uma experiÊncia interdisciplinar no trabalho com a
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UMA EXPERIÊNCIA INTERDISCIPLINAR NO TRABALHO COM A HISTÓRIA E
CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
BÁSICA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO EM INHAPI-ALAGOAS
Crislene Gois Santos1
José Clécio Silva de Souza2
GT 1 – Educação de Crianças, Jovens e Adultos
RESUMO
O presente artigo visou promover e estabelecer reflexões sobre o trabalho com a temática História da
Cultura Afro-brasileira através de ações interdisciplinares. Metodologicamente, este foi um estudo
descritivo baseado na observação sistemática das ações realizadas em sala de aula e fora dela, na
Escola Municipal de Educação Básica Nossa Senhora do Rosário em Inhapi - Alagoas. Essas
observações partiram de ações interdisciplinares, que se subdividiram e explanaram os conteúdos
referentes à temática, instigando o corpo discente a investigar, criar e discutir sobre elementos dela
pertencentes. A partir das análises, notou-se que a escola em sua amplitude se envolveu e trabalhou
para que o resultado de valorização das diversidades presentes nessa cultura fosse alcançado. A partir
das apresentações observou-se uma aprendizagem significativa resultante da relação professor-aluno.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Cultura Afro-brasileira. Escola.
RESUMEN
El present artículo viso promover y establecer reflexiones sobre el trabajo con la tema Historia de la
Cultura Afro-brasileña através de acciones interdisciplinares. Metodológicamente, este fue un estudio
descriptivo basado en la observación sistemática de las acciones realizadas en la aula y fuera della , en
la Escuela Municipal de Educacion Básica Nossa do Rosário en Inhapi - Alagoas. Estas observaciones
indican acciones interdisciplinarias, que se subdividen y el contenido explanaram relacionados con el
tema, instando al alumnado para investigar, crear y analizar los elementos del mismo que pertenece. A
partir de las análisis, se observó que la escuela en su amplitud fue involucrado y trabajó para el
resultado de valorización de las diversidades presentes en esa cultura fosse alcanzado . A partir de las
presentaciones se observó una aprendizaje significativo que resulta de la relación profesor-alumno.
Palabras clave: Interdisciplinariedad. Cultura afro-brasileña. Escuela.
1 Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe-UFS (2016), Mestranda em Educação
pela Universidade Federal de Sergipe. Docente de Educação Física da Escola Municipal de Educação Básica
Nossa Senhora do Rosário – Inhapi/Al (2016 - atual) e integrante do grupo de pesquisa Corpo e Governabilidade
– UFS (2013-atual). E-mail: <[email protected]>. 2 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Norte do Paraná – Unopar (2010), Licenciado em História pelo
Centro Universitário Leonardo Da Vinci – Uniasselvi(2013), Especialista em História da Cultura Afro-Brasileira
pela Faculdade de Ciências Educacionais da Bahia – Face Bahia (2013), Especialista em Gestão de Serviços
Sociais e Políticas Públicas pela Universidade Cândido Mendes – Ucam (2015), Professor de História na Escola
Municipal de Educação Básica Manoel Moura de Souza em Delmiro Gouveia-Al (2007-atual) e Professor de
História na Escola Municipal de Educação Básica Nossa Senhora do Rosário em Inhapi-AL (2016-atual). E-
mail:<[email protected]>.
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INTRODUÇÃO
Estima-se que aproximadamente 53,6% da população brasileira é formada por
negros e pardos de acordo com dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, sendo o Brasil o segundo país com a maior população de origem africana
no mundo, ficando atrás apenas da Nigéria.
Os africanos trouxeram em sua bagagem cultural suas crenças, culinária e suas
formas de sociabilidade. Todavia, com toda a riqueza da influência das matrizes africanas em
nossa cultura, sabemos muito pouco sobre este continente. A força e a influência da cultura
que os africanos reconstruíram em terras brasileiras são inegáveis. No entanto, até pouco
tempo atrás essas contribuições culturais não eram reconhecidas ou valorizadas. Quando eram
valorizadas, remetiam a uma situação de diferenças entre negros e brancos, isso porque ela era
pensada em termos raciais. Os livros didáticos, os noticiários dos jornais e outros meios de
informação, na sua maioria, apresentam um conhecimento simplificado da África.
