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Uma Revista do Programa Estadual de DST/Aids-SP FOTO: PEDRO IVO CARVALHO FIQUE SABENDO É MARCA DE SUCESSO: SÃO PAULO É EXEMPLO PARA TODO O PAÍS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DST/AIDS: INVESTINDO NO FUTURO Ano 3 Edição 3 Novembro/2011

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Uma Revista do Programa Estadual de DST/Aids-SP

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FIQUE SABENDO É MARCA DE SUCESSO: SÃO PAULO É EXEMPLO PARA TODO O PAÍS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DST/AIDS: INVESTINDO NO FUTURO

Ano 3 Edição 3 Novembro/2011

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Editorial

A Campanha Fique Sabendo tornou-se uma marca de sucesso. Em 2011, realizamos a 4ª edição da Campanha Fique Sabendo, em parceria com o Instituto Adolfo Lutz, e secre-tarias municipais de saúde. Mais de 500 municípios aderiram à campanha, num total

de 3 mil unidades de saúde. Ao todo foram mobilizados para a ação cerca de 40 mil pro issionais de saúde de diferentes áreas (gestores, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e técnicos de laboratório, entre outros). Em 255 municípios foram realizadas atividades de testagem fora dos serviços de saúde ou unidades que irão funcionar em horários alternativos, visando expandir o acesso do exame anti-HIV à população. Este ano, a campanha foi especialmente voltada a popula-ções mais vulneráveis. Esperamos chegar cada vez mais perto de quem precisa mais fazer o teste.

Os travestis e transexuais sempre tomaram hormônio por conta própria, colocando em risco sua saúde. Uma parceria entre o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, CREMESP, possibilitou aos pro issionais do Ambu-latório TT prescrever hormônios de forma adequada e competente, reduzindo assim os danos produzidos pela automedicação.

A criação do curso de Especialização em Prevenção ao HIV/AIDS no Quadro de Vulnerabili-dades e dos Direitos Humanos, uma parceria entre o Núcleo de Estudos para Prevenção da Aids, NEPAIDS, da Universidade de São Paulo e o Programa Estadual DST/Aids-SP foi outra iniciativa inovadora de 2010.

Estes são alguns dos temas abordados na terceira edição da revista Bandeiras PositHIVas, uma publicação do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP que tem por objetivo divulgar as ações e as principais conquistas realizadas pelo PE DST/Aids-SP nas áreas de prevenção, assistên-cia, direitos humanos entre outras. Desejamos a todos uma boa leitura!

Maria Clara GiannaCoordenadora do Programa Estadual DST/Aids-SP

Rosa de Alencar SouzaCoordenadora Adjunta do Programa Estadual DST/Aids-SP

Paulo Roberto TeixeiraConsultor do Programa Estadual DST/Aids-SP

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Secretário de Estado da SaúdeGiovanni Guido Cerri

Coordenadoria de Controle de DoençasMarcos Boulos

Coordenação do Programa Estadual DST/Aids-SPMaria Clara Gianna

Coordenadora Adjunta do Programa Estadual DST/Aids-SPRosa de Alencar Souza

Conselho Editorial (ordem alfabética)Alexandre Gonçalves, Artur Kalichman, Ângela Tayra, Ivone de Paula

João Bosco Alves de Sousa, Leda Jamal, Maria Clara Gianna, Marina Pecoraro, Paulo Roberto Teixeira, Paulo Mineiro,

Rosa de Alencar Souza e Vilma Cervantes

Edição finalPaulo Roberto Teixeira

Maria Clara GiannaRosa de Alencar Souza

João Bosco Alves de SousaEmi Shimma

Marina Pecoraro

Jornalista ResponsávelMarina PecoraroMTB 40.770/SP

Reportagem e redaçãoEliane Izolan

Liandro LindnerMarina Pecoraro

Rodrigo VasconcellosSylia Rehder

RevisãoAdemar Lopes Junior

Projeto gráfico e edição de arteCha Com Nozes Propaganda / Juliana Carnielli e Alice Corbett

IlustraçõesMaurílio Duarte

Desenho da capaMicaela Cyrino

FotografiaPedro Ivo Carvalho

Bandeiras PositHIVas é uma publicação do Centro de Referênciae Treinamento DST/Aids-SP Programa Estadual DST/Aids-SP

Coordenadoria de Controle de DoençasSecretaria de Estado da Saúde-SP

ApoioOrganização Panamericana de Saúde-OPAS

ISSN 1984-9370

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Sumário

4 REPRODUÇÃO ASSISTIDACRT DST/Aids cria o primeiro Programa de Reprodução Assistida para Portadores do HIV no SUS

8 TRANSMISSÃO VERTICALCompromisso do Estado de São Paulo reduz a taxa de transmissão vertical do HIV para 2,7%

11 HORMONOTERAPIAAmbulatório TT do CRT DST/Aids-SP pode prescrever hormônios para travestis

14 ARTIGO RUBENS OLIVEIRA DUDA10 Anos de GT OG/ONG: A concretude de um sonho

17 MONITORAMENTO PRESENCIALPE DST/Aids-SP auxilia programas municipais DST/Aids na resposta às doenças sexualmente transmissíveis e Aids

20 PERFILSaiba como Murilo Bezerra Duarte deu a volta por cima do HIV

22 PREVENÇÃOCRT e NEPAIDS organizam o primeiro curso de especialização em Pre venção ao HIV/Aids no quadro da Vulnerabi lidade e dos Direitos Humanos

26 INSTITUTO ADOLFO LUTZA importância do Instituto Adolfo Lutz na resposta paulista ao HIV

29 FIQUE SABENDOTestagem precoce do HIV é meta do PE DST/Aids-SP

32 BALANÇOI Encontro Paulista dos Serviços de Assistência Especializada a Pessoas Vivendo com HIV: Cuidado, Integralidade e Qualidade de vida

35 SOCIEDADE CIVILGAPA E GIV e a importância das ONG/Aids para as pessoas vivendo com HIV

38 PLANOS PRIORITÁRIOSConheça os objetivos do Plano de Enfrentamento da Epidemia em Homens que fazem sexo com homens, gays e travestis do Estado de São Paulo

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

Reprodução assistida

F oi numa quinta-feira, 22 de abril de 2010, que o ambulatório de reprodu-ção assistida do CRT começou a fun-

cionar. Em seis meses, 40 casais foram aten-didos, 17 deles já são considerados elegíveis para o tratamento. São casais em que ou os dois parceiros são soropositivos ou um deles é. Roberto* e Fernanda* fazem parte do grupo. Eles estão juntos há 3 anos. Roberto calcula ter contraído o HIV há mais ou menos 20 anos. Ela é negativa. Ele tem três ilhos. Ela, nenhum. Mas não esconde o desejo de ter. Agora, os dois planejam o primeiro ilho juntos ou “quem sabe dois”, como diz Roberto.

O funcionário público que vive em Santos descobriu o Serviço de Reprodução Assistida do CRT DST/Aids-SP quando quase desistia da ideia de gravidez. O casal já tinha procurado ajuda em clínicas particulares, mas percebeu que a conta seria salgada demais: “algumas clí-nicas cobraram mais de 15 mil reais para fazer a inseminação arti icial”, lembra Roberto. Ao

contar o périplo para a médica que o acompa-nha, Roberto soube que a reprodução assistida começava a ser implantada no SUS. “A decisão de ter ilhos foi tomada quando decidimos que icaríamos. Agora vai ser possível”, comemora.

Waldemar de Carvalho, coordenador do Centro de Reprodução Assistida em Situações Especiais da Faculdade de Medicina do ABC (CRASE), parceiro do Ambulatório de Repro-dução Assistida do CRT DST/Aids-SP, leva um susto ao saber o valor que as clínicas parti-culares apresentaram a Roberto: “O custo de uma lavagem de esperma e uma inseminação arti icial é de pouco mais de R$ 700,00. Só pode ser confusão. Devem ter cobrado por uma fertilização in vitro, essa sim, uma técnica muito mais cara”, observa Waldemar. Ele não faz a associação direta, mas o susto vem segui-do de uma re lexão: “muitos casais procura-vam as clínicas privadas de reprodução e eram segregados porque tinham o HIV. O relato de muitos pacientes é que a maioria das clínicas

PORTADORES DE HIV TÊM DIREITO REPRODUTIVO GARANTIDO NO SUS

O QUE ESTAMOS FAZENDO É GARANTIR O DIREITO DE QUEM PODE TÊ-LOS,

EVITANDO A TRANSMISSÃO DO VÍRUS PARA O PARCEIRO QUE NÃO ESTÁ INFECTADO.

(Waldemar de Carvalho)

* os nomes são fi ctícios.

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não quer fazer o procedimento por medo de contaminação”.

Preconceito? Estigma? O que Waldemar percebeu em suas pesquisas foi notado pela infectologista Rita Manzano Sarti na rotina com os usuários do CRT DST/Aids-SP: “o fato de ser HIV positivo foi durante muito tempo motivo de exclusão dos centros de reprodução assistida. As mulheres com Aids que queriam ter ilhos não iam nem mesmo para o inal da ila. Eram simplesmente excluídas”.

Direito – No Brasil, oito a cada dez pessoas com Aids estão na idade reprodutiva. São pes-soas que, com o acesso aos antirretrovirais, levam uma vida normal: estudam, trabalham e fazem planos para o futuro. É natural surgir a necessidade de ter ilhos: “os medicamentos aumentaram a sobrevida e com ela, o desejo consciente ou não de ter ilhos”, constata Rita.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2008, cerca de 3 mil mulheres que sabidamente vi-viam com HIV engravidaram. Nem todas usa-vam antirretrovirais. O estudo não mostra quantos homens HIV positivos tiveram ilhos nesse período. Em compensação outra pes-quisa, realizada em Porto Alegre por Melo e colaboradores (2008), mostra que com ou sem o suporte adequado, homens e mulheres soro-positivos continuarão tendo ilhos. O estudo

acompanhou durante 6 anos, 93 casais sorodis-cordantes. Nenhum caso de transmissão do HIV foi observado entre aqueles em que o parceiro soropositivo usava os antirretrovirais ou apre-sentava carga viral indetectável no sangue. Dos seis casos onde houve soroconversão, o parcei-ro soropositivo não usava os medicamentos an-tirretrovirais. Em três desses casos, a infecção do parceiro coincidiu com a gestação.

Garantir o acesso à reprodução assistida é uma questão de direitos humanos e de igual-dade social. “Cabe ao governo garantir para que isso aconteça com o menor risco possí-vel”, defende Rita. “Trata-se de política pública de saúde. O que estamos fazendo é garantir o direito de quem pode tê-los, evitando a trans-missão do vírus para o parceiro que não está infectado”, argumenta Waldemar.

PolêmicaEnquanto o CRT DST/Aids-SP começava a fa-

zer a inseminação arti icial e a monitorar as pro-cedimentos de autoinseminação nos primeiros casais (Veja Box), o Ministério da Saúde lançava em outubro de 2010, um conjunto de recomen-dações sobre a reprodução assistida. O texto com mais de 200 páginas traz detalhes técnicos para cada uma das alternativas de reprodução.

CABE AO GOVERNO GARANTIR PARA QUE ISSO ACONTEÇA COM O MENOR

RISCO POSSÍVEL.(Rita Manzano Sarti)

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

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Sem filhosEm um estudo do ano 2001 que ouviu mais

de 400 gestantes HIV+, atendidas nos serviços de saúde de Porto Alegre e São Paulo, mos-trou que em media 6 a cada dez conheciam seu status sorológico antes de engravidar e destas, a maioria não desejava mais ter ilhos. O outro lado da moeda quando o assunto são os direitos reprodutivos é o direito de não en-gravidar. Para Regina Barbosa, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Uni-camp (NEPO), “a balança das políticas públi-cas pende muito mais para o direito a ter do que o de não ter ihos”.

Para a pesquisadora, essa balança acaba limitando as alternativas de métodos anticon-cepcionais das mulheres com HIV e não reco-nhece especi icidades dessa população. “Ser-viços e pro issionais de saúde ainda têm uma certa resistência em oferecer outros métodos anticoncepcionais que possam ser associados ao preservativo, com medo que elas abando-nem a camisinha”, defende Regina.

Segundo Regina, o resultado é que as mu-lheres com Aids se laqueiam numa proporção muito maior e em idade muito mais precoce que as mulheres sem o HIV”, diz Regina. Ela

O CRASEA parceria com o CRT foi oficializada em 2010, mas foi em 2006, com a criação do CRASE (Centro de

Reprodução Humana para Situações Especiais) que começou a ganhar forma a técnica que seria incorpo-rada à resposta do Programa Estadual de DST e Aids de São Paulo. O que nasceu como um laboratório ligado à disciplina de Genética e Reprodução Humana da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC é, na verdade, o primeiro laboratório na América Latina para reprodução assistida de pacientes com viroses crônicas: HIV, hepatites B, C e HTLV. “Percebemos um aumento da procura de casais vivendo com HIV e Aids, que desejavam ter filhos. Eram casais vindos de todo o país e do exterior. Alguns deles, de Angola. Foi esse o incentivo para criar o CRASE”, lembra Waldemar. O laboratório fica em Santo André, grande São Paulo e desde 2006, 96 crianças nasceram de casais em que pelo menos um dos parceiros tinham o HIV e que foram acompanhados pelo CRASE. Nenhuma delas contraiu o vírus.

chegou a essa conclusão depois de uma pes-quisa feita com 1.777 mulheres com HIV/Aids e 2.045 mulheres da população em geral. En-quanto entre as mulheres sem o vírus 23,8% recorrem à laqueadura como método anticon-ceptivo, entre as mulheres HIV+, a proporção chega a 32,4%. Em 60% dos casos, a cirurgia foi feita após o diagnóstico do HIV. Enquanto preservativos e laqueadura representam 80% dos métodos anticoncepcionais usados por mulheres com Aids, a pílula representa apenas 10% e o DIU por 1,7%.

Com menos alternativas, aumentam as chances de gravidez indesejada. O mesmo es-tudo do NEPO mostra que 17,5% das mulhe-res com HIV/Aids relataram aborto induzido, contra 10,4% das mulheres da população em geral. “Para essas mulheres, a decisão de in-terromper a gravidez é ainda mais compli-cada que para qualquer outra mulher. Essa é uma decisão que remete à ideia da morte e isso rebate na questão da Aids. Fazer uma decisão pelo aborto quando se luta contra a Aids é uma decisão dolorosa e, a impressão que se tem é que essa é uma decisão muito mais solitária, sem o apoio de parceiro ou fa-mília”, argumenta Barbosa. *

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Autoinseminação – Quando a mulher é so-ropositiva e o parceiro soronegativo, o proce-dimento recomendado é autoinseminação no período fértil. Trata-se da introdução do sêmen do parceiro na vagina por meio de uma seringa. O procedimento é simples, de fácil realização, baixo custo e que não necessita da estrutura de recursos tecnológicos. No caso em que o homem é soropositivo, a técnica reduz, mas não elimina o risco de infecção. Nesse caso, o Ministério da Saúde recomenda a profilaxia pós-exposição com antirretrovirais após o uso do método.

AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Lavagem de Esperma – A lavagem de esperma é recomendada para casais em que os dois são soropositivos ou apenas o homem tem o HIV. Para ser elegível é preciso estar com carga viral indec-tável e estar usando os antirretrovirais. Trata-se da forma mais segura de concepção nessa situ-ação. O sêmen é lavado utilizando-se técnicas de biologia molecular. O preparo do sêmen demora cerca de duas horas e tem que ser feito no dia em que a mulher está fértil. A concepção é fei-ta associada com outras técnicas de reprodução assistida: inseminação artificial, fertilização, fertili-zação in vitro ou a injeção intracitoplasmática de espermatozoides (técnica que consiste em aspirar o espermatozoide e fazer a inserção no óvulo com uso de microscópio). Dessas três técnicas, apenas a inseminação artificial é oferecida no CRT.

Concepção Natural – Para a concepção na-tural entre casais sorodiscordantes ou onde am-bos os parceiros são positivos, o Ministério da Saúde elenca uma série de recomendações para a redução de risco de transmissão do HIV: boa adesão aos antirretrovirais, pelo menos dois exa-mes com quantificação indetectável de carga viral, condição imunológia estável, ausência de infecções oportunistas etc. Mesmo com todos os cuidados, o risco de transmissão continua exis-tindo. Profilaxia com antirretrovirais pré e pós-exposição também deve ser avaliada.

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

Transmissão ver ical

A TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV E DA SÍFILIS ESTÁ COM SEUS DIAS CONTADOS

E m 2009, a Coordenação Estadual DST/Aids-SP uni icou as metas relacionadas à prevenção da transmissão vertical do HIV

e da sí ilis congênita. Foi uma decisão racional e funcional, uma vez que os dois quadros podem ser prevenidos, diagnosticados e tratados no mesmo local, ou seja, na unidade básica de saúde.

Na Secretaria de Estado da Saúde, a propos-ta da eliminação da transmissão vertical do HIV e da sí ilis tem obtido respostas positivas a par-tir da articulação das áreas técnicas da Saúde da Mulher e Saúde da Criança com o Programa Estadual de DST/Aids. Retrato disso foi o lança-mento da Linha de Cuidado da Gestante Puér-pera em 2010, que inclui vários documentos, entre eles a carteira da gestante, o manual para o gestor e o manual técnico dirigido aos pro-issionais que realizam as ações de pré-natal e

puerpério, que abordam os dois problemas. A interrupção da transmissão vertical do

HIV e da sí ilis congênita depende de ações simples de promoção e atenção primária à saúde, em grande parte centradas na adesão da gestante e à qualidade do pré-natal. A es-

trutura de saúde pública necessária para dar essa resposta existe e a rede privada tem sido sensibilizada para esta necessidade. Os me-dicamentos e insumos para tanto são ampla-mente disponíveis no SUS.

Nesse cenário, foi lançado o desa io da elimi-nação da transmissão vertical da sí ilis e do HIV até 2015: nenhuma criança deverá nascer com essas doenças em território paulista. Esta meta também é preconizada pela Organização Pa-namericana de Saúde (OPAS), e possível de ser atingida, o que só depende do comprometimen-to de todos os setores envolvidos com a questão.

Para Luiza Matida, a vigilância epidemiológi-ca mostra que o Estado de São Paulo tem feito grandes progressos nessa direção, mas faz um alerta: “Para conseguirmos a eliminação da transmissão vertical do HIV e da sí ilis até 2015 precisamos trazer mais mulheres e homens para os serviços públicos de saúde e sensibilizar o se-tor privado para que adote as ações recomenda-das para a sua clientela. Outro desa io para os próximos cinco anos é envolver os grupos mais vulneráveis: moradores de rua, migrantes e imi-

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PARA CONSEGUIRMOS A ELIMINAÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV E DA SÍFILIS ATÉ 2015 PRECISAMOS TRAZER MAIS MULHERES E HOMENS

PARA OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE.(Luiza Matida)

grantes, pro issionais do sexo, usuários de dro-gas, privados da liberdade e adolescentes que, em geral, enfrentam di iculdades para o acesso oportuno aos serviços do SUS”.

ESTRATÉGIAS BEM-SUCEDIDAS REDUZEM TRANSMISSÃO DO HIV

A prevenção da infecção vertical por HIV se dá por meio de medidas simples que incluem a testagem da mãe, pro ilaxia com antirretrovi-rais durante a gestação; AZT para a parturien-te infectada e seu bebê; indicação da melhor via de parto e não amamentação.

Os últimos dados sobre a transmissão ver-tical do HIV mostram que o estado de São Pau-lo avança a passos largos, atingindo índices de prevenção comparáveis aos de países de pri-meiro mundo, como resultado das estratégias adotadas pelo Programa Estadual de DST/Aids, da Secretaria de Estado da Saúde.

Segundo a OPAS, a eliminação da transmis-são vertical do HIV signi ica uma taxa de inci-dência menor que 2 casos para cada 100 mães infectadas. De acordo com os dados da Avalia-ção da Transmissão Vertical do HIV no Estado de São Paulo, uma iniciativa do Ministério da Saúde, coordenada e realizada por técnicos do Programa Estadual em DST/Aids, a taxa atual de transmissão vertical do HIV é de 2,7%, ou seja, muito próxima da situação de eliminação.

O estudo mostrou que 90,1% das gestantes izeram a sorologia para o HIV; 85,3% das mães

e 80,5% das crianças receberam o AZT no mo-mento do parto e 90,5% dos bebês não foram amamentados. A pesquisa foi realizada em 106 municípios paulistas, abrangendo 321 serviços de saúde. “O processo da coleta de dados con-tribuiu para o aprimoramento da forma de tra-balhar a questão. Os pro issionais envolvidos ampliaram seu conhecimento e promoveram a troca de experiências com outras regiões ou municípios” relata Maria Clara Gianna, coorde-nadora do Programa Estadual DST/Aids-SP.

Do total de mães infectadas, 91,2% foram diagnosticadas antes ou durante o pré-natal e

apenas 6,7% durante o parto. Desse universo, 71,8% passaram por seis ou mais consultas du-rante a gravidez. Os dados de São Paulo foram responsáveis por um fato inédito. “Na última Conferência Internacional da Aids realizada em 2010, na Áustria, o Brasil, representado com os dados de São Paulo, igurou entre os países com menores taxas de transmissão vertical em todo o mundo”, relata Luiza Matida, coordenadora da pesquisa e responsável pela área de trans-missão vertical do HIV e da sí ilis congênita no Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo.

Para ampliar a cobertura das ações, des-de 2009, o SUS passou a disponibilizar o AZT também para a rede privada de forma gratui-ta. Cerca de 40% dos partos do estado de São Paulo são realizados na rede privada e esse dado não pode ser desprezado. Além da oferta do medicamento, o Programa Estadual DST/

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

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Aids-SP vem incluindo os serviços particu-lares nos treinamentos para o corpo técnico. Adicionalmente a Agência Nacional de Saúde Suplementar tem sido envolvida em nosso tra-balho”, esclarece Luiza Matida.

SÍFILIS CONGÊNITA: TRATAMENTO DEVE INCLUIR O PARCEIRO

A sí ilis congênita é considerada eliminada quando se veri ica a ocorrência de menos de 1 caso para cada mil nascidos vivos. Em relação à sí ilis congênita, São Paulo apresenta uma taxa de prevalência de 1,6%, conforme dado de um estudo sentinela realizado em 2004, envolvendo cerca de 10.400 parturientes com sí ilis e 2.600 nascidos vivos com SC. Uma ava-liação das noti icações no período de 2001 a 2007 mostra que 77,3% das mães com sí ilis izeram o pré-natal e 60% foram tratadas du-

rante a gravidez. Entretanto, apenas 11% dos parceiros sexuais foram diagnosticados e tra-tados. “A inclusão do homem no pré-natal é um desa io para o enfrentamento de todas as DST em mulheres grávidas. Estudos apontam que mulheres e crianças frequentam mais as Uni-dades Básicas de Saúde, enquanto a procura masculina pelos serviços, além de ser menor, está mais relacionada a eventos agudos”, ob-serva Luiza Matida.

A sí ilis aumenta o risco de óbito fetal e pode provocar sequelas irreversíveis como cegueira, deformidades ósseas e surdez nos recém-nascidos. Já as crianças que nascem com HIV estão expostas ao risco de morte pre-matura, além de ter sua saúde e qualidade de vida comprometidas. O diagnóstico precoce e

a consequente pro ilaxia são as estratégias de excelência para prevenção da sí ilis congênita. Na gestante diagnosticada a sí ilis é tratada com penicilina, para prevenção da sí ilis con-gênita. “A administração oportuna desses me-dicamentos é imprescindível para a prevenção da transmissão ao bebê.

OPORTUNIDADES PERDIDASAinda que tenhamos diretrizes técnicas, co-

bertura laboratorial para realização de exames e medicamentos disponíveis para o tratamen-to, muitas di iculdades são encontradas. As ações que resultam na redução da transmissão vertical do HIV e da sí ilis congênita estão pro-fundamente ligadas à qualidade do pré-natal. É necessário que os exames laboratoriais se-jam solicitados de acordo com as recomenda-ções do manual técnico da Linha de Cuidado, que os resultados sejam entregues em tempo oportuno e que os pro issionais que realizam o pré-natal possam tratar a gestante ou proce-der ao encaminhamento para outras unidades de saúde, quando for necessário. O que ainda não tem ocorrido de forma ideal.

Maria Clara Gianna convoca os pro issio-nais de saúde e a sociedade para que adotem atitudes que contribuam para que São Paulo atinja a meta de eliminação. “Precisamos nos indignar a cada caso de criança que nasça com o HIV ou com a sí ilis. Temos todas as ferra-mentas para que isso não mais ocorra: infor-mação técnica, recursos e tecnologia. Precisa-mos investigar todos os casos noti icados de Aids e sí ilis em crianças e corrigir as falhas que geraram essas oportunidades perdidas”. *

No estado de São Paulo o uso da penicilina na rede básica de saúde e demais serviços da assistência é com-pulsório para todas as mães diagnosticadas com sífilis e está previsto na Nota Técnica No 184 assinada pelo então Governador José Serra, publicada em 1o de outubro de 2009.

O documento, respaldado tecnicamente pela Coordenadoria de Controle de Doenças, Coordenação Esta-dual de DST/Aids, o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) e a Área da Atenção Básica da Secretaria de Estado da Saúde reitera a legislação do Sistema Único de Saúde que dispõe sobre o uso da penicilina na rede pública.

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Hor onioterapia

HORMONIOTERAPIA

que conheci.” Este ano, depois de conseguir um laudo médico atestando sua identidade feminina, Jocasta diz que vai entrar na justiça para solicitar alteração de seu nome de nasci-mento. Há 6 anos Jocasta está na ila para ci-rurgia de redesignação sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo.

O Ambulatório de Saúde Integral para Tra-vestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP (CRT DST/Aids-SP) foi inaugurado em 9 de junho de 2009. O serviço é pioneiro no país, e em apenas um

UMA CONQUISTA DO AMBULATÓRIO PARA TRAVESTIS E TRANSEXUAIS DO CRT DST/AIDS-SP

J ocasta Olimpio de Barros, 41 anos, é pau-lista, costureira, transexual. É paciente do Ambulatório de Saúde Integral para Tra-

vestis e Transexuais do CRT DST/Aids-SP há cerca de 6 meses. Desde os 17 anos, faz uso de hormônios sob orientação de amigas travestis e injetou silicone industrial em várias partes do corpo, com a ajuda de “bombadeiras”. “To-das as vezes que recorri a serviços de saúde, nunca me chamavam pelo meu nome social. Sempre me senti discriminada. No CRT é dife-rente, mil vezes melhor que qualquer serviço

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

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ano e meio de funcionamento tornou-se refe-rência nacional.

Uma das grandes conquistas obtidas pelo ambulatório foi a elaboração de uma proposta de uma resolução, em parceria com a socieda-de civil organizada e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), que legaliza o uso de hormônio em travestis. A proposta foi aprovada pelo Cremesp e publicada como Resolução 208, de 11 novembro de 2009. Até então, ao contrário das transexuais que con-quistaram o direito a cirurgia de redesignação sexual e uso de hormônios, as travestis consti-tuíam um grupo historicamente excluído dos serviços de saúde. “As travestis sempre ize-ram uso inadequado de hormônios e silicone industrial. O resultado, na maioria das vezes, era uma tragédia”, declara o coordenador da Câmara de Bioética do Cremesp, Reinaldo Ayer. Segundo ele, os técnicos aprovaram a resolu-ção por unanimidade em poucos meses após sua apresentação. “Fomos sensibilizados pela equipe do CRT DST/Aids-SP e também por mi-litantes da sociedade civil. A hormonioterapia altera a identidade e a imagem corporal e deve ser feita com responsabilidade”, acrescenta.

O Ambulatório do CRT DST/Aids-SP foi criado por solicitação do ex-secretário de

CIRURGIA, DO SONHO À REALIDADEOutra grande conquista obtida pela Coordenação Estadual DST/Aids-SP foi a ampliação do número de

cirurgias para redesignação sexual no HC. Antes do Ambulatório, o HC realizava uma média de 3 cirurgias por ano. Graças a uma parceria entre ambas as instituições, o número será de 12, a partir de 2011.

A professora do ensino fundamental Tânia Granussi, 39 anos, será a primeira paciente do Ambulatório do CRT DST/Aids-SP a ser submetida a cirurgia neste ano. Ela sempre teve acesso aos serviços de saúde, pois tem um convênio. “Nem todo mundo tem condições financeiras de arcar com os medicamentos e isso hoje é possível com o Ambulatório, os hormônios custam caro – em média R$ 360”, comenta.

Para Tânia e Jocasta, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que as travetis e transexuais sejam tratadas com dignidade. Uma das queixas mais frequentes das travestis e transexuais nos serviços públicos de saúde é o fato de serem chamadas pelos profissionais pelo nome masculino. “Os profissionais dos serviços de saúde e das escolas necessitam de treinamento para que esta população deixe de ser discriminada”, observam.

