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UMA PRÁTICA FORA DO LUGAR: EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES NA UFG (1973-1983)
Rubia-Mar Nunes Pinto225 Victor Hugo Regozino Muniz226
Faculdade de Educação Física e Dança/UFGGT Instituições, culturas e práticas escolares.
Resumo: Esse trabalho apresenta resultados de uma pesquisa cujo principal objetivo foi
investigar a inserção (obrigatória) da prática da educação física na Universidade Federal de
Goiás na década de 1970, em plena vigência da chamada fase dura do Regime Militar então
instalado. Para tanto, foram estudadas as seguintes fontes de pesquisa: leis e decretos federais
sobre educação superior e educação física e esportes; resoluções internas da UFG que
prescrevem e orientam a prática da educação física e o livro de atas da coordenação de
educação física e desportes (CEFD/UFG). Recorremos também às informações e dados sobre
o assunto que constam da monografia de autoria da professora Maria Alice Cruvinel de Paula
(1993). Dialogando com a historiografia da educação física brasileira e com historiografia da
educação goiana e utilizando a análise de discurso de matriz foucautiana para o estudo e
interpretação de fontes, a pesquisa organizou-se tendo em vista as relações entre a cultura
urbana e a cultura universitária com ênfase nos lugares ai reservados à educação física e ao
esporte. As conclusões indiciam que, inicialmente, a UFG não efetivou grandes esforços no
sentido de garantir o cumprimento da obrigatoriedade legal, mas progressivamente foi
construindo condições institucionais, materiais e humanas para que a educação física e os
esportes integrassem os currículos dos cursos de gradução
Palavras-chave: história da educação física e do esporte – educação superior – ditaduramilitar
225 Doutorado em educação. E-mail: [email protected].
226 Acadêmico do curso de licenciatura em educação física/FEFD e bolsista PROLICEN/PROGRAD/UFG edital 2014. E-mail: [email protected]
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Introdução
A história da educação física e dos esportes, de modo geral, é uma temática pouco
estudada em Goiás gerando assim uma escassez de pesquisas acadêmicas que possibilitem
compreender os processos de inserção e desenvolvimentos destas práticas na história da
educação e da educação física goiana. Este é um dos grandes desafios na construção desse
trabalho, especialmente, na medida em que a ausência ou escassez de estudos históricos sobre
o tema significam ausência ou escassez da matéria-prima do historiador – as fontes de
pesquisa. Sendo assim, a primeira tarefa daqueles que se interessam em investigar a
historicidade das questões do corpo em Goiás é o mapeamento e identificação de fontes de
pesquisa.
Inserido nesta lacuna historiográfica, o complexo processo de inserção da educação
física nos ambientes universitários durante os anos 1970 não foi ainda problematizado sob o
prisma da pesquisa histórica. Delineia-se ai outro grande desafio ao estudioso da história da
educação física em Goiás já que a ausência de estudos e investigações com este caráter não
impede a difusão e circulação de verdades sobre a relação entre estas práticas e a Ditadura
Militar que, nos anos 1970, experimentava sua fase mais truculenta. Assim, no universo da
educação física em Goiás está posto, sem quaisquer questionamentos, que o Regime Militar
utilizou a educação física e os esportes como mecanismo de alienação das massas. Neste
sentido este trabalho, ao enraizar-se na história da educação e da educação física goiana, quer
oferecer elementos que permitam a ampliação dos entendimentos e compreensões e contribuir
para a renovação historiográfica na educação física brasileira (TABORDA DE OLIVEIRA,
2007).
No caso deste trabalho, o enfoque recaiu a inserção da prática da educação física na
Universidade Federal de Goiás (UFG) nos anos 1970. As fontes de pesquisa compõem-se do
conjunto de resoluções e medidas internas operadas pela UFG a partir de 1973, momento em
que a Universidade começou a acatar os ditames da legislação federal que tornava obrigatória
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a prática da educação física na educação superior. Também foram usados o Livro de Atas da
Coordenação de Educação e Desportos (CEFD) da UFG além de livros e revistas de educação
física dos anos 1970. As fontes de pesquisa interrogadas encontram-se preservadas no acervo
do projeto Centro de Memória e História da Faculdade de Educação Física e Dança da UFG.