Conhecimento este, que, muitas vezes, não oportuniza estabelecer relações com a real
importância deste continente na construção de nosso país.
É inegável a presença dos diferentes grupos africanos no Brasil que, mesmo na
condição de escravos, refizeram elementos que faziam parte da cultura africana, inserindo ou
justapondo-os aos elementos da cultura brasileira. Vemos a presença africana no Brasil nos
traços físicos e marcas genéticas, nas feições da população, na música e na religiosidade, que
talvez sejam as manifestações culturais em que a presença africana esteja mais evidente,
estando a África ainda presente: nos ditos, nas histórias, nas canções, nos brinquedos infantis,
nas festas, nas danças populares, na maneira como se cumprimenta, no jeito de estar em casa e
na rua.
Contudo, o sofrimento do negro não acabou com a abolição da escravatura, a luta
ainda continua na atualidade, por um reconhecimento e valorização das contribuições do
africano para a formação social, econômica e cultural do país, e mais do que isso, na luta pelo
fim da discriminação racial e mudança de atitude da população com relação ao negro, para
que haja respeito e tratamento igual.
Sabendo-se da importância desta cultura e visando estabelecer o reconhecimento
sobre todas as contribuições dos africanos para a formação do Brasil é que esta pesquisa
torna-se relevante, pois além de promover um trabalho interdisciplinar sobre questões
pertinentes a História da Cultura Afro-Brasileira, promovendo ao corpo discente, o
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conhecimento sobre direitos que vêm sendo atribuídos àqueles que pertencem às origens afro-
brasileiras como: as Políticas de Ações Afirmativas e a Política de Cotas, que garantem vagas
para a população negra nas Universidades e em concursos públicos, propiciando assim a
inserção dos mesmos em espaços que até então eram predominantemente da população
branca.
Outro fator relevante é a promulgação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o
ensino da História e Cultura Afro-brasileira em escolas públicas e privadas de Educação
Básica do país, que devem ser abordados em todos os componentes curriculares, em especial
nas disciplinas de Educação Artística, Literatura e História Brasileira. Deste modo, o projeto
intitulado (Re)descobrindo a Cultura Afro-Brasileira, Desconstruindo Preconceitos,
visou promover para os alunos o conhecimento da cultura africana, suas crenças, religiões,
músicas, danças e artes visuais e estabelecer uma valorização sobre a história da cultura
Afrobrasileira.
Iniciamos o presente artigo, trazendo um breve referencial teórico sobe o negro no
Brasil e as suas contribuições na formação da nossa nação no âmbito social, econômico e
cultura e em seguida todo o processo de inclusão da História da Cultura Afro-Brasileira no
currículo escolar, através da Lei 10.639/03, com o objetivo de promover a valorização da
cultura afro-brasileira e consequentemente amenizar os casos de discriminação racial no
Brasil.
Em seguida abordamos a importância da interdisciplinaridade no processo de
trabalho com a temática Cultura Afro-Brasileira, seguida da descrição de como se
desenvolveu o trabalho a partir das diferentes áreas de conhecimento Escola Municipal de
Educação Básica Nossa Senhora do Rosário, através do Projeto (Re)descobrindo a Cultura
Afro-Brasileira, Desconstruindo Preconceitos, que foi desenvolvido com turmas do ensino
fundamental e que se obteve resultados plenamente satisfatórios.
A CULTURA AFRICANA NA CULTURA BRASILEIRA
As manifestações culturais africanas são resultados de misturas mais antigas,
incorporando elementos das culturas indígenas, portuguesa e Iorubá sendo a influência deste
último mais forte na região de Salvador, que manteve fortes laços com a Costa da Mina.
À medida que o africano era inserido na sociedade brasileira tornou-se
afrobrasileiro. Usa-se o termo afro-brasileiro para indicar produtos de mestiçagens para os
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quais as matrizes são africanas. Matrizes estas, presentes na formação do povo e da cultura
brasileira.
Além dos traços físicos e marcas genéticas nas feições da população, a música e a
religiosidade, talvez sejam, as manifestações culturais em que a presença africana esteja mais
evidente. Ao longo da história da humanidade, a religiosidade sempre esteve presente. Seja
qual for a forma de devoção ou crença, as religiões sempre trouxeram princípios éticos,
buscando o sentido da vida e tentando explicar a morte.
