tribunal da relação do porto processo nº 47/15.2t9agd.p1
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Tribunal da Relação do PortoProcesso nº 47/15.2T9AGD.P1
Relator: RENATO BARROSOSessão: 12 Julho 2017Número: RP2017071247/15.2T9AGD.P1Votação: UNANIMIDADEMeio Processual: REC PENALDecisão: PROVIMENTO PARCIAL
CRIME FOTOGRAFIAS ILÍCITAS FACEBOOK
CÓPIAS INFORMÁTICAS
Sumário
Constitui o crime do artº 199º CP (fotografias ilícitas), a realização de cópias
informáticas de fotografias existentes dos lesados e dos filhos e livremente
acessíveis no Facebook daqueles e o seu envio posterior aos próprios por
email, por ter sido feita contra a vontade de quem elas retractavam.
Texto Integral
Proc. 47/15.2T9AGD.P1
1ª Secção
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1. RELATÓRIO
A – Decisão Recorrida
No processo comum singular nº 47/15.2T9AGD, da Comarca de Aveiro, Juízo
Local Criminal de Águeda, foi o arguido B..., condenado, pela prática, em
autoria material e concurso real, de:
- um crime de injúria, p.p. pelo Artº 181 nº1 do C. Penal, na pena de 80
(oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta
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cêntimos);
- dois crimes de coacção na forma tentada, p.p. pelos Artsº 154 nº1, 22 e 23
nº1, todos do C. Penal, na pena, por cada um, de 200 (duzentos) dias de
multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
- quatro crimes de fotografias ilícitas, p.p. pelo Artº 199 nsº1 e 2 al. b) do C.
Penal, na pena, por cada um, de 120 (cento e vinte) dias de multa, à
taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
Em cúmulo jurídico na pena única de 700 (setecentos) dias de multa, à
taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no total de €
4.550,00 (quatro mil quinhentos e cinquenta euros).
Mais foi condenado a pagar ao demandante C..., a quantia de € 450,00
(quatrocentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não
patrimoniais, acrescida de juros civis contados desde a data da sentença.
B – Recurso
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as
respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):
I - O Tribunal a quo condenou o arguido como autor material, em concurso
efectivo pela prática de dois crimes de coacção tentada, p. e p. pelos artigos
154.º, nº 1, 22.º e 23.º, nº1, do Código Penal, quatro crimes de gravações e
fotografias ilícitas, p. e p. pelos artigos 199.º,n.ºs 1 e 2,alínea b), do Código
Penal e de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.
II - Conforme resulta da Douta Sentença, provaram-se os seguintes factos:
1. No inicio de Outubro de 2014, o arguido adquiriu diversas peças de
automóveis à empresa D..., Lda.”, gerida pelos assistentes C... e E....
2. Na sequência desse negócio, o arguido e os assistentes desentenderam-se,
sendo que aquele acusa estes últimos de o terem enganado, convencendo-o a
pagar a quantia de € 3.973,01 (três mil novecentos e setenta e um euros e um
cêntimo) para a aquisição de peças automóvel que nunca lhe foram entregues.
3. Nessa sequência, o arguido começou a enviar e-mails dos endereços de
correio electrónico que criou para o efeito para o endereço de correio
electrónico da empresa referida em 1.º [email protected].
4. Assim, do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou
entre outros, os seguintes e-mails, aos quais anexou fotografias dos
assistentes e dos seus filhos menores e que transcrevemos.
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1)“Andais a brincar com dinheiro honesto
A vigarice deixa faturas com marcas
Se homem e resolve
Alá vai nos unir a todos” – Enviado no dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.06h,
com o assunto “Não burles pessoas serias”cfr. Pág. 3 da douta sentença.
Anexando uma foto do assistente com um dos seus filhos menores.
2)”O nosso destino esta cruzado
Por bem ou mal
As nossas familias estao pelo nosso sacrifício”, acrescentando caracteres em
língua árabe e enviado no dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.13h com o
assunto “Bilhaqqi Saufa Fasaufa Afnihi Mai”, cfr. ponto 4 da pág. 3 da douta
sentença. Anexando uma foto da assistente.
3)”A avareza tem um preço
A vigarice tem faturas caras
Não brinkes com Ala o grande
Estamos todos juntos e o destino será nosso
Todos sacrificamos
Deus é grande, Deus é grande
Deus está acima das artimanhas de qualquer intruso,
E Deus é o melhor ajudante para os oprimidos,
Com certeza e com armas eu devo defender
Minha nação, a luz da verdade está brilhando na minha mão;
Diga comigo, diga comigo:
Deus é grande, Deus é grande, Deus é maior;
Deus é grande sobre os truques de quem nos ataca!”;
Enviado no dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.20h, com um anexo de uma
fotografia de um dos filhos dos assistentes. (cfr. ponto 5 da pág. 3 e ponto 7 da
pág. 5 da douta sentença).
4)”Parece k continuas a burlar pessoas inocentes
Pessoas inocentes vão pagar essa fatura
Alá não permite que os infiéis roubem
Tens o H... e o I... não te esqueças
Janeiro vai ser negro se não resolveres te garanto”, acrescentando caracteres
da língua árabe. Enviado no dia 31 de Dezembro de 2014, às 04.05h, com o
assunto “Continuas sem resolver” e anexando uma fotografia de um dos filhos
do assistente - vide ponto 6 da pág. 3 e ponto 7 da pág. 5 da douta sentença.
5)”Olá mama
Nos não temos culpa que andes a roubar as pessoas inocentes
Não sejas mau para as pessoas papai
Mae põe a mão na consciência H...” - Enviado no dia 02 de Fevereiro de 2015,
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às 02.59h, com um anexo de uma fotografia do assistente com um dos seus
filhos menores. (cfr. ponto 5 da pág. 3 e ponto 7 da pág. 5 da douta sentença).
6) Do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte
e-mail, no dia 31 de Dezembro de 2014, às 18.34h:
“C... as pessoas não tem culpa da tua ganaçia
Pessoas serias não podem ser burladas
Andais a brincar com o fogo e o dinheiro limpo
Andas a meter familias inocentes numa guerra k tu criaste. Não vais ser
egoísta
Não tens estrutura para guerras
Tens uma familia as costas”. Anexando um foto de um dos filhos menores do
assistentes cfr. ponto 5 e 7 da pág. 5 da douta sentença.