Pretende-se aqui demonstrar como a UFG lidou institucionalmente com a obrigatoriedade
legal da educação física bem como construir linhas de entendimento que permitam apreender
os apoios, parcerias, resistências e oposições encontradas no cumprimento deste imperativo
legal no âmbito da cultura universitária da UFG nos anos 1970.
A década de 1970 foi o auge da ditadura militar Brasileira e o campo da educação
física sofreu grandes interferências desse regime. A leitura histórica mais recorrente na
historiografia da educação física entende que o Regime Militar, então experimentando sua
fase mais dura utilizou a educação física e o esporte como dispositivos de docilização e
conformação das massas ao seu poder autoritário (Castellani Filho, 1992). Nesta ótica, os
militares apostaram no esporte universitário visando atrair e alienar os estudantes para afasta-
los da organização e das lutas políticas bem como da resistência armada que tencionavam a
ditadura. Contudo, é necessário considerar também que na década de 1970 um movimento
internacional veiculava as benesses da atividade física sistemática para a saúde e bem estar de
indivíduos e populações e pressionava os poderes públicos nacionais a estimular, em seus
cidadãos, a prática regular de exercícios físicos. De outro lado, conforme defende Taborda de
Oliveira (2012), havia também o interesse corporativo dos professores de educação física que,
então, lutavam pela valorização e difusão da prática regular de atividades física na sociedade
brasileira e pela consequente ampliação do seu campo de trabalho.
Eram tempos em que se desenhou a ideia de uma educação física que abrangesse todas
as nações do mundo, o que pressupõe a existência de um projeto “no plano mundial, de ação
educativa por meio das atividades físicas”, conforme consta no Manifesto Mundial da
Educação Física de 1970 (Manifesto, 1970, p. 1). Este Manifesto foi divulgado
internacionalmente pela Federação Internacional de Educação Física (FIEP), entidade baluarte
desta educação física mundial e de grande prestígio entre os professores de educação física
brasileiros na década de 1970. A FIEP publicava uma revista trimestral, o Boletim da
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Federação Internacional de Educação Física (Boletim da FIEP) teve boa aceitação entre os
professores brasileiros. Outra leitura de grande aceitação na educação física brasileira são os
livros da coleção Educação Física Mundial de autoria de Kenneth H. Cooper, capitão-médico
e fisiologista da Força Áerea norte americana e apresentado, na tradução brasileira, pelo
também capitão Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho, então consagrado preparador físico da
celebrada seleção de futebol de 1970.
De qualquer maneira, o Regime Militar revelou-se atento as possibilidades da
educação física como campo de difusão do esporte e arbitrou sua existência de forma
contundente instituindo obrigatoriedades e criando dispositivos e instâncias que pudessem
estender sua prática ao conjunto da população brasileira, especialmente, em uma perspectiva
de massificação – e não democratização – do esporte. Para Taborda de Oliveira (2012, p. 156)
a ditadura soube ler o contexto mundial para apropriar e difundir umapratica de grande apelo de massas e consumo, que remeteu a novasformas de subjetivação, afetando, assim, os interesses e asnecessidades de grandes parcelas da população brasileira.
Na educação superior, a obrigatoriedade foi instituída por ato do então presidente da
república, Marechal Arthur da Costa e Silva, que no uso das atribuições conferidas pelo Ato
Institucional nº 5, promulgou o Decreto-lei nº 705, de 25 de julho de 1969 com seguinte
redação:
Art 1º O artigo 22 da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, passa avigorar com a seguinte redação: Será obrigatória a prática da educação físicaem todos os níveis e ramos de escolarização, com predominância esportivano ensino superior. Parágrafo único. Os cursos noturnos podem serdispensados da prática da Educação Física. (Incluído pela Lei nº 5.564, de1971)
Na sucessão de dispositivos legais que caracterizou a fase dura do Regime, o Decreto
nº 705, de 25 de julho de 1969, foi substituído pelo Decreto nº 69.450/71, de 1º/11/1971 e este
posteriormente complementado pela Lei 6.503/77 que regulou o direito à dispensa das aulas.
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O decreto 69.450/71, em seu Art. 3º, alínea III determinava que a educação física na educação
superior privilegiava as práticas esportivas “preferentemente as que conduzam à manutenção
e aprimoramento da aptidão física, à conservação da saúde, à integração do estudante no
campus universitário à consolidação do sentimento comunitário e de nacionalidade”.