Nos ritos africanos, o sobrenatural era(é) acionado por especialistas que
dominavam os conhecimentos necessários, para que as entidades do além pudessem ajudar a
solucionar, geralmente, questões da vida cotidiana. Com o passar do tempo, as práticas
mágico-religiosas começaram a difundir-se em outros segmentos da sociedade, sendo a
umbanda e o candomblé as religiões afro que mais cresceram no Brasil.
Segundo Barbosa (2001) o termo umbanda é utilizado para designar as religiões
afrobrasileiras de origem banto, nas quais são cultuados ancestrais e espíritos da natureza,
com forte presença de elementos das religiões indígenas e também influência do espiritismo,
de origem europeia. O candomblé é outro conjunto de práticas e crenças mágico-religiosas de
matrizes africanas que germinou no Brasil. Orixás e voduns são entidades ancestrais e heróis
divinizados fundadores de linhagens, reinos e cidades-estados, sendo não só a origem da
organização social e política, como aqueles que orientam toda ação dos homens em sua vida
terrena. (SOUZA, 2007).
Os terreiros que abrigam candomblés e umbandas são espaços que reforçam as
características da cultura africana, como: a arquitetura, as formas de festejar, os ritos e as
danças. É no ritmo dos tambores, cujo som é um dos elementos que permitem que os espíritos
desçam sobre médiuns, por meio dos quais eles se comunicam com os vivos. A música
africana tem a sua maior expressão na cultura. (SOUZA, 2007).
Na música também se encontra claramente a influência africana através percussão.
Na variedade de instrumentos, sobretudo, o tambor que ao lado de outros instrumentos, como:
o berimbau, o agogô e o reco-reco são utilizados nas danças e festas. De acordo com Fonseca
(2006), os africanos trazidos à força para as Américas encontraram aqui os instrumentos
musicais europeus, como: o pandeiro, a viola e a rabeca e não tardaram em adotá-los.
Absorveram também a música que agradava aos senhores e misturando-a com a sua,
inventaram novos gêneros e estilos que mantiveram a essência africana.
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Nas congadas, maracatus, capoeiras e reisados, os ritmos musicais africanos estão
na base do movimento corporal. Nos sambas de roda e de umbigada, nos jogos, no frevo e
outras danças. Os passos são mais ou menos fiéis aos que eram realizados pelos primeiros
africanos e afrodescendentes que dançaram em terras brasileiras.
Entre as danças populares está o bumba meu boi, ou o boi-bumbá, uma espécie de
teatro dançado e cantado no qual é contada a história de um empregado negro que mata o boi
preferido do patrão para satisfazer o desejo de sua mulher grávida de comer carne. Vendo-se
nessa situação complicada, procura um feiticeiro para que, por meio de forças mágicas faça o
boi ressuscitar. Esta prática deu origem a uma das maiores festas populares da Amazônia, o
Boi de Parintins, na qual elementos indígenas ganham o primeiro plano, sobrepondo-se à
influência de culturas africanas, em muitas das quais o boi é um elemento central e cujos ritos
mágico e religiosos estão presentes na ressurreição do boi (SOUZA, 2007).
Outra dança de matriz africana, presente na sociedade contemporânea, é a
capoeira que consiste na luta dançada, na qual dois antagonistas dão golpes de pernas e
cabeças, usando as mãos como apoio, saltando de um lado para outro. A capoeira é uma das
manifestações culturais afro-brasileiras mais difundidas no país e também no exterior, sendo
que até 1920, esta prática era proibida no Brasil. Nos anos de 30, tornou-se uma das marcas
da identidade brasileira, ao lado do samba. Passou a ser ensinada por mestres capoeiristas sob
duas vertentes de ensino: a capoeira Angola e a Regional (CAMINHA, 2007).
Os elementos africanos da capoeira são: os instrumentos musicais (tambor e
berimbau), a formação da roda, a ginga, os ritmos, as letras dos pontos cantados e os passos
da dança/luta.
