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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. FILHO, Sebastião Miranda da Silva. Sebastião Miranda da Silva Filho (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2013. 52p. SEBASTIÃO MIRANDA DA SILVA FILHO (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2013

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

FILHO, Sebastião Miranda da Silva. Sebastião Miranda da Silva Filho (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2013. 52p.

SEBASTIÃO MIRANDA DA SILVA FILHO

(depoimento, 2012)

   Rio de Janeiro

2013

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

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Nome do Entrevistado: Sebastião Miranda da Silva Filho

Local da entrevista: São José do Rio Preto – São Paulo

Data da entrevista: 6 de junho 2012

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um

acervo de entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Bernardo Buarque de Hollanda (CPDOC/FGV)

Câmera: Thiago Monteiro

Transcrição: Letícia Cristina Fonseca Destro

Data da transcrição: 25 de junho de 2012

Conferência de Fidelidade: Thomas Dreux

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Sebastião Miranda da Silva Filho em 06/06/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Bernardo de Hollanda – Mirandinha, muito bom dia. Queremos te agradecer por

nos receber aqui em sua casa, nessa linda chácara aqui em São Paulo. Muito obrigado

por ter aceito o nosso convite. Eu gostaria de começar perguntando onde você nasceu,

em que ano, contando um pouquinho das suas lembranças de infância.

Sebastião Filho – É uma satisfação estar participando dessa entrevista.

Realmente, eu nasci em Bebedouro, uma cidade aqui ao lado. Vim de Bebedouro muito

cedo, vim para São José do Rio Preto, comecei a fazer uma série de coisas; estudei, fiz

tudo aqui dentro de São José do Rio Preto. Depois que passei a ser jogador de futebol.

B.H. – Você poderia contar um pouquinho dos seus pais, o que eles faziam? Eles

eram de Bebedouro também?

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  3  

S.F. – Não, a minha mãe era de Olímpia1, nascida em Olímpia, mas também

criada em São José do Rio Preto. O meu pai era jogador de futebol da mesma forma, era

atacante, muito conhecido aqui na região, em toda região porque jogou no Internacional

de Bebedouro, jogou no Rio Preto, jogou no América, jogou em várias equipes aqui da

região. Foi um grande atacante. Pelo menos aqui, nessa região toda ele foi muito bem.

B.H. – Interessante, Mirandinha, porque muitos jogadores nos contam que na

época que eles começavam não foi fácil ser jogador de futebol. Era uma profissão mal

vista. No caso da sua história é curioso porque o seu pai foi jogador. Isso estimulou

você? Isso foi ao contrário dessa visão que se tem do jogador, ele te encorajou a ser

jogador de futebol?

S.F. – Bem, em princípio eu não gostava de futebol. Então... Para você ver bem

como são as coisas. Logo fui ser goleiro. Sendo goleiro já viu, complicado para um pai

que é atacante e ele disse-me: “Tem que sair realmente do gol porque você vai

complicar tudo”. Em uma época, eu jogava no Grêmio Esportivo Boa Vista, foi aonde

eu iniciei quando menino. E eu estava no gol, tive que sair do gol e passei a ser atacante.

Mas foi um pouco complicado ser atacante, porque de goleiro e atacante todos nós

temos um pouco. Então, ficamos ali fazendo número pelo menos. Mas deu tudo certo,

porque depois ele começou a fazer uns treinamentos, eu também comecei a gostar da

coisa. E foi tudo bem, correu bem graças a Deus.

B.H. – E você tem irmãos e irmãs?

S.F. – Eu tenho um irmão, a minha irmã – que aqui esta casa é da minha irmã e

do meu cunhado. Então, hoje eu estou aqui na casa deles fazendo uma visita. É uma

satisfação estar aqui, porque faz muito tempo que eu não venho. Por exemplo, eu digo

aqui é muito bom, tem um campo de futebol para que possamos brincar um pouquinho.

Brincamos aqui com meu sobrinho. O meu irmão já jogou futebol também, não é? Tem

os meus filhos que não jogam aqui, jogam lá em Portugal, jogam fora. Um é treinador,

inclusive, o Rafael. Já tenho filhos já de uma idade não é? Já estão até parando de jogar.

                                                                                                                         1  Cidade  vizinha  à  São  José  do  Rio  Preto.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  4  

O Miran jogou no Braga2, o Rogério jogou no Beiramar3, o Rafael já esteve no

Olhanense4. Então, é uma meninada muito boa.

B.H. – Uma família, então, de jogadores.

S.F. – Uma família realmente de atletas. Eles deram certo também e

conseguiram seu lugar ao sol e conseguiram brilhar lá fora.

B.H. – Então, por você seguir o exemplo de seu pai, acredito que seus filhos

também tenham se inspirado em você para carreira.

S.F. – Eu acho que sim, penso eu que sim. E espero que eles continuem aí na

sequência como treinadores de futebol e que possam chegar lá, onde eles realmente

almejam.

B.H. – Na sua infância você jogava futebol... Você começou em um clube, mas

como era? Você jogava futebol na rua, na escola? Como foi o primeiro contato com o

futebol?

S.F. – Nós tínhamos aqui um campinho. Campinho porque a gente sempre fala

isso... Tínhamos aqui um campo de futebol que ficava ali perto da estrada de ferro e ali

nós brincávamos. Aí, o João de Cais, esse que eu acabei de dizer, montou uma equipe

de futebol e colocou o nome de Grêmio da Boa Vista – o meu bairro era Boa Vista.

Então, começamos a trabalhar e brincarmos aí. Tudo foi dando certo. Depois eu fui

jogar no Botafogo do Mané, no Juventus do Netinho e mais um tanto e fui passando

para outras equipes também da várzea que falamos agora. Mas eram equipes bem

formadas, com grandes meninos, com meninos muito bons. Eu tinha um jogador que

brincava... Aliás, eu acho que ele nem quis ser jogador de futebol, mas ele era muito

bom, era o Reinaldinho, excelente jogador de futebol. Eu acho que ele não quis, então...

                                                                                                                         2  Sporting  Clube  de  Braga.  

3  Sport  Clube  Beiramar    

4  Sporting  Clube  Olhanense.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  5  

Ele foi ser ourives, coisa que eu também trabalhei com ele lá porque ele que arrumou

esse emprego para que eu pudesse trabalhar lá como ourives com ele.

B.H. – Foi um sonho seu ser jogador ou em princípio não, foi uma coisa que

aconteceu e quando você viu já estava lá jogando como atleta, como foi isso?

S.F. – Realmente foi isso: foi uma coisa que aconteceu e quando eu estava

acordando eu já estava lá dentro. Eu fui para o América5, porque tinham dois jogadores

que estavam doentes que era o Lance e o Cabinho – o Cabinho estava com hepatite, e

eles me convidaram. Eles me convidando, eu digo: “Tudo bem, vamos lá”. Falaram com

meu pai, pediram para que eu fosse nesse jogo lá em Uberlândia é Uberlândia, e

fizemos uma partida lá e conseguimos dois a zero. Nessa primeira partida eu fiz os dois

gols para felicidade minha, lógico. E conseguimos um contrato depois da partida que

fizemos aqui contra Ferroviária, também dois a zero também. Fizemos o meu contrato

com o América e deu tudo certo.

B.H. – Você, então, chegou a essa carreira de jogador participando do futebol de

várzea, no clube, depois sendo transferido para São José do Rio Preto. E o futebol

profissional, você já acompanhava? Você já era torcedor de algum clube? Naquela

época você sabia do que acontecia nos campeonatos? Como que era esse contato com o

futebol de São Paulo e o futebol brasileiro de uma maneira geral?

S.F. – É como eu disse, eu não acompanhava porque eu também não gostava

muito de futebol, não era muito chegado. Depois passei a gostar de futebol de uma

maneira muito grande. E o primeiro clube que eu joguei foi o América, certo? Então, eu

comecei a jogar no América e comecei a me sentir torcedor do América e deu tudo

certo, foi uma coisa muito boa. O América foi gratificante na minha carreira, porque

esse pontapé inicial foi dado aqui no América e depois fui para o Corinthians, em uma

partida que o Corinthians fez aqui. Estava um a zero, eu entrei no segundo tempo,

consegui empatar o jogo e nesse mesmo dia eles me contrataram. Eu fui no mesmo

ônibus com os jogadores do Corinthians para São Paulo.

                                                                                                                         5  América  Futebol  Clube  (São  José  do  Rio  Preto).    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  6  

B.H. – Você tem alguma lembrança de ouvir jogo pelo rádio, saber de resultados

pelo jornal? Você tinha algum contato ou você não tinha interesse e por isso você não

acompanhava?

S.F. – Eu não acompanhava porque eu tinha outras coisas para fazer com os

meus amigos, então nós íamos caçar passarinho, fazer uma série de coisas. Naquela

época era diferente de hoje, muito diferente. Hoje eles têm computadores, nós não

tínhamos nada disso. Nós tínhamos o quê? Era um radinho que a sua mãe tinha lá para

você ouvir qualquer notícia e tudo bem.

B.H. – Em 1958, o Brasil foi campeão do mundo na Suécia, você tinha seis anos

de idade. Em 1962, já bicampeão, Mirandinha tinha dez anos. Alguma lembrança dessa

época do Brasil campeão do mundo?

S.F. – Não, de verdade não.

B.H. – Não. Não tinha?

S.F. - Como eu disse, eu não era muito chegado a jogar futebol. Eu estudava

bastante, pensava em outras coisas, e não tinha essa...

B.H. – Então, em 1968, com dezesseis anos, é que você ingressa no América de

São José do Rio Preto.

S.F. – Em 1968 para 1969 que eu cheguei no América de Rio Preto.

B.H. – Aí você se mudou de Bebedouro e foi...?

S.F. – Não, eu não me mudei de Bebedouro, eu já morava aqui em Rio Preto.

Essas equipes todas que eu joguei aqui foram todas elas aqui em Rio Preto. De

Bebedouro eu vim eu era criança, tinha uns três meses. Meu pai veio de lá para cá.

B.H. – E aqui se firmando no América, como era o América daquela época? Era

um time de que divisão?

S.F. – Era uma equipe da primeira divisão...

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  7  

B.H. – Primeira divisão.

S.F. - Porque nós jogávamos contra o Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos,

todas essas equipes que temos hoje, certo? E o América era uma equipe muito forte,

uma equipe muito respeitada aqui no interior e também na capital. Eu acho que isso daí

que facilitou a minha ida para o Corinthians, porque foi em uma partida dessas daí que

eu consegui sair daqui do América e ir para o Corinthians. Depois do Corinthians, aí já

é uma outra história. Teve minha mudança, saí daqui, fui para o Corinthians, levei

minha família, meu pai faleceu também. Então, nós tivemos uma série de coisas

envolvida nisso.

B.H. – Ele chegou a ver você jogar?

S.F. – Meu pai chegou, chegou a me ver jogar no Corinthians, porque ele morreu

com quarenta e seis anos. Muito cedo. Na minha concepção era muito cedo. Eu já estava

no Corinthians fazia quase um ano. Então, foi muito pouco tempo.

B.H. – No América daquela época então você foi conhecendo as cidades

disputando o campeonato. Como foi jogar em São Paulo, em um estádio como o

Pacaembu? Você sentiu algum peso? Como é que foi esse primeiro momento de

afirmação de carreira?

S.F. – Não falei para você que foi rápido? As coisas foram rápidas, porque no

América eu cheguei a jogar dois meses, mas não fui jogar no Pacaembu, não fui jogar

em nenhum desses estádios. [risos] Eu nunca tinha jogador nem no Morumbi, porque eu

disputei primeiro a seleção paulista com Picolé6, Nenê7, Fito8 e uma série de outros

jogadores, e nós fomos campeões pela seleção paulista e esses jogadores participavam

comigo. Depois eu voltei para o América novamente - depois dessa seleção - e

aconteceu a partida contra o Corinthians. E aí sim, pelo Corinthians que eu fui jogar no

                                                                                                                         6  José  Geraldo  de  Camargo  “Picolé”  ex-­‐centroavante  do  São  Bento  de  Sorocaba,  Palmeiras  e  Vasco.    

7  Nenê  “Peito  de  Pombo”,  ex-­‐volante  do  São  Paulo.  Natural  de  Piraju-­‐SP.  

8  Fito  Neves,  ex-­‐meia  do  Santos  e  do  Bahia.  Natural  de  Taubaté-­‐SP.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  8  

Pacaembu, nessas coisas todas, Morumbi, Maracanã. Essas coisas todas que os

jogadores realmente gostam e gostariam de estar jogando.

B.H. – Quando você soube da sua contratação, do interesse, foi algo que te

mexeu? Que você não esperava? Foi uma mudança muito radical ou já previa e intuía

essa ascensão no futebol?

S.F. – Foi radical. Foi uma mudança inesperada, porque nós terminamos a

partida, eu estava em casa já, aí chegou o meu pai e disse: “Arruma a sua mala que você

vai viajar”. E eu digo: “Para onde?”. “Para São Paulo porque você já pertence ao

Corinthians”. Foi assim. Eu digo: “Então, se é assim...”. Já arrumei a minha mala e fui.