7) Do endereço electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte e-mail, no
dia 24 de Fevereiro de 2015, com o assunto “Palhaços ladroes”:
“Sabes quantos anos aguentam estas fotos
No mínimo 5 anos
Tens 3 sites mundiais que elas estão. Vai procurar
Podeis estar a cagar a foder a dormir
Milhares de predadores estao a bater uma pala deles
Até ao dia em que um os vai visitar, o vicio é uma doença.
Ri agora palhaços ladraos”. Anexando 4 fotos, 3 dos filhos menores dos
assistentes e outra da assistente e de um dos seus filhos menores – vide ponto
6 da pág. 5 e ponto 7 da pág. 6 da douta sentença.
5. O arguido actuou com a intenção concretizada de ofender a honra e
consideração do assistente C..., imputando-lhe factos e apelidando-o com
nomes injuriosos.
6. Mais actuou com a intenção de constranger os assistentes a devolverem-lhe
a quantia que havia entregado para pagamento das peças automóveis que lhes
adquiriu, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer, de forma
idónea, que seria capaz de atentar contra a integridade física dos mesmos e
dos seus familiares, incluindo os dos dois filhos menores, I... e H..., não tendo
logrado o seu desígnio.
7. O arguido acedeu aos perfis de Facebook dos assistentes e do pai do
assistente de onde copiou as fotografias daqueles e dos seus familiares,
incluindo os dois filhos menores, as quais anexou nos e-mails acima
mencionados, quer para dar credibilidade às ameaças, quer para lhes fazer
crer que havia divulgado tais fotos junto de sites de pornografia de menores.
8. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, muito
embora conhecesse o carácter proibido das suas condutas.
Mais se provou que:
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9. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, reconhecendo
o desvalor dos seus comportamentos e manifestando vontade de não voltar a
repeti-los.
10. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
11. O arguido reside sozinho nuns anexos situados na residência dos seus Pais,
encontrando-se desempregado e não tendo rendimentos próprios,
beneficiando do apoio económico dos progenitores e bem assim, dos
rendimentos que retira duma exploração dum turismo de habitação nos meses
de Junho a Agosto, no valor de cerca de € 200,00/mês; não tem filhos, nem
despesas fixas; tem o 12.º ano de escolaridade.
12. Com a conduta do arguido e com as expressões que o mesmo dirigiu ao
assistente, este sentiu-se ofendido com as expressões que o arguido lhe
imputou, e, bem assim angustiado, amedrontado e envergonhado, ficando
entristecido.
III - Ora, entende o Recorrente que a Douta Sentença merece censura,
fazendo uma errada interpretação na subsunção dos factos ao direito.
IV - Dos factos descritos em 3,4,5,6,7,8,9 e 10 da douta sentença apenas se
subsume um crime de Injúria e dois crimes de coação na forma tentada, não
se subsumindo tais factos em quatro crimes de fotografias ilícitas, p. e p. no
artigo 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea b, do Código Penal.
Senão vejamos
V - É sobre o enquadramento jurídico dos emails enviados pelo arguido aos
assistentes com fotografias em anexo dos assistentes e dos seus filhos
menores, que nos iremos debruçar.
VI - In casu, o arguido praticou dois crimes de coacção na forma tentada, p. e
p. no artigo 154.º n.º 1 do Código Penal.
VII - Assim, dispõe o artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal que: “Quem, por meio
de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a
uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade é punido com pena de
prisão até três anos ou com pena de multa”.
VIII - Ainda conforme o disposto no n.º 2 do artigo 154.º a tentativa é punível.
IX -No caso dos autos, o arguido endereçou e-mails para a empresa gerida
pelos assistentes, referindo, nomeadamente, que os mesmos continuavam sem
resolver e, bem assim, referindo “Tens o H... e o I... não te esqueças”- cfr. e-
mail elencado no ponto 4.
X - Assim, ficou provado que o arguido agiu com intenção de constranger os
assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes havia dado para pagamento
das peças, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer que atentaria
contra a sua integridade física, e mesmo, dos seus dois filhos menores e I... e
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H..., não tendo todavia, logrado o seu desígnio, mas sendo uma ameaça
adequada, que apenas não surtiu o efeito desejado, porquanto os assistentes
entregaram a resolução da situação s autoridades.
XI - Assim estão preenchidos os elementos típicos deste tipo de crime,
impondo-se a condenação do arguido pela prática de dois crimes de coação na
forma tentada, por tantos serem os ofendidos.
XII - Nesta esteira de raciocínio, entende o arguido que os emails
anteriormente descritos com anexos das fotografias dos assistentes e dos seus
filhos menores são actos de execução do crime de coacção na forma tentada,
p. e p. no artigo 154.n.º1 e 2.º do Código Penal.
XIII - Define-se a tentativa no n.º 1 do artigo 22.º do Código Penal, segundo o
qual há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que
decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
XIV - Na tentativa verificam-se os elementos da estrutura essencial do crime
em geral: facto ilícito e culpa. O nº 1 do artigo 22.º do Código Penal refere-se
ao facto ilícito: a decisão de cometer o crime e actos de execução do crime que
constituem objecto da decisão voluntária. Os actos de execução dirigem-se à
prática do crime que o agente decidiu cometer (elementos especiais
subjectivos) e esses actos têm de ser dolosos ou seja o agente prevê e quer os
actos de execução como actos meio para realizar o crime que projectou e
decidiu cometer. – Vide pág. 315 do Manual de Direito Penal Português, Teoria
do Crime de Germano Marques da Silva.
XV - Ainda conforme dispõe o artigo 22.º n.º 2, são actos de execução:
a)Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b)Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c)Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis,
forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies
indicadas nas alíneas anteriores.
XVI - In casu, é entendimento do arguido e ora recorrente que estamos
perante actos de execução previstos na alínea a) do nº 2 do artigo 22.º do
Código Penal.