A primeira academia da capoeira de Angola aberta no Brasil foi em 1935 pelo
mestre Pastinha, em Salvador, na Bahia. Ele contava ter aprendido a luta com um escravo
vindo de Angola, chamado Benedito. A vertente angolana da luta defende a posição de que
esta luta teria surgido em Angola.
O primeiro divulgador da capoeira Regional, que defende a posição de que a
capoeira é formada pela contribuição de diversas etnias africanas, foi o mestre Bimba. O jogo
da capoeira na roda constitui-se num diálogo de corpos onde dois capoeiristas partem do
berimbau e iniciam movimentos corporais de perguntas e respostas.
A capoeira é um elemento definidor da identidade brasileira, mais do que uma
atividade física. Ela agrega religiosidade, música, história, integração e movimento corporal.
Na esfera material, a influência africana se dá, sobretudo, na culinária. A presença mais
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significativa encontra-se no estado da Bahia, onde o uso da pimenta e do azeite de dendê é
presença constante na cozinha baiana. Pratos como o acarajé, vatapá, caruru, aluá, xinxim de
galinha, mugunzá são destaques das matrizes africanas na culinária brasileira. Estes pratos
mantêm receitas parecidas com as feitas na África.
Além dos pratos, os africanos introduziram no Brasil um bom número de vegetais
como, por exemplo: o quiabo, o maxixe, o jiló, o inhame, o cará, feijões, várias espécies de
banana, diversos tipos de abóbora. O africano foi responsável por difundir em terras
brasileiras o cultivo do arroz e o seu uso como prato diário.
Outro prato considerado um dos mais famosos da culinária brasileira é a feijoada,
que foi incorporada ao cotidiano dos africanos escravizados que no geral, alimentavam-se de
cereais como milho e também feijão. O prato consiste na mistura de partes menos nobres do
porco, como: orelha, pés, rabos que geralmente não eram consumidas pelos senhores. Estas
partes eram cozidas, em um mesmo recipiente, com feijão preto, sal e pimenta. Aos poucos a
feijoada foi identificada como de influência africana. Todavia, é relevante destacar que a
presença do feijão no Brasil, é anterior à presença africana.
Como afirma Fonseca (2006) dentre os escravos trazidos da África, encontravam-
se ferreiros, mineiros, oleiros, tecelões e escultores que disseminaram não só as técnicas de
confecção como também seus padrões estéticos, presentes nas formas, decorações, cores,
entre outros.
De acordo com Souza (2007), várias técnicas de tecer cestas, utilizadas entre as
populações rurais brasileiras, se assemelham mais às africanas do que às indígenas, que
também praticavam a cestaria.
A arte de esculpir está presente em todas as sociedades humanas desde as mais
remotas épocas, e se configura como uma das primeiras manifestações do trabalho humano.
Na Idade da Pedra, por exemplo, quando os homens modelavam o barro ou poliam pedaços de
rocha, colocando neles suas visões de mundo, beleza, mitos e divindades, já estavam
organizando expressões simbólicas que representavam objetos e situações cotidianas.
A escultura é a expressão da visão que a comunidade possui do mundo. A africana
está repleta de abstrações e simbolismos. A maioria das esculturas africanas utiliza a madeira
como material, uma vez que para eles, a árvore é guardiã de poderes mágicos. Todavia,
encontram-se entre as sociedades africanas, esculturas de pedra, marfim, ouro, cobre e bronze.
A presença deste povo é profunda na cultura brasileira. Suas marcas estão
impregnadas também na língua portuguesa. As línguas africanas como o quimbundo, o
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quicongo, o umbundo e o iorubá, marcaram não só o vocabulário do português no Brasil, mas
também a sintaxe e fonética.
● Verbos como: cochichar, cochilar, fungar, xingar, zangar.
● Os substantivos: bagunça, cachaça, caçula, cafuné, quitute.
● E adjetivos: como capenga, dengoso, encabulado, zonzo entre tantos outros
termos que utilizamos no dia a dia, são de origem africana.
É por meio da palavra, que os grupos africanos guardavam e transmitiam suas
histórias, garantindo a manutenção da identidade que une os membros de um grupo e
diferenciam dos que pertencem a outros grupos. No Brasil, os contos, os provérbios, os mitos
de origem dos orixás, das linhagens que governam os terreiros, as palavras utilizadas nos ritos
religiosos e nas adivinhações, transmitidas dos mais velhos aos mais novos, são aspectos
fundamentais das comunidades negras (SOUZA, 2007). Nesta manifestação, a força da
musicalidade africana está presente nos ritmos marcados e repetitivos.
