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TERRITÓRIO, TRADIÇÕES E A COMUNIDADE: um recorte das manifestações culturais em Chapada Gaúcha

Nadja Maria Mourão1 Rita de Castro Engler2

RESUMO

Este artigo busca contextualizar e analisar os conceitos relacionados ao território, tradições e comunidades e a importância das manifestações culturais de algumas comunidades de Chapada Gaúcha e arredores, em especial, as narrativas colhidas durante o evento “Encontro dos Povos”. Tratamos de pesquisa-ação em que foram aplicadas oficinas de design, cultura e identidade, para estimular a inovação na produção artesanal, valorizando os atributos locais identificados. Entre os resultados da pesquisa, gerou-se a oportunidade de conhecimento e desenvolvimento de técnicas e novos modelos, sustentados nos recursos e cultura local.

Palavras Chave: Comunidade, Território, Tradições.

AbSTRACT

This article seeks to contextualize and analyze concepts related to territory, traditions and communities, and the importance of cultural manifestations of some communities of Chapada Gaúcha area, especially conversations collected during the “Encounter of Peoples”. Active research on culture and identity design workshops were implemented to stimulate innovation in craft production, valuing the identified local attributes. The results of this research generated the opportunity of learning and development of techniques, as well as new models, focused on local resources and culture.

Keywords: Community Planning, Traditions

1 Doutoranda em Design – PPGD/UEMG (Orientadora: Rita de Castro Engler); membro e professora do CEDTec – Centro de Estu-dos em Design e Tecnologia da Escola de Design/Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected] Doutorado em Engenharia de Produção e Gestão de Inovação Tecnológica – Ecole Centrale Paris/FR, Pós-doutorado em Design Social na Ryerson University – Toronto/CA, coordenadora Mestrado e Doutorado do PPGD/UEMG e do CEDTec. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

Este artigo busca contextualizar e analisar os conceitos relacionados ao território, tradições e comunidades e a importância das manifestações culturais de algumas comunidades do município de Chapada Gaúcha e arredores, em especial durante o evento “Encontro dos Povos”. Busca-se inclusive, verificar se as oficinas de design, cultura e identidade contribuem para a inovação dos produtos artesanais, valorizando os atributos locais identificados.

Chapada Gaúcha localiza-se nas proximidades da divisa com Goiás e Bahia, no noroeste de Minas Gerais, região do sertão e das veredas, divulgadas pelo poeta e escritor João Guimarães Rosa.

O estudo analisa as narrativas do conhecimento popular de membros das comunidades na região, durante o 10º Encontro dos Povos, em 2011. Trata-se de um recorte da pesquisa do mestrado em Design, PPGD-UEMG: “Sustentabilidade na produção artesanal com resíduos vegetais: uma aplicação prática de design sistêmico no Cerrado Mineiro”, premiada em Economia Criativa - Arranjo Produtivo Local, do Ministério da Cultura, em 2012.

Como referência, utilizam-se as reflexões sobre a categoria “cultura” no contexto do território e as formas pelas quais as pessoas da localidade se apropriam desta cultura. Cunha (2009) relata que a temática em conhecimentos tradicionais direciona um processo de amadurecimento teórico que avança em várias frentes, abrangendo um conjunto de questões que dialogam com contextos políticos.

Foi utilizada metodologia de natureza qualitativa, com formato de estudo de caso. O estudo qualitativo “se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (LÜDCKE e ANDRÉ, 2007, p.18).

As atividades foram executadas em pesquisa-ação, através das práticas do design social3. Considera-se pesquisa-ação, conforme Thiollent (1985), quando ocorre uma ação ativa do pesquisador ao estudo social em questão, em busca de resultados centrados no agir participativo e coletivo.

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação da realidade a ser investigada estão envolvidos de modo cooperativo e participativo (THIOLLENT,1985, p.14).