Coerentemente, o Decreto nº 69.450/71 detalhava e regulamentava a organização de
associações atléticas e clubes esportivos como modelo a ser implantado pelas universidades
para a prática da educação física. Em tal modelo, cada curso de graduação deveria constituir
um clube esportivo (legislava sobre seus sócios, objetivos, estatutos, formação administrativa,
entre outros aspectos) que seria filiado à associação atlética da instituição.
Porém, mais que tudo o referido Decreto adquiria estatuto de dispositivo disciplinar na
quantificação dos tempos, na medição dos espaços, nas operações de exame (testes, exames
médicos) e de registro individual. Conforme Foucault (1987), a disciplina como técnica de
poder incide sobre o corpo individual, docilizando e potencializando suas forças produtivas, a
partir da manipulação de algumas variáveis. A disciplina delega grande atenção à arte das
distribuições dos corpos no espaço de forma a possibilitar um sistema de vigilância e controle
sobre os indivíduos. Neste sentido, os corpos devem ser colocados em relação de proximidade
regulada com outros a partir da definição de critérios que aproximem corpos mais ou menos
assemelhados (altura, peso, gênero, idade, etc.).
No Decreto nº 69.450/71, as prescrições para a distribuição dos corpos no espaço
durante as aulas de educação física são evidenciadas no artigo 5º, alínea III e IV onde se
percebe que os corpos são aproximados pelo critério aptidão física e sua distribuição no
espaço das aulas ganhariam forma espacial do quadriculamento, a qual facilita ao professor o
controle da atividade de cada um bem como suas ausências e presenças.
III - Quanto à composição das turmas, 50 alunos do mesmo sexo,preferencialmente selecionados por nível de aptidão física.IV - Quanto ao espaço útil [...] três metros quadrados por aluno, no ensinomédio e no superior.
Em segundo lugar, a disciplina preocupa-se com a quantificação do tempo na
perspectiva de construir uma temporalidade integralmente útil, sem desperdícios. No mesmo
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Art. 5º, as alíneas I e II definiam a quantidade de aulas semanais e a duração de cada uma
além de prescrever diretrizes que visavam máximo aproveitamento do tempo.
I - Quanto à seqüência e distribuição semanal, [...] duas sessões no ensinosuperior, evitando-se concentração de atividades em um só dia ou em diasconsecutivos.II - Quanto ao tempo disponível para cada sessão, 50 minutos, não incluindoo período destinado à preparação dos alunos para as atividades.
O exame e o registro são outras técnicas disciplinares presentes no Decreto supra citado,
conforme se lê no seu Art. 11º . Elas permitem acompanhar cada individuo ao longo de sua
permanência nos contextos constituindo-se como saber sobre cada um.
Art . 11. O Ministro da Educação e Cultura, por intermédio do órgãocompetente, estabelecerá e divulgará, convenientemente, os testes de aptidãofísica, com a finalidade de orientar os estabelecimentos e acompanhar aevolução das possibilidades dos recursos humanos nacionais.Parágrafo único. Os estabelecimentos são responsáveis pelo registro earquivamento dos resultados dos testes na previsão de posterior solicitaçãode informações pelos órgãos competentes.Art . 12. Os alunos de qualquer nível serão submetidos a exame clínico noinício de cada ano letivo e sempre que for julgado necessário pelo médicoassistente da instituição, que prescreverá o regime de atividadesconvenientes, se verificada anormalidade orgânica.
Tal legislação colocou de imediato para as universidades brasileiras a necessidade
regulamentar sua prática, de construir espaços adequados para a oferta das práticas corporais e
de formar um corpo profissional habilitado para responder aos ditames da legislação. Como a
então ainda muito jovem Universidade Federal de Goiás lidou com este imperativo legal?
Quais foram os instrumentos e mecanismos institucionais produzidos para inserir a educação
física e os esportes no cotidiano acadêmico? Como resolveu problemas relacionados a
materialidade (quadras esportivas e piscinas, material esportivo, entre outros) e ao elemento
humano (corpo docente) necessários para tal? São estas as questões que subsidiaram a
pesquisa. São estas as perguntas que tentamos responder a partir do manuseio das fontes de
pesquisa e de um instrumental teórico e historiográfico pertinente.
