ver se cai algum figo na boca da gente pra eu comer. (Que era para
não o colher, para não ter o trabalho de o colher com mão).
Deitaram-se os dois debaixo da figueira assim de papo para cima.
Cai um figo na boca do rapaz.
Diz o rapaz: _ Ó mestre! Ajude-me lá aqui a dar aos dentes!
E o outro: _ Vai-te embora para casa, que tu sabes mais do que eu! Ainda és mais malandro
do que eu!
Hoje ‘tá quase tudo assim!... Ajude-me lá aqui a dar aos dentes! [risos]».
Francisco Galamba; 84 anos, Ficalho, (conc. Serpa), Fevereiro de 2006.
Glossário:(1) Aguadores: os indivíduos que regam e vendem água.
(2) Petrocipe: Tipo de figueira.
(3) De papo para cima – o mesmo que de papo para o ar: expressão que significa estar deitado de
costas e à boa vida, a mandriar.
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Transcrições Integrais / Contos / Baixo Alentejo / Serpa / [Um ofício para o filho]
[Um ofício para o filho]
Classificação do Conto: Conto jocoso.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1525 E Os
Ladrões Roubam-se uns aos Outros [variante].
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Assunto: Chegada à altura de aprender um ofício, um moço escolhe a malandrice para
profissão…
Palavras-chave: alentejo, escola, ficalho, figo, figueira, filho, pai, malandro, ócio, ofício,
profissão, serpa
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:03:25 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 3073
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Page 154
Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos]
[Os dois irmãos]
«E também sei outra do, do moleiro. Era um moleiro… Também eram, eram dois
irmãos: um era estudante e o outro era um charragáz(1) qualquer… E atão aquele que era
charragáz andava sempre com um alforge(2) às costas, *fazia colheres de pau*(3) e coisa,
andava sempre com um alforge às costas a fazer aquelas engenhocas.
Um belo dia diz para o irmão que era estudante:
[Cabreiro:] _ Ó irmão! Queres ir lá a casa do moleiro pedir a filha do moleiro em casamento?!
[Estudante:] _ Ah! Vamos agora pedir a filha!
[Cabreiro:] _ Vamos! Pedir a filha em casamento pra ver se… Que eu também quero casar!
[Estudante:] _ Bom, ‘tá bem!
Bom, aquele que era estudante, todo bem posto, todo preparado e o outro com o
alforge às costas… Chegaram lá a casa do moleiro, lá trataram de… ceia – nesse tempo era
ceia, na’ era jantar era ceia – trataram de ceia, que era prò depois no fim terem a conversa de
pedir a filha em casamento. Bom, a primeira coisa que o charragás fez, prantaram(4) uma
colher… Do que é que havia de ser pa’, pà ceia: umas papas – umas papas de farinha de trigo
– era[m] para a ceia. E diz-lhe o… Prantaram uma colher a cada um. Aquele que era charragáz
(e) mete a mão ao alforge puxa de uma colher de pau e aventou(5) logo a colher pra cima, a
colher de… que era lá de casa do moleiro para cima da mesa e puxa da colher de pau e, com a
colher de pau é que era malhar as papas… Bom, o outro, coitadito, que era todo estudante
cheio de vergonha já daquilo. Bom, cheio de vergonha e atão trataram de… Lá foram e tal, lá
passaram (n)o serão e atão sobrou um prato de papas. Sobrou um prato de papas e a mulher
lá do moleiro meteu-as lá numa gaveta.
Bom, foram-se deitar. Foram-se deitar, lá às tantas da noite começa aquele que era
charragaz a dizer prò, prò irmão:
[Cabreiro:] _ Ó irmão! Tenho fome! – Aquilo…a ceia tinha sido valente! Eram umas papas! –
Tenho fome!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos][Estudante:] _ Ó pá! Cala-te homem! Eu já estou cheio de vergonha de ti!
[Cabreiro:] _ Mas eu tenho fome!
[Estudante:] _ Olha, tens fome vai lá onde a velha deixou as papas: lá dentro da gaveta e trá-
-las e come-as!
Bom, aquilo a casa do moleiro era assim uma parede e tinha três portas: tinha uma que
era onde eles ‘tavam deitados, tinha outra que era o quarto da filha e tinha a outra onde
‘tava[m] o moleiro mais a mulher.
Bom, o gajo vinha com as papas na mão, chegou lá já nem trouxe o prato! Aquilo
‘tavam já frias, prantou-as em cima da mão e vinha a comer mesmo de cima da mão.
No lugar de entrar prò quarto dele, entrou prò quarto da velha e do velho! Onde
estava[m] o moleiro mais a mulher! Olhou pò quarto, ‘tava a mulher do moleiro c’o rabo de fora
das mantas e o gajo começa a andar de roda do cu da mulher e dizia-lhe até assim:
[Cabreiro:] _ Ó irmão! Queres papas?
E a velha abanou, fazia – pfffffff! – dava uma bufa! E dizia-lhe o charragáz assim:
[Cabreiro:] _ É pá! N’ assopres que elas ‘tão frias, homem! Come papas, homem! Isso sim!
Até que o gajo zanga-se – truz! – com as papas no cu da velha! E abalou porta afora.
Foi pò quarto onde ‘tava o irmão.
Daqui a bocadinho começa a dizer pò irmão: _ Ó irmão, eu tenho sede!
[Estudante:] _Eh! Raios ‘tá partam! Cala-te, homem!
[Cabreiro:] _Tenho sede homem! Quero beber água!
E atão o velho ‘tava a dormir, estende a mão por cima do cu da velha e achou a velha
toda cheia de papas e diz-lhe assim:
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos][Moleiro:] _ Eh, mulher! ‘Tás toda cagada! As papas fizeram-te mal! ‘Tás toda esborteada! Vai-
-te lavar lá pò açude! – Aquilo tinha o açude(6) que era onde o moinho trabalhava. – Vai-te
lavar lá pò açude!
Bom, a velha lá levantou-se. Foi pò açude, ali c’o rabo de fora a rebaixar-se, ali no
açude…
Cá o charragáz começa a dizer pò irmão que tinha sede…
Diz-lhe o irmão assim: _ Olha! Vai lá aos cântaros e bebe água e foge por aquela porta, que eu
fugo já aqui por esta!
Bom, o cabreiro chega lá – o cabreiro ou o charragáz – mete a mão dentro do cântaro
pra ver se ele tinha água, ópois já não era capaz de tirar a mão! Já não era capaz de tirar a
mão abala com o cântaro na mão, direito ao açude.
Chega lá, ‘tava a velha a lavar o rabo no açude. O cabreiro chega lá, pensava que
aquilo, que aquilo que era uma pedra – truz! – com o cântaro no cu da velha! A velha – tráz! –
pra dentro do açude!
Bom, (o cabreiro) o moleiro cá já há muito tempo que na’ aparecia a velha… Chega lá
ao açude andava a velha c’o rabo prò ar! Diz o moleiro assim:
[Moleiro:] _ Eh pá! Na’ sei se é uma abóbora, se é o cu da ‘nha mulher!
Pronto! Acabou-se a história!»
José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.
Glossário: (1) Charragáz: cabreiro.
(2) *Fazer colheres de pau*: o pastor Alentejano por vezes ocupava o tempo que lhe sobrava de guardar o gado a
fazer trabalhos em madeira, no caso a personagem fazia colheres de pau.
(3) Alforge: saco fechado nas extremidades e aberto ao meio, formando dois compartimentos, que se traz ao ombro
ou sobre a montada.
(4) Prantaram: colocaram; puseram.
(5) Aventou: atirou fora.
(6) Açude: construção feita em rio ou levada para represar a água destinada a moinhos ou regas.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Os dois irmãos]
[Os dois irmãos]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1775 O Padre
Esfomeado
[Nas versões portuguesas os protagonistas nunca são padres].
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Dois irmãos ceiam e pernoitam na casa de um moleiro com o intuito de pedir a
sua filha em casamento. A noite revela-se, no entanto, atribulada e quem sofre com os mal-
-entendidos é a dona da casa…
→ Palavras-chave: agua, abóbora, açude, alentejo, alforge, brotas, bufa, cabreiro, cântaro,
ceia, colher, cu, estudante, filha, fome, gaveta, evora, irmão, moleiro, mora, papas, quarto,
sede, trigo
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: José Manuel
Idade: 87 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Outubro 2007
Duração vídeo: 5:52 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 5081
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Alto Alentejo / Mora / [Os dois velhos e a morte]
[Os dois velhos e a morte]
«Em certa aldeia do Norte habitavam dois velhinhos (talvez em Trás-os-Montes, Alto
Douro) e já tinham mais de noventa anos de idade. Lembravam-se da mocidade e esperavam
breve morte.
_ Pouco podemos viver. (Dizia o bom do velhinho.)
Deus queira que eu morra adiante,
pa’ não sentir tristemente,
a falta do teu carinho.