3 O design social pode se definido como um processo de projeto de produtos ou serviços, com aplicabilidade na sociedade e que contribui para melhorar a qualidade de vida. Papanek (1984) defende o conceito de que os designers e profissionais de criação podem causar mudanças positivas no mundo através de um bom design. Ou seja, o design com responsabilidade ambiental, social e econômica. Como responsável, o profissional deve saber escolher como projetar, qual material utilizar e como atender à demanda.

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Assim, foram analisados os conceitos, respeitando os múltiplos olhares e vozes dos membros das comunidades, considerando-os atores e autores do processo, pensado e construído em conjunto, buscando resgatar e valorizar os conhecimentos artesanais da região.

A pesquisa teve como pré-requisito dados do mapeamento “sócio econômico cultural ambiental”, de projetos antecessores dos pesquisadores, e aplicação das oficinas de design, cultura e identidade. Os participantes das oficinas foram os artesãos das comunidades de Buraquinhos, Ribeirão do Areia e Serra das Araras no município de Chapada Gaúcha, em Minas Gerais. As oficinas buscaram fomentar novas possibilidades de produção artesanal, visando estimular a identificação do território nos produtos artesanais, através do conhecimento cultural na produção artesanal.

Na sequência, apresentam-se estudos conceituais da cultura em uma comunidade e “cultura” no sentido de metalinguagem, abordando aspectos do território e da identidade, para confrontar a realidade com o referencial teórico. São analisados os resultados da metodologia participativa nas comunidades selecionadas, verificando qual a importância do Encontro dos Povos para a comunidade e qual a contribuição das oficinas de design, cultura e identidade para a produção artesanal e valorização das comunidades.

COMUNIDADE E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS

Entre as comunidades que residem no Cerrado estão os povos tradicionais. Esses povos fazem parte do patrimônio histórico e cultural brasileiro e detêm um amplo conhecimento tradicional da biodiversidade. Na região de Chapada Gaúcha, residem os nativos e os imigrantes que, por questões de ocupação territorial, através do Projeto de Assentamento Dirigido a Serra das Araras - PADSA, fixaram-se e fundaram a Vila dos Gaúchos, conforme o IBAMA/Funatura (2003).

Dentro da implementação de políticas agropecuárias para a região de cerrados, a região do noroeste mineiro foi foco de um programa de ocupação territorial chamado Projeto de Assentamento Dirigido a Serra das Araras - PADSA, realizado pela Fundação Rural Mineira – RURALMINAS, um órgão estadual da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Após estudos topográficos específicos e loteamento feito pela Ruralminas. (IBAMA/FUNATURA, 2003; IBGE, 2008, p.2).

Aproximadamente dez a doze famílias, oriundas do Rio Grande do Sul, iniciaram a ocupação ainda no ano de 1976. Este foi o início do cenário que resultou especialmente na Vila dos Gaúchos, atualmente, Município de Chapada Gaúcha.

Com relação aos nativos, além das comunidades indígenas, são encontrados os povos tradicionais do Cerrado que incluem: sertanejos, ribeirinhos, chapadeiros, geraizeiros,

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vazanteiros, quilombolas, entre outros. Estes, conhecendo o território local, aprenderam a extrair do bioma os recursos para alimentação, utensílios e artesanato. Geralmente, estas comunidades aproveitam os recursos do bioma de forma racional, equilibrada e sem prejudicar significativamente os ecossistemas (MMA, 2004).

Entender a diversidade e estabelecer limites da pesquisa é tarefa que merece zelo e atenção. Para o estudo dos povos tradicionais, Cunha (2009) assinala a importância do diálogo, para quaisquer pesquisas:

Os acessos aos conhecimentos tradicionais sobre recursos genéticos e a sua utilização exigem negociações com consentimento formal e repartição de eventuais benefícios com populações tradicionais, tudo isso intermediado, ou radificado pelo Estado. Essas exigências decorrem de um construto legal e institucional, firmado em âmbito internacional em 1992: a Convenção sobre Diversidade Biológica, das Nações Unidas (CUNHA, 2009, p.317).