XVII - Alias, como ficou demonstrado e conforme doutamente se afirma na
sentença em apreço, o arguido agiu com intenção de constranger os
assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes havia dado para pagamento
das peças, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer que atentaria
contra a sua integridade física, e mesmo, dos seus dois filhos menores e I... e
H..., não tendo todavia, logrado o seu desígnio, mas sendo uma ameaça
adequada, que apenas não surtiu o efeito desejado, porquanto os assistentes
entregaram a resolução da situação s autoridades.
XVIII - Ora, é defendido pelo aqui recorrente, que as fotografias anexas aos
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emails, eram necessárias para dar credibilidade às suas ameaças, porque
dava-lhes a conhecer que sabia quem eram os filhos dos assistentes e de que
deste modo eles correriam perigo, podendo atentar contra a sua integridade
física, caso não lhes devolvessem a quantia que lhes havia entregue para
aquisição de umas peças e que nunca foram entregues, bem como de os fazer
crer que as fotografias constavam de sites mundiais de pornografia.
XIX - Logo, estas fotografias anexadas aos emails, são actos de execução para
realização do plano do crime que decidiu cometer.
XX - Assim sendo, entende o Recorrente que as fotografias apenas poderiam
ser consideradas como actos de execução no crime de coacção na forma
tentada e que o Tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 199.º, n.ºs 1
e 2, alínea b)do Código Penal, na medida em que o considerou autor material
da pratica de quatro crimes de fotografias ilícitas.
Sem prescindir,
XXI - No caso concreto, o arguido acedeu às fotografias, nomeadamente, de
cada um dos assistentes e, bem assim, os seus dois filhos no facebook, de
modo lícito, porquanto as mesmas estavam num perfil público, livres ao seu
acesso em tal rede social, e enviou – as aos assistentes, para dar credibilidade
de que atentaria contra a sua integridade física, pelo que não foram estas
divulgadas, nem cedidas a terceiros, e por outro lado não pondo em causa o
direito à imagem, porque eram fotografias que os assistentes tinham públicas
no seu facebook e que apenas foram enviadas aos mesmos, (ou seja eram
fotografias dos assistentes e dos seus filhos e que foram enviadas aos
próprios) para que conforme se tem vindo a referir, fazer crer aos assistentes
de que atentaria contra a sua integridade física.
XXII - Deste modo cremos que tais actos integram actos de execução do crime
de coacção na forma tentada e não preenchem os quatro crimes de fotografias
ilícitas conforme resulta da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
XXIII - Pelo exposto, o arguido e ora recorrente deverá ser absolvido da
prática de quatro crimes de fotos ilícitas p. e p. pelo artigo 199. º, n.ºs 1 e 2,
alínea b) do Código Penal.
Sem prescindir,
XXIV - Em cúmulo jurídico decidiu o tribunal a quo aplicar ao arguido, pela
prática dos crimes descritos em i), ii.) e iii), a fls. 16 e 17 da douta sentença,
ao abrigo do disposto no artigo 77.º do Código Penal a pena única de 700 dias
de multa, à taxa diária de € 6,50, num total de € 4.550,00 (quatro mil,
quinhentos e cinquenta euros).
XXV - Assim entende o aqui recorrente que a pena aplicada é demasiado
austera e excessiva tendo em conta os factos dados como provados que se
enunciam:
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a)Confessou integralmente e sem reservas os factos, reconhecendo o desvalor
dos seus comportamentos e manifestando vontade de não voltar a repeti-los.
b)Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
c)O arguido reside sozinho nuns anexos situados na residência dos seus Pais,
encontrando-se desempregado e não tendo rendimentos próprios,
beneficiando do apoio económico dos progenitores e bem assim, dos
rendimentos que retira duma exploração dum turismo de habitação nos meses
de Junho a Agosto, no valor de cerca de € 200,00/mês; não tem filhos, nem
despesas fixas; tem o 12.º ano de escolaridade.
XXVI - Por outro lado a personalidade do agente, a sua integração social, as
suas condições pessoais, nomeadamente, familiares deverão pender a favor do
arguido, bem como o facto de ter demonstrado arrependimento.
XXVII - Assim sendo a pena única resultante do cúmulo jurídico deverá
consequentemente ser reduzida.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO
SUPRIDOS DEVERÃO VS. EXCELÊNCIAS CONCEDER INTEGRAL
PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA
ABSOLVER O ARGUIDO DE QUATRO CRIMES DE FOTOGRAFIAS
ILÍCITAS P. E P. NO ARTIGO 199.º, N.ºS 1 E 2 DO CÓDIGO PENAL, BEM
COM REDUZIR PENA NOS RESTANTES CRIMES EM FOI CONDENADO
POR EXCESSIVA, TENDO EM CONTA A SUA SITUAÇÃO SÓCIO-
ECONOMICA QUE RESULTOU APURADA.
FAZENDO – SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA
C – Respostas ao Recurso
Quer O M. P, junto do tribunal recorrido, quer a assistente, E..., responderam
ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, apesar de aquele não ter
apresentado conclusões.
Esta, concluiu da seguinte forma (transcrição):
A) Entende a Recorrida, salvo douta e melhor opinião em contrário, que não
lhe assiste qualquer razão nos motivos que sustentam o seu recurso.
B) Pese embora, tal como consta do ponto 10 dos factos dados como provados,
as fotografias que o Recorrente anexou aos referidos e-mails fossem utilizadas
para dar credibilidade às ameaças, e para fazer crer nos Recorridos que havia
divulgado tais fotos junto de sites de pornografia de menores, tal não poderá
ser entendido, tal como erroneamente pretende o Recorrente, que essas
situações configuram meros actos de execução do crime de coacção.
C) O crime de fotografias ilícitas, previsto e punível pelo art. 199º, n.º 1 e 2,
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alínea b) do Código Penal tutela o direito à imagem constitucionalmente
consagrado, e protegido também pelo art. 79º do Código Civil, segundo o qual
o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no
comércio sem o seu consentimento.
D) Tendo em conta o bem jurídico que aquela norma legal pretende acautelar,
basta que se verifique uma situação de utilização de fotografias de uma
determinada pessoa, sem que esta tenha dado o seu consentimento, para que
se preencha o tipo legal de crime, E isso, independentemente da finalidade
com que são utilizadas essas fotografias.