B.H. – Aí assinou o primeiro contrato... Como que era o ambiente do

Corinthians no final dos anos 1960, início dos anos 1970?

S.F. – O Corinthians realmente tinha problemas, porque o Corinthians não foi

campeão. Não era campeão na época, tinha problemas por não ter conquistado títulos,

então a dificuldade era maior. Mas, chegamos no Corinthians, disputamos um ano no

aspirante, porque tinha campeonato de aspirante, no qual nós fomos campeões também

e eu acho que isso foi o que deu o pulo para que eu pudesse jogar na equipe principal. O

Aymoré Moreira era o treinador e seguia bastante essa linha dessa meninada e me

convidou para ir para uma partida contra o Guarani de Campinas em uma quarta-feira

no Parque São Jorge. Era complicado jogar ali. Então, muitos daqueles jogadores

antigos não queriam jogar. Então ele me convidando, eu aceitei, entrei, consegui fazer

mais dois gols e conseguimos ganhar esse jogo do Guarani. E dali nunca mais tive

problema no Corinthians. Continuei jogando como titular e deu uma sequência muito

boa.

B.H. – Como era o sistema de jogo da época? Como era a posição de centro-

avante, a relação com o meio de campo? Ou até como era o seu estilo de jogo.

S.F. – O esquema de jogo não muda muito. O esquema de jogo é diferente hoje

porque você tem jogadores com mais condição física, mas os jogadores que nós

tínhamos antes jogavam 4-4-2 ou 4-2-4. O 4-2-4 que é complicado, porque, hoje, você

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  9  

perder o meio campo é uma coisa e antigamente a maioria das equipes jogavam nesse

esquema. Nós jogávamos realmente com... Por exemplo, jogávamos o Rivelino, o Tião9

e o Suingue10, ou... Qual era o outro meio que nós tínhamos? Era o Sucupira ou um

outro qualquer que entrasse. Facilitava ali na frente porque jogava o Aladim11, ou

jogava o Paulo Borges12 e comigo no comando ataque. Então, nós fazíamos ali um bom

trabalho.

B.H. – Quando você chegou no Corinthians, quem era, até então, o atacante

principal?

S.F. – No Corinthians nós tínhamos lá o Célio, tinha o Benê, tinha o Servilio,

tinha o Ivair que era o príncipe e o Tales que era mais um dos grandes atacantes que nós

tínhamos no Corinthians.

B.H. – Alguma lembrança do treinamento? Como que era a rotina? Você chegou

em São Paulo, como foi se adaptar e viver em São Paulo naquele momento?

S.F. – Foi fácil.

B.H. – Você morava perto do clube?

S.F. – Morava perto do clube, não tive muito problema a respeito dessas coisas.

Então foi fácil ficar ali, pertinho do Corinthians. Então fui me adaptando bem, levei a

família, lógico.

B.H. – Já era casado?

S.F. – Não, não era casado.

                                                                                                                         9  Ex-­‐volante  do  Corinthians,  jogou  no  clube  de  1968  a  1977.    

10  Álvaro  Aparecido  Pedro,  o  Suingue,  ex-­‐volante  e  depois  curinga,  já  que  também  atuou  como  meia  e  ponta  recuado.  Jogou  no  Corinthians,  Palmeiras  Fluminense  e  Vasco.    

11  Ex-­‐ponta  do  Corinthians,  Coritiba  e  Bangu.    

12  Ex-­‐ponta  do  Corinthians  e  Bangu.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  10  

B.H. – Família: os pais.

S.F. – Meu irmão, minha irmã e minha mãe, porque meu pai já havia falecido.

Então, foi nessa caminhada que nós chegamos lá.

B.H. – Já tinha a concentração? Já havia essa ideia de ficar antes do jogo, nas

vésperas da partida, isolado, concentrado ou não?

S.F. – Concentração sempre teve. Sempre teve. Concentração não mudava ou

não mudou até hoje praticamente, não é? Muitas equipes estão abolindo isso. Eu acho

que é normal, porque o jogador de futebol tem que ter responsabilidade. Não só o

jogador de futebol, mas principalmente o homem. Eu acho que o homem é fundamental

para que ele tenha responsabilidade e os clubes também têm que pensar essa

responsabilidade para que eles possam chegar lá e fazer aquilo que tem que ser feito,

não é? Eu acho que isso é fundamental.

B.H. – Então, quando você chegou no Corinthians, um clube popular, com uma

grande torcida, sem ganhar títulos, você centro-avante com a missão de fazer gols,

conseguiu administrar isso psicologicamente? Como que foi essa...?

S.F. – Ah, difícil, complicado. Isso foi complicado. Em princípio começamos a

fazer os gols, aquela coisa toda, e o gol saía e tal. Tudo bem. Depois que eu tive esse

problema com a morte do meu pai, eu tive uma paradinha. Enfim, deu um problema. Aí

começam a cobrança, uma série de coisas e vai juntando tudo até que você chega a um

certo ponto que você pede: “Vamos parar, vamos dar uma respirada”. Havia três clubes

que estavam querendo que eu fosse para lá e para minha felicidade eu poderia ter ido

para o... Tinha o Fluminense, tinha o São Paulo e tinha o Paulista de Jundiaí. Então, as

três equipes estavam interessadas no meu trabalho. E para mim, realmente, foi muito

bom ter ido para o São Paulo.

B.H. – Acabou escolhendo o São Paulo?

S.F. – Não foi eu que escolhi. Eles que me escolheram. [riso] Foi muito bom.

B.H. – Entendi. O jogador não tinha muita influência.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  11  

S.F. – Não tinha não. O jogador tinha pouca influência. Não tinha essa opção de:

“eu quero ir para aqui. Eu quero ir para ali, eu quero fazer isso”. Hoje já tem tudo isso,

tem essa facilidade, mas antigamente não tínhamos nada disso.

B.H. – Quando você entrou no Corinthians já tinha acontecido a Copa de 1970

ou foi depois?

S.F. – Não, não tinha acontecido a Copa do Mundo ainda. Ainda não. Cheguei

no Corinthians e ia ter ainda a Copa do Mundo.

B.H. – Chegou a ter alguma expectativa nessa Copa, de convocação ou ainda

estava muito no princípio?

S.F. – Mas nem de brincadeira. [risos] Não tinha condição ainda. Eu não era

nem titular do Corinthians, estava tentando... O caipira tentando chegar na cidade

grande, tentando fazer alguma coisa para ver se pelo menos se encaixasse ali firme. Já

era um negócio muito bom ter ficado no Corinthians. Foi muito bom ter conseguido

esse espaço.

B.H. – Teve algum jogador do elenco que foi convocado?

S.F. – Sim, naquela época sim. O Rivelino foi o homem campeão do mundo, o

Ado era o goleiro, o José Maria também foi, lateral dinheiro. Quer dizer, o Corinthians

tinha vários jogadores, o elenco do Corinthians era fantástico. Eu não sei por que não

ganhava títulos. Então isso que é impressionante. Os melhores jogadores estavam

realmente... Independente de dizer que os outros jogadores não eram tão bons, mas no

Corinthians jogavam realmente esses jogadores de excelente nível.

B.H. – E você logo se adaptou e ficou próximo deles? Como era a relação do

grupo? Tendo em vista as derrotas, o clima era bom ou tinha...?

S.F. – O clima entre jogadores era normal, um clima bom, um clima excelente,

bom nível. Por que era uma rapaziada que... Todos nós sofríamos porque a torcida do

Corinthians chegava dizia: “O Rivelino!”. Tanto é que conseguiram fazer com que o

Rivelino fosse embora, certo? E o Rivelino era um ídolo, assim, fantástico. Um jogador,

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  12  

assim, acima da média. Não tenho como discutir, falar a respeito disso aí. Eu acho

que...é bater em...[risos] Fica difícil.

B.H. – Aí depois do Corinthians acabou sendo transferido... Não, a Copa de

1970, o senhor lembra-se de ter assistido a Copa, de ter acompanhado? Aí já como

jogador.

S.F. – Já, aí já estava dentro de toda a vivência do futebol e acompanhei a Copa

toda. Torci bastante pelos meus amigos, torci para que todos tivessem um bom êxito e

foi o que aconteceu.

B.H. – Você lembra-se da comemoração na cidade de São Paulo? As pessoas

iam para rua, tinha uma euforia e ao mesmo tempo nós vivíamos a época conhecida do

regime militar, como era aquele momento? Era um momento tenso, ao mesmo tempo de

felicidade?

S.F. – Vocês sabem muito bem que era difícil, que era complicado, porque nós

tínhamos o problema do Regime Militar. Se tivesse você e mais um ali conversando já

estavam tramando alguma coisa. Então era complicado, mas, como nós éramos

jogadores de futebol e do Corinthians, então nós tínhamos a maior facilidade de

comemorar, sair com os amigos, bater um papo. Essas coisas todas que fizemos sempre,

e vamos continuar fazendo enquanto o homem lá em cima nos permitir.

B.H. – Então, depois da Copa de 1970 se afirma no Corinthians e é transferido

para o São Paulo?

S.F. – Eu joguei no Corinthians mais, até junho de 1973. Você vai ver na

sequência de trabalho que eu inclusive fui convocado para a Mini-copa.

B.H. – A Mini-copa foi o torneio de 1972 quando o São Paulo comemora o

sesquicentenário?

S.F. – Isso, correto.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  13  

B.H. – Sesquicentenário da independência do Brasil e aí tem a Mini-copa. Você

foi convocado então.

S.F. – Fui convocado, mas não cheguei a disputar a Mini-copa. Fui disputar o

mundial quando fui para o São Paulo, que foi em junho de 1973.

B.H. – Sim, sim, mas pelo Corinthians já começou... É o princípio do

campeonato brasileiro de clubes que se organiza, começou a viajar, a jogar no Rio de

Janeiro, em Minas...?

S.F. – Aí já foi diferente, porque no Corinthians, em 1970, eu já tinha viajado

para jogar fora. Já jogamos na Espanha, jogamos em vários outros lugares, na Grécia.

Eu já tinha passaporte, inclusive.

B.H. – [risos] Eram excursões que o Corinthians fazia?

S.F. – Sim, esses jogos amistosos que fazem, são excursões que a equipe faz. Foi

o que nós fizemos.

B.H. – Dava medo ou dava curiosidade de conhecer o mundo, lugares

diferentes? Era algo assim que você...?

S.F. – Não, quando eu era jovem era diferente. Eu não tinha medo nada, disso ou

daquilo outro, nem de avião, nem dessas coisas ou daquilo outro. Mas hoje eu tenho.

[risos].

B.H. – Na época o ímpeto de jovem...

S.F. – Jovem vai embora: “vamos que vamos sem problema nenhum”.

B.H. – A língua... Nada é problema.

S.F. – Nada, nada. Tudo fica fácil, não é? Quando se é jovem facilita, você não

tem problema de nada. Mas vai chegando certo ponto e você vai ficando mais tranquilo,

mais comedido.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  14  

B.H. – Então, a transferência para o São Paulo e a convocação para a Copa,

como foi esse momento na sua vida?

S.F. – A transferência para o São Paulo foi uma transferência muito boa porque

o São Paulo me contratou por três meses, foi por empréstimo. E nesses três meses eles

já me contrataram definitivamente porque eu já estava fazendo bastantes gols no São

Paulo e essas coisas todas. E aí, logo em seguida, fui convocado para o mundial. Então

foi uma sequência muito boa. Quando eu voltei do mundial... Nós perdemos para a

Holanda13. Aí colocaram um carrossel holandês e essa coisa toda. Só brasileiro pode

fazer isso, brasileiro faz qualquer negócio, inventa carrossel, inventa isso inventa aquilo,

coloca nome nessas coisas todas. E foi carrossel holandês. Foi quando perdemos para a

Holanda. Depois dessa partida, eu vim para o São Paulo novamente aonde nós viemos a

jogar aqui em São José do Rio Preto contra o América no campeonato paulista. Foi

onde eu tive a fatídica fratura. Uma fratura que eu fiquei dois anos e oito meses,

praticamente, sem jogar futebol. Então, fiz sete operações. Foi uma sequência de

operações e “volta ou não volta”; “faz ou não faz”; “vai parar, não vai parar”; “vai

amputar ou não vai amputar”. Uma série de coisas que mexe muito com a cabeça do

cidadão. Não era mais o atleta, era o cidadão, porque o cidadão não já estava mais

coordenando as coisas da melhor maneira possível. Mas foi tudo bem.

B.H. – Coincidência que foi na sua... Não na sua cidade natal, mas na cidade que

você cresceu.

S.F. – Foi, praticamente a minha cidade natal também, porque foi onde eu cresci,

onde eu vivi, onde eu fiz tudo aquilo quando era menino. E em uma jogada com o

Baldini14, felizmente ele não teve culpa...

B.H. – Você já o conhecia?

