tribunal da relação do porto processo nº 47/15.2t9agd.p1

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 47/15.2T9AGD.P1 Relator: RENATO BARROSO Sessão: 12 Julho 2017 Número: RP2017071247/15.2T9AGD.P1 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REC PENAL Decisão: PROVIMENTO PARCIAL CRIME FOTOGRAFIAS ILÍCITAS FACEBOOK CÓPIAS INFORMÁTICAS Sumário Constitui o crime do artº 199º CP (fotogra as ilícitas), a realização de cópias informáticas de fotogra as existentes dos lesados e dos lhos e livremente acessíveis no Facebook daqueles e o seu envio posterior aos próprios por email, por ter sido feita contra a vontade de quem elas retractavam. Texto Integral Proc. 47/15.2T9AGD.P1 1ª Secção ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum singular nº 47/15.2T9AGD, da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Águeda, foi o arguido B..., condenado, pela prática, em autoria material e concurso real, de: - um crime de injúria , p.p. pelo Artº 181 nº1 do C. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta 1 / 25

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Page 1: Tribunal da Relação do Porto Processo nº 47/15.2T9AGD.P1

Tribunal da Relação do PortoProcesso nº 47/15.2T9AGD.P1

Relator: RENATO BARROSOSessão: 12 Julho 2017Número: RP2017071247/15.2T9AGD.P1Votação: UNANIMIDADEMeio Processual: REC PENALDecisão: PROVIMENTO PARCIAL

CRIME FOTOGRAFIAS ILÍCITAS FACEBOOK

CÓPIAS INFORMÁTICAS

Sumário

Constitui o crime do artº 199º CP (fotografias ilícitas), a realização de cópias

informáticas de fotografias existentes dos lesados e dos filhos e livremente

acessíveis no Facebook daqueles e o seu envio posterior aos próprios por

email, por ter sido feita contra a vontade de quem elas retractavam.

Texto Integral

Proc. 47/15.2T9AGD.P1

1ª Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 47/15.2T9AGD, da Comarca de Aveiro, Juízo

Local Criminal de Águeda, foi o arguido B..., condenado, pela prática, em

autoria material e concurso real, de:

- um crime de injúria, p.p. pelo Artº 181 nº1 do C. Penal, na pena de 80

(oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta

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cêntimos);

- dois crimes de coacção na forma tentada, p.p. pelos Artsº 154 nº1, 22 e 23

nº1, todos do C. Penal, na pena, por cada um, de 200 (duzentos) dias de

multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);

- quatro crimes de fotografias ilícitas, p.p. pelo Artº 199 nsº1 e 2 al. b) do C.

Penal, na pena, por cada um, de 120 (cento e vinte) dias de multa, à

taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

Em cúmulo jurídico na pena única de 700 (setecentos) dias de multa, à

taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no total de €

4.550,00 (quatro mil quinhentos e cinquenta euros).

Mais foi condenado a pagar ao demandante C..., a quantia de € 450,00

(quatrocentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não

patrimoniais, acrescida de juros civis contados desde a data da sentença.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as

respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

I - O Tribunal a quo condenou o arguido como autor material, em concurso

efectivo pela prática de dois crimes de coacção tentada, p. e p. pelos artigos

154.º, nº 1, 22.º e 23.º, nº1, do Código Penal, quatro crimes de gravações e

fotografias ilícitas, p. e p. pelos artigos 199.º,n.ºs 1 e 2,alínea b), do Código

Penal e de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.

II - Conforme resulta da Douta Sentença, provaram-se os seguintes factos:

1. No inicio de Outubro de 2014, o arguido adquiriu diversas peças de

automóveis à empresa D..., Lda.”, gerida pelos assistentes C... e E....

2. Na sequência desse negócio, o arguido e os assistentes desentenderam-se,

sendo que aquele acusa estes últimos de o terem enganado, convencendo-o a

pagar a quantia de € 3.973,01 (três mil novecentos e setenta e um euros e um

cêntimo) para a aquisição de peças automóvel que nunca lhe foram entregues.

3. Nessa sequência, o arguido começou a enviar e-mails dos endereços de

correio electrónico que criou para o efeito para o endereço de correio

electrónico da empresa referida em 1.º [email protected].

4. Assim, do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou

entre outros, os seguintes e-mails, aos quais anexou fotografias dos

assistentes e dos seus filhos menores e que transcrevemos.

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1)“Andais a brincar com dinheiro honesto

A vigarice deixa faturas com marcas

Se homem e resolve

Alá vai nos unir a todos” – Enviado no dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.06h,

com o assunto “Não burles pessoas serias”cfr. Pág. 3 da douta sentença.

Anexando uma foto do assistente com um dos seus filhos menores.

2)”O nosso destino esta cruzado

Por bem ou mal

As nossas familias estao pelo nosso sacrifício”, acrescentando caracteres em

língua árabe e enviado no dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.13h com o

assunto “Bilhaqqi Saufa Fasaufa Afnihi Mai”, cfr. ponto 4 da pág. 3 da douta

sentença. Anexando uma foto da assistente.

3)”A avareza tem um preço

A vigarice tem faturas caras

Não brinkes com Ala o grande

Estamos todos juntos e o destino será nosso

Todos sacrificamos

Deus é grande, Deus é grande

Deus está acima das artimanhas de qualquer intruso,

E Deus é o melhor ajudante para os oprimidos,

Com certeza e com armas eu devo defender

Minha nação, a luz da verdade está brilhando na minha mão;

Diga comigo, diga comigo:

Deus é grande, Deus é grande, Deus é maior;

Deus é grande sobre os truques de quem nos ataca!”;

Enviado no dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.20h, com um anexo de uma

fotografia de um dos filhos dos assistentes. (cfr. ponto 5 da pág. 3 e ponto 7 da

pág. 5 da douta sentença).

4)”Parece k continuas a burlar pessoas inocentes

Pessoas inocentes vão pagar essa fatura

Alá não permite que os infiéis roubem

Tens o H... e o I... não te esqueças

Janeiro vai ser negro se não resolveres te garanto”, acrescentando caracteres

da língua árabe. Enviado no dia 31 de Dezembro de 2014, às 04.05h, com o

assunto “Continuas sem resolver” e anexando uma fotografia de um dos filhos

do assistente - vide ponto 6 da pág. 3 e ponto 7 da pág. 5 da douta sentença.