Ouvindo isto a velhota e diz ao marido assim:
_ Se a morte breve vier,
e se consciência tiver,
leve-me primeiro a mim!
Mas terminou esta conversa já alta noite à hora morta.
Mas quando iam para se deitar
começaram a escutar
e ouviram bater à porta.
Bateram vezes sem conta, até que pergunta o velho em voz forte:
_ Quem está aí a bater?
E então ouviram dizer:
_ Venha abrir – que é a morte.
A porta pra morte entrar, ir abri-la nenhum quer.
Então lá diz o marido:
_ Tenho aqui um pé dorido,
vai lá tu abrir mulher.
A mulher, cheia de medo, e dizendo baixinho ao ouvido:
_ Ai, que martírio o meu!
Mas que grande dor que deu!
Vai lá tu abrir marido!
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Transcrições integrais / Alto Alentejo / Mora / [Os dois velhos e a morte]E a porta nada de se abrir. E a morte o que faz depois?
Era forte e estava irada,
entrou com a porta fechada,
chegou lá, levou logo os dois.»
Edmundo Manuel, 77 anos, Mora (conc. Mora), Junho 2007
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Transcrições integrais / Alto Alentejo / Mora / [Os dois velhos e a morte]
[Os dois velhos e a morte]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1354 A Morte
e o Casal de Velhos [em verso].
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Um casal idoso sabe que a morte é certa. Cada um quer morrer primeiro que o
outro de modo a não sofrer a perda do cônjuge. Entretanto bate-lhes a morte à porta…
→ Palavras-chave: aldeia, alentejo, evora, marido, mora, morte, mulher, norte, porta, velha,
velho
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Mora
Contador: Edmundo Manuel
Idade: 77 anos
Residência: Mora
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Junho 2007
Duração vídeo: 0:01:49 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 1.195
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2
[O Príncipe Lagarto 2]
«[A] Princesa Maria e o príncipe Afonso viviam muito felizes com o seu povo. O povo
era muito bom e eles estimavam-no muito e também [o povo à] princesa Maria e [a]o príncipe.
E então (passou) passava-se tempo e a princesa Maria pedia a Deus que lhe desse
filhos (que na’ tinha filhos). E o tempo passava, passava e ela não concebia e ia sempre
pedindo a Deus que lhe desse filhos. E nada. Nada disso acontecia.
Até que uma vez ela descontente, triste e zangada com Deus gritou e disse:
[Princesa Maria:] _ Ó Deus! Dá-me… Dá-me um filho nem que seja um lagarto! – E desabafou
e ficou assim.
E passou-se tempo, começou a andar doente e o príncipe falou com o doutor do
palácio e disse:
[Príncipe Afonso:] _Tem de consultar a princesa Maria porque ela anda doente.
Ele foi consultá-la e depois de a consultar deu os parabéns ao príncipe Afonso e à
princesa Maria porque ela estava grávida. E ela ficou muito contente e ficou radiante – que ia
ter um filho ou uma filha!
E depois passou-se o tempo, passou-se, passou-se e chegou a altura da criança
nascer. E atão o médico lá estava, o doutor lá estava pra ajudar lá no que fosse preciso. E o
médico, quando viu nascer um lagarto (um lagarto no lugar de uma criança), ele pôs as mãos
na cabeça e disse:
[Médico:] _ Óh! Meu Deus! Não há memória de uma coisa assim!
E a princesa Maria ouviu aquilo e o príncipe disse assim: _ Um lagarto! Mande matar…Mande
matar o bicho! – Disse o príncipe. _ Mande matar o bicho!
E a princesa Maria começou a chorar e a gritar e a dizer: _ Não! Não! Não porque eu…
Eu não…Não quero que matem o bicho! Porque é como sendo meu filho! Tenho o quarto já
arranjado e tudo e ele vai ser dono do quarto e vai ser dono de tudo e é protegido em tudo!
O médico dizia assim (e o príncipe) e o príncipe Afonso disse assim: _ É tudo como a
princesa Maria quiser! Como quiser dar a criação ao bicho – é tudo como, como quiser.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2
E ela hesitava… (Aquilo foi uma coisa do bom e do melhor, tudo ali pa’ esperarem uma
criança…) E depois ela, de vez em quando, lembrava-se de ter feito aquele pedido zangada
com Deus. De vez em quando lembrava-se que tinha sido castigo de Deus mas (tinha) tinha
uma esperança, tinha… Enfim...
Quer dizer que depois o príncipe começou a dizer à princesa Maria:
[Príncipe Afonso:] _ Fecha-se no quarto e isto é segredo pra toda a gente – [para] ninguém
saber que temos um lagarto no lugar de um filho! – E ela… e ela anuiu.
Mas atão o lagarto tinha já uma ama, tinha um ajudante (pa’ a ajudar), mas atão o
lagarto que era só subir p’ as paredes acima, pelos tectos acima, espalmava-se – o quarto
tinha duas janelas – espalmava-se nas janelas.
E passava por ali um bando de pombinhas (que o jardim do palácio era mesmo na
frente da [janela]…o palácio do jardim) e ele, passava ali as pombinhas e as pombinhas
brancas – um bando delas – começ[aram] a vê-lo lá espalmado na coisa [janela] e notaram: as
avezinhas notaram que havia ali qualquer coisa. E aquilo transmitiram aos outros (porque o
coiso, o jardim ‘tava cheio de [bichos:] tinha um pavão, tinha um… tinha um pavão, tinha a
cegonha, tinha o papagaio e isso…
Quer dizer que andava tudo a esconder – pa’ não ver ninguém que era uma vergonha o
povo saber que tinham um filho lagarto. Quer dizer que depois ele na’ tinha sossego – na’ tinha
sossego – parece que as pombas que foram transmitir à cegonha e a cegonha às cegonhinhas
que passavam lá a verem-no (coiso) ali espalmado… Aquilo era para ali uma coisa…
E depois a ama começou a ver… E ele queria sair, mal que a porta se abria um
bocadinho iam logo, não o deixavam ir tão pouco para o coiso… para ninguém o ver … E
depois ele começou a chorar: a chorar, as lágrimas caíam por ele abaixo e até chegavam ao
chão – o chão todo molhado! E a ama, a ama começou a estar aflita, aflita e disse assim:
[Ama:] _ Óh, meu Deus! Atão tu sofres?! Tu sofres! Tu tens desgosto? Tu sofres?
E abanava a cabeça que sim – abanava a cabeça que sim, pois não falava: abanava a
cabeça que sim.
E ela disse: _ Tenho que transmitir à princesa Maria o que se passa!
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2Depois disse à princesa Maria: _ Preciso muito de falar com a princesa Maria porque passa-se
[que] o lagarto chora muito!
[Princesa Maria:] _ Chora muito?!
[Ama:] _ Sim! As lágrimas caem-lhe dos olhos pelo corpo afora. Até caem no chão! A gente
anda cheios de pena do, do… Deixe-o ir ao menos para o jardim para ele distrair com as outras
avezinhas e com as outras coisas.
A princesa foi logo vê-lo. E foi logo e viu que realmente era assim como ela estava a
dizer. Ele até molhava o chão com o choro.
[Princesa Maria:] _Há aqui um mistério muito grande! E atão (começou) disse assim:
_ Deixem-se estar descansados que amanhã ele sai já daqui! Vai distrair pò jardim. Vou-lhe
comprar uma farda.
Foi-lhe comprar uma farda: um boné, umas luvas e uns sapatinhos próprios para o que
era e fardou-o e arranjou-o e levou-o pò jardim. Ora ele todo contente! Era o pavão de roda
dele – abria o leque, fechava o leque – e ele ria, ria contente, satisfeito!
Depois a princesa Maria dizia-lhe assim: _ ‘Tá contente? – (Tratavam-no por príncipe!) _ O
príncipe ‘tá contente? ‘Tá contente?
E ele abanava a cabeça que sim, que ‘tava: pois ele queria dizer que estava muito
contente. A cegonha passava com aquelas pernas altas, compridas – muito vaidosa – passava
por ao pé dele e tudo… E ele ria-se de a ver – era feliz! Era feliz!
Bem, o tempo passou-se. O tempo foi-se passando, foi-se passando e o povo começou
tudo a saber! Até chegava já pa’ outros países e pra tudo coisa... Os mensageiros mandavam
(porque isto é coisas muito, muito antigas!), os mensageiros passavam aquelas mensagens,
aquelas coisas e iam, iam mensageiros mesmo aos outros países contar o que se tinha
passado: que a princesa Maria que tinha um, um filho que era…
E ela começou a levá-lo quando havia aquelas festas de, de aquelas coisas de palácio,
aquilo… E ele fardado e tudo e no meio dos pais – dos pais, eram praticamente os pais – no
meio dos pais. Ele portava-se como sendo uma pessoa: fazia a continência, tinha aqueles
gestos como se fosse uma pessoa. E depois tudo se impressionava com isso – vinha[m]
pessoas dos outros países, tudo para ver se era verdade isso acontecer.