Os imigrantes da região são os gaúchos que carregaram as festas e as danças do sul para os sertões. O tradicionalismo gaúcho é dominante e imponente, mantido pelos Centros de Tradições Gaúchas - CTGs. A convivência entre os povos encontra-se ainda desordenada, provocando alguns choques culturais entre os hábitos do sul com os dos sertanejos, na região. No entanto, configura-se num jogo de disputas dos rituais que despertam a autovalorização dos representantes. No livro Grandes Sertões: Veredas, Guimarães Rosa narra os conflitos íntimos do personagem Riboaldo. A luta entre a tradição e o novo. Do mesmo modo, torna-se perceptível no cotidiano deste povo a afirmação do personagem: “o sertão é dentro da gente” (GUIMARAES ROSA, 1986).

Cunha (2009) relata que, ao lidar com conceitos e regimes de conhecimento tradicional, a imaginação ocidental permanece ligada ao terreno conhecido. “A conceituação dominante do conhecimento tradicional raciocina como se a negação do indivíduo fosse sempre o coletivo” (CUNHA, 2009, p.328). Em contraste com a autoria individual, a cultura dos povos deve ter uma autoria coletiva. O que nos remete à força que as comunidades apresentam como representantes do território.

De acordo com Cunha (2009), a cultura (sem aspas) é considerada a partir de direitos costumeiros, onde, por exemplo, existe a noção de direitos privados sobre conhecimentos, havendo uma correlação paradoxal: quanto menos uma sociedade concebe direitos privados sobre a terra, mais desenvolve os direitos sobre “bens materiais“.

Desde 2002, a Prefeitura Municipal de Chapada Gaúcha, com o apoio de instituições parceiras do município, realizam o projeto “Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas”. O evento idealizado pela Fundação Pró-Natura (Funatura), com o objetivo de sensibilizar os participantes para a preservação ambiental e cultural, promove a valorização e difusão dos conhecimentos tradicionais e as manifestações culturais das comunidades existentes nas proximidades do

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Parque Nacional Grande Sertão Veredas e outras.

O Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas reúne pessoas de outros municípios, estados e países. Em meio aos festejos, encontram-se visitantes, pesquisadores e turistas (figura 1). Durante todos os dias do evento, o artesanato das comunidades do Vale do Urucuia destacam-se, além das diversas atividades culturais, educacionais, ambientais e a variedade de produtos da região. Enquanto ocorrem seminários e debates, apresentações folclóricas e danças de varias origens acontecem no palco, no pátio e entre as barracas de artesanato e de comidas tradicionais.

Figura 1: 10º Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas Fonte: MOURÃO, 2011.

DESENvOLvIMENTO: A OUTRA MARGEM DO vELhO ChICO

A bacia hidrográfica do rio Urucuia nasce na Serra Geral de Goiás, fronteira deste Estado com Minas Gerais. Suas águas vão deslizando entre morros e chapadões, no sentido oeste-leste, até chegar ao rio São Francisco (Velho Chico). Os córregos que formam suas nascentes estão nos municípios de Formosa e Cabeceiras, em Goiás, e Buritis – MG. Geologicamente, a maioria dos tipos de solo dessa bacia é parte da Formação Urucuia, que apresenta idade variável entre 80 e 50 milhões de anos (MENDES, 2011).

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O município de Chapada Gaúcha está situado a aproximadamente 130 km de distância do município de São Francisco e aproximadamente a 800 km da capital mineira, com vias de acesso pavimentadas somente até o Rio São Francisco. Assim, pelas dificuldades de deslocamento, foram escolhidas as comunidades de Ribeirão do Areia, Buraquinhos e do distrito de Serra das Araras, para realização das entrevistas e registros em vídeos.

O Distrito de Serra das Araras, no passado, foi passagem dos cangaceiros e desbravadores dos sertões, histórias de mais de 100 anos das veredas e dos sertões. Na figura 2, imagens dos buritizais, da Reserva Sustentável do Acari, no Distrito de Serra das Araras.

Figura 2: Reserva de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari - Chapada Gaúcha /MG. Fonte: MOURÃO, 2011.