5)”Olá mama

Nos não temos culpa que andes a roubar as pessoas inocentes

Não sejas mau para as pessoas papai

Mae põe a mão na consciência H...” - Enviado no dia 02 de Fevereiro de 2015,

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às 02.59h, com um anexo de uma fotografia do assistente com um dos seus

filhos menores. (cfr. ponto 5 da pág. 3 e ponto 7 da pág. 5 da douta sentença).

6) Do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte

e-mail, no dia 31 de Dezembro de 2014, às 18.34h:

“C... as pessoas não tem culpa da tua ganaçia

Pessoas serias não podem ser burladas

Andais a brincar com o fogo e o dinheiro limpo

Andas a meter familias inocentes numa guerra k tu criaste. Não vais ser

egoísta

Não tens estrutura para guerras

Tens uma familia as costas”. Anexando um foto de um dos filhos menores do

assistentes cfr. ponto 5 e 7 da pág. 5 da douta sentença.

7) Do endereço electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte e-mail, no

dia 24 de Fevereiro de 2015, com o assunto “Palhaços ladroes”:

“Sabes quantos anos aguentam estas fotos

No mínimo 5 anos

Tens 3 sites mundiais que elas estão. Vai procurar

Podeis estar a cagar a foder a dormir

Milhares de predadores estao a bater uma pala deles

Até ao dia em que um os vai visitar, o vicio é uma doença.

Ri agora palhaços ladraos”. Anexando 4 fotos, 3 dos filhos menores dos

assistentes e outra da assistente e de um dos seus filhos menores – vide ponto

6 da pág. 5 e ponto 7 da pág. 6 da douta sentença.

5. O arguido actuou com a intenção concretizada de ofender a honra e

consideração do assistente C..., imputando-lhe factos e apelidando-o com

nomes injuriosos.

6. Mais actuou com a intenção de constranger os assistentes a devolverem-lhe

a quantia que havia entregado para pagamento das peças automóveis que lhes

adquiriu, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer, de forma

idónea, que seria capaz de atentar contra a integridade física dos mesmos e

dos seus familiares, incluindo os dos dois filhos menores, I... e H..., não tendo

logrado o seu desígnio.

7. O arguido acedeu aos perfis de Facebook dos assistentes e do pai do

assistente de onde copiou as fotografias daqueles e dos seus familiares,

incluindo os dois filhos menores, as quais anexou nos e-mails acima

mencionados, quer para dar credibilidade às ameaças, quer para lhes fazer

crer que havia divulgado tais fotos junto de sites de pornografia de menores.

8. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, muito

embora conhecesse o carácter proibido das suas condutas.

Mais se provou que:

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9. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, reconhecendo

o desvalor dos seus comportamentos e manifestando vontade de não voltar a

repeti-los.

10. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

11. O arguido reside sozinho nuns anexos situados na residência dos seus Pais,

encontrando-se desempregado e não tendo rendimentos próprios,

beneficiando do apoio económico dos progenitores e bem assim, dos

rendimentos que retira duma exploração dum turismo de habitação nos meses

de Junho a Agosto, no valor de cerca de € 200,00/mês; não tem filhos, nem

despesas fixas; tem o 12.º ano de escolaridade.

12. Com a conduta do arguido e com as expressões que o mesmo dirigiu ao

assistente, este sentiu-se ofendido com as expressões que o arguido lhe

imputou, e, bem assim angustiado, amedrontado e envergonhado, ficando

entristecido.

III - Ora, entende o Recorrente que a Douta Sentença merece censura,

fazendo uma errada interpretação na subsunção dos factos ao direito.

IV - Dos factos descritos em 3,4,5,6,7,8,9 e 10 da douta sentença apenas se

subsume um crime de Injúria e dois crimes de coação na forma tentada, não

se subsumindo tais factos em quatro crimes de fotografias ilícitas, p. e p. no

artigo 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea b, do Código Penal.

Senão vejamos

V - É sobre o enquadramento jurídico dos emails enviados pelo arguido aos

assistentes com fotografias em anexo dos assistentes e dos seus filhos

menores, que nos iremos debruçar.

VI - In casu, o arguido praticou dois crimes de coacção na forma tentada, p. e

p. no artigo 154.º n.º 1 do Código Penal.

VII - Assim, dispõe o artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal que: “Quem, por meio

de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a

uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade é punido com pena de

prisão até três anos ou com pena de multa”.

VIII - Ainda conforme o disposto no n.º 2 do artigo 154.º a tentativa é punível.

IX -No caso dos autos, o arguido endereçou e-mails para a empresa gerida

pelos assistentes, referindo, nomeadamente, que os mesmos continuavam sem

resolver e, bem assim, referindo “Tens o H... e o I... não te esqueças”- cfr. e-

mail elencado no ponto 4.

X - Assim, ficou provado que o arguido agiu com intenção de constranger os

assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes havia dado para pagamento

das peças, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer que atentaria

contra a sua integridade física, e mesmo, dos seus dois filhos menores e I... e

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H..., não tendo todavia, logrado o seu desígnio, mas sendo uma ameaça

adequada, que apenas não surtiu o efeito desejado, porquanto os assistentes

entregaram a resolução da situação s autoridades.

XI - Assim estão preenchidos os elementos típicos deste tipo de crime,

impondo-se a condenação do arguido pela prática de dois crimes de coação na

forma tentada, por tantos serem os ofendidos.

XII - Nesta esteira de raciocínio, entende o arguido que os emails

anteriormente descritos com anexos das fotografias dos assistentes e dos seus

filhos menores são actos de execução do crime de coacção na forma tentada,

p. e p. no artigo 154.n.º1 e 2.º do Código Penal.

XIII - Define-se a tentativa no n.º 1 do artigo 22.º do Código Penal, segundo o

qual há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que

decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.

XIV - Na tentativa verificam-se os elementos da estrutura essencial do crime

em geral: facto ilícito e culpa. O nº 1 do artigo 22.º do Código Penal refere-se

ao facto ilícito: a decisão de cometer o crime e actos de execução do crime que

constituem objecto da decisão voluntária. Os actos de execução dirigem-se à

prática do crime que o agente decidiu cometer (elementos especiais

subjectivos) e esses actos têm de ser dolosos ou seja o agente prevê e quer os

actos de execução como actos meio para realizar o crime que projectou e

decidiu cometer. – Vide pág. 315 do Manual de Direito Penal Português, Teoria

do Crime de Germano Marques da Silva.