S.F. – Não, não conhecia, não o conhecia. Fiquei o conhecendo aquele dia...

                                                                                                                         13  Refere-­‐se  à  derrota  para  a  seleção  holandesa  na  da  Copa  do  Mundo  de  1974.    

14  Ex-­‐zagueiro  do  América  de  Rio  Preto.  

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  15  

B.H. – Para triste memória.

S.F. – Para triste memória, você falou muito bem. [riso] Mas isso aí faz parte. Eu

tinha que passar por isso.

B.H. – Já tinha acontecido alguma contusão antes ou essa foi...?

S.F. – Não, nunca. Eu nunca tinha... Até aquele momento nunca tinha me

acontecido uma contusão grave.

B.H. – Nós reproduzimos a foto.

S.F. – Essa mesma.

B.H. – A foto mostra o momento da torção mesmo.

S.F. – Na batida e ela virando na perna do...

B.H. – A violência do choque como realmente foi.

S.F. – Então, são momentos os quais a gente...

B.H. – Era uma época que acontecia contusão desse tipo que podia inviabilizar a

carreira. A pessoa ficava...

S.F. – Não, acontecia de vez em quando, uma ou outra contusão dessa forma. E,

realmente, naquela época era mais difícil de você voltar a jogar. As pessoas tentavam,

mas não conseguiam. E como eu estava lá e aconteceu isso... Mas eu estava no São

Paulo. O São Paulo era uma equipe de bons recursos, de recursos excelentes no nível de

medicina, com os médicos. Então facilitou bastante o trabalho. E os preparados físicos

também, o Medina que realmente foi um expert nisso tudo. Ele trabalhou, fez de tudo

para que eu pudesse voltar a jogar a futebol. Ele fez aparelhos, mudou toda uma rotina.

Foi muito bom. Excelente.

B.H. – Nessa transferência do Corinthians para o São Paulo você sentiu

diferença de um clube para outro? Como que era a mentalidade dos dirigentes? Como

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  16  

que eram as relações entre os jogadores? Quem eram os seus contemporâneos de São

Paulo?

S.F. – De São Paulo eu tive vários. Pedro Rocha que é uma pessoa sensacional,

fantástica, muito bom moço. Tinha lá o Muricy15 - esse menino que está aí hoje se

dando muito bem, eu torço bastante para que Deus continue iluminando a carreira dele

para que ele possa chegar aonde ele realmente almeja, ele merece.

B.H. – Você ainda tem contato com ele?

S.F. – Tenho contato com todos eles, com todos os ex-jogadores de futebol não

só do São Paulo, mas de todas as outras equipes também. Então, isso que é muito bom e

é gratificante.

B.H. – Comparando com o Corinthians, o São Paulo era um time em que a

pressão da torcida era menor, em que era...?

S.F. – Realmente era diferente. A torcida do São Paulo não tinha o peso que

tinha a do Corinthians. A torcida do Corinthians tinha aquele... Veja bem, era difícil

você ficar tantos anos... Eram dezoitos anos sem ser campeões. Eu acho que eu não

tinha nascido... O Corinthians foi campeão em 1954?

B.H. – Isso, em 1954.

S.F. – Eu tinha dois anos de idade, então você imagina quanto tempo foi isso.

Depois disso tudo... A torcida do Corinthians realmente tinha que gritar, tinha que

cobrar. Era uma loucura mesmo.

B.H. – Ao mesmo tempo, em 1970, foi a inauguração do Morumbi que era,

então, considerado o maior estádio privado do Brasil.

S.F. – Do mundo.

                                                                                                                         15  Muricy  Ramalho,  atual  treinador  do  Santos.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  17  

B.H. – Do mundo. Ao mesmo tempo, o projeto do clube era constituir-se

também como um grande clube e com uma grande torcida. Você pega a era Morumbi,

você jogou no Morumbi. O São Paulo já da época que era o Morumbi.

S.F. – Correto. Joguei nessa época aí. Imagina, a torcida do São Paulo já era uma

torcida grande. O São Paulo não tem uma torcida pequena. E depois, na sequência, o

São Paulo foi crescendo também gradativamente. Cada equipe que vai conquistando

títulos, vai sendo campeão disso, campeão daquilo, vai conquistando também

torcedores. Isso é claro. Hoje, por exemplo, você vê o Santos, certo? Esses meninos que

estão aí, ele e o Ganso, o Neymar e o Ganso16 estão aí trabalhando dessa forma e já

estão conquistando muito mais torcedores para o Santos. Da mesma forma que faziam

Pelé, Edu, Coutinho, todos esses meninos que jogaram lá no Santos, todos eles foram

fantásticos.

B.H. – Seleção brasileira de 1970, você ainda estava se afirmando no

Corinthians e não havia essa perspectiva. Depois você contou que houve a convocação

para a Mini-copa, chegou a ter o nome lembrado... Quando é que esse nome começou a

se tornar mais possível na sua carreira de jogador? Foi na medida em que o seu

desempenho no São Paulo foi sendo conquistado?

S.F. – Correto, dessa forma: foi quando eu comecei realmente no São Paulo a me

firmar de vez como artilheiro mesmo, um homem que sabia fazer gols. Então, foi o que

me facilitou bastante. Eu já sabia alguma coisa, mas fui aprendendo muito mais com

esses meus companheiros; como aprendi lá com o Rivelino de uma forma e aprendi com

Pedro Rocha também da mesma forma a fazer os gols. Então, eles facilitaram bastante o

meu trabalho: José Carlos Serrão17 que jogou ao meu lado. Esses jogadores todos

facilitaram bastante o meu trabalho.

                                                                                                                         16  Refere-­‐se  a  Paulo  Henrique  “Ganso”  que  em  Setembro  de  2012  transferiu-­‐se  para  o  São  Paulo.    

17  Zé  Carlos,  ex-­‐ponta  e  meia  esquerda  do  São  Paulo  Futebol  Clube.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  18  

B.H. – E como centro-avante tinha algum tipo de treinamento especial ou o

treinamento era de velocidade de corrida, de chute? Que tipo de técnica era mais

aprimorada?

S.F. – Os treinamentos eram todos feitos realmente por, como eu já disse,

preparadores físicos que sabiam realmente o que estavam fazendo. Eu tive o Rigo no

Corinthians, vários preparadores físicos, várias pessoas fantásticas que sabiam

realmente o que estavam fazendo. Então, isso daí facilitou bastante aquilo que eu tinha

de melhor, o que eu tinha de bom na época, que era a velocidade. Realmente eu era um

jogador veloz e eles aproveitaram bastante e fizeram com que eu aproveitasse muito

mais isso daí.

B.H. – Você observava outros atacantes? Tinha algum modelo? Tinha alguém

que você gostava? Como que era isso na época, tinha alguma referência de ataque que te

estimulava?

S.F. – Fica mais complicado porque você não tem tempo nem para fazer isso.

Não tinha tempo.

B.H. – Não tinha televisão também?

S.F. – Não tinha televisão.

B.H. – Estava começando?

S.F. – Estava começando. A televisão chegou... Essas coisas todas... Como eu

sempre brincava com a minha avó que faleceu há pouco tempo... Não faz muito tempo

que a minha avó faleceu. E a minha avó faleceu com cento e poucos anos, então você

vê, a televisão dela ainda tinha um papel azul na frente assim e falava que era colorida,

então imagina. [risos] Essa era a cor da TV.

B.H. – Então, eram nos jogos mesmo que você conhecia os outros times, os

outros atacantes. Enfim, não havia um grande nome... Quer dizer, o Brasil na Copa de

1970 já tinha tido o Jairzinho, mas não havia ninguém especial como modelo para você

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  19  

nessa época que você admirava, que você gostava. Mesmo de fora do Brasil não tinha

algum nome conhecido?

S.F. – Não, não, não tinha, como já disse, nenhum jogador desta forma. Eu acho

que o jogador de futebol também não tem muito tempo para ficar pensando: “olha, vou

jogar como aquele. Vou fazer como esse”. Não. Ele vai fazer aquilo que dá no momento

e aquilo que a capacidade dele permite. Se a capacidade hoje, por exemplo, do Lucas do

São Paulo e do Neymar do Santos de dar os dribles que eles fazem, certo? Não seriam o

que são hoje, certo? São respeitados, são bons meninos, sabem o que querem, de que

maneira eles querem, mas não dá tempo para ficar pensando: “Eu vou fazer igualzinho

fazia o Serginho Chulapa.”. Não tem como, certo? Não tinha condição. Então, eles estão

fazendo o trabalho deles da maneira deles como nós fazíamos da nossa maneira. Mas

você tem alguns jogadores que nós sabíamos da história, sabíamos como eles faziam e

que já eram os nossos amigos, por exemplo, o Coutinho18, certo? Eu sabia como ele

fazia. O Toninho Guerreiro19 eu sabia como... Então, você via na televisão como eles

faziam. O César, por exemplo, jogou na minha época e jogou comigo na seleção.

B.H. – O César Maluco.

S.F. – [risos] César Maluco. Então, o César era um grande artilheiro, um

artilheiro nato. Eu acho que esses jogadores têm que ter seus nomes realmente

lembrado. Roberto Dinamite20 era um baita de um atacante. Então você vai vendo. Se eu

for enumerá-los aqui não vou parar mais, então... Eu acho que são tantos e eu digo que

todos eles merecem o meu respeito.

B.H. – Você falou do preparador físico, e a relação com o treinador do São

Paulo? Quem era o treinador do São Paulo naquela época?

S.F. – Em princípio era o José Poy. Foi goleiro do São Paulo...

                                                                                                                         18  Wilson  Honório  “Coutinho”,  ex-­‐centroavante  do  Santos,  parceiro  de  Pelé.    

19  Antonio  Ferreira  “Toninho  Guerreiro”,  ex-­‐centroavante  do  Santos  e  do  São  Paulo.    

20  Maior  atacante  da  história  do  Vasco  da  Gama.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  20  

B.H. – Tinha se criado no São Paulo...

S.F. – Tinha se criado no São Paulo, era um homem que tinha muito o São Paulo

dentro dele mesmo, porque... É aquele ditado, veio de fora, chegou aqui, recebeu do São

Paulo todo carinho, aí foi embora.

B.H. – Foi de fora? Ele era...?

S.F. – Ele era argentino.

B.H. – E a relação com ele foi boa?

S.F. – Fantástica, fantástica, porque ele que me deu apoio, me trouxe para o São

Paulo, foi ele que me deu o aval. Não só por isso, mas... Nós tínhamos um respeito

muito, muito grande.

B.H. – Então, 1973 e 1974 a sua expectativa de ser convocado começou a ser

mais concreta ou continuou sendo para você uma surpresa?

S.F. – Eu continuei trabalhando forte, trabalhando sério. Eu fui convocado e

logo no Rio de Janeiro... Nós fomos para lá, fizemos os treinamentos, essas coisas todas

e na sequência nós fomos cortados: eu, o Enéas21 e o Carbone22. Nós três fomos

cortados e a seleção brasileira viajou. Eu voltei juntamente com Enéas para São Paulo e

o Carbone ficou no Rio de Janeiro, porque ele já estava lá, jogando inclusive, no

Botafogo. Mas lá fora, eles conseguiram... O Clodoaldo23 teve uma contusão e o

Wendell24 também teve uma contusão. Você não vai pensar que vai ser convocado, mas

nas duas partidas que eu fiz aqui... Estava tendo a Libertadores, os jogos Libertadores,

inclusive...

                                                                                                                         21  Ex-­‐meia  atacante  da  Portuguesa,  Palmeiras  e  XV  de  Piracicaba.    

22  José  Luiz  Carbone,  ex-­‐voltante  do  Internacional-­‐RS.  

23  Ex-­‐volante  do  Santos.  

24  Ex-­‐goleiro  do  Botafogo  e  do  Fluminense.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  21  

[INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO]

B.H. – Estávamos falando da sua convocação para a Copa de 1974 e um pouco

antes você se destacou no São Paulo como vice-artilheiro do campeonato brasileiro e foi

referência da Revista Placar na categoria Bola de Prata. Lembra dessa...?

S.F. – Lembro, lembro. Inclusive eu tenho aí a Bola de Prata, tenho essas coisas

todas guardadas.

B.H. – Guardou o troféu?

S.F. - Faz parte. Ganhei a bola de prata, fui um dos melhores atacantes, essas

coisas todas. Fui convocado. Nós estivemos no Rio de Janeiro.

B.H. – Nas eliminatórias?

S.F. - Nós estivemos só no Rio de Janeiro. Por enquanto, foi o primeiro trabalho

que fizemos com a seleção. Aí fomos cortados: eu, o Enéas e o Carbone. Mas houve um

problema lá quando viajaram para a Alemanha com o Clodoaldo e o Wendell, o goleiro.

Eles tiveram um problema sério, então reconvocaram o Mirandinha e levaram também o

Waldir Peres.

B.H. – Levaram e no caso o técnico era o Zagallo?

S.F. – Sim. E logo em seguida...