O que se pensar desta gente, cujo tempo e espaço possuem significados diferenciados nos moldes das cidades urbanas? A complexidade do território para a comunidade não é considerada como empecilho para a estrutura de vida de cada um. Depende de como o pesquisador aborda e o que pretende levar do local. Então, os direitos intelectuais oriundos de muitas sociedades tradicionais diz respeito à cultura; os projetos políticos que consideram a possibilidade de colocar conhecimento tradicional em domínio público dizem respeito à cultura, sendo isso uma consequência da refletividade, conforme Cunha (2009). Desta forma, devem-se analisar as relações da cultura, território e identidade.

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Cultura, território e identidade

“Cultura” é, no sentido de metalinguagem, falar de si mesmo, sendo difícil distinguir a cultura com aspas e cultura sem aspas, pois há coexistência dos universos de discursos, o que pode gerar contradições. Deve-se considerar que o discurso é inerente à linguagem completa, capaz de falar de si mesma, conforme Cunha (2009). Assim, o uso reflexivo da noção de cultura (cultura com aspas) e a convivência mútua da noção invisível da cultura (sem aspas) gera efeitos dessa convivência, mas não se contradizem.

A respeito da construção do território, Teixeira (2006) diz que esta possibilidade advém do poder que os indivíduos exercem sobre um determinado espaço, tal como Sack (1986) define territorialidade: “A territorialidade está intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar” (SACK, 1986, p.31). É a significação do lugar, no conjunto de duas especificidades, que o torna único, dotado de uma identidade. Sack (1986) completa que, em função da memória do lugar, é o que forma e define a sua história. Trata-se aqui, a definição de território sob uma dimensão simbólica, associado a sentimentos de pertencimento e de enraizamento, exercido pelos próprios indivíduos que se apropriam do espaço.

Os espaços construídos envolvem relações ambientais, sociais e políticas, sujeitos a determinações e modificações dos homens. Certeau (2003) relata que estas relações podem ser decorrentes tanto de fatores econômicos, políticos ou socioculturais, estabelecendo seu domínio sobre todo e qualquer ambiente, o que pode ser também uma apropriação simbólica de referência ou identidade.

O estudo das identidades necessita de investigação sobre o universo mental dos seres humanos em sociedade, os seus modos de sentir. Segundo DURAND (2001, p.86), “o conceito de identidade não é apenas uma extensão do objeto, mas uma representação que permite compreensão”. Ou seja, é no conjunto das qualidades e atributos que o significam, que se distingue um ambiente de outro, além dos elementos materiais.

Castells (1999) define identidade como o processo de construção de significados com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado. As identidades, na maioria das vezes, são construídas e reconstruídas no tempo e nas fronteiras com novas culturas.

Nas comunidades pesquisadas, a produção de esteiras de buriti é um ritual passado de gerações a gerações. Ninguém sabe ao certo quem começou a fazer as esteiras de buriti, mas, como comunidade tradicional, eles mantêm a cultura artesanal. A técnica de produção artesanal de esteiras (figura 3) é utilizada para quase todos os produtos executados. Caminhos de mesa,

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suporte para panelas, revestimento de pisos, paredes e forro de telhados, divisórias e outros são produzidos com a palha do buriti. Também é utilizada a técnica de corte, encaixe e pegos com os talos (pecíolo) da folha do buriti, para confecção de bancos grandes e pequenos, camas, prateleiras e outros objetos utilitários de residências.

Figura 3: Artesãs e produção de esteiras - comunidadede Buraquinhos. Fonte: MOURÃO, 2011.

A comercialização do artesanato é precária, não há um local devido para estocagem dos produtos. Assim, geralmente a produção é feita por encomenda. Os artesãos valorizam mais o trabalho na lavoura e aproveitam os resíduos para alimentação de animais ou como adubo.

RESULTADOS: UM RECORTE DA “CULTURA”

As oficinas de design, cultura e identidade conseguiram atingir ao objetivo principal, pois foram apresentados novos modelos para produção artesanal, com aspectos mais regionalizados, usando a matéria prima de resíduos vegetais locais. Foram atividades experimentais, mas os produtos apresentados possuem potenciais para a expansão do artesanato na região. A melhoria da qualidade nos métodos de produção e o aproveitamento dos resíduos, gerando produtos diferentes, apontam que a identidade das comunidades está preservada em cada objeto.