XV - Ainda conforme dispõe o artigo 22.º n.º 2, são actos de execução:

a)Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;

b)Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou

c)Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis,

forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies

indicadas nas alíneas anteriores.

XVI - In casu, é entendimento do arguido e ora recorrente que estamos

perante actos de execução previstos na alínea a) do nº 2 do artigo 22.º do

Código Penal.

XVII - Alias, como ficou demonstrado e conforme doutamente se afirma na

sentença em apreço, o arguido agiu com intenção de constranger os

assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes havia dado para pagamento

das peças, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer que atentaria

contra a sua integridade física, e mesmo, dos seus dois filhos menores e I... e

H..., não tendo todavia, logrado o seu desígnio, mas sendo uma ameaça

adequada, que apenas não surtiu o efeito desejado, porquanto os assistentes

entregaram a resolução da situação s autoridades.

XVIII - Ora, é defendido pelo aqui recorrente, que as fotografias anexas aos

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emails, eram necessárias para dar credibilidade às suas ameaças, porque

dava-lhes a conhecer que sabia quem eram os filhos dos assistentes e de que

deste modo eles correriam perigo, podendo atentar contra a sua integridade

física, caso não lhes devolvessem a quantia que lhes havia entregue para

aquisição de umas peças e que nunca foram entregues, bem como de os fazer

crer que as fotografias constavam de sites mundiais de pornografia.

XIX - Logo, estas fotografias anexadas aos emails, são actos de execução para

realização do plano do crime que decidiu cometer.

XX - Assim sendo, entende o Recorrente que as fotografias apenas poderiam

ser consideradas como actos de execução no crime de coacção na forma

tentada e que o Tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 199.º, n.ºs 1

e 2, alínea b)do Código Penal, na medida em que o considerou autor material

da pratica de quatro crimes de fotografias ilícitas.

Sem prescindir,

XXI - No caso concreto, o arguido acedeu às fotografias, nomeadamente, de

cada um dos assistentes e, bem assim, os seus dois filhos no facebook, de

modo lícito, porquanto as mesmas estavam num perfil público, livres ao seu

acesso em tal rede social, e enviou – as aos assistentes, para dar credibilidade

de que atentaria contra a sua integridade física, pelo que não foram estas

divulgadas, nem cedidas a terceiros, e por outro lado não pondo em causa o

direito à imagem, porque eram fotografias que os assistentes tinham públicas

no seu facebook e que apenas foram enviadas aos mesmos, (ou seja eram

fotografias dos assistentes e dos seus filhos e que foram enviadas aos

próprios) para que conforme se tem vindo a referir, fazer crer aos assistentes

de que atentaria contra a sua integridade física.

XXII - Deste modo cremos que tais actos integram actos de execução do crime

de coacção na forma tentada e não preenchem os quatro crimes de fotografias

ilícitas conforme resulta da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.

XXIII - Pelo exposto, o arguido e ora recorrente deverá ser absolvido da

prática de quatro crimes de fotos ilícitas p. e p. pelo artigo 199. º, n.ºs 1 e 2,

alínea b) do Código Penal.

Sem prescindir,

XXIV - Em cúmulo jurídico decidiu o tribunal a quo aplicar ao arguido, pela

prática dos crimes descritos em i), ii.) e iii), a fls. 16 e 17 da douta sentença,

ao abrigo do disposto no artigo 77.º do Código Penal a pena única de 700 dias

de multa, à taxa diária de € 6,50, num total de € 4.550,00 (quatro mil,

quinhentos e cinquenta euros).

XXV - Assim entende o aqui recorrente que a pena aplicada é demasiado

austera e excessiva tendo em conta os factos dados como provados que se

enunciam:

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a)Confessou integralmente e sem reservas os factos, reconhecendo o desvalor

dos seus comportamentos e manifestando vontade de não voltar a repeti-los.

b)Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

c)O arguido reside sozinho nuns anexos situados na residência dos seus Pais,

encontrando-se desempregado e não tendo rendimentos próprios,

beneficiando do apoio económico dos progenitores e bem assim, dos

rendimentos que retira duma exploração dum turismo de habitação nos meses

de Junho a Agosto, no valor de cerca de € 200,00/mês; não tem filhos, nem

despesas fixas; tem o 12.º ano de escolaridade.

XXVI - Por outro lado a personalidade do agente, a sua integração social, as

suas condições pessoais, nomeadamente, familiares deverão pender a favor do

arguido, bem como o facto de ter demonstrado arrependimento.

XXVII - Assim sendo a pena única resultante do cúmulo jurídico deverá

consequentemente ser reduzida.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO

SUPRIDOS DEVERÃO VS. EXCELÊNCIAS CONCEDER INTEGRAL

PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA

ABSOLVER O ARGUIDO DE QUATRO CRIMES DE FOTOGRAFIAS

ILÍCITAS P. E P. NO ARTIGO 199.º, N.ºS 1 E 2 DO CÓDIGO PENAL, BEM

COM REDUZIR PENA NOS RESTANTES CRIMES EM FOI CONDENADO

POR EXCESSIVA, TENDO EM CONTA A SUA SITUAÇÃO SÓCIO-

ECONOMICA QUE RESULTOU APURADA.

FAZENDO – SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA

C – Respostas ao Recurso

Quer O M. P, junto do tribunal recorrido, quer a assistente, E..., responderam

ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, apesar de aquele não ter

apresentado conclusões.

Esta, concluiu da seguinte forma (transcrição):

A) Entende a Recorrida, salvo douta e melhor opinião em contrário, que não

lhe assiste qualquer razão nos motivos que sustentam o seu recurso.

B) Pese embora, tal como consta do ponto 10 dos factos dados como provados,

as fotografias que o Recorrente anexou aos referidos e-mails fossem utilizadas

para dar credibilidade às ameaças, e para fazer crer nos Recorridos que havia

divulgado tais fotos junto de sites de pornografia de menores, tal não poderá

ser entendido, tal como erroneamente pretende o Recorrente, que essas

situações configuram meros actos de execução do crime de coacção.