Em janeiro de 2010, o município de São Paulo (Decreto no 51.180, 14/1/2010) normatizou o uso do nome social em todas as repartições públicas municipais para essas pessoas.

Saúde de São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata. “Nossa estrutura foi criada para aten-der uma população marginalizada. Nosso primeiro passo para implantar o projeto foi ouvir a sociedade civil sobre o tema”, con-ta a coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids, Maria Clara Gianna. O Centro de Referência da Diversidade (CRD), a ONG Pela Vida-SP e a Prefeitura de São Paulo foram os principais parceiros nessa empreitada. “Du-rante o processo de escolha do local para aco-lher o serviço, pensou-se que realizar o aten-dimento dentro de um serviço que atende portadores de HIV/Aids poderia gerar ainda mais preconceito em relação às travestis. Por outro lado, nossas equipes já tinham expe-riência no atendimento desse público, o que era um fato positivo, e justi icou a decisão”, explica Maria Clara.

Atualmente, cerca de 500 pacientes encon-tram-se matriculados no ambulatório, que oferece atendimento de diversos especialistas: endocrinologista, proctologista, urologista, psiquiatra, ginecologista e fonoaudióloga. Em junho de 2010, o CRT DST/Aids-SP foi agracia-do com o “Prêmio Diversidade” na categoria Saúde pela Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, em junho de 2010.

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SILICONE INDUSTRIALO Ambulatório fez também parceria com o

Hospital de Diadema para a retirada de silicone industrial. Mesmo assim, apenas 10% das pacien-tes encaminhadas podem realizá-la. “Na maioria dos casos é impossível fazer qualquer intervenção médica, os danos já causados por essa prática são por vezes irreversíveis”, explica a coordenadora do local, Filomena Cernichiaro.

De acordo com ela, as travestis buscam o sili-cone industrial para ganhar curvas mais femininas pelo corpo, sem a preocupação dos efeitos negati-vos que a substância pode causar.

Ativistas lésbicas, gays, bissexuais, tra-vestis e transgêneros elogiam a atuação do Ambulatório, mas defendem a ampliação dos serviços de saúde na capital e interior do Estado. “Não podemos segregar populações em poucos serviços, o SUS precisa incorpo-rar esse atendimento. De qualquer forma, é excelente saber que as pessoas não precisam tomar hormônios às cegas”, declarou a artista e militante transexual Claudia Wonder (fale-cida em novembro passado).

Para Irina Bacci, coordenadora do Centro de Referência da Diversidade (CRD) e também militante da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais), o am-bulatório provocou grande repercussão. “O

SERVIÇO DE REFERÊNCIA PRECISA DE EXPANSÃOConselho Federal de Medicina publicou mais resoluções sobre o tema depois da implanta-ção do ambulatório”, observa. Entretanto, de-clara sentir falta de pesquisas cientí icas vol-tadas para a questão da terapia hormonal e da cirurgia de redesignação sexual. “Ainda não temos serviços de implantes de próteses para o quadril e não existe consenso sobre o uso polimetilmetacrilato nessa região do corpo. É preciso investir em pesquisa”, enfatiza.

Já a militante transexual Jacqueline Roche Côrtes acredita que o atendimento oferecido pelo ambulatório vai além da questão dos hor-mônios. “É um ganho psicológico e social para essa população, elas passam a ganhar incenti-vo para cuidar da saúde”, comentou. *

PARCERIAS DE PESO• O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP ampliou sua capacidade de cirurgias de redesignação sexual (mudança de sexo) – hoje são previstas 12 por ano, antes eram 3. É necessário seguimento psicoterápico de dois anos, antes do procedimento.• O Hospital de Base em São José do Rio Preto também realizará cirurgias de redesignação sexual. No mesmo muni-cípio, já existe um ambulatório que atende travestis e tran-sexuais, com acompanhamento clínico geral. • Cirurgias de histerectomia (retirada de útero) serão realizadas a partir de parceria etabelecida com o Hospital Pérola Byington em São Paulo. Nesse hospital já são raliza-das densitometria óssea (avaliação da massa óssea) para a população atendida no CRT DST/Aids-SP.• A colocação de próteses (ainda em caráter experimental e apenas para troca em pacientes que já tenham o implan-te), suporte em ortopedia e neurologia serão possíveis gra-ças à colaboração com os hospitais do Mandaqui, Ipiranga e o Estadual de Heliópolis.• Parceria com o Hospital Estadual de Diadema permite realização de intervenções cirúrgicas para a retirada de sili-cone industrial.

NA MAIORIA DOS CASOS É IMPOSSÍVEL FAZER QUALQUER

INTERVENÇÃO MÉDICA.(Filomena Cernichiaro)

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

Ar igo

O nascimento do GT OG/ONG (1) em 2000 foi uma resposta à necessidade de integração e construção conjunta entre

instituições de caráter e formação distintas mas com o mesmo objetivo: Enfrentar a epide-mia do HIV/Aids.

O grupo não nasceu por acaso, sua criação foi fruto de um processo que desde o início da epidemia, em São Paulo, mostrou-se persis-tente e dinâmico.

A história do movimento de luta contra a Aids, no Brasil, tem São Paulo como a MECA das irmes ações, advindas tanto do governo como da sociedade civil.

Não há como não reconhecer que, de cada 10 casos exemplares, 9 são oriundos desse Es-tado que, até hoje, proporciona uma esmaga-dora contribuição ao País quando o quesito é luta contra a Aids.

A história de São Paulo não se diferencia do Brasil, Governo e sociedade civil caminharam, cada um em seu espaço e tempo, rumo a ações em prol do enfrentamento de uma epidemia letal e implacavelmente perversa.

A característica mais visível foi o ineditis-mo e o pioneirismo. Ações inéditas e pionei-ras, jamais realizadas em quaisquer outros lugares, nasceram aqui.

Essa Pauliceia incansável que trabalha noi-te e dia mostrou no decorrer desses anos que a Aids não teria facilidades para traçar seu ca-minho de destruição imunológica e ideológica.

Aqui nasceu o Grupo Somos de A irmação Homossexual1, um grupo político em favor de direitos, que reagiu, imediatamente, na busca por respostas governamentais e comunitá-rias, época em que os jornais estampavam em 1983: “Peste Gay já apavora São Paulo2”.

10 ANOS DE GT OG/ONGA CONCRETUDE DE UM SONHO

Aqui, nasceu a primeira resposta governa-mental do Brasil, oriunda do compromisso e solidariedade de pro issionais da Saúde, de um Ambulatório a um Programa, de um Pro-grama a um Centro de Referência, de um Cen-tro de Referência a um Centro de Excelência.

Aqui nasceu a primeira resposta social quando foram criadas a primeira Ong/Aids da América Latina e os Grupos de Ajuda Mú-tua, organizado nos corredores do CRT/Aids da Rua Antônio Carlos, por aqueles que, entre uma consulta e outra vislumbravam a neces-sidade de se reunir para celebrar, persistente-mente, a vida.

Foi aqui o berço das Casas de Apoio de adultos e crianças, instituições generosas que responderam à emergência assistencial que se apresentava em forma de exclusão das pesso-as “morrendo” com HIV/Aids, acompanhadas pelo estigma e descriminação.

Época em que o ativista Hebert Daniel, de forma visionária, nos alertava que não estáva-mos apenas tentando controlar um vírus bioló-gico, mas estávamos nos defrontando com per-versos vírus ideológicos, que criavam além da doença, um vasto conjunto de reações sociais de pânico, ignorância, preconceito, violência e discriminação. Ele a irmava categoricamen-te que essas repercussões sociais podiam ter efeitos tão desastrosos quanto a epidemia do HIV. Foi aqui, também, que nasceu e morreu a menina Sheila Cortopassi de Oliveira3 que, ao ser expulsa da escola por sua condição soro-lógica, mobilizou Governo, sociedade civil e Igreja, o que culminou na criação da Portaria 796/92, garantindo a permanência de crian-ças vivendo com HIV/Aids nas escolas.

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De São Paulo, saíram importantes militan-tes que contribuíram para a criação das Redes: RNP+ Brasil4, MNCP5 e RNJAVHA6. Protago-nismo e autonomia eram, persistentemente, almejados, re letidos em palavras de ordem, que como um mantra, ecoavam por todos os cantos do País: “NADA SOBRE NÓS SEM NÓS”, “ANTES NOS ESCONDÍAMOS PARA MORRER, HOJE NÃO MORREMOS PARA VIVER”.

Foi aqui que os ARV7 chegaram, em forma de liminares, o que impulsionou a criação da lei 9.313/96, o icializando a distribuição universal.

Aqui, pela primeira vez, uma criança viven-do com HIV/Aids tomou os ARV, até então so-mente para adultos. A coragem de uma médica e a persistência de uma advogada proporciona-ram o que viria se tornar regra tempos depois.

Aqui nasceram os encontros de ONG/Aids do interior, onde a grande e suntuosa capital se rendeu à força dos municípios que, embora distantes, desempenhavam papéis fundamen-tais para conter uma epidemia que se alastra-va descontroladamente pelos interiores do Brasil. Do casamento da capital e interior, nas-ceu o fruto chamado Fórum de ONG/Aids.

Daqui saíram dezenas de técnicos, militan-tes, PVHA – Pessoas Vivendo com HIV/Aids, para levar ao País suas experiências adquiri-das no decorrer desses anos. Houve época em que chamavam o Ministério de “Paulistério”.

Diante de todos esses fatos o GT OG/ONG há uma década, mais do que assessorar, nas-ceu para assegurar a construção, em conjunto;

Mais do que fortalecer a aproximação de OG e ONG, nasceu para estabelecer papéis de-inidos entre essas instâncias;

Mais do que articulação, nasceu para a de i-nição e ordenação de ações antes desordenadas;

Mais do que propor diretrizes, promoveu e de iniu conceitos;

Mais do que GT – Grupo de Trabalho, pro-porcionou efetivamente, nesses 10 anos, um intenso trabalho em grupo.

Mais do que político, foi humanitário. A i-nal, das decisões tomadas, muito se fez nas ações em prol de uma melhor qualidade de vida das PVHA, bem como a diminuição da in-cidência do HIV/Aids.

Os resultados mostram que, nesses dez anos, não há dúvida de que as decisões, os documentos gerados e os papéis manuseados nesse GT foram tratados com muita seriedade e responsabilidade.

O Dr. Paulo Teixeira8, quando diretor do PN – DST/Aids, disse uma frase que icou marca-da até os dias de hoje: “Atrás de cada papel e procedimento realizado aqui, está uma pes-soa se infectando ou não, vivendo ou mor-rendo com HIV/Aids; dependendo do nosso compromisso na condução deles, estaremos ajudando ou prejudicando–os”.

Parabéns a todos que izeram parte, nesses dez anos de vida, desse privilegiado espaço de construção. *Rubens Oliveira DudaDepartamento Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais – Ministério da Saúde

AQUI, NASCEU A PRIMEIRA RESPOSTA GOVERNAMENTAL DO BRASIL, ORIUNDA DO COMPROMISSO E SOLIDARIEDADE DE

PROFISSIONAIS DA SAÚDE.(Rubens Oliveira Duda)

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1. SOMOS: GRUPO DE AFIRMAÇÃO HOMOSSEXUAL: Foi um grupo em defesa dos direitos LGBT, fundado em 1978, considerado o primeiro grupo brasileiro em defesa desses direitos. O grupo foi formado a par-tir da publicação do periódico O Lampião da Esquina, chamando-se inicialmente Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais. O nome foi criticado por ressaltar demasiadamente a proposta política. Con-siderou-se então usar o nome "Somos", em homenagem a uma publicação do movimento homossexual argentino que teve circulação entre 1971 e 1976. O nome oficial passou a ser, então, "Somos: Grupo de Afirmação Homossexual", evitando-se a palavra "gay" por ser demasiadamente estadunidense.

2. JORNAL NOTÍCIAS POPULARES (Jornal de São Paulo): Matéria em 12 de junho de 1983: “É a pior e a mais terrível doença do século – Dois mortos – PESTE GAY JÁ APAVORA SÃO PAULO”.

3. SHEILA CAROLINE CORTOPASSI DE OLIVEIRA: Portadora do HIV desde o nascimento que, aos cinco anos de idade, foi impedida de frequentar as aulas na escola particular Ursa Maior, no Estado de São Paulo. Seus pais adotivos lutaram na justiça pelo direito da menina de frequentar as aulas nessa escola. Depois de nove meses, ela foi convidada a ser aluna do Colégio São Luís, também particular, onde ganhou uma bolsa de estudos paga por oitenta e cinco professores que se solidarizaram com o caso. Seu drama levou o Ministério da Educação e da Saúde a criar uma Portaria em seu nome – Portaria Interministerial 796/92, que proíbe a discriminação de crianças portadoras do HIV/Aids na escola.

4. RNP+BRASIL: Fundada em 1995 na cidade do Rio de Janeiro no Encontro VIVENDO, com a participa-ção de pessoas vivendo com HIV/Aids das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. A partir desse encontro seguiram-se outras reuniões para a definição de sua filosofia e para a redação da Carta de Princípios da RNP+.

5. MNCP – MOVIMENTO NACIONAL DAS CIDADÃS POSITIVAS: Organização brasileira de mulheres vivendo com HIV/Aids criada em 4 de agosto de 2004 Brasília, para promover o fortalecimento das mulheres sorologicamente positivas para o HIV, em qualquer estágio, independentemente de credo, raça ou cor, ou orientação político-partidária, em nível municipal, estadual, regional e nacional.

6. RNJAVHA – REDE NACIONAL DE JOVENS E ADOLESCENTES VIVENDO COM HIV/Aids: Fundada em 2008, a rede nasce para o fortalecimento dessa população para a busca do protagonismo e da melhoria da qualidade de vida.

7. ARV – ANTIRRETROVIRAIS: Medicamentos para HIV/Aids que atuam diminuindo a multiplicação do HIV, mantendo o vírus sob controle por longo tempo.