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Educação física na UFG: entre resistências e normativas legais
A Universidade Federal de Goiás foi criada em 1960 no governo do presidente
Juscelino Kubtschek. No inicio dos anos 1970, recorte temporal inicial desta pesquisa, a UFG
se constituía como uma pequena e periférica instituição de educação superior. À época, não
havia se iniciado o processo de interiorização e os antigos campi universitários (atuais
Regionais) de Catalão, Jataí, Cidade de Goiás) não tinha ainda sido criados. Conforme o
projeto UFG 50 ANOS , em maio de 1971 teve inicio o processo de construção do Campus
Samambaia, em um terreno de aproximadamente 130 mil metros quadrados, localizado no km
12 da rodovia Goiânia-Nerópolis. O projeto do novo Campus, inspirado na UNB, procurava
estruturar um modelo de integração das diversas áreas de conhecimento. A inauguração dos
sete primeiros blocos ocorreu em 1972 sendo que a primeira unidade criada no Campus 2 foi
o instituto de Ciência Humanas e Letras (ICHL), seguido pelos Institutos de Matemática e
Física (IMF), de Química e Geociênicas (IQC) e Ciências Biológicas (ICB).
A UFG começou a organizar-se com a intenção de fazer cumprir o Decreto nº
69.450/71 a partir de 11 de outubro de 1973 através da Resolução nº 060. Esta normativa
criou a Associação Atlética Universidade Federal de Goiás (AAUFG), órgão responsável pela
supervisão da prática de educação física além da promoção de torneios e competições e da
fiscalização do funcionamento dos clubes esportivos universitários. Subordinada
administrativamente à Primeira Sub-Reitoria, vinculando-se, portanto, a instancia do ensino
de graduação, entre as atribuições da AAUFG, o incentivo aos “campeonatos, torneios,
competições de representação e intercâmbio, demonstrações e excursões desportivas de
caráter formativo” (Resolução 060, art. 2º).
Seguindo a legislação federal, a Resolução nº 060 da UFG instituía um modelo no qual
a prática da educação física se dava a partir de clubes esportivos que seriam filiados a
AAUFG, a quem caberia zelar por sua organização e fiscalização, prestar-lhes assistência
técnica e administrativa na elaboração de seus regimentos devendo depois aprová-los bem
como suas prestações de conta e promover “reuniões, fóruns de debate e assembléias para
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discussão de assuntos de interesse dos Clubes Esportivos filiados” (Resolução 060, art. 2º,
alínea g). Porém, ao contrário do preconizado na mesma legislação federal, a Resolução 060
relativizava a obrigatoriedade ao instituir a prática da educação física como atividade
facultativa a um largo espectro de estudantes da UFG. No artigo 7º, alínea A, da resolução 060,
consta a obrigatoriedade da prática de educação física dos alunos ingressados a partir de 1972
sendo facultada a participação nas práticas também aos
b- alunos dos cursos noturnos que comprovarem, exercer empregoremunerado, igual ou superior a 6 horas por diárias.c- alunos maiores de 30 anos.d- alunos que estiverem prestando serviço militar. e- alunos amparados pelo Decreto-Lei nº 1.044, de 21.07.69, mediante laudodo Setor Especializado.
Mas, a construção da estrutura arquitetônica capaz de atender as necessidades
colocadas pela obrigatoriedade não se deu com a mesma presteza que aquela percebida na
criação de órgãos e instancias de controle da prática da educação física. Ao passo que, já em
1973, a UFG dava forma a primeira resolução interna sobre a questão, os espaços para as
práticas da educação física foram sendo configurados muito lentamente e em resposta a
problemas que iam surgindo conforme a Universidade colocava em andamento o modelo
esportizante sugerido pela legislação. Inicialmente foram utilizados espaços externos para
cumprir a obrigatoriedade imposta pela legislação. Segundo a professora Maria Alice
Cruvinel Gordo (1993, p. 13), o primeiro coordenador da AAUFG, prof. Silas, ocupava uma
“salinha no prédio da Polícia Federal”, nas proximidades da Praça Universitária onde se
localiza o Campus I da UFG que à época era o único campus universitário da Universidade.
Quanto ao corpo docente, os primeiros professores da AAUFG foram servidores
técnicos que já atuavam na Universidade tais como professor Murilo Santana, da Escola de
Agronomia, e Elírio Godim, do Hospital das Clínicas (Paula, 1993). Posteriormente, ao longo
da década de 1970, outros professores vieram compor o quadro de docentes de educação
física da UFG. Estes professores foram sendo convidados a trabalhar na UFG - à época, a
contratação de professores nas universidades federais brasileira não ocorria por meio de
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concursos públicos – provavelmente em função de relações de amizade e parentesco
compondo um grupo coeso em termos de formação acadêmica (egressos da ESEFEGO) e
círculos de sociabilidade (pertencentes a famílias pioneiras de Goiânia e/ou oriundos de
experiências exitosas no contexto do esporte de rendimento em nível local).