E) Pese embora o Recorrente tenha utilizado as referidas fotografias para dar
credibilidade às ameaças que dirigiu aos Recorridos, o que é certo é que as
utilizou sem que para tal tenha obtido o necessário consentimento dos visados.
F) Evidente se torna que o Recorrente, ao utilizar as fotografias dos
Recorridos e dos seus filhos menores, “agrediu” o bem jurídico que a norma
do art. 199º do Código Penal pretende proteger.
G) Pese embora se tratassem de fotografias que constavam do perfil do
facebook de cada um dos visados, nem por isso o Recorrente as poderia
utilizar dada a previsão constante da parte final da alínea b) do n.º 2 do
referido art. 199º (“mesmo que licitamente obtidos”).
H) Dever-se-á manter a condenação do mesmo pela prática de quatro crimes
de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo 199º, n.º 1 e 2, alínea b) do
Código Penal.
I) O Recorrente não contesta nenhuma das penas parcelares nas quais foi
condenado, nomeadamente, não se insurge, nem contra o número de dias de
pena de multa fixado para cada um dos crimes, nem contra o respectivo
quantitativo diário.
j) Somente temos de ter em conta os limites, mínimo e máximo, da moldura
abstracta aplicável no âmbito da pena única a fixar ao aqui Recorrente, em
cúmulo jurídico.
K) Atendendo ao disposto no art. 77º do Código Penal, o limite mínimo é
constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas, e o limite máximo
corresponde à soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos
ilícitos.
L) No caso concreto o limite mínimo da pena única seria fixado em 200 dias de
multa à taxa diária de 6,50€ - montante total de 1300€ - e o limite máximo em
960 dias à taxa diária de 6,50€ - montante total de 6.240,00€.
M) Atendendo a esta moldura penal e tendo em conta a gravidade dos factos
praticados pelo Recorrente, porque tratam-se de condutas reiteradas e
durante um período de tempo ainda relativamente dilatado, além de que,
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conforme ficou demonstrado nos autos, o Recorrente criou contas de e-mails
especificamente com o intuito de coagir os Recorridos, com nomes que em
nada o relacionavam consigo, com o objectivo de evitar que estes pudessem
associar o Recorrente a esses mesmos e-mails, sendo que, para além disso, o
Recorrente era uma pessoa cujo rosto não era conhecido dos Recorridos, pelo
que, mesmo que se cruzassem com ele num qualquer local, público ou privado,
jamais o conseguiriam reconhecer e tomar precauções para a eventualidade
de aquele pretender concretizar as ameaças,
N) Todos aqueles aspectos nos permitem concluir que a pena única aplicada
ao Recorrente, em cúmulo jurídico, é perfeitamente justificada e justa, não
merecendo qualquer reparo ou contestação por parte daquele.
O) Deverá ser negado provimento ao que pelo mesmo é doutamente requerido,
mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, por conter uma
correcta valoração de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.
TERMOS EM QUE
Deverá o recurso agora interposto ser julgado improcedente e,
consequentemente, deverá ser mantida a douta sentença proferida pelo
Tribunal a quo, nos seus exactos termos, por conter uma correcta valoração de
direito, não merecendo qualquer censura.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
D – Tramitação subsequente
Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto,
que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foram apresentadas
respostas.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em
conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre
apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada
pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que
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constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007,
proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://
www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica
pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta
matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente
extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento
oficioso.
Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das
suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem,
este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência,
deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2
do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da
Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de
algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP,
ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do
Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas
situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2
do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar da sentença
recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugado com as
regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer
elementos que à mesma sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova
feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras
de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os
factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se
chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados
como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª
Instância sobre a matéria de facto.
Não se verifica, também, a inobservância de requisito cominado sob pena de
nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP)
Posto isto, o objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, nas
quais se solicita a apreciação das seguintes matérias:
1) Absolvição pelo crime de fotografias ilícitas
2) Diminuição da pena única
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B – Apreciação
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em
termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):
1. Fundamentação de Facto
A. Factos Provados
Observado o legal formalismo, procedeu-se a julgamento e, discutida a causa,
provaram-se os seguintes factos:
1. No início de Outubro de 2014, o arguido adquiriu diversas peças de
automóveis à empresa “D..., Lda.”, gerida pelos assistentes C... e E....
2. Na sequência desse negócio, o arguido e os assistentes desentenderam-se,
sendo que aquele acusa estes últimos de o terem enganado, convencendo-o a
pagar a quantia de € 3.973,01 (três mil novecentos e setenta e um euros e um
cêntimo) para a aquisição de peças de automóvel que nunca lhe foram
entregues.
3. Nessa sequência, o arguido começou a enviar e-mails dos endereços de
correio electrónico que criou para o efeito para o endereço de correio
electrónico da empresa referida em 1.º [email protected].
4. Assim, do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou os
seguintes e-mails:
1) No dia 25 de Dezembro de 2014, às 12.23h:
“Oh careca nao estamos eskecidos de ti
As prendas vao te chegar a casa
Ate o cao vai ter direito a prenda”;
2) No dia 25 de Dezembro de 2014, às 23.49h:
“Estamos a tomar conta de ti
Estas descansado
Nos vamos te aparecer”;
3) No dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.06h, com o assunto “Nao burles as
pessoas serias”:
“Andais a brincar com dinheiro honesto
A vigarice deixa faturas com marcas
Se homem e resolve
Alá vai nos unir a todos”;
4) No dia 27 de Dezembro de 20014, às 07.13h, com o assunto “Bilhaqqi Saufa
Fasaufa Afnihi Mai”:
O nosso destino esta cruzado
Por bem ou mal
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As nossas familias estao pelo nosso sacrificio”, acrescentando caracteres em
língua árabe;
5) No dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.20h:
“A avareza tem um preço
A vigarice tem faturas caras
Não brinkes com Ala o grande
Estamos todos juntos e o destino será nosso
Todos sacrificamos
Deus é grande, Deus é grande
Deus está acima das artimanhas de qualquer intruso,
E Deus é o melhor ajudante para os oprimidos,
Com certeza e com armas eu devo defender
Minha nação, a luz da verdade está brilhando na minha mão;
Diga comigo, diga comigo:
Deus é grande, Deus é grande, Deus é maior!