8. DR. PAULO ROBERTO TEIXEIRA: Médico formado pela Universidade Estadual Paulista Unesp/Botu-catu), criou o primeiro programa para prevenção e controle da Aids da América Latina, em 1983. Co-ordenou o Programa de Aids do Estado de São Paulo em vários momentos, de 1983 a 1987, 1990 a 1991 e 1995 a 1996. Em 1994, o sanitarista desenvolveu trabalhos de consultoria para a Organização Panamericana de Saúde (Opas); de 1996 a 1999, ocupou a função de consultor técnico do Programa de Aids nas Nações Unidas (Unaids) para América Central e Cone Sul. De 2000 a 2003, Paulo Teixeira ocupou a direção da Coordenação Nacional DST/Aids, Ministério da Saúde. Em 2003, dirigiu o Progra-ma de Aids da Organização Mundial da Saúde. Atualmente é consultor sênior do Programa Estadual de DST/Aids-SP e representa o Ministério da Saúde junto ao Fundo Global de Aids, à Fundação Millenium e a Fundação Pool de Patentes para Medicamentos ARV. Foi também consultor do Programa das Na-ções Unidas para Aids, Organização Mundial da Saúde e membro do Comitê Internacional para Aids e Governabilidade na África.

Notas

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N ão basta implantar. É preciso mo-nitorar. Por isso, a Coordenação do Programa Estadual DST/AIDS-SP,

por meio de sua àrea de planejamento, criou o monitoramento presencial, um sistema para avaliar e melhorar as ações realizadas pelos 145 municípios com programas de DST/Aids nos campos da assistência, prevenção, gestão, controle social e direitos humanos.

O monitoramento presencial reúne téc-nicos das gerências de assistência integral à saúde, vigilância epidemiológica, apoio (lo-gística de insumos, farmácia e medicamen-tos), prevenção e planejamento da coorde-nação estadual, que fazem pelo menos duas visitas in loco por ano. O objetivo desse tra-balho é, por meio do diálogo e conhecimento aprofundado da realidade, ajudar as cidades a aperfeiçoar a resposta regional e municipal de combate à epidemia de aids e de doenças sexualmente transmissíveis.

De acordo com Vilma Cervantes, idealiza-dora do monitoramento presencial e gerente da Assessoria de Planejamento da Coorde-nação Estadual DST/Aids-SP, o trabalho visa aprimorar a prevenção às DST/Aids, a assis-tência às pessoas vivendo com HIV, diminuir as taxas de mortalidade e de transmissão vertical da sí ilis e do HIV, e melhorar o ser-viço de vigilância epidemiológica. “A novida-de do monitoramento presencial foi juntar a assessoria que cada gerência da coorde-nação estadual DST/Aids-SP prestava aos municípios, de acordo com as demandas que chegavam, e transformar em uma ação cole-tiva, articulada e planejada com um objetivo comum”, explica Cervantes. O critério de es-

MONITORAMENTO PRESENCIAL: AJUDA QUE FAZ A DIFERENÇA

colha dos municípios visitados é baseado nos indicadores de mortalidade por aids, aumen-to da incidência e números de transmissão vertical do HIV e da sí ilis. Para Maria Clara Gianna, coordenadora do Programa Estadual DST/Aids-SP, “o trabalho do monitoramento presencial ajuda a CE a melhorar o combate à epidemia no estado e atingir as metas do planejamento estratégico”.

RAIO-X Os técnicos do Programa Estadual DST/

Aids-SP fazem duas visitas por ano, uma em cada semestre. A visita do segundo semestre tem por objetivo avaliar os encaminhamen-tos e orientações fornecidos na visita ante-rior. “Nesses encontros, os técnicos ouvem as demandas dos coordenadores e das equipes técnicas dos programas municipais e serviços especializados em DST/AIDS. É realizada uma reunião regional, com todos os programas mu-nicipais e no outro dia, visita técnica aos servi-ços especializados de um desses municípios”, explica Vilma Cervantes.

Na reunião regional, costumam estar pre-sentes: os coordenadores e alguns técnicos dos programas municipais de DST/AIDS e téc-nicos especializados em DST/AIDS da Secreta-ria Estadual de Saúde da região e da Coorde-nação Estadual de DST/AIDS. A ideia é traçar um panorama mais regional, um diagnóstico da situação de saúde e encaminhamentos para a superação das di iculdades.

Na visita a um dos municípios da região selecionada, os técnicos da Coordenação Esta-dual conhecem os serviços especializados e a estrutura de saúde local (laboratório, farmácia

Monitoramento presencial

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

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etc). Esta visita apoia-se num roteiro técnico desenvolvido pelos pro issionais do progra-ma estadual na década de 90, usado no pro-jeto Adote um Município – em que havia dois “padrinhos” do Centro de Referência e Trei-namento DST/Aids-SP que ajudavam o muni-cípio a implantar a política de aids. Segundo Vilma, “esse instrumento, atualizado, ajuda a fazer um diagnóstico mais claro do município que está sendo visitado nos quesitos: organi-zação do serviço, planejamento, gestão, as-sistência, prevenção, laboratório, farmácia e todas as áreas estratégicas para a organização da resposta municipal”.

Como o planejamento é estratégico os téc-nicos já saem de São Paulo com uma agenda fechada que inclui, além do momento com os técnicos e coordenador do Programa Mu-nicipal de DST/AIDS, uma reunião com o se-cretário de saúde do município. Os técnicos apresentam os principais pontos do diagnós-tico para o coordenador e separam o que é da governabilidade dele e o que é do secretário municipal de saúde. Então o diagnóstico é fei-to ao gestor da pasta de saúde da cidade, como feedback da visita.

Para Vilma, “há muita queixa de falta de mão de obra, de equipe enxuta e de técnicos para algumas funções mais especí icas”. Nem sempre o secretário pode resolver essas ques-tões, pois a contratação no serviço público é feita por concurso, e o prefeito precisa auto-rizar. Porém, assuntos sobre a organização do

serviço, melhoria nas instalações do serviço de saúde ou na articulação interna com as demais áreas da secretaria estão dentro da alçada dos secretários e já são encaminhadas.

RESULTADOSOs resultados do monitoramento presen-

cial podem ser vistos e percebidos em longo prazo. Em 2007, um município monitorado conseguiu solucionar uma demanda crônica que aparecia sempre e que demandava mui-to trabalho dos técnicos da CE DST/Aids-SP, que era relacionada à farmácia do Serviço de Atendimento Especializado em DST/Aids-SP, SAE. Após a conversa coletiva em que todas as partes envolvidas falaram sobre o problema, o município conseguiu reorganizar o luxo de trabalho, adequou os locais de atendimento, realocou um farmacêutico para a farmácia do SAE, pintou o prédio e tudo isso teve um im-pacto na assistência das pessoas que vivem com HIV-Aids.

Outros municípios passaram pelo monito-ramento presencial e já conseguiram implan-tar mudanças. Uma das regiões visitadas con-seguiu superar um impasse sobre a referência ambulatorial da região, coordenar regional-mente a busca de pacientes que não sabiam a qual serviço devia ir após essa mudança, apri-morar a busca de pacientes em abandono de tratamento, rever e ajustar o luxo de exames laboratoriais, além de capacitar seus técnicos para o teste rápido de HIV. Um outro municí-

HÁ MUITA QUEIXA DE FALTA DE MÃO DE OBRA, DE EQUIPE ENXUTA E DE

TÉCNICOS PARA ALGUMAS FUNÇÕES MAIS ESPECÍFICAS.

(Vilma Cervantes)

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pio criou processo de repasse inanceiro para as organizações da sociedade civil da região realizarem trabalhos de prevenção em DST/AIDS, por meio de edital de seleção de pro-jetos. Outros resultados pontuais surgiram, como: aprimoramento da articulação com as Unidades Básicas de Saúde e Programas de Saúde da Família do município, o que melhora as ações de prevenção e acompanhamento dos pacientes com HIV (com capacitações técnicas sobre HIV, sí ilis e atendimento a DST, incluin-do os agentes comunitários nas campanhas de Carnaval, capacitando os serviços e técni-cos da atenção básica para realizar testagem para HIV). Mudança no processo de trabalho da equipe, otimizando os recursos humanos e dando maior e icácia para o trabalho da equi-pe técnica. Reformas adequadas no serviço especializado, melhorando o atendimento e ajustando às recomendações técnicas de saú-de e higiene.

Para 2011, o planejamento mudou um pou-co sua estratégia, agora os retornos são feitos conforme a necessidade. Ou seja, as áreas téc-nicas da coordenação estadual podem ir jun-tas para uma reunião regional ou municipal, ou mesmo visita aos serviços especializados municipais. Mas também podem ir separada-mente, realizando uma capacitação especí ica, ou visita a um equipamento de saúde, ou a um município de cada vez, se necessário. Um das regiões visitadas, por exemplo, teve diversos

retornos das áreas técnicas: as áreas de apoio e assistência izeram uma visita para ajudar e orientar a montar um serviço de farmácia (ca-dastro, adequação do espaço etc.). A preven-ção fez reuniões técnicas com todos os muni-cípios da região para avaliar as necessidades e depois, ajudar a planejar as ações de acordo com esse diagnóstico. Em um outro município dessa mesma região, foi feita uma o icina de planejamento, com participação dos técnicos das áreas de planejamento, prevenção e assis-tência da coordenação estadual, para o coor-denador e técnicos do programa municipal.

Outra mudança importante em 2011 foi a articulação com os técnicos da área técnica da atenção básica, da secretaria estadual de saúde, para a realização das reuniões e visitas de monitoramento presencial. Nesse ano, eles foram convidados a participar do processo, desde o planejamento. Assim, nas reuniões regionais contamos com a presença dos coor-denadores de atenção básica de cada municí-pio, o que aprimora a discussão dos proble-mas e di iculdades, e mais do que isso, amplia as soluções locais. Num estado como São Paulo, com 645 municípios e população de 41 milhões de habitantes, a estrutura organiza-cional de saúde (do estado e dos municípios) são complexas e não é muito fácil planejar e desenvolver ações conjuntas. O trabalho em rede, mesmo dentro da Saúde, é necessário, porém ainda é um desa io. *

Gerência de PlanejamentoAssessoria de Planejamento, criada em 2001, é a gerência mais nova da Coordenação Estadual DST/Aids-

-SP. Ela surgiu para apoiar os municípios prioritários no enfrentamento à epidemia de AIDS, com maior in-cidência de casos de aids. Esses municípios recebem um incentivo financeiro do Ministério da Saúde para desenvolver e, progressivamente, aprimorar a resposta local à epidemia de aids. Nesse período, só em São Paulo, esses municípios saltaram de 37 em 2001 para 145 em 2004. A assessoria de planejamento apoia e orienta os programas municipais quanto ao seu planejamento anual, monitoramento e avaliação das ações que realizam ou pretendem realizar.

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

O pai já tinha comprado o caixão. Seu es-tado de saúde era muito grave. No iní-cio da década de 90, quase todos que

entravam na enfermaria do Hospital Univer-sitário do Fundão, no Rio de Janeiro, com o diagnóstico de Aids, não voltavam para casa. Porém, como toda regra tem sua exceção, Mu-rilo Bezerra Duarte, carioca do Flamengo e hoje com 53 anos de muita vida fugiu à regra e, como escreveu Paulo Vanzolini, sacudiu a poeira e deu a volta por cima.

Aos 29 anos, em pleno vigor ísico e muito bem colocado na vida pro issional, Murilo era tesoureiro do Banco Nacional e Auditor do Hotel Copacabana Palace. Foi neste perío do que o vírus da Aids entrou em sua vida. Ho-mossexual assumido e, já em sua terceira re-lação amorosa, Murilo havia se mudado para São Paulo, pois seu companheiro havia sido promovido e teria que se mudar do Rio de Janeiro. Murilo solicitou ao banco sua trans-ferência para São Paulo e após alguns anos vivendo na terra da garoa, o relacionamento começou a tomar novos rumos. Com o térmi-

no da relação, sua imunidade baixou e ele co-meçou a adoecer. Antenado com as notícias que circulavam na imprensa e no mundo gay sobre uma nova doença que estava ceifando a vida de homossexuais, Murilo passou a des-con iar que pudesse estar com Aids. Perdeu peso rapidamente, tinha uma febre persisten-te e muitas aftas na boca, o que o levou a i-car afastado do trabalho por longos períodos. Diante de sua saúde frágil e sem contar com familiares em São Paulo, resolveu voltar para a casa dos pais no Rio de Janeiro. Já em sua terra natal, mais uma vez passou pelo médico do convênio que, diante do quadro solicitou a sorologia do HIV. “Após fazer o exame tinha certeza que o resultado ia ser positivo. Logo depois o médico ligou pra mim e pediu para que eu fosse ao consultório. Foi quando ele me deu o resultado, e disse que ia tratar das doenças oportunistas. Assim que cheguei em casa contei para minha mãe e meu pai.”

Pouco tempo depois, teve uma tubercu-lose miliar, pneumonia e um herpes zoster do lado esquerdo do rosto, que ia da cabeça

DE VOLTA À LUTA, MAIS VIVO DO QUE NUNCA

Perfi l

“O QUE ME LEVOU A PARTICIPAR DE GRUPOS,

FOI MEU PRAZER EM COMPARTILHAR A MINHA EXPERIÊNCIA E MOSTRAR

NA PRÁTICA QUE É POSSÍVEL VIVER BEM, MESMO COMO HIV”

(Murilo Bezerra Duarte)

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ao ombro. “Era uma linha divisória. Do lado esquerdo parecia um monstro, minha boca estava des igurada por causa das aftas”. Com tantos problemas de saúde, Murilo estava pe-sando 34 Kg. Foi nesta época que o médico do convênio com seu padrinho, major da Aero-náutica, ginecologista e obstetra, conseguiu internar Murilo no Hospital do Fundão. “Eu estava muito doente, e os médicos preparam os meus pais para minha morte, por isso meu pai comprou o caixão”. Porém, pouco a pou-co Murilo saiu do coma e foi se recuperando lentamente. Quando já estava melhor, rece-beu alta. “Apesar de estar muito debilitado e precisando de cuidados precisei deixar o hos-pital, porque os médicos precisavam do leito para internar outra pessoa”.

A internação ocorreu entre 1990 e 1991. Segundo Murilo, depois do diagnóstico do HIV a sua relação com o tempo mudou, o que passou, passou e o que importa é o presente. Bem devagar, sua saúde foi melhorando, ele passou a sair de casa sozinho, voltou a pegar praia no Rio, foi icando mais con iante. No carnaval de 1992 resolveu des ilar em sua es-cola de samba do coração: a Mocidade Inde-pendente de Padre Miguel. “Durante o des ile me senti tão vivo, existiu um Murilo antes de 92, e outro depois desse carnaval”.

Sua infectologista no Hospital do Fundão o aconselhou a voltar para São Paulo, porque aqui havia um novo hospital especí ico para tratar portadores do HIV: era o Centro de Re-ferência e Treinamento em Aids, atual Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP, CRT DST/Aids-SP. “Ela me falou que sua ami-ga, a Dra, Rosana Del Bianco, fazia parte des-se centro e que a ponta do tratamento estava aqui”. Murilo relutou um pouco, mas decidiu retornar, pois tinha um apartamento monta-do em Sampa.