B.H. – Ele lembrou de você então... O Zagallo tinha...

S.F. – Logo em seguida nós fomos para lá e essas coisas todas. Mas logo na

segunda partida, de imediato, ele já me colocou para jogar. Eu até me senti satisfeito e

lisonjeado com isso, porque você ser cortado, voltar e depois realmente conseguir um

espaço para poder jogar já é uma coisa, assim, gratificante. O mais gratificante foi que

nós chegamos até as quartas de finais. E esperávamos chegar à final porque estávamos

ali trabalhando duro, mas infelizmente não foi possível.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  22  

B.H. – Como é que foi a lembrança do grupo? Como era o grupo da Copa de

1974? Você já pegou essa fase direto do Rio, mas você foi direto para a Alemanha com

o grupo ou o grupo já estava lá e você se integrou com essa convocação derivada do

corte do Clodoaldo?

S.F. – Primeiro eu convivi muito com o grupo aqui no Rio de Janeiro. Depois eu

saí e fiquei duas ou uma semana fora, não mais do que isso. Aí fui logo reintegrado ao

grupo novamente, mas lá na Alemanha. Então, não tive problema nenhum, e nem o

Waldir Peres poderia ter problema porque nós tínhamos ali um grupo muito bom,

jogadores de excelente nível. O que facilitou foi a amizade que nós tivemos, que nós

tínhamos. Eu acho que isso aí facilitou bastante.

B.H. – Havia uma convicção da conquista pelo fato de ser tricampeão, favorito,

uma equipe de qualidade? Como era a expectativa dentro do grupo em relação...?

S.F. – A expectativa era a melhor possível. Nós tivemos a possibilidade de fazer

isso. Nesse jogo contra a Holanda nós perdemos, ou deixamos de fazer, acho que é mais

fácil falar dessa forma, os gols, logo no princípio da partida. No princípio da partida

podíamos ter definido ali e não teríamos ouvido falar em carrossel e essas coisas todas

que nós ouvimos hoje. Hoje ouvimos que fizemos o quê? Demos uma moral danada

para outros jogadores ao qual não deveríamos ter feito. Mas, isso aí é do futebol e

acontece. Eles fizeram bem o trabalho deles e boa sorte.

B.H. – As primeiras partidas da Copa, o Brasil teve dificuldades de marcar gols.

Foram dois jogos; um contra a Iugoslávia, outra contra a Áustria, dois zero a zero.

Faltava ali o centro-avante para...?

S.F. – Não faltava não, o time era, era uma equipe muito boa e essa equipe era

formada por grandes jogadores. Dependendo da maneira a qual o Zagallo queria jogar,

foi a única maneira que a equipe estava se encaixando. Então, ele preferia, colocou o

Valdomiro, colocou o Leivinha e o Jairzinho. Aí na frente, no lado esquerdo, estava o

Borboleta, Dirceu Borboleta ou o Caju25 e ainda tínhamos o Edu na reserva. Então você

                                                                                                                         25  Paulo  César  Caju.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  23  

vê bem o que é que tínhamos aí. Ele tinha uma variedade de excelentes jogadores, de

nível. E realmente ele estava trabalhando da melhor maneira possível, da maneira a qual

ele achava melhor conduzir a equipe.

B.H. – E dentro do grupo... Você disse que era um grupo unido, que tinha um

censo de coletividade, mas havia essas diferenças entre cariocas e paulistas, entre os

pequenos grupos que eram titulares e os que eram reservas? Havia algum tipo de...?

S.F. – Não, não não, tinha nada disso.

B.H. – A relação com o técnico era boa? Era uma seleção coesa?

S.F. – Não tinha nada dessas coisas de rivalidade ou briga essas coisas todas,

porque nós tínhamos que ganhar e para ganhar, você sabe muito bem, tem que ter união

e tem que ter um grupo formado. Se o treinador realmente estava conduzindo e bem a

equipe... Senão a equipe não chegaria as quartas de finais. Não seria ali que um seria

carioca, o outro seria paulista, o outro seria gaúcho. Então, nós éramos representantes

do Brasil e não representantes do meu estado. Nós estávamos ali unidos e eu acho que

era um grupo de alto nível.

B.H. – Mas quando os resultados negativos vieram, essa unidade foi quebrada ou

o grupo soube assimilar o peso de uma derrota, as cobranças da imprensa? Como que

foi viver esse momento de derrota da seleção?

S.F. – Veja bem, quando nós tivemos o problema todo que você está falando.

Nós tivemos um problema porque tivemos essa derrota para a Holanda. Se nós

tivéssemos vencido a Holanda, nós não teríamos problema nenhum no jogo seguinte,

porque estaríamos praticamente classificados, estaríamos na final. Era uma partida a

mais, como foi uma partida a mais. Mas aí você perde. Porque quando você sai da

competição é difícil. E, às vezes, acontece algumas coisas. Jogador discute, o outro fala,

mas nada mais do que isso. Isso aí faz parte, eu acho, em qualquer trabalho, em

qualquer segmento.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  24  

B.H. – Quer dizer, houve de fato, depois do jogo, o desentendimento do Leão

com o Marinho Chagas.

S.F. – Desentendimento há em todos os lugares como eu já disse. Veja bem, eu

não sei se houve esse desentendimento mais forte ou não.

B.H.- Você não viu?

S.F. - Mas eu não vi esse desentendimento. Eu vi que alguém falou: “Olha o

Marinho e o Leão discutindo”. Discutir faz parte e o futebol foi feito para isso, para nós

conversássemos, discutíssemos com nossos companheiros.

B.H. – Além da discussão, dizem que houve efetivamente uma briga.

S.F. – Isso eu não vi. Não vi briga nenhuma. Agora só os dois podem falar; ou o

Marinho ou o Leão.

B.H. – Não teve testemunhas no vestiário para...

S.F. – Não, porque não teve nem tempo disso aí. O que disseram que eles

brigaram, discutiram no túnel. Depois no vestiário não teve nada.

B.H. – O clima...

S.F. – Lá dentro do vestiário eu posso dizer para você que não houve nada.

B.H. – A Copa de 1974 tinha sido antecedida pelos jogos olímpicos em

Munique. Em 1972 houve... Delegação judia houve um atentado. Na Copa de 1974,

você sentiu tensão por conta já do que ia acontecer no mundo por conta do terrorismo?

Isso foi vivido?

S.F. – Muito, muito, lógico. Realmente, porque nós vivíamos fechados. Tinha

polícia por todos os lados, todos os lados e era fechado todinho com madeira para que

ninguém olhasse lá para dentro. Ninguém entrava e nós não saíamos. Esse é o xis da

questão. Só saíamos realmente e saímos com escolta: “Vai sair?”. “Vai”. “Então vamos

com eles”. Era assim, então não tinha mesmo meio complicado... Foi meio complicado.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  25  

B.H. – Em que cidades você disputaram os jogos?

S.F. – Nós jogamos em Hannover, depois jogamos em...

B.H. – Porque teve o primeiro jogo contra a Iugoslávia no zero a zero. Contra a

Escócia você se torna, tem o lugar no Valdomiro embora também no zero a zero. E aí

tem o terceiro jogo em que a vitória sobre o Zaire tinha que ser pelo menos três a zero e

vocês conseguem fazer os três a zero. E você entra no segundo tempo no lugar do

Leivinha. Aí na segunda fase uma vitória magra, mais simples sob a Alemanha Oriental

de um a zero que jogava em casa.

S.F. – É o que eu digo sempre: “Vitória é vitória. Vitória, não tem magra e nem

simples. Se você ganhar de um ou ganhar de dez, os três pontos são os mesmos”. Então

eu digo sempre. Eu poderia ganhar de dez...

B.H. – Então na primeira fase vocês ficaram em Hannover. Depois, na segunda

fase, contra a Alemanha Oriental é que...

S.F. – Nós mudamos. Agora eu não me recordo o nome da cidade.

B.H. – E aí o jogo da vitória convincente sobre a Argentina de dois a um.

S.F. – Sempre convincente contra a Argentina. Contra a Argentina é sempre

convincente. Mas não tem anda a ver uma coisa... Eu preferia realmente que nós

fizéssemos um a zero na Argentina, um a zero em todo mundo, em todos eles.

B.H. – [risos] Vitórias magras.

S.F. – Vitórias bem magrinhas [risos].

B.H. – Aí passada a Argentina, o jogo contra a Holanda. Você já vinha ouvindo

falar sobre a Holanda ao longo da Copa ou foi algo que não se esperava? Era uma

equipe formada por jogadores do Ajax, campeões europeus dentre os quais Johann

Cruyff. Como foi a certeza... Diz que o Zagallo afirma que a Holanda era um bom time,

mas que não tinha tradição e que por isso o Brasil venceria. Como foi lidar com esse

jogo? O que era a Holanda, até então, para vocês?

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  26  

S.F. – A Holanda, realmente, independente até do resultado, era mais uma

equipe. Nós já tínhamos brigado com a equipe principal que nós tínhamos que brigar

que era a Argentina. A Argentina tinha uma equipe excelente, de alto nível. E nós íamos

pegar a Holanda. “Vamos pegar a Holanda. Vamos fazer um trabalho forte”. Mas é

aquele dia que realmente nada dar certo. Deram um pontapé na bola e a bola caiu por

trás do Leão. Incrível, pegou na perna do nosso zagueiro aqui na linha de fundo e foi

entrar lá do outro lado, por cima do... Então você vê como são as coisas. E depois a

nossa equipe completamente se desarrumou, desarticulou depois daquele gol. Depois

ficou difícil trabalhar, ficou difícil para o Zagallo até arrumar. Para o Zagallo arrumar

ficou difícil, complicou. Não tinha como ele arrumar mais, porque ali você poderia até

tirar esse e colocar aquele que as dificuldades continuariam sendo as mesmas.

B.H. – Essa condição de ser sempre o país favorito, ser o país com a seleção com

a obrigação de vencer, isso pode também ser um fator que cria um peso para o jogador?

Você se sentiu nessa obrigação: “temos que ganhar porque somos equipe tricampeão do

mundo”?

S.F. – Cria. Realmente é até um ambiente complicado, pesado, porque você tem

que ganhar o tempo todo. É o melhor, é o melhor e tem que ganhar o tempo todo. Não

adianta. O Brasil entra em qualquer competição. O Brasil, qualquer... vôlei, basquete,

nós temos que ganhar tudo. Não queremos empatar com ninguém. Nós achamos que os

adversários não são nada. Fomos campeões de basquete com o Oscar lá contra os

Estados Unidos, mas, rapaz, mas, faz quantos anos? E ainda, qualquer coisinha, nós

voltamos: “batemos em vocês”, mas faz muito tempo. [risos] Isso é coisa mesmo que

acontece aqui no Brasil. O brasileiro é assim. Ele quer realmente ganhar, a competição

tem que ser dele. Vai competir bolinha de gude, é dele. Ele tem que entrar para ganhar.

E, às vezes, a gente diz... Agora, por exemplo, digo: “Não, não é nada disso”. Essas

coisas todas, mas é porque eu também queria ganhar. De qualquer maneira eu queria

ganhar. Eu quero ganhar sempre, mas nem sempre isso é possível.

B.H. – E essa posição de estar ali no banco de reserva com a possibilidade de

entrar, isso gera uma ansiedade, uma motivação?

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  27  

S.F. – Lógico. Motivado você já está, mas a ansiedade não deixa você fazer

aquilo que você sabe da melhor maneira possível, porque você já entra tendo que

resolver. Você vai entrar e vai resolver tudo. E não funciona assim. Não tem jeito, são

maneiras diferentes. Você tem que pensar que ó você vai entrar e vai trabalhar junto

com seus companheiros para que isso aconteça. Mas vai se fazer o quê?

B.H. – No jogo seguinte, já sem perspectiva de ser campeão.

S.F. – Não valia mais nada.

B.H. – A derrota contra a Polônia não foi...?

S.F. – Insignificante. Tanto é que eu estou dizendo, nós queremos ser campeões,

nós queremos brigar pelo primeiro lugar, então foi uma partida que não significava

muito. Mas, nós queríamos também ganhar, não queríamos perder e aconteceu aquele

gol que nós tomamos do Lato que foi um gol, assim, complicado, mas vai se fazer o

quê? Nada. Agora, a história já está aí, estamos só contando a história porque não tem

mais jeito. Não tem como mudar de maneira alguma.

B.H. – E voltar para o Brasil? Como foi a relação dentro do grupo e essa volta

para o país? Quer dizer, já havia uma imprensa esportiva, já havia uma repercussão,

você sentia isso: “Estou voltando de uma Copa derrotado? Havia essa responsabilidade

ou era ainda um peso pequeno diante do que é hoje essa presença dos meios

comunicações no esporte?

S.F. – Não, veja bem. Aconteceu, então, infelizmente, não podíamos fazer mais

nada. E como eu já disse, cada um foi para o seu grupo procurar trabalhar da melhor

maneira possível. Mas aquilo tudo fica com a gente, é lógico, porque como eu acabei de

dizer: perder é duro, é difícil, principalmente em mundial.