C) O crime de fotografias ilícitas, previsto e punível pelo art. 199º, n.º 1 e 2,

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alínea b) do Código Penal tutela o direito à imagem constitucionalmente

consagrado, e protegido também pelo art. 79º do Código Civil, segundo o qual

o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no

comércio sem o seu consentimento.

D) Tendo em conta o bem jurídico que aquela norma legal pretende acautelar,

basta que se verifique uma situação de utilização de fotografias de uma

determinada pessoa, sem que esta tenha dado o seu consentimento, para que

se preencha o tipo legal de crime, E isso, independentemente da finalidade

com que são utilizadas essas fotografias.

E) Pese embora o Recorrente tenha utilizado as referidas fotografias para dar

credibilidade às ameaças que dirigiu aos Recorridos, o que é certo é que as

utilizou sem que para tal tenha obtido o necessário consentimento dos visados.

F) Evidente se torna que o Recorrente, ao utilizar as fotografias dos

Recorridos e dos seus filhos menores, “agrediu” o bem jurídico que a norma

do art. 199º do Código Penal pretende proteger.

G) Pese embora se tratassem de fotografias que constavam do perfil do

facebook de cada um dos visados, nem por isso o Recorrente as poderia

utilizar dada a previsão constante da parte final da alínea b) do n.º 2 do

referido art. 199º (“mesmo que licitamente obtidos”).

H) Dever-se-á manter a condenação do mesmo pela prática de quatro crimes

de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo 199º, n.º 1 e 2, alínea b) do

Código Penal.

I) O Recorrente não contesta nenhuma das penas parcelares nas quais foi

condenado, nomeadamente, não se insurge, nem contra o número de dias de

pena de multa fixado para cada um dos crimes, nem contra o respectivo

quantitativo diário.

j) Somente temos de ter em conta os limites, mínimo e máximo, da moldura

abstracta aplicável no âmbito da pena única a fixar ao aqui Recorrente, em

cúmulo jurídico.

K) Atendendo ao disposto no art. 77º do Código Penal, o limite mínimo é

constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas, e o limite máximo

corresponde à soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos

ilícitos.

L) No caso concreto o limite mínimo da pena única seria fixado em 200 dias de

multa à taxa diária de 6,50€ - montante total de 1300€ - e o limite máximo em

960 dias à taxa diária de 6,50€ - montante total de 6.240,00€.

M) Atendendo a esta moldura penal e tendo em conta a gravidade dos factos

praticados pelo Recorrente, porque tratam-se de condutas reiteradas e

durante um período de tempo ainda relativamente dilatado, além de que,

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conforme ficou demonstrado nos autos, o Recorrente criou contas de e-mails

especificamente com o intuito de coagir os Recorridos, com nomes que em

nada o relacionavam consigo, com o objectivo de evitar que estes pudessem

associar o Recorrente a esses mesmos e-mails, sendo que, para além disso, o

Recorrente era uma pessoa cujo rosto não era conhecido dos Recorridos, pelo

que, mesmo que se cruzassem com ele num qualquer local, público ou privado,

jamais o conseguiriam reconhecer e tomar precauções para a eventualidade

de aquele pretender concretizar as ameaças,

N) Todos aqueles aspectos nos permitem concluir que a pena única aplicada

ao Recorrente, em cúmulo jurídico, é perfeitamente justificada e justa, não

merecendo qualquer reparo ou contestação por parte daquele.

O) Deverá ser negado provimento ao que pelo mesmo é doutamente requerido,

mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, por conter uma

correcta valoração de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.

TERMOS EM QUE

Deverá o recurso agora interposto ser julgado improcedente e,

consequentemente, deverá ser mantida a douta sentença proferida pelo

Tribunal a quo, nos seus exactos termos, por conter uma correcta valoração de

direito, não merecendo qualquer censura.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto,

que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foram apresentadas

respostas.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em

conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre

apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada

pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que

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constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007,

proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://

www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica

pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta

matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente

extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento

oficioso.

Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das

suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem,

este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência,

deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2

do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da

Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de

algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP,

ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do

Artº 379 do mesmo diploma legal.

In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas

situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2

do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar da sentença

recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugado com as

regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer

elementos que à mesma sejam estranhos, ainda que constem dos autos.

Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova

feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras

de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os

factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se

chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados

como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª

Instância sobre a matéria de facto.

Não se verifica, também, a inobservância de requisito cominado sob pena de

nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP)

Posto isto, o objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, nas

quais se solicita a apreciação das seguintes matérias:

1) Absolvição pelo crime de fotografias ilícitas

2) Diminuição da pena única

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B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em

termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

1. Fundamentação de Facto

A. Factos Provados

Observado o legal formalismo, procedeu-se a julgamento e, discutida a causa,

provaram-se os seguintes factos:

1. No início de Outubro de 2014, o arguido adquiriu diversas peças de

automóveis à empresa “D..., Lda.”, gerida pelos assistentes C... e E....

2. Na sequência desse negócio, o arguido e os assistentes desentenderam-se,

sendo que aquele acusa estes últimos de o terem enganado, convencendo-o a

pagar a quantia de € 3.973,01 (três mil novecentos e setenta e um euros e um

cêntimo) para a aquisição de peças de automóvel que nunca lhe foram

entregues.

3. Nessa sequência, o arguido começou a enviar e-mails dos endereços de

correio electrónico que criou para o efeito para o endereço de correio

electrónico da empresa referida em 1.º [email protected].

4. Assim, do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou os

seguintes e-mails:

1) No dia 25 de Dezembro de 2014, às 12.23h:

“Oh careca nao estamos eskecidos de ti

As prendas vao te chegar a casa

Ate o cao vai ter direito a prenda”;

2) No dia 25 de Dezembro de 2014, às 23.49h:

“Estamos a tomar conta de ti

Estas descansado

Nos vamos te aparecer”;

3) No dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.06h, com o assunto “Nao burles as

pessoas serias”:

“Andais a brincar com dinheiro honesto

A vigarice deixa faturas com marcas

Se homem e resolve

Alá vai nos unir a todos”;

4) No dia 27 de Dezembro de 20014, às 07.13h, com o assunto “Bilhaqqi Saufa

Fasaufa Afnihi Mai”:

O nosso destino esta cruzado

Por bem ou mal

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As nossas familias estao pelo nosso sacrificio”, acrescentando caracteres em

língua árabe;

5) No dia 27 de Dezembro de 2014, às 07.20h:

“A avareza tem um preço

A vigarice tem faturas caras

Não brinkes com Ala o grande

Estamos todos juntos e o destino será nosso

Todos sacrificamos

Deus é grande, Deus é grande

Deus está acima das artimanhas de qualquer intruso,

E Deus é o melhor ajudante para os oprimidos,

Com certeza e com armas eu devo defender

Minha nação, a luz da verdade está brilhando na minha mão;

Diga comigo, diga comigo:

Deus é grande, Deus é grande, Deus é maior!

