uma história para ser vivida

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42 Depois de viajar por todo Estados Unidos e viver o que tanto sonhou, o escritor se sentou à mesa e “escarrou” milhares de palavras em uma máquina de escrever. Em meio a muitos goles de café com benzedrina e um jazz eufórico ecoando pelo rádio, a primeira versão do que viria a ser o parcialmente autobiográfico On the Road ficou pronta em apenas três semanas. Passados 55 anos do lançamento tardio do livro ícone da geração Beat, a história ganha imagens e sons, que vão além da imaginação do leitor, e chega aos cinemas brasileiros. Era difícil imaginar o livro do norte-americano Jack Kerouac na sétima arte. Não porque não fosse possível o fazer, mas porque a adaptação exigiria um esforço excelso do diretor. Seria muito fácil banalizar a história e transformá-la em um mero Road movie, como os tantos que existem nas prateleiras das locadoras. Facilmente os seguidores, que não conseguem aceitar nada do que não tivesse sido imaginado por eles mesmos, sairiam do cinema com expressão de desagrado. Entretanto, a narrativa espontânea parecia ter caído em mãos heróicas. Na ficha técnica, alguns nomes de peso atraíram olhares curiosos, como na direção, KULTUR CRITICA Intenso e eufórico, On the Road, de Jack Kerouac, ganha as telonas depois de mais de seis décadas influenciadas pela geração Beat Uma história para ser vivida Fernanda Carvalho Sam Riley (esq.) e Garret Hedlund são os viajantes Sal Paradise e Dean Moriaty no melancólico e intenso Na Estrada .............................................................................................................................................................................................................................................................. Fotos Divulgação/ Play Arte

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Intenso e eufórico, On the Road, de Jack Kerouac, ganha as telonas depois de mais de seis décadas influenciadas pela geração Beat

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Depois de viajar por todo Estados Unidos e viver o que tanto sonhou, o escritor se sentou à mesa e “escarrou” milhares de palavras em uma máquina de escrever. Em meio a muitos goles de café com benzedrina e um jazz eufórico ecoando pelo rádio, a primeira versão do que viria a ser o parcialmente autobiográfico On the Road ficou pronta em apenas três semanas. Passados 55 anos do lançamento tardio do livro ícone da geração Beat, a história ganha imagens e sons, que vão além da imaginação do leitor, e chega aos cinemas brasileiros.

Era difícil imaginar o livro do norte-americano Jack

Kerouac na sétima arte. Não porque não fosse possível o fazer, mas porque a adaptação exigiria um esforço excelso do diretor. Seria muito fácil banalizar a história e transformá-la em um mero Road movie, como os tantos que existem nas prateleiras das locadoras. Facilmente os seguidores, que não conseguem aceitar nada do que não tivesse sido imaginado por eles mesmos, sairiam do cinema com expressão de desagrado.

Entretanto, a narrativa espontânea parecia ter caído em mãos heróicas. Na ficha técnica, alguns nomes de peso atraíram olhares curiosos, como na direção,

KULTUR • CRITICA

Intenso e eufórico, On the Road, de Jack Kerouac, ganha as telonas depois de mais de seis décadas influenciadas pela geração Beat

Uma história para ser vivida

Fernanda Carvalho

Sam Riley (esq.) e Garret Hedlund são os viajantes Sal Paradise e Dean Moriaty no melancólico e intenso Na Estrada..............................................................................................................................................................................................................................................................

Fotos Divulgação/ Play Arte

KULTUR • CRITICA

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Walter Salles (Central do Brasil), na produção, Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão), e na fotografia, Eric Gautier (Na Natureza Selvagem). O resultado, assim como o das principais produções do gênero, foi o de um filme belíssimo.

Passado no final da década de 40, o filme conta a trajetória de um bando de jovens, os Beats, que se libertam das imposições conservadoras da época e buscam os próprios caminhos. O protagonista é Sal Paradise (interpretado por Sam Riley) – um jovem que tem a vida transformada com a chegada do contagiante Dean Moriarty (Garrett Hedlund) a Nova York.

A história elétrica ganha tons de melancolia na adaptação de Salles. Em meio à euforia dos personagens há um leve toque depressivo. Por mais que quebrem barreiras e façam tudo o que querem, os Beats nunca parecem satisfeitos. É como se fossem buscar, para sempre, novos rumos e nunca conseguissem ser realmente felizes.

O elenco surpreende com interpretações fiéis aos reais personagens do final da década de 40. E não é por menos. Antes de começarem as filmagens, os atores e atrizes passaram por uma espécie de curso

intensivo sobre a cultura Beat. Viggo Mortensen (O Senhor dos Anéis) chegou a buscar o que o próprio personagem Old Bull Lee (na realidade William F. Burroughs) lia na época.

A trilha sonora sabiamente escolhida vagueia ora pelo jazz eletrizante, ora pelo melancólico blues. A fotografia é bela como uma vida na estrada pode ser: rica em detalhes e culturas. O roteiro chegou a esse fim depois de ter ganhado mais de dez versões. Salles teve a honra de criar uma adaptação a partir do roteiro original, pouco legível, com um texto quase sem vírgulas, pontos ou parágrafos.

Assim é a história: não apenas para ser lida ou vista. Para ser vivida. O que Kerouac trouxe ao mundo foi uma narrativa que inspira, que provoca o pouco (ou muito) dos Beats que existe dentro de cada um. Como o próprio autor disse, à sombra de Sal Paradise: “...pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações”. Assim devem ser as pessoas marcadas por Kerouac e Allen Ginsberg de Sturridge: intensas e prontas para viver.

Kristen Stewart, protagonista da saga Crepúsculo, é Marylou no filme de Salles..............................................................................................................................................................................................................................................................