A palavra cantada no rap remete a características das sociedades africanas que
narram fatos do cotidiano e fazem crônicas dos acontecimentos. As letras das músicas de rap,
de acordo com Souza (2007), denunciam a opressão e a marginalização a que estão
submetidos os habitantes das periferias dos grandes centros urbanos, em sua maioria, negros e
mestiços.
LEI 10.639/2003: UM CONTINENTE NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Entre as medidas legais que vêm sendo adotadas está a obrigatoriedade de tratar
das culturas afro-brasileiras e da história da África na escola. Se refletirmos a fundo, é
espantoso e contraditório que em uma sociedade democrática como é o Brasil, seja necessário
que este reconhecimento se dê pela força de lei. Várias políticas de reparação, reconhecimento
e valorização da população afro-brasileira caracterizam a sociedade contemporânea. Uma
dessas ações, como já sinalizada, é a Lei n° 10.639 que tornou obrigatório o ensino de
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no currículo da Educação Básica no país. Esta lei
é importante na medida em que a sociedade brasileira se apropria e reconhece o valor da
história e da cultura africana, trazida pelos escravizados para o Brasil e mantida pelos seus
descendentes ao longo dos tempos.
No entanto, a inserção desta lei no contexto brasileiro não é algo espontâneo. Pelo
contrário, ela é resultante da atuação de políticos e, principalmente, da pressão exercida por
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grupos de defesa dos direitos dos negros. Ou seja, a Lei n° 10.639/2003 é um produto da
união de forças vindas da sociedade brasileira como o Movimento Negro, por exemplo, que
ao longo da história do país apresentou inúmeras reivindicações dos direitos dos negros na
sociedade brasileira.
No Brasil, a Lei n° 10.639, tem com um dos principais objetivos educar a
população para as relações étnico-raciais. Estas relações dizem respeito à reeducação dos
diferentes grupos étnicos e dependem de ações que priorizem trabalhos conjuntos,
articulações entre processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais. É
importante destacar, que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações
étnico-raciais não se limitam à escola. No entanto, exigem esforços da sociedade como um
todo. De acordo com as Diretrizes Curriculares, a educação das relações étnico-raciais deverá
oportunizar aprendizagens, troca de conhecimentos, desenvolvimento de projetos que visem a
construção de uma sociedade justa, igual, equânime aos diferentes grupos étnicos.
Conforme o art. 26 da Lei n° 10.639, é instituído que:
Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,
torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Incluindo
no Parágrafo 1º que o conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas
pertinentes à História do Brasil. (BRASIL, 2013)
A Lei orienta que os conteúdos pertinentes a esta temática sejam trabalhados no
contexto de todo o Currículo da Educação Básica, especialmente nas disciplinas de Arte,
Literatura e História do Brasil. Todavia, as outras áreas do conhecimento escolar não estão
isentas de integrarem essa temática à produção e ressignificação de seus saberes.
A INTERDISCIPLINARIDADE E O ENSINO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA NO CONTEXTO ESCOLAR
A interdisciplinaridade no âmbito da educação como um todo é de grande valia,
pois mostra ao educando a importância da ação conjunta entre as disciplinas e a forma que
elas visam estabelecer e proporcionar a aprendizagem sem que haja a diluição dos
conhecimentos que cada uma tem, pelo contrário, ressaltando a importância das diversas
formas de linguagens e comunicações para a construção do conhecimento, permitindo assim a
propulsão de significados e resultados plausíveis em ação conjunta. (BRASIL, 1999).
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Partindo desse pensamento, elencamos que é através do conhecimento que cada
disciplina pode transmitir sobre um dado assunto e como afirma Minayo (2007) sistematizar e
definir metodologias que abordem uma atenção para com a realidade que precisa ser
dialogada, discutida com base no universo de significações, causas, pretensões, crenças,
valores e ações.
Deste modo, afirmamos que é essa interdisciplinaridade que permite haver uma
troca de conhecimento entre os professores de diversas áreas, de modo que cada um busque
através da inovação dos recursos e de diversas dinâmicas, estabelecer a aprendizagem não
apenas simbólica e sim mais aproximada da realidade escolar, entrelaçada com o pensamento
social.