[FINAL DE ARQUIVO I]

B.H. – Mirandinha, em sua avaliação da Copa de 1974, você afirmou o seguinte:

“Eu joguei em quatro partidas, e apesar da derrota tirei muito proveito dessa

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  28  

experiência. Afinal, jogar pela seleção é o sonho de qualquer jogador e eu cheguei lá”.

Você confirma essa sensação de...?

S.F. – Correto. Essa é a sensação realmente de um atleta ou de todos os atletas

que querem realmente chegar a algum lugar. E chegar à seleção brasileira é o máximo,

ou é ápice. Você chega e não tem mais lugar nenhum para tentar passar disso. Então é

fundamental. E o mundial então é além da imaginação.

B.H. – Quando você voltou, havia expectativa de que seria convocado

novamente?

S.F. – Sim, porque eu acredito sempre no trabalho e o trabalho que eu estava

realizando era um trabalho bom. Então eu acredito bastante que eu poderia ter sido

novamente convocado se não houvesse todo aquele problema que eu tive, que houve a

fratura. Isso daí atrapalhou muito, muito a minha carreira e me deixou um pouco

frustrado.

B.H. – Mesmo no ano de 1974 você volta. Como é voltar a jogar no São Paulo já

tendo chegado ao ápice, como você disse, na Copa de 1974? Como é retornar para um

campeonato local nacional? Muda muito essa experiência de ter passado pela seleção?

Como foi esse...?

S.F. – A seleção brasileira é uma coisa completamente diferente. O clube de

futebol é outra coisa. O clube de futebol é o que lhe dá a oportunidade para você chegar

à seleção brasileira. Então você tem que estar sempre bem no clube para que você possa

chegar lá na seleção brasileira. Eu acho que isso é fundamental.

B.H. – Em 1974 ainda, você disputa a Libertadores pelo São Paulo. Como foi a

sua experiência de Libertadores? A primeira.

S.F. – Realmente foi uma Libertadores bem disputada, bem complicada também,

porque nós tivemos o resultado aqui no Pacaembu. Ganhamos de dois a um, eu fiz o

segundo gol...

B.H. – Contra?

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  29  

S.F. – Contra o Independiente26. E depois fomos lá na Argentina contra o

Independiente. Perdemos lá e fomos decidir o título no Chile. Aos quarenta e três

minutos do segundo tempo, Ramon Barreto27 deu um pênalti a nosso favor... Quarenta e

três ou quarenta e um, alguma coisa assim. Infelizmente o José Carlos Serrão28 bateu e o

goleiro pegou. Na batida do goleiro, na recarga, o atacante deles sofreu um pênalti a

favor deles. Ele bateu, o Ramon Barreto terminou o jogo ali e eles foram campeões. Foi

assim que nós perdemos uma Libertadores.

B.H. – Chegaram ali quase...

S.F. – Quase. Esse quase foi muito complicado. Mas infelizmente acontece isso mesmo.

B.H. – Tinha sido um ano exitoso jogando pelo campeonato brasileiro, tanto que tinha

chegado a Libertadores. Chegou ali no momento mais...

S.F. – Chegamos ali perto realmente de sermos campeões. Infelizmente não deu, não foi

possível.

B.H. – E ainda no ano de 1974 tem a contusão.

S.F. – Aí eu tive a contusão nesse jogo fatídico aqui em São José do Rio Preto contra o

América, onde eu iniciei a minha carreira.

B.H. – E quando aconteceu no jogo você tinha a dimensão da gravidade que perduraria

por tanto tempo essa contusão, ou foi ali na hora do incidente que você sente, mas não

imagina o grau de dor que seria por tantos anos?

S.F. – Não, não, você não imagina, é lógico. Você acha que quebrar uma perna... Você

vai ali e conserta e está tudo bem... Rápido, uma ou duas semanas, quinze dias. E a

minha durou anos. Foram dois anos e meio que realmente me atrapalharam totalmente.

                                                                                                                         26  Club  Atlético  Independiente  (Buenos  Aires  –  ARG)  

27  Ramón  Ivanoes  Barreto  Ruiz.  Juiz  de  Futebol  uruguaio.  Único  juiz  de  futebol  a  apitar  duas  finais  consecutivas  de  Copa  do  Mundo  1974  e  1978.  Era  o  arbitro  daquele  jogo.    

28  Ex-­‐ponta  do  São  Paulo.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  30  

Complicaram e complicaram muito. Mas, nós voltamos novamente a jogar futebol e

fomos campeões brasileiros pelo São Paulo.

B.H. – Você ainda...

S.F. – Ainda fui campeão brasileiro pelo São Paulo, depois que eu fui embora

para os Estados Unidos.

B.H. – Mas teve uma supervisão quando você teve esse tempo...? Como foi a

relação com o São Paulo? O São Paulo acreditou em você, você teve a paciência de

esperar? Como foi essa negociação nesse período da contusão?

S.F. – Foi normal. O relacionamento Mirandinha e São Paulo foi muito bom,

tranquilo, sem problemas. O São Paulo fez o que tinha que fazer como o clube que é, e

o Mirandinha fez o que tinha que fazer que era recuperar para poder voltar a trabalhar

novamente. Então, nós fizemos da melhor maneira possível. E fazendo certo, da melhor

maneira possível, deu tudo dentro dos conformes. Tanto é que eu voltei e fomos

campeões brasileiros.

[Breve interrupção na entrevista por conta do sobrevôo de um avião no local]

B.H. – Você ficou mais de mil dias sem jogar e retorna ao futebol no final de

dezembro de 1977, início de 1978 você marca o seu primeiro gol e o São Paulo é

campeão brasileiro nesse momento. Então, para você foi uma volta por cima, foi uma

capacidade de ainda dar alegria, conquistar títulos e se afirmar como o Mirandinha no

futebol profissional brasileiro?

S.F. – Foi um trabalho duro, um trabalho de formiguinha, um trabalho de

superação. Isso tudo foi o que nós tivemos. Porque muitos disseram que não andaria,

houve até uma junta médica na qual os médicos realmente constataram e disseram que

não poderia... Uma deixaria um pouquinho mais curta, a outra de outra forma... Mas

apareceu o Bartolomeu Bartolomei, um médico fantástico, para mim mais do que

fantástico, que conseguiu realmente colocar a minha perna em dia e disse que em quatro

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  31  

meses eu voltaria a jogar. E eu voltei nesses quatro meses. Voltei a trabalhar forte

novamente e consegui voltar a jogar da mesma maneira que eu queria.

B.H. – E esse título? O que você lembra dessa conquista? Do grupo?

S.F. – Isso é gratificante, isso que é fantástico: você sair de uma contusão dessa,

dessa forma, depois de dois anos e meio e voltar a ser campeão. Eu acho que isso daí

não tira... Me deixa assim, de uma tal maneira, que é até difícil de dizer. As palavras

quase não saem a respeito dessas coisas.

B.H. – Quando, por exemplo, você acompanhou anos depois uma contusão

grave e recorrente, como foi o caso do Ronaldo, o fenômeno, isso te remete àquilo que

você viveu? Ou seja, você se coloca no lugar do jogador quando ele também passa por

uma situação dramática como essa? Isso te identifica, te dói também? Isso que é um

acidente de trabalho do jogador profissional, e quando acontece isso também te marcou

para o resto da vida?

S.F. – Essas contusões realmente são coisas assim que marcam. Veja bem, o

Ronaldo teve aquela contusão e por infelicidade minha, minha, o meu filho também

teve a mesma contusão. Ele jogava no Olhanense em Portugal, e teve a mesma

contusão. Ele fez a operação, viu como é que ficava e disse: “Não jogo mais, pai”. Eu

disse: “Está bom, se você acha que é melhor não jogar...”. Porque ele disse que dói e dói

muito. E eu acho que o Ronaldo foi fantástico em brigar com tudo isso e conseguir

voltar a jogar, e fazer tudo aquilo que ele fez. Ele merece realmente ser o moço que é.

B.H. – No São Paulo, depois que você conquista o título, você considerou que a

sua fase tinha se esgotado no São Paulo? Como é que foi sair do São Paulo, como é que

foi essa decisão? Foi algo que partiu de você ou foi um interesse que apareceu...?

S.F. – O São Paulo... Nessa época apareceu o seguinte, o pessoal dos Estados

Unidos, do Tampa Bay, eles vieram para levar o Serginho29. Mas o Serginho não podia

ir porque estava suspenso, tomou aquela suspensão por um ano. Alguns problemas que

                                                                                                                         29  Refere-­‐se  ao  jogador  Sérginho  Chulapa,  ex-­‐atacante  do  São  Paulo.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  32  

houve com o Serginho. Então, eles disseram: “Então, vamos levar o Mirandinha”. Aí o

pessoal do São Paulo... Já estava meio complicado porque já não tinha atacante...

[risos] Aí conversamos e tal, achamos melhor eu ir para lá porque também já ia facilitar

bastante na parte financeira, já ia dar uma ajudada boa e eu fui para lá. Eu fiquei duas

temporadas no Tampa Bay e uma no Memphis Rogues no Tennessee. Então foi uma

mudança. Fiquei três anos trabalhando com eles, três temporadas nos Estados Unidos. E

uma delas nós fizemos a final com o Cosmos, com o Tampa Bay fizemos a final com o

Cosmos lá em New Jersey. Perdemos... Tínhamos que perder, não tinha como. [risos]

Perdemos de três a um, mas isso é normal. Perdemos de três a um porque a equipe deles

tinha a famosa... Um grupo de jogadores realmente que... Beckenbauer, Messing e todos

mais e companhia, Carlos Alberto. Um time que já vinha jogando há muito tempo junto,

com jogadores de alto nível, tricampeões mundiais, bicampeão mundial, então... Na

nossa equipe só tinha eu que já tinha disputado um mundial, só eu. No restante nós

éramos formados por jogadores que vinham de outros lugares – Inglaterra, Escócia –

mas bons jogadores. Jogadores que davam muito trabalho, por isso que fizemos essa

final.

B.H. – Mudar com a família para os Estados Unidos, para outro país, para outro

contexto futebolístico, onde até a tradição era bastante recente, justamente com o

Cosmos se tentava afirmar o futebol nos Estados Unidos. Como foi essa entrada no país,

na cultura norte-americana e no futebol particularmente?

S.F. – Sempre é complicado você chegar em outro país e tentar se adaptar a tudo

aquilo. Mas, eu levei de uma maneira mais à vontade, fui conversando e me acertando.

Quando apareceu realmente a hora de trabalhar que era com o futebol, com a bola, foi

onde nós nos saímos muito bem e conseguimos chegar lá com... Temos até torcida com

nome, aquela coisa toda que o americano gosta de fazer, aquela marketing todo. Eu

acho que isso aí foi fundamental para o trabalho que nós realizamos lá.

B.H. – E a relação com os outros jogadores, você se vinculou bem?

S.F. – Normal. Problemas sempre você vai ter, vai ter com esse ou aquele,

porque o treinador era inglês, Gordon Jago, o meia que jogava era inglês, o centroavante

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  33  

era escocês. Então era uma confusão e eles diziam que o treinador inglês estava tirando

um emprego de um inglês para dar para um sul-americano. Então é um negócio

complicado. Que eles iam ligar para a Inglaterra e falar a respeito disso. Naquela época,

imagine, isso aí era complicado. [risos] Mas infelizmente para eles e felizmente para

mim deu tudo certo, sem problemas.

B.H. – Depois do Tampa Bay...

S.F. – Depois do Tampa Bay eu fui para o Memphis no Tennessee. Lá é um

lugar muito bom, tranquilo, aliás tinha um problema mais sério porque tinha o problema

do Martin Luther King, o negócio de racismo que envolvia... O Tennessee é uma região

meio complicada dessa forma aí.

B.H. – Você sentiu essa...?

S.F. – Senti uma vez só... Não foi eu que senti... Porque eu sou casado com uma

espanhola, meus filhos e minha mulher estavam em uma piscina onde só tinha branco.

Eles saíram e foram para outra piscina que era do outro lado. Só tinha negros. E todo

mundo saiu. Aí ela foi embora para casa e chorou. Estava chorando quando eu cheguei

do treinamento. Então eu achei aquilo um absurdo. Aí eu fui lá, reuni com as lideranças

dos negros e dos brancos, e falei para eles que eu não tinha nada a ver com isso. Eu nem

de lá era. Eu falei: “Nós não somos daqui, então...”. Depois que fui fazer isso... Por que

e para que eu fui fazer isso? Todos os dias tinha festa na minha casa, tinha festa na

minha casa. Juntaram todos e todo dia... Aí um dia eu falei: “Não, chega que eu estou

cansado. Não dá mais”. Mas foi bom, foi muito bom. Foi gratificante porque a minha

família foi recolhida dentro contexto normal. Por isso que eu digo que é conversando

que você consegue chegar a algum lugar. Eu era ídolo da equipe, já havia feito um gol

do meio do gol, então, quer dizer, todo mundo sabia porque passava isso toda hora na

TV americana. Então, você está sempre em foco, sempre em destaque. Eu acho que isso

daí foi o que ajudou bastante.

