ulrich melle - nature and spirit

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MELLE, ULRICH. Nature and Spirit. In: NENON, Thomas; EMBREE, Lester (Ed.). Issues in Husserl’s Ideas II. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1996, pp. 15-35. O problema da conexão entre mente e natureza reverbera, pois, aqui também [ver o ensaio de Ulrich Melle, Nature and Spirit, publicado no livro já citado organizado por Nenon & Embree]. Cada tipo de investigação permanece legítimo nele mesmo, porém a demarcação entre natureza e espírito, que se torna densa e de difícil decisão ao se tomar a pessoa como tema, não é uma tarefa fácil, tampouco é um tema de total claridade. Afinal, toda pessoa pertence (psicofisicamente [o que é diferente de meramente fisicamente, pois pressupõe a distinção entre o material, físico, e o animal, psicofísico]) à natureza, a seus nexos de regulação, e, ao mesmo tempo, é o correlato de constituição desse mundo natural, ao qual ela mesma pertence. E cada tipo de investigação pode proceder ao infinito. – O homem é, para Husserl, “uma mistura de três realidades” (Ideias III, 12), a saber, a realidade material sobre a qual se constroem as realidades corporais-orgânicas e, por fim, sobre as quais se constroem as realidades psíquicas [uma concepção que, em muito, assemelha-se aos três níveis ontológicos (ou de “seleção”, para Skinner), o filogenético, o ontogenético e o social]. The problem of nature and spirit refers in the first instance to the relation between the physical and psychophysical sciences on the one hand and the so-called sciences of spirit (Geisteswissenschaften) on the other hand. The difference between natural science and the human sciences is, according to Husserl, one of the most fundamental foundational problems of science. A radical and principal classification of the sciences must be grounded in a distinction and delimitation of the essencial regions of being. If human sciences are in principle different from natural science, than this means, acoording to Husserl, ‘that we enter into a heterogeneous region, that is distinguished by its essential kind from natural through an unbridgeable gap of essence.’ The great difficulty however is that these two

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MELLE, ULRICH. Nature and Spirit. In: NENON, Thomas; EMBREE, Lester (Ed.). Issues in Husserl’s Ideas II. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1996, pp. 15-35.

O problema da conexão entre mente e natureza reverbera, pois, aqui também [ver o ensaio de Ulrich Melle, Nature and Spirit, publicado no livro já citado organizado por Nenon & Embree]. Cada tipo de investigação permanece legítimo nele mesmo, porém a demarcação entre natureza e espírito, que se torna densa e de difícil decisão ao se tomar a pessoa como tema, não é uma tarefa fácil, tampouco é um tema de total claridade. Afinal, toda pessoa pertence (psicofisicamente [o que é diferente de meramente fisicamente, pois pressupõe a distinção entre o material, físico, e o animal, psicofísico]) à natureza, a seus nexos de regulação, e, ao mesmo tempo, é o correlato de constituição desse mundo natural, ao qual ela mesma pertence. E cada tipo de investigação pode proceder ao infinito. – O homem é, para Husserl, “uma mistura de três realidades” (Ideias III, 12), a saber, a realidade material sobre a qual se constroem as realidades corporais-orgânicas e, por fim, sobre as quais se constroem as realidades psíquicas [uma concepção que, em muito, assemelha-se aos três níveis ontológicos (ou de “seleção”, para Skinner), o filogenético, o ontogenético e o social].

The problem of nature and spirit refers in the first instance to the relation between the physical and psychophysical sciences on the one hand and the so-called sciences of spirit (Geisteswissenschaften) on the other hand. The difference between natural science and the human sciences is, according to Husserl, one of the most fundamental foundational problems of science. A radical and principal classification of the sciences must be grounded in a distinction and delimitation of the essencial regions of being. If human sciences are in principle different from natural science, than this means, acoording to Husserl, ‘that we enter into a heterogeneous region, that is distinguished by its essential kind from natural through an unbridgeable gap of essence.’ The great difficulty however is that these two fundamental regions of science are not simply separated and situated side by side, they do not divide, as Husserl says in his lecture on nature and spirit from 1919 ‘the unity of possible objectivies in general…. as oceans and continents divide the surface of earth.’ The division between nature and spirit proves to be extremely difficult, because both regions in spite of the radical differences seem to embrace and penetrate each other. […] (Ulrich Melle, 17).

A dificuldade de delimiter natureza e espírito precisamente: o psíquico está ligado ao corpo, e isso, em geral, motiva a redução naturalística do espírito, por meio da qual este é compreendido em relação espaço-temporal-causal, pertencendo à natureza material. É o caso da biologia evolutiva, como ela compreende o mundo, e de toda a pesquisa científica que se realiza no interior do quadro da antropologia e da psicologia naturalísticas. – A partir deste ponto, Ulrich Melle aborda (pp. 18-22), as possíveis conexões entre mente e corpo, de acordo com Husserl.