Deus é grande sobre os truques de quem nos ataca!”;
6) No dia 31 de Dezembro de 2014, às 04.05h, com o assunto “Continuas sem
resolver”:
“Parece k continuas a burlar pessoas inocentes
Pessoas inocentes vao pagar essa fatura
Alá nao permite que os infieis roubem
Tens o H... e o I... nao te esqueças
Janeiro vai ser negro se não resolveres te garanto”, acrescentando caracteres
da língua árabe;
7) No dia 03 de Janeiro de 2015, às 09.42h, com o assunto “Nao burles as
pessoas serias”:
“Ha momentos na vida que as pessoas honestas e serias encontram vigaristas
pela frente.
Ha momentos em que vigaristas encontram malucos pela frente
Deste mal ninguem esta livre
Tens que ser mais homem, e nao enganar as pessoas que ajudam a tua familia”
;
8) No dia 05 de Janeiro de 2015, às 21.16h, com o assunto “Nao burles as
pessoas serias”:
“Palhaço diz a hora e onde
Ou keres em tua casa
Responde
Diz k nos vamos ter contigo”;
9) No dia 16 de Janeiro de 2015, às 02.09h:
“Vai cair merda da grossa em cima de ti e da puta da tua mulher que te
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encorna valente oh gordo Guerra é guerra
E vai valer tudo espero que tenhas uma canhota no minimo nos vamos com
tudo careca
No supermercado
No café
Na escola
Nas bombas de gasolina
No café
Vamos te aparecer
O vosso destino esta traçado, não ides ter paz e tens uma igreija a porta de
casa pecadores infeis”; j) No dia 16 de Janeiro de 2015, às 03.56h, com o
assunto: “Estamos aqui ladrao”:
“Paga o que deves as pessoas inocentes vigarista
Ouço o teu ressonar no pinhal
Criminoso vigarista paga o que deves
Vais ter visitas em breve
Podes fugir para onde tu quiseres nos vamos te encontrar onde tu estiveres
em breve te vamos mostrar isso ladrao”;
10) No dia 02 de Fevereiro de 2015, às 02.59h, com o assunto “Ola papa e
mama”:
“Olá mama
Nos não temos culpa que andes a roubar as pessoas inocentes
Papai nos somos inocentes
Nao sejas mau para as pessoas papai
Mae poe a mao na consciência H...”.
5. Do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte
e-mail, no dia 31 de Dezembro de 2014, às 18.34h:
“C... as pessoas nao tem culpa da tua ganaçia
Pessoas serias não podem ser burladas
Andas a brincar com o fogoe o dinheiro limpo
Andas a meter familias inocentes numa guerra k tu criaste. Nao vais ser
egoista
Nao tens estrutura para guerras
Tens uma familia as costas”.
6. Do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte
e-mail, no dia 24 de Fevereiro de 2015, com o assunto “Palhaços ladroes”:
“Sabes quantos anos aguentam estas fotos
No minimo 5 anos
Tens 3 sites mundiais que elas estao. Vai procurar
Podeis estar a cagar a foder a dormir
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Milhares de predadores estao a bater uma pala deles
Até ao dia em que um os vai visitar, o vício é uma doença.
Ri agora palhaços ladraos”.
7. Em alguns daqueles e-mails, o arguido anexou fotos de familiares dos
assistentes, as quais retirou das páginas de perfil do Facebook dos assistentes
e do pai do assistente, designadamente:
- no e-mail identificado em 3), anexou uma foto do assistente com um dos
filhos menores;
- no e-mail identificado em 4), anexou uma foto da assistente;
- no e-mail identificado em 5), anexou uma foto de um dos filhos menores dos
assistentes;
- no e-mail identificado em 6), anexou uma foto com um dos filhos menores dos
assistentes;
- no e-mail identificado em 7), anexou uma foto dos pais do assistente;
- no e-mail identificado em 10), anexou uma foto do assistente com um dos
filhos menores;
- no e-mail identificado em 11), anexou uma foto de um dos filhos menores dos
assistentes; e
- no e-mail identificado em 6., anexou quatro fotos, três dos filhos menores dos
assistentes e outra do assistente e de um dos seus filhos menores.
8. O arguido actuou com a intenção concretizada de ofender a honra e
consideração do assistente C..., imputando-lhe factos e apelidando-o com
nomes objectivamente injuriosos.
9. Mais actuou com a intenção de constranger os assistentes a devolverem-lhe
a quantia que havia entregado para pagamento das peças automóveis que lhes
adquiriu, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer, de forma
idónea, que seria capaz de atentar contra a integridade física dos mesmos e
dos seus familiares, incluindo os dois filhos menores, I... e H..., não tendo
logrado o seu desígnio.
10. O arguido acedeu aos perfis de Facebook dos assistentes e do pai do
assistente de onde copiou as fotografias daqueles e dos seus familiares,
incluindo os dois filhos menores, as quais anexou nos e-mails acima
mencionados, quer para dar credibilidade às ameaças, quer para lhes fazer
crer que havia divulgado tais fotos junto de sites de pornografia de menores,
bem sabendo que o fazia sem consentimento dos assistentes, por si e em
representação dos filhos menores.
11. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, muito
embora conhecesse o carácter proibido das suas condutas.
Mais se provou que:
12. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos,
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reconhecendo o desvalor dos seus comportamentos e manifestando vontade de
não voltar a repeti-los.
13. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
14. O arguido reside sozinho nuns anexos situados na residência dos seus
Pais, encontrando-se desempregado e não tendo rendimentos próprios,
beneficiando do apoio económico dos progenitores e, bem assim, dos
rendimentos que retira duma exploração dum turismo de habitação nos meses
de Junho a Agosto, no valor de cerca de € 200,00/mês; não tem filhos, nem
despesas fixas; tem o 12.º ano de escolaridade.