B.H. – Então você considera positiva a sua temporada nos Estados Unidos, no

futebol. E aí já depois de ter tido uma participação marcante no futebol brasileiro. Quer

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  34  

dizer, tentar fora do país uma inserção. Você chegou a cogitar a Europa ou na época isso

ainda não colocado como horizonte para o jogador?

S.F. – Não, não era, não era aberta, era complicado, era mais difícil. Você não

podia ir para lá. O único que foi para lá e ainda complicou tudo foi o Altafini. Ele foi o

único jogador no mundo que jogou por duas seleções. Jogou com Brasil e lá. Foi

campeão lá e aqui, eu acho que na Itália. Foi campeão também italiano?

B.H. – Sim, sim.

T.M. – O Mazzola?

B.H. – Não o Altafini.

S.F. – O Altafini Mazzola. Então foi o único. Isso aí que complicou um

pouquinho, mas... Infelizmente, não tínhamos isso tudo aberto.

B.H. – Mas, então, dos Estados Unidos diretamente você foi para o México, ou

voltou para o Brasil?

S.F. – Não, voltei ao Brasil porque eu pertencia ao São Paulo. Voltei ao Brasil e

depois fui ao México. Quinze dias depois já estava lá no México, já estava jogando no

Universidad Antónoma de Nuevo León, os Tigres. Equipe campeã e tudo, uma das

excelentes equipes que tem no México.

B.H. – Na Cidade do México?

S.F. – Não. O meu é lá em Monterrey e tem o Monterrey e tem os Tigres.

Thiago Monteiro – Muricy jogou em Monterrey?

S.F. – Não o Muricy jogou no Puebla.

B.H. – E quanto tempo você ficou no México?

S.F. – Nós ficamos lá praticamente quase dois anos, um ano e meio, um ano e

pouco. Depois eu voltei...

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  35  

B.H. – E gostou também da temporada no México, foi...?

S.F. – Foi bom, temporada boa, pessoal muito bom.

B.H. – Mais fácil ou mais difícil do que se adaptar aos Estados Unidos? Você

gostou de viver no México?

S.F. – Era mais fácil... Ficou mais fácil nos Estados Unidos porque eu cheguei

de outra forma. Por que aqui o México ainda estava engatinhando e querendo crescer,

essas coisas todas, e eles lá achavam que tinham que jogar jogadores mexicanos... É

difícil, é complicado você chegar e... Hoje não, hoje você chega, ou chega qualquer

outro jogador, vai lá e joga e entra no lugar dele e pronto. Não tem problema. Mas

antigamente era mais complicado. Então você tem que ficar brigando. É uma eterna

briga. E você tem que estar lá o tempo todo procurando o seu espaço.

B.H. – E a cidade Monterrey...?

S.F. – Muito boa, fantástica. Uma cidade muito bonita, gostei de ficar em

Monterrey.

B.H. – Era início dos anos 1980, não é isso?

S.F. – Por aí, por aí. Mais ou menos isso.

B.H. – Passado dois anos, não teve nenhum outro clube fora e você retorna ao

Brasil.

S.F. – Eu retornei ao Brasil e aí fui para o Chile para ficar na Católica, na

Universidad Catolica do Chile. Mas houve lá um tremor de terra [risos] e aí eu desisti de

ficar no Chile. Eu estava na casa do meu amigo e começou a balançar tudo, porque tudo

fica amarrado, negócio na parede, essas coisas todas, móveis. Mas a primeira vez que

deu eu estava lá no vigésimo andar. Quando eu olhei aquela gritaria, eu saí na janela,

olhei e estava todo mundo lá embaixo, só eu lá em cima. Eu tinha visto que a luz tinha

mexido, foi para lá e veio para cá. Mas, pra mim, eu nem lembrei que lá tinha isso. Vai

se fazer o quê? [risos] Passou.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  36  

B.H. – Então você preferiu voltar ao Brasil a jogar no Chile?

S.F. – Não. Preferi, lógico, por causa dessas coisas extra futebol. Eu falei: “É

melhor não. Vou trazer a minha família para cá também...”. Então ficou meio

complicado. Mas fui muito bem recebido na Catolica.

B.H. – E a volta ao Brasil?

S.F. – Aí fui para o Atlético Goianiense. Fizemos lá uma boa campanha com o

pessoal. Foi muito bom. O Atlético até hoje é uma equipe muito forte que realmente

tem... de respeito nos campeonatos que disputa. Então eu acho que fui para uma equipe

até boa. Realmente resolviam algumas coisas dentro do seu estado.

B.H. – Nesse período você já estava casado, já tinha filhos?

S.F. – Já, já estava casado e já tinha filhos.

B.H. – Então todo clube que você ia, você levava...?

S.F. – Não, minha família sempre comigo. Minha família sempre caminhando ao

meu lado. Dizia para a minha mulher e aos meus filhos: “Então nós vamos sempre

juntos”.

B.H. – E aí você estimulou também os seus filhos também a começarem a

prática de futebol ou foi...?

S.F. – Não, isso aí foi por eles mesmos. Eles que procuraram, fizeram e tudo

mais. Eles que viajaram, foram para Portugal, eles que arrumaram os clubes. Porque ele

foi jogar lá no nordeste, nos Sampaio Côrrea30, aí eles viram ele jogar lá e levaram

embora para Portugal, levaram para o Braga. Lá no Braga ele já se adaptou, foi embora.

Ele poderia ter ido até mais cedo, mas... Se ele fosse um pouquinho mais cedo seria

melhor para ele. Mas foi bem.

                                                                                                                         30  Sampaio  Côrrea  Futebol  Clube  –  São  Luís  (MA).  

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  37  

B.H. – Na Copa de 1978, você estava ainda recém vindo da contusão, tinha

ficado de fora do futebol por mais de dois anos. Na Copa de 1982, você tinha tido essa

passagem fora do Brasil. Como você vê essas duas copas? Você acompanhou, você

sofreu, você ficou frustrado por não ter sido convocado? Você acreditou que seria

possível vencer como até hoje se encanta...?

S.F. – Em 1978, eu estava lá nos Estados Unidos. Então...o futebol lá, Mundial e

essas coisas todas não tinham porque os Estados Unidos não frequentavam isso, não

frequentava ainda esse rol que hoje ele ostenta, uma boa equipe, de nível, mas não tinha

isso. Não passava nada disso lá na... Uma ou outra partida passava, mas não passava

essas coisas. Do mundial mesmo falavam pouco. Porque o futebol... Lá é soccer,

football é o futebol americano, então é outra coisa. Este sim tinha uma visibilidade

muito grande lá nos Estados Unidos.

B.H. – E quando você estava lá nesses dias, você falou isso e me veio esse

parêntese, esses outros esportes te interessaram: beisebol, futebol americano – esses que

não fazem parte da nossa...?

S.F. – Não é que não me interessaram, mas eles já me convidaram, porque eu

batia bem, batia forte na bola, eles queriam que eu fosse o chutador daquela bola.

Aquela outra bola é mais complicada. [risos] Não tinha como bater. É difícil bater

naquela bola. É muito complicado. Parece fácil, um segura, apoia o dedo e outro vem e

dá um pontapé. Eu quase arranquei foi a mão do meu amigo. Então eu falei: “Não vou

fazer isso”. Mas eu fui convidado para patear aquela bola.

B.H. – Fechando parênteses da Copa de 1978, e 1982? Você já estava no Brasil,

você viu a Copa?

S.F. – É, eu vi a Copa do Mundo. Vi como o Brasil se comportou. O Brasil

realmente foi uma melhor seleção do que as outras. Mas é aquele ditado: Jogar melhor

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  38  

não resolve. O Barcelona foi dez vezes melhor do que o Chelsea e perdeu31. Já tinha

sido dez vezes melhor do que o time do Mourinho, a Inter de Milão32. Perdeu também.

Então são coisas que por mais que você faça... O Barcelona deixou de ser a melhor

equipe do mundo? Eu não acredito, certo? Mas passou a ser uma equipe que pode ser

marcada de uma forma diferenciada. Foi o que aconteceu aqui também, nesses jogos

aqui também. O pessoal começou a querer marcar o Neymar de outra forma. Então

sempre tem um jeito, foi que o eles arrumaram. Em 1982, o Telê montou uma equipe

excepcional, mas...

B.H. – O caso de colegas, companheiros de clube, ex-companheiros de clube

terem participado como, por exemplo, o Valdir Peres que atuou como goleiro em 1982,

isso te... Você se colocava naquela posição?

S.F. – Não, porque eu já não tinha mais interesse nessas coisas. Já não tinha

mais. Veja bem, a sua hora você tem que saber que passou. No dia que eu fraturei a

perna passou a seleção. Porque eu não tinha visto o jogador voltar a jogar, no seu clube,

imagina voltar à seleção. Gratificante foi eu voltar já no clube e ainda ser campeão aqui

no meu clube. Então, o que viesse era lucro. E realmente o Homem lá em cima me deu

mais um pouquinho de tempo.

T.M. – Tem um momento do que gol, inclusive, que você faz – eu não sei como

que isso foi para você fazer 1179 dias... Como foi esse momento do gol...? Porque não

foi no primeiro momento, foram três jogos...

S.F. – Três jogos no Pacaembu, no jogo contra o time lá do... Não me lembro o

nome do time. No Pacaembu.

B.H. – Contra o Sport?

                                                                                                                         31  Refere-­‐se  à  disputa  semifinal  da  Champions  League  2011/2012  entre  Barcelona  (ESP)  e  Chealsea  (ING).  Onde  o  time  espanhol  teve  mais  posse  de  bola,    chutou  mais  a  gol,  mas  acabou  perdendo  as  

partidas  e  foi  eliminado.    

32  Refere-­‐se  à  disputa  semifinal  da  Champions  League  2009/2010  entre  Barcelona  (ESP)  e  Internazionale  

de  Milão  (ITA).    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  39  

S.F. – Isso.

B.H. – Quinze de fevereiro de 1978.

S.F. – Estava chovendo e eu dei como se fosse um carrinho – eu lembro até

agora – quase que eu dei na trave de novo. Eu me lembro cada coisa. Então são coisas

que eu lembro direto. Como diz o meu amigo: “Alembrei-me”. Então, foi uma jogada

meio complicada, mas foi bom, eu fiz aquele gol e saiu todo aquele peso, aquela coisa

toda. Dizem: “Pode ser que ele tenha medo disso, medo daquilo”. Aí me viram

trombando no meio, na trave, chutando tudo, aí eles falaram: “Não, ele é normal”.

B.H. – Normalmente, o artilheiro, pelo fato dele fazer gol, acaba sendo mais

associado e idolatrado pelas torcidas. Como que foi, ao longo do tempo, a sua relação

com as torcidas? Você se colocava nessa posição do ídolo ou era mais retraído? Como é

que, tanto no Corinthians quanto no São Paulo, foi a sua relação com o torcedor e

depois nos outros times como o Atlético Goianiense? Como é essa condição de ser

aquele que tem a responsabilidade de fazer gol, mas por isso também ser mais alvo de

atenção e de carinho do público, mas também de hostilidade quando perde? Como foi

para você viver isso no futebol?

S.F. – Chega a ser até engraçado, porque eu realmente quase não falava. Eu era

mais retraído. Hoje em dia eles me vêem como eu mesmo estou me vendo falando

aqui... Eu falo muito. Eu estou como diz o Tite eu estou “falando muito”. Realmente era

diferente. Eu sempre tive um relacionamento fantástico com os torcedores, eles sempre

me trataram com muito carinho. Eu acho que isso daí foi fundamental para a minha

carreira.

B.H. – A imprensa, também claro, era muito menor o assédio, mas havia...?

Como você lidava com os jornalistas, com a imprensa?

S.F. – Me dei bem com todos eles. Fiz aposta com jornalista, já fiz de tudo com

todos eles. Então nunca tive um problema grave com jornalista nenhum. Todos eles me

trataram bem e eu os tratei também bem da mesma forma. Sem problema nenhum.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  40  

B.H. – Essa fase no Atlético Goianiense. Como foi morar em Goiás, jogar no

futebol goiano? Você ficou um tempo lá? Já era um momento que você vislumbrava um

fim de carreira? Como foi esse período?

S.F. – No Atlético foi muito bom. Goiânia é um lugar fantástico, uma cidade

muito boa, lugar de... excelente nível para se morar, na minha concepção. Pelo menos

na minha época era, não sei hoje. Faz muito tempo que eu não vou lá a Goiânia. E o

Atlético também é uma equipe de bom nível como falei para vocês. E jogar lá foi muito

bom, excelente, não tive problema nenhum lá no Atlético. Só saí mesmo porque falei:

“Olha, está quase na hora de encerrar e está na hora de eu ir embora”.

B.H. – E aí você vai para...? Depois do Atlético Goianiense. É a temporada de

1981.