While physics has physical nature as its field of research, naturalistic psychology is the science of psychophysical nature. Psychology in the naturalistic-natural-scientific attitude is ‘exploration of the psyche as spatialized and objectively temporalized in physical nature as a causal annex of the physical

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body.’ As a causal annex the psychic is incorporated into the spatial-tempora-causal externality of entities in nature: it itself is only what is in causal connexion with the physical realities. Psychology is like physics a science of explanation by causal laws. (p. 20).

A diferença entre física e psicologia modernas.1. Física. Repousa no ato idealizante que matematiza a natureza física. Ideal de

conhecer a natureza em si mesma, objetivamente. “A luta pela pura subjetividade” e a “batalha contra o que é meramente subjetivo” (p. 20). O mundo subjetivamente e intersubjetivamente intuitivo é visto como mera aparência de uma natureza objetiva exclusivamente determinada por predicados físico-matemáticos exatos, absolutamente não intuitivos, não experienciáveis – uma natureza, portanto, cognoscível apenas pelos métodos de investigação da natureza sobre a base de experiências no pensamento lógico-matemático (Ideias III, 56). Há, pois, dois sentidos de natureza: (a) abstrato e (b) sensorial-experiencial. O primeiro se refere à natureza fisicalística matematicamente determinável. Aqui, a natureza requer uma idealização para se tornar conhecimento exato, sendo ela um produto teórico esboçado sobre a coisa intuível. – Há motivos para a idealização na própria experiência. – A ciência galilaica da natureza e sua função histórica. – O em-si dessa natureza é determinável em predicados puramente lógicos e matemáticos, e não mais em predicados sensoriais. A natureza concreta, intuível, relativa à sensibilidade, torna-se mera aparência de uma natureza determinada em exatidão matemática.

2. As realidades psíquicas (humanas e animais) não podem ser matematizadas como a natureza física. – Não há, na psicologia, a substrução de um em-si matemático abstrato não intuível que valha para o ser psíquico, dado na experiência concreta. – Não se deve confundir a indutividade construtiva universal que governa a unidade da natureza corpórea com a localização do psíquico na corporeidade corpórea (Krisis, 182). – E como se conectam essas duas indutividades na unidade de uma explicação naturalista do mundo? – A pessoa, uma “mistura de três realidades”, como fica? A psicologia naturalística busca explicar e determinar a natureza psíquica corporal por meio de leis causais. – Corpo é diferente de corpo físico: o corpo possui sensibilidade e, por isso, necessita de uma ciência separada, a somatologia. Apesar de essa não ter se desenvolvido separadamente, a psicologia psicofísica e fisiológica dos órgãos do sentido são, em grande medida, uma somatologia. – O que é aí investigado é a corporeidade no sentido da experiência somatológica.

Essa questão aberta por Gurwitsch se enraíza profundamente no problema da conexão entre espírito e natureza, eu e mundo, mente e corpo, analisado por Ulrich Melle [op. cit.]. A continuidade da consciência toca, precisamente, no mesmo problema, a saber, na dependência da consciência para com a natureza, da qual o corpo faz parte. E mesmo para Husserl a extensão dessa questão só pode ser resolvida empiricamente pela psicologia experimental (Ideen II, §63; apud Ulrich Melle, op. cit., p. 22). “A dependência da consciência com o corpo e o cérebro se amplia ‘indubitavelmente tanto quanto o substrato sensível da consciência’ [Ideias II, 308]” (Ulrich Melle, op. cit., p. 22). Por esse motivo, é requerida uma antropologia naturalística1, uma ciência

1 É importante, na primeira aparição do termo, fazer notar a diferença entre as expressões “naturalista” e “naturalística” [ver a tradução de Jacques English, das Lições de 1910-11: há uma nota que faz notar essa

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zoológica, científico natural, da pessoa, que é, então, tomada enquanto algo real, “desprovido de significado”, como meramente uma coisa corpórea. – Porém, a pessoa não pode ser totalmente naturalizada (Ulrich Melle, p. 23). “Uma psicofísica que explique todos os atos de consciência e conexões de consciência por leis causais é um ‘total absurdo’” (Ulrich Melle, p. 23).

The soul, consciousness, the Ego, spirit are, it is true, not completely transcendent with regard to nature in the sense of the spatial-temporal-causal externality of entities. Through their connexion with the Body they participate ‘in a blind, mechanical causality, the psychophysical causality, which comprises them’ [Husserl, Ms. A IV 22/52a]. But they resist by their own essence a reduction to nature and to the calculating grasp of an explanation by causal laws. Soul, consciousness, Ego, spirit are not calculable! Thus it is the case that, while the apperceptions are indeed dependent on a material consisting of sensuous data, and equally are not entirely free as to how they apperceive this material, they are not causally determined by it. (Ulrich Melle, p. 23).