Lá no (no coiso no) jardim o papagaio quando ouviu – o papagaio foi o primeiro a saber
– quando ele (quando ele) ouviu os criados lá do jardim dizerem assim:
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2
[Criados:] _ Nem é criança! É um bicho! (O papagaio…) _ É um bicho! A princesa Maria na’… –
E eles tudo admirado!
Mas o papagaio ouviu (e o papagaio tem meia fala) disse assim: _ Ai, que desgraça! Que
desgraça tão grande! Que desgraça tão grande! Nem é criança! É um bicho!
Mas ele andava naquelas coisas com as avezinhas, até andava contente de ser livre!
Bom, passou-se o tempo. Passou-se o tempo começou-se aquilo a espalhar e (a)quase
pelo mundo inteiro. E depois chegou à altura (como casavam muito cedo os príncipes nessa
altura), chegou à altura de falarem-no em casamento. Quer dizer que os mensageiros andavam
pelos países e houve umas princesas que iam lá pra… mas era pra verem o que é que se
passava, não era para se casarem com ele! Ia uma, ia duas, ia três... E chegou a ir quatro.
Quatro, uma de cada vez. Umas chegavam lá negavam-se a casar com ele n’é? Negavam-se a
casar com ele: _Ai! Na’ posso! Na’ posso!
Mas havia na Austrália uma princesa chamada Ana e tinha fama de ser das pessoas
mais bonitas do mundo e bondosas. E essa, quando soube de ele ser rejeitado por aquelas
quatro, quatro princesas, e ela atão pensou assim:
[Princesa Ana:] _ Atão e eu… Vou eu casar com o príncipe Lagarto! – O coração dela era muito
bondoso e teve pena dele. E disse para os pais: _ Vou casar com o príncipe Lagarto!
Os pais acharam errado mas ela foi casar com o príncipe Lagarto. Foi para a Espanha
para casar com o príncipe Lagarto.
Aceitou. A família ficou tudo muito contente: o pai e a mãe e isso… do príncipe Lagarto,
do filho ter, do filho, do bicho [ter] quem o quisesse!
Bem aquilo juntou-se tanta gente no dia do casamento que teve de ser ao ar livre.
Fizeram um altar e estava o senhor padre pa’ fazer o casamento e aquilo era uma enchente
uma coisa parva! E depois diz assim (o príncipe), diz assim o senhor padre para o príncipe, o
senhor padre diz para o príncipe Lagarto:
[Padre:] _ Aceita para sua esposa a princesa Ana? – Ele abanou a cabeça que sim e depois
disse para a princesa Ana: _ Aceita para seu esposo o príncipe Lagarto?
E ela disse: _ Sim, aceito. E beijou, agarrou-se a ele e beijou-o.
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Page 165
Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2E o céu… O chão começou a tremer e o céu começou tudo a tremer e as pessoas tudo
aos gritos que era o fim do mundo! Mas aquilo foi só uns momentos, foi só uns segundos.
Acalmou-se tudo, ficou tudo assim… tudo sossegado. E depois ficou tudo com os olhos no
altar. Mas o príncipe Lagarto já lá na’ estava! ‘Tava lá era um lindo príncipe – uma pessoa
famosa, uma pessoa bonita! Um lindo…Uma linda pessoa! E foi… transformou-se aquilo num…
num amor! Foi um sinal de amor! E sinal que Deus transformou-o ali nessa pessoa! E atão
conta a minha história que foram muito felizes e tiveram filhos lindíssimos!».
Custódia Mariana, 80 anos, Brotas (conc. de Mora), Junho 2007.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / O Príncipe Lagarto 2
[O Príncipe Lagarto 2]→ Classificação do Conto:
Conto de animais.
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 433 B O Rei
Lindorm.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Desesperada uma princesa pede a Deus que lhe dê um filho. Nascerá então um
lagarto com modos de gente, cujo encantamento só poderá ser quebrado através do milagre do
verdadeiro amor.
→ Palavras-chave: alentejo, ama, amor, australia, beijo, brotas, casamento, cegonha, deus,
espanha, evora, farda, filho, jardim, lagarto, lágrimas, mora, padre, papagaio, pavão, princesa,
príncipe, pomba
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: Custódia Mariana
Idade: 80 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Junho 2007
Duração vídeo: 0:13:38 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 9.146
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]
[O Príncipe Lagarto 3]
«Havia uma ocasião… Havia uma ocasião… Um encanto. Um encanto dum, dum
lagarto… que era encantado. E atão um belo dia e diz pra mãe:
[Príncipe Lagarto:] _ Ó mãe! Eu quero casar!
[Mãe:] _ Ora filho! E atão quem é quer casar contigo?! Atão tu és um bicho! És um lagarto!
[Príncipe Lagarto:] _ Mas eu quero casar!
[Mãe:] _ Bom, atão mas queres casar com quem?
[Príncipe Lagarto:] _ Óh! Lá com uma filha do moleiro. – (Havia lá um moleiro que tinha três
filhas). E diz ele assim: _ Lá com uma filha do moleiro. Vai lá pedir ao moleiro a ver se deixa
casar uma das filhas comigo.
Bom, (diz-lhe) a mãe lá foi ao moleiro pedir-lhe se deixava casar a filha mais velha c’o,
c’o filho, c’o príncipe. O moleiro disse:
[Moleiro:] _ ‘Tá bem! Sim senhora.
Bom, lá no dia do casamento, tudo muito bem, tudo coiso e tal…E atão quando ‘tavam
ao copo’d’água, ‘tavam naquilo, apareceu o encanto – que era o lagarto. Pulou prò colo da, da
noiva. A noiva assustou-se! (De ver aquele bicho: pulou-lhe prò colo)! Assustou-se – morreu!
Bom, morreu, trataram do funeral, fizeram aquilo.
Ao fim de uma temporada começa o filho dela outra vez, o encanto, a dizer-lhe assim:
[Príncipe Lagarto:] _ Ó mãe! Eu quero casar!
[Mãe:] _ Ora filho! Atão, tu já mataste uma senhora e agora queres casar outra vez!
[Príncipe Lagarto:] _ Quero casar! Vai lá pedir ao moleiro a ver se deixa casar a outra filha
comigo!
Bom, lá foi a mãe outra vez pedir ao moleiro. Lá veio, lá trataram do casamento.
Quando foi à noite, ao copo d’água, salta outra vez o lagarto pra cima do colo, do colo da noiva.
Ela: _ Ai! – Pregou um grito, assustou-se! Morreu! Ah! Morreu, trataram do funeral. Fizeram
aquilo tudo.
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]
Um belo dia começa o noivo, começa outra vez o filho da princesa a dizer:
[Príncipe Lagarto:] _ Atão mãe, eu quero casar!
[Mãe:] _Ó filho! Atão, tu já mataste duas filhas ao moleiro e agora queres casar?!
[Príncipe Lagarto:] _ Quero casar!
Bom, lá foi a mãe outra vez pedir ao moleiro. O moleiro (coitadito, como ele era
príncipe)e deixou outra vez casar a filha mais nova com ele.
Lá no dia do casamento, quando ‘tavam ao copo’d’água, o lagarto pulou-lhe para o colo
outra vez (ela tinha já ali uma coisa, uma mantazinha) tapou-o logo muito bem tapado e [disse:]
[Esposa 1:] _Ai! Coitadinho! Ai, ‘tadinho do bichinho! – E coiso…
E atão não morreu! Já não morreu. Aquela já não morreu. Bom, tratou-se de casar,
trataram daquilo tudo. Casou.
Um belo dia diz-lhe a mãe do, do príncipe:
[Mãe:] _ Ah! Não sei como você quis casar com o meu (princi) c’o meu filho! Atão ele é um
bicho!
E ela diz-lhe assim: _ Ai senhora! Se vossemecê visse o seu filho! Quando ele está (em) feito
em pessoa! A senhora até, até ficava… Não há uma criatura mais linda que aquilo!
Bom e ela combinou com a, com a nora de lá ir ver o filho quando ele estava [na forma
humana]. Mas ela combinou com ela que ela tinha de ir às escuras, que era pa’ não [acordar]
(ver) o filho senão (perdia) quebrava-lhe o encanto.
E atão o que é que ela fez? Levou uma vela na mão e chegou lá ao pé com a vela
acesa, teve a olhar para o filho e coiso… Aquilo era uma pessoa linda que…! Mas a cera… A
vela começou a aquecer e largou uma pinga de cera e pingou na cara do, do príncipe. Deu-lhe
cabo do encanto! Deu cabo do encanto ao filho!
Bom deu cabo do encanto, o gajo sumiu-se. Nunca mais apareceu! Nunca mais
pareceu e disse-lhe:
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3][Príncipe Lagarto:] _ Agora quando tu… Toma lá estes sapatinhos de ferro. Quando tu
estragares estes sapatos de ferro é que vais dar comigo no palácio das janelas verdes!