15. Com a conduta do arguido e com as expressões que o mesmo dirigiu ao
assistente, este sentiu-se ofendido com as expressões que o arguido lhe
imputou, e, bem assim angustiado, amedrontado e envergonhado, ficando
entristecido.
*
B. Factos Não Provados
Não se provou que o assistente ficou deprimido devido à conduta do arguido.
Estabelecida a base factual pela sentença em análise, importa apreciar da
bondade do peticionado pelo recorrente:
B.1. Da absolvição do crime de fotografias ilícitas
Invoca o recorrente, que os factos descritos nos nsº 3 a 10 da factualidade
apurada apenas se devem subsumir a um crime de injúria e dois crimes de
coação na forma tentada, e não já, a quatro crimes de fotografias ilícitas, p.p.,
no Artº 199 nsº1 e 2 al. b) do C. Penal.
Argumenta, para tanto, que os e-mails por si enviados para a empresa gerida
pelos assistentes, contendo anexos com fotografias destes e dos seus filhos
menores, apenas devem ser considerados como actos de execução do crime de
coacção na forma tentada, porquanto a sua intenção, ao assim proceder, foi
apenas a de constranger os assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes
havia dado para pagamento das peças, provocando-lhes medo e inquietação,
fazendo-os crer que atentaria contra a sua integridade física e dos seus dois
filhos menores, ameaça que era adequada a tal desígnio e que somente não
surtiu o efeito desejado, na medida em que os assistentes entregaram a
resolução da situação às autoridades.
Mais defende, que as referidas fotografias, anexas aos emails, eram
necessárias para dar credibilidade às suas ameaças, porque davam a conhecer
aos assistentes que o ora recorrente sabia quem eram os filhos daqueles e
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que, deste modo, eles correriam perigo, já que poderia atentar contra a sua
integridade física, fazendo-os acreditar que tais fotografias constavam de sites
mundiais de pornografia.
Está assim preenchida, em seu entender, a previsão normativa do Artº 154
nºs1 e 2 do C. Penal, constituindo a descrita conduta, a prática de actos de
execução do crime de coacção tentada, tal como definidos na al. a) do Artº 22
daquele diploma legal.
Refere ainda o recorrente, que acedeu às ditas fotografias de modo lícito,
através de um perfil público, de livre acesso, como o Facebook, não tendo as
mesmas sido divulgadas ou cedidas a terceiros, mas apenas aos próprios, pelo
que não foi posto em causa o direito à imagem delas decorrente.
Deste modo, concluiu pela sua absolvição em relação ao cometimento de
quatro crimes de fotos ilícitas, p.p., pelo Artº 199 nsº1 e 2 al. b) do C. Penal.
Sobre o preenchimento destes dois tipos de crime, escreveu-se na decisão
recorrida (transcrição):
a) Crime de Coacção tentada:
O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de dois crimes de
coacção na forma tentada, p. e p., pelo artigos 154.º, n.º 1, do Código Penal.
Dispõe o artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal que: “Quem, por meio de
violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma
acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão
até três anos ou com pena de multa”.
Considerando o teor do n.º 2 do artigo 154.º, a tentativa é punível.
Nestes termos, conclui-se que a ameaça ou a violência empregues têm em
vista um desígnio que é o de constranger uma pessoa a adoptar um
determinado comportamento.
No caso dos autos, o arguido endereçou e-mails para a empresa gerida pelos
assistentes, referindo, nomeadamente, que os mesmos continuavam sem
resolver e, bem assim, referindo “Tens o H... e o I... não te esqueças” [cfr. e-
mail elencado no ponto 4., 6)].
Ficou, assim, provado que o arguido agiu com intenção de constranger os
assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes havia dado para pagamento
das peças, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer que atentaria
contra a sua integridade física e, mesmo, dos seus dois filhos menores I... e
H..., não tendo, todavia, logrado o seu desígnio, mas sendo uma ameaça
adequada, que apenas não surtiu o efeito desejado, porquanto os assistentes
entregaram a resolução da situação às autoridades.
Nestes termos, estão preenchidos os requisitos típicos deste tipo de crime,
impondo-se a condenação do arguido pela prática de dois crimes de coacção
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na forma tentada, por tantos serem os ofendidos.
b) Crime de Fotografias Ilícitas:
Vem ainda o arguido acusado da prática de quatro crimes de fotografias
ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.
Tal preceito tem duas incriminações autónomas, respeitantes, por um lado, a
gravações (n.º 1) e em fotografias (n.º 2).
Respeita, nomeadamente, à utilização de fotografias sem consentimento dos
seus titulares, ainda que obtidas licitamente, visando-se proteger o direito à
imagem, enquanto direito fundamental, que pode compreender duas
vertentes: o direito de registar/captar a imagem, que até pode ser lícito,
mediante o consentimento da pessoa captada e, noutra vertente, o uso de
fotografias, contra a vontade do retratado, ainda que licitamente obtidas,
designadamente por terem sido recolhidas pelo próprio retratado.
As novas tecnologias, nomeadamente o uso de redes sociais, impõem, na
actualidade, a especial protecção do direito à imagem.
No caso concreto, o arguido acedeu às fotografias contendo, nomeadamente,
cada um dos assistentes e, bem assim, os seus dois filhos no facebook, de
modo lícito, porquanto as mesmas estavam livres ao seu acesso em tal rede
social, o que lhe permitiu visualizá-las.
Contudo, tal não permitia ao arguido captá-las (o que cremos ser equivalente
ao acto de fotografá-las) para si, porquanto não tinha consentimento dos
visados para tanto, fazendo-o contra vontade dos mesmos, guardando-as e
anexando-as aos e-mails que anonimamente endereçou aos assistentes, o que
se traduz, assim, numa utilização proibida nos termos definidos no artigo
199.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, o que o arguido não podia
desconhecer, tendo o mesmo, aliás, admitido, mediante a confissão integral e
sem reservas que realizou em audiência de discussão e julgamento, que sabia
não ter consentimento dos assistentes por si e em representação dos seus dois
filhos menores para utilizar as fotografias, sabendo que actuava de modo
proibido e punido por lei.