Husserl’s critique of the naturalistic reduction of wo/man and spirit is not directed against the naturalistic research program as such. In a manuscript from 1928 Husserl calls ‘the universal science of the world in the pursuance of the thematic of the externality of entities’, that is, ‘a universal inductive science of the world’, ‘a justified general task relating to the world.’ [Ms. A V 10/117b] This naturalistic research program treats wo/man as if s/he were in principle, in all her ways of behavior and expressions, explainable by causal laws. It proceeds on the methodical presupposition that everything which is not yet calculable, will become calculable in the further progression of the research. It belongs, so to speak, to the ethos of naturalistic research not to accept any unexplainable phenomena. (Ulrich Melle, p. 23).

It is not the naturalistic research program itself and its fanaticism of explanation that are problematic, but rather its absolutism. The naturalistic spell is founded, according to Husserl, on a ‘unjustified absolutization’ and a ‘self-forgetfulness of the personal Ego.’ [Ideias II, 193] This absolutization fails to recognize that the naturalistic research program is relative to a certain methodical attitude and to a certain epistemic interest of a personal subject. In spite of its universality it is of a grandiose one-sidedness. It comprises the whole cosmos, yet whole worlds evade it. (Ulrich Melle, p. 23).

To each world belongs a constituting world-experience. To the world of the inductive world-science belongs the material, somatological and psychic experience. These are experiences of an emotionless and disinterested view of an external world of pure facts, of spatially and temporally located physical and psychophysical things standing in a universal causal nexus. In the context of everyday life we have a totally different world- and self-experience, in which, consequently, a completely different world is constituted than the world of a mere

diferença]. Enquanto a primeira é um substantivo que designa a pessoa que adota a atitude natural-científica, a segunda não é mais do que um adjetivo que designa a própria atitude natural, ou, enquanto predicado, o que está em relação com ela.

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spatial-temporal-causal externality of entities. It is the world in which we live, the life-world. […] (Ulrich Melle, p. 24).

O mundo da vida é o mundo de sujeitos e comunidades de sujeitos, um mundo que não é composto apenas de fatos, mas um mundo no qual nós apercebemos o nosso ambiente imediatamente com seus predicados espirituais. “O mundo-da-vida é um mundo espiritual-cultural. Cultura, em sentido amplo, compreende todas as realidades, as quais possuem predicados de significado. ‘Cultura em geral é, então, o correlato da subjetividade atuante’. A essas realidades culturais pertencem os sujeitos pessoais e as comunidades de sujeitos. Em uma experiência do mundo da vida, eles são, também, ‘por assim dizer, apercebidos em casa (livery) espiritual permanente, no estoque permanente de predicados de significado mais ou menos claramente representados’. Cultura, no sentido preciso, é o resultado da atuação histórica de uma comunidade.” (Melle, p. 24). “O mundo-da-vida é um mundo histórico-tradicional-cultural” (Melle, p. 25). O método pelo qual se chega à atuação espiritual, fonte originária dos predicados objetivos: “Em um método de desmontagem (Abbau) nós podemos ir de volta neste mundo espiritual-cultural a um mundo de pura experiência como um estrato abstrato fundamental. Nós demonstramos sistematicamente todas as camadas de predicados de significado, todas as determinações objetivas que se originam das atuações espirituais. Ao fim, nós ainda abstraímos de todos os sentimentos sensoriais passivos e toda coloração emocional objetiva, dos quais são correlatos.” (p. 25). Fica-se, então, com um mundo artificial, desprovido de bens e valores, o qual, no entanto, continua como algo para um ego. Todos os predicados axiológicos, práticos e, sobretudo, teóricos são desmontados, e reconduzidos à sua origem: os “atos ativos de determinação predicativa” (p. 25). “As determinações predicativas estão sedimentadas, o objeto é experimentado, antes, com essas determinações. Mas, de acordo com Husserl, é possível, através do método de desmontagem, descascar essas camadas de determinações teóricas sedimentadas e pôr a descoberto o estrato abstrato de todos os predicados espirituais, o mundo da experiência pura. Esse mundo corresponde ao conceito de mera natureza, ‘natureza anterior a todo pensamento e suas determinações de pensamento’, natureza como ‘a esfera de objetos que emergiram ou surgiram por si mesmos e não foram feitos ou cultivados’.” (p. 25). “A mera natureza é o mundo da pura experiência sensorial em seu estado primitivo anterior a sua transformação através da impressão de nossas atividades teóricas. Trata-se da natureza ainda indeterminada, desconhecida, meramente experimentada e percebida.” (p. 25), a qual continua, mesmo após a desmontagem dos predicados de significado, relacionada à subjetividade humana, não através de suas atuações espirituais, mas devido a sua sensibilidade. A busca de Galileu foi a de transcendental essa realtividade da natureza meramente intuitiva e, assim, conhecer a natureza em si mesma, por meio de predicados objetivos, o que transforma a ciência moderna da natureza em abstrata. Essa eliminação das qualidades secundárias é a primeira abstração da ciência da natureza, à qual vem acrescida mais uma, a saber, a idealização matemática das qualidades primárias, que torna possível a determinação matemática exata da natureza e uma superação completa da relatividade da experiência. A partir disso, também as qualidades secundárias (e terciárias) são indiretamente matematizadas juntamente com as qualidades primárias, o que transforma a natureza em uma totalidade matemática infinita. “O que é o produto de uma abstração e uma idealização de múltiplas etapas é, eventualmente, tomado como a única realidade verdadeira. Essa é a absolutização que, de acordo com Husserl, está na base da crise da ciência e da cultura europeias.” (p. 26). “A natureza em si mesma das ciências naturais é um mundo desprovido de cores e sons intuitivos, sem sentido e significado. Ele é um