Compactuando com esse pensamento é que Frison (2000) destaca-se que a escola
é o local adequado para que haja a aprendizagem, com base em processos escolares em que
discentes são estimulados a partir das intervenções a promover avanços, com base em um
processo que se denomina “processo pedagógicos privilegiados”.
A proposta de atividades interdisciplinares vem adquirindo importância no
contexto escolar, particularmente quando se trata de iniciativas que possibilitam a abordagem
integrada das diferentes áreas do conhecimento. Nesse aspecto, é essencial proporcionar a
integração dos conhecimentos e competências dos educadores e educandos, no que diz
respeito à cultura dos povos africanos que passou muito tempo despercebida nos currículos
escolares.
Os discentes precisam cotidianamente ser estimulados a conhecer e descobrir as
suas capacidades. À medida que os docentes se propõem a ofertar ferramentas e orientar na
criação de diferentes materiais, a escola em sua magnitude ganha em qualidade e os discentes
em aprendizagem, autonomia, reflexão sobre as ações, pensamentos e conhecimento
científico. Por isso é importante que todos os professores levem os alunos a:
Criar perturbações, desequilíbrios (situações-problemas) que levem a criança a
fazer um esforço de auto-organização, reequilibração, incorporando algo em
suas estruturas, reorganizando-se novamente. A função do educador é criar
perturbações, provocar desequilíbrios e, ao mesmo tempo, colocar um certo
limite nesse desequilíbrio, propondo situações-problema, desafios a ser vencidos
pelos alunos, para que possam construir conhecimento e, portanto, aprender.
(Moraes, 1997, p. 144)
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A INTERDISCIPLINARIDADE E ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ENSINO
AFRO-BRASILEIRO NA ESCOLA
A proposta do trabalho interdisciplinar no âmbito educacional da Escola
Municipal de Educação Básica Nossa Senhora do Rosário em Alagoas visou desenvolver
aspectos como a interação professor-aluno através do processo de ensino-aprendizagem. No
entanto é preciso salientar que para que houvesse essa relação entre objeto de ensino e a
relação entre o conhecimento-aprendizagem, houve o que chamamos de uma ação conjunta
entre a equipe diretiva, equipe de apoio e a própria comunidade. Bem como o envolvimento
entre coordenação pedagógica e docente no trato da organização do ambiente escolar.
Com isso, esse artigo apresenta como metodologia as observações, descrições de
atividades, análises e correlações entre os acontecimentos, visando expor as características e
estabelecimentos de relações estabelecidas, com base em uma observação sistemática.
(LAKATOS e MARCONI, 2009). Os acontecimentos partiram do pensamento de que a
temática África e afro-brasileiros que tem seu ponto de partida na História, podem ser
trabalhados em outras disciplinas. Embora, a Lei nº 10.639 cite as disciplinas de História,
Artes e Língua Portuguesa como norteadoras do trabalho.
Com o intuito de atender a legislação e ir além do estabelecido na mesma, a
Escola Municipal de Educação Básica Nossa Senhora do Rosário, instituição que oferta os
anos finais do Ensino Fundamental, com aproximadamente dois mil alunos, desenvolveu em
2016, de forma interdisciplinar o projeto intitulado: (Re)descobrindo a Cultura Afro-
Brasileira, Desconstruindo Preconceitos.
O Projeto foi desenvolvido ao longo de três meses, nas turmas de sétimos e
oitavos anos do turno matutino, do qual participaram docentes das disciplinas de Língua
Portuguesa, Matemática, Arte, Ciências, História e Educação Física. Para o trabalho com a
temática na disciplina de Língua Portuguesa, deu-se ênfase a realização com os alunos de um
estudo da literatura afro-brasileira, palavras de origem africana, lendas e mitos sobre o
continente africano, enquanto que em Matemática, tratou de dados estatísticos sobre o mesmo
o continente com base no processo de escravidão no Brasil, passando por assuntos
contemporâneos como dados sobre as Políticas de Inclusão Racial, como cotas nas
universidades e em concursos públicos. Assim como no intuito de estar conscientizando os
discentes sobre isso, houve um estudo de dados sobre a situação do negro no Brasil na
atualidade, através da análise dos números das desigualdades raciais.