No CRT DST/Aids-SP, Murilo evitava con-versar com os demais usuários. “Eu colocava meu walkman, icava lendo um livro e apesar disso, quando alguém puxava assunto eu evi-

tava. O clima era muito tenso”. Com o passar do tempo, começou a participar dos grupos de adesão coordenados pela psicóloga Valvina Adão e conheceu o Grupo de Incentivo à Vida, GIV, uma organização não governamental vol-tada para pessoas vivendo com HIV/Aids-SP. No GIV, Murilo descobriu o prazer de falar e ouvir sobre questões relacionadas à vida, ao amor, à família, e ao HIV, claro. “O que me le-vou a participar de grupos foi meu prazer em compartilhar a minha experiência e mostrar na prática que é possível viver bem, mesmo como HIV”. Atualmente, Murilo é coordena-dor voluntário do Chá Positivo, do Grupo Pela Vida-SP. Após 24 anos de sorologia, Murilo continua repleto de projetos, o próximo é dar palestra em empresas. Em tempo: depois de muita briga com a funerária, a família de Mu-rilo conseguiu reaver 40% do valor pago no caixão que havia sido comprado para Murilo, e que não foi usado. *

Murilo des ila no Carnaval em 1992

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

C arteiras, cadernos, lousa... Dois fi-nais de semana por mês o auditório 2.370, no segundo andar da Faculda-

de de Medicina Preventiva da USP, é ocupado por quem cuida da saúde pública. Não se tra-ta de um grupo tradicional de acadêmicos, tampouco de uma turma de neófitos. A sala de aula reúne coordenadores dos programas de DST e Aids de municípios de São Paulo, técnicos das regionais de saúde do estado e, por que não? o coordenador adjunto do Departamento Nacional de DST e Aids e He-patites Virais, Eduardo Barbosa. Ao todo, 60 alunos. Alguns são representantes das dife-rentes esferas do poder executivo. Outros sempre atuaram na sociedade civil. Todos vivem a rotina de tornar concretas as políti-

cas públicas para o controle da epidemia do HIV/Aids. É mais ou menos assim o perfil da turma que faz o primeiro Curso de Especiali-zação em Prevenção ao HIV/Aids no quadro da Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos.

Pensa que é fácil? Durante o dia, Tânia Ma-ria Guelpa se divide entre o trabalho como as-sistente social atendendo pacientes com Aids e com hanseníase e a coordenação do progra-ma de DST e Aids do município de Bragança Paulista, a 80 quilômetros da capital paulista. “Nas cidades pequenas, as equipes são muito reduzidas. Os pro issionais acabam assumin-do várias áreas...”, explica Tânia. Adivinha a que horas ela faz as lições de casa do curso de especialização? “Tenho varado as madru-gadas estudando”, responde de chofre.

CURSO ESPECIALIZAÇÃO CRT – NEPAIDS

Prevenção

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O curso é resultado da parceria entre o Nepaids, Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids, e o Programa Estadual DST/Aids-SP. Começou a ser gestado entre acadêmicos que já tinham colocado a mão na massa e que per-ceberam que faltava sistematização para a ex-periência brasileira.

“Com algumas exceções, como a trans-missão vertical, não existem medicamentos ou vacinas para a prevenção do HIV. Tudo depende das chamadas tecnologias leves: a tecnologia da conversa, do tempo, do diálogo sem imposição, sem julgamento moral. Essa é a tecnologia usada desde a adesão ao trata-mento ao uso do preservativo”, explica Vera Paiva, do Nepaids, uma das mentoras do cur-so. “O Brasil desenvolveu esse tipo de tecno-logia. Tem um grande arcabouço prático”.

Para mostrar o que signi ica o conheci-mento de prevenção desenvolvido no Brasil,

ela aponta conquistas: 95% da população tem informação sobre HIV e Aids. 64% das pessoas entre 15 e 24 anos iniciam a ativida-de sexual com uso do preservativo e 60% das pessoas usaram preservativo em todas as re-lações eventuais nos últimos doze meses. Em média mais de 40% da população adulta bra-sileira já fez a sorologia para o HIV. No esta-do de São Paulo, mais de 90% das gestantes. Entre os pacientes de tuberculose, 75%. “Mas esse conhecimento não está sistematizado. O que acontece, na prática, é que os técnicos fazem prevenção, sem uma explicação, sem uma teoria que possa fundamentar e avaliar o que se faz. O curso vem suprir essa lacuna”, conclui a pesquisadora.

Maria Clara Gianna, coordenadora do Pro-grama Estadual DST/Aids-SP, faz avaliação pa-recida, mas traz questões de quem tem como rotina os dilemas da prevenção: “é um desa io.

Estudantes do curso de prevenção

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Algumas estratégias colocadas em prática ao logo do tempo e tidas como certas precisam ser re letidas. Por exemplo: distribuímos mi-lhões de preservativos. Mas será que a popu-lação está recebendo esse insumo de forma adequada? E as novas tecnologias de preven-ção? Estamos preparados para lidar com elas? Acho que precisamos sim de novas respostas. Por isso, o curso é importante”.

O curso começou em agosto de 2010. Na aula inaugural, Paulo Teixeira, consultor sê-nior do Programa Estadual DST/Aids-SP, e pioneiro na resposta brasileira à epidemia de Aids, divide os desa ios da prevenção em categorias: “cobertura, sustentabilidade e conteúdo”. A lista sintética esconde questio-namentos robustos: “em relação à cobertura, já descobrimos como fazer, mas precisamos garantir acesso. Quanto à sustentabilidade, as ações sofrem pausas, interrupções, mu-danças de rumo. Nem sempre por falta de re-cursos inanceiros. Às vezes por di iculdade de compreensão ou resistência por parte dos agentes públicos. Por último, temos a ques-tão do conteúdo. Nossas ações dialogam com os direitos humanos? Permitem combater o estigma e a discriminação? A especialização pode ajudar a superar esses desa ios”.

Estigma, discriminação, vulnerabilidade, direitos humanos... os questionamentos lança-dos pelo veterano usam palavras que funcio-nam como uma espécie de bússola orientado-ra do novo curso de especialização. “Entre os conceitos desenvolvidos ao longo da experi-ência com a epidemia, estão a vulnerabilidade e os direitos humanos. São referências funda-mentais e que foram sendo buriladas e aper-feiçoadas do ponto de vista formal e conceitual na universidade. Mas nasceram, efetivamente, da experiência das pessoas que estavam traba-lhando, vivendo a situação e trilhando o cami-nho da prevenção enquanto faziam a preven-ção propriamente dita”, explana Ricardo Ayres Brito, Pró-Reitor Adjunto de Extensão da USP, durante a aula inaugural. Ricardo Ayres res-ponde como coordenador do curso de espe-cialização. Para o professor, a ponte entre a teoria e a prática é o grande trunfo do curso: “A universidade pode disponibilizar de forma mais ágil aquilo que ela vem acumulando e re-letindo, mas ao mesmo tempo pode ser orien-

tada e fertilizada com essa experiência única e fundamental que é a prática. Um curso como esse é o que mais agudamente chega ao que podemos chamar de extensão universitária, que é efetivamente o diálogo”, conclui Ricardo.

SISTEMATIZAR O CONHECIMENTO QUE O BRASIL

ADQUIRIU COM A PRÁTICA DA PREVENÇÃO À AIDS VAI

SERVIR NÃO APENAS AO BRASIL, MAS A VÁRIOS PAÍSES EM

DESENVOLVIMENTO. ESTAMOS FALANDO DE GRANDE PARTE DA

HUMANIDADE.(Vera Paiva)

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os líderes das religiões afro-brasileiras”. Tânia garante que a re lexão não termina nela: “sou uma privilegiada por estar fazendo o curso. Mas tento dividir tudo com a equipe. Isso está enriquecendo bastante nossa prática”.

Análise de situação, planejamento e ges-tão, orçamento e inanças. Além do conteúdo de prevenção, o curso ainda cobre áreas de gestão. No site do Nepaids, o público-alvo do curso está claro: Pro issionais com curso su-perior legalmente reconhecido que são téc-nicos ou gestores dos programas municipais de DST/Aids no Estado de São Paulo ou do Programa Estadual de DST/Aids do Estado de São Paulo”. Mas se o curso é para gesto-res, por que então não se concentrar em ges-tão? “É muito mais fácil encontrar um curso de gestão pública do que um curso de pre-venção. Nisso, essa especialização é pionei-ra. Historicamente, fazer prevenção é muito mais di ícil do que fazer gestão ou garantir assistência médica, em que é possível seguir protocolos de atendimento. Prevenção não tem protocolo e para fazer é preciso lidar com vários recortes: gênero, discriminação, tabus, preconceitos... questões mais di íceis de trabalhar do que as de outras áreas”, argu-menta Ivone de Paula, gerente de Prevenção do Programa Estadual DST/Aids-SP.

“Quando falamos de prevenção, estamos falando de uma prática que não se aprende nas faculdades. Nem na medicina, nem na en-fermagem. Os psicólogos podem até estudar a libido. Mas esse conceito acadêmico não resolve quando falamos de sexo, com chei-ros, desejos e luidos. Não aprendemos sobre sexo e sexualidade nas carteiras das escolas. Sistematizar o conhecimento que o Brasil adquiriu com a prática da prevenção à Aids vai servir não apenas ao Brasil, mas a vários países em desenvolvimento, que se aproxi-mam muito mais da nossa realidade que da realidade da Europa ou dos Estados Unidos. Estamos falando de grande parte da humani-dade”, defende Vera Paiva. *

O curso tem duração de 18 meses, distribuí-do em 530 horas: o que inclui aulas teóricas, práticas, seminários e, ao inal, uma monogra-ia. As exigências são nota mínima de 7, numa

escala de 0 a 10, frequência de 85% e a defesa da monogra ia para banca examinadora. Exi-gências naturais para quem está acostumado com a sala de aula, mas que estão dando traba-lho para Tânia: “no meio do primeiro semestre eu pensei que não fosse dar conta. Pensei em desistir”, lembra.

Para ajudar, os alunos contam com o apoio de monitores. Ao todo, são quatro. Eles (na verdade, elas. Todas funcionárias do CRT DST/Aids-SP são uma espécie de ponte entre a teoria acadêmica e a prática do dia a dia). As monitoras assistem às aulas com os alu-nos e ajudam a garantir a continuidade entre uma disciplina e outra. Gabriela Calazans é uma das monitoras: “acho que o curso é um desa io para todos os envolvidos. É um desa-io para os alunos. Eles são técnicos que estão

há muito tempo distantes do espaço universi-tário e do banco de escola e que agora preci-sam lidar com leituras e tarefas de casas. Por outro lado, é um desa io para a universidade porque, por mais que o grupo de professores tenha uma proximidade com a prática, ele não acompanha as mudanças rápidas que são encaradas por quem está no dia a dia. É um desa io aproximar a teoria a esse cotidiano da prática”, explica Gabriela. “Quem está na linha de frente entra em contato diariamente com muita informação, mas tem pouco tem-po para re letir sobre o que faz simplesmente porque tem que fazer” completa.

Enquanto organiza o atendimento das 340 pessoas com HIV acompanhadas pela rede pú-blica de saúde de Bragança, Tânia dá exemplos de como a prática associada à re lexão traz ga-nhos: “alguns textos me fazem questionar nos-sas ações. Por exemplo, comecei a perceber a dimensão da população negra na nossa cida-de e a perceber que precisamos de ações di-recionadas, estabelecer parcerias, como com

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A história da resposta da saúde pública à epidemia da Aids tem entre seus prota-gonistas um serviço centenário: o Ins-

tituto Adolfo Lutz. O laboratório do estado de São Paulo, que sempre esteve à frente de gran-des desa ios como as epidemias da febre ama-rela no inal do século XIX, de meningite na dé-cada de 70, e da atual pandemia da in luenza A (H1N1) 2009, foi ator imprescindível na estru-turação do modelo de programa paulista para a Aids, referência para o País e para o mundo.

No ano de 1983, o cenário era de apreen-são e turbulência. A mídia divulgava a morte do estilista Markito, primeiro caso brasileiro de Aids. Já havia notícias internacionais dando conta de casos da doença entre homossexuais. A informação/desinformação, o risco do im-pacto que isso causaria junto à população fez com que um grupo de homossexuais que já mi-litava por seus direitos procurasse a Secretaria de Estado da Saúde em busca de uma resposta da saúde pública. Na época, o secretário João

Yunes encomendou ao jovem médico Paulo Roberto Teixeira, que estava à frente do Pro-grama de Hanseníase da Divisão de Dermato-logia Sanitária do Instituto de Saúde, um pro-grama especí ico para a nova doença. “Embora houvesse poucos casos, a ameaça parecia ser séria e era necessário preparar os serviços pú-blicos”, lembra Paulo Teixeira, que atualmente é consultor sênior do Programa Estadual de DST/Aids do Estado de São Paulo. “A partir de levantamentos feitos icaram claras quais as atividades estruturariam o programa. Era preciso organizar a vigilância epidemiológica e estabelecer a noti icação compulsória dos casos; criar um sistema de informação para a população, a partir de materiais de divulga-ção e instalação do disque-Aids; e organizar o serviço de assistência que deveria contar com um ambulatório de dermatologia sanitária, um hospital de referência – o Emílio Ribas –, e com um laboratório central de saúde pública, no caso, o Instituto Adolfo Lutz”.

INSTITUTO ADOLFO LUTZ É PIONEIRO NA LUTA CONTRA A AIDS

Instit to Adolfo Lutz

16 x 8cm

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Sem o conhecimento do microorganismo causador da Aids e inexistência de testes so-rológicos, a maneira de fazer o diagnóstico era pelos dados clínicos ou por meio dos marca-dores de imunidade celular. Com isso, as se-ções de sorologia e de imunologia tornaram--se peças-chave. “Até 1985 trabalhávamos com diagnóstico presuntivo. Com a introdução dos testes de triagem e con irmatórios passamos a identi icar os soropositivos”, explica Adele, que até hoje trabalha no laboratório de imu-nologia do IAL.

UM LABORATÓRIO COM HISTÓRIA DE VANGUARDA NA SAÚDE PÚBLICA

A credibilidade do Instituto Adolfo Lutz con-tribuiu para garantir maior tranquilidade à po-pulação no início da Aids. Seus pesquisadores tinham bagagem para enfrentar novos desa ios. “O IAL sempre andou um passo à frente nas pes-quisas no País. Foi assim na epidemia de menin-gite da década de 70, quando todos os estudos foram realizados pela instituição, e na descober-ta de novas doenças, como a encefalite do vírus rocio e a febre purpúrica brasileira”, destaca Ju-lia de Souza Felippe, que no início dos nos 1980 trabalhava na divisão de biologia médica e atual-mente é assistente de direção do IAL.