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puro nexo externo de sucessão e coexistência, um domínio de necessidade legalmente causal (ou, de acordo com compreensões mais recentes, de probabilidade estatística)” (p. 26). O paradigma do “morto” (por oposição ao “vivo”): “Essa natureza em si mesma é um natureza mecânica morta, na medida em que a ciência natural moderna constantemente tentou | compreender o vivente e o psíquico de acordo com o paradigma do morto, o material, e o físico. Por esse motivo, o analisar da ciência natural, o dividir, o separar, o quebrar, o moer, o fragmentar e o desmontar, tudo isto não se detém perante os seres viventes.” (p. 26-27).

A influência crescente da ciência natural no mundo da vida moderno:“A ciência natural moderna adquiriu uma influência enorme em nosso mundo-da-vida. Em primeira instância, isso aconteceu através da aplicação da ciência em e através da fusão última da ciência com a tecnologia moderna. A explicação matematicamente exata levou à possibilidade de cálculo matematicamente exato, e isso, por sua vez, levou à possibilidade de aplicação tecnológica. Os implementos técnicos, por sua vez, permitiram a pesquisa científica penetrar mais fundo em seu objeto de pesquisa. A ciência e a tecnologia, finalmente, uniram-se com o capital para formar o complexo científico-tecnológico-industrial que, por cerca de 200 anos, alterou radicalmente a realidade vivida de mais e mais pessoas. As pessoas estão, aparentemente, à mercê de um processo autônomo incessantemente em aceleração de expansão científico-tecnológica-industrial.” (p. 27).O naturalismo e o objetivismo da ciência moderna da natureza levam, pois, à exploração tecnológica e consequentemente industrial da natureza – o que inclui, também, as pessoas. A subjetividade e tudo o que é relativo a ela (eminentemente, propósito e significado) é um obstáculo à sua busca de objetividade absoluta. Com isso, a ciência moderna da natureza passou a oferecer hostilidade à própria vida. Por um lado, a física matemática, a qual é paradigmática, com seu objetivismo, para outras ciências naturais, é “a ciência do que está morto” (p. 27). Por outro, a ciência natural é incapaz levar em consideração o mundo da vida e tudo o que ele significa.

A seguir, U. Melle introduz a concepção e a função das ciências humanas (pp. 27-28).

De acordo com Husserl, a alienação [separação] entre ciência e vida não pode ser superada por uma revolta irracional de uma filosofia da vida contra a ciência moderna. Em vez disso, o que é necessário é uma ciência não redutiva da vida pessoal humana e seu mundo-da-vida, no âmbito da qual as pressuposições metódicas do projeto moderno de uma ciência mundana indutiva universal tem, também, de ser elucidada. (p. 27).

O campo de investigação dessas ciências: “os sujeitos pessoais, os quais constituem, em seus atos espirituais, um mundo com significados espirituais duradouros, isto é, um mundo cultural. A sua meta epistêmica não é a explicação por leis causais, mas uma compreensão interna de motivações.” (p. 28). “As ciências humanas compreendem a experiência e a prática do mundo-da-vida, elas entram no espírito dos atos subjetivos e nexos de atos e tentam compreender as suas motivações” (p. 28).

A ausência de uma ontologia das ciências humanas. Essa ausência de ontologia faz com que as ciências humanas não se tornem totalmente válidas ao lado das ciências naturais: falta-lhe uma ontologia do espírito, tanto do espírito subjetivo dos sujeitos

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pessoais quanto do espírito objetivo da cultura. Há uma ciência eidética para as formas espaciais, a geometria, que foi utilizada por Galileu e garantiu a exatidão e o rigor de seus conceitos, validando as ciências naturais. Mas, para o ser espiritual, uma tal ciência eidética está ausente.