De acordo com a professora Maria Alice C. de Paula (1993, p.10), as aulas de
educação física eram realizadas nas quadras ao ar livre da Faculdade de Engenharia na Praça
universitária, único equipamento esportivo na UFG de então. A carência de lugares próprios
redundou em aulas de educação física acontecendo em uma dispersão de espaços na cidade:
as dependências da Escola Superior de Educação Física do Estado de Goiás (ESEFEGO) e do
Colégio Universitário (COLU) além dos equipamentos esportivos do Serviço Social do
Comércio (SESC).
Segundo a mesma professora, as modalidades esportivas mais praticadas eram o futsal,
o basquetebol, a natação e a Dança universitária. Mas, as aulas aconteciam no período noturno
e eram facultativas. Ora, esta informação em particular permite inferir que, na UFG, a
obrigatoriedade legal da educação física instituída pela Resolução nº 60 não era acatada
integralmente não passando, quiçá, de um simulacro interessado em burlar a vigilância do
Regime? Olhando-se com atenção ao texto da Resolução nº 60 percebe-se que a mesma é
marcada pelo caráter não obrigatório da pratica da educação física para a maioria dos
estudantes da UFG. O principal indicio deste caráter é a inexistência, na Resolução em tela,
de mecanismos institucionais que tornassem efetiva a prática esportiva preconizada pela
legislação educacional do Regime Militar como, p. ex., diretrizes de ação relacionadas ao não
cumprimento da lei.
Aliadas a esta ausência, as dificuldades relacionadas às estruturas materiais e humanas
para o cumprimento da obrigatoriedade legal indiciam para a redução do potencial de
alienação e acomodação da juventude estudantil, como ressalta a leitura historiográfica mais
recorrente na educação física brasileira. Corroborando este entendimento, Taborda de Oliveira
(2012) afirma que os governos militares estenderam a educação física até o ensino superior,
mas não definiram para as universidades federais o financiamento para a construção da
estrutura material e humana necessárias ao empreendimento, o que somente ocorreu em 1975
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com a definição do Plano Nacional do Esporte. Assim, entende-se que o governo federal não
ofereceu, a principio, condições objetivas para que a educação física e o esporte impactassem
na juventude universitária produzindo alienação e acomodação politica e social.
Contudo, a situação não perduraria. Em 21 de dezembro de 1976, por meio da
Resolução nº 113, o reitor da UFG, José Cruciano, revogou a Resolução nº 060 e instituiu um
novo modelo institucional de gerenciamento da educação física na Universidade. Um ato que,
no limite dos possíveis, pode ser visto como um endurecimento da Universidade no que tange
a prática da educação física já que modificava radicalmente os termos pelos quais a questão
da obrigatoriedade estava sendo tratada. Ao contrário da Resolução 060, este dispositivo
regulatório, continha poucos artigos (apenas 8) configurando-se essencialmente como um
instrumento de força. Em seu artigo 1º decretou-se a obrigatoriedade da prática de educação
física a todos ingressados a partir do primeiro semestre de 1977, sendo facultativo ao restante
dos alunos (Resolução 113, Art. 1º, 1976).
A Resolução 113 extinguia a antiga AAUFG recriando-a com o mesmo topônimo
(Associação Atlética Universidade Federal de Goiás), mas desta vez subordinada à Divisão de
Educação Física e Desportos que, criada no mesmo ato, se vinculava ao Departamento de
Assuntos Acadêmicos (Resolução 113, Art. 10º, 1976). A educação física que, inicialmente,
fora aproximada do ensino de graduação era, assim, pelo menos em termos de vinculação
institucional, afastada desta instância passando a compor a estrutura de um órgão de controle
e registro dos estudantes, o Departamento de Assuntos Acadêmicos (DAA).
Segundo Paula (1993, p. 12), os alunos só receberiam se obtivessem frequência igual
ou superior a 75%. E aqui a Resolução 113 inseria um dispositivo de regulação da frequência
estudantil as aulas de educação física já que estabelecia que os estudantes que não
cumprissem a carga horária mínima não poderiam fazer suas matriculas no semestre seguinte.