S.F. – Eu fui para o Taubaté.

B.H. – Taubaté. Você escolheu ou houve interesse do dirigente? Como foi essa

transação para voltar a São Paulo?

S.F. – Voltei a São Paulo. Taubaté disputava ainda a primeira divisão. Os

dirigentes também queriam que eu fosse para lá. Eu aceitei. Fui para lá prontamente.

Conseguimos fazer lá bons jogos, boa apresentação. Tanto é que tem um bom

relacionamento em Taubaté com o pessoal todo. Eu acho que foi muito bom Taubaté.

Taubaté é fantástico. Taubatezinho é um lugar que sempre fica marcado no coração da

gente.

B.H. – E no ano seguinte tem uma temporada em que você passa por vários

clubes dos mais diferentes lugares. Você vai para o ABC de Natal, Rio Grande do

Norte, Guaratinguetá em São Paulo, volta para São Paulo, depois vai para o futebol sul-

matogrossense no Douradense33. Como foi esse périplo por três clubes em um ano só?

                                                                                                                         33  Clube  Atlético  Douradense.    Fui  um  dos  clubes  mais  expressivos  de  Dourados  –  MS  nos  anos  1980.  Dadá  Maravilha  fez  sua  partida  de  despedida  pelo  Douradense  em  1986.  A  equipe  foi  vice-­‐campeão  

sulmatogrossense  em  1984  e  1989.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  41  

S.F. – Isso porque eu fui primeiro, o primeiro clube que eu fui foi qual deles aí?

B.H. – O ABC de Natal.

S.F. - O ABC de Natal. O Valdemar Carabina34, ele era o treinador. Ele sendo o

treinador, ele encontrou comigo: “Você tem que ir comigo para Natal. Vamos porque

você vai ter que resolver”. E fomos para resolver o campeonato. Mas foi bom. É como

eu digo, todo o lugar que eu passei, eu me dei muito bem com o pessoal e muito bem

com os torcedores, com todo mundo. O ABC fez uma bela de uma campanha e teve um

problema lá muito sério depois. Porque o América precisava ganhar de qualquer jeito, o

América tinha que ser campeão, ele estava praticamente... Mas o ABC era uma equipe

muito forte, o Carabina disse: “Olha, nós vamos ser campeões aqui”. E nós brigamos,

brigamos pelo título até o final. O menino que jogava com a gente, um médio-volante

muito bom, Alberi35 – um baita de um jogador. Eu falava: “Alberi, olha, nós temos que

ganhar isso”. Ele falava: “Meu Jesus Cristo, será possível que nós vamos conseguir

fazer isso”. [risos] Infelizmente não chegamos a ser campeões, perdemos a última

partida, é acho que perdemos a última partida e ficamos fora. O Carabina teve que vim

embora, eu também vim embora. Foi quando eu vim para o Guaratinguetá. Cheguei em

Guará também fiquei ali um tempo. Dei uma olhada, mas não deu certo porque já era

diferente, uma outra maneira de fazer ali, de tentar fazer o futebol ali. O futebol ali era

mais complicado. Aí é por isso que eu mudei e fui embora para o Mato Grosso do Sul,

lá em Dourados. Chegando em Dourados teve lá uma boa campanha. Na Douradense...

Nós ganhamos quatro vezes. Nós ganhamos desse meu Comercial agora, desse

Comercial que eu sou o treinador. Nós jogamos quatro vezes para disputar o título. O

Comercial ganhou uma, nós ganhamos três e uma o Comercial foi campeão. Eu falei:

“É uma coisa inédita. Mas tudo bem”. [riso] Ia fazer o quê? Era assim que disputava.

Mas foi bom, foi muito bom.

                                                                                                                         34    Valdemar  dos  Santos  Figueira  “Valdemar  Carabina”.  Ex-­‐zagueiro  do  Palmeiras  nos  anos  1960.    

35  Alberí  José  Ferreira  de  Matos.  Ex-­‐atacante  do  ABC  e  América  de  Natal.    Jamais  jogou  por  equipes  fora  

do  Nordeste.  Recusou  uma  proposta  do  Fluminense  logo  após  ter  ganho  o  prêmio  Bola  de  Prata.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  42  

B.H. – Mirandinha, no início da entrevista você falou que chegou a trabalhar

como ourives. Isso foi no início da sua carreira ou antes de se tornar jogador?

S.F. – Antes de eu me tornar jogador de futebol.

B.H. – Nesse momento em que você já está jogando nesses clubes pelo Brasil

afora, a sua independência financeira já tinha sido conquistada pelo futebol ou você

ainda dependia dos contratos, dos salários? Como era a sua condição?

S.F. – Não aí já é diferente. Quando você sai para fazer alguma coisa, você tem

que ter alguma coisa também feita, tem que ter um respaldo, lógico. Lá atrás tranquilo.

Eu acho que isso aí faz parte. E eu saí atrás de uma série de coisa. O homem tem que

trabalhar. Veja bem, quem ficou dois anos e meio parado, depois volta a praticar aquilo

que gosta, é diferente. Você tem que sair... Porque toda hora você está jogando,

trabalhando, fazendo uma série de coisa. Era o que eu fazia. Porque gostar de jogar

futebol, não ia sair nunca de dentro de mim. De dentro de mim é que não ia sair. Então

eu tinha que ir lá, participar, fazer uma série de coisa da melhor maneira possível. E foi

o que aconteceu.

B.H. – Quando você foi jogar no São Paulo, por exemplo, você já comprou uma

casa, você soube administrar esse dinheiro...

S.F. – Quando você sai daqui, do América, e vai para o Corinthians você já tem

que fazer alguma coisa. Porque em princípio sim, você tinha pai, esse negócio todo, ele

que fazia as coisas e depois você vai dando sequência.

B.H. – Em 1982, você tinha trinta anos. Tendo em vista que a carreira de jogador

é uma carreira menor, há necessidade de você planejar isso.

S.F. – Eu fui pensando até trinta e quatro, depois eu digo: “vamos parar com isso

porque eu já fiz aquilo que eu deveria fazer”. Mas se eu soubesse que esses caras

estariam jogando até os cinquenta, então eu ia também. Eu ia ser até mais velho, até

sessenta e nove.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  43  

B.H. – Como é que foi decidir parar em 1985 com trinta e três anos? Depois

ainda tendo outras passagens, depois do Douradense você jogou no União de Mogi,

Saad36...

S.F. – E na Pinhalense...

B.H. -E Independente de Limeira.

S.F. – É verdade, o Independente de Limeira foi muito bom também, o Saad

também. Hoje o Saad disputa também lá o campeonato sul-matogrossense, certo?

B.H. – Ah é? Pode?

S.F. – Não sei se pode.

T.M. – É do dono da Bandeirantes? Tem esse vínculo.

S.F. – Tem vínculo com o Saad sim. Parece que quem toma conta lá é um dos

filhos. Então ainda é o mesmo.

B.H. – E aí como é que foi essa decisão. Você queria ou...?

S.F. – É o cara que está passando o cara para vender... Espera aí que ele vai

vender melancia.

T.M. – Ele vai parar aqui, será?

S.F. – Não ele vai passar ai. Ah lá, você não precisa ir longe para comprar as

coisas.

B.H. – [risos] Passa tudo na porta de casa.

S.F. – Quando você tem no pomar, você tem ali. Você não tem ali. você pode

pegar ali. Ah lá, na caminhonete dele. Já foi já foi.

B.H. – Esse momento de encerrar a carreira, como é que foi para você?

                                                                                                                         36  Saad  Esporte  Clube.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  44  

S.F. – Normal, foi bom, sem problemas. Tanto é que eu nunca mais quis saber

desse negócio de jogar futebol. Fui brincar algumas vezes com o pessoal do

Millonarios, brinquei com os meus amigos, mas depois eu falei: “Olha, eu não vou mais

mexer com isso”. E deixei de ficar brincando. Até brincar de futebol eu deixei. Eu falei:

“Vamos deixar para lá”. Não posso tomar um pontapé porque os três médicos já foram,

então não tem mais conserto. [risos]

B.H. – Aí, nesse momento, o que você pensou em fazer? Terminada a carreira

você parou para pensar? Como foi?

S.F. – Já tinha pensado antes. Eu estava com a intenção de ser treinador mesmo

e passei a ser treinador de futebol. E comecei a mexer... Primeiro eu fui treinador do

Corinthians nas categorias de base. Passei a ser treinador de categoria de base do

Corinthians.

B.H. – Você procurou o Corinthians ou o Corinthians te procurou, como foi

isso?

S.F. – Normal, o Corinthians me contratou e eu fui. Comecei no infantil, nós

fomos campeões, depois eu fui para o juvenil, nós fomos campeões. Aí fui para o

Júnior, fomos campeões também. Quer dizer, a carreira ali foi boa, foi vitoriosa. Porque

os jogadores todos que o Corinthians tinha, a maioria deles começaram comigo no

infantil. Todos eles podem vender e se destacaram como o Edu37 que hoje é diretor do

Corinthians, tem o Fernando Baiano38, o Everton que está aí agora, Silvinho39. São

vários de meninos desses aí que participaram da equipe principal do Corinthians onde o

treinador era o Mário Sérgio. Como nós tínhamos um bom relacionamento... Em

princípio, o treinador era o Nelsinho Batista, depois passou a ser o Mário Sérgio. Então                                                                                                                          37  Edu  Gaspar,  ex-­‐volante  do  Corinthians,  atual  Diretor  de  futebol.    

38  Atacante,  jogou  no  Corinthians  até  2001,  depois  foi  para  a  Espanha,  e  atualmente  joga  no  Oriente  Médio.    

39  Sylvio  Mendes  Campos  Júnior,  “Sylvinho”,  ex-­‐lateral-­‐esquerdo  muito  habilidoso  fez  sucesso  nos  times  de  Corinthians  e  Barcelona.  Em  2011,  após  deixar  o  Manchester  City,  se  aposentou  e,  algum  tempo  

depois,  assumiu  como  auxiliar  técnico  do  Cruzeiro,  ao  lado  do  também  ex-­‐jogador  Vágner  Mancini.  

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

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foi um relacionamento muito bom com eles. E eles puxaram muito esse meu lado... O

José Elias estava lá trabalhando comigo na categoria de base. Então, o José Elias

também foi um jogador que fez isso, que trabalhou com a gente e passou a ser o jogador

da equipe principal do Corinthians. Mário Sérgio não tinha jogador para treinar, pediu:

“Mirandinha, tem um jogador lá seu para ir treinar comigo”. Eu falei: “eu não tenho

nenhum porque vamos fazer o jogo sábado, mas eu tenho um lá que pode vir treinar

com você”. Era o Zé. Chegou lá ele já bateu em todo mundo, já chegou junto, fez tudo

aquilo que ele sabia fazer e se consagrou.

B.H. – No início ali dos anos 1980, o Corinthians teve aquele momento do

Sócrates, que tem a democracia corintiana. Você quando foi para a base do Corinthians,

embora em um momento posterior, ainda havia esse clima da famosa democracia ou já

era uma coisa do passado?

S.F. – Ah, isso aí só quem jogou, quem viveu, quem fez essas coisas todas.

B.H. – Treinando as categorias de base você não tinha...?

S.F. – Não tem nada, você não sente essas coisas. Não tem muito o que mexer

nem o que fazer. Qualquer jogador de futebol tem sua época, tem seus momentos. Eu

acho que eles tiveram um momento fantástico dentro do Corinthians. Foram os

jogadores que fizeram democracia, essas coisas todas. Mas, é aquele ditado, você tem

que ver que hoje não tem as mesmas coisas. Jogadores continuam fazendo as mesmas

coisas, da mesma forma. Então, não muda a mesma coisa.

B.H. – Normalmente, essa passagem do jogador para treinador... As pessoas

gostam de brincar que o goleiro é um potencial técnico porque ele fica ali observando,

você, como atacante, já tinha esse tino de observar. Você... Depois a posição de

treinador te agradou? Você gosta de ser técnico? Como foi isso de ver o plano tático, o

desenho do jogo, interferir, se relacionar com o jogador? Como é o Mirandinha

treinador?

S.F. – Quando você joga de frente, você está jogando, eu sou o atacante, eu

estou sempre de frente para o jogo. Estou de costas só para o adversário, mas estou

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

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sabendo o que eu posso fazer. Agora, de treinador você tem que passar para o seu atleta

realmente o que é que você quer que ele faça e de que maneira faça. Então fica mais

fácil você jogar do que você passar. Então, você passando eles vão assimilando aos

poucos, eles vão fazendo aquilo que você quer, porque o jogador de futebol corre muito,

ou corria muito com a bola antigamente. Hoje você pede sempre que eles façam o quê?

Não dê mais de dois toques na bola, porque se você tiver um companheiro que é um

jogador que decide o jogo, que é muito mais habilidoso, toque nele porque ele vai poder

fazer a jogada. Igualzinho acontece no time do Muricy, no Santos. Acontece aqui no

São Paulo. Eles jogam a bola em quem para decidir? Certo? Ajeitam e tal, jogam no

menino que é o Lucas40, ele não bate em gol e ajeita para o Luís Fabiano41 fazer o gol.