Bom, a mulherzinha ficou e ele desapareceu! Desapareceu, a mulherzinha começou a
(a mulher dele, a noiva), começou a andar de banda pra banda, para um lado, para o outro, prà
aqui, pr’ além… A procurar pelo palácio das janelas verdes. A ver se alguém sabia, pra ver se
ia dar com ele. Bom, ninguém lhe sabia dizer – volta prà aqui, volta prà além…Ninguém lhe
sabia dizer onde é que era o palácio das janelas verdes.
Até que um belo dia, chegou lá, havia aquelas casas da bicharada – meanos, corvos,
albatrozes – toda a qualidade de bicho recolhia ali à casa à noite.
Bom, a mulherzinha foi lá dar com essa casa, chegava à noite vinha um (à noite
recolhia aquela bicheza toda) (e a mãe) eles assim que lá entravam diziam logo assim pa’ mãe:
[Bicho:] _Ó mãe, ó mãe! Cheira-me aqui a carne humana! – (Que era mulherzinha que lá
estava, a noiva lá estava a procurar…).
[Mãe dos bichos:] _Ora! É(ra) uma senhora que está aqui a procurar se vocês sabiam onde era
o palácio das janelas verdes!
[Bicho:] _ Eu cá na’ sei! Eu na’ sei onde é.
Bom, já só faltava o corvo. Até que daqui a nada lá vem o corvo – croah, croah, croah,
croah, croah, croah, croah – a (a)voar. E atão chegou, pousou e diz pa’, lá pa’, pa’ mãe daquela
bicharada e diz-lhe assim:
[Corvo:] _ Ó mãe, ó mãe! Cheira-me aqui a carne humana!
[Mãe dos bichos:] _ Ora, filho! É uma mulherzinha que está aqui a procurar se tu sabes onde é
o palácio das janelas verdes.
[Corvo:] _Óh! Mesmo eu agora de lá abalei! ‘Tive lá pousado, lá numa janela!
[Mãe dos bichos:] _ Bom, então olha, esta, esta senhora que está aqui queria saber onde é que
era o palácio das janelas verdes.
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3][Corvo:] _ Atão eu vou lá levá-la. Ela (a)monta-se em cima de mim, em cima de mim, que eu
vou lá levá-la ao palácio das janelas verdes. Mas ela tem que arranjar dois quilos de carne!
Que é para quando eu for já muito cansado e que eu faça – croah! – ela me meter um bocado
de carne pelo bico abaixo.
Bom, a mulher: _ Sim senhor!
Lá arranjou dois quilos de carne e atão o corvo lá abalou com ela (a)voando,
(a)voando, (a)voando e manda um – croah – dá um bocado de carne! Até que chegou lá ao
palácio das janelas verdes…Chegou lá ao palácio das janelas verdes, pousou lá numa janela e
diz:
[Corvo:] _ Minha senhora, o palácio das janelas verdes é aqui! Aqui é que é.
Bom, a mulher ali ficou. ‘Tava lá. Ele já ‘tava casado com uma preta, já tinha arranjado
uma preta [por]que pensou que ela nunca mais lá lhe aparecia. Mas apareceu!
E atão um belo dia, ela plantou-se, pediu à preta, se a preta a deixava ficar ali, debaixo
de uma árvore e coiso…
[Nova mulher:] _ Deixo sim senhora!
Bom, a mulherzinha ficou ali debaixo de uma árvore e atão às tantas puxou de uma
mesa, puxou de uma toalha … Prantou(1) ali em cima da mesa uma toalha estendida…
Prantou ali um serviço de cobre… Tudo da coisa mais bonita! Colheres! Pratos, garfos… Tudo
em cobre. A coisa mais bonita que havia!
A criada de lá da preta chegou à janela e diz-lhe assim:
[Criada:] _ Ó minha senhora! Atão a mulherzinha tem ali uma coisa na rua… Ai, que coisa tão
linda! Que a senhora não tem cá uma coisa tão linda como aquela!
[Nova mulher:] _ Vái lá ver se a mulher ma quer vender!
Ela chegou lá ao pé dela: _ Ai, minha senhora… Se a senhora quer vender isso à minha
senhora?
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3][Filha do moleiro:] _ Diga lá a ela que eu que na’ l[h]a vendo – que l[h]a dou! C’ uma condição:
dela me deixar, dela me deixar dormir uma noite com o príncipe!
[Nova mulher:] _Ai! Ela disse: _ Não! Não! Na’ quero! Na’ quero! Não, não, não, não! Na’
quero!
[Criada:] _ Ó minha senhora! Só uma noite na’ faz mal! – (Dizia-lhe a preta, a outra criada) –
Só uma noite não faz mal! A gente dá-lhe um chá de dormideiras(2) à noite, à deitada, ele
deixa-se dormir e a senhora… Nem toda a noite… No outro dia a horas de se levantar… A
gente… Ele passa-lhe aquilo das dormideiras e a senhora ganha aquela coisa toda bonita.
[Nova mulher:] _ Atão vai lá dizer se ela quer.
Bom [foi]…_Quero, sim senhora! – A outra senhora, que era a tal princesa, que era, foi a
primeira mulher do príncipe, e diz-lhe assim: _ Sim senhora! ‘Tamos combinadas! – Lá deu
aquilo à outra.
A outra foi à noite, quando o príncipe chegou, e foram-lhe dar o tal chá das dormideiras
ao príncipe. O príncipe deitou-se na cama ferrou a dormir nunca mais acordou.
Ela de noite, deitada lá na cama mais o príncipe, de noite e começa-lhe a dizer assim:
[Filha do moleiro:] _ Atão? Nunca mais te lembras?! Não te lembras quando me deste os
sapatinhos de ferro? Que, que havia de ir ter contigo ao palácio das janelas verdes…
Mas ele ‘tava a dormir, não ouvia nada! Mas tinha um choffeur(3), que andava com ele
a dar as voltas, que dormia por baixo do quarto onde ele estava. E o choffeur começou a ouvir
aquilo – toda a noite aquela coisa… A dizer a mesma coisa _ Se na’ te lembras de me dar uns
sapatos de ferro? Porque havia de ir ter contigo ao palácio das janelas verdes… Mas ele ‘tava
a dormir e pronto – não sabia nada!
No outro dia ela puxa dum… Outra vez da toalha, estende-a no chão – uma coisa em
prata! Tudo do mais bonito que havia! Colheres, garfos, pratos…tudo! Copos… Tudo do mais
bonito! A preta chega à janela e diz assim:
[Criada:] _ Ai, senhora! Hoje ainda tem lá outra coisa muita mais bonita que aquela primeira!
[Nova mulher:] _ E atão vai lá ver se ela a quer vender!
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]
Ela lá foi: disse à outra se a senhora queria vender aquilo.
Disse: _ Não! Na’ l[h]avendo – dou-lha! Mas é com a condição de me deixar dormir mais uma
noite com príncipe!
Bom, a outra [criada]: _ Damos-lhe o chá das dormideiras e ele deixa-se dormir e a senhora
ganha aquilo!
[Nova mulher:] _’Tá bem. – Lá arrebanharam aquilo.
Ela lá se foi deitar à noite quando o príncipe veio. Foi-se deitar outra vez mais o
príncipe e atão começa outra vez de roda dele:
[Filha do moleiro:] _ Atão na’ te lembras? Daquela coisa que tu me deste? Dos sapatos de
ferro? Que havia de vir ter contigo ao palácio das janelas verdes…coisa…
E o outro cá por baixo a ouvir outra vez a mesma coisa!
[Choffeur:] _ Ora esta! O que é que se passa lá prò, lá prò quarto do príncipe?
Bom, no outro dia quando se fez de dia ela saiu, àquela hora tinha que sair. O príncipe
passou-lhe o coiso das dormideiras pronto.
Ela vai ali à tardinha, torna a estender a toalha… Estende ali uma toalha com um
serviço tudo em ouro. Que não havia nada mais bonito que aquilo! Tudo em ouro! Tudo em
ouro! Pratos, colheres, garfos, tudo ali…
A preta chega lá à janela outra vez…
[Criada:] _Ai, minha senhora! Hoje é que ela lá tem uma coisa tão bonita! Tão bonita!
[Nova mulher:] _ Bom, vai lá ver se ela quer vender!
Lá foi outra vez a preta: _ A senhora…A minha senhora… Se a senhora quer vender isso…
[Filha do moleiro:] _ Eu na’ lha vendo, dou-lha! Mas há-de ela me deixar ir dormir uma noite
com o príncipe!
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3]
[Criada:] _ Atão minha senhora a gente dá-lhe o chá o das dormideiras, ele deixa-se dormir e
(a gente) a senhora ganha aquilo.
[Nova mulher:] _’Tá bem! – (A outra já ‘tava convencida daquilo tudo!)