De forma distinta da Resolução de 1973, a Resolução 113 disciplinava a prática da educação
física impondo uma penalidade em caso de não acatamento do imperativo legal.
Três anos depois, em 1979, uma nova normativa. A Resolução nº 141, de 05 de
dezembro de 1979 ampliava ainda mais a presença da educação física na formação
universitária. Reproduzindo, quase integralmente os termos do nº 69.450/71, mantinha os
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clubes universitários criados segundo modalidades desportivas afins como unidade de
organização (Art. 3º) prescrevendo ainda em seu Artigo 2º que
as práticas se caracterizariam com a predominância da naturezaesportiva e que seguissem preferencialmente ao aprimoramento dasaptidões físicas e conservação da saúde, a integração do estudante navida universitária e a consolidação do sentimento comunitário e denacionalidade.
As novidades estão postas no Artigo 1º que decreta que “a Educação física, Desportiva
e Recreativa integrará, obrigatoriamente, como atividade escolar regular, os currículos de
todos os cursos de graduação ministrados pela UFG” bem como no Artigo 5º onde se
determina a transformação da divisão da Divisão de Educação Física e Desporto em
Coordenação de Educação Física e Desportos (CEFD), vinculando-a a Pró-Reitoria de
Assuntos Estudantis. Estes artigos parecem fechar o circuito institucional de inserção da
educação física no cotidiano da UFG. Afinal, são normativas que impõem a obrigatoriedade
tanto aos estudantes quanto aos projetos curriculares dos cursos de graduação.
Antes que a Resolução 141 viesse a lume a obrigatoriedade estava posta apenas para
os estudantes, o que acarretou inúmeros problemas, entre eles, a indisponibilidade de horários
para as aulas da educação física na grade de aula construídas pelos colegiados dos cursos em
cada semestre letivo. Há indícios que sinalizam para grande resistência da comunidade
acadêmica da UFG em relação a presença obrigatória da educação física, situação que parece
ter perdurado na década de 1980. No Livro de Atas da CEFD, relativo ao período 1981-1996,
os colegiados dos cursos de graduação da UFG não colaboravam para que os estudantes
pudessem frequentar as aulas, treinar e participar de competições esportivas representando a
UFG em nível estadual e nacional.
A educação física na UFG se consolidava como uma prática fora do lugar. Afinal,
inserida pela força dos decretos e das leis produzidas por governos autoritários, não poderia
mesmo receber adesão entusiasmada em um dos lócus de resistência a Ditadura. E, ainda,
então conceituada e representada como prática física, focada nos aspectos orgânicos do corpo
humano, muito longe do ethos acadêmico não poderia igualmente receber o prestígio dos
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intelectuais. Neste sentido, sua reduzida importância na UFG dos anos 1970 ajuda a
relativizar igualmente o seu potencial alienador junto a juventude universitária goiana.
Ao mesmo tempo, ia se constituindo uma praça de esportes no Campus Samamaia:
quadras poliesportivas ao ar livre e piscina olímpica eram então os principais equipamentos.
Um lugar para a educação física foi surgindo e se consolidando nos anos 1980. Em 1983, o
CEFD/UFG começaria a promover os Jogos Internos da UFG, evento de realização anual que
se prolongou até 1996. Os Jogos Internos se constituíram, por sinal, em uma estratégia de
valorização da educação física e dos esportes no interior da Universidade e na cultura urbana
de Goiânia.
O corpo docente do CEFD projetou, já em 1980, a criação de dois cursos: um curso de
licenciatura em educação física e, depois, um de licenciatura em dança. O projeto não foi
aprovado e outra proposta foi construída e aprovada em 1988 dando origem a atual Faculdade
de Educação Física e Dança da UFG enquanto o CEFD e a obrigatoriedade legal
desapareciam em meio aos ventos da democracia. Assim, ainda que vinculada a um projeto de
força, a uma ditadura militar, a obrigatoriedade legal ensejou possibilidades para que
emergisse uma instituição de formação de professores de educação física que tem trazido
contribuições significativas para a UFG e para a sociedade goiana..
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PAULA, MARIA ALICE C. de. O curso de licenciatura em educação física da Faculdade deEducação Física: origens e currículo. Goiânia: FEF, 1993 (mimeo)
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Livro de Atas CEFD (1983-1996)
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