Deus é grande sobre os truques de quem nos ataca!”;

6) No dia 31 de Dezembro de 2014, às 04.05h, com o assunto “Continuas sem

resolver”:

“Parece k continuas a burlar pessoas inocentes

Pessoas inocentes vao pagar essa fatura

Alá nao permite que os infieis roubem

Tens o H... e o I... nao te esqueças

Janeiro vai ser negro se não resolveres te garanto”, acrescentando caracteres

da língua árabe;

7) No dia 03 de Janeiro de 2015, às 09.42h, com o assunto “Nao burles as

pessoas serias”:

“Ha momentos na vida que as pessoas honestas e serias encontram vigaristas

pela frente.

Ha momentos em que vigaristas encontram malucos pela frente

Deste mal ninguem esta livre

Tens que ser mais homem, e nao enganar as pessoas que ajudam a tua familia”

;

8) No dia 05 de Janeiro de 2015, às 21.16h, com o assunto “Nao burles as

pessoas serias”:

“Palhaço diz a hora e onde

Ou keres em tua casa

Responde

Diz k nos vamos ter contigo”;

9) No dia 16 de Janeiro de 2015, às 02.09h:

“Vai cair merda da grossa em cima de ti e da puta da tua mulher que te

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encorna valente oh gordo Guerra é guerra

E vai valer tudo espero que tenhas uma canhota no minimo nos vamos com

tudo careca

No supermercado

No café

Na escola

Nas bombas de gasolina

No café

Vamos te aparecer

O vosso destino esta traçado, não ides ter paz e tens uma igreija a porta de

casa pecadores infeis”; j) No dia 16 de Janeiro de 2015, às 03.56h, com o

assunto: “Estamos aqui ladrao”:

“Paga o que deves as pessoas inocentes vigarista

Ouço o teu ressonar no pinhal

Criminoso vigarista paga o que deves

Vais ter visitas em breve

Podes fugir para onde tu quiseres nos vamos te encontrar onde tu estiveres

em breve te vamos mostrar isso ladrao”;

10) No dia 02 de Fevereiro de 2015, às 02.59h, com o assunto “Ola papa e

mama”:

“Olá mama

Nos não temos culpa que andes a roubar as pessoas inocentes

Papai nos somos inocentes

Nao sejas mau para as pessoas papai

Mae poe a mao na consciência H...”.

5. Do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte

e-mail, no dia 31 de Dezembro de 2014, às 18.34h:

“C... as pessoas nao tem culpa da tua ganaçia

Pessoas serias não podem ser burladas

Andas a brincar com o fogoe o dinheiro limpo

Andas a meter familias inocentes numa guerra k tu criaste. Nao vais ser

egoista

Nao tens estrutura para guerras

Tens uma familia as costas”.

6. Do endereço de correio electrónico [email protected], o arguido enviou o seguinte

e-mail, no dia 24 de Fevereiro de 2015, com o assunto “Palhaços ladroes”:

“Sabes quantos anos aguentam estas fotos

No minimo 5 anos

Tens 3 sites mundiais que elas estao. Vai procurar

Podeis estar a cagar a foder a dormir

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Milhares de predadores estao a bater uma pala deles

Até ao dia em que um os vai visitar, o vício é uma doença.

Ri agora palhaços ladraos”.

7. Em alguns daqueles e-mails, o arguido anexou fotos de familiares dos

assistentes, as quais retirou das páginas de perfil do Facebook dos assistentes

e do pai do assistente, designadamente:

- no e-mail identificado em 3), anexou uma foto do assistente com um dos

filhos menores;

- no e-mail identificado em 4), anexou uma foto da assistente;

- no e-mail identificado em 5), anexou uma foto de um dos filhos menores dos

assistentes;

- no e-mail identificado em 6), anexou uma foto com um dos filhos menores dos

assistentes;

- no e-mail identificado em 7), anexou uma foto dos pais do assistente;

- no e-mail identificado em 10), anexou uma foto do assistente com um dos

filhos menores;

- no e-mail identificado em 11), anexou uma foto de um dos filhos menores dos

assistentes; e

- no e-mail identificado em 6., anexou quatro fotos, três dos filhos menores dos

assistentes e outra do assistente e de um dos seus filhos menores.

8. O arguido actuou com a intenção concretizada de ofender a honra e

consideração do assistente C..., imputando-lhe factos e apelidando-o com

nomes objectivamente injuriosos.

9. Mais actuou com a intenção de constranger os assistentes a devolverem-lhe

a quantia que havia entregado para pagamento das peças automóveis que lhes

adquiriu, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer, de forma

idónea, que seria capaz de atentar contra a integridade física dos mesmos e

dos seus familiares, incluindo os dois filhos menores, I... e H..., não tendo

logrado o seu desígnio.

10. O arguido acedeu aos perfis de Facebook dos assistentes e do pai do

assistente de onde copiou as fotografias daqueles e dos seus familiares,

incluindo os dois filhos menores, as quais anexou nos e-mails acima

mencionados, quer para dar credibilidade às ameaças, quer para lhes fazer

crer que havia divulgado tais fotos junto de sites de pornografia de menores,

bem sabendo que o fazia sem consentimento dos assistentes, por si e em

representação dos filhos menores.

11. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, muito

embora conhecesse o carácter proibido das suas condutas.

Mais se provou que:

12. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos,

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reconhecendo o desvalor dos seus comportamentos e manifestando vontade de

não voltar a repeti-los.

13. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

14. O arguido reside sozinho nuns anexos situados na residência dos seus

Pais, encontrando-se desempregado e não tendo rendimentos próprios,

beneficiando do apoio económico dos progenitores e, bem assim, dos

rendimentos que retira duma exploração dum turismo de habitação nos meses

de Junho a Agosto, no valor de cerca de € 200,00/mês; não tem filhos, nem

despesas fixas; tem o 12.º ano de escolaridade.