A constituição do mundo espiritual em Ideias II: A terceira seção de Ideias II, que descreve a constituição do mundo espiritual, pode ser lida como uma contribuição à ontologia, sobretudo, do espírito subjetivo sobre a base de uma autoexperiência originária e a experiência dos outros como pessoas em um meio circundante. Os conceitos de “intencionalidade” e “motivação” são conceitos fundacionais coextensivos em tal ontologia do espírito subjetivo. A sua aplicação se estende tanto quanto a consciência, isto é, o espírito, estende-se na autoexperiência atual e potencial. Enquanto um sujeito pessoal-espiritual, eu existo intencionalmente, isto é, eu existo experimentando, valorando, desejando, atuando, estando dirigido a meu ambiente, meus pares humanos e eu mesmo. Minha tomada de posição, minhas convicções, valorações, decisões e ações são motivadas, de várias formas, por minhas próprias experiências ou pelas experiências de outros que se comunicaram comigo, por valorações e decisões anteriores, por meus hábitos etc. (p. 28).

Por este motivo, diferencia-se o “porque” enquanto motivação e o “porque” enquanto causalidade no sentido da natureza.

A passividade originária, o “lado natural” do espírito:

O sujeito pessoal [ou individual] é um sujeito de intencionalidade, e motivação e a lei da vida subjetiva. O sujeito pessoal é um sujeito que, ativamente, toma posições e é ativamente motivado sobre o fundamento [underlying ground] da intencionalidade passiva e da motivação. A vida espiritual é extensivamente determinada pelo hábito e pela rotina. Hábitos, habilidades aprendidas, convicções originárias das tomadas de posição ativas que mergulham no fundamento passivo do espírito, onde eles se consolidam enquanto hábitos, habilidades e convicções. Por oposição a essa passividade secundária, que se origina das atuações ativas [active performances], há uma passividade primária, que contém nada das sedimentações de atividades anteriores. Em Ideias II, Husserl fala de um “lado natural” [241], isto é, uma “base natural subjacente” [294] do espírito. A própria vida espiritual sabe de suas fundações naturais, ela não, por si própria, as produziu, ela possui determinados traços de caráter, talentos, e habilidades por natureza, ela é parte de e dependente da natureza através de seu corpo, por meio de sua sensibilidade. Ela experimenta a sua passividade originária, as suas sensações, seus sentimentos sensoriais, e pulsões [drives] como pré-doações naturais para

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suas atuações ativas. Esse enraizamento na natureza não é experimentado pelo espírito como uma compulsão externa no sentido de um mecanicismo causal. Mesmo que seja frequentemente um fardo, o seu estrato de natureza é, para o espírito, o que o torna possível, aquilo que lhe dá o material para as suas atuações ativas, aquilo que fornece a ele um órgão para a expressão e para a ação. (p. 29).

A vida espiritual como histórica e irreversível – o desenvolvimento:

A vida espiritual é histórica e, como tal, irreversível. Cada ato espiritual é um evento histórico, por trás do qual é impossível ir de volta e que deve ter a sua influência, não importa o quão pequena, no curso ulterior da vida espiritual. Cada ato espiritual deixa traços para trás, os quais não podem ser apagados depois, cada passo é um passo de mudança e desenvolvimento. Nada permanece tal como é. (p. 29).

Depois, cita uma passagem de Husserl, de um manuscrito, em que ele caracteriza a característica essencial da subjetividade como a forme de desenvolvimento, cada condição e ato motivando uma transformação integral do próprio sujeito (vivente), que é, então, uma mônada em constante desenvolvimento, oposta ao átomo estático.

O mundo espiritual é composto por uma comunidade intersubjetiva:

Cada espírito individual é membro de um mundo espiritual intersubjetivo. É aqui que a limitação da psicologia naturalística se torna, particularmente, evidente, porque a totalidade do campo da vida social-histórica e da cultura, tal permanece fechado para ela. Para a | psicologia naturalística pode haver interação entre sujeitos apenas por meio de uma relação causal entre os corpos físicos desses sujeitos. A psicologia naturalística não conhece as conexões espirituais entre os sujeitos pessoais; ela jaz, como se expressa o próprio Husserl, na “fragmentação do espírito em um amontoado de espíritos singulares” [Phänomenologische Psychologie, p. 337]. Mas as mônadas não são anexos psíquicos do corpo, os quais estão fechados em si mesmos: mônadas possuem janelas. (p. 30).

Há, pois, atos sociais e comunicativos que permitem às pessoas participarem de uma “unidade mais alta de consciência”, isto é, de um mundo comum.