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Na disciplina de Arte explanou a importância dos artesanatos, como eles eram
confeccionados, quais os materiais que eram mais utilizados e junto com os alunos
confeccionou-se algumas máscaras e mandalas. Na área da Ciência tratou sobre culinária
africana, destacando os principais ingredientes da cultura africana e, além disso, as práticas
fitoterápicas ainda bastante utilizadas pelos brasileiros, que tem como origem a cultura
africana.
No âmbito da disciplina de História, tornou-se necessário, primeiramente,
desmistificar visões equivocadas acerca do negro somente como escravo, da África como
continente primitivo e atrasado, da passividade quanto à escravidão e do mito da democracia
racial. Como ação introdutória, foi pertinente abordar as representações elaboradas sobre os
africanos, identificando e desconstruindo os argumentos racistas e estereotipados. Sendo que
foi de grande importância destacar o uso adequado de conceitos, evitando o anacronismo e o
esquecimento das características da história africana.
Como ações foram realizadas estudos com as histórias dos grandes reinos
africanos como o Maili, Songai, entre outros, anteriores ao período das grandes navegações, o
exame da história do Brasil, anterior à ocupação europeia, a análise da história do Brasil a
partir do negro, destacando sua importante contribuição nos diferentes momentos da história
do país, a revisão da escravidão sob a ótica da exploração e resistência escrava como fator
determinante para o processo abolicionista e ainda foi estabelecido sobre o processo de
inclusão social, a Politica de Cotas.
A disciplina de Educação Física abordou uma das lutas muito praticadas na época
da escravidão e que atualmente tem uma grande visibilidade devido ao seu significado
cultural - A capoeira. Como estratégias metodológicas para as aulas foram utilizados slides
que continham tópicos referentes com a história da capoeira no Brasil, que foi explanado para
os discentes de modo a estabelecer discussões sobre tal. Os slides continham também
imagens dos representantes da “Capoeira de Angola” – Mestre Pastinha e da “Capoeira
Regional” – Mestre Bimba, bem como vídeos com demonstrações das diferenças entre ambos
os estilos de luta.
Demonstraram-se ainda imagens em formatos de Gif4 que mostravam os golpes
da modalidade. Os discentes foram levados a realizar alguns golpes como: Au, Ginga,
Benção, Meia Lua de Frente, Meia Lua de Compasso, Queixada, Martelo, Cocorinha, Rolê,
Armada, Ponteira e Chapa de Costa. Posteriormente foram instigados a fazer uma relação
entre a história, a vivência de golpes e as músicas tocadas nas rodas de capoeira.
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Para finalizar, foram feitas dinâmicas envolvendo: o trabalho em dupla
(estimulando o auxílio mútuo) e a associação entre ritmo, coordenação motora e expressão
corporal. Pretendendo-se assim não a execução de gestos mecânicos e sim a vivência e
compreensão das possibilidades e limitações individuais.
As aulas práticas desta disciplina basearam-se no pensamento de Santos et al.
(2008), o qual afirma que é função da Educação Física abordar seus conteúdos visando
superar o aspecto mecanicista. Até porque o movimento deve ter uma significação para os
alunos e, torna-los mecânicos e executados da maneira mais “correta” não exalta as
singularidades, pelo contrário, ressalta o enquadramento de padrões, baseados no treinamento
esportivo. Isso faz com que haja uma exclusão e separação entre aptos e não aptos.
Portanto, os movimentos solicitados aos alunos tiverem como marca
singularidade e autonomia. O alunato também foi levado a fazer uma associação entre o que
havia sido explanado em sala de aula e nas vivências dos golpes, através da exibição do filme
“besouro” o qual posteriormente foi resumido e discutido em sala de aula. Além da capoeira,
os alunos foram levados a conhecer algumas músicas e danças referentes à cultura afra, afora
o conhecimento sobre os jogos e brincadeiras que tiveram como base essa cultura.