15. Com a conduta do arguido e com as expressões que o mesmo dirigiu ao

assistente, este sentiu-se ofendido com as expressões que o arguido lhe

imputou, e, bem assim angustiado, amedrontado e envergonhado, ficando

entristecido.

*

B. Factos Não Provados

Não se provou que o assistente ficou deprimido devido à conduta do arguido.

Estabelecida a base factual pela sentença em análise, importa apreciar da

bondade do peticionado pelo recorrente:

B.1. Da absolvição do crime de fotografias ilícitas

Invoca o recorrente, que os factos descritos nos nsº 3 a 10 da factualidade

apurada apenas se devem subsumir a um crime de injúria e dois crimes de

coação na forma tentada, e não já, a quatro crimes de fotografias ilícitas, p.p.,

no Artº 199 nsº1 e 2 al. b) do C. Penal.

Argumenta, para tanto, que os e-mails por si enviados para a empresa gerida

pelos assistentes, contendo anexos com fotografias destes e dos seus filhos

menores, apenas devem ser considerados como actos de execução do crime de

coacção na forma tentada, porquanto a sua intenção, ao assim proceder, foi

apenas a de constranger os assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes

havia dado para pagamento das peças, provocando-lhes medo e inquietação,

fazendo-os crer que atentaria contra a sua integridade física e dos seus dois

filhos menores, ameaça que era adequada a tal desígnio e que somente não

surtiu o efeito desejado, na medida em que os assistentes entregaram a

resolução da situação às autoridades.

Mais defende, que as referidas fotografias, anexas aos emails, eram

necessárias para dar credibilidade às suas ameaças, porque davam a conhecer

aos assistentes que o ora recorrente sabia quem eram os filhos daqueles e

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que, deste modo, eles correriam perigo, já que poderia atentar contra a sua

integridade física, fazendo-os acreditar que tais fotografias constavam de sites

mundiais de pornografia.

Está assim preenchida, em seu entender, a previsão normativa do Artº 154

nºs1 e 2 do C. Penal, constituindo a descrita conduta, a prática de actos de

execução do crime de coacção tentada, tal como definidos na al. a) do Artº 22

daquele diploma legal.

Refere ainda o recorrente, que acedeu às ditas fotografias de modo lícito,

através de um perfil público, de livre acesso, como o Facebook, não tendo as

mesmas sido divulgadas ou cedidas a terceiros, mas apenas aos próprios, pelo

que não foi posto em causa o direito à imagem delas decorrente.

Deste modo, concluiu pela sua absolvição em relação ao cometimento de

quatro crimes de fotos ilícitas, p.p., pelo Artº 199 nsº1 e 2 al. b) do C. Penal.

Sobre o preenchimento destes dois tipos de crime, escreveu-se na decisão

recorrida (transcrição):

a) Crime de Coacção tentada:

O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de dois crimes de

coacção na forma tentada, p. e p., pelo artigos 154.º, n.º 1, do Código Penal.

Dispõe o artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal que: “Quem, por meio de

violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma

acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão

até três anos ou com pena de multa”.

Considerando o teor do n.º 2 do artigo 154.º, a tentativa é punível.

Nestes termos, conclui-se que a ameaça ou a violência empregues têm em

vista um desígnio que é o de constranger uma pessoa a adoptar um

determinado comportamento.

No caso dos autos, o arguido endereçou e-mails para a empresa gerida pelos

assistentes, referindo, nomeadamente, que os mesmos continuavam sem

resolver e, bem assim, referindo “Tens o H... e o I... não te esqueças” [cfr. e-

mail elencado no ponto 4., 6)].

Ficou, assim, provado que o arguido agiu com intenção de constranger os

assistentes a devolverem-lhe a quantia que lhes havia dado para pagamento

das peças, provocando-lhes medo e inquietação, fazendo-os crer que atentaria

contra a sua integridade física e, mesmo, dos seus dois filhos menores I... e

H..., não tendo, todavia, logrado o seu desígnio, mas sendo uma ameaça

adequada, que apenas não surtiu o efeito desejado, porquanto os assistentes

entregaram a resolução da situação às autoridades.

Nestes termos, estão preenchidos os requisitos típicos deste tipo de crime,

impondo-se a condenação do arguido pela prática de dois crimes de coacção

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na forma tentada, por tantos serem os ofendidos.

b) Crime de Fotografias Ilícitas:

Vem ainda o arguido acusado da prática de quatro crimes de fotografias

ilícitas, p. e p. pelo artigo 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.

Tal preceito tem duas incriminações autónomas, respeitantes, por um lado, a

gravações (n.º 1) e em fotografias (n.º 2).

Respeita, nomeadamente, à utilização de fotografias sem consentimento dos

seus titulares, ainda que obtidas licitamente, visando-se proteger o direito à

imagem, enquanto direito fundamental, que pode compreender duas

vertentes: o direito de registar/captar a imagem, que até pode ser lícito,

mediante o consentimento da pessoa captada e, noutra vertente, o uso de

fotografias, contra a vontade do retratado, ainda que licitamente obtidas,

designadamente por terem sido recolhidas pelo próprio retratado.

As novas tecnologias, nomeadamente o uso de redes sociais, impõem, na

actualidade, a especial protecção do direito à imagem.

No caso concreto, o arguido acedeu às fotografias contendo, nomeadamente,

cada um dos assistentes e, bem assim, os seus dois filhos no facebook, de

modo lícito, porquanto as mesmas estavam livres ao seu acesso em tal rede

social, o que lhe permitiu visualizá-las.

Contudo, tal não permitia ao arguido captá-las (o que cremos ser equivalente

ao acto de fotografá-las) para si, porquanto não tinha consentimento dos

visados para tanto, fazendo-o contra vontade dos mesmos, guardando-as e

anexando-as aos e-mails que anonimamente endereçou aos assistentes, o que

se traduz, assim, numa utilização proibida nos termos definidos no artigo

199.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, o que o arguido não podia

desconhecer, tendo o mesmo, aliás, admitido, mediante a confissão integral e

sem reservas que realizou em audiência de discussão e julgamento, que sabia

não ter consentimento dos assistentes por si e em representação dos seus dois

filhos menores para utilizar as fotografias, sabendo que actuava de modo

proibido e punido por lei.