Bom, o príncipe abala pà volta mais o choffeur. E o choffeur lá pelas tantas diz-lhe
assim:
[Choffeur:] _ Ó patrão! O que é que se passa lá para o quarto do patrão, que eu já há duas
noites que na’ durmo e ouço uma pessoa sempre, toda a noite, toda a noite a dizer: “se na’ te
lembras dos sapatos de ferro que me deste? Que havia de ir ter contigo ao palácio das janelas
verdes…”.
O Príncipe: _ Alto lá! Aqui há qualquer coisa!
Bom, à noite (quando) o príncipe chegou e foram-lhe dar as dormideiras outra vez. E o
príncipe no lugar de beber aquilo, entornou aquilo para fora e já não bebeu! Bom, lá chegou-se
a (…) foram-se deitar. Foram-se deitar e atão ela começa outra vez de roda do príncipe:
[Filha do moleira:] _ Atão? Não te lembras daquilo que me disseste? Dos sapatinhos de ferro?
Que havia de ter ver ter contigo ao palácio das janelas verdes…
Diz ele assim: _Óh! Cá está a minha mulher!
Quer dizer que tratou atão de casar e òpois o príncipe disse-lhe:
[Príncipe:] _ O que é que queres que faça agora àquela senhora?
E ela, e ela, não era malfazeja e diz-lhe assim: _Olha ela fica por criada e a outra fica
por ajudanta e eu sou a rainha!
Quer dizer que ficou aquilo tudo assim e está o conto acabado!»
José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007. Glossário:
(1) Prantou: colocou, pôs.
(2) Dormideira: espécie de papoila com características sedativas e narcóticas.
(3) Choffeur: motorista.
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Príncipe Lagarto 3][O Príncipe Lagarto 3]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 433 B O Rei
Lindorm + ATU 425 A O Monstro (Animal) como Noivo (Cupido e Psique).
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: A coragem, persistência e amor de uma jovem devolvem a forma humana a um
príncipe encantado que vivia sob a aparência de um lagarto.
→ Palavras-chave: alentejo, animais, brotas, carne, casamento, chá, cera, choffeur, cobre,
corvo, dormideira, dormir, encantado, evora, ferro, filha, filho, funeral, janela, lagarto, mae,
moleiro, mora, morte, motorista, noite, noiva, ouro, palácio, prata, príncipe, rainha, sapatos,
serviço, toalha, vela, verde
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Brotas
Contador: José Manuel
Idade: 87 anos
Residência: Brotas
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Setembro 2007
Duração vídeo: 2:31 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 11.902
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa / Setembro 2007
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Pedro e o Conde]
[Pedro e o Conde]
«Era o senhor conde. E um dia o que é que se lembrou?
[Conde:] _Ando aborrecido de viver sozinho. Vou arranjar um rapazito pa’ andar comigo a
passear. (Naquele tempo não havia automóveis).
O que é que ele faz? Vai à próxima vila, ali às Brotas, e então encontrou um rapazinho
chamado Pedro. E diz-lhe assim:
[Conde:] _ Como é que tu te chamas meu menino?
[Pedro:] _ Eu chamo-me Pedro.
[Conde:] _ A’tão… Tu queres ir pa’ meu criado?
[Pedro:] _ Não senhor, não quero.
[Conde:] _ Vai, que vais muito bem! Comes, bebes, andas sempre mais eu. Deixas de andar
assim tão pobre, tão mal arranjadinho. Anda, vem comigo!
O rapaz começou a pensar: _’Pera aí! Eu se calhar faço bem. – E aceitou. Foi-se embora mais
o Senhor Conde.
Mas atão o moço tinha um grande defeito! Era muito mentiroso!
Um belo dia andava a passear mais o patrão, ali por um grande vale e diz para o
patrão:
[Pedro:] _ Ó patrão! De manhã vim passear aqui e vi aqui sete raposas! Neste vale.
O patrão calou-se.
Andaram mais à frente, diz-lhe o patrão assim:
[Conde:] _ Ó Pedro! Olha que nesta herdade há uma ponte. E essa ponte tem um condão –
quem mentiu já neste dia, quando chegar e pisar a ponte, a ponte abre-se! E a pessoa vai pò
fundo e morre!
E o rapaz ficou ... _ ‘Pera aí!
Dali um bocadinho volta[-se] pò patrão e faz assim:
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Pedro e o Conde]
[Pedro:] _ Ó patrão! Não eram sete raposas! Eram só cinco!
[Conde:] _ ‘Tá bem.
Lá mais pra diante torna o patrão a dizer-lhe:
[Conde:] _ Ó Pedro! Olha que já não vamos muito longe da ponte…
Mais um bocadinho, diz para o patrão outra vez:
[Pedro:] _ Ó patrão! Não eram nada cinco raposas! Eram só três!
[Conde:] _ ‘Tá bem, pronto.
Quando iam já mesmo a chegar ao pé da ponte, diz-lhe o patrão assim:
[Conde:] _ Olha Pedro! Olha a ponte!
Ele volta-se com uma grande liberdade e diz para o patrão:
[Pedro:] _Ó patrão! Nem eram sete, nem eram seis, nem eram cinco, nem era nenhuma! Eu
nem vi raposa nenhuma!
Ainda hoje lá vivem!
E a mentira foi à vida! Portanto vale mais uma verdade que trinta mentiras. É assim.
A primeira ‘tá terminada.»
Maria Augusta, 75 anos, Mora, (conc. Mora), Junho de 2007.
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Transcrições integrais / Contos / Alto Alentejo / Mora / [Pedro e o Conde][Pedro e o Conde]
→ Classificação do Conto:
Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 1920 J Ponte
Reduz a Mentira.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Pedro é um menino que tem o mau hábito de mentir, mas o seu patrão tem uma
estratégia para fazer a verdade prevalecer.
→ Palavras-chave: alentejo, amieiras, criado, conde, evora, mentiroso, mora, patrão, passear,
ponte, rapaz, raposa
Região: Alto Alentejo
Distrito: Évora
Concelho: Mora
Localidade: Amieiras
Contador: Maria Augusta
Idade: 75 anos
Residência: Mora
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: José Barbieri
Data de Recolha: Junho 2007
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Junho 2007
Duração vídeo: 0:02:39 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 2093
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes
Pedro das Malasartes
«Era uma vez uma velha e um velho que viviam num monte(1). Mas tinham muito
dinheiro, mas andavam muito mal arranjados: muitos porcos, muito mal arranjados, numa casa
muito suja…
E atão tinham um velhote que lhes guardava os porcos e os perus. Óh! O velho a
determinada altura morreu. Morreu o velho. E diz a mulher assim:
[Velha:] _ Ai, marido! Tão mal que a gente fica aqui no monte! Atão agora ficamos aqui
sozinhos, sem ninguém! O que é que a gente faz à nossa vida?!
[Velho:] _ Temos que arranjar… Agora já não vamos buscar pessoas velhas. Agora arranjamos
aí um rapazinho com uns treze ou catorze anos e ‘tá aqui com a gente. Come, bebe, vestimo-
-lo, calçamo-lo e ‘tamos aqui como (…).
Ele foi a uma aldeiazinha mais pequenina, por exemplo assim como (…) pequenina a
aldeia. Havia lá um miúdo muita mau, muito mau, que se chamava Pedro e [que] vivia muito
mal – a mãe não tinha nada que lhe dar de comer. E disseram-lhe assim:
[Aldeão:] _ Ai, morreu ali o velhote que guardava os perus e os porcos, ali do velhote que ‘tá no
monte.
[Pedro:] _ Ah! E se o velho me levasse para lá! Pelo menos enchia a barriga e ‘tava lá com
eles.
O velho montou-se na burra e abalou a caminho da aldeia.
E ele [Pedro] ‘tava sentado numa pedra à espera que alguém lhe desse alguma coisa
pa’ comer, porque o pai tinha morrido e ele era sozinho mais a mãe e mais os outros irmãos.
(Chegou…) sentado numa pedra (e o velho ia chegando) [disse para consigo:]
[Pedro:] _ Olha! Aí vem o velho do monte… Tenho que enganar este velho! Tenho me’mo que
o enganar.
[Velho:] _Bom dia rapaz!
[Rapaz:] _Bom dia!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes[Velho:] _Atão como é que tu te chamas?
[Rapaz:] _Pedro.
Ele tinha ouvido dizer que havia um Pedro muito, muito daninho(2). Disse assim [para
consigo:]
[Velho:] _ Ai, este na’ vou levar! Não o vou levar porque… já tem fama de ser daninho! Óh,
minha mãe, chega lá, dá volta a tudo!
[Pedro:] _ Bom, atão o que é que você queria?
[Velho:] _Olha tenho lá uns perus e uns porcos pa’ guardar. Gostava de um mocinho… quanto
é que tu querias ir ganhar pra lá?