Os pesquisadores do Lutz foram pioneiros na identi icação da partícula viral do HIV, em um momento anterior ao isolamento do vírus no Brasil, que aconteceu em 1986. “Cocultiváva-mos as células dos pacientes suspeitos de Aids junto a células de pessoas sadias e enviávamos para a microscopia eletrônica para ver se havia a replicação e a liberação de partículas virais”, conta Adele Caterino, que idealizou a pesqui-sa. E o fenômeno aconteceu, para a alegria dos cientistas: a primeira identi icação do vírus circulante no País. O trabalho foi apresentado em 1986 no 1º Encontro Latino-Americano de Aids, em Canela, Rio Grande do SUL. “Esse tra-balho com certeza subsidiou o isolamento do vírus no País que ocorreu meses após”, comple-ta Mirthes Ueda, segunda autora do trabalho.

REDE DE LABORATÓRIOS FOI CRIADA EM TEMPO RECORDE

Em dois meses, o programa estadual estava implantado, pronto para encarar os desa ios trazidos pela nova epidemia. O Instituto Adol-fo Lutz (IAL), assim como o hospital Emílio Ribas, se incorporou ao processo tornando-se parte da engrenagem principal. “Os primeiros contatos foram com as pesquisadoras Mirthes Ueda, chefe de seção de sorologia, e com Adele Caterino de Araujo, responsável pelo labora-tório de imunologia celular. De imediato elas se mostraram extremamente interessadas e comprometidas. O diretor da divisão de biolo-gia médica na época era o médico Eliseu Alves Waldman. Ele também se envolveu e organi-zou uma equipe de pro issionais das diversas áreas técnicas, com a coordenação de Mirthes Ueda, que atuou não só nos procedimentos diagnósticos, mas também na pesquisa e in-vestigação dos casos”, lembra Paulo Teixeira.

A demanda por respostas era muito grande. Procuravam os serviços pessoas movidas unica-mente pelo temor por apresentarem histórias de convivência com pessoas afetadas pela Aids, e pessoas com sintomas compatíveis com a doen-ça. Identi icar os casos era um desa io já que não havia nenhum exame especí ico. A identi icação do vírus e o surgimento de exames con irmató-rios são fatos do inal de 1985. Mirthes Ueda tem lembranças importantes da época. “Quando che-garam as primeiras amostras percebemos que estávamos lidando com uma doença com a parte clínica e imunológica diferente do que já conhe-cíamos. Doenças comuns como algumas pneu-monias, nesses pacientes adultos apresentavam um quadro totalmente atípico. Foi necessário fa-zer adaptações nas técnicas para a detecção do agente causador das chamadas doenças opor-tunistas. Para isso, estabelecemos contatos com pesquisadores de diversas partes do mundo na busca da metodologia mais adequada disponível naquele momento. Era uma época da produção de muitos artigos cientí icos e mal tínhamos tempo de ler todos os papers”.

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Com a chegada dos exames especí icos para a infecção por HIV, a batalha seguinte era o controle nos bancos de sangue, um dos gran-des vilões na propagação da doença. Paulo Teixeira lembra que o Lutz, na igura da Mir-thes Ueda, teve participação de initiva na con-quista dos melhores métodos para garantir a testagem segura do sangue que seria usado nas transfusões. Em 20 de junho de 1986 foi aprovada a lei estadual que tornou obrigató-rios os testes anti-HIV na seleção de doadores de sangue, uma vitória da sociedade civil, da área médica comprometida e dos pesquisado-res cientí icos do Lutz.

SALDO POSITIVO DA AIDS: APRIMORA-MENTO TECNOLÓGICO E CIENTÍFICO

Por ser uma síndrome imunológica que abre porta para diversas doenças, da mico-logia à virologia, todas as áreas técnicas do Lutz trabalharam e aprenderam com a Aids, uma experiência única de transversalidade. O aperfeiçoamento cientí ico e o aparelhamento

tecnológico dos laboratórios foram conquis-tas para outras doenças. Exames de biologia molecular (PCR, carga viral e genotipagem) e marcadores imunológicos (CD4, CD8, pesquisa de anticorpos e antígenos) foram alavancados pelo HIV. “Historicamente todas as tecnologias, as mais atuais, são prontamente incorporadas pela instituição. Foi assim com a Aids e mais recentemente com a pandemia de in luenza. O IAL, por meio de sua equipe de pesquisadores da virologia, foi o primeiro laboratório nacio-nal a isolar o vírus da pandemia circulante no País, que passou a ser denominado In luenza A/São Paulo/H1N1”, declara a médica sanita-rista Marta Salomão, atual diretora do IAL.

Os pesquisadores do Lutz mantêm intercâm-bio com instituições nacionais e internacionais e participam de diversos projetos de pesquisa na área da Aids e outras doenças. “Pela quali-dade de sua equipe e credibilidade reconhecida nacional e internacionalmente, tenho certeza que a instituição continuará com seu legado de excelência dando as melhores respostas para a saúde pública”, conclui Marta Salomão. *

TRANSMISSÃO VERTICAL, UM DESAFIO A MAISUma epidemia devastadora que ensina e desafia a todo o momento.

“Aprendemos muito com ela, pudemos acompanhar a história natural da doença, suas diversas fases e grupos prioritários. Quando atingiu as mulheres surgiu a pergunta: teremos crianças contaminadas?”, lembra Adele Caterino. A resposta foi positiva e a partir de 1989 surgem os primeiros casos de transmissão vertical. Crianças nasciam com anticorpos para o HIV e a dúvida era: eles seriam apenas uma transferência imunoló-gica materna ou a resposta do organismo ao vírus? Esse desafio fez com que a cientista mergulhasse em pesquisas. Acompanhou ao longo de 18 meses 62 crianças internadas no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo, a grande maioria órfã, institucionalizada, filhos de mães usuárias de drogas e profissionais do sexo. “A desconfiança de que poderiam estar contaminadas era um empecilho para a adoção. E não havia técnica de diagnóstico para dar essa resposta”, relata Adele. Até que em 1992 desenvolveu o teste IVIAP, produção induzida de anticorpos in vitro, que tornou possível identificar as crianças falso-positivas em 24 horas. A inovação lhe rendeu o reconhecimento na 8ª Conferência de Amsterdã, o prêmio jovem cientista 1993 conferido pelo presidente da República (na época Itamar Franco) e ampla cobertura na imprensa. Mas a grande recompensa, para ela, está nas adoções que foram viabilizadas.

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Fique sabendo

DIAGNÓSTICO PRECOCEUMA REVOLUÇÃO NA ASSISTÊNCIA AOS

PORTADORES DE HIV

A detecção precoce da infecção pelo HIV e o tratamento com antirretrovirais em momento oportuno são imprescindíveis

para garantir a sobrevida e a qualidade de vida

dos soropositivos. O Ministério da Saúde estima que cerca de 630 mil brasileiros sejam porta-dores do vírus da Aids. Desses, pelo menos 230 mil desconhecem o próprio status sorológico.

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BRASIL E OUTROS PAÍSESO Fique Sabendo é uma campanha de in-

centivo ao teste para HIV e tem como objetivo conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce. Mas, para a sociedade pro-curar pelos testes de HIV, ela necessita perceber que é vulnerável à infecção. Dados de pesquisa de comportamento realizada pelo Ministério da Saúde em 2008 mostram um aumento de 67% no número de pessoas que já fizeram exames no País nos últimos 10 anos. Em 1998, apenas 24% da população entre 15 e 54 anos havia se testa-do. Em 2008, esse índice já era de 36,5%.

No estado de São Paulo, cerca de 70% da população fez o teste alguma vez na vida. Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo dados da fundação Kaiser Family, um pouco mais da me-tade da população (53%) afirma ter sido testada para o HIV pelo menos uma vez na vida. Cerca de um milhão de americanos vivem com HIV/Aids e pelo menos 21% desconhecem a sorologia posi-tiva para o vírus.

No continente europeu, a estimativa é de que haja 30% de soropositivos que desconheçam a sorologia. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV/Aids, a Europa tem uma população estimada de 2,3 milhões de por-tadores do vírus.

Desde 2003, o Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais promove a campanha Fique Sabendo como uma forma de estimular a po-pulação a procurar pelos testes de HIV. Os pro-gramas estaduais e municipais em DST/Aids adotaram essa diretriz e estruturaram estraté-gias para o incentivo à testagem precoce, den-tro e fora dos serviços de saúde, com a mesma logomarca da campanha federal. É o caso do estado de São Paulo. Em 2009 foram realiza-dos cerca de 150 mil testes durante a campa-nha que durou cerca de 30 dias, em parceria com o Instituto Adolfo Lutz e o Programa Mu-nicipal DST/Aids. Em 2010, a campanha teve duração de 15 dias, de 16 de novembro a 1o de dezembro, por ocasião do Dia Mundial de Luta contra a Aids, tendo realizado 200.000 testes.

Para o pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Me-dicina da USP, Alexandre Grangeiro, o diag-nóstico precoce poderia evitar até 40% das mortes por Aids – 4 mil óbitos por ano – no País. “Conseguir oferecer o teste de HIV a to-dos que necessitam e realizar o diagnóstico oportuno equivale a uma segunda revolu-ção, como foi a distribuição dos medicamen-tos antirretrovirais pelo governo a partir de 1996”, observa Grangeiro. “O diagnóstico e o tratamento reduzem em 93% as chances de transmissão para outras pessoas, o que que-braria a cadeia de infecção do vírus”, emenda. Os dados são referentes a um estudo realiza-do por Grangeiro e divulgado em 2009, a pe-dido do Programa Nacional DST/Aids.

Em São Paulo, entre 2003 e 2006, cerca de 42% das pessoas diagnosticadas com Aids ini-ciaram tardiamente o tratamento contra o HIV. “Nosso grande desa io é conseguir testar as pessoas pelo menos uma vez na vida para pro-mover a prevenção. Estudos recentes demons-tram que o conhecimento do estado sorológi-co contribui expressivamente para a adoção de medidas preventivas”, explica Karina Wol-ffenbuttel, coordenadora do Fique Sabendo no Programa Estadual de DST/Aids.

Para incentivar a testagem, os pro issionais de saúde saem a campo e oferecem testes para HIV fora dos serviços de saúde, em locais de grande circulação de pessoas. Isso é possível graças à utilização de testes rápidos. Todo o procedimento é acompanhado de aconselha-mento pré e pós-teste. O resultado sai em me-nos de uma hora, enquanto o método tradicio-nal pode levar em torno de 15 dias. “As pessoas gostam de saber o resultado no mesmo dia”, comenta Karina. Durante a semana da Parada Gay em 2010, em parceria com o Programa Mu-nicipal de DST/Aids de São Paulo, o Programa Estadual DST/Aids-SP realizou mais de 700 tes-tes rápidos para o HIV na Avenida Paulista sob a logomarca Fique Sabendo.

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CRIATIVIDADE EM CAMPOA coordenadora do Programa Estadual DST/

Aids-SP, Maria Clara Gianna, conta que para a campanha Fique Sabendo ter sucesso, os muni-cípios do interior paulista precisam participar do proejto em parceria com o governo estadual.

As Gerências de Vigilância Epidemioló-gica (GVE) regionais também incentivam os municípios a promover o Fique Sabendo na população local. Este é um dos trabalhos re-alizados por Zulmira da Rocha, coordenadora de DST/Aids da GVE de São José do Rio Pre-to. Ela tem sob sua tutela 66 municípios. Em 2008, 57 deles realizaram a campanha; no ano seguinte foram 64. “A meta para 2010 é que 100% participe”, diz. Segundo Zulmira, municípios com menos de 4 mil habitantes geralmente promovem o Fique Sabendo com carros de som nas ruas informando os locais para realizar o teste de HIV.

A mobilização começa pelo menos dois me-ses antes da campanha, com reuniões e tele-conferências pela internet com os gestores de saúde de municípios e GVEs, promovidas com suporte da Coordenação Estadual DST/Aids-SP.

Em 2010, São Paulo incentivou a testagem anti-HIV pela terceira vez, de 16/11 a 1o/12. “É o momento de atingir a população geral e vulnerável ao vírus HIV.

A criatividade para promover campanhas conta bastante na hora de sensibilizar a po-pulação. Em 2009, o município de Tremembé promoveu a iniciativa em parceria com 8 esco-las municipais e uma estadual. Em cada uma, os alunos criavam peças de teatro com o tema DST/Aids. O estabelecimento vencedor apre-sentou a sua peça no dia 1o de dezembro. Em 2010, foi diferente: as escolas criaram frases so-bre a temática e a citação vencedora estampou a camiseta dos pro issionais de saúde no Dia Mundial de Luta Contra a Aids. “É uma forma de mobilizar as pessoas sobre o tema”, diz a co-ordenadora municipal de DST/Aids, Ana Maria Siqueira. Em 2009, Tremembé conseguiu testar cerca de 4,4% da população adulta local.

Em Santos, a paixão do brasileiro pelo fu-tebol foi usada como mote para promover a testagem para o HIV. Atletas do Santos Futebol Clube são chamados para estampar campa-nhas publicitárias locais desde 2008. “Qual-quer cidade que tenha um time de futebol pode investir nessa ideia, sempre existem ído-los, mesmo quando são equipes menores”, ga-rantiu a coordenadora municipal de DST, Már-cia Frigério. Em 2009, o município conseguiu testar o maior número de pessoas no estado, ou seja, quase 12 mil. A meta para 2010 era atingir a marca de 15 mil testes. Conseguiram?

A campanha foi divulgada por meio de anúncios em ônibus, rádios locais e distribui-ção de folhetos e exibição de faixas para as tor-cidas durante o intervalo de jogos do estádio da Vila Belmiro. *

PARA A CAMPANHA FIQUE SABENDO TER SUCESSO, OS

MUNICÍPIOS DO INTERIOR PAULISTA PRECISAM PARTICIPAR DO PROEJTO

EM PARCERIA COM O GOVERNO ESTADUAL.

(Maria Clara Gianna)

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Balanço

I ENCONTRO PAULISTA DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA ESPECIALIZADA A

PESSOAS VIVENDO COM HIVCuidado, Integralidade e Qualidade de vida

A expansão dos serviços ambulatoriais que atendem Pessoas Vivendo com HIV (PVHIV) decorrente do aparecimento de

casos em vários municípios do interior do esta-do inicia-se nos anos 1980 e consolida-se na dé-cada de 90, impulsionando cada vez mais a des-centralização do atendimento. Com o apoio dos Programas Nacional e Estadual de DST/Aids, em parceria com prefeituras municipais e a rede de ambulatórios, ampliou-se nas últimas décadas o acesso das PVHIV, buscando constantemente o aprimoramento da qualidade da atenção.