Nestes termos, cremos estarem verificados todos os elementos típicos
(objectivos e subjectivos) deste tipo de crime, impondo-se, consequentemente,
a condenação do arguido pela prática de quatro crimes de fotografias ilícitas
que lhe vinham imputados, por tantos serem os ofendidos (cada um dos
assistentes e os dois filhos de ambos).
O recorrente não coloca em causa o preenchimento típico, com a sua conduta,
do crime de coacção tentada, p.p., pelo Artº 154 nsº1 e 2 do C. Penal, mas,
apenas, a sua condenação pela prática do crime de fotografias ilícitas, p.p.,
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pelo Artº 199 do mesmo Código, entendendo que a sua conduta está
consumida como actos de execução do crime de coacção tentada.
Diz-nos o Artº 199 do C. Penal, sob a epígrafe “Gravações e fotografias ilícitas”
“1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público,
mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea
anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha
legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea
anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º”
Nesta previsão normativa, o bem jurídico tutelado é, como se sabe, o direito à
imagem, também protegido pelo Artº 79 do C. Civil e constitucionalmente
consagrado, nos termos do qual, a fotografia de uma pessoa não pode ser
exposta, exibida, mostrada, reproduzida ou lançada no comércio, sem o seu
consentimento, ainda que tenha sido obtida de forma lícita.
Quem assim proceder, ainda que a tenha obtido de forma lícita e
independentemente do propósito que o norteia, ou da finalidade pretendida
com a exibição dessa fotografia, ou seja, quem utilizar fotografias de alguém
sem o consentimento do próprio, incorre na al. b) do nº2 da norma supra
transcrita.
O direito à imagem é um bem jurídico pessoal, com expressão directa da
personalidade de qualquer sujeito, cuja tutela penal assenta no consentimento
do próprio em relação a esse reduto da sua intimidade/privacidade, ou, dito de
outro modo, no reconhecimento à pessoa do domínio exclusivo sobre a sua
própria imagem, cabendo-lhe a ela e apenas a ela, decidir quem pode gravar,
registar, utilizar, ou divulgar a sua imagem.
Ora, ainda que o arguido tenha acedido às mencionadas fotografias dos
assistentes e dos filhos destes de forma livre e pública, por isso lícita – através
do Facebook daqueles – e de apenas as ter enviado aos próprios e não a
terceiros, não menos certo é, que para tal procedimento nunca contou com o
consentimento daqueles, que com essa conduta nunca concordariam.
O facto de as fotografias estarem livremente acessíveis no Facebook não dava
ao recorrente qualquer legitimidade para fazer cópias informáticas das
mesmas, anexá-las a e-mails e enviá-los aos assistentes, configurando essa
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conduta uma utilização ilícita das referidas fotografias, por ter sido feita
contra a vontade de quem elas retratavam.
Por outro lado, ainda que se aceite que a utilização pelo recorrente das
fotografias dos assistentes e dos filhos destes, teve como propósito dar
credibilidade às ameaças que lhes dirigiu, a verdade, indiscutível, é que essa
utilização não foi precedida de qualquer autorização ou consentimento dos
visados, o que, de forma linear, preenche a conduta normativa do Artº 199 do
C. Penal, por ter sido agredido o bem jurídico por ela protegido.
O qual, note-se, é bem diverso do estatuído pelo crime de coacção, previsto no
Artç 154 do mesmo diploma legal, que é, como se sabe, a liberdade de decisão
e de acção.
Estão assim em causa bens jurídicos distintos, o que, desde logo, impediria
que se pudesse considerar a conduta do arguido, como pretende o recorrente,
como meros actos de execução do crime de coacção tentada, conclusão
reforçada pela evidência de que o fim por aquele pretendido – constranger os
assistentes a devolver-lhe a quantia que havia entregue para pagamento das
peças automóveis que lhes adquiriu, provocando-lhes medo e inquietação e
fazendo-os crer, de forma idónea, que seria capaz de atentar contra a
integridade física dos mesmos e dos seus familiares, incluindo os dois filhos
menores – foi desde logo obtido pelo texto dos ditos emails- enviados aos
assistentes, nos quais eram feitas as referenciadas ameaças com que o
arguido pretendia constrange-los ao comportamento desejado.
Com o envio de tais emails, deles constando o conteúdo reproduzido na
factualidade apurada, o arguido e ora recorrente, preencheu, por si só e sem
recurso às aludidas fotografias, o crime de coacção, na forma tentada, com o
qual e mau grado a adequação das ameaças, só não conseguiu obter os seus
desígnios porquanto os assistentes entregaram a resolução da situação às
autoridades.
A anexação das fotografias aos ditos emails não se revela, por isso e ao
contrário do defendido pelo recorrente, como instrumental de um crime que,
apenas pelo texto daqueles, o arguido já havia cometido, sem necessidade, por
isso, desse recurso, o qual, ao invés, desenha um acervo factual que se traduz
no cometimento de um crime diverso, por tutelar um outro e diferente bem
jurídico.
Nesta medida, bem andou o tribunal a quo ao considerar que a descrita
conduta do arguido deve ser punida nos termos do Artº 199 nº2 al. b) do C.
Penal, sendo quatro os crimes assim cometidos pelo recorrente, por serem
quatro o número de ofendidos.
B.2. Medida da pena única
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Por fim, solicita o arguido a diminuição da pena única que lhe foi aplicada, por
a considerar demasiado austera e excessiva, tendo em conta a confissão, a
manifestação de arrependimento, a ausência de antecedentes criminais, a sua
integração familiar e social, e a sua precária situação económica.
O recorrente não impugna as penas parcelares por cada um dos crimes pelos
quais foi condenado - com excepção, naturalmente, das relativas aos crimes de
gravações e fotografias ilícitas de que pretende ser absolvido, matéria tratada
no segmento antecedente – nem o respectivo quantitativo diário.
Recorda-se que o arguido foi condenado em 80 dias de multa pelo crime de
injúria, 200 dias de multa por cada um dos quatro crimes de coacção na forma
tentada, e 120 dias de multa por cada um dos quatro crimes de fotografias
ilícitas, sempre à taxa diária de € 6,50, tendo-se fixado a pena única em 700
dias de multa, à mesma taxa, o que perfaz o total de € 4.550,00.