Os produtos foram desenvolvidos integralmente pelos artesãos, sem a interferência da pesquisadora designer. Estes apresentam vínculo ao contexto cultura, aproveitando o despertar da comunidade quanto à utilização dos resíduos vegetais.

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O respeito à diversidade possibilita a expansão de produtos diferenciados, inovadores e criativos. Cada comunidade não se interessa em copiar o trabalho da comunidade vizinha, mas observa a técnica e aprimora, criando novos produtos artesanais. Recorda-se, ainda, que “a pluralidade de etnias, em processo harmonioso na formação da sociedade brasileira, favoreceu a maturação da sua própria multiculturalidade” (MORAES, 2008). O caminho do design brasileiro desponta na diversidade e não na unidade.

A força e a riqueza da constante renovação e criatividade podem contribuir para a estruturação da economia local. Assim, nascem outras formas de identificar o design, público, associado aos valores culturais, de identidade e de domínio popular. Incidem sobre a expansão do design para outros aspectos, buscando qualificá-lo como processo criativo, inovador e provedor de soluções. Desta forma, comprova-se acréscimo do design na produção artesanal.

A atividade artesanal é tão antiga quanto o homem que fabricava suas próprias ferramentas nas cavernas, afirmam Maynart e Trufem (2009). Para as autoras, em relação a atividades artesanais que se desenvolvem em locais distantes dos centros comerciais, ou pouco explorados por turistas, o que se percebe é que os produtos e a dinâmica da produção ainda possuem muito das características tradicionalmente mantidas através dos tempos. Nestas localidades pode-se observar a técnica ser transmitida de geração a geração através do aprender fazendo, próprio deste tipo de atividade, e grande parte da produção artesanal ainda é utilizada para suprir a comunidade das suas necessidades básicas de utensílios e outros artigos ali desenvolvidos.

Segundo Araújo (2013), conhecer a cultura da região onde se vive, além de ajudá-la a se manter, reforça a própria identidade e protagonismo, bem como o pertencimento, valores de solidariedade, alteridade, bem como o interesse pela arte e cultura popular e o desenvolvimento de uma consciência multicultural. O projeto “Mestres do Sertão: Griôs da Folia” estimula a aprendizagem através das manifestações culturais. “Seu” Jonas ensina os jovens a tocarem rabeca utilizando as cantigas da festa do Divino (figura 4). Nesse sentido, destaca-se a importância da cultura enquanto recurso educacional.

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Figura 4: “Seu” Jonas ensina jovens a tocarem rabeca e canticas da Festa do Divino - Projeto Mestres do Sertão: Griôs da Folia”. CG – MG.

Fonte: Instituto Rosa Sertão, 2011.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se que a iniciativa de fazer um encontro dos povos residentes em Chapada Gaúcha, arredores e noroeste de Minas, região de sertão e veredas, possibilitou o diálogo e divulgação das tradições e das manifestações culturais entre todos envolvidos. Tornou-se uma ferramenta de convívio social, importante para a vida dos povos e comunidades que se reúnem no evento, sejam ribeirinhos, sertanejos, chapadeiros, gaúchos, entre outros.

Para os artesãos, participantes das oficinas de design, território e identidade, foi gerada oportunidade de conhecimento e desenvolvimento de técnicas e novos modelos, sustentados nos recursos e cultura local. Na união dos saberes e das diversas habilidades de cada artesão, incentiva-se a geração de inovações na produção artesanal. O artesanato é uma atividade que estimula o espírito de cidadania, organização social, autoestima, desenvolvimento local e preservação das tradições. Enfim, na convivência com a sabedoria popular, apropria-se poeticamente das palavras de Guimarães Rosa (1986, p. 271): “Mestre não é aquele que ensina, mas quem, de repente, aprende”.

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