Atualmente composta por 200 unidades no estado, a rede de ambulatórios de HIV/Aids possui diferentes con igurações e inser-ções institucionais. Ao longo do tempo essa heterogeneidade estrutural in luenciou de modo diverso o funcionamento e processo de trabalho e, consequentemente, a qualidade da assistência prestada pelas mais diferentes unidades. Integram essa rede de assistência ambulatorial, serviços exclusivos de assistên-cia em HIV/Aids, policlínicas, ambulatórios de moléstias infecciosas, ambulatórios de espe-cialidades, ambulatórios de hospitais e unida-des básicas de saúde, que apresentam entre si grande variabilidade, desde seu porte (núme-ro de PVHIV em acompanhamento) até núme-ro e tipos de atividades desenvolvidas.

Por outro lado, a terapia antirretroviral combinada (TARV) provocou um enorme im-pacto na epidemia de HIV/Aids, pois possibi-litou a diminuição da morbimortalidade por doenças oportunistas, aumento da sobrevida e melhoria da qualidade de vida das PVHIV, conferindo à Aids um caráter crônico.

As alterações relacionadas aos rumos da epi-demia (feminização) e o aumento da sobrevida (cronicidade) proporcionadas pela TARV modi-icaram, de modo dinâmico, o per il dos usuá-

rios dos serviços de HIV/Aids, ao repercutir na saúde das pessoas infectadas e trazer para o ce-nário um novo per il de morbimortalidade re-lacionado a agravos decorrentes do tratamento e das comorbidades. Surgiram questões que re-querem o desenvolvimento de um novo modelo de práticas e de organização de serviços.

Diante dessa nova realidade, a Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo decidiu pro-mover o I Encontro de Serviços de Assistência Especializada – SAE com a inalidade de propor-cionar espaço para a divulgação e discussão das diretrizes para o enfrentamento desses desa ios.

I Encontro de Serviços de Assistência Especializada

O maior desa io foi organizá-lo de modo que suprisse as necessidades acumuladas ao longo do tempo, reunir o maior número possí-vel de representantes dos serviços sem afastá--los por muito tempo da unidade (gestores es-taduais, municipais e pro issionais de saúde) e promover a participação da sociedade civil. A opção foi assegurar uma ampla cobertura dos temas sempre combinados com apresentações de experiências dos pro issionais da rede. As mesas foram compostas por especialistas e pro issionais dos SAE. Apoiado nas percepções e experiência dos trabalhadores que desenvol-vem a assistência nos serviços ambulatoriais, esse formato possibilitou o debate dos temas e o reconhecimento de diferentes arranjos or-

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ganizacionais exitosos para atender as atuais necessidades de saúde das PVHIV.

Participaram do encontro 500 pro issio-nais de saúde de diversas categorias, coorde-nadores dos programas municipais de DST e Aids, interlocutores dos GVE e representantes da sociedade civil. Embora não izesse parte do público-alvo inicial, houve também partici-pação de pro issionais de outros estados inte-ressados em conhecer a experiência paulista na assistência ambulatorial às PVHIV.

Os temas que subsidiaram as discussões nas mesas e orientaram a submissão de tra-balhos foram: planejamento, avaliação e mo-nitoramento em DST/Aids; cuidado integral às PVHIV: estratégias possíveis; sexualidade e direitos reprodutivos em PVHIV; pro ilaxia pós-exposição ao HIV: diretrizes e desa ios para operacionalização; saúde, estilo e quali-dade de vida em PVHIV; adesão ao tratamen-to; comorbidades e toxicidade; saúde mental; diretrizes para o manejo das DST nas PVHIV; protagonismo e direitos humanos.

O Departamento Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais trouxe ao encontro o cenário atual e os futuros passos para o aprimoramen-to do cuidado das PVHIV. Destacou que o maior arsenal terapêutico, o aumento da sobrevida e a melhoria da qualidade de vida das PVHIV, a expansão dos serviços, do acesso e a quali ica-ção dos pro issionais de saúde constituíram os maiores avanços da área de assistência. Apre-sentou como desa ios futuros o manejo clínico incluindo a toxicidade do tratamento, a adesão à terapia, a resistência viral e as comorbidades.

Como estratégias para melhoria da quali-dade dos serviços, destacaram-se a consolida-ção do instrumento eletrônico Qualiaids como ferramenta de monitoramento e avaliação, a supervisão dos serviços, o aperfeiçoamento da comunicação com pro issionais e usuários, a de-inição de critérios para abertura de novos ser-

viços, o aprimoramento da articulação entre os serviços e a ampliação das parcerias com ONG, universidades e associações comunitárias.

A Coordenação Estadual de SP apresentou as diretrizes para a assistência com enfoque

na importância de adotar arranjos organi-zacionais que garantam a atenção integral à saúde das PVHIV. Destacou a incorporação dos referenciais teóricos da clínica ampliada e arranjos organizacionais, como as equipes de referência, como instrumentos que possi-bilitam, por meio da discussão de casos, que sejam consideradas as dimensões subjetivas, biológicas e sociais dos pacientes. Isso poderá resultar em um modelo de cuidado que esti-mule a estruturação de vinculação positiva, indispensável para a adesão aos serviços e maior aproximação com os princípios do SUS, principalmente o da integralidade.

A Coordenação Estadual DST/Aids-SP enfa-tizou a necessidade de democratizar a gestão, estimulando a participação dos pro issionais e usuários dos serviços de saúde nos proces-sos de discussão e decisão, tanto nos aspectos organizacionais, quanto no cuidado individual e no estabelecimento de parcerias com ONGs, buscando ampliar para além dos limites dos serviços (extramuros) a oferta de atividades de promoção da saúde (p.ex.; estímulo a adesão, atividades de lazer, exercício ísicos etc.,). De-vem complementar essas estratégias a inter-setorialidade que, fundada nas demandas das PVHIV, deve articular o programa com outros setores como justiça, secretaria de assistência e desenvolvimento social, transporte etc.

Ressaltou que as capacitações dos pro issio-nais devem também dar conta, no cotidiano, das demandas atuais das PVHIV relacionadas à saú-

Rosa de Alencar Souza

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de reprodutiva e sexual, às atividades de acolhi-mento e aconselhamento, o acesso aos insumos de prevenção e o manejo das DST, na perspecti-va da abordagem sindrômica. Além disso, a ope-racionalização das novas recomendações para a pro ilaxia pós-exposição sexual (PEP) deverá resultar numa reorganização dos serviços que hoje atendem violência sexual e acidente pro is-sional, incluindo os SAE e a rede de atendimento de urgência/emergência, com vistas na criação de uma rede única em todo o estado.

No campo da reprodução assistida, a apre-sentação do projeto implantado no CRT SDT/Ai-ds-SP em parceria com o Centro de Reprodução Assistida em Situações Especiais ( CRASE), do Hospital Etadual de Diadema, que tem realizado avaliação clínica, orientações e procedimentos relacionados à segurança da reprodução em ca-sais sorodiscordantes, deu visibilidade e possi-bilitou a ampliação do debate sobre esse tema.

Nas apresentações e discussões das ex-periências dos serviços icaram evidentes as di iculdades no plano do cuidado como, a centralização da abordagem em aspectos bio-

médicos, a secundarização de aspectos como prevenção, sexualidade e vida reprodutiva, a baixa capacidade de escuta, a abordagem nor-mativa do uso de antirretrovirais e o acesso restrito aos preservativos.

Os relatos de experiências tanto revelaram arranjos inovadores na organização dos servi-ços, baseados em vivências cotidianas, como apresentaram resultados de pesquisas opera-cionais interessantes e com grande potencial de subsidiar novas proposições para atuação local das equipes de saúde.

Durante o evento foram distribuídas várias publicações da Coordenação Estadual DST/Aids-SP e foram lançados três livros: “Guia para o cuidador domiciliar de pessoas que vi-vem com HIV/Aids”; “Manual para Assistência à Revelação Diagnóstica às Crianças que vivem com HIV/Aids”; “Conjugalidade e Prevenção às DST/Aids”, disponíveis no site do CRT, www.crt.saude.sp.gov.br no ícone “publicações”. *Rosa de Alencar SouzaGerente da Assistência Integral à Saúde

Avaliação Segundo os participantes, o evento correspondeu ple-

namente às suas expectativas em relação aos objetivos propostos, plenárias, conteúdo programático e organiza-ção. Destacaram o alto nível da maioria dos palestran-tes, a escolha adequada dos temas, a boa qualidade das informações e a possibilidade de troca de experiências, principalmente quanto às estratégias de intervenção.

Houve sugestões de mudanças em relação ao forma-to, que dificultou o aprofundamento de questões impor-tantes devido à grande variedade de temas e insuficiência da carga horária. Foram propostos outros encontros com assuntos específicos e oficinas para aprofundar vários dos temas apresentados, incluindo discussão de casos entre profissionais dos serviços.

Trabalhos apresentados pelos profissionais dos SAE no I Encontro Paulista dos Serviços de Assistência Espe-cializada as Pessoas Vivendo com HIV: Cuidado, Integrali-dade e Qualidade de vida.

1 “Fatores que interferem na busca precoce e tardia do acompanhamento assistencial do usuário soropositivo para o vírus HIV” – Programa Municipal de DST/Aids – SP.

2 “SAE – reorganização operacional de trabalho a nível participativo” – Programa Municipal de DST/HIV/Aids/HEPATITES VIRAIS de Rio Claro.

3 “Considerações sobre o uso de preservativo em par-ceiros estáveis sorodiscordantes” – Programa Munici-pal de DST/Aids/Hepatites Virais de Ribeirão Preto.

4 “Adesão ao tratamento dietoterápico de pessoas vi-vendo com HIV /Aids da unidade de saúde “Dr. Lou-renço Quilicci – Bragança Paulista.

5 “Lipodistrofia relacionada ao HIV: variações entre os se-xos, parceria para prevenção e melhoria da qualidade de vida” – Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo.

6 “Adesão em domicílio” – Serviço de Assistência Domi-ciliar Terapêutica e Paliativa do CRT DST/Aids-SP

7 “Prevenção TB/HIV – uma parceria necessária” – Pro-grama Municipal de Bragança Paulista.

8 “Intervenção multidisciplinar no diagnóstico e contro-le da lipodistrofia facial dos pacientes HIV + ou em Aids em tratamento no SAE DST/Aids Butantã – Pro-grama Municipal de DST/Aids SP.

9 “Redução de danos no SAE: uma nova perspectiva” – Programa Municipal de DST/Aids de SP.

10 “Homens, saúde sexual, DST e demandas para os servi-ços de saúde especializados em DST/Aids” – SAE DST/Aids SANTANA – Programa Municipal de DST/Aids SP.

11 “Estratégias de intervenções psicossociais em casa de apoio que assiste PVHA – Serviço de Assistência Domi-ciliar do CRT DST/Aids-SP”.

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Sociedade civil

Fachada do GIV

GAPA & GIV ONGS QUE FIZERAM A DIFERENÇA

NA HISTÓRIA DA AIDS

A resposta brasileira à epidemia de HIV/Aids não teria sido a mesma sem o apoio, a pressão e a capacidade de arti-

culação da sociedade civil. No início dos anos 1980, quando a aids chegou ao País, um grupo composto por ativistas e sanitaristas deu iní-cio a um movimento que começou com algu-mas dezenas de pessoas e hoje engloba milha-res em todo o País.

Em 1985, foi criado o Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (GAPA), primeira organiza-ção não governamental voltada à defesa dos direitos de portadores de HIV/Aids no Brasil. O grupo surgiu num momento em que pouco se sabia sobre aids, o Sistema Único de Saúde não existia, não havia medicamentos capazes de combater o vírus e o estigma e preconceito em relação aos portadores de HIV/Aids eram

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tão devastadores quanto a doença em si. O GAPA surgiu a partir da união de pro issionais de saúde, portadores de HIV/Aids e familiares que se encontravam nos corredores dos servi-ços de saúde em busca de soluções para a epi-demia que acabava de chegar ao País.

Para Vilma Cervantes, gerente da Área de Planejamento e Articulação com Ong, do Cen-tro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP, o GAPA teve um papel fundamental no acolhi-mento de inúmeras pessoas atingidas direta ou indiretamente, pela aids. É uma entidade com a qual tanto os voluntários e fundadores, como os usuários aprenderam a lidar com vá-rios desa ios apresentados pela nova doença. “O GAPA foi a primeira ONG Aids do País, e teve papel fundamental na construção do Pro-grama Estadual de DST/Aids de São Paulo por meio de reivindicações apresentados ao go-verno estadual”, observa.

A contribuição do GAPA ultrapassou as fronteiras do estado de São Paulo. “A ONG foi responsável pela articulação de várias ações governamentais, viabilizadas pelos Progra-mas de DST e Aids nas três esferas de governo; além disso foi fundamental para a estrutura-ção da jurisprudência sobre os direitos dos portadores da aids em todo o território nacio-nal”, ressalta Maria Clara Gianna, coordenado-ra do Programa Estadual DST/Aids-SP.

Um dos marcos históricos da instituição foi a pressão, através de ações judiciais, para a adoção da política nacional de “Acesso Uni-versal aos ARV. “Uma das grandes vitórias ob-tidas pelo GAPA foi o processo judicial que deu ganho de causa à professora Nair Brito, em 1996. Por meio do GAPA, ela conseguiu o me-dicamento que precisava para tratar-se e que ainda não estava disponível no Sistema Único de Saúde do país”, lembra Vilma Cervantes.

A epidemia mudou de cara, ao longo de três décadas. Muita coisa mudou para melhor. O acesso ao diagnóstico e ao tratamento está praticamente garantido. Mas várias questões ainda causam sofrimento: o impacto do diag-

nóstico, o preconceito em relação a quem vive e convive com HIV/Aids, a di iculdade para to-mar os medicamentos todo santo dia. “Quan-do recebi o resultado positivo para HIV iquei desesperado, sem saber o que fazer. Descobri o GAPA e fui atrás. Encontrei várias pessoas vi-vendo a mesma realidade, com uma vida tran-quila e alegre, coisa que eu não imaginava ser possível”, relembra Gabriel, 22 anos, usuário do GAPA. Gabriel nem havia nascido quando a aids chegou ao País e o GAPA foi criado. Al-gumas coisas não mudaram: a necessidade de acolhimento e troca de vivências entre os por-tadores da infecção.