A experiência do outro não é uma experiência psicofísica no sentido causal, especialmente conectada ao corpo, do qual o psiquismo seria meramente um anexo. Mas, isso não significa que essa experiência não seja corporalizada: na verdade, a experiência do outro é a de uma “unidade de expressão” entre corpo e espírito. “É verdade que a vida espiritual do outro é acessível para nós apenas enquanto encarnada [embodied], mas, na experiência pessoal do mundo da vida, a externalidade do corpo e a interioridade do espírito estão fundidas em uma unidade de expressão. A vida espiritual expressa a si mesma no corpo, nós vemos a ira de alguém em suas

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expressões faciais [facial features], as suas palavras e gestos expressam a sua convicção, a sua emoção, o seu desejo.” (p. 30).

A subjetividade social e a sua origem nos atos eu-tu. “Nos atos ‘eu-tu’, nos atos sociais e comunicativos, originam-se as comunidades pessoais, as quais têm, elas mesmas, segundo Husserl, um caráter pessoal. Elas são, na terminologia de Husserl, unidades pessoais de uma ordem superior. Essas unidades pessoais são mais do que a mera soma de seus sujeitos atomizados.” (p. 30). “Os sujeitos pessoais possuem determinadas funções e papeis sociais nessas unidades pessoais e comunidades. Tais comunidades são, elas mesmas, sujeitos com convicções, decisões, projetos e ideais. O que é particularmente importante é que as subjetividades comunais são contribuintes da mesma forma que cada sujeito pessoal singular da constituição das camadas de significado do mundo-da-vida.” (p. 30).

As determinações e estruturas essenciais do espírito subjetivo. “A intencionalidade e a motivação, a atividade sobre o fundo da passividade, a passividade natural primária e a passividade secundárias das habitualidades, o desenvolvimento e | a historicidade, os atos sociais e o espírito comum como personalidades de uma ordem superior: tais são as determinações essenciais e as estruturas essenciais do espírito subjetivo. Nessas determinações, a diferença ontológica radical entre natureza e espírito se mostra claramente. Essa diferença, contudo, recebe a sua expressão mais evidente [pronounced expression] apenas com duas outras determinações essenciais do espírito as quais estão intimamente conectadas uma com a outra: razão e liberdade.” (p. 30-1).

A oposição normativa entre razão e desrazão e as ciências humanas normativas. (p. 31). “Tudo o que é espiritual – atos de tomada de posição, motivações, atuações culturais, história – está sob a oposição normativa de razão e desrazão.” (p. 31). As ciências humanas e culturais se subdividem em factuais, que são ou empíricas ou a priori, e normativas. As ciências humanas normativas buscam responder à questão do valor, da genuinidade e da verdade, “da razoabilidade teórica, axiológica e prática das atuações espirituais, de teorias e de obras de arte, de tradições, e da história.” (p. 31). “Essas ciências humanas normativas pressupõem ciências a priori das formas e leis da verdade teórica, axiológica, e prática. O ponto de vista normativo é um ponto de vista de crítica ética: o que é não genuíno e irrazoável deve se tornar genuíno e razoável. O ponto de vista normativo também implica uma antecipação utópica de uma humanidade e de um mundo completamente genuínos, verdadeiros e razoáveis. Essa antecipação de uma humanidade e de uma cultura de razão genuínas, incluindo as possibilidades de sua realização, é a ideia prática mais elevada, que deve ser articulada no quadro geral das ciências a priori normativas.” (p. 31).

O aperfeiçoamento da humanidade como meta da razão, “a ideia prática mais alta da humanidade perfeita da razão” (p. 31), a livre autoformação e crítica. “De acordo com Husserl, como o é bem conhecido, a humanidade europeia é convocada a apreender a ideia final mais elevada de | determiná-la de uma maneira científica rigorosa e de realizá-la em um processo infinito de progresso.” (pp. 31-32).

A espiritualização do mundo dos objetos. “Um espírito individual e comum, o espírito subjetivo vivente, é criativo. Ele transforma o mundo pré-dado da pura experiência em um mundo espiritual-cultural, um mundo de significados. O espírito subjetivo vivente muda tudo, e ele o faz não apenas por meio de mudanças materiais, através do trabalho e da tecnologia, mas, também, e acima de tudo, cobrindo o mundo com camadas de significados teóricos, axiológicos e práticos.” (p. 32). Por este motivo, o mundo ausente de espírito e significado só pode ser reconstruído como uma “camada-estrato abstrata por meio de um desmanche metódico de todos os predicados de significado” (p. 32).