Nestes termos, cremos estarem verificados todos os elementos típicos

(objectivos e subjectivos) deste tipo de crime, impondo-se, consequentemente,

a condenação do arguido pela prática de quatro crimes de fotografias ilícitas

que lhe vinham imputados, por tantos serem os ofendidos (cada um dos

assistentes e os dois filhos de ambos).

O recorrente não coloca em causa o preenchimento típico, com a sua conduta,

do crime de coacção tentada, p.p., pelo Artº 154 nsº1 e 2 do C. Penal, mas,

apenas, a sua condenação pela prática do crime de fotografias ilícitas, p.p.,

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pelo Artº 199 do mesmo Código, entendendo que a sua conduta está

consumida como actos de execução do crime de coacção tentada.

Diz-nos o Artº 199 do C. Penal, sob a epígrafe “Gravações e fotografias ilícitas”

“1 - Quem sem consentimento:

a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público,

mesmo que lhe sejam dirigidas; ou

b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea

anterior, mesmo que licitamente produzidas;

é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:

a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha

legitimamente participado; ou

b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea

anterior, mesmo que licitamente obtidos.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º”

Nesta previsão normativa, o bem jurídico tutelado é, como se sabe, o direito à

imagem, também protegido pelo Artº 79 do C. Civil e constitucionalmente

consagrado, nos termos do qual, a fotografia de uma pessoa não pode ser

exposta, exibida, mostrada, reproduzida ou lançada no comércio, sem o seu

consentimento, ainda que tenha sido obtida de forma lícita.

Quem assim proceder, ainda que a tenha obtido de forma lícita e

independentemente do propósito que o norteia, ou da finalidade pretendida

com a exibição dessa fotografia, ou seja, quem utilizar fotografias de alguém

sem o consentimento do próprio, incorre na al. b) do nº2 da norma supra

transcrita.

O direito à imagem é um bem jurídico pessoal, com expressão directa da

personalidade de qualquer sujeito, cuja tutela penal assenta no consentimento

do próprio em relação a esse reduto da sua intimidade/privacidade, ou, dito de

outro modo, no reconhecimento à pessoa do domínio exclusivo sobre a sua

própria imagem, cabendo-lhe a ela e apenas a ela, decidir quem pode gravar,

registar, utilizar, ou divulgar a sua imagem.

Ora, ainda que o arguido tenha acedido às mencionadas fotografias dos

assistentes e dos filhos destes de forma livre e pública, por isso lícita – através

do Facebook daqueles – e de apenas as ter enviado aos próprios e não a

terceiros, não menos certo é, que para tal procedimento nunca contou com o

consentimento daqueles, que com essa conduta nunca concordariam.

O facto de as fotografias estarem livremente acessíveis no Facebook não dava

ao recorrente qualquer legitimidade para fazer cópias informáticas das

mesmas, anexá-las a e-mails e enviá-los aos assistentes, configurando essa

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conduta uma utilização ilícita das referidas fotografias, por ter sido feita

contra a vontade de quem elas retratavam.

Por outro lado, ainda que se aceite que a utilização pelo recorrente das

fotografias dos assistentes e dos filhos destes, teve como propósito dar

credibilidade às ameaças que lhes dirigiu, a verdade, indiscutível, é que essa

utilização não foi precedida de qualquer autorização ou consentimento dos

visados, o que, de forma linear, preenche a conduta normativa do Artº 199 do

C. Penal, por ter sido agredido o bem jurídico por ela protegido.

O qual, note-se, é bem diverso do estatuído pelo crime de coacção, previsto no

Artç 154 do mesmo diploma legal, que é, como se sabe, a liberdade de decisão

e de acção.

Estão assim em causa bens jurídicos distintos, o que, desde logo, impediria

que se pudesse considerar a conduta do arguido, como pretende o recorrente,

como meros actos de execução do crime de coacção tentada, conclusão

reforçada pela evidência de que o fim por aquele pretendido – constranger os

assistentes a devolver-lhe a quantia que havia entregue para pagamento das

peças automóveis que lhes adquiriu, provocando-lhes medo e inquietação e

fazendo-os crer, de forma idónea, que seria capaz de atentar contra a

integridade física dos mesmos e dos seus familiares, incluindo os dois filhos

menores – foi desde logo obtido pelo texto dos ditos emails- enviados aos

assistentes, nos quais eram feitas as referenciadas ameaças com que o

arguido pretendia constrange-los ao comportamento desejado.

Com o envio de tais emails, deles constando o conteúdo reproduzido na

factualidade apurada, o arguido e ora recorrente, preencheu, por si só e sem

recurso às aludidas fotografias, o crime de coacção, na forma tentada, com o

qual e mau grado a adequação das ameaças, só não conseguiu obter os seus

desígnios porquanto os assistentes entregaram a resolução da situação às

autoridades.

A anexação das fotografias aos ditos emails não se revela, por isso e ao

contrário do defendido pelo recorrente, como instrumental de um crime que,

apenas pelo texto daqueles, o arguido já havia cometido, sem necessidade, por

isso, desse recurso, o qual, ao invés, desenha um acervo factual que se traduz

no cometimento de um crime diverso, por tutelar um outro e diferente bem

jurídico.

Nesta medida, bem andou o tribunal a quo ao considerar que a descrita

conduta do arguido deve ser punida nos termos do Artº 199 nº2 al. b) do C.

Penal, sendo quatro os crimes assim cometidos pelo recorrente, por serem

quatro o número de ofendidos.

B.2. Medida da pena única

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Por fim, solicita o arguido a diminuição da pena única que lhe foi aplicada, por

a considerar demasiado austera e excessiva, tendo em conta a confissão, a

manifestação de arrependimento, a ausência de antecedentes criminais, a sua

integração familiar e social, e a sua precária situação económica.

O recorrente não impugna as penas parcelares por cada um dos crimes pelos

quais foi condenado - com excepção, naturalmente, das relativas aos crimes de

gravações e fotografias ilícitas de que pretende ser absolvido, matéria tratada

no segmento antecedente – nem o respectivo quantitativo diário.

Recorda-se que o arguido foi condenado em 80 dias de multa pelo crime de

injúria, 200 dias de multa por cada um dos quatro crimes de coacção na forma

tentada, e 120 dias de multa por cada um dos quatro crimes de fotografias

ilícitas, sempre à taxa diária de € 6,50, tendo-se fixado a pena única em 700

dias de multa, à mesma taxa, o que perfaz o total de € 4.550,00.