Paralelo a todo trabalho teórico em sala de aula, o corpo docente e discente se
uniu para a culminância do Projeto, que se deu em dois momentos, o primeiro foi para toda
comunidade escolar, onde os alunos exibiram o que haviam construído e explanavam o que
suas pesquisas juntamente com os professores responsáveis. Segue abaixo uma subdivisão de
como foram divididas as turmas de acordo com as temáticas:
A sala 1, apresentou uma exposição de jogos de origem africana yoté, bezette,
shisima, tsoro, mancala e bola de gude; E artesanatos como as mancalas, máscaras, bonecas
abayomis, berimbaus, bijuterias, cabaças, cestos de bambu e esteiras.
A sala 2, abordou as plantas medicinais, culinária dos africanos no Brasil, assim
como a exposição de painéis com as temáticas: O negro no Brasil, o processo de abolição da
escravatura, exposição de gráficos sobre a população negra no Brasil, nas áreas de educação,
saúde entre outras.
Na sala 3, houve uma exposição de grandes personalidades negras, que
conquistaram seu espaço no mundo, como Glória Maria, Edson Arantes do Nascimento etc,
que teve como objetivo mostrar à comunidade que as pessoas podem crescer na vida,
independente da sua cor.
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No segundo momento, os alunos realizaram diversas apresentações como: Peça
teatral intitulada A cegueira do racismo, que passou uma mensagem belíssima para a
comunidade, de que não devemos discriminar o próximo pela sua cor. Além disso, teve as
danças: Axé, Maculelê, Samba de roda, Hip Hop, Kuduro, Pagode, também apresentações
sobre a religião Africana, como umbanda, candomblé e Iemanjá e o jogo que tem em seu
cântico aspectos que se relacionam com a cultura africana - Escravos de Jó (cantado envolto
de saltos que permitiam a relação entre o ritmo e tempo de reação).
Anteriormente a cada apresentação supracitada, o locutor fazia uma explanação do
significado de cada uma e, à medida que era iniciada a apresentação, eram exibidos como
plano de fundo, em telão, imagens e clips referentes às mesmas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender como se estrutura as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino da Cultura Afro-brasileira e Africana,
bem como os princípios que a norteiam, é fundamental para a inserção da temática em sala de
aula. Uma vez que esta vem se tornando um dos elementos essenciais para que seja refeito o
caminho pelo qual se construiu uma imagem negativa dos povos africanos.
Visando desconstruir ideologias e mentalidades discriminatórias e preconceituosas
que permeiam a sociedade contemporânea, os docentes puderam não apenas exibir os
conteúdos, mas estimular os alunos a se sentirem representantes desta cultura. Partindo da
ideia de que quando conhecemos, tornamo-nos seres esclarecidos, capazes de termos
argumentos plausíveis para ressaltar a importância de uma variedade de elementos presentes
na cultura.
Deste modo, conhecer e vivenciar costumes que nos representam no mundo
através da relação entre Brasil e África, permite uma aproximação com criatividade e beleza
fazendo-nos grandes símbolos de força e gratidão. Foram esses valores exibidos em todas as
disciplinas, o que permitiu que houvesse a superação das expectativas na culminância do
projeto.
Os alunos com as orientações adequadas exibiram um cenário envolto de
vestimentas, falas e gestos, que fizeram com que toda a escola entendesse o propósito do
trabalho e se aproximasse do conhecimento sobre a cultura africana, suas crenças, religiões,
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músicas, danças e artes visuais e assim estabelecesse uma valorização sobre a história da desta
cultura.
Por fim, destacamos que as identidades sociais e culturais são construídas no
processo educacional como resultado de relações de poder e dos regimes de verdades
existentes na estrutura curricular. Por isso é que devemos procurar entender de que maneira
podemos perpetuar essas relações. Como elas se encontram presentes em nosso
planejamento? De que forma podemos contribuir para a problematização de questões como
sexismo, homofobia e etnocentrismo? Como explicitar no currículo as histórias que foram
silenciadas? Como o currículo pode se tornar flexível, mutante?
Logo vemos que para responder tais questionamentos podemos nos apropriar do
multiculturalismo, para que haja a fabricação das identidades e de um currículo pretensamente
fixo, imutável. Basear-se na multiplicidade de culturas, faz com que possamos rever verdades
e a encará-las como múltiplas e não como formas fixas e recheadas de valores pretenciosas.
REFERÊNCIAS
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