O GAPA é motivo de orgulho para Áurea Abbade, presidente da ONG, advogada e uma de suas fundadoras. “Criamos a primeira ONG do Brasil e da América Latina a defender os direitos das pessoas vivendo com HIV/aids”, declara a ativista, orgulhosa de fazer parte da construção da política pública para aids do País. Atualmente, o grupo enfrenta alguns de-sa ios, entre eles questões relacionadas à sus-tentabilidade, à capacitação e à quali icação das ações das ONGs.

Em 2009, quando fez 25 anos, o GAPA ho-menageou os principais atores governamen-tais e não governamentais que izeram parte da história da aids em São Paulo, com o livro “100 nomes que izeram a história da luta con-tra a Aids no Brasil”. Durante a comemoração foi entregue a várias pessoas o terceiro prêmio Paulo Cesar Bon im – um dos principais fun-dadores do GAPA/SP e um dos precursores do movimento de Aids na década de 80, e coorde-nador do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo entre 1989 e 1991.

GIV: 20 ANOS VALORIZANDO A VIDAO Grupo de Incentivo à Vida foi concebido

dentro do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP. No início dos anos 1990, liderado por Roberto Peruzzo, com apoio de funcioná-rios do CRT DST/Aids, um grupo de pacientes

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A LUTA PELA GARANTIA DE RESPONSABILIDADE

COMPARTILHADA ENTRE SORONEGATIVOS E PORTADORES

DO HIV TEM SIDO UMA DAS BANDEIRAS DA INSTITUIÇÃO, DIANTE

DE DECISÕES CONTROVERTIDAS DE ALGUNS JUÍZES E DIANTE DE

PROJETOS DE LEI COM TRAMITAÇÃO NO LEGISLATIVO

QUE VISAM CULPABILIZAR O PORTADOR DO HIV(CLÁUDIO PEREIRA)

organizou-se e criou a primeira ONG paulista composta e dirigida por pessoas que vivem com HIV. “A iniciativa abriu um novo campo na militância social e política, transformando os portadores de HIV em sujeitos de transfor-mação de uma realidade que os atingia dire-tamente”, observa Valvina Adão, psicóloga do ambulatório de HIV do CRT DST/Aids-SP, que pode ser considerada a “madrinha do GIV”. “No começo eram 8 pessoas, rapidamente o grupo ampliou-se. Na época, a principal preocupação era o preconceito que se disseminava na so-ciedade e a solidão das pessoas que se desco-briam soropositivas”, lembra a psicóloga.

Em 2009, o GIV fez 20 anos, com muitas vi-tórias para contar. Segundo Maria Clara Gian-na, o GIV foi um dos articuladores da Criação do Fórum de ONG/Aids do Estado de São Pau-lo e uma das principais vozes da sociedade ci-vil, no enfrentamento das várias ações discri-minatórias contra a pessoa que vive com HIV, tais como as propostas de criminalização do transmissor do HIV. Seus dirigentes, sempre atualizados com as novas demandas no cam-po da aids, estão envolvidos nos debates so-bre protocolos de vacina anti-HIV e prevenção pós-exposição à infecção.

No evento de comemoração de seus 20 anos, o GIV promoveu uma discussão sobre a crimi-

nalização da transmissão do HIV, que reuniu juristas, ativistas e especialistas na área. “A luta pela garantia de responsabilidade compar-tilhada entre soronegativos e portadores do HIV tem sido uma das bandeiras da instituição, diante de decisões controvertidas de alguns ju-ízes e diante de projetos de lei com tramitação no Legislativo que visam culpabilizar o porta-dor do HIV”, comenta Cláudio Pereira, diretor do GIV. O GIV ocupa ainda importante lugar na discussão pelas pesquisas de vacinas anti-HIV e na luta pela garantia de fornecimento e de qua-lidade dos medicamentos aos pacientes. “O GIV é sem dúvida um dos principais atores sociais que formam o movimento social de luta contra a aids”, declara Jean Dantas, do Programa Muni-cipal DST/Aids-SP.

Para muitos portadores de HIV/Aids, o GIV tornou-se sua “segunda casa”. É o caso de Maria do Socorro, 45 anos. Maria descobriu--se portadora de HIV após uma internação, menos de um ano depois do falecimento do marido. “Achei que minha vida tinha acabado. Cheguei ao GIV por indicação de pro issionais do CRT. Aqui, meu gosto pela vida voltou”, de-clara. Hoje Maria participa do grupo de mulhe-res que se reúnem às quintas-feiras. “Desde a primeira reunião percebi que minha história era muito parecida com a de outras mulheres. Antes eu só chorava, hoje eu divido alegrias e di iculdades com minhas novas amigas”, conta.

O bem cuidado sobrado de cor verde cla-ro, localizado na rua Capitão Cavalcanti, 145, recebida pelo GIV em doação, em 1993, é um ponto de referência política e social para os portadores de HIV/Aids de São Paulo. “Nessas duas décadas o GIV formou diversos ativistas que hoje ocupam funções de destaque no ce-nário da saúde pública e possuem importante participação nas ações de controle social, ges-tão e de formação de opinião”, declara Cláudio Pereira. “A inserção da sociedade civil nos con-selhos de saúde e outros órgãos do controle social estão entre os grandes avanços do mo-vimento”, avalia Pereira. *

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PLANO DE ENFRENTAMENTO DA EPIDEMIA EM HSH

ESTABELECE IMPORTANTES PARCERIAS

D ois componentes vitais para o sucesso do Plano de Enfrentamento da Epi-demia de HIV/Aids em HSH, no Esta-

do de São Paulo, se referem à humanização da atenção à saúde e ao combate ao preconceito e à discriminação em relação a esse grupo. Desde a adoção do plano, em 2009, passos importan-tes foram dados para a implementação desses componentes por meio de parcerias entre di-ferentes áreas da Secretaria da Saúde e desta com outros órgãos de governo do estado. As peculiaridades e as necessidades especiais des-sa população exigem que ações integradas se-jam formuladas para a construção de respostas adequadas e e icazes nessas duas áreas.

A HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDENo âmbito da Secretaria da Saúde, uma

das primeiras medidas para buscar a huma-nização da atenção à saúde dessa população é incluir a temática da diversidade sexual na agenda de toda a rede de serviços e preparar os pro issionais de saúde para lidar adequada-mente com o tema. Uma das articulações bem--sucedidas nesse sentido é a parceria estabele-cida com o Núcleo de Humanização da SES/SP.

Segundo Márcia Giovanetti, técnica do Núcleo de Populações Vulneráveis da área de Preven-ção do PE DST/Aids, “a articulação se baseia nas demandas do movimento social e conclu-sões de conferências realizadas abordando os direitos e necessidades especiais desse grupo”.

A Política Nacional de Humanização (PNH), incorporada integralmente pelo estado de São Paulo, se apoia em dois princípios: a indisso-ciabilidade da atenção e da gestão nos proces-sos de produção de saúde. A PNH tem, ainda, como diretrizes: a clínica ampliada, a coges-tão, a valorização do trabalho, o acolhimento, a saúde do trabalhador e a defesa dos direitos dos usuários, entre outros.

Duas dessas diretrizes são de enorme im-portância para a abordagem efetiva das vulne-rabilidades especí icas da população LGBT: o acolhimento e a clínica ampliada. “Há evidên-cias de que os serviços de saúde que adotam es-sas diretrizes têm maiores chances de êxito no trato com essas populações”, destaca a técnica.

A primeira aproximação da rede pública de saúde do estado de São Paulo com o tema ocorreu em um encontro sobre a política de humanização e a diversidade sexual, que reu-niu cerca de 250 participantes, de hospitais, secretarias municipais, DRS (Departamentos Regionais de Saúde) e outros. “Para nossa ale-gria, o tema provocou intensos debates e nos instigou a aprofundá-lo, destaca Cleusa Abreu, técnica do núcleo técnico de humanização da Secretaria de Estado da Saúde.

A partir daí, foram organizadas o icinas de sensibilização para trinta grandes hospitais da SES, que trataram da humanização da atenção

PARA NOSSA ALEGRIA, O TEMA PROVOCOU

INTENSOS DEBATES E NOS INSTIGOU A APROFUNDÁ-LO

(Cleusa Abreu)

Planos prioritários

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à saúde dessa população no contexto amplo de direitos humanos e saúde pública, com os títu-los: Um Olhar para a População LGBT, Roda de Conversa sobre Orientação Sexual e Identida-de e Gênero e Vivência das Sexualidades. Esses encontros provocaram grande impacto nos participantes, especialmente pelo fato de que lésbicas, gays, travestis e transexuais apresen-taram testemunhos sobre suas vivências do ponto de vista de sua sexualidade e relataram como foram (mal) acolhidos pelos serviços de saúde.

Planos de intervenção para a incorporação dos princípios e diretrizes descritos estão sendo implementados em todos os hospitais da SES.

AÇÕES CONTRA A DISCRIMINAÇÃO E O PRECONCEITO

Outra importante parceria para a implanta-ção do Plano de Enfrentamento da Epidemia em HSH foi estabelecida entre o CRT/Aids e a Coordenação de Políticas para Diversidade Sexual da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Governo do Estado de São Paulo. Criada em fevereiro de 2009, essa coordena-ção tem como principal atribuição defender os direitos da população de lésbicas, gays, bis-sexuais, travestis e transexuais. O órgão tam-bém promove, elabora, coordena, desenvolve e acompanha programas, projetos e atividades destinadas à promoção da cidadania LGBT e ao respeito à orientação sexual e identidade de gênero de cada cidadão. Uma de suas primei-ras ações foi criar o Comitê Intersecretarial de Defesa da Diversidade Sexual, reunindo repre-sentações de dez secretarias, para identi icar ações conjuntas e garantir a transversalidade do tema nas atividades das diferentes institui-ções do governo do estado.

Segundo Cleusa Abreu, “essa parceria teve início já 2009, por uma visita ao nosso site por um dos membros da recém-criada Coordena-ção”. No primeiro encontro realizado entre as

duas instituições, percebeu-se o sentido co-mum dos respectivos trabalhos e a coerência das suas missões. “Durante muito tempo os programas de Aids foram desaguadouros das reivindicações da população LGBT, atuando como um dos poucos canais de comunicação entre esses grupos e o estado. Esta parceria permitirá o melhor encaminhamento das de-mandas e a consequente agilização de respos-tas”, esclarece Márcia Giovanetti.

Dimitri Salles, responsável pela Coorde-nação de Políticas para a Diversidade Sexual, ressalta que a parceria com o CRT/Aids tem sido muito pro ícua ao ampliar a abordagem da epidemia para além dos seus aspectos biomédicos. Uma das principais questões a serem enfrentadas é o preconceito contra as pessoas que vivem com Aids. No estado de São Paulo, desde 2002 a Lei 11.199 proíbe atitudes de discriminação. Nas ações con-juntas das secretarias de Saúde e de Justiça, acordou-se que a última se encarregaria de receber e encaminhar as denúncias e coorde-nar todo o processo. No entanto, segundo Sal-les, ainda são poucas as demandas, por conta

DURANTE MUITO TEMPO OS PROGRAMAS DE AIDS FORAM

DESAGUADOUROS DAS REIVINDICAÇÕES DA POPULAÇÃO

LGBT, ATUANDO COMO UM DOS POUCOS CANAIS DE

COMUNICAÇÃO ENTRE ESSES GRUPOS E O ESTADO. ESTA

PARCERIA PERMITIRÁ O MELHOR ENCAMINHAMENTO DAS

DEMANDAS E A CONSEQUENTE AGILIZAÇÃO DE RESPOSTAS.

(Márcia Giovanetti)

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Bandeiras PositHIVas – Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

PESQUISA ANALISARÁ COMPORTAMENTOS DE HSH NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO

Outro elemento essencial para o enfrentamento da epi-demia de HIV/Aids em HSH, a pesquisa já em andamento, envolverá mil homens que fazem sexo com homens, na re-gião central de São Paulo. O estudo buscará reduzir as lacu-nas existentes no conhecimento sobre a epidemia de HIV e Aids nessa população e incorporar e adaptar para uso local uma técnica de amostragem pouco utilizada no País, o que possibilitará o monitoramento da tendência da epidemia e das mudanças de comportamento ao longo do tempo. Além disso a metodologia permitirá a identificação de segmentos de maior risco para a infecção pelo HIV entre os HSH.

Após a realização da entrevista, o participante será convidado a realizar o teste anti-HIV, após aconselhamen-to pré-teste, como preconizado pelo Ministério da Saúde. Segundo Gabriela Calazans, da equipe do projeto, “a pes-quisa tem como objetivo conhecer a prevalência de HIV entre HSH e seus comportamentos e práticas sexuais, num contexto em que a intolerância e a discriminação à diver-sidade sexual são legitimadas socialmente. Por isso, todo o processo deve merecer cuidados especiais, desde seu desenho e implementação ao modo como seus resultados serão divulgados ao término do estudo. Para tanto foram envolvidos o Fórum de ONG/Aids do Estado de SP e o Fó-rum Paulista LGBT para debater a pertinência do projeto, de seus objetivos e metodologia. Os investigadores e os

representantes comunitários discutiram ainda a criação de mecanismos de participação da comunidade ao longo do desenvolvimento do estudo, bem como um processo de disseminação privilegiado dos seus resultados aos voluntários e à organizações vinculadas ao movimento social de Aids e de luta pelo respeito à diversidade sexual.

A pesquisa deverá se estender até agosto de 2012. O projeto foi contemplado com financiamento do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS) 2009, iniciativa conjunta da Fun-dação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, Ministério da Saúde e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

da falta de divulgação sobre essa legislação, assim como sobre os procedimentos para en-caminhar as denúncias. Para contornar essa situação, está sendo conduzida uma campa-nha massiva constituída por diversas peças como cartazes, folders e banners para levar a informação para perto daqueles que sofrem essas violações. “O material será distribuído em todo o estado, e esperamos que através dele se possa combater de forma efetiva o preconceito contra pessoas soropositivas e

doentes de Aids”, explica o coordenador. Para ele, além das vulnerabilidades vividas, essas pessoas não têm como custear um advoga-do, na maioria das vezes. Visando contornar essa barreira adicional, foi estabelecida uma parceria com a Defensoria Pública do Estado, para que os pro issionais desse órgão acom-panhem os processos, possibilitando garantir a qualidade necessária para o encaminha-mento das ações legais apropriadas. *

Ivone de Paula, gerente de Prevenção do Programa Estadual DST/Aids-SP

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