Este cúmulo jurídico – pois só esta determinação de pena é que é objecto de

recurso – foi deste modo justificado na sentença sindicada (transcrição):

III – Cúmulo Jurídico de Penas:

Dispõe o artigo 77.º do Código Penal que: “quando alguém tiver praticado

vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é

condenado numa única pena.”.

Assim, de acordo com o n.º 2 do preceito referido, dever-se-á proceder à

fixação das penas parcelares respeitantes a cada um dos crimes em concurso –

o que já foi feito – e, posteriormente, somam-se as penas concretamente

aplicadas a cada um dos ilícitos, obtendo-se o limite superior da moldura

abstracta aplicável (dentro dos limites absolutos aí expressamente previstos).

O limite mínimo é constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas.

Encontrada desta forma a moldura abstracta, a pena única é determinada nos

termos da última parte do n.º 1, isto é, considerando, “em conjunto, os factos e

a personalidade do agente”.

Tendo em atenção o exposto, face ao limite mínimo de 200 dias de multa e o

máximo de 960 dias de multa, reputa-se justo fixar a pena única em 700

dias de multa, à referida razão diária de € 6,50, o que perfaz o total de

€ 4.550,00 (quatro mil, quinhentos e cinquenta euros).

Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos

termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial

que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime,

não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta

do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e

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ressocializador.

Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As

consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs:

«As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena,

abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função

tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada

;

As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e

quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-

criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do principio

constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo

comando)

Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que

irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida

concreta da pena»

Importa ainda ter em conta que:

«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de

uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos

danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade

humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a

delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que

social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda

realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às

necessidades da reintegração social do agente.

Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único

entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela

de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na

comunidade» /Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág.

182» – Ac. do STJ de 4-10-07, Proc. nº 2692/07 - 5ª).

O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no Artº 77º do

Código Penal, adoptando o sistema da pena conjunta, rejeita uma visão

atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a

possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse

bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.

Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a

cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a

moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios

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legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, quem julga há-de descer da ficção, da visão

compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na

unicidade do sujeito em julgamento, sendo que esta perspectiva nova,

conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova

conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos

tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a

reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso.

A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa

pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos que estão em relação entre si, afinal

e numa palavra, a valoração conjunta dos factos e da personalidade de que

fala o Código Penal.

Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto,

que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende

sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores

relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que

respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à

prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos

considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa

perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e

dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado

profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à

dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.

Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no

denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos

estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa

expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela

dependência de vida em relação àquela actividade.

O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma

ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente

próximos ou distantes, tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo

crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza e tanto

pode ser formado por um número reduzido de crimes, como englobar

inúmeros crimes.

No sistema português, de cúmulo jurídico e não material, é forçoso concluir

que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só

pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo

respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas

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enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento

delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em

conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, pois só

essa avaliação conjunta pode fornecer a gravidade global do ilícito perpetrado.

In casu, é indiscutível, que as condutas em causa revelam especial

censurabilidade, particularmente, no que se refere aos dois crimes de

coacção, em que os meios utilizados pelo recorrente se revelam

particularmente gravosos, quando dá a entender aos assistentes que as

fotografias dos seus filhos haviam sido colocadas em sites mundiais de

pornografia infantil, com todo o peso que isto tem no mundo actual.

Por outro lado, o comportamento delitivo é reiterado e prolonga-se durante

algum tempo, o que lhe aumenta a gravidade intrínseca.

De todo o modo, o arguido confessou os factos, integralmente e sem reservas,

e reconheceu o seu desvalor social, o que denuncia a interiorização da

gravidade acima mencionada, expressa na manifestação de vontade de não os

voltar a repetir.

Acresce, que não tem antecedentes criminais, mostra-se integrado, familiar e

socialmente, tendo-se apurado que a sua situação económica é precária, na

medida em que está desempregado, vive nuns anexos na residência dos seus

pais, não tem rendimentos próprios a não ser € 200,00/mês nos meses de

Julho e Agosto, e beneficia do apoio económico dos progenitores, não tendo

filhas nem despesas fixas.

Ponderando a globalidade dos factos e a personalidade do agente e tendo em

conta as balizas do cúmulo jurídico – entre 200 e 960 dias de multa, nos

termos do nº2 do Artº 77 do C. Penal – entende-se que a pena única fixada

pela instância recorrida, de 700 dias, se mostra algo excessiva aos vectores

supra mencionados, padecendo de uma severidade que redunda em manifesta

desproporcionalidade em relação, quer à personalidade do agente revelada

nos factos, quer no respeita às suas condições pessoais e económicas e ao

modo como se posiciona perante os crimes por si cometidos, concluindo-se

assim que a pena única fixada pela instância recorrida deve ser corrigida, por

ultrapassar a medida da culpa do arguido.

Assim sendo, e tendo por referência o valor correspondente a metade das

penas parcelares em causa, à qual acrescerá uma de valor superior – e que

define o valor mínimo do cúmulo jurídico – encontra-se um montante genérico,

o qual, sopesado com a personalidade do agente e o conjunto dos factos

cometidos, se crê proporcional a esses factores, satisfazendo-se as exigências

de prevenção geral e especial que no caso concorrem, bem como, as

finalidades punitivas.

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Nesta medida, julga-se adequado cristalizar a culpa do arguido na pena única

de 580 dias à taxa diária de € 6,50, o que perfaz a multa global de € 3.770,00.

Procede, pois, o recuso, parcialmente.

3. DECISÃO

Nestes termos, concede-se parcial provimento ao recurso e em

consequência, fixa-se ao arguido, em cúmulo jurídico (pelas penas

parcelares fixadas pela instância recorrida em relação aos crimes de injúria,

coacção na forma tentada e fotografias ilícitas, pelos quais foi condenado), a

pena única de 580 (quinhentos e oitenta) dias, à taxa diária de € 6,50

(seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa global de €

3.770,00 (três mil setecentos e setenta euros).

Sem custas.

xxx

Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP,

que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto

pelos signatários.

xxx

Porto, 12 de Julho de 2017

Renato Barroso

Luís Coimbra

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