Então são jogadores que facilitam o trabalho. É uma maneira de você ver o jogo

diferente. Desde que a equipe do adversário também trabalhe de uma forma a qual você

possa mudar a sua equipe a todo o momento.

B.H. – O Mirandinha ele é disciplinador, ele é ofensivo? Como é o estilo do

Mirandinha como técnico?

S.F. – Bem é difícil falar a respeito dessas coisas, você tem que ir ver, porque

senão fica difícil. Porque é complicado. Quando você está ganhando você é mais

tranquilo, mas quando está perdendo fica mais difícil, então você tem que... A cada

momento você tem que saber como orientar os seus jogadores, de que maneira falar

para eles, ver realmente onde tem os pontos fracos e os pontos fortes onde você pode

explorar, porque você vai ter sempre alguém lá em cima ou ao seu lado para poder falar

para você: “Olha bem o que está acontecendo. Ali tem um problema, tem isso”. Então

você também tem que conversar para saber realmente o que é que está acontecendo,

porque ninguém enxerga tudo. Não. Tem que ter sempre alguém que entende também e

fale o mesmo idioma.

                                                                                                                         40  Atacante  do  São  Paulo.    

41  Centroavante  do  São  Paulo.  

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  47  

B.H. – Você considera fundamental para um técnico ter sido atleta ou, por

exemplo, no caso do Parreira...?

S.F. – Sempre é bom, mas também... Mas também, o Parreira fez o quê? Parreira

viveu dentro disso o tempo todo. Ele viveu passando por jogador de futebol? Porque

como sendo preparador físico... Ele era preparador físico em 1974 na Alemanha; ele, o

Chirol e o Carlesso. Para passa para você, ele, Chirol, Carlesso e o...

B.H. – Coutinho? Cláudio Coutinho?

S.F. – Não.

B.H. – Foi daquela comissão técnica da década de 1970?

S.F. – Foi...

B.H. – Ah.

S.F. – Não. Daqui a pouco eu vou tentar ver se eu consigo voltar o computador

para ver se ele funciona da melhor maneira possível. [risos]

B.H. – O Zagallo foi um técnico que te agradou quando você teve com ele na

seleção?

S.F. – O Zagallo já vinha sendo treinador de futebol há muitos anos, então ele

tem a maneira dele trabalhar, de ver o jogo. Porque senão ficaria muito monótono. É

complicado. Como Guardiola42 fez agora, pegou a meninada do Barcelona que veio

crescendo, vieram crescente. Aqueles meninos que trabalhavam na base, já sabiam o

que iam fazer, porque vieram com o Guardiola trabalhando daquela forma. O Guardiola

era treinador da base. Eles cresceram juntos, sabendo que... “Eu quero fazer isso. Eu

quero que vocês façam isso”. Tanto é hoje entra um sai outro, entra um e sai outro, e o

Barcelona é a mesma equipe, não muda quase nada. O esquema de jogo vai ser o

mesmo, porque o esquema de jogo você muda se quiser. Provavelmente é difícil mudar

                                                                                                                         42  Pepe  Guardiola,  ex-­‐treinador  do  Barcelona  (ESP),  um  dos  responsáveis  por  impor  ao  time  Catalão  um  

modelo  de  jogo  baseado  fortemente  no  toque  de  bola.    

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  48  

um esquema de jogo, porque se você tem um padrão e um esquema, não dá para fazer

muita mudança.

B.H. – Desse ponto de vista da disciplina e da relação com os jogadores. Você

acredita que esse respeito...

S.F. – O respeito é fundamental. Eu acho que tem que ser recíproco, porque não

adianta nada o jogador me respeitar e eu não respeitá-lo. Porque independente de

qualquer coisa, ele é um pai de família da mesma forma. Agora, vamos nos respeitar,

mas tem que existir a ordem hierárquica. Existindo a ordem hierárquica facilita bastante

o trabalho para todo mundo.

B.H. – Quais foram os clubes mais marcantes para a sua passagem como técnico

desde que...?

S.F. – Eu comecei no Tupã onde nós fizemos uma boa campanha. Aí que eu fui

contratado pelo Cene, no Cene teve as três passagens que fomos tricampeões.

B.H. – Cene é o?

S.F. – Centro Esportivo Nova Esperança do Mato Grosso do Sul. É Cene que

agora está disputando o campeonato da Série D do Brasileiro. Antes disputou a série C.

Então, dessa que nós ganhamos, eles estão na série D, mas antigamente disputou a série

C. E agora fui para o Comercial.

B.H. – Terceiro clube.

S.F. – Meu terceiro clube. Então já estamos trabalhando devagarinho, vendo

realmente como vamos fazer.

B.H. – Você teve uma passagem duradoura...? Porque, em geral, o técnico

padece desse problema: ou você ganha ou você... O resultado quando vem, a primeira

pessoa a ser a vítima preferencial acaba sendo o técnico, o bode expiatório, como

dizemos. Como você lida com isso?

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  49  

S.F. – As três passagens foram duradouras. Uma durou um ano e meio, a outra

também a mesma coisa. E sempre foram assim: um ano e meio, um ano e meio, um ano

e meio. Porque eu fui campeão e saí. Você sendo campeão não adianta ficar na mesma

equipe, penso eu e ajo dessa forma. Porque a cobrança vai ser maior, porque você vai

ter que fazer a mesma coisa que você fez no ano anterior, ou muito mais. Muito mais é o

que além deter sido campeão? Você tem passar... Vão outros profissionais trabalhar

também e depois você volta a fazer novamente da mesma forma que aconteceu várias

vezes: deles me convidaram novamente. Se for mal, você não vai receber convite.

B.H. – Junto com a carreira de técnico, você fez uma formação universitária em

Educação Física.

S.F. – Correto.

B.H. – Foi para complementar o lado de técnico? Por que você decidiu a...?

S.F. – Não. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Educação Física você faz

porque tem que ser feito, isso é normal. Mas o treinador de futebol faz o trabalho dele, o

preparador físico procura fazer o dele da melhor maneira possível, eu acho que isso aí é

fundamental, ele deixa a equipe bem preparada e eu tento fazer, da minha maneira,

colocar em campo e fazer com que elas tenham a vitória e cheguem lá.

B.H. – Foi na cidade de Santos que você fez essa formação de Educação Física,

não é isso?

S.F. – Sim.

B.H. – Em 1995, você conclui o seu...

T.M. - Eu tenho uma questão, que mexe com essa questão que você está

levantando como técnico. Eu lembro de ter saído recentemente – acabei não colocando

– do Joel Camargo, o zagueiro, em que ele revela uma mágoa bem forte, porque ele

também entrou a carreira como técnico quando ele parou de jogar, mas ele revela que

ele encontrou – além de outras razões – uma preconceito muito forte pelo fato dele ser

negro. Ele coloca isso como uma das coisas... “Você já viu”, na frase dele, “algum

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

  50  

negão –naquela época - sendo técnico de time grande?”. Ele coloca isso não como única

razão, mas como uma causa de uma sociedade racista também, como muitas das razões

que teriam atrapalhado um pouco. Eu não sei se você enfrentou isso em algum dos tipos

como técnico?

S.F. – Não, não enfrentei nenhuma dessas coisas de forma alguma. Isso aí vai

depender de você. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, eu não misturo uma coisa

com a outra, certo? Porque senão ninguém me contrataria. Alguém falaria: “Por que o

outro me contratou e você não.” O outro lado também quer saber: “qual a diferença?”.

Isso dependente do seu trabalho, depende daquilo que você vai passar, entendeu?

Muitos fazem a mesma coisa, saem daqui, por exemplo... O treinador de futebol tem

que saber se comportar, tem que ter um comportamento íntegro, entendeu? Não pode

sair daqui e vou lá, faço isso, faço aquilo e aquilo outro. Tem que sair, eu vou para

minha casa. Se eu quero tomar uma cerveja, tomo na minha casa. Eu não vou fazer nada

disso fora, porque amanhã você vai colocar no jornal. Pode ter certeza absoluta que todo

mundo vai colocar no jornal, entendeu? Agora, o Joel teve esse problema, eu não sei.

Então fica difícil. Para ele, pelo menos, eu acho que foi difícil.

B.H. – Pouco tempo depois de você fazer a formação em Educação Física, você

se forma como fisioterapeuta, é isso?

S.F. – Não.

B.H. – Você fez fisioterapia na Universidade de Santos?

S.F. – Não, foi o meu filho que fez.

B.H. – Está bom. Então, o seu filho já jogava?

S.F. – Já. É o Mira.

B.H. – Esse que jogava... Antes dele ir para Portugal.

S.F. – Antes dele ir para Portugal...

B.H. – Ele se forma em Santos.

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

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S.F. – Esse é o Mira, ele é danado. Esse não é mole não. Fala sete idiomas. É um

cabecinha. Todos eles. Um fala sete idiomas, o outro fala seis e o outro fala seis. Porque

em cada lugar que eles vão, eles vão se adaptando aos lugares e agora ele está jogando

sabe onde? Em Luxemburgo. Então isso para ele é muito bom.

B.H. – Hoje em dia a televisão permite com que a gente veja todos os

campeonatos de todas as latitudes, de todos os níveis. Você é um fã do esporte no

sentido de gostar de ver o jogo, de acompanhar campeonato, e mais do que isso,

observar os times e pensar em aplicar o que você observa em uma metodologia como

treinador?

S.F. – Eu tenho que observar. Se eu sou treinador de futebol. Se eu quero ser um

treinador de futebol e quero ser um bom treinador de futebol, eu tenho que observar

tudo. Tem que ir lá assistir as partidas, olhar realmente a maneira como jogam. Às vezes

eu até gravo para mais tarde fazer uma análise juntamente com o meu outro filho que é

treinador, que tem uma perspectiva bem diferente, um olhar diferente, um outro... São

maneiras de ver e nós concluímos e chegamos a algum ponto.

B.H. – Então você gosta de ver futebol, seja nacional ou internacional?

S.F. – Não importa, não importa, o futebol bem jogado é bom de ser visto.

B.H. – Mirandinha, nós estamos, o Brasil está na iminência de sediar dois

grandes eventos internacionais, um deles o futebol que nós fomos sede há mais de

sessenta anos que foi a Copa do Mundo de 1950 no Maracanã, Brasil. Décadas depois

nós vamos receber um novo evento dessa magnitude, desse porte. Como você vê o

futebol brasileiro hoje? O seu depoimento vai estar gravado para as próximas gerações,

vão poder te conhecer visitando o Museu do Futebol. Nesse atual momento, como você

vê a seleção brasileira, as perspectivas dessa próxima edição de Copa de Mundo? Você

que foi protagonista, vivenciou os bastidores do ambiente de uma Copa do Mundo, que

sabe como é psicologicamente para o jogador ser um atleta de representar o Brasil na

sua própria casa, como é que você está vendo o Brasil como organizador dessa Copa e

como time para 2014, já nos encaminhando para o final desse depoimento?

Transcrição                                                                                                                                                                                        

 

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S.F. – Eu acredito que a organização realmente o Brasil está indo, está

caminhando, fazendo, eu acho, o melhor possível. A seleção, por exemplo, está no

caminho certo. O treinador sabe o que quer, o treinador é um grande treinador, ele tem

realmente ali os seus jogadores já pensados, jogadores que ele confia. Eu acho que isso

aí é fundamental. Ele ter os jogadores que ele confia. E tendo isso eu acho que o Brasil

pode chegar novamente a ser campeão mundial.

B.H. – O Brasil, o time, a seleção brasileira tem sido muito contestada pela

própria imprensa brasileira. Como você vê essa nova relação do time, da torcida com a

imprensa no atual momento?

S.F. – É engraçado você me fazer essa pergunta. E quando é que não foi

contestada a seleção brasileira? Quando foi? Todas as vezes que você montar uma

seleção brasileira, você vai ver que vai ter isso. Isso é normal aqui no Brasil, certo? E

saímos daqui fomos campeões, bicampeões, tricampeões, campeões de tudo. Ganhamos

tanto que até esquecemos o que ganhamos. Qual é o país no mundo que tem os títulos

que nós temos. Mas nós queremos tudo: “Somos nós, somos nós”. Nós temos que ter

calma e deixar que o homem realmente responsável trabalhe e se ele trabalhar da

maneira que ele sabe, eu acredito que o Brasil realmente vai ser campeão novamente.

B.H. – Então, com esse voto de confiança que o Mirandinha está dando na

seleção brasileira, nós vamos encerrar o seu depoimento que vai constar no acervo do

futebol e que vai ficar disponível para que as próximas gerações possam te conhecer de

viva voz, você contando a sua própria história. Mirandinha, nós queremos te agradecer

imensamente por esse depoimento. Muito obrigado.

S.F. – Obrigado. Agradeço a vocês.

[FINAL DE DEPOIMENTO]