[Pedro:] _ Eu vou! Eu vou pra lá para o seu monte!
[Velho:] _ Então e quanto é que tu querias ir ganhar?
[Pedro:] _ Ah… Dez m’é’réis(3)…
[Velho:] _ Olha que isso é muito!
[Pedro:] _ Óh! Menos também na’ posso…
[Velho:] _ Olha, eu vou dar por aqui uma volta e depois amanhã logo te digo alguma coisa.
[Pedro:] _ ‘Tá bem.
Ele abalou. (A rua da) a aldeia tinha umas três ou quatro ruas e ele [o Pedro] foi
fugindo, foi-se pôr na outra rua.
[Velho:] _Bom dia rapaz!
[Pedro:] _Bom dia!
[Velho:] _ Atão que fazes aqui?
[Pedro:] _ Óh, ‘tou aqui que na’ tenho nada que fazer! Aqui ‘tou. Atão e você?
[Velho:] _ Ando aqui à busca de um rapazinho para me guardar os meus porcos e os meus
perus.
[Pedro:] _ Olhe eu vou!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes
[Velho:] _ Atão e com’ é que tu te chamas?
[Pedro:] _Pedro.
O velho ficou logo… [e disse:] _ Atão e tu querias ir lá prò monte?
[Pedro:] _ Queria! Ir lá passar… Atão na’ queria! Deserto ‘tou eu de sair aqui desta aldeia!
[Velho:] _ Então e quanto é que tu querias ir ganhar?
[Pedro:] _ Dez m’é’réis.
(Por a fala e por o aspecto, o velho ficou em dúvidas que ele seria o Pedro) [e disse-
-lhe:] _ Deixa ‘tar que eu ópois logo te digo alguma coisa.
[Pedro:] _’Tá bem!
Abalou, fugiu, foi pa’ outra rua. Enfim, ‘tava nas ruas todas – era ele sempre – ‘teve que
o velho apontar prò levar. Disse:
[Velho:] _ Olhe, amanhã de manhã, apareces lá no meu monte. Sabes ali onde eu moro, é logo
ali a seguir e depois a gente fala.
[Pedro:] _’Tá bem! Fique descansado!
Óh! Ainda bem na’ se tinha feito dia, já ele ‘tá batendo à porta do velho.
[Pedro:] _Atão ainda na’ se levantou?
Levantou-se o velho, todo muito escarapaçado.
[Velho:] _Atão, já cá ‘tás?!
[Pedro:] _ Já cá ‘tou! Atão mas isto pa’ gente ir fazer o trabalho, na’ pode ‘tar deitado até tarde!
[Velho:] _ ‘Tá bem.
O velho levantou-se. A velha fez uma açorda. [Pedro] encheu a barriga e disse [para
consigo:]
[Pedro:] _ É pá! Que bem que eu ‘tou aqui com estes velhos!
A velha tinha tudo que não se podia ver! Teias de aranha por tudo o que era canto…
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes[Pedro:] _ Atão? Esta é a sua mulher? É pá! Que idade tem você?
[Velha:] _ Ai filho, já tenho oitenta anos.
[Pedro:] _ Que é que diz! Você parece que tem quinze anos, criatura! Eu nunca tinha visto…
Isto, isto, isto não se via por lado nenhum! – E vai de olhar para a velha.
Encheu a barriga com a açorda. Diz-lhe o velho assim:
[Velho:] _ Olha, agora anda cá ver o que tu vais fazer.
E a velha disse-lhe: _Ai, marido! O que tu foste trazer pa’ nossa casa! Ele é esperto demais!
[Velho:] _ Deixa, coitadinho! Ele tem fome, atão tem a barriga cheia.
_ Bom, olhe estes são os porcos que tu levas, que vais guardar. E depois à tarde, traz os perus
pra dentro de casa e andas aqui de um lado para o outro.
[Pedro:] _ ‘Tá bem! Fique descansado.
[Velho:] _ E depois lá voltas para a tua casa.
[Pedro:] _ Qual casa?! Eu quero ficar aqui com vocês! O que é que eu vou fazer pra casa? Só
se você me der alguma coisa que eu vá levar à minha mãe…
[Velho:] _ Sim, a minha mulher dá-te umas coisinhas e tu (já com medo dele) e vais dormir pra
casa.
[Pedro:] _ ‘Tá bem!
Ele foi guardar os porcos, andou, andou [e pensou:]
[Pedro:] _ Eles estão gordos! Tenho de vender estes porcos! Tenho que os vender!
Bom, passou-se o dia.
À noite, a mulher deu-lhe um pão, deu-lhe comidas [e disse-lhe:]
[Velha:] _ Vai levar à tua mãe, a tua mãe na’ tem comida, vai lá levar.
Foi pra casa e disse a uma irmã:
[Pedro:] _ A velha ‘tá muito gorda! Se você visse! A figura da casa dela e a figura dela! Parece
a velha que tem mais de cento e cinquenta anos! Diz que tem oitenta anos!
[Mãe:] _Ah filho, mas não digas isso à mulher!
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes
[Pedro:] _ Na’ digo! Disse que ‘tava do mai’ lindo que havia!
E diz-lhe a mãe: _ Mas também não exageres! Isso depois a mulher vê que isso que não é
verdade e depois fica…
Bom, noutro dia abalou logo muito cedo.
No outro dia, a velha levantou-se e fez-lhe café: café, pão e queijo.
[Diz-lhe Pedro:] _Não há uma mulher igual a esta! Não há! A coisa mai’ linda que eu ainda vi
nos dias da minha vida… Que velha! Esta velha esperta, sabe fazer de tudo! Muito asseada…
– (A velha não tinha palavras pa’ lhe pagar).
Disse [a velha:] _ Ai, filho não! Atão eu já na’ posso fazer nada.
[Pedro:] _Deixe ‘tar que eu mai’ logo venho-lhe arrumar aqui a casa toda.
[Velha:] _ E você na’ tem falta de fazer nada?
[Pedro:] _ Eu pondo os porcos lá na pastagem, o que é que eu lá ‘tou fazendo ao pé dos
porcos ou aqui ao pé do monte?! Não ‘tou fazendo nada! Venho-lhe limpar a casa. Na’ tenha
problemas…
Tal e qual. Veio arrumar a casa à velha, deixou tudo num brinco(4). Diz a velha:
[Velha:] _ Ai, marido! Temos muita pena, mas não o podemos deixar abalar! – (Primeiro não o
queria e depois já não o podia deixar abalar).
Bom, terminou aquilo tudo. A velha tinha já o almoço feito, foram almoçar.
Abalou [para o pastoreio]. Quem havia de passar? Um feirante (com uma camioneta
muita grande, nessa altura, assim muito esquisita) [que lhe] disse:
[Feirante:] _ É rapaz! Que porcos tão lindos que tu aqui tens! Atão, mas de quem são os
porcos?
[Pedro:] _ São do meu avô! São do meu avô.
[Feirante:] _Óh, atão se ele me vendesse esses porquinhos…
[Pedro:] _ Vende! Vende-lhe os porcos, sim senhor! Vende-lhe os porcos! Atão, ele tem ‘tado
com o sentido d’os vender! Pra quê que ele quer os porcos?! Já ali tem mais! Pa’ engordá-los –
(mentira, na’ tinham: o velho à medida que ia vendendo, ia comprando).
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes
[Feirante:] _ Atão, quanto é que tu queres pelos porcos?
[Pedro:] _Cem m’é’réis.
[Feirante:] _Cem m’é’réis?! Pelos porcos todos?!
[Pedro:] _Não! Cada um!
[Feirante:] _ Ah! ‘Tá bom! Olha, amanhã de manhã passo por aqui.
[Pedro:] _ ‘Tá bem. Pode passar.
[Feirante:] _ Sim senhor. Trazes o teu avô.
[Pedro:] _ Ah, coitadinho! Ele na’ ouve! Que é que ele cá vem fazer?! Ele na’ ouve!
Bom, no outro dia de manhã levantou-se. E (o que é que) diz-lhe a velha assim:
[Velha:] _ Ai filho, olha, ontem comeste uma açorda, anteontem uma açorda, ontem comeste
café. Atão hoje comes [o] quê?
[Pedro:] _ Olha gosto de café. Faça-me lá café, com pão e queijo, que eu gosto muito disso.
Bom, ‘tava bebendo o café, diz ele assim: _ Olhe lá, como é que você se chama?
[Velha:] _ Ah! Chamo-me Maria.
[Pedro:] _ Áh, mulher! Tem um nome tão bonito! Maria – Maria era o nome de Nossa Senhora.
E você tem mesmo jeitos de santa! Mesmo jeitos de santa! ‘Tá bom… Mas você… onde é que
você dorme? Atão, eu arranjo-lhe esta casa. Mas prali ‘tão portas fechadas. Onde é que você
dorme? Eu tenho que ver onde você dorme. Tenho que ver, porque você não pode dormir mal,
porque você já tem oitenta anos. Faz-lhe mal à coluna, faz-lhe mal ao seu corpo. Eu tenho que
saber onde você dorme.