Este cúmulo jurídico – pois só esta determinação de pena é que é objecto de
recurso – foi deste modo justificado na sentença sindicada (transcrição):
III – Cúmulo Jurídico de Penas:
Dispõe o artigo 77.º do Código Penal que: “quando alguém tiver praticado
vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é
condenado numa única pena.”.
Assim, de acordo com o n.º 2 do preceito referido, dever-se-á proceder à
fixação das penas parcelares respeitantes a cada um dos crimes em concurso –
o que já foi feito – e, posteriormente, somam-se as penas concretamente
aplicadas a cada um dos ilícitos, obtendo-se o limite superior da moldura
abstracta aplicável (dentro dos limites absolutos aí expressamente previstos).
O limite mínimo é constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas.
Encontrada desta forma a moldura abstracta, a pena única é determinada nos
termos da última parte do n.º 1, isto é, considerando, “em conjunto, os factos e
a personalidade do agente”.
Tendo em atenção o exposto, face ao limite mínimo de 200 dias de multa e o
máximo de 960 dias de multa, reputa-se justo fixar a pena única em 700
dias de multa, à referida razão diária de € 6,50, o que perfaz o total de
€ 4.550,00 (quatro mil, quinhentos e cinquenta euros).
Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos
termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial
que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime,
não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta
do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e
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ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As
consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs:
«As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena,
abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função
tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada
;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e
quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-
criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do principio
constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo
comando)
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que
irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida
concreta da pena»
Importa ainda ter em conta que:
«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de
uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos
danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade
humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a
delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que
social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda
realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às
necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único
entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela
de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na
comunidade» /Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág.
182» – Ac. do STJ de 4-10-07, Proc. nº 2692/07 - 5ª).
O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no Artº 77º do
Código Penal, adoptando o sistema da pena conjunta, rejeita uma visão
atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a
possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse
bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.
Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a
cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a
moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios
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legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.
Nesta segunda fase, quem julga há-de descer da ficção, da visão
compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na
unicidade do sujeito em julgamento, sendo que esta perspectiva nova,
conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova
conexão de sentido.
Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos
tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a
reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso.
A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa
pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos que estão em relação entre si, afinal
e numa palavra, a valoração conjunta dos factos e da personalidade de que
fala o Código Penal.
Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto,
que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende
sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores
relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que
respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à
prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos
considerados no seu significado conjunto.
Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa
perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e
dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado
profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à
dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.
Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no
denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos
estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa
expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela
dependência de vida em relação àquela actividade.
O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma
ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente
próximos ou distantes, tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo
crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza e tanto
pode ser formado por um número reduzido de crimes, como englobar
inúmeros crimes.
No sistema português, de cúmulo jurídico e não material, é forçoso concluir
que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só
pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo
respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas
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enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento
delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em
conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, pois só
essa avaliação conjunta pode fornecer a gravidade global do ilícito perpetrado.
In casu, é indiscutível, que as condutas em causa revelam especial
censurabilidade, particularmente, no que se refere aos dois crimes de
coacção, em que os meios utilizados pelo recorrente se revelam
particularmente gravosos, quando dá a entender aos assistentes que as
fotografias dos seus filhos haviam sido colocadas em sites mundiais de
pornografia infantil, com todo o peso que isto tem no mundo actual.
Por outro lado, o comportamento delitivo é reiterado e prolonga-se durante
algum tempo, o que lhe aumenta a gravidade intrínseca.
De todo o modo, o arguido confessou os factos, integralmente e sem reservas,
e reconheceu o seu desvalor social, o que denuncia a interiorização da
gravidade acima mencionada, expressa na manifestação de vontade de não os
voltar a repetir.
Acresce, que não tem antecedentes criminais, mostra-se integrado, familiar e
socialmente, tendo-se apurado que a sua situação económica é precária, na
medida em que está desempregado, vive nuns anexos na residência dos seus
pais, não tem rendimentos próprios a não ser € 200,00/mês nos meses de
Julho e Agosto, e beneficia do apoio económico dos progenitores, não tendo
filhas nem despesas fixas.
Ponderando a globalidade dos factos e a personalidade do agente e tendo em
conta as balizas do cúmulo jurídico – entre 200 e 960 dias de multa, nos
termos do nº2 do Artº 77 do C. Penal – entende-se que a pena única fixada
pela instância recorrida, de 700 dias, se mostra algo excessiva aos vectores
supra mencionados, padecendo de uma severidade que redunda em manifesta
desproporcionalidade em relação, quer à personalidade do agente revelada
nos factos, quer no respeita às suas condições pessoais e económicas e ao
modo como se posiciona perante os crimes por si cometidos, concluindo-se
assim que a pena única fixada pela instância recorrida deve ser corrigida, por
ultrapassar a medida da culpa do arguido.
Assim sendo, e tendo por referência o valor correspondente a metade das
penas parcelares em causa, à qual acrescerá uma de valor superior – e que
define o valor mínimo do cúmulo jurídico – encontra-se um montante genérico,
o qual, sopesado com a personalidade do agente e o conjunto dos factos
cometidos, se crê proporcional a esses factores, satisfazendo-se as exigências
de prevenção geral e especial que no caso concorrem, bem como, as
finalidades punitivas.
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Nesta medida, julga-se adequado cristalizar a culpa do arguido na pena única
de 580 dias à taxa diária de € 6,50, o que perfaz a multa global de € 3.770,00.
Procede, pois, o recuso, parcialmente.
3. DECISÃO
Nestes termos, concede-se parcial provimento ao recurso e em
consequência, fixa-se ao arguido, em cúmulo jurídico (pelas penas
parcelares fixadas pela instância recorrida em relação aos crimes de injúria,
coacção na forma tentada e fotografias ilícitas, pelos quais foi condenado), a
pena única de 580 (quinhentos e oitenta) dias, à taxa diária de € 6,50
(seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa global de €
3.770,00 (três mil setecentos e setenta euros).
Sem custas.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP,
que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto
pelos signatários.
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Porto, 12 de Julho de 2017
Renato Barroso
Luís Coimbra
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