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A ontologia do espírito subjetivo e a ontologia do espírito objetivo – que determina as leis e formas a priori da cultura. “Além de e correlativa a uma ontologia do espírito subjetivo há a necessidade de uma ontologia do espírito objetivo, na qual as formas e leis a priori da cultura são determinadas. Uma distinção fundamentação em tal ontologia da cultura é a distinção entre cultura material e cultura ideal: ferramentas, objetos de uso, bens materiais, de um lado; e religiões, teorias científicas, composições musicais, de outro. A própria pessoa é um objeto cultural da mesma forma que as associações sociais em suas formas variadas. O espírito objetivo, a cultura, também está sob as normas da razão e da genuinidade. A ideia prática mais elevada da humanidade de razão corresponde à ideia prática mais elevada de cultura de razão” (p. 32).

Nos parágrafos seguintes, Ulrich Melle aborda a relação entre ciências humanas e ciências da natureza de maneira sintética a partir de tudo o que foi desenvolvido.

As ciências humanas são as ciências factuais, isto é, eidético-factuais e empírico-factuais, e as ciências normativas do subjetivo, isto é, tanto do subjetivo individual quanto do intersubjetivo, e do espírito objetivo, sendo este espírito a cultura. As ciências humanas investigam o mundo como um nexo de mundo-da-vida (life-wordly) de significado e de seres humanos em constante mudança, sujeitos pessoais que constituem esse nexo de significado e transitam por ele, que vivem nele, por meio dele, e com este nexo de significado2. As ciências humanas estão interessadas no sucesso dessa vida, elas são uma meditação crítico-reflexiva dessa vida sobre si mesma, sobre a história, sobre sua atuação, sobre suas metas. A esta autorreflexão e a esta autoinvestigação científica pertence a questão do fracasso e do sucesso, da realização do verdadeiro, do belo, do bom, da ideia de uma humanidade verdadeira e de um mundo verdadeiro e das vias possíveis para a realização dessa ideia. (p. 32).

As ciências naturais e seu “produto artificial do método”, a natureza física e psicofísica, pertencem a esse contexto universal de significado, que é o mundo-da-vida. A ciência natural, como um objeto cultural ideal, é um objeto da pesquisa humano-científica. A história das ciências naturais, e.g., pertence ao campo de pesquisa das ciências humanas. A pesquisa humano-científica tentará, igualmente, compreender as motivações que conduziram o foco naturalística à mera natureza e às várias abstrações e idealizações. (p. 32).

A investigação humano-científica da ciência natural irá, finalmente, avaliar criticamente a reivindicação pela razão e pela

2 “[...] which live in, through, and out of this nexus of meaning”. O jogo de palavras existente entre as preposições “in” e “out” e o advérbio “through” não pode ser aqui traduzido literalmente sem que se perca o sentido original da frase. Com esse jogo, o que fica expresso são os diferentes modos de viver em relação ao nexo de significado e fora do qual não há uma vida propriamente humana. Não havendo essa possibilidade de “estar fora”, a riqueza de significado da oposição, no original, entre “in” e “out”, que também englobam, em seu campo semântico, os significados “dentro” e “fora”, torna-se, portanto, intraduzível.

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verdade da ciência natural. As normas dessa avaliação são, sem dúvida, não aquelas do experimento científico-natural, da prova matemática, e da explicação por lei causal, mas aquelas das ciências humanas normativas. Esse exame crítico-normativo da ciência natural no contexto da vida espiritual e suas metas questiona se e quão longe a ciência natural promove o porvir de uma humanidade de razão. Assim, mostra-se que tanto a ciência natural quanto a ciência humana fazem uma reivindicação universal. Enquanto a ciência natural faz a reivindicação universal de explicação que também inclui o fenômeno espiritual, as ciências humanas fazem a reivindicação universal de compreensão, que também inclui a ciência natural e os seus construtos teóricos. Husserl fala de duas atitudes universais, a naturalística e a personalística ou atitude humano-científica, sobre o solo comum [common ground] do mundo-da-vida pré-científico. Isso amiúde cria a impressão de que há duas atitudes igualmente legitimadas, unilateralmente abstratas e absolutizantes, cada uma focando-se em um aspecto do mundo-da-vida Mas, considerando a atitude humano-científica, não se pode falar de abstração, tampouco de absolutização. Ela é dirigida à realidade concreta em sua completa concreção. Essa completa concreção pertence à correlação e à interação infinitamente complexa entre o espírito subjetivo e o objetivo. A atitude humano-científica seria abstrata apenas no sentido de que ela não se enraíza nem na atitude que se foca na natureza tal como ela é dada na pura percepção, tampouco na atitude naturalística-fisicalística, isto é, a atitude da abstração e da idealização científico-naturais. Afinal, trata-se de ciência humana e não de ciência natural. Como vimos, contudo, a ciência natural abstrai porque há natureza pura para sujeitos pessoais-espirituais apenas via uma abstração metódica de todos os predicados de significado. (p. 33).

A atitude não abstrativa das ciências humanas e a abstrativa das ciências naturais:

As ciências humanas não repousam na atitude unilateral, abstrata e absolutizante. Elas são ciências universais concretas da vida pessoal-espiritual e seu mundo histórico-cultural. A essa vida e a esse mundo pertence, também, o substrato natural do espírito, a atitude puramente perceptual-natural e naturalística, bem como as ciências naturais, tanto as ciências descritivas e as matemáticas que explicam por leis causais. A ciência natural, por outro lado, em uma atitude e em um método abstrativos, está exclusivamente dirigida a uma camada-substrato não independente da vida espiritual e do mundo espiritual. A sua meta é o conhecimento e a determinação do em-si dessa camada-substrato, isto é, de seu ser e ser-assim livre de todo sujeito-relativo, isto é, das determinações espirituais. O que, na verdade, é apenas uma camada-substrato abstrata da vida espiritual e do mundo espiritual está, eventualmente,

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absolutizada na realidade verdadeira e oniabrangente da natureza física e psicofísica. (p. 33).

Mas a ciências humanas continuam sendo ciências na atitude natural, a qual só é superada pela fenomenologia. Elas são um tipo de “fenomenologia mundana”:

As ciências humanas são, para Husserl, ainda ciências na atitude natural-mundana. Elas são ainda positivas e não ainda ciência transcendental. Contudo, na medida em que as ciências humanas investigam a constituição dos significados culturais e nexos de significados nos atos e motivações espirituais, elas são algo como uma fenomenologia | mundana. A redução transcendental, o recurso à subjetividade e à intersubjetividade transcendentais como o verdadeiro absoluto, primeiro abre a possibilidade de compreender a própria natureza como um objeto espiritual, como um produto de atuações espirituais. (p. 33-34).

A dependência do sujeito com a natureza pré-dada e o sujeito transcendental:O sujeito espiritual-pessoal na atitude natural-mundana conhece a si mesmo como fundamentado em e dependente da natureza pré-dada. Na época da ciência natural moderna, essa natureza é considerada como radicalmente estrangeira ao espírito. O mundo espiritual é, então, uma ilha de significado em um oceano cósmico sem significado e propósito. Através da redução transcendental e na fenomenologia transcendental, essa desespiritualização da natureza pela visão de mundo naturalística é revogada. Se a natureza pré-dada que subjaz o espírito mundano é constituído em atos de um sujeito transcendental, isso abre a perspectiva para uma metafísica da natureza, na qual as questões do significado e de propósito da própria natureza podem ser respondidas cientificamente (p. 34).

O sujeito-es

[...] it is clear that nature plays only a subordinate role for Husserl. Husserl’s idealistic conception of the relationship between nature and spirit is radically spirit-centered. Nature in itself and independent of spirit and its meaning-giving acts is first of all only an abstraction and secondly a mere substrate for the meaning-giving acts and goal-directed activities of spiritual beings. Meaning, purpose, value are spiritual predicates for Husserl, so if there are meaning, purpose, and value in nature, they are brought about only through spiritual acts.

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Protection of nature for nature’s sake would therefore not make any sense for Husserl, and any naturalistic axiology and ethics is nonsensical for him.” [Ulrich Melle, Nature and Spirit, p. 34, In Neon & Embree, Issues in Husserl’s Ideias II].

Não é de se negar, portanto, a influência exercida pela concepção husserliana da conexão entre espírito e natureza, eu e mundo, em sua concepção de psicologia fenomenológica, enquanto uma ciência eidética que pressupõe, desde o início, a demarcação – espinhosa – entre o espírito e a natureza, motivo pelo qual lhe pode ser atribuído o predicado de “ciência humana”. Caso seja possível atribuir à concepção husserliana da relação entre natureza e espírito o atributo de “idealista” ou de “radicalmente centrada no espírito”, o mesmo vale, a fortiori, para a sua concepção de psicologia fenomenológica, visto que depende dessa concepção.

Mas, em todo caso, como o reconhece Ulrich Melle, com a superação da atitude natural pela redução transcendental, o mundo natural sem sentido e sem propósito, que se opõe ao mundo espiritual, ganha uma nova dimensão. Essa visão do mundo despiritualizado é meramente a visão naturalística, ao passo que, com a reduão transcendental, a natureza pré-dada que subjaz ao espírito mundano passa a ser vista como constituída por atos de um sujeito transcendental, o que abre a perspectiva de uma “metafísica da natureza” [Ulrich Melle, op. cit., p. 34], por meio da qual é possível responder, cientificamente, às questões sobre o sentido e o propósito da natureza, sobre essa “facticidade irracional bruta” [idem], que é independente dos projetos do espírito, e que possui o seu próprio destino – e, consequentemente, a sua própria morte. Este é o “contexto último de racionalidade e irracionalidade” [p. 35], pertencente à “facticidade natural da natureza pré-dada” [idem].