A velha, muito contrariada, lá lhe deu o café [e ele tornou a dizer-lhe:]
[Pedro:] _ Mas agora tem de me ir mostrar onde é que você dorme que é preciso arrumar o
quarto e na’ posso… de tarde tenho que fazer esse trabalho.
Bom, a velha com muito pouca vontade de abrir-lhe a porta…
[Pedro:] _Olha! (A velha tinha só farrapos em cima da cama) e ele disse: _Ah! Assim na’ pode
ser! Aquela mala (era[m] umas malas velhas que havia, forradas de couro) tem que ter ali
www.memoriamedia.net [email protected] 6
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartesroupa boa dentro. E é aquela roupa que a gente vai tirar e pôr na sua cama. De tarde vou fazer
esse trabalho.
[Velha:] _ ‘Tá bem. Atão ‘tá bem, filho.
[Pedro:] _ Atão e na’ tem, na’ tem nada de dinheiro, nem de nada, que possa passar por aqui
alguém e levar o dinheiro?
[Velha:] _ Ai, filho na’ tenho…
[Pedro:] _ Na’ tem! Mas quem é que disse que na’ tinha?! Tem que ter! Você é assim – na’ me
quer dizer nada – mas você tem que fazer conta comigo, que eu vou ficar aqui como um filho
que você na’ tem!
[Velha:] _ ‘Tá bem, filho! Depois a gente vê. Arranjando as coisas depois logo resolve, falamos.
[Pedro:] _ ‘Tá bem.
A velha tinha o dinheiro dentro daqueles sacos de lona, dentro do alguidar da massa
(um alguidar de barro, vidrado) onde amassava o pão – punha-lhe os sacos e metia [o] debaixo
da cama.
Pois, mas ele abalou com aquilo no sentido – quando o comerciante passou já ele lá
na’ tava – nesse dia aí, os porcos ainda se safaram (ao terceiro dia).
Veio pra casa arrumar o quarto à velha: tirou aquela roupa porca toda sem prestar pra
nada; fez-lhe a cama; varreu o quarto… quis varrer debaixo da cama – puxou o alguidar – lá
‘tava o dinheiro – ficou sabendo.
[Pedro:] _ Isto é dinheiro!
[Velha:] _É filho. Olha é as minhas economias, é meia dúzia de tostões(5) que aí ‘tão.
[Pedro:] _ Pois é. At’ão, mas a gente na’ tem falta de saber disso; tenho falta é de lhe limpar a
casa.
Pronto, arrumou a casa. A velha fechou o baú (chamava-lhe o baú), fechou o baú. E
pegou nas roupas e nos frangalhos, ele deitou-os prali , para um sítio qualquer e abalou p’os
porcos.
[Pensou Pedro:] _ Ah! Velha d’um cabrão! Atão com tanta dinheiro que aquela velha tem, é
preciso ‘tar vivendo numa miséria destas? Na’ pode ser. Na’ pode ser! A minha mãe morta com
www.memoriamedia.net [email protected] 7
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartesfome e a velha com dois sacos cheios de dinheiro! Na’ pode! Eu tenho que levar o dinheiro
para algum lado. Ela fica com dinheiro, mas eu tenho que levar algum.
Bom andou todo o dia e toda a tarde matinando(6) naquilo.
Passou o homem (e já era o quarto dia) [que lhe disse:]
[Feirante:] _ Atão? Afinal o teu avô na’ veio!
[Pedro:] _ Na’ veio, mas quando você quiser vir buscar os porcos, venha. Na’ tenha problema!
É cem m’é’réis cada um, na’ tenha problema e venha buscar os porcos. – (O homem ia-se
embora). – Espere aí! É que não são só os cem m’é’réis, é que você tem que deixar cá as
orelhas e o rabo dos porcos.
[Feirante:] _ Atão, mas que paciência agora a tua! Ir cortar as orelhas aos porcos e o rabo!
[Pedro:] _ Na’ faz mal nenhum! Os porcos na’ é para o matadouro?
[Feirante:] _ São para o matadouro, sim senhor.
[Pedro:] _ Atão! Olhe é que se você na’ quiser deixar cá as orelhas dos porcos, já lhe custam
muito mais dinheiro! Custam quinhentos m’é’réis. E não sei! E na’ sei! Tenho que falar com o
meu avô.
O homem pensou: _ Pra quê que eu quero as orelhas e os rabos dos porcos?! Deixo-
-lhe cá os rabos dos porcos! Bom, olha, amanhã de manhã venho buscar os porcos.
[Pedro:] _ ‘Tá bem. Amanhã quando você quiser. – (O velho muito descansado em casa.)
O comerciante veio buscar os porcos. Cortaram-lhe as orelhas. Mas logo por trás do
monte havia assim do tipo de uma lagoa com muitas ervas, mas aquilo era tipo um pântano –
na’ se podia ir pra lá que aquilo afundava tudo.
(…) O comerciante veio buscar os porcos. Cortaram-lhe as orelhas, cortaram-lhe os
rabos… O homem abalou, deu-lhe o dinheiro.
Ele meteu-o na algibeira e veio direito a esse pântano. Pôs duas orelhinhas e um rabo
cá atrás, duas orelhinhas e um rabo cá atrás, pôs os porcos todos – os rabos e a orelhas dos
porcos dentro daquele pântano. (Ele na’ prestava pra nada!). Assim que de lá saiu, lavou-se,
preparou-se muito bem, foi preparar a velha. Foi arranjar o resto da casa à velha, mas fez
tempo demais p’ dizer, p’ abalar dali aflito e dizer à velha:
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes[Pedro:] _Ai! Tenho que ir à procura dos porcos! A esta hora mataram os porcos! – E na’ sei
quê, na’ sei que mais.
[Velha:] _ Ai, filho vai lá! Não me levem os porquinhos filho, que é a nossa desgraça!
Abalou, andou pra lá mais de uma hora. Veio com a mão na cabeça [e disse à velha:]
[Pedro:] _Ai, tia Maria! Que desgraça a nossa!
[Velha:] _ Atão?! Que foi filho?! O que é que aconteceu?
[Pedro:] _ Os porcos estão tudo ali dentro do pantanal! Ali, por trás do monte. Olhe, vieram,
viram ali as ervas verdes, foram-se meter ali… ‘tá tudo…! Só se vê[em] as orelhas e o rabo!
[Velha:] _Ai, filho! Vai lá dizer aí ao meu marido num instante pa’ ir à aldeia! Pra trazer homens,
pa’ tirarem os porcos dali, filho! A ver se a gente ainda salva algum!
[Pedro:] _ Vamos lá ver! ‘Tou duvidoso, mas é capaz de a gente já na’ salvar nenhum!
Ai! A velha ficou logo em picos(6): _ Ah, marido vai lá num instante!
Enquanto o velho albardou a burra e na’ albardou a burra [disse:]
[Pedro:] _ ‘Tá com um tempo destes, atão como é que a gente tira dali os porcos?! De maneira
nenhuma! A gente dali na’ tiramos os porcos.
O velho abalou a cavalo na burra p’a aldeia, mas ele já lá chegando:
[Velho:] _Ah, Pedro! Anda cá filho! Vê lá, vim prà aldeia sem trazer nem um tostão para pagar
às pessoas para tirarem os porcos.
[Pedro:] _ Olhe, vá lá andando… Atão e o que é que você quer que eu leve?
[Velho:] _Diz lá à minha mulher que mande o talego(8) grande!
[Pedro:] _ O grande ou o pequenino?
[Velho] _Olha traz os dois! (Eram os dois sacos de dinheiro que lá tinham!).
E enquanto o velho fazia aquilo – ele tentava arrancar as orelhas de dois ou três porcos
e o rabo, vinham só as orelhas e o rabo (na’ ‘tavam lá porcos nenhuns!) – [Pedro] balou fugindo
pela aldeia [direito ao monte. Quando lá chegou disse à velha:]
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes[Pedro:] _ Ah, tia Maria! Dê lá aí o dinheiro num instante prò homem, prò seu marido pagar lá
às pessoas!
[Velha:] _ Atão, quanto é que queres filho?
[Pedro:] _ Ele disse pra levar o talego grande e o pequenino…
[Velha:] _ Os dois?!
[Pedro:] _ Os dois! – Abalou com o dinheiro da mulher.
O velho chegou à aldeia, convocou as pessoas pra virem tirar os porcos do lameiro.
Quando cá chegou – nem Pedro, nem dinheiro!... Nunca mais ninguém viu o Pedro!
Abalou. Levou-lhe o dinheiro, vendeu os porcos e ainda a esta hora lá ‘tão comentando (…).
Esperto, espertalhão! Era o Pedro das malasartes!»
Edvige Rafael, 68 anos, Baleizão (conc. Beja), Fevereiro 2006.
Glossário(1) Monte: Sede de herdade, na província do Alentejo, formada por vários edifícios em torno de um pátio;
designação por vezes atribuída à própria herdade.
(2) Daninho: irascível; ruim.
(3) M’é’réis: expressão oral de abreviatura de “mil réis”. Réis: refere-se ao plural de real, unidade nominal
do antigo sistema monetário em Portugal e no Brasil, de valor variável, segundo as épocas.
(4) Deixou tudo num brinco: limpo; asseado; arrumado.
(5) Tostões: plural de tostão, antiga moeda portuguesa do valor de 100 réis.
(6) Matinando: insistindo; teimando.
(7) Ficou em picos: ficou ansiosa, em cuidados.
(8) Talego: saco.
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Transcrições integrais / Contos / Baixo Alentejo / Beja / Pedro Malasartes
Pedro das Malasartes
→ Classificação do Conto: Conto jocoso.
Classificação: 1541*B (Cardigos) Um Criado Chamado Pedro + ATU 1004 Porcos na
Lama + ATU 1563 Ambos?
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
→ Assunto: Pedro, um miúdo astuto sem escrúpulos, engana descaradamente um casal de
velhos avarentos.
→ Palavras-chave: alentejo, avareza, baleizão, beja, comerciante, dinheiro, enganar,
malandragem, monte, ofício, pântano, pastor, porco, peru, rapaz, velha, velho
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Baleizão
Contador: Edvige Rafael
Idade: 68 anos (8/9/1937)
Residência: Baleizão
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Marta do Ó
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:14:13 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 15. 981
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições Integrais / Adivinhas / Baixo Alentejo / Beja / Perdizes
Perdizes
«As perdizes.
Isto é das perdizes:
“Janeiro busca parceiro;
Fevereiro recua ao outeiro;
Em Março três e quatro;
Em Abril enche o covil;
Maio arraio;
E em São João já vão os perdigotos(1) ao pão;
E em São Tiago já vão os perdigotos à água;
E em Agosto espingarda o rosto.”
Explicação:
Janeiro busca parceiro – são as perdizes, em Janeiro, andam fugindo de um lado ao outro –
que se andam afeiçoando uma à outra. É o perdigão(2) que anda arranjando, anda
perguntando a perdiz – por isso é Janeiro busca parceiro.
Fevereiro recua ao outeiro;
Em Março três e quatro (ovos);
Em Abril enche o covil;
Maio arraio – já vão raiando(3);
E em São João, já tem os perdigotinhos – já vão os perdigotos ao pão;
E em São Tiago, já vão os perdigotos à água;
E em Agosto – já é o tempo da caça – espingarda o rosto.
Pronto.»
Olívia Brissos, idade, Beringel (conc. Beja), Fevereiro 2006.
Glossário: (1) Perdigoto: perdiz nova, não adulta.
(2) Perdigão: macho da perdiz.
(3) Já vão raiando: já vão sobressaindo; já vão surgindo.
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Transcrições Integrais / Adivinhas / Baixo Alentejo / Beja / Perdizes
Perdizes
Classificação da Adivinha: Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Adivinha.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Assunto: Ciclo de vida da perdiz.
Palavras-chave: água, alentejo, animais, beja, baleizão, caça, ciclo, espingarda, meses, ovo,
pão, perdiz, rosto, sãojoão, sãotiago
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Beringel
Contador: Olívia Brissos
Residência: Beringel
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007
Duração vídeo: 0:01:00.8 m
Caracteres (incl. espaços): 999
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [Pe’xinho, p’ixinha]
[Pe’xinho, p’ixinha]
«Pois, afinal que a minha mãe era muito amiga de contar assim estas coisas.
[Entrevistadora:] _ Contava…E a senhora lembra-se desse tempo que as algarvias vinham pa’
cá trabalhar?
[D. Olívia:] _ Lembra-me. Atão à pouco…não há muito…Ainda o meu marido andava ganhando
o peixe e elas vinham ali pra… pra “Diabrória” à monda. E o meu marido ia lá vender o peixe.
Até por acaso, até tinha, teve graça, o meu marido ó’pois contando que uma delas (também
tinha que ser assim muito… ratona(1)) e atão foi um dia diz-lhe ele:
[Peixeiro:] _ Vá, cá temos o pe’xinho!
Diz ela: _ Ai, ti Manel olhe até aqui tem sido só pe’xinho, pe’xinho. E agora, daqui por diante, é
só p’ixinha, p’ixinha! A’tão vamos embora já amanhã!
[D. Olívia:] _ Iam pra casa! Os maridos tinham ficado lá. E elas tinham ficado… Vinham
sozinhas e até ali era só pe’xinho, pe’xinho e depois passava a ser só p’ixinha, p’ixinha!
[Entrevistadora:] _ Eram marafadas as algarvias!»
Olívia Brissos, Beringel (conc. Beja), Fevereiro de 2006
Glossário:(1) Ratona: desenvolta, desembaraçada.
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Transcrições / Anedotas / Baixo Alentejo / Beja / [Pe’xinho, p’ixinha]
[Pe’xinho, p’ixinha]
Classificação: Narrativa não classificável (apresentação por géneros).
Anedota.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Palavras-chave: algarvia, monda, peixe
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Beja
Localidade: Beringel
Contador: Olívia Brissos Residência: Beringel
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa em Maio de 2007
Duração vídeo: 0:0:46 m
Caracteres (incl. espaços): 1065
Ilustração: António Salvador
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Rosicler
Rosicler
«Rosicler, Rosicler, tu tens grande coração.
Dizes que és a mãe de todos e todos te dão razão.
Todos te dão razão, pois, mas escutem bem o que lhe[s] digo
e escutem bem com atenção.
Eu quero que todos digam, se é verdade
ou se é mentira o que diz Xico Atabão(1):
que o nosso grupo ‘tá triste. ‘Tá triste. ‘Tá triste e tem razão,
de ver partir uma camarada nossa pra nossa terra no caixão.
Mas vai para debaixo do chão, vai para debaixo do chão
e deixa em grande, uma grande pena e dor ao grupo da “Boa União”(2).
O grupo da “Boa União” nunca me sai do sentido, em nenhuma ocasião,
por ser um grupo tão bem unido e todos e todas, tudo se dá como irmãos.
(Pois morreu lá uma camarada nossa).»
Francisco Galamba, 84 anos, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Contextualização:
(1) Xico Atabão – nome por que é conhecido o autor (alcunha) na sua terra.
(2) Grupo Boa União – grupo excursionista.
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Rosicler
Rosicler
→ Classificação dos Versos: Quadras (métrica desigual).
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
→ Assunto: Tributo a uma amiga falecida.
Palavras-chave: alentejo, amigos, camarada, caixão, ficalho, grupo, morte, serpa, terra, tributo
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Francisco Galamba
Idade: 84 anos (31/10/1922)
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:55 minutos
Caracteres (incluindo espaços): 758
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Versos da avó
Versos da avó
«Eu sou mãe de dez filhos
e avó de vinte sete netos.
E também sou bisavó
dos meus quarenta bisnetos (foi mesmo o que ela teve).
Tetranetos não tenho,
mas ainda os posso ter.
Mas tenho uma grande pena
de prestes ter que morrer.
(Coitadinha, já tinha 97 anos e na’ queria morrer. ‘Tava um para se casar, na’ queria que…_ Ai,
eu agora a ver se este se casava; tava um pra nascer: _ Ai, agora a ver se este nascia.
Coitadinha, sempre com aquela coisa). Diz assim:
No dia que fiz 97 anos,
meus netos, filhos e noras
foram-me a dar um serão(1).
Nunca os terei esquecido,
tenho sempre recordação.
Levaram-me cinco aventais
e seis pares de meias pretas.
E cinco lenços da mão
para limpar minhas lágrimas,
que chora meu coração.
(Ela dizia daquelas coisas sem saber ler!)».
Maria Valente, idade, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Glossário(1) Serão: reunião familiar à noite.
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Transcrições integrais / Versos / Baixo Alentejo / Serpa / Versos da avó
Versos da avó
Classificação dos Versos: Duas quadras e duas quintilhas.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
Assunto: Família.
Palavras-chave: alentejo, avental, avó, bisneto, coração, família, filho, lágrima, lenço, mãe,
neto, nora, serão, tetraneto
Região: Baixo Alentejo
Distrito: Beja
Concelho: Serpa
Localidade: Ficalho
Contador: Mariana Valente
Residência: Ficalho
Vídeo: José Barbieri
Entrevista: Cristina Taquelim
Data de Recolha: Fevereiro 2006
Transcrição: Maria de Lurdes Sousa
Data de Transcrição: Maio 2007
Duração vídeo: 0:00:55 segundos
Caracteres (incluindo espaços): 864
Recolha, edição e montagem de video: José Barbieri
Web design